CADERNO 58 O Cisma Do Oriente PDF
CADERNO 58 O Cisma Do Oriente PDF
CADERNO 58 O Cisma Do Oriente PDF
CADERNO
58
0 CISMA
I DO O R I E N T E
VOZES EM DEFESA DA FTÉ
Caderno 58
O Cisma do Oriente
A CONSUMAÇÃO DO CISMA.
Tão bem preparado assim por cinco séculos de
discórdias, o cisma chegou a um estado concreto
pela ação sucessiva de dois Patriarcas de Cons
tantinopla, Fócio, no séc. IX, e Miguel Cerulário,
no séc. XI.
E* oportuno, no momento, lamentar a ignorância
ou a má-fé de um arcebispo ortodoxo que, dando
uma entrevista a um jornal de S. Paulo, declarou
que a Igreja Ortodoxa fora fundada por S. João
Crisóstomo. Ora, S. João Crisóstomo foi arcebispo
de Constantinopla no séc. V, e Fócio é do séc. IX.
Fechado o parêntesis.
Apesar da diversidade de caráter e de atitudes
que a história assinala entre Fócio e Miguel Ce-
15
rulário, estas duas personagens seguiram táticas
paralelas para tornar definitiva a ruptura. Essa
tática consistiu em esmiuçar e pôr em relêvo tudo
aquilo que, no domínio da teologia, da liturgia, da
disciplina e mesmo dos simples costumes, era dc
natureza a levantar um muro de separação entre as
duas Igrejas.
No período precedente, os Papas tinham consegui
do todos os seus triunfos porque se tinham pôsto
como defensores da ortodoxia da doutrina contra
as heresias imperiais. Entenderam, pois, os de Cons
tantinopla que o melhor meio de destruir o seu pres
tígio e de sacudir o seu jugo era fazer pairar a sus
peita sobre a pureza da sua doutrina. Puseram-se
então, com infernal habilidade, a pesquisar alguns
pontos da doutrina ainda mal esclarecidos e que se
prestavam por isso a equívocos e suscitaram ques
tões insolúveis, capazes de levantarem intermináveis
controvérsias.
Mas as discussões teológicas eram para a elite,
para os intelectuais, ao passo que as divergências
canónicas, rituais, ou de costumes, eram próprias
para ganharem lentamente as massas populares,
persuadindo-lhes que entre a religião dos Gregos e
a dos Latinos medeava um abismo. Fócio insis
tiu principalmente sôbre a questão dogmática e Mi
guel Cerulário sôbre a litúrgica e a disciplinar.
O papel de Fócio. — Combateu este pertinazmen-
te a inclusão do Filioque no Credo e nesse senti
do dirigiu uma «encíclica» a todos os Bispos ori
entais e uma «Carta aos Búlgaros» em que ataca
o primado do Papa. Mas a sua «Mistagogia do Es-
16
pinto Santo» (Iniciação aos mistérios do Espírito
Santo) foi o arsenal em que os Gregos dos séculos
seguintes foram encontrar as armas para combate
rem os Latinos. Com essa obra, Fócio fêz mais pela
causa do cisma do que com a sua revolta ostensiva.
Sua doutrina se infiltrou na teologia bizantina, tanto
mais livremente quanto a Mistagogia só foi conhe
cida no Ocidente no séc. XII, isto é, três séculos
depois.
A tática de Miguel Cei'ulái'io. — A controvérsia
sobre a processão do Espírito Santo era muito trans
cendente para fazer impressão sobre o conjunto dos
espíritos e determinar desde logo a ruptura de
finitiva.
Assim, após a morte de Fócio, vemos as duas
Igrejas se reconciliarem.
E estava-se em vésperas de concluir uma aliança
entre o Papa Leão IX e o Imperador Constantino
Monômaco, quando Miguel Cerulário, que sucedeu
a Fócio na Sé Patriarcal de Constantinopla, no sé
culo XI, homem de uma ambição insaciável e de uma
vontade de ferro, resolveu fazer a Igreja oriental
completamente independente do Papa, para melhor
a submeter à sua própria autoridade. A ruptura
com Roma, como o demonstrou à evidência M.
Bréhier em sua excelente obra «O Cisma Oriental
do XI século» (Paris, 1899), não era senão uma
etapa para a realização de um sonho de domina
ção, pois êle aspirava a concentrar em suas mãos
o poder espiritual e o temporal, reduzindo o Ba-
sileu ao papel de simples intendente do Patriarca.
Mas se êle fracassou ridiculamente em sua luta con
17
tra o poder imperial, se caiu, como Fócio, vítima
do cesaropapismo, os seus ataques contra o Pontí
fice Romano foram coroados de pleno êxito, e é bem
êle que tem, perante a história, a responsabilidade
do cisma definitivo.
Desde o seu advento ao trono patriarcal, em 1043,
iniciou um plano de campanha visando à ruptura
ostensiva, e viu que o melhor meio de tornar du
rável o cisma era dar-lhe uma base no espírito
do povo. Relegando para o segundo plano a questão
do Filioque e afetando ignorar o primado de Roma,
levou a luta para o terreno das divergências litúr-
gicas e disciplinares, mais capazes de impressionar
a multidão e de lhe inspirar aversão pelos Latinos.
Perfeita demagogia.
Por ordem sua, o clérigo Leão de Ácrida abriu
as hostilidades em 1053 com uma carta ao Bispo
de Trani «e a todos os Bispos dos Francos e ao pró
prio muito honorável Papa», na qual acusa os La
tinos de judaizarem, empregando pão ázimo como
matéria da Eucaristia e jejuando aos sábados, etc.
Ao mesmo tempo, em Constantinopla, o monge Ni-
cetas Stétatos, instrumento dócil do Patriarca, lan
ça a público um panfleto nos mesmos têrmos. E,
juntando atos às palavras, Miguel Cerulário man
dou fechar tôdas as igrejas latinas de Constanti
nopla, intimou os padres e monges latinos a segui
rem os costumes gregos e, por sua recusa, os ex
comungou, apodando-os de azimistas. Houve mesmo
casos de violência e viu-se o Chanceler da cúria,
de nome Nicéforo, pisar aos pés Hóstias Consa
gradas, pelo motivo de que a sua matéria não era
-pão fermentado.
18
Com esta brutal agressão, manifestava Cerulá-
vio bem claramente o seu desejo de separação e
impressionava vivamente a imaginação do povo,
formalista em excesso, mostrando-lhe todo o hor
ror que era preciso ter pelas abomináveis práti
cas judaizantes dos Ocidentais.
A atitude do Papa Leão IX foi das mais enérgi
cas. Sem se deter a discutir as mesquinhas acusa
ções dos Gregos, levou imediatamente a questão
para a primazia da Igreja Romana e intimou Ce-
rulário a reconhecê-la.
O ambicioso Patriarca fêz, a princípio, menção
de ceder, mas propôs ao Papa uma espécie de acor
do, na base da igualdade. Leão IX respondeu: «Tu
nos escreves que, se nós fizermos venerar teu nome
numa única igreja romana, tu te comprometes a
fazer venerar o nosso em todo o Universo. Que
pensamento monstruoso! A Igreja Romana, cabeça
e mãe de todas as Igrejas, pode, por acaso, conhe
cer outra coisa senão membros e filhos?» (Will,
Acta et scripta quae de controversiis ecclesiae graecae
et latinae composita exstant. — Leipzig, 1861, p. 91.
A carta de Miguel Cerulário convenceu ao Papa
de que era impossível qualquer acomodação, pelo
que enviou a Constantinopla três Legados, o car
deal Humberto, o chanceler Frederico e Pedro
d’Amalfi, com a missão de excomungarem o Patriar
ca rebelde, se êle persistisse em sua revolta. Apesar
do apoio do fraco Imperador Constantino IX, todo
devotado à união por motivos políticos, apesar da vi
19
tória obtida pelo Cardeal Humberto numa discussão
pública com Nicetas Stétatos, o campeão do pão
fermentado, Cerulário manteve até o fim a sua ati
tude intransigente e recusou ter qualquer contacto
com os enviados da Santa Sé, seguro do apoio dos
Bispos do Oriente, dos quais nenhum fêz ouvir a sua
voz a favor de Roma. Os Legados decidiram-se en
tão a cumprir até o fim as instruções do Papa e no
dia 25 de julho de 1054, à terceira hora, se diri
giram à Basílica de Santa Sofia no momento em
que o povo lá se achava para ofício solene e depu
seram sôbre o altar uma Bula de excomunhão do
Patriarca e de todos os seus coadjuvantes. Nenhum
dos assistentes duvidou então de que a hora do cis
ma definitivo acabara de soar. E era a triste
realidade.
A excomunhão que fulminou Miguel Cerulário, e
que devia aniquilá-lo, não fêz mais do que apressar
o seu triunfo. Depois de ter procurado atrair os
Legados a uma armadilha que lhes teria custado
a vida, suscitou êle um motim popular contra o Im
perador, que os apoiava. Para salvar a coroa, teve
êste de enviar uma carta de escusas ao todo-pode-
roso Patriarca e consentir na convocação de um
Sínodo de doze metropolitanos e dois arcebispos,
os quais anatematizaram os Latinos e voltaram
contra êles tôdas as increpações contidas na Bu
la de excomunhão. O edito sinodal usava textual
mente as primeiras frases da «encíclica» de Fócio
aos Bispos do Oriente e exprobrava aos Ocidentais
20
o costume de se barbearem, de acrescentarem o
Filioque ao Credo, de ensinarem que o Espírito
Santo procede do Pai e do Filho, de proibirem o
casamento dos Padres, de se servirem do pão ázi
mo na celebração da Eucaristia e de uma porção
de coisas pequeninas e ridículas. Vê-se bem que o
espírito de Satanás pairava sobre o Sínodo.
23
ÍNDICE