TELLES, Norma - Rebeldes, Escritoras, Abolicionistas
TELLES, Norma - Rebeldes, Escritoras, Abolicionistas
TELLES, Norma - Rebeldes, Escritoras, Abolicionistas
Norma Telles*
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R. História, São Paulo, 120, p.73-83, jan/jul. 1989.
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7 P A Z , Octavio, Soror Juana Ines de la Cruz, las trampas de la fe. Mexico; Fondo
de Cultura Economica, 1985.
8 R E I S , Maria Firmina dos. Ursula, RJ, ed. fac-similar, 1975.
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nessa viagem pelo horror ao aspecto de meus irmãos." Seus sofrimentos po-
rém, ainda não haviam Findado: escrava do vilão, acabará morrendo em suas
mãos, torturada e acorrentada num calabouço úmido 9.
No livro de Maria Firmina dos Reis, os escravos falam um português
castiço e empregam sem erro o tratamento vós. Isto foi criticado como inve-
rossfmel. Porém, não estaria ela oferecendo através do universo lingüístico
idêntico, a oportunidade deles serem iguais? Entre os arremedos de fala es-
crava, ou cabocla, que aparecem em tantos textos, este emprego da língua
aproxima os personagens, E mais, ela mostra os escravos, através de Tulio e
Susana, como detentores de um código de valores e sentimentos próprios, di-
ferentes, mas nem por isso menos ético, do que o dos brancos. Em várias
passagens, Ursula se identifica com Tulio e, em dado momento, chega mes-
mo a Ínveja-Io, pois, por ser homem e já livre, ele pode viajar com o bacha-
rel enquanto ela, por ser moça, fica em casa,
No livro os homens são tiranos e as mulheres são impotentes para alte-
rar a situação, só fazem chorar. A mãe de Teodoro é tiranizada pelo pai,
Luiza B. e Ursula pelo vilão, A preta Susana, por sua vez, só é tiranizada
pelo senhor. O elo afetivo forte 6 entre mãe e filha, mas desagua na impo-
tência das lágrimas inúteis. Ou na amizade que une o liberto e o bacharel,
amizade esta inviável ao nível das representações do período. Um outro elo
forte é entre Susana, Tulio e a liberdade. Por tudo isto sò resta à autora ma-
tar todos os seus personagens, pois a sociedade na qual poderiam viver feli-
zes para sempre não existe. Restou uma lembrança gravada na pedra, Ursula,
um nome por fazer, uma vida por viver, uma vida sem história própria.
Maria Firmina, que foi escritora, jornalista, musicista e professora pri-
mária de uma classe mista e gratuita em Guimarães, Maranhão, escreveu ain-
da um outro conto sobre o tema da escravidão. A Escrava, de 1887, é narra-
do por uma personagem integrante de uma das sociedades abolicionistas.
Mostra a rede que se formara para rapidamente acolher e comprar a liberdade
de escravos fugidos. Aqui sua personagem tem história, vida própria, age
com astúcia para enganar feitores e senhores. No entanto, não tem nome,
permanece incógnita,
Maria Firmina morreu bem velha; foi descrita como tendo pele escura,
cabelos grisalhos presos cm um coque. Era muito querida e apreciada em sua
cidade. É mais lembrada como mestra das primeiras letras do que como es-
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sucesso, onde retrata a escrava como branca, erótica e sensual. Foi nesse pe-
ríodo também que Narcisa Amalia de Campos escreveu.
Narcisa Amalia (1863-1924), como assinava o que escrevia, foi profes-
sora, escritora e jornalista. Tomou-se conhecida, por volta de 1870, através
de publicações em jornais da Côrte e das províncias. Seu livro de poemas,
Nebulosas (1872), teve boa repercussão. Morou em Rezende, depois no Rio
de Janeiro, e foi uma batalhadora incansável pelos direitos da mulher, uma
democrata radical e, por isso mesmo, abolicionista, Para ela, o ideal do sé-
culo, a Musa Inspiradora, era a Liberdade que, sonhava, talvez - num futuro
não muito distante -, permitiria aos povos, aos homens e às mulheres, vive-
rem livres de violência, opressão e injustiças.
Em versos, traçou o "quadro hediondo" da escravidão, narrou os so-
frimentos"dos míseros cativos". "Meu Deus! ao precito/Sem crenças na vi-
da,/Sem pátria querida,/Só resta tombar'" O escravo, outrora um bravo em
sua terra, permanecia curvado ante um falso poder e era preciso partir os
grilhões, quebrar as algemas. Era preciso que "esta raça, que genuflexa re-
brama" se erguesse "de pé ungida, das crenças livres..." pois então o anjo
da liberdade, tendo descido, "de infelizes escravos/Fez talvez dez homens
bravos,/Talvez dez outros heróis!". 12
A pátria não poderia ser independente, nem se constituir como nação
plena, enquanto persistisse a nefasta instituição, enquanto todos os direitos
não fossem restituidos. Narcisa Amalia contemplava com desgosto e tristeza
o "espetáculo desolador dos costumes pátrios" e não era uma otimista em
relação à situação. Acreditava que era preciso lutar e conclamou.à rebeldia e
à revolução. Essas idéias lhe valeram severas críticas de contemporâneos.
Uma moça escrever versos de amor, ainda vá, mas meter-se em política! Isso
não!
Narcisa Amalia acreditava no poder da escrita, acreditava que a imagi-
nação literária poderia construir uma ponte de simpatia e compreensão por
sobre o abismo de intolerância entre os grupos. A imprensa, especialmente,
era vista por ela como instrumento privilegiado, pois criara novas esferas de
atividade para a "educação coletiva" e a "modificação das emoções". A im-
prensa já servira a outras revoluções, diz ela, tanto as cruentas quanto as pa-
cíficas e poderia, portanto, ser um meio de luta pela harmonia social. A pro-
paganda oral, pensava, embora fosse muito importante, não tinha o mesmo
peso e a mesma penetração que a imprensa. Esta, através de uma ação lenta,
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ABSTRACT: The author studies in the Brazilian patriarchal and slave society of
the I9th century, three women writers that defied their cultural milieu by taking up in
their books the problem of the abolition of slavery. The article aims at redeeming their
books from the forgetfulness to which they were condemned. The author begins by
studing the book Ursula by Maria Firmina dos Reis (1859), the first abolitionist novel
written in Brazil. Next is focused the book The slave girl (1877) by the same author.
Another pioneer woman writer was Narcisa Amalia an abolitionist militant in the Bra-
zilian press. She published A Família Medeiros, in which she describes with provocati-
ve minutiae a slave revolt in a coffee plantation.
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