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Técnicas de Tradução em Língua Inglesa

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Técnicas de Tradução em

Língua Inglesa
Prof. Luiz Henrique Milani Queriquelli

Indaial – 2019
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2019

Elaboração:
Prof. Luiz Henrique Milani Queriquelli

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

Q4t

Queriquelli, Luiz Henrique Milani

Técnicas de tradução em língua inglesa. / Luiz Henrique Milani


Queriquelli. – Indaial: UNIASSELVI, 2019.
148 p.; il.
ISBN 978-85-515-0345-4
1. Língua inglesa - Traduções para o português. - Brasil. II. Centro
Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 428

Impresso por:
Apresentação
Para muitos que nunca se deparam com a tarefa de traduzir, muitas
vezes, para essas pessoas, ocorre a ideia de que só existe uma tradução
possível, ou que existe uma tradução ideal, ou talvez a melhor opção
tradutória. Se você já se viu diante da tarefa de oferecer a tradução de algum
texto, provavelmente sabe ou deve ter tido a sensação de que as coisas não
são bem assim.

Existe um sem-número de variáveis concorrendo para a execução


de uma tradução. Implica dizer que uma tradução decorre de escolhas, e que
critérios, como melhor e pior, ideal ou imperfeito, fluida ou dura, entre outros,
são insuficientes para julgar uma tradução ou entender a natureza do fenômeno.

Com a leitura deste material, você terá condições de compreender a


complexidade envolvida na tradução lato sensu. Em um segundo momento,
analisar e praticar diferentes técnicas de tradução da língua inglesa, tendo
o português como língua-alvo. Não coincidentemente, as unidades que
seguem estão organizadas conforme essa linha de raciocínio.

Na primeira unidade faremos uma explanação sobre aspectos


gerais da tradução, culminando na importante distinção entre tradução
estrangeirizadora e tradução domesticadora, ou seja, entre traduções que
ficam mais próximas da língua de partida e traduções que se aproximam
mais da língua de chegada.

Na segunda unidade, analisaremos e praticaremos técnicas de


tradução estrangeirizadora, que envolvem, por exemplo, tradução literal,
empréstimos e manutenções da língua-fonte de outras ordens, como
manutenções sintáticas, estilísticas e culturais.

Por fim, na terceira unidade, veremos técnicas de tradução


domesticadora, que visam acomodar o texto a aspectos da língua-alvo,
envolvendo adaptações propriamente linguísticas, adaptações estilísticas e,
ainda, culturais/contextuais. Será, certamente, uma jornada exaustiva, mas
muito divertida em meio ao universo da tradução.

Não importa qual seja o seu objetivo com o estudo da língua


inglesa. Acreditamos que você se beneficiará muito com este material, pois
compreender os desafios da tradução é, em última instância, compreender a
natureza das línguas e seus limites. Assim, invista seu tempo e seus esforços
intelectuais para aproveitar ao máximo o conteúdo aqui disponível.

Bons estudos!
Prof. Luiz Henrique Milani Queriquelli

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1 – TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO........................................................................... 1

TÓPICO 1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS........................................................................................ 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE TRADUÇÃO............................................................................. 4
3 DIVERSIDADE LINGUÍSTICA......................................................................................................... 7
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 9
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 10

TÓPICO 2 – CRENÇAS SOBRE A TRADUÇÃO E O TRADUTOR............................................... 13


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 13
2 PRINCIPAIS CRENÇAS....................................................................................................................... 14
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 18
3 DESCONSTRUINDO AS CRENÇAS................................................................................................ 19
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 23
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 24

TÓPICO 3 – UNIDADES DE TRADUÇÃO......................................................................................... 25


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 25
2 FIDELIDADE VS. LIBERDADE......................................................................................................... 25
3 EXPERIMENTANDO A SELEÇÃO DE UNIDADES..................................................................... 27
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 33
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 34

TÓPICO 4 – DOMESTICAÇÃO E ESTRANGEIRIZAÇÃO............................................................ 35


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 35
2 A TRADUÇÃO RELIGIOSA E O FOCO NO TEXTO DE PARTIDA.......................................... 35
3 A TRADUÇÃO LITERÁRIA E O FOCO NO TEXTO DE CHEGADA....................................... 38
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 40
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 43
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 44

UNIDADE 2 – TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO................................... 45

TÓPICO 1 – TRADUÇÃO PALAVRA POR PALAVRA.................................................................... 47


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 47
2 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DE TRADUÇÃO........................................................................ 48
3 PALAVRA POR PALAVRA OU MANUTENÇÃO MORFOLÓGICA......................................... 50
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 52
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 53

VII
TÓPICO 2 – MANUTENÇÃO DE ITENS LEXICAIS DO TEXTO-FONTE
(EMPRÉSTIMO)................................................................................................................. 55
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 55
2 MANUTENÇÃO SEM ACLIMATAÇÃO (EMPRÉSTIMO DIRETO)......................................... 55
3 MANUTENÇÃO COM ACLIMATAÇÃO (APORTUGUESAMENTO)..................................... 58
4 DECALQUE............................................................................................................................................ 59
5 HIBRIDISMO......................................................................................................................................... 61
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 62
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 63

TÓPICO 3 – MANUTENÇÃO DE ESTRUTURAS SINTÁTICAS DO TEXTO-FONTE............ 65


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 65
2 ORDEM DOS ELEMENTOS SINTÁTICOS.................................................................................... 66
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 68
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 69

TÓPICO 4 – MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE................................................... 71


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 71
2 USO DE SINAIS DE PONTUAÇÃO................................................................................................. 72
3 REGISTRO.............................................................................................................................................. 75
4 LAYOUT................................................................................................................................................... 77
5 USO DE VOZ PASSIVA/VOZ ATIVA............................................................................................... 79
6 USO DE COORDENAÇÃO/SUBORDINAÇÃO............................................................................. 81
7 USO DE MARCADORES DO DISCURSO...................................................................................... 84
8 USO DE REFERÊNCIAS ANAFÓRICAS......................................................................................... 86
9 ADJETIVAÇÃO...................................................................................................................................... 87
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 89
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 91

TÓPICO 5 – MANUTENÇÃO DE ITENS CULTURAIS DA CULTURA-FONTE...................... 93


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 93
2 ANÁLISE DE CASOS DE MANUTENÇÃO CULTURAL............................................................. 93
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................ 97
RESUMO DO TÓPICO 5........................................................................................................................ 99
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 100

UNIDADE 3 – TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO.......................................... 101

TÓPICO 1 – DOMESTICAÇÃO DO SISTEMA LINGUÍSTICO.................................................. 103


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 103
2 TRANSPOSIÇÃO................................................................................................................................ 104
3 MODULAÇÃO..................................................................................................................................... 105
4 EQUIVALÊNCIA................................................................................................................................. 105
4.1 EQUIVALÊNCIA DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS, DITADOS, PROVÉRBIOS ETC....... 106
4.2 EQUIVALÊNCIA FUNCIONAL.................................................................................................. 107
5 SINONÍMIA......................................................................................................................................... 108
6 PARÁFRASE.........................................................................................................................................108
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................111
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................112

VIII
TÓPICO 2 – DOMESTICAÇÃO DO ESTILO...................................................................................113
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................113
2 OMISSÃO.............................................................................................................................................113
3 EXPLICITAÇÃO...................................................................................................................................114
4 GENERALIZAÇÃO (HIPERÔNIMOS) E ESPECIFICAÇÃO (HIPÔNIMOS)........................115
5 COMPENSAÇÃO IBIDEM E ALIBI................................................................................................116
6 RECONSTRUÇÃO..............................................................................................................................117
7 EQUIVALÊNCIA ESTILÍSTICA (MELHORIA)............................................................................118
8 MUDANÇA DE REGISTRO.............................................................................................................119
9 MUDANÇA DE COMPLEXIDADE/FLUIDEZ ESTILÍSTICA...................................................119
10 ADAPTAÇÃO.....................................................................................................................................120
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................124
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................125

TÓPICO 3 – DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA...............................129


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................129
2 OS ESTUDOS CULTURAIS E SUA IMPORTÂNCIA PARA A TRADUÇÃO.......................129
3 CULTURA COMO UM SISTEMA DE FRAMES..........................................................................130
4 CULTURA TÉCNICA: CIVILIZAÇÃO...........................................................................................131
5 CULTURA FORMAL: PRÁTICAS FUNCIONALISTAS E APROPRIADAS..........................132
6 CULTURA INFORMAL: SISTEMAS COGNITIVOS..................................................................132
7 FORA DO ICEBERG: RELAÇÕES DE PODER.............................................................................133
8 TRANSFERÊNCIA..............................................................................................................................135
9 EXPLICAÇÃO.......................................................................................................................................136
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................139
10 ILUSTRAÇÃO....................................................................................................................................141
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................142
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................144

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................145

IX
X
UNIDADE 1

TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• abordar diferentes nuances do conceito de tradução;

• discutir as diferentes conotações que a atividade tradutória já ganhou na


história;

• compreender a diversidade das línguas como a razão de ser da tradução;

• refletir sobre problemas de crenças comuns sobre a tradução e o tradutor


frente aos estudos da tradução;

• operar com unidades de tradução conforme a natureza do texto e os


objetivos de uma tarefa;

• compreender os fenômenos da estrangeirização e da domesticação como


manifestações do foco no texto de partida ou de chegada.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos e, no final de cada um deles,
você encontrará atividades que ajudarão a ampliar os conhecimentos
adquiridos.

TÓPICO 1 – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

TÓPICO 2 – CRENÇAS SOBRE A TRADUÇÃO E O TRADUTOR

TÓPICO 3 – UNIDADES DE TRADUÇÃO

TÓPICO 4 – DOMESTICAÇÃO E ESTRANGEIRIZAÇÃO

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1 INTRODUÇÃO
Você já parou para pensar que grande parte da vida moderna seria
impensável sem a tradução? Como você pode imaginar, é uma das atividades
mais antigas da humanidade e, em um mundo cada vez mais diverso como o
nosso, continua sendo mais necessária do que nunca.

Em um sentido amplo, ou seja, entendendo tradução como interpretação,


podemos afirmar que não há atividade linguística sem tradução. Como veremos
adiante, é possível admitir que o aprendizado de qualquer língua passa
necessariamente pela tradução.

Ainda, pensando no propósito específico deste material, devemos lembrar


que o império cultural anglófono e a própria globalização seriam impensáveis
sem a tradução de textos em língua inglesa para as mais diversas línguas no
mundo, com os mais diversos propósitos.

Ao que parece, são muitas as implicações da tradução na nossa vida,


certo? Você verá, porém, que elas vão muito além do que podemos imaginar.
A seguir, ainda nesta introdução, vamos refletir sobre a definição de tradução,
percorrendo uma variedade de conceitos e abordagens. Na sequência, vamos
discutir a diversidade linguística como fenômeno que confere razão de ser para
essa atividade.

Prosseguindo na nossa caminhada, refletiremos sobre crenças que pairam


sobre a tradução e a figura do tradutor para, enfim, entrarmos em aspectos teóricos
mais específicos, como as unidades de tradução e as chamadas abordagens
estrangeirizadora e domesticadora. Acompanhe!

3
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

2 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE TRADUÇÃO


O conceito de tradução vem sendo objeto de debate há muito tempo. Em
termos diacrônicos, sabemos que a palavra portuguesa deriva do vocábulo latino
traducere, que significa levar/conduzir (ducere) além (tra).

Hoje, no entanto, o sentido empregado pelos latinos já evoluiu para uma


diversidade de outros sentidos. É comum vermos, por exemplo, alguém falando
em traduzir com o sentido de “revelar, explicar, manifestar, explanar, representar,
simbolizar”, entre outros usos.

Como Guerini e Costa (2006) argumentam, o sentido de passar de uma


língua para outra é uma metáfora do ato físico de transferir. Assim, concluímos
que os demais sentidos atribuídos às palavras “traduzir” e “tradução” são gerados
a partir de extensão metafórica. Em todos eles, pressupõe-se o ato de transferir,
de passar algo de um lado para outro.

E
IMPORTANT

Nos termos dos autores Guerini e Costa (2006, p. 4), “traduzir designa, de modo
restrito, uma operação de transferência linguística e, de modo amplo, qualquer operação de
transferência entre códigos ou, inclusive, dentro de códigos”.

Há pouco falamos que a prática tradutória está presente no próprio


processo de aquisição de linguagem. Para aprendermos uma língua, procedemos
a diversas operações de tradução dentro da mesma língua. Paz (2012, p. 9)
radicaliza a importância da chamada tradução intralingual para a constituição da
linguagem, ao considerar o processo como algo essencial para os estágios iniciais
de aquisição:

Aprender a falar é aprender a traduzir: quando uma criança pergunta


para sua mãe o significado desta ou daquela palavra, o que realmente
pede é que traduza para a sua linguagem a palavra desconhecida. A
tradução dentro de uma língua não é, nesse sentido, essencialmente
diferente da tradução entre duas línguas, e a história de todos os
povos repete a experiência infantil.

Podemos assumir, assim, que não existe linguagem sem tradução. O


fenômeno é muito antigo, embora devemos ressalvar que, ao longo dos tempos,
seu status mudou por diversas vezes. Ora a translação de textos era considerada
uma atividade nobre, equivalente ao processo criativo, ora era considerada uma
atividade vil, decorrente dos vícios humanos.

4
TÓPICO 1 | NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A primeira e mais positiva das visões, a visão de tradução como criação,


pode ser bem observada entre os antigos romanos. A gênese da literatura e
da ciência latina está na tradução e imitação de modelos gregos, sendo que o
conceito clássico de imitação significava essencialmente recriação e superação do
modelo. Uma prova de como a tradução estava no centro da inventividade latina
é a quantidade de termos que os romanos tinham para a atividade.

Para diferentes nuances do fenômeno, eles davam diferentes nomes,


como “verter”, “converter”, “transverter”, “imitar”, “explicar”, “interpretar”,
“exprimir”, “render”, “transferir”, “transladar”; nomes que vêm de “translação”
e “translator”. Eis o que explica Furlan (2001, p. 13):

Na tradução artística, com uma invenção latina, houve a produção


de uma romanização não só da expressão, mas também do conteúdo,
com ênfase no texto de chegada, e o novo valor se denominou com
os verbos uertere e o composto conuertere, transuertere e imitari.
Explicare também compartilha as noções, mas em São Jerônimo
assume o significado de acentuação sobre a funcionalidade semântica
mais que sobre o ornato retórico. Outras acepções latinas oferecem os
verbos interpretari, que parece colocar a atenção sobre o conteúdo,
a dependência e o esforço de fidelidade da cópia; exprimere, que
parece enfatizar a marca formal do calco; e reddere, que indicaria a
correspondência formal não literal entre original e tradução. No latim
tardio e na Idade Média vai predominar o termo transferre e, ainda
mais, de seu derivado participial, o verbo translatare, que oferece o
substantivo translatio e o agente translator.

A segunda e mais negativa das visões foi produzida, paralelamente ao


paganismo, no pensamento judaico-cristão. Até a Idade Média promoveu a visão
da tradução como deturpação da palavra.

NOTA

Uma das causas da visão pejorativa deriva do mito bíblico da Torre de Babel.
Deus, para obstruir o trabalho dos homens, que tentaram construir uma torre tão alta quanto
os céus, originou a diversidade de línguas entre si, levando-os ao desentendimento e ao
fracasso no projeto. Consequentemente, a tradução, que derivaria da necessidade surgida
com a punição divina, era comumente mal vista no antigo mundo judaico-cristão.

Bassnett (2003, p. 1) corrobora ao observar que a tradução era “considerada


uma atividade marginal, que só começou a ser vista como um ato fundamental
do intercâmbio humano no século XX”.

5
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

A função de mediação cultural, franqueada por Bassnett (2003), é um


aspecto fundamental da atividade em discussão. Analogamente, Rónai (1976, p.
3-4) comenta que, em geral, as definições dadas à tradução disfarçam a natureza
transcultural. Em seus termos:

Ao definirem “tradução”, os dicionários escamoteiam prudentemente


o aspecto e limitam-se a dizer que traduzir é passar para outra língua.
A comparação mais óbvia é fornecida pela etimologia: em latim,
traducere é levar alguém pela mão para o outro lado, para outro lugar.
O sujeito do verbo é o tradutor, o objeto direto [...]. Mas a imagem
pode ser entendida também de outra maneira, considerando-se
que o tradutor pega o leitor pela mão para levá-lo para outro meio
linguístico.

Do ponto de vista cultural, existiriam duas perspectivas distintas do ato


tradutório: a do tradutor conduzindo o autor para a outra língua, e a do translator
que leva, não o autor, mas o leitor para o outro “lado”, ou seja, para a cultura
alheia. Assim, na primeira perspectiva, aquela que Rónai (1976, p. 4) chama de
“tradução naturalizadora”, o tradutor “conduz uma obra estrangeira para outro
ambiente linguístico, adaptando-a ao máximo aos costumes do novo meio”.

Há a retirada das características exóticas, o esquecimento que reflete uma


realidade longínqua, diversa. Na segunda perspectiva, que o autor chama de
“tradução identificadora”, o intérprete “conduz o leitor para o país da obra que lê
e mantém cuidadosamente o que tem de estranho, de genuíno, e acentua a cada
instante a sua origem alienígena” (RÓNAI, 1976, p. 4). Perceba que as definições
dão destaque ao papel do tradutor e do leitor como sujeitos ativos no processo.

Pereira (2008), no entanto, observa que não são raras algumas tentativas
de definir a tradução que deixam de lado elementos essenciais. Tais tentativas
acabam reduzindo o conceito de tradução para a mera substituição de material
textual em uma língua-fonte por material textual equivalente em outra língua-
meta, ou à simples transferência do conteúdo de um texto para os meios próprios
de outra língua.

Embora deixem de ser inteiramente erradas, as definições deixam lacunas


importantes, pois descrevem um processo somente entre línguas, esquecendo-
se de dois elementos essenciais: os sujeitos envolvidos e a situação (o contexto).
Assim, nas abordagens redutivistas, o tradutor é encarado como um mero
reprodutor de textos, uma espécie de adaptador de voltagem entre línguas, sem
nunca alçar a posição de autor.

Em dissonância ao tipo de visão em questão, declaramos que procuraremos


sempre abordar a tradução em uma perspectiva que inclui não só os códigos
linguísticos, mas também os sujeitos envolvidos no processo e no contexto em
que atuam.

6
TÓPICO 1 | NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

3 DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
Para Guerini e Costa (2006), o mito da Torre de Babel, que mencionamos
há pouco, pode ser interpretado como uma expressão da interminável tarefa
do tradutor, que decorre de um fenômeno primordial: a grande diversidade de
línguas existentes.

Steiner (2005) entende que a diversidade é uma consequência da própria


individualidade dos seres humanos, ou seja, cada um de nós é naturalmente
diferente, e é natural que nos expressemos de modos singulares. Embora haja
uma negociação das nossas diferenças com vistas à comunicação, os limites das
diferenças se tornam cada vez mais salientes na medida em que os limites sociais
também se alargam. Nos termos de Steiner (2005, p. 72):

O fato de que milhares e milhares de línguas diferentes e mutuamente


incompreensíveis foram e são faladas em nosso pequeno planeta é
uma expressão clara do enigma profundo da individualidade humana,
da evidência biogenética e biossocial de que não existem dois seres
humanos inteiramente iguais.

Quando Steiner (2005) afirma que milhares de línguas diferentes foram e


são faladas por razões biogenéticas e biossociais, ele chama a nossa atenção para
o fato de que, desde que o ser humano desenvolveu a faculdade da linguagem,
as línguas variaram e mudaram por inúmeros fatores, como sexo dos falantes,
idade, classe social, região geográfica, registro (culto ou informal) etc.

Com tantos fatores condicionando o comportamento das línguas e sua


mudança, é natural que quanto mais a população humana se multiplica e suas
diferenças biológicas e culturais se agravam no tempo e no espaço, mais as línguas
se diferenciam e se multiplicam.

E
IMPORTANT

É importante ressaltar que a variedade linguística existe dentro de uma mesma


língua, e a variação, na medida em que se intensifica, pode levar ao surgimento de novas
línguas, o que o torna a operação tradutória sempre necessária e atual.

A língua portuguesa, por exemplo, por muitos considerada uma só, tem
variedades díspares a ponto de seus falantes não as reconhecerem mais como
variedades de um mesmo sistema. Estamos falando do português europeu

7
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

e do português brasileiro, variedades diatópicas que já guardam profundas


diferenças, não só no léxico (vocabulário), mas também na fonologia (regras para
a articulação dos sons), na prosódia (entonação, acentuação e atração de clíticos)
e na morfossintaxe (regras de concordância, sistema pronominal etc.).

Muitas edições de obras estrangeiras têm uma tradução no Brasil e


outra, sensivelmente diferente, em Portugal, o que é um claro sintoma do
afastamento radical.

Agora que já tocamos em algumas questões elementares (como a ideia


de translação e seus desdobramentos, a tradução como algo constitutivo da
linguagem humana, suas concepções históricas e a relação do fenômeno da
diversidade linguística com a tradução), podemos passar a analisar com mais
calma e detalhe algumas crenças, mitos e fatos ligados à atividade.

8
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há diferentes nuances do conceito de tradução. Começamos por uma definição


mais geral, a de levar um significado de uma língua para outra e, em seguida,
vimos como o conceito se desdobrou em outros, como “revelar, explicar,
manifestar, explanar, representar, simbolizar” etc. Vimos também que a
tradução pode acontecer entre duas línguas ou no interior de uma mesma
língua. Em última instância, não há atividade linguística sem tradução.

• Existem diferentes conotações que a atividade tradutória já ganhou na história,


extremamente positiva na antiguidade clássica, por exemplo, símbolo de
invenção, criação e engenhosidade e extremamente pejorativa na tradição
judaico-cristã, símbolo de discórdia, obscuridade e degeneração da verdade.

• A tarefa do tradutor decorre de um fenômeno primordial: a grande diversidade


de línguas existes. Tal diversidade, por sua vez, advém de razões biogenéticas
e biossociais (sexo dos falantes, idade, classe social, região geográfica, registro
culto ou informal etc.) e, com tantos fatores condicionando o comportamento
das línguas e sua mudança, é natural que quanto mais a população humana
aumenta e suas diferenças se agravam, mais as línguas se diferenciam e se
multiplicam. Assim, a diversidade das línguas é, por excelência, a razão de ser
da tradução.

9
AUTOATIVIDADE

1 Relacione os itens com as afirmações a seguir:

I- Visão da tradução na antiguidade clássica.


II- Visão da tradução na antiga tradição judaico-cristã.
III- Tradução como atividade linguística básica.
IV- Causa primordial da necessidade da tradução.
V- Tradução como negociação entre textos.
VI- Tradução como negociação entre culturas.

( ) Um texto não reflete apenas as propriedades estritamente linguísticas


de uma língua (léxico e gramática, por exemplo), mas também espelha
convenções muito particulares em relação à cultura do seu autor. A
tradução envolve equalizar as diferenças entre o mundo do autor e o
mundo do leitor.
( ) Em termos estritamente linguísticos (léxico, morfologia, sintaxe etc.), as
línguas são invariavelmente distintas. Portanto, na versão de um texto
de uma língua para outra, o tradutor tem perdas e ganhos em termos de
escolhas vocabulares, construções sintáticas, equivalências morfológicas
etc.
( ) As pessoas são naturalmente diversas entre si, e a diversidade se estende
à linguagem. Quanto mais as diferenças se agravam, mais as diferenças
linguísticas se acentuam.
( ) Estamos operando traduções a todo momento, quando explicamos
algo para alguém, quando mudamos de contexto, mudamos de veículo
de comunicação ou gênero discursivo, quando estamos adquirindo
linguagem, quando lidamos com línguas estrangeiras.
( ) A tradução era vista como uma deturpação do sentido original das
palavras e como causa primordial da discórdia entre os homens.
( ) A tradução era vista como um processo criativo, assumindo sentidos como
os de criar, verter, converter, transverter, imitar, explicar, interpretar,
exprimir, render, transferir, transladar, dentre outros.

2 Diante do que foi apresentado no primeiro tópico, como você explicaria


a seguinte afirmação: “quanto mais as diferenças entre seres humanos se
aprofundam, mais a tradução se faz necessária”?

3 Existem tentativas de simplificar o conceito do que é uma tradução, como


sendo a substituição de material textual em uma língua-fonte (LF) por
material textual equivalente em outra língua-meta (LM) ou a transferência
do conteúdo de um texto para os meios próprios de outra língua. Apesar

10
de sucintos, ainda existem pontos não explicitados nas definições, pois
descrevem um processo somente entre línguas. Os sujeitos envolvidos e a
situação (contexto) nem são mencionados. Com base no enunciado, marque
a opção INCORRETA:

a) ( ) O tradutor ora é encarado como um mero reprodutor de textos, uma


espécie de adaptador de voltagem entre línguas, ora alça a posição de
autor.
b) ( ) A tradução é o termo geral que define a ação de transformar um texto a
partir da língua-fonte, por meio de vocalização, escrita ou sinalização,
em outra língua-meta.
c) ( ) É aceitável que a tradução procure uma correspondência de aspectos
linguísticos, porém seus objetivos de interação podem ser perdidos em
uma busca obsessiva de equivalência entre as línguas.
d) ( ) A tradução é uma atividade que abrange a interpretação do significado
de um texto em uma língua – o texto-fonte – e a produção de um novo
texto em outra língua, sendo que tal texto resultante também é chamado
de tradução.

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12
UNIDADE 1
TÓPICO 2

CRENÇAS SOBRE A TRADUÇÃO E O TRADUTOR

1 INTRODUÇÃO
Frequentemente ouvimos de muitas pessoas afirmações como: “O
português é a língua mais difícil de todas.” ou “O inglês é mais fácil do que o
português.”, e por aí vai. Apenas para redarguir as duas alegações infundadas,
podemos citar uma série de fatos linguísticos.

Um dos argumentos usados, por exemplo, para sustentar a tese de o que


inglês é mais fácil é a pobreza da sua morfologia verbal. O inglês tem apenas uma
flexão para marcar as categorias de número e pessoa (-s), outra para marcar tempo
passado (-ed), uma ou outra alomorfia de raiz que pode ser considerada marcação
de tempo ou modo, e só. Tudo o mais é marcado por perífrases envolvendo verbos
auxiliares, preposições, advérbios, marcações de categorias nos nomes etc.

Além das perífrases verbais serem tão complexas quanto qualquer


outra morfologia verbal rica em flexões (pense, por exemplo, na infinidade
de combinações possíveis com o verbo get), temos que dizer que o vernáculo
brasileiro contemporâneo nem é lá muito mais complexo que o inglês em termos
de flexões número-pessoais.

Um verbo como tem, em muitos dialetos, só apresenta oposição entre a


primeira pessoa e as demais: eu tenh-o, você tem-ø, ele tem-ø, a gente tem-ø, vocês
têm-ø, eles têm-ø. É exatamente como no inglês, que opõe a terceira do singular
às demais com a desinência -s. Ainda, se a morfologia verbal do inglês é mais
simples, sua fonologia é muito mais complexa do que a do português e de outras
línguas românicas, haja vista a riqueza do seu sistema vocálico e da sua prosódia.

Nós poderíamos encher laudas tratando do assunto, mas nosso objetivo,


neste tópico, é tratar dos mitos e crenças que as pessoas têm não sobre a linguagem
em geral, mas particularmente sobre a tradução e o tradutor. Também existem em
abundância, e esclarecê-las pode ser um bom ponto de partida para avançarmos
nos estudos da tradução. Vamos lá então!

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UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

2 PRINCIPAIS CRENÇAS
Em um texto de título igual ao deste tópico, a tradutóloga Adriana Pagano
discute aquelas que acredita serem as crenças mais comuns em relação à tradução
e ao tradutor e sua aplicabilidade ou validade à luz das novas teorias dos estudos
da tradução. Tais crenças são as seguintes:

1. A tradução é uma arte reservada a uns poucos que podem exercê-la


graças a um dom especial.
2. A tradução é uma atividade prática que requer apenas conhecimento
da língua e um bom dicionário.
3. O tradutor deve ser falante bilíngue ou ter morado num país onde
se fala a língua estrangeira com a qual trabalha.
4. Só se pode traduzir da língua estrangeira para a língua materna,
uma vez que só dominamos esta última.
5. O tradutor é um traidor e toda tradução envolve certo grau de
traição (PAGANO, 2000, p. 11-12).

E
IMPORTANT

Antes de continuar a leitura, pense a respeito das crenças elencadas por Pagano
(2000). O que você pensa sobre elas? Elas condizem com o seu entendimento a respeito
da tradução e do tradutor? Refletem as suas crenças pessoais? Anote o resultado das suas
reflexões e retorne a elas ao final desta seção.

Segundo a autora, a primeira das crenças decorre de uma impressão que


se tem ao apreciar uma excelente tradução ou, por outro lado, um trabalho ruim.
No primeiro caso, a excelência deixa a impressão de que é um trabalho muito
difícil ou inalcançável, inacessível aos que não são dotados.

No segundo, a crença é evocada justamente para desmerecer o trabalho


malsucedido de um tradutor, sugerindo que quem não tem o dom não deve se
meter a fazer o que não sabe. Tanto uma reação quanto outra obscurecem o que
de fato está por trás do ofício do tradutor e impedem que as pessoas reconheçam
os méritos reais.

Como observa Pagano (2000, p. 12), “está implícita aqui a ideia de que se
nasce tradutor ou que só se pode chegar a sê-lo quando se possui esse dom. Longe
de corroborar, as pesquisas mostram que tradutores competentes e reconhecidos
possuem uma carreira que envolve experiência e qualificação”.

É claro que a sensibilidade artística de certos tradutores contribui para a


qualidade dos seus textos, principalmente se forem traduções literárias. Pode ser

14
TÓPICO 2 | CRENÇAS SOBRE A TRADUÇÃO E O TRADUTOR

encarado como um convite para duas reflexões: primeiro, a de que todo tradutor
é um escritor, é um autor, um criador, e, se o texto traduzido parece bom, muito
do mérito deve ser atribuído ao tradutor, que fez um ótimo trabalho de produção
textual, e não necessariamente ao autor do texto de partida.

A segunda reflexão, que decorre da primeira, é a de que, para sermos


bons tradutores, temos que antes, e sempre, qualificarmo-nos como bons
escritores na língua de chegada, não importa se os textos que vamos escrever
são traduções ou não.

A segunda crença comum apontada pela autora é a de que a tradução é


uma atividade meramente prática e que requer apenas conhecimento da língua
e um bom dicionário. Costuma decorrer de uma subvalorização da atividade
pelo mercado. Sem conhecer as dificuldades e a complexidade envolvida no
trabalho de tradução, os demandantes de serviços de tradução (empresários,
administradores, profissionais liberais etc.), geralmente visando gastar pouco,
pressupõem que seja algo simples de se fazer.

Não raras vezes, eles mesmos se arriscam a traduzir ou solicitam a tarefa


a uma pessoa próxima, que tenha algum conhecimento da língua em questão,
embora não seja tradutor profissional, a fim de minimizar seus custos. Como
lembra Pagano (2000), há uma longa história de casos, muitas vezes trágicos,
ligados a insucessos de tradução.

NOTA

O caso “general will” é conhecido como um dos maiores desacertos já cometidos


em uma tradução para o português brasileiro. No livro “A Teoria Política do Individualismo
Possessivo: de Hobbes até Locke”, de C. B. Macpherson, a expressão inglesa “the general will”,
em vez de significar “a vontade geral”, virou “o general Will”. Assim, quem decidia as coisas em
algumas passagens da obra não era a vontade geral, mas sim um tal de general Will. Como
ironiza Narloch (2002), “tudo bem: o livro foi editado em 1979, tempo de ditadura militar...”.

Tais demandantes que subvalorizam o serviço de tradução não fazem


ideia do tanto de investimento que um profissional faz para desenvolver a
chamada competência tradutória, um conjunto de “conhecimentos, habilidades e
estratégias que o tradutor bem-sucedido possui e que conduzem a um exercício
adequado da tarefa tradutória” (PAGANO, 2000, p. 14).

Para entender a subvalorização, podemos recorrer à divisão da


competência tradutória proposta por Campbell (1998) entre “habilidades
inferiores” e “habilidades superiores”.

15
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

A primeira envolveria o conhecimento de léxico, morfologia e sintaxe,


enquanto a segunda abrangeria níveis supostamente mais complexos,
como aspectos de coesão e coerência (referenciação e sequenciação textual),
macroestruturas textuais, coligações lexicais, domínio de registros e gêneros
discursivos, e sua inserção no contexto do texto traduzido.

Assim, muitas vezes, quem subvaloriza o trabalho de traduzir pressupõe


que, ao tradutor, basta ter tais habilidades inferiores, sem dimensionar a
importância daquilo que Campbell (1998) chama de habilidades superiores.

A terceira crença, aquela segundo a qual o tradutor deve ser falante


bilíngue ou ter morado em um país onde se fala a língua estrangeira com a qual
trabalha, é parcialmente confirmada pela autora.

Segundo ela, as pesquisas corroboram, indicando que o bilinguismo e a


vivência intercultural são fatores decisivos para uma boa tradução. No entanto,
Pagano (2000) alerta que apenas os dois fatores não são suficientes, se não
estiverem acompanhados de uma formação que permita ao tradutor um bom
desempenho. Ainda, um falante bilíngue não significa necessariamente alguém
que tem domínio absoluto de ambas as línguas.

Devemos acrescentar outra ressalva às feitas por Pagano (2000). Como


estudiosos de tradução de latim, não podemos dizer que somos falantes bilíngues
de latim e português, nem tampouco vivência na Roma Antiga. Ainda assim,
publicamos traduções de literatura latina e serviços de tradução.

Parece reforçar a ideia que já defendemos antes, a de que ao tradutor é


necessário sim ter um domínio razoável da língua de partida, mas acima de tudo
ser um bom escritor na língua de chegada, capaz de reproduzir textos e contextos
tendo em vista o leitor pretendido.

A quarta crença discutida por Pagano (2000) opõe tradução e versão,


negando a segunda possibilidade. Em outras palavras, a crença diz que só se pode
traduzir da língua estrangeira para a língua materna, uma vez que só dominamos
a última. A autora discorda da presunção, sugerindo que, se o tradutor conseguir
desenvolver as habilidades estritamente linguísticas e as ditas habilidades textuais
superiores na língua estrangeira, ele pode sim verter da sua língua materna para
a segunda língua.

Em seus termos, “o domínio de uma língua estrangeira, juntamente com


um conhecimento cultural e técnico, e as habilidades apropriadas para o exercício
da recriação de um texto, possibilitam a tradução para a língua estrangeira sem
maiores problemas” (PAGANO, 2000, p. 14).

16
TÓPICO 2 | CRENÇAS SOBRE A TRADUÇÃO E O TRADUTOR

A quinta e última das crenças elencadas talvez seja a mais famosa de


todas que cercam o universo da tradução e está imortalizada pelo ditado italiano
traduttori, traditori (tradutores, traidores). Por trás da crença repousam várias
falácias que os Estudos da Tradução, desde meados do século passado, vêm
pouco a pouco desconstruindo.

Por trás da ideia de traição, pressupõe-se que o tradutor prometeu algo e


não cumpriu, traindo ou enganando o leitor. Contudo, que promessa teria sido?
A de entregar o mesmo sentido e palavras do original, em uma transposição
plenamente equivalente ou correspondente? Em que mundo imaginário um ideal
assim seria possível? Se nem mesmo um texto escrito em uma dada língua produz
os mesmos sentidos em dois leitores nativos dessa língua, por que esperar algo
tão irreal assim de uma tradução? Como pontua Pagano (2000, p. 15):

Teorias desenvolvidas já a partir dos anos 1950 e novas teorias


fundamentadas em pesquisas acadêmicas recentes mostram a
complexidade do processo tradutório, que envolve aspectos da
produção e recepção de textos. Assim, por exemplo, podem ser
realizadas diferentes traduções de um mesmo original de acordo
com os objetivos pretendidos, o público-alvo, a função que se busca
atribuir ao texto traduzido e outros fatores mercadológicos ou não que
participam das decisões a serem tomadas na recriação de um texto
numa nova língua e cultura.

Assim, não há o porquê de se falar em traição sendo que o acordo


tácito entre tradutor-locutor e leitor-interlocutor esteja bem posto, uma vez
que a tradução seja compatível com seus objetivos. É claro que o descrédito
que o tradutor ainda recebe em alguns círculos continua sendo confirmado por
exemplos de trabalhos improvisados ou realizados por pessoas não qualificadas.
Contudo, nem é motivo para perdurar uma crença falaciosa como essa que
distorce o sentido da atividade tradutória.

17
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

LEITURA COMPLEMENTAR

Tragédias de tradução: a TV a cabo gerou uma enorme demanda por


tradutores, que nem sempre são qualificados

Leandro Narloch

Que tal sentar com os amigos em um bar, erguer o copo de cerveja e propor
uma torrada? Estranho? Segundo o poeta e tradutor Ivo Barroso, confusões assim,
causadas por erros de tradução em livros, filmes e seriados, são cada vez mais
comuns. “A TV a cabo gerou uma enorme demanda por tradutores, que nem
sempre são qualificados”, diz ele. A Super consultou 30 especialistas na área para
saber alguns dos piores tropeços na arte de traduzir. Aí vão eles:

Moça! Moça!

Nick Marshall (Mel Gibson), protagonista de Do Que as Mulheres


Gostam, assiste a um jogo de basquete pela TV. Um dos jogadores se prepara
para arremessar a bola e as palavras de Nick aparecem na legenda: – Moça, moça,
moça! Moça? Na verdade, ele torcia: “Erra, erra, erra” (miss, miss, miss). Quem
errou foi o sujeito que fez a legenda para a versão brasileira.

Torrada!

Let’s make a toast significa “vamos fazer um brinde”, mas, segundo a


tradutora Raquel Elimar, em muitas legendas está como “vamos fazer uma
torrada”. Toast é uma das tantas palavras inglesas com dois significados. Outro
erro comum envolve o verbo inglês pretend (fingir), que quase sempre vira
“pretender”. O livro The Physician (“o médico”) foi traduzido para O Físico (na
verdade, “físico” é physicist).

Motorista de disco

O tradutor Flávio Steffen lembra que “motorista de disco” entrou no lugar


de “unidade de disco” na tradução de disk drive, em um dos primeiros livros de
informática do Brasil. Motorista, em inglês, é driver.

Arenque vermelho

Red herring é uma expressão com o sentido de pista falsa, disfarce, mas
pouca gente sabe. Ela é sempre traduzida literalmente para arenque vermelho.
Como em “o cálcio do leite é, de fato, um arenque vermelho”, em tradução virtual
do livro Fit for Life, Heads & Tails, Diet for a New America.

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TÓPICO 2 | CRENÇAS SOBRE A TRADUÇÃO E O TRADUTOR

Dinheiro na jogada

Há mal-entendidos que podem causar prejuízos astronômicos. Um deles,


segundo o tradutor Francis Aubert, aconteceu com uma empresa brasileira que
tentou comprar uma enorme carga chinesa de feijão preto. Só quando o navio
chegou ao Brasil os empresários perceberam que o que haviam comprado era
um tipo de soja. Como a negociação foi feita em inglês – língua estrangeira para
os dois lados –, as empresas se confundiram com a palavra bean, que quer dizer
tanto “feijão” quanto “grão”.

O General Will

O pior de todos os “desacertos” já cometidos em uma tradução para o


português brasileiro é tido como mito para a maioria dos tradutores. Mas ele está
lá, no livro A Teoria Política do Individualismo Possessivo: de Hobbes até Locke.
A expressão inglesa the general will, em vez de significar “a vontade geral”, virou
“o general Will”. Resultado? Quem decidia as coisas em algumas passagens da
obra não era a vontade geral, mas o general Will. Tudo bem: o livro foi editado em
1979, tempo de ditadura militar…

FONTE: NARLOCH, Leandro. Tragédias de tradução: a TV a cabo gerou uma enorme demanda
por tradutores, que nem sempre são qualificados. Superinteressante, São Paulo, n. 180, 2002.
Disponível em: https://super.abril.com.br/historia/tragedias-de-traducao. Acesso em: 22 nov. 2018.

3 DESCONSTRUINDO AS CRENÇAS
Como forma de mostrar que a competência tradutória vai além das
habilidades estritamente linguísticas, abrangendo também diferentes habilidades
macrotextuais, e como cada tradução está condicionada a estratégias e objetivos
específicos, Pagano (2000) propõe um breve exercício de tradução de uma certidão
de casamento estrangeira. Tentaremos resenhar seu exercício aqui a fim de pôr
em prática a desconstrução das crenças que discutimos. A certidão de casamento
em questão é a que veremos a seguir:

19
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

FIGURA 1 – CERTIDÃO DE CASAMENTO

FONTE: Pagano (2000, p. 16)

Muitas pessoas, principalmente aquelas leigas em relação às


especificidades envolvidas no ofício do tradutor profissional, ao se depararem
com um documento assim, podem pensar que sua tradução seja uma tarefa
fácil, algo possível de ser realizado por qualquer um com um conhecimento
razoável de inglês. A autora, porém, mostra pouco a pouco como tal tarefa não
é assim tão simples.

Primeiro, temos que considerar o contexto do original. Trata-se de uma


certidão pública, que imediatamente nos remete a um gênero textual bem
estabelecido, dotado de características consolidadas, um formato fixo, que não
podemos alterar livremente. Não podemos inventar os enunciados típicos de um
documento como uma certidão, um edital, um diploma etc.

Possuem frases formulaicas, relativamente engessadas. Por exemplo: “O


diretor de gestão de pessoal, no uso das atribuições legais, em cumprimento à
determinação tal, torna pública a realização de concurso público para provimento
de vagas...”; “Declaro para os devidos fins...”; “A quem interessar possa...” etc.
Como adverte Pagano (2000, p. 17), “a identificação do tipo textual é importante
para selecionar o formato, a estrutura e o léxico do nosso texto traduzido para
português”.

20
TÓPICO 2 | CRENÇAS SOBRE A TRADUÇÃO E O TRADUTOR

Aqui já começamos a ver claramente as limitações daquele tipo de visão


que presume ser necessário ao tradutor apenas um conhecimento do vocabulário
e da gramática de uma língua. Uma primeira tentativa de tradução, feita em posse
apenas de um dicionário, resultaria em um texto assim: Isto é para certificar que
Carlos A. Vittori de Madri e estado da Espanha e Avelina Hernández de Madri e estado
da Espanha foram unidos por mim em sagrado matrimônio em Miami, Dade County, no
dia 30 de janeiro de 1980.

Parece bom o suficiente? Soa estranho? Provavelmente soa e você


está certo: a tradução está longe do que se espera de um típico texto notarial
brasileiro. A colocação “Carlos A. Vittori de Madri e estado da Espanha e Avelina
Hernández de Madri e estado da Espanha”, por exemplo, é completamente
exótica e inaceitável para os propósitos do texto.

Ainda, será que traduzir “This is to certify that” por “Isto é para certificar
que” funciona no gênero em questão? Se formos buscar quais são as fórmulas
típicas em certidões de casamento brasileiras, encontraremos construções como
“Certifico que...”. Seria, portanto, uma alternativa mais apropriada.

“This is to certify that” é a translação de “In witness whereof, I have hereunto


set my hand and seal at Miami, Dade County, Florida, the day and year above written.”.
Se fosse preciso agir como querem aqueles demandantes que subvalorizam a
tradução profissional, ofereceríamos algo como “Em testemunho do que, em
seguida, pus minha mão e selo em Miami, Dade County, Flórida, o dia e ano
acima escritos”.

Em termos de léxico e gramática, não há nenhum problema – o corretor


do Word nem faria nenhuma advertência. Contudo, nós sabemos que um texto
como esse nem é aceitável, certo? Temos de nos perguntar: o que alguém quer
dizer ao declarar “Em testemunho do que, em seguida, pus minha mão e selo”?

Aparentemente a pessoa quer afirmar a veracidade de algo que ela


testemunhou e, sendo ela alguém em quem o povo confia (que tem fé pública),
está apta a oferecer sua assinatura pessoal (“sua mão e selo”) como forma de
comprovar publicamente. Ora, como também já anunciamos antes, há uma
formula típica em português: “O referido é verdade e dou fé.”. A tradução
toda, agora devidamente acomodada às expectativas do gênero em português
brasileiro, ficaria assim: Certifico que Carlos A. Vittori, de Madri, Espanha e Avelina
Hernández, de Madri, Espanha foram unidos por mim em matrimônio em Miami, Dade
County, no dia 30 de janeiro de 1980. O referido é verdade e dou fé. Miami, Dade County,
Flórida, 30 de janeiro de 1980.

Como lembra Pagano (2000), é um típico caso que exigiria o trabalho


de um tradutor juramentado, alguém cuja competência tradutória é certificada
pelo Estado, por meio de concurso público, e cujo trabalho é regulado pela junta
comercial. Traduções de documentos, contratos etc. só têm validade legal se
forem feitas por um tradutor juramentado.

21
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

Vamos supor que um tradutor juramentado cobre seu trabalho por laudas
e que, tecnicamente, cada lauda possui até 190 palavras (há uma convenção
brasileira que estabelece). Suponhamos também que seu trabalho custa, segundo
a tabela da Junta, R$ 50 por lauda (estamos em 2019).

O texto da certidão em questão aqui tem 47 palavras, ou seja, está dentro


do limite de uma lauda. Logo, o serviço custaria R$ 50. Alguém que precisa da
tradução juramentada da nossa certidão e que desconhece todas essas questões
que discutimos poderia se espantar com o preço, poderia achar “um absurdo”.
Se ela soubesse, no entanto, de todo o trabalho refinado e detalhista que foi feito
até chegar ao texto final, e de todas as qualificações que um profissional precisa
buscar para estar apto a fazer o trabalho, será que ela continuaria achando caro?

Agora imagine todo o trabalho minucioso para traduzir adequadamente


um texto de 47 palavras sendo feito, na mesma proporção de esforço, pesquisa e
diligência, para um texto de 1.900 palavras (10 laudas). Daria um trabalhão. Um
trabalhão que, a propósito, não pode ser feito por qualquer pessoa, mas apenas
por alguém qualificado.

Um trabalho assim custaria em torno de R$ 500 e tomaria dias. Um


burocrata que demanda a tradução de um contrato de 3 ou 4 folhas, escrito em
letras miúdas, que podem chegar a totalizar 1.900 palavras, muitas vezes nem
consegue entender esse valor.

Você pode decidir nem se tornar um tradutor profissional na sua carreira,


mas desde já tem o compromisso de desconstruir, dentro dos círculos sociais
de que participa, alguns daqueles mitos infundados que debatemos há pouco,
especialmente a segunda e a quinta crença.

22
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há pelo menos cinco crenças infundadas que distorcem o trabalho do tradutor.


São elas: a tradução é uma arte reservada a poucos que podem exercê-la graças
a um dom especial; a tradução é uma atividade prática que requer apenas
conhecimento da língua e um bom dicionário; o tradutor deve ser falante
bilíngue ou ter morado em um país onde se fala a língua estrangeira com a qual
trabalha; só se pode traduzir da língua estrangeira para a língua materna, uma
vez que só dominamos esta última; o tradutor é um traidor e toda tradução
envolve certo grau de traição.

• Com relação à primeira crença, está implícita aqui a ideia de que se nasce
tradutor ou que só se pode chegar a sê-lo quando se possui o dom. No entanto,
as pesquisas mostram que tradutores competentes e reconhecidos possuem
uma carreira que envolve experiência e qualificação.

• A segunda crença está ligada à subvalorização do tradutor pelo mercado e,


para entender a subvalorização, podemos recorrer à divisão da competência
tradutória: habilidades inferiores (conhecimento da gramática e léxico de uma
língua) e habilidades superiores (conhecimentos metatextuais e pragmáticos).
Muitas vezes, quem subvaloriza o trabalho de traduzir pressupõe que basta ter
as habilidades inferiores, sem dimensionar a importância das ditas habilidades
superiores.

• Com relação à terceira crença, concordamos que o bilinguismo e a vivência


intercultural são fatores decisivos para uma boa tradução. No entanto, apenas
esses dois fatores não são suficientes, se não estiverem acompanhados de uma
formação que permita ao tradutor um bom desempenho.

• Quanto à quarta crença, chegamos à conclusão de que a operação da versão


(passar da língua materna para a língua estrangeira) é sim admissível, desde
que o tradutor tenha o domínio da língua estrangeira, conhecimento cultural e
técnico e as habilidades apropriadas para o exercício da recriação de um texto.

• Por fim, quanto ao dito “traduzir é trair”, notamos que a consolidação dos
Estudos da Tradução como campo científico mostrou a complexidade do
processo tradutório, que envolve aspectos da produção e recepção de textos,
desfazendo o mito da traição. Assim, podem ser realizadas diferentes traduções
de um mesmo original de acordo com os objetivos pretendidos, o público-alvo, a
função que se busca atribuir ao texto traduzido e outros fatores mercadológicos
ou não que participam das decisões a serem tomadas na recriação de um texto
em uma nova língua e cultura.

23
AUTOATIVIDADE

1 Analise o texto em inglês, imaginando que você foi contratado para


traduzi-lo:

FONTE: Pagano (2000, p. 23)

Agora responda:

a) Qual é o contexto do texto? A que gênero ele parece pertencer? Que


características poderíamos dizer que são típicas do gênero?

b) Considerando que bar, em inglês, pode tanto significar um guidão


de bicicleta (a barra de direção) quanto o balcão de um bar, como você
traduziria a chamada principal do anúncio?

c) Como você traduziria o jogo presente em “Happy hour is happier” em “Happy


hour is happier when the recreation you choose is good for both body and mind.”?

24
UNIDADE 1
TÓPICO 3

UNIDADES DE TRADUÇÃO

1 INTRODUÇÃO
Lembra-se de que, no tópico anterior, debatemos o famoso ditado italiano
“tradutor, traidor”? Muito bem! Naquele momento, desconstruímos a crença
falaciosa por trás do ditado, argumentando no sentido de que não há traição
se o acordo tácito entre tradutor e leitor/interlocutor está bem estabelecido, ou
seja, se os objetivos da tradução estão bem postos e, as estratégias do tradutor,
suficientemente claras.

Neste tópico, porém, veremos que é legítimo falar em fidelidade quando


o tradutor procura manter ao máximo as chamadas unidades mínimas de
tradução, ao passo que costumamos falar em liberdade quando o tradutor se
afasta das unidades mínimas e se concentra em unidades cada vez maiores de
tradução. Você deve estar se perguntando: “mas o que são as tais unidades?”
Fique tranquilo, é o assunto deste tópico.

2 FIDELIDADE VS. LIBERDADE


Se você já experimentou traduzir algum texto, certamente já refletiu sobre
o que traduzir: palavra por palavra? Sentido por sentido? Função por função?
Um pouco de cada coisa? Palavras, locuções ou frases? Morfemas, sintagmas ou
o texto todo como um bloco de sentido? Nunca é uma decisão fácil, e ela varia
tanto em relação às diferenças entre as línguas envolvidas na tradução quanto em
relação aos objetivos e preferências do tradutor.

25
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

NOTA

O prefixo grego -ma significa “unidade”. Portanto, um morfema seria a mínima


unidade formal com sentido e, um sintagma, uma unidade sintática ou funcional. Por
exemplo: em falávamos temos três morfemas fal(a)-va-mos significando respectivamente
“a ação de falar”, “tempo passado imperfeito” e “primeira pessoa do plural”. Em uma tradução
para outra língua que tivesse uma morfossintaxe diferente da portuguesa, as três unidades
de sentido talvez tivessem que ser rearranjadas de outra maneira, não raramente em mais
de uma palavra.

Alves (2000) aborda a questão, referindo-se à antiga dicotomia entre


fidelidade e liberdade. O autor faz menção, por exemplo, a uma famosa declaração
de Cícero, que, ao comentar o modo como ele traduziu alguns discursos de
Demóstenes e Ésquines do grego para o latim, afirma: nec converti ut interpres,
sed ut orator (nem traduzi como intérprete, mas como orador). Em outros termos,
Cicero afirmava não estar comprometido com a literalidade do texto grego, mas
estar comprometido com seu efeito de sentido. Logo se afastou do texto grego
tanto quanto necessário.

Alves (2000, p. 30), tomando como unidade de tradução todo o adágio


ciceroniano e enfocando a oposição intérprete vs. orador, traduziu por “Tão fiel
quanto possível, tão livre quanto necessário”. Sua formulação expressa a eterna
dificuldade que os tradutores enfrentam para definir as partes do original para as
quais buscarão correspondentes na língua de chegada.

O dilema clássico atravessa milênios e é revisitado modernamente por


diferentes teóricos da tradução. Vinay e Darbelnet (1957, p. 37), ao buscarem
definir o conceito de unidade de tradução, propõem o seguinte: “uma unidade de
tradução é o menor segmento de um enunciado cuja coesão de sinais seja tal que
esses nem possam ser traduzidos separadamente”. Haas (1968, p. 338), em uma
aparente paráfrase de Cícero, propõe que a unidade tradutória seja “tão pequena
quanto possível e tão longa quanto necessária”.

Mais tarde, já nos anos 1980, Reiß e Vermeer (1984), influenciados tanto
pelo funcionalismo quanto pela análise do discurso, propõem que a única unidade
de tradução possível é o texto. Assim, nem há como considerar a tradução isolada
de palavras, sintagmas, frases, períodos ou mesmo um mero amontoado de
períodos, mas considerar a função integral do texto como objeto de discurso.

Na interpretação de Alves (2000, p. 31), a abordagem “defende que o


tradutor abandone a literalidade lexical e sintática em prol de uma contextualização
mais adequada da tradução na língua e cultura de chegada”.

26
TÓPICO 3 | UNIDADES DE TRADUÇÃO

Em resposta a Reiß e Vermeer, e a outras propostas similares, Newmark


(1988 apud ALVES, 2000), ainda na década de 1980, adverte que posições radicais
como essas nem atendem às necessidades práticas de um tradutor e sugere que
se busque um equilíbrio entre um polo e outro.

No início deste tópico, antecipamos a você que seria lícito falar em


fidelidade quando o tradutor procurasse manter ao máximo as chamadas
unidades mínimas de tradução, ao passo que poderíamos falar em liberdade
quando o tradutor se afastasse das unidades mínimas e se concentrasse em
unidades cada vez maiores de tradução. Em outros termos, é exatamente o que
propõe Newmark (1988, p. 31):

[...] quanto mais livre a tradução maior será a UT [unidade de


tradução] e quanto mais fiel a tradução menor será a UT. Poderíamos
dizer que a tradução livre favorece a oração enquanto que a tradução
literal defende a hegemonia da palavra.

Embora Newmark (1988) advogue em favor do equilíbrio no


dimensionamento das unidades de tradução, o autor acredita que a maior
ocorrência das unidades resida no nível da palavra. A hipótese, porém, nem é
confirmada pelas pesquisas empíricas de Gerloff (1987). Mesmo admitindo ser
impossível estipular um único nível, constata que os tradutores tendem a situar
suas unidades nos níveis da frase e da oração.

E
IMPORTANT

Em resumo, podemos concluir que as unidades de tradução correspondem aos


vários objetos de análise discrimináveis em uma língua: o morfema, a palavra, o sintagma,
a sentença, o período, o texto etc. Complementarmente, devemos admitir que o tradutor
situará as suas unidades de tradução em um ou outro nível de acordo com uma série
de fatores, entre os quais podemos incluir: as diferenças entre as línguas envolvidas, as
particularidades de cada texto (gênero, contexto etc.), os objetivos de cada tradução e as
preferências subjetivas de cada tradutor, incluindo aí seu background sociolinguístico e seus
processos pessoais de letramento.

3 EXPERIMENTANDO A SELEÇÃO DE UNIDADES


Até aqui só falamos de unidades de tradução de maneira teórica, mas
vamos ver agora com exemplos concretos como se dá a seleção de unidades
tradutórias.

27
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

Para começar, vamos relembrar um exemplo que já exploramos no tópico


anterior. Lembra daquela certidão de casamento? Ela terminava com o enunciado
“In witness whereof, I have hereunto set my hand and seal at Miami, Dade County,
Florida, the day and year above written.”.

Em um primeiro momento, apresentamos a tradução: “Em testemunho


do que, em seguida, pus minha mão e selo em Miami, Dade County, Flórida, o
dia e ano acima escritos.”. A tradução assumia as seguintes unidades:

QUADRO 1 – ANÁLISE DE UNIDADES DE TRADUÇÃO I


I have Dade the
In witness whereof, hereunto my hand and seal at Miami, Florida, and year above written.
set County, day

Dade
Na testemunha do que, em seguida pus minha mão e selo emMiami, Flórida o dia e ano acima escritos.
County,

FONTE: O autor

Com exceção da locução verbal I have set (“pus”), traduzida em um nível


sintagmático, todas as demais unidades de tradução ficaram no nível da palavra.
Em seguida, porém, defendemos que a tradução era inaceitável por desrespeitar
as regras do gênero textual em questão. Assim, propusemos a seguinte solução:

QUADRO 2 – ANÁLISE DE UNIDADES DE TRADUÇÃO II

at Dade the day and year


In witness whereof, I have hereunto set my hand and seal Florida,
Miami, County, above written.

Dade
O referido é verdade e dou fé. Miami, Flórida, 30 de janeiro de 1980.
County,

FONTE: O autor

Perceba que, na segunda solução, temos unidades muito menos discretas.


Poderíamos até conceder uma análise um pouco mais discriminada:

QUADRO 3 – ANÁLISE DE UNIDADES DE TRADUÇÃO III

I have hereunto set my Dade


In witness whereof, at Miami, Florida, the day and year above written.
hand and seal County,
O referido é Dade
e dou fé. Miami, Flórida, 30 de janeiro de 1980.
verdade County,

FONTE: O autor

28
TÓPICO 3 | UNIDADES DE TRADUÇÃO

No entanto, ainda preferimos a descrição do Quadro 2, por considerar que


“In witness whereof, I have hereunto set my hand and seal” é uma expressão formulaica
com uma função específica. Em português brasileiro corresponde à formula “O
referido é verdade e dou fé”, igualmente fixa e indiscriminável. Analise agora o
seguinte anúncio de jornal:

QUADRO 4 – JORNAL

TRAVELERS ADVISORY

Compiled by Jeffery C. Rubin

SOUTH AMERICA RIO DE JANEIRO

Visitors who want to see how many of Brazil’s citizens live can now add the
Morro da Providência favela to their tourism itinerary. The oldest and most colorful
of the slums that rise above the Cidade Maravilhosa, Providência is being featured
in a new four-hour city tour offered by BTR Turismo. Six local teenagers will act as
guides, showing off such sights as the Nossa Senhora da Pena Chapel, which dates
from the turn of the century, as well as the stunning view of Rio from the hilltop. Police
patrols ensure visitor’s safety.
Cost: $22.

Time, March 2, 1992.

FONTE: Time (1992, p. 34)

Reflita agora sobre como você traduziria o anúncio para o português,


considerando a discriminação do texto inglês em unidades de tradução.
Considere os vários níveis que mencionamos. Que partes você traduziria palavra
por palavra? Que partes você ampliaria para o nível sintagmático? Há alguma
parte cuja tradução você recorreria a estratégias mais avançadas? Pense a respeito
e esboce em um bloco de anotações as suas ideias. Agora, responda sim (S) ou não
(N) às questões a seguir formuladas por Alves (2000, p. 33):

( ) Você percebeu que há uma oração relativa embutida na oração


principal do primeiro período? 

( ) Havia compreendido “how” e “many” de forma adequada na
oração relativa? 

( ) Atentou para o uso de superlativos na segunda sentença? 

( ) Percebeu as diferenças de construção entre os superlativos? 

( ) Ficou claro para você que a segunda sentença se apresenta na voz
passiva? 

( ) Questionou a possibilidade de modificar a voz na tradução da
segunda sentença?
( ) Chegou a ficar curioso (a) em descobrir o que significa BTR na
expressão “by BTR Turismo”?

29
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

( ) Notou que “show off’ quer dizer mais que “show”? 



( ) Havia descoberto que Penha estava escrito de forma incorreta?
( ) Questionou se valeria a pena transformar o preço de dólares para
reais no final do texto?

A primeira questão aponta para a sentença relativa “who want to see how
many of Brazil’s citizens live”, que se liga a “visitors”. A segunda pergunta alerta
para o fato de que “how many” geralmente funciona como uma única unidade
tradutória (o pronome “quanto”), mas também podem ser unidades distintas,
como “many”, que é o núcleo da sentença introduzida por “how”, a qual cumpre a
função de objeto de “see”. A terceira questão aponta para “oldest” e “most colorful”
(um superlativo sintético e outro analítico e que, necessariamente, teriam que ser
traduzidos por superlativos analíticos em português.

Agora, atentos às insinuações feitas por Alves (2000) com suas perguntas,
vejamos como poderia ser a tradução do texto central do anúncio:

Os visitantes interessados em saber como vivem muitos dos cidadãos brasileiros


podem agora acrescentar a favela do Morro da Providência ao seu itinerário turístico.
Sendo a mais antiga e colorida das favelas que se elevam acima da Cidade Maravilhosa, a
Providência pode ser conhecida em um novo city tour de quatro horas oferecido pela BTR
Turismo, especializada no serviço de Bus Transfer (BTR). Seis adolescentes locais irão
atuar como guias, apresentando lugares como a Capela de Nossa Senhora da Penha, que
data da virada do século, bem como a vista deslumbrante do Rio a partir do topo da colina.
Patrulhas policiais garantem a segurança do visitante.

Agora, considere as seguintes expressões idiomáticas inglesas:

a) A bird in the hand is worth two in the bush.


b) One swallow doesn't make a summer.
c) Don't cry over spilt milk.
d) Birds of a feather flock together.
e) Make hay while the sun shines.

Se você se dispusesse a traduzir tais provérbios para o português,


provavelmente definiria unidades mais discretas para os três primeiros
provérbios, ao passo que a situação seria diferente para os dois últimos, certo?
Vejamos o primeiro:

A Bird | in the hand | is worth | two | in the bush.


Um pássaro | na mão | vale mais do que | dois | voando.

Na maioria dos casos, mantivemos a dimensão lexical, com pequenos


ajustes sintáticos, exceto pelo final. Tivemos que considerar a dimensão retórica
ou funcional do constituinte. “In the bush” (no arbusto) nem poderia ser traduzido

30
TÓPICO 3 | UNIDADES DE TRADUÇÃO

no plano lexical, caso contrário perderia sua função. Em português “no arbusto”
nem funcionaria para representar a “situação insegura ou arriscada” (voando),
que se opõe à segurança (“o pássaro na mão”).

A função do provérbio é a de afirmar a seguinte mensagem moralizante:


“uma situação controlada é melhor que uma situação descontrolada”. Felizmente,
os provérbios inglês e português coincidem quase que integralmente. O mesmo
acontece com as expressões B e C:

Provérbio B

One swallow | doesn't make | a summer.


Uma andorinha só | não faz | verão.

Provérbio C

Don't cry | over | spilt milk.


Não adianta chorar | sobre | o leite derramado.

No entanto, os provérbios D e E, se traduzidos em unidades mínimas,


próximas ao nível lexical, fariam sentido em português? Vejamos:

Provérbio D

Birds | of | a feather | flock | together.


Pássaros |de | uma pena só | andam em bando | juntos.

Provérbio E

Make | hay | while | the sun | shines.


Faça | o feno | enquanto | o sol | brilha.

Provavelmente não, certo? Significa que, nos casos, provavelmente


teríamos que considerar o provérbio todo como uma única unidade de tradução,
correspondente à mensagem moralizante, e encontrar um correspondente na
nossa língua. No primeiro caso, poderíamos optar por soluções como “farinha do
mesmo saco”, ou “diz-me com quem andas e te direi quem és”.

No segundo caso, poderíamos considerar alternativas como “aproveite


enquanto há tempo”, “aproveite ao máximo”, ou mesmo a já difundida fórmula
horaciana “carpe diem”. A discussão dos exemplos corrobora a seguinte reflexão
de Alves (2000, p. 36):

31
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

[...] a delimitação de UTs [unidades de tradução] depende bastante


do tipo de texto a ser traduzido. Existem textos mais flexíveis que
permitem uma maior amplitude às UTs; existem também outros tipos
de texto mais rígidos que limitam e restringem as UTs. Por isso, a
sua atenção consciente é fundamental [...]. A delimitação das UTs é
o ponto de partida para uma boa tradução. Cabe a você desenvolver
cuidadosamente a habilidade para poder traduzir de forma mais
eficaz e adequada.

Reiterando o que afirmamos antes, no final da seção anterior, e


endossando a reflexão de Alves (2000), podemos concluir que o tradutor
definirá suas unidades de acordo com uma série de fatores, que incluem as
diferenças estruturais entre as línguas envolvidas, as particularidades de cada
texto, os objetivos de cada tradução e as subjetividades do tradutor, incluindo
suas marcas dialetais e seu letramento.

32
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• As unidades de tradução correspondem aos vários objetos de análise


discrimináveis em uma língua: o morfema, a palavra, o sintagma, a sentença, o
período, o texto etc.

• O tradutor situará as suas unidades de tradução em um ou outro nível de


acordo com uma série de fatores, entre os quais podemos incluir: as diferenças
entre as línguas envolvidas, as particularidades de cada texto (gênero, contexto
etc.), os objetivos de cada tradução e as preferências subjetivas de cada tradutor,
incluindo aí seu background sociolinguístico e seus processos pessoais de
letramento.

33
AUTOATIVIDADE

Analise a seguinte notícia (Adaptado de Alves, 2000, p. 38):

BRAZIL
Carnal Carnaval

A shapely dominatrix has ignited the fantasies of Brazilian merchants.


Suzana Alves, known as Tiazinha or “Little Aunt”, appears on a wildly popular
TV variety show where she uses wax to strip body hair from men who answer trivia
questions incorrectly. Last month she made a splash parading in Rio de Janeiro’s
Carnaval. Now marketers have launched a closetful of Tiazinha consumer goods,
like nylons, underwear, lollipops and, of course, depilatory wax. Brazilian Playboy
will unmask her in a forthcoming centerfold. The planned press run: a record 1
million copies.
Newsweek, March 8, 1999.

1 Desenvolva o seu trabalho de tradução observando as seguintes etapas:

a) Divida o texto em possíveis Uts.


b) Faça uma análise detalhada de cada uma delas.
c) Reflita novamente sobre as UTs escolhidas.
d) Modifique-as se não estiver satisfeito.
e) Elabore uma primeira versão de tradução para o texto anterior.

2 Tendo em mãos a sua primeira versão de tradução, responda às perguntas a


seguir:

a) Você se sente satisfeito com a sua tradução?



b) Gostaria de modificar eventualmente alguma ou várias das UTs trabalhadas?
c) Acredita que poderia melhorar sua tradução?

d) Como poderia fazer?

3 Com base em suas respostas, redija, a seguir, uma outra versão aperfeiçoada
de sua tradução.

4 Organize, em ordem sequencial, o seu trabalho de tradução, preparando um


pequeno portfólio. Inclua nele o texto de partida, sua primeira divisão do
texto em UTs, suas reflexões, possíveis modificações na divisão de UTs, sua
primeira versão da tradução, suas respostas às perguntas formuladas pelo
exercício e sua outra versão aperfeiçoada da tradução. Se possível, procure
um outro leitor para discutir seu trabalho com ele.

5 Desenvolva uma crítica do seu próprio trabalho de tradução. Se possível,


compare seu portfólio com o portfólio dos seus colegas, avalie seu
desempenho e redija uma crítica do texto que você apresentou como versão
definitiva.
34
UNIDADE 1
TÓPICO 4

DOMESTICAÇÃO E ESTRANGEIRIZAÇÃO

1 INTRODUÇÃO
No tópico anterior, tratamos da dicotomia fidelidade versus liberdade.
Complementarmente, vimos que os dois polos da dicotomia estão ligados
respectivamente a duas posturas: por um lado, a de manter ao máximo unidades
mínimas de tradução, que estejam próximas ao nível lexical e, por outro, a de
preferir unidades maiores, ligadas em nível discursivo-textual.

A dicotomia também é conhecida nos estudos da tradução como um


antagonismo entre o foco no texto de partida, que corresponde a uma tradução
estrangeirizadora, e o foco no texto de chegada, que corresponde a uma tradução
domesticadora. A oposição irá guiar nossas atividades até o fim deste material,
logo é importante que entendamos como ela surgiu e o que significa se aproximar
de um ou outro lado.

Vamos conversar um pouco mais sobre o passado e entender como a


história das traduções religiosas esteve ligada ao fenômeno da estrangeirização, e
como a história das traduções literárias, por seu turno, esteve ligada ao fenômeno
da domesticação. Vamos lá!

2 A TRADUÇÃO RELIGIOSA E O FOCO NO TEXTO DE


PARTIDA
Como avaliam Guerini e Costa (2006, p. 12):

Se a ênfase de Cícero e Horácio era no texto de chegada para o


enriquecimento da língua e da literatura latina, com a tradução da
Bíblia, por exemplo, temos uma mudança de foco e a preocupação era
com o texto de partida, pois o objetivo era o de “espalhar a palavra de
Deus” e estar o mais próximo possível da palavra divina.

Procurando semear suas doutrinas sem perverter os sentidos originais,


as religiões sempre tiveram a tradução como atividade essencial para a sua

35
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

disseminação entre os povos. As principais religiões do mundo, entre elas o


cristianismo, o islamismo, o hinduísmo e a religião tradicional chinesa, em
certa medida, podem creditar o seu sucesso às contínuas traduções de seus
textos doutrinários.

A saga da história tradutória da Bíblia, por exemplo, começa no século


III a.C., quando o antigo testamento foi vertido do hebraico para o grego, em
um projeto coletivo que envolveu mais de 70 tradutores de 12 tribos judaicas. A
edição ficou conhecida como Septuaginta (ou versão dos setenta).

Mais tarde, a Septuaginta seria transvertida para o copta (língua dos


cristãos egípcios), o etíope e o gótico. Todas as traduções foram marcadas por uma
preocupação explícita de manter a essência do texto original judaico a despeito
das demais línguas destinadas e suas respectivas culturas (uma evidente falta de
equilíbrio na negociação). No entanto, na translação ao latim, a postura começa
a mudar.

Em latim, a Bíblia passou por pelo menos duas traduções. A primeira


delas foi feita de forma fragmentária e coletiva, e reflete variedades do latim
vernacular. Trata-se da Vetus Latina, também conhecida como a Bíblia dos Pais
da Igreja, versão que se associa à doutrina patrística. A segunda delas, a mais
famosa de todas, é atribuída ao São Jerônimo e ficou conhecida como Vulgata,
acabada por volta de 1400 d.C.

A Vulgata viria a ser, a partir de então, o texto basilar para todas as


demais traduções que se fariam posteriormente. E nem foram poucas: “se em
1450 existiam já 33 diferentes traduções, e em 1800 o número tinha saltado para
71, no final do século XX, havia edições integrais em mais de 250 línguas e edições
parciais em cerca de 1300 outras línguas” (GUERINI; COSTA, 2006, p. 13).

A disputa sobre a melhor forma de traduzir a palavra sagrada naturalmente


avivou a controvérsia entre tradução literal e tradução livre. Enquanto que se
defendia que a Bíblia deveria ficar sempre próxima das raízes hebraicas (porque
seriam contíguas à palavra de Deus), São Jerônimo afirmou ter preferido o sentido
à palavra. Significou uma guinada em direção a uma maior atenção ao texto de
chegada, algo que vinha sendo preterido na história das traduções do cristianismo.

Ao lado da Vulgata, a versão de Lutero, publicada em 1534, é outra


tradução bíblica que abalou os paradigmas medievais e merece uma consideração
especial. Entretanto, nem ignoramos que, não apenas o texto de Lutero, mas toda
tradução da Bíblia para outras línguas teve um valor político e cultural singular,
especialmente no Ocidente:

O Ocidente dedicou muita atenção às traduções, pois o seu texto


central, a Bíblia, foi escrito em uma língua que nem podia ser
compreendida prontamente e, por isso, [os estados teocráticos]
foram obrigados a confiar nos tradutores para legitimar seu poder
(LEFEVERE, 2003, p. 3).

36
TÓPICO 4 | DOMESTICAÇÃO E ESTRANGEIRIZAÇÃO

Seriam dignas de atenção, por exemplo, a tradução para francês, publicada


em 1528 por Jacques Lefevre d’Étaples (ou Faber Stapulensis); a tradução para o
espanhol, publicada na Basileia em 1569 por Casiodoro de Reina (Biblia del Oso);
a tradução para o tcheco, publicada em Kralice entre 1579-1593; a tradução para o
inglês, conhecida como Bíblia do Rei James, publicada em 1611; e a tradução para
o holandês, conhecida como The States Bible, publicada em 1637.

Todas as traduções, guardadas com as devidas proporções, causaram


muito impacto cultural e linguístico em seus países. Entretanto, a tradução de
Lutero para o alemão merece algum destaque particular, principalmente pelas
declarações e explicações que ele deixou a respeito das suas escolhas.

Em uma das anotações feitas por seus alunos e colaboradores durante


encontros informais (as chamadas “Conversas à mesa”), Martinho Lutero (1532
apud FURLAN, 2004, p. 13) afirma que “a verdadeira tradução é a adaptação do
que foi dito em uma língua estrangeira à própria língua”.

Ocorre que a “própria língua” de Lutero nem estava bem consolidada


quando ele se propôs a traduzir a Bíblia. Naquela época, o que hoje conhecemos
como alto-alemão, era um conjunto de dialetos distintos, nem sempre
compreensíveis entre si.

Ciente da importância política e religiosa de unificar a língua, Lutero se


comprometeu a compor um alemão standart a partir daqueles dialetos existentes,
a fim de que o povo pudesse se identificar com aquela língua e, por tabela, com
aquela Bíblia. Assim, na sua “Carta Aberta sobre a Tradução”, publicada em 1530,
ao criticar traduções anteriores, decalcadas do latim, Lutero afirma:

Assim, quando Cristo fala: Ex abundantia cordis os loquitur. Se eu


fosse seguir esses asnos, eles me apresentariam a letra e traduziriam
assim: Aus dem Überfuss des Herzens redet der Mund [Da abundância
do coração fala a boca]. Diga-me: isso é falar alemão? Que alemão
entenderia uma coisa dessas? Que coisa é abundância do coração?
Nenhum alemão poderia dizer isso, a não ser que quisesse dizer que
alguém tem um coração demasiado grande ou tem coração demais;
embora isto também nem seja correto. Pois, abundância do coração nem
é alemão, assim como nem é alemão abundância da casa, abundância
da estufa, abundância do banco, porém assim fala a mãe em casa e o
homem comum: We das Herz voll ist, des gehet der Mund über [A
boca fala daquilo de que o coração está cheio]. Isto é falar um bom
alemão, pelo que eu me esforcei, e infelizmente nem sempre consegui
ou o encontrei. As letras latinas dificultam muito a formulação para se
falar em bom alemão (LUTERO, 2006, p. 105).

As declarações e explicações de Lutero sobre as suas opções tradutórias


são repletas de comentários do tipo, marcados por um humor ácido. Interessa
ressaltar que, do projeto de tradução de Lutero, sobressai uma evidente
insinuação: de modo semelhante ao Jerônimo, Lutero indica uma mudança de
foco, que se desloca do texto de partida para o texto de chegada. A alternância de

37
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

foco, promovida pelos dois tradutores, auxiliou as concepções sobre tradução no


Ocidente e gerou efeitos principalmente no âmbito da tradução literária, como
veremos a seguir.

3 A TRADUÇÃO LITERÁRIA E O FOCO NO TEXTO DE


CHEGADA
Até o século XIX, a literatura monopolizou um espaço na sociedade que
acumulava as funções de árbitro de costumes, veículo do conhecimento e meio
de entretenimento. Assim, a tradução literária foi até então um tópico de amplo
debate teórico e consequentemente um campo de muita experimentação. Todo
o movimento de inflexão, crítica, experimentação e reflexão sobre a tradução,
iniciado no embalo das revoluções modernas, deixou um vasto legado, o qual
pretendemos explorar aqui.

Entre os tradutólogos mais relevantes do período, podemos destacar


Etienne Dolet, John Dryden e Friedrich Schleiermacher. Todos teorizaram a
tradução interlingual, mostrando problemas em seus dois polos: o foco no texto
de partida e no texto de chegada. Vejamos algumas de suas proposições.

Em seu clássico ensaio “A maneira de bem traduzir de uma língua para


outra” (1540), Dolet menciona os seguintes princípios:

• o tradutor deve entender perfeitamente o sentido e a matéria do


autor a ser traduzido;
• o tradutor deve conhecer perfeitamente a língua do autor que ele
traduz; e que ele seja igualmente excelente na língua na qual se
propõe traduzir;

• o tradutor nem deve traduzir palavra por palavra;

• o tradutor deve usar palavras de uso corrente;
• o tradutor deve observar a harmonia do discurso (DOLET, 2004, p.
15-19 apud GUERINI; COSTA, 2006, p. 14).

Bassnett (2003, p. 98) entende que, embora os princípios de Dolet acentuem


a importância da compreensão do texto de partida, sobressai a preocupação com
“a percepção do lugar que a tradução pretende ocupar no sistema da língua de
chegada”.

Cabe observar que ele é, de certo modo, pioneiro por prenunciar certos
entendimentos acerca da tradução que seus sucessores viriam a reforçar séculos
mais tarde, sob influência das ideias renascentistas.

Um dos sucessores é o inglês John Dryden, que traduziu o poeta latino


Ovídio e, no ensaio de introdução à publicação da sua tradução, teorizou sobre
a tradução e diferenciou três tipos: a metáfrase (palavra por palavra), a imitação
(recriação) e a paráfrase (tradução do sentido), defendendo abertamente o
último método.

38
TÓPICO 4 | DOMESTICAÇÃO E ESTRANGEIRIZAÇÃO

Para Dryden (1680 apud GUERINI; COSTA, 2006), a tradução do sentido


(paráfrase), que enfatiza o texto de chegada, é o método mais sensato por permitir
extrair do original minúcias do estilo e da forma, e reelaborá-las na tradução.

Outro sucessor de Dolet no debate sobre a tradução é o alemão Friedrich


Schleiermacher que, em seu clássico “Sobre os diferentes métodos de tradução”,
de 1813, propõe uma tipologia enxuta, reduzindo a questão da tradução para
duas possibilidades: ou o tradutor deixa o autor em paz e leva o leitor até ele ou
o tradutor deixa o leitor em paz e leva o autor até ele.

Ainda que a visão de Schleiermacher possa parecer simplista em primeira


vista, sua classificação foi uma das mais prósperas no debate, tendo sido retomada
mais tarde, no século XX, por teóricos como Walter Benjamin e Lawrence Venuti.
Este último reformulou a divisão schleiermacheriana na dicotomia tradução
estrangeirizadora versus tradução domesticadora (VENUTI, 1992). Ainda, outro
tradutólogo contemporâneo que também se vale da dicotomia é Rónai (1976), em
termos de “tradução naturalizadora” e “tradução identificadora”.

Assim, temos a seguinte diversidade terminológica para se referir à


posição de uma tradução em relação aos textos de partida e de chegada:

QUADRO 4 – TERMINOLOGIAS TRADUTÓRIAS

Teórico Foco no texto de partida Foco no texto de chegada


Schleiermacher Trad. que leva o leitor ao autor Trad. que leva o autor ao leitor
Venuti Tradução estrangeirizadora Tradução domesticadora
Rónai Tradução identificadora Tradução naturalizadora

FONTE: O autor

Como você pode perceber, ao longo da história, a maior parte das


abordagens sobre a tradução acabou, de uma forma ou de outra, tangenciando a
questão do foco sobre o texto-fonte ou o texto-alvo.

Se o escopo do trabalho não fosse reduzido, poderíamos ainda aprofundar


aqui outras tipologias, como a “criação paralela” de Haroldo de Campos, ou
a “tradução totalizadora” de August Willemsen. Acreditamos, porém, que a
dicotomia em questão é uma maneira útil e simplificada de compreender os
problemas que incidem sobre a tradução.

Este tópico encerra o percurso que fizemos nesta primeira unidade.


Em síntese, passamos por quatro etapas básicas: entender o que é tradução em
sentido amplo, aproximar-se das teorias e técnicas de tradução a partir de um
exame de crenças comuns sobre a atividade tradutória e a figura do tradutor;
explorar a funcionalidade do conceito de unidades tradutórias para a tradução
de língua inglesa e, por fim, entender como surgiu, historicamente, a dicotomia
estrangeirização vs. domesticação, dicotomia esta absolutamente central para a
organização das técnicas de tradução que veremos nas próximas unidades.
39
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

LEITURA COMPLEMENTAR

AS TEORIAS DA TRADUÇÃO SEGUNDO STEINER, BORGES


E LEOPARDI

Andrea Guerini
Walter Costa

Diante da variedade de teorizações, vamos agora ver como o professor,


crítico e teórico George Steiner agrupa as teorias da tradução. Para ele, a produção
teórica ocidental sobre o assunto pode ser dividida em quatro grandes períodos:

O primeiro se caracteriza como o mais empírico e abarcaria de 46 a.C. a


1804, de Cicero a Hölderlin. Entre as duas datas, figuram São Jerônimo, Leonardo
Bruni, Montaigne, Dryden, entre outros.

O segundo período, de teoria e investigação hermenêutica, dá ao problema


da tradução um caráter mais filosófico, iniciando-se com os escritos de Tytler
e Schleiermacher passando por Schlegel e Humboldt. Já os textos de Goethe,
Schopenhauer, Paul Valéry, Pound, Croce, Benjamin e Ortega y Gasset refletem
as descrições da atividade do tradutor e das relações entre as línguas. A época
comporta uma historiografia da tradução e se estende até Valery Larbaud (1946).

O terceiro momento é o da corrente moderna. No final da década de 40


aparecem artigos sobre tradução automática. Os pesquisadores russos e tchecos
aplicam a teoria linguística e os métodos estatísticos para a tradução.

No quarto momento, por volta da década de 1960, há o redescobrimento


de “A tarefa do tradutor”, texto de Walter Benjamin, publicado em 1923, que
dará nova vida aos estudos hermenêuticos, quase filosóficos, sobre a tradução
e a interpretação. Decai a confiança que inspirava a tradução automática. Na
época, o estudo da teoria e da prática da tradução se torna interdisciplinar, com
contribuições da psicologia, antropologia, sociologia, etnografia etc.

Assim, a filologia clássica, a literatura comparada, a estatística lexical e


etnográfica, a sociolinguística, a retórica formal, a poética e o estudo da gramática
confluem no propósito de esclarecer o ato de tradução e os mecanismos da vida
entre as línguas (2005, p. 259-262).

Como podemos perceber, muito tem se falado sobre a tradução entre


línguas diferentes, além da teoria sobre o assunto:

• tradução literal;
• tradução intermediária, que se dá com a ajuda de um enunciado que procura
ser fiel e, no entanto, autônomo;
• imitação, recriação, variação ou interpretação paralela.
40
TÓPICO 4 | DOMESTICAÇÃO E ESTRANGEIRIZAÇÃO

Steiner vai observar, por exemplo, que embora a história da tradução


seja muito rica, o número de ideias originais e significativas sobre o assunto
permanece limitado, porque as reflexões sempre tendem a falar ou da tradução
literal, ou da tradução livre.

Entretanto, há autores como Jorge Luís Borges, por exemplo, que vão
além desse tipo de classificação e que dão uma nova dimensão à tradução,
valorizando-a por contribuir para a discussão estética. Na concepção borgiana, as
traduções são vistas não apenas como derivadas de um original necessariamente
superior, mas como atualizações do original que podem, eventualmente, ser tão
ou mais significativas.

Assim, um conjunto de traduções realizadas para diferentes línguas


pertencentes a sistemas literários sofisticados pode representar para seu leitor
mais riqueza estética do que para o leitor monolíngue do original. Borges ilustra
o aparente paradoxo de as traduções oferecerem mais prazer estético que o
original, dizendo que, pelo fato de nem conhecer grego, pôde ler a Odisseia em
várias traduções para diferentes línguas.

Para Borges, que era um grande conhecedor de línguas estrangeiras, a sua


leitura de um conjunto de Odisseias em inglês, francês, alemão, representando
diferentes estilos e épocas, constituiu uma experiência literária mais rica do que
sua leitura de Dom Quixote, feita apenas em espanhol.
A tradução interlingual
também serve como exercício de escrita e como meio de desenvolver e/ou
aprimorar o próprio estilo.

Aliás, muitos escritores como, por exemplo, o italiano Giacomo Leopardi


(1798-1837), defendem a prática da tradução para o escritor iniciante. É traduzindo
que se aprende a compor com estilo. Convém frisar que quando Leopardi fala
que é traduzindo que se aprende a escrever, ele se refere à tradução de excelentes
autores clássicos gregos e latinos, como Homero, Virgílio e Horácio. Entretanto,
no caso de ser escritor e escrever bem, a probabilidade de uma boa tradução é
bastante alta, pois a tradução de qualidade é obra do escritor maduro.

Assim, em uma das suas primeiras observações sobre tradução, que é


encontrada em uma carta de 29 de dezembro de 1817 endereçada ao amigo e
escritor Pietro Giordani, ele diz: [...] dou-me conta de que traduzir, assim por
exercício, deve realmente preceder a atividade de compor, sendo útil e necessário
para os que querem tornar-se escritores insignes; mas para tornar-se um grande
tradutor convém antes haver composto e ter sido bom escritor: enfim, uma
tradução perfeita é obra mais da maturidade que da juventude (1996, p. 730).

Leopardi coloca a prática da tradução como requisito para se tornar um


bom escritor porque, para o escritor italiano, a tradução possibilita o mais íntimo
e profundo contato com determinados textos literários, com suas formas, mas
também com o conteúdo das obras dos escritores que estão sendo traduzidos.

41
UNIDADE 1 | TEORIA GERAL DA TRADUÇÃO

Com as ideias trazidas, Leopardi lança as bases da relevância do traduzir,


estabelecendo a relação tradutor-escritor e escritor-tradutor, afirmando que
somente um bom escritor pode ser um bom tradutor. Claro que a ideia pode ser
contestada e há muitos autores que defenderam uma ou outra posição, embora a
balança pareça pender mais para o lado de Leopardi.
FONTE: GUERINI, Andréia; COSTA, Walter. Introdução aos estudos de tradução. Florianópolis:
CCE/UFSC, 2006. p. 16-18.

42
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Historicamente, as traduções religiosas tiveram o foco no texto de partida, ou


seja, foram predominantemente estrangeirizadoras. Logo ocorreu, em partes,
por uma crença de que era preciso respeitar o sentido original, sagrado, sob
risco de comprometer a palavra divina.

• A Bíblia traduzida por Lutero representa uma quebra radical na tradição de


traduções religiosas por mudar radicalmente o foco para o texto de chegada,
respeitando características discursivas, textuais e pragmáticas do vernáculo
alemão de sua época, a fim de contagiar os fiéis.

• A tradução de textos literários, que teve um grande protagonismo pelo menos


até o século XIX, acirrou o debate sobre os limites da atividade, levando
diferentes pensadores para a atividade da reflexão. Entre tais pensadores,
destacam-se: Friedrich Scheleimacher e sua oposição com o levar o autor ao
leitor, ou levar o leitor ao autor; Lawrence Venuti e sua crítica às traduções
domesticadoras ou estrangeirizadoras; e Paulo Rónai, com sua menção às
traduções naturalizadoras ou identificadoras.

43
AUTOATIVIDADE

1 Na oposição entre domesticação e estrangeirização, de que lado se situam


historicamente as traduções de textos religiosos? Por quê?

2 Como a tradução da Bíblia, feita por Lutero, rompe com a tradição?

3 A tradução de textos literários, que teve um grande protagonismo pelo


menos até o século XIX, fez com que diferentes pensadores refletissem.
Acerca da posição de uma tradução em relação aos textos de partida e de
chegada, relacione os seguintes autores às respectivas terminologias:

I- Friedrich Schleiermacher
II- Lawrence Venuti
III- Paulo Rónai

( ) Refere-se ao termo “tradução domesticadora” para tratar de traduções com


foco no texto de chegada.
( ) Refere-se ao termo “tradução identificadora” para tratar de traduções com
foco no texto de partida.
( ) Refere-se à “tradução que leva o autor ao leitor” para tratar de traduções
com foco no texto de chegada.
( ) Refere-se ao termo “tradução estrangeirizadora” para tratar de traduções
com foco no texto de partida.
( ) Refere-se à “tradução que leva o leitor ao autor” para tratar de traduções
com foco no texto de partida.
( ) Refere-se ao termo “tradução naturalizadora” para tratar de traduções com
foco no texto de chegada.

44
UNIDADE 2

TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE
TRADUÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a diferença entre tradução palavra por palavra e manutenção;

• distinguir tradução estrangeirizadora de tradução domesticadora;

• operar técnicas de tradução mantenedora em nível de morfemas ou palavras,


e itens lexicais;

• praticar técnicas de tradução mantenedoras de língua inglesa para o


português mediante quatro dimensões: lexical, sintática, estilística e
cultural.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade de estudos será apresentada em cinco tópicos. Em cada um
deles, você encontrará um resumo e autoatividades para auxiliá-lo na
compreensão dos conteúdos estudados.

TÓPICO 1 – TRADUÇÃO PALAVRA POR PALAVRA

TÓPICO 2 – MANUTENÇÃO DE ITENS LEXICAIS DO


TEXTO-FONTE (EMPRÉSTIMO)

TÓPICO 3 – MANUTENÇÃO DE ESTRUTURAS SINTÁTICAS


DO TEXTO-FONTE

TÓPICO 4 – MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

TÓPICO 5 – MANUTENÇÃO DE ITENS CULTURAIS DA


CULTURA-FONTE

45
46
UNIDADE 2
TÓPICO 1

TRADUÇÃO PALAVRA POR PALAVRA

1 INTRODUÇÃO
No final da primeira unidade, introduzimos a distinção entre tradução
estrangeirizadora e tradução domesticadora, que correspondem respectivamente
ao tipo de tradução que se mantém próxima ao texto e à língua de partida, e à
tradução que se acomoda ao máximo à língua de chegada e suas particularidades.
Tal distinção, como vimos, é muito antiga e reflete diferentes momentos da
história da tradução ocidental.

Essa nomenclatura (estrangeirizadora vs. domesticadora), amplamente


empregada nos modernos estudos da tradução, foi cunhada por Venuti (1992),
embora outros autores já tivessem proposto pares terminológicos equivalentes,
a exemplo de Schleiermacher (2001), que opôs a “tradução que leva o leitor ao
autor” à “tradução que leva o autor ao leitor”; e Rónai (1976), que falou em
“tradução identificadora” e “tradução naturalizadora”.

Seguindo a nomenclatura de Venuti (1992), nesta unidade, vamos


aprofundar nossos conhecimentos sobre a tradução estrangeirizadora, explorando
diferentes procedimentos técnicos de tradução que possibilitam a proximidade
da língua inglesa, se esse for o nosso desejo.

No primeiro tópico, vamos distinguir tradução palavra por palavra


e manutenção, e nos tópicos seguintes vamos praticar técnicas de tradução
mantenedoras de língua inglesa para o português mediante quatro dimensões:
lexical, sintática, estilística e cultural.

Acompanhe!

47
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

2 PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DE TRADUÇÃO


Até aqui, falamos muito em questões teóricas e conceituais da tradução,
e muito pouco em questões técnicas, exceto em alguns momentos pontuais
quando exemplificamos as crenças sobre a tradução e o tradutor, e quando
exemplificamos as unidades de tradução. E, por isso, com razão, você deve se
perguntar: mas, se este material é sobre técnicas de tradução, por que ainda não
começamos a tratar das técnicas propriamente? Fique tranquilo, pois vamos
passar o resto do livro falando em técnicas. Acreditamos, porém, que antes de pôr
mãos à obra, é importante saber com o que estamos lidando, para não tomarmos
decisões apressadas, e é por isso que dedicamos a primeira parte a esclarecer
algumas questões conceituais. Afinal, como diria o provérbio de Salomão, “quem
se apressa erra o caminho”.

A noção de procedimentos técnicos de tradução que adotamos aqui


e a maneira como os classificamos remontam aos trabalhos de Barbosa (1990),
Lanzetti (2006) e Lanzetti et al. (2009).

E
IMPORTANT

Segundo Barbosa (1990, p. 17), procedimentos técnicos de tradução podem


ser definidos como “ações de cunhos linguístico e técnico praticadas por tradutores para a
realização do processo de tradução”.

Em seu trabalho, a autora propõe uma maneira de sistematizar diversas


técnicas de tradução abordadas em modelos consagrados. Segundo ela, tais
modelos apresentavam algumas redundâncias ou contradições entre si, o
que dificultava a visualização de um quadro geral com todas as alternativas
procedimentais à disposição do tradutor. Em seus termos, “devido às
discrepâncias entre os modelos descritivos de procedimentos técnicos da tradução
e à divergência terminológica, é necessário propor-se uma nova caracterização de
tais procedimentos” (BARBOSA, 1990, p. 63).

Podemos dizer, então, que Barbosa (1990) “limpou o terreno” e chegou


a uma classificação mais enxuta e coerente de procedimentos técnicos. Sua lista
incluiu procedimentos como tradução palavra por palavra, tradução literal,
transposição, modulação, equivalência, omissão, explicitação, compensação,
reconstrução, melhorias, transferência, transferência com explicação, decalque,
explicação e adaptação. Essas técnicas, por sua vez, se distribuíam em quatro
grandes categorias: convergência do sistema linguístico, do estilo e da realidade
extralinguística; divergência do sistema linguístico; divergência do estilo; e
divergência da realidade extralinguística.

48
TÓPICO 1 | TRADUÇÃO PALAVRA POR PALAVRA

Lanzetti (2006) e Lanzetti et al. (2009) reconhecem os méritos do trabalho


de Barbosa (1990) e propõem aperfeiçoá-lo, subdividindo e especificando os
procedimentos levantados pela autora, e organizando-os dentro de um leque
mais amplo. Tal esforço resultou no seguinte quadro, que elenca mais de 30
procedimentos técnicos:

QUADRO 1 – CLASSIFICAÇÃO DE PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DE TRADUÇÃO

Tradução palavra por palavra


1. sem aclimatação (empréstimo direto)
2. com aclimatação (aportuguesamento)
do léxico
3. decalque
Estrangeirizadores

4. hibridismo
Manutenção

da sintaxe 5. manutenção da ordem dos elementos sintáticos


6. manutenção do uso de sinais de pontuação
7. manutenção do registro
8. manutenção do layout
9. manutenção do uso de voz passiva/voz ativa
10. manutenção do uso de coordenação/subordinação
do estilo
11. manutenção do uso de marcadores do discurso
12. manutenção do uso de referências (endóforas/
exóforas)
13. manutenção da adjetivação
14. manutenção da complexidade/fluidez estilística
da cultura 15. de itens culturais da cultura-fonte
Categorias de procedimentos

16. transposição
17. modulação
18.1 de expressões idiomáticas,
do sistema ditados, provérbios etc.
linguístico 18. equivalência
18.2 funcional
19. sinonímia
20. paráfrase
21. omissão
22. explicitação
Domesticadores

Domesticação

23. generalização (uso de hiperônimo)


24. especificação (uso de hipônimo)
25.1 ibidem
25. compensação
25.2 álibi
do estilo
26.1 sintática
26. reconstrução
26.2 semântica
27. equivalência estilística (melhoria)
28. mudança de registro
29. mudança de complexidade/fluidez estilística
30. adaptação
31. transferência
32.1 intratextual (entre
da realidade parênteses, entre vírgulas etc.)
32. explicação
extralinguística 32.2 paratextual (notas do
tradutor, prefácio etc.)
33. ilustração
FONTE: Adaptado de Lanzetti et al. (2009, p. 5-7)

49
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Fique atento a este quadro, pois ele é um grande mapa para todas as
técnicas que vamos explorar neste material. Dito isto, expressamos também nossa
concordância com a proposta de Lanzetti et al. (2009).

3 PALAVRA POR PALAVRA OU MANUTENÇÃO


MORFOLÓGICA
Em respeito à proposta de Lanzetti et al. (2009), mantivemos no Quadro
1 a distinção entre tradução palavra por palavra e manutenção, como duas
grandes classes de procedimentos estrangeirizadores. No entanto, poderíamos
sem grandes problemas considerar a tradução palavra por palavra como uma
manutenção no nível morfológico (em oposição à manutenção do léxico, da
sintaxe e da cultura, como propõem os autores). Na verdade, já fizemos isso antes
neste mesmo material, quando exemplificamos a determinação das unidades de
tradução em nível da palavra (Quadro 1).

Mantendo a divisão entre tradução palavra por palavra e manutenção,


precisamos, portanto, distinguir um do outro.

E
IMPORTANT

Conforme Lanzetti et al. (2009, p. 7), “a tradução palavra por palavra pressupõe
que o texto de chegada terá o mesmo número de palavras do texto original, obrigatoriamente
na mesma ordem sintática”.

Os autores usam como exemplo a tradução da seguinte sentença:

Exemplo 1

• She went to the supermarket yesterday.


• Ela foi ao supermercado ontem.

Eles advertem que, “embora o número de palavras não seja o mesmo


na tradução, por conta da contração, da preposição e do artigo definido, o
procedimento empregado foi a tradução palavra por palavra” (LANZETTI et al.,
2009, p. 7).

50
TÓPICO 1 | TRADUÇÃO PALAVRA POR PALAVRA

Assim, a tradução palavra por palavra corresponde à definição de


unidades mínimas de tradução no nível morfológico, isto é, corresponde a uma
manutenção morfológica, no sentido de que a morfologia tem como suas unidades
de análise formal a palavra e o morfema. Portanto, sempre que pudermos manter
uma correspondência exata no número de palavras e nas funções dos termos,
teremos uma tradução palavra por palavra.

Portanto, em última análise, o que diferenciaria “palavra por palavra” de


“manutenção”, na terminologia de Lanzetti et al. (2009), é basicamente a unidade
de análise: se tivermos a manutenção no nível morfológico (palavras e morfemas),
falaremos em “palavra por palavra”; se tivermos a manutenção nos níveis do
léxico, da sintaxe, do estilo e das representações simbólicas (cultura), falaremos
em “manutenção”.

Vejamos outros exemplos de sentenças passíveis de tradução palavra por


palavra:

Exemplo 2:

• Amazon sees in Brazil profits and problems.


• Amazon vê no Brasil lucros e problemas.

Exemplo 3:

• President pulls Brazil from accord.


• Presidente tira Brasil de acordo.

Exemplo 4:

• Silvia Furmanovich created a collection inspired by her trips into the Amazon.
• Silvia Furmanovich criou uma coleção inspirada por suas viagens à Amazônia.

Perceba que neste último exemplo (Ex. 4), a preposição a (trad. de into)
e o artigo a (trad. de the) se contraem em à, o que não descaracteriza a tradução
palavra por palavra. Além disso, perceba também que nesse procedimento há
uma correspondência exata de constituintes frasais e ordem dos constituintes.
Se houvesse a manutenção dos constituintes mas alteração da ordem, já não
falaríamos em palavra por palavra, mas sim transposição, como veremos na
próxima unidade.

51
RESUMO DO TÓPICO 1
Nesta unidade, você aprendeu que:

• Procedimentos técnicos de tradução são ações de cunhos linguístico e técnico


praticadas por tradutores para a realização do processo de tradução.

• Os procedimentos técnicos podem ser divididos em dois grandes grupos:


estrangeirizadores (manter elementos da língua estrangeira) e domesticadores
(acomodar a tradução à língua de chegada).

• Conforme a classificação de Lanzetti et al. (2009), os procedimentos


estrangeirizadores se dividem em tradução palavra por palavra e manutenção.
O que diferencia um do outro é a unidade de análise daquilo que se mantém:
se houver manutenção no nível morfológico (palavras e morfemas), diz-se
“palavra por palavra”; se houver manutenção nos níveis do léxico, da sintaxe,
do estilo e das representações simbólicas (cultura), diz-se “manutenção”.

• Contrações de preposições e artigos ou pronomes não descaracterizam a


tradução palavra por palavra. Se houver mudança na ordem dos constituintes,
porém, já não poderemos usar essa terminologia.

52
AUTOATIVIDADE

1 Assinale a sentença que NÃO admite tradução palavra por palavra em


português:

a) ( ) He is going to the school.


b) ( ) The company seeks improvements in the production.
c) ( ) The politician pushes the country toward a crisis.
d) ( ) After a market swoon, investors are seeking safety.

2 Assinale a ÚNICA sentença que admite tradução palavra por palavra em


português:

a) ( ) Russia warns U.S. against Venezuela intervention.


b) ( ) What is lost when a museum vanishes?
c) ( ) Cybercrime scheme uncovered in Brazil.
d ( ) Brazil shuts down successful corruption.

53
54
UNIDADE 2 TÓPICO 2

MANUTENÇÃO DE ITENS LEXICAIS DO TEXTO-FONTE


(EMPRÉSTIMO)

1 INTRODUÇÃO
No Tópico 1, já tratamos de manutenção no nível da palavra. Agora,
avançando nos procedimentos estrangeirizadores, vamos tratar de manutenção
no nível do vocabulário, isto é, no nível lexical.

A manutenção do léxico em uma tradução pode ocorrer de, pelo menos,


quatro maneiras: acomodando o vocábulo estrangeiro à morfologia portuguesa,
mantendo-o intacto como ele é na língua estrangeira, traduzindo as partes da
palavra original para formar uma nova palavra na língua de chegada e, ainda,
combinando línguas diferentes nos dois sentidos da tradução.

Ficou com dúvidas sobre as distinções entre esses quatro tipos?


Provavelmente, sim. Vamos entendê-los com mais detalhes e exemplos a partir
de agora.

2 MANUTENÇÃO SEM ACLIMATAÇÃO (EMPRÉSTIMO


DIRETO)
O termo aclimatação, também chamado por alguns autores de
acomodamento ou transliteração, refere-se ao procedimento de acomodar uma
palavra estrangeira à fonologia da língua de chegada e buscar uma grafia que
corresponda a esse som aclimatado. Por exemplo, como veremos na próxima
seção, a tradução de whisky por uísque seria um bom exemplo de aclimatação.

Por consequência, a manutenção sem aclimatação ocorre quando


mantemos a palavra estrangeira exatamente como é, sem qualquer ajuste na sua
grafia. Assim, no exemplo anterior, a palavra whisky não seria aclimatada para
uísque, mas se manteria tal como na língua de saída.

55
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Quanto maior a presença de uma língua e sua respectiva cultura na outra,


mais aceitável se torna a manutenção sem aclimatação. Quanto mais nacionalista,
protecionista ou conservadora é a postura de um país em relação à sua língua,
menos aceitável é esse tipo de procedimento. França e Espanha, por exemplo, são
conhecidos por serem resistentes a palavras inglesas. Fazem o chamado decalque,
como veremos daqui a pouco, ou aclimatam.

O Brasil, por outro lado, foi e tem sido cada vez mais simpático à cultura
de língua inglesa, e assim a manutenção não aclimatada é vista com bons olhos,
eventualmente até como marca de prestígio. Por esse motivo, a aclimatação é
frequentemente vista como algo sem prestígio. Assim como temos visto cada vez
menos as pessoas grafarem uísque, também é cada vez mais rara a grafia Nova
Iorque em favor de New York, ou no máximo Nova York.

Confira outros exemplos de palavras inglesas geralmente mantidas nas


traduções portuguesas sem aclimatação:

Palavras inglesas da informática mantidas em português sem


aclimatação:

• backup; • on-line;
• chip; • output;
• download; • scanner;
• drive; • site.
• e-mail; • software;
• homepage; • tablet;
• input; • upgrade;
• internet; • upload;
• mouse; • website;
• off-line; • wireless.

Palavras inglesas nos negócios mantidas em português sem aclimatação:

• check-in e • marketing;
check-out; • meeting;
• feedback; • merchandising; 
• follow-up; • part-time e full-time.
• franchising; • performance;
• freelance; • press release;
• holding; • ranking;
• know-how;  • royalty;
• leasing; • staff ou estafe; 
• lobby; • timing.
• manager;

56
TÓPICO 2 | MANUTENÇÃO DE ITENS LEXICAIS DO TEXTO-FONTE (EMPRÉSTIMO)

Palavras inglesas na alimentação mantidas em português sem


aclimatação:

• bacon; • ketchup;
• brunch; • light;
• catering; • milk-shake;
• cheeseburger; • pickles;
• cupcake; • sandwich;
• delivery; • self-service;
• diet; • snack-bar;
• drink; • sundae;
• fast-food; • waffle;
• grill; • whisky.
• happy hour,

Palavras inglesas nos esportes mantidas em português sem aclimatação:


• baseball; • jogging;
• basketball; • karting;
• bike; • knock-out;
• body-board; • motocross;
• box; • mountain bike;
• breakdance; • skate;
• doping; • surf;
• fitness; • volley-ball;
• football; • windsurf

Palavras inglesas na moda e vestuário mantidas em português sem


aclimatação:

• baby-doll;
• black tie;
• blazer;
• cardigan;
• fashion;
• jeans;
• lycra; 
• shorts; 
• smoking;
• stretch; 
• tennis;
• top model.

57
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Palavras inglesas nos passatempos e entretenimentos mantidas em


português sem aclimatação:

• best-seller;
• camping;
• disc jockey;
• hobby;
• jingle;
• medley;
• script; 
• show;
• spoiler;
• thriller;
• trailer;
• videogame.

Outras manutenções sem aclimatação:

• aftershave; • flat;
• air bag; • freezer;
• baby-sitter; • handicap;
• band-aid; • laser;
• botox; • made in.
• bullying; • overdose;
• bypass; • shopping center;
• cameraman;  • slogan;
• check-up; • spray; 
• design; • stress;
• display; • taxi; 
• drive-thru; • walkie-talkie;
• flash; • workshop.

3 MANUTENÇÃO COM ACLIMATAÇÃO


(APORTUGUESAMENTO)

Algumas palavras das listas anteriores já tiveram sua aclimatação ao


português dicionarizada. São elas:

58
TÓPICO 2 | MANUTENÇÃO DE ITENS LEXICAIS DO TEXTO-FONTE (EMPRÉSTIMO)

• bandeide; • estafe;
• basquetebol; • estresse;
• becape; • futebol;
• beisebol; • nocaute;
• blêiser; • picles;
• boxe; • sanduíche;
• cardigã; • surfe;
• disque-jóquei; • táxi;
• drinque; • tênis;
• escâner; • uísque;
• esqueite; • voleibol.

Mesmo já tendo sido dicionarizadas, ou até mesmo pretendidas por lei,


essas traduções aclimatadas nem sempre são bem aceitas. Aquelas que entraram
no uso corrente em um tempo em que a língua inglesa não estava tão disseminada
na cultura brasileira ainda resistem. É o caso de nomes como: picles, basquetebol,
sanduíche, boxe, futebol, drinque, beisebol, nocaute, voleibol, tênis e táxi. Outras,
no entanto, como becape, escâner, estafe, estresse, uísque, esqueite, blêiser,
disque-jóquei, surfe, cardigã e bandeide, nem sempre são aceitas e não gozam do
mesmo prestígio de suas correspondentes inglesas.

É importante que o tradutor tenha sensibilidade de perceber ou imaginar


como o seu público receberia uma tradução que se servisse de um procedimento
ou outro (com ou sem aclimatação). Por exemplo, se estou traduzindo um texto
para um público jovem que pratica esportes radicais, será que cairia bem usar a
aclimatação esqueite? Por outro lado, será que não soaria estranho usar a palavra
volley-ball sem aclimatação, quando sucessivas gerações já se habituaram a vôlei
ou voleibol?

É muito importante que o tradutor faça a si mesmo esse tipo de


questionamento quando preferir procedimentos estrangeirizadores em sua
tradução, a fim de que consiga atingir seu leitor ou interlocutor de modo eficiente.

4 DECALQUE
Até aqui tratamos de manutenção ipsis litteris, ou seja, de empréstimo,
apenas diferenciando o fator da aclimatação. Agora, entretanto, vamos passar
a considerar casos em que se traduz buscando itens lexicais já existentes na
língua de chegada. Não se trata, portanto, de empréstimo lexical propriamente
dito. Nesses casos, chamados decalques, os radicais da tradução e do original não
necessariamente guardam semelhança entre si, mas se pretende uma equivalência
plena de significado. Poderíamos, aqui, falar em empréstimo da composição ou
da colocação.

59
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Manzolillo (2016) diferencia o decalque semântico e o decalque


morfológico. No primeiro caso, a criação de uma palavra pode simplesmente
consistir em dar um significado novo a um termo já existente. “Por exemplo, em
anos recentes, o verbo realizar tem sido usado, na linguagem coloquial, no sentido
de ‘perceber’ ou ‘dar-se conta de algo’. Tal acepção não é portuguesa, mas provém
do inglês to realize, e a sua admissibilidade é discutível” (MANZOLILLO, 2016,
p. 4). Da mesma forma, é usado o termo 'salvar' com referência à memorização
digital. Nesse caso também se trata de um calco semântico do inglês to save.

No decalque morfológico, uma palavra composta pode ser criada a partir


de uma combinação de elementos anteriormente desconhecida na língua de
chegada. “É o caso da palavra ‘arranha-céu’ – um calco morfológico do inglês
skyscraper – criado porque não existia, em português, uma palavra apropriada
para indicar esse tipo de edificação” (MANZOLILLO, 2016, p. 3). A seguir, você
encontra uma lista com outros decalques provenientes do inglês:

QUADRO 2 - LOCUÇÕES E PALAVRAS PORTUGUESAS CALCADAS NO INGLÊS

Termo original inglês Decalque


air conditioner condicionador de ar
automation automação
cable TV TV a cabo
electronic mail (ou e-mail) correio eletrônico
fiberglass fibra de vidro
free-thinker livre-pensador
high-fidelity alta-fidelidade
high society alta sociedade
high technology alta tecnologia
hot dog cachorro-quente
honeymoon lua de mel
introjection introjeção
loudspeaker alto-falante
miniskirt minissaia
remote control controle remoto
single simples
social climber alpinista social
stagflation estagflação
skyscraper arranha-céu
computer computador
server servidor
supermarket supermercado
plant planta
FONTE: Adaptado de Manzolillo (2016, p. 5)

60
TÓPICO 2 | MANUTENÇÃO DE ITENS LEXICAIS DO TEXTO-FONTE (EMPRÉSTIMO)

5 HIBRIDISMO
Em sua tipologia, Lanzetti et al. (2009) ainda consideram o empréstimo
por hibridismo, em que um neologismo é formado a partir de morfemas lexicais
de duas ou mais línguas diferentes.

Os autores citam, como exemplos, iceberg (do ing. ice, gelo + alem.
berg, montanha) e agricultura (do gre. ager, campo + lat. cultura). A partir deles,
depreendemos que o empréstimo por hibridismo se trata de uma manutenção
direta ou aclimatada, porém com formação por justaposição ou aglutinação
envolvendo palavras de duas línguas diferentes.

61
RESUMO DO TÓPICO 2
Nesta unidade, você aprendeu que:

• A manutenção é subdividida em quatro subcategorias: manutenção de itens


lexicais do texto-fonte, manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte,
manutenção do estilo do texto-fonte e manutenção de itens culturais da
cultura-fonte.

• A manutenção de itens lexicais do texto-fonte, também conhecida como


empréstimo, ocorre quando o tradutor decide manter, no texto de chegada,
um item lexical da língua-fonte.

• O empréstimo pode ser feito sem aclimatação ortográfica quando, por


exemplo, o tradutor decide manter a palavra feedback no texto de chegada em
português; ou com aclimatação, quando palavras estrangeiras adquirem nova
forma ortográfica condizente com o sistema fonético-ortográfico da língua de
chegada. Ex.: New York > Nova Iorque, whisky > uísque, football > futebol.

• O empréstimo pode ainda ser feito por decalque, em que os morfemas


formadores da palavra na língua-fonte são traduzidos para a língua de chegada
(ex.: skyscraper > arranha-céus, hi-fi > alta fidelidade, science-fiction > ficção
científica), e por hibridismo, em que um neologismo é formado a partir de
morfemas lexicais de duas ou mais línguas diferentes (ex.: iceberg, do ing. ice,
gelo + alem. Berg, montanha; e agricultura, do gre. ager, campo + lat. cultura).

62
AUTOATIVIDADE

1 Assinale a alternativa que contém um exemplo de manutenção do inglês no


português sem aclimatação:

a) ( ) Jingle.
b) ( ) Futebol.
c) ( ) Descarregar.
d) ( ) Automóvel.

2 Assinale a alternativa que contém um exemplo de manutenção do inglês no


português com aclimatação:

a) ( ) Internet.
b) ( ) Esqueite.
c) ( ) Arranha-céu.
d) ( ) Telegrama.

3 Assinale a alternativa que contém um exemplo de manutenção do inglês no


português por decalque:

a) ( ) Fitness.
b) ( ) Vôlei.
c) ( ) Cachorro-quente.
d) ( ) Burocracia.

4 Assinale a alternativa que contém um exemplo de hibridismo envolvendo


ao menos um radical inglês:

a) ( ) Fitness.
b) ( ) Basquete.
c) ( ) Correio eletrônico.
d) ( ) Surfista.

63
64
UNIDADE 2 TÓPICO 3

MANUTENÇÃO DE ESTRUTURAS SINTÁTICAS DO


TEXTO-FONTE

1 INTRODUÇÃO
Até aqui, nós vimos como operar técnicas de tradução mantenedora
(estrangeirizadora) no nível dos morfemas ou palavras, e no nível dos
itens lexicais. Agora, vamos começar a falar de manutenção no nível dos
constituintes frasais.

Os constituintes frasais podem ser entendidos como as partes que formam


(constituem) a estrutura de uma frase. Essa estrutura é constituída de grandes
partes, que estão no topo da hierarquia, e de partes menores, que integram
aquelas maiores. Por exemplo, na sentença “Sérgio ama literatura”, temos dois
grandes constituintes que correspondem ao sujeito e ao predicado:

[Sérgio] [ama literatura]

O constituinte do predicado, porém, é composto de dois itens (verbo


e objeto). Podemos dizer, portanto, que esses dois itens são constituintes do
sintagma verbal, que, por sua vez, é constituinte da sentença. Poderíamos fazer,
portanto, esta representação:

[Sérgio] [[ama] [literatura]]

Se quiséssemos complicar um pouco mais a constituição dessa sentença,


poderíamos acrescentar um adjetivo ao objeto: “Sérgio ama literatura inglesa”.
Nesse caso, o sintagma nominal do objeto passaria a ser constituído por dois
itens: literatura + inglesa. Assim, teríamos mais um nível na hierarquia:

[Sérgio] [[ama] [[literatura] [inglesa]]]



Perceba que as peças vão se encaixando em blocos que respeitam uma
hierarquia. Logo, a noção de constituinte está intimamente ligada a esses blocos,
que chamamos de sintagmas: a unidade sintática.

65
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

2 ORDEM DOS ELEMENTOS SINTÁTICOS


No nível da sentença, os constituintes máximos (sujeito e predicado)
geralmente respeitam a mesma ordem em português e inglês. Veja:

[sujeito] [predicado]
en. [Sergio] [loves literature]
pt. [Sérgio] [ama literatura]

Se acrescentássemos um advérbio, a ordem dos constituintes também se


manteria a mesma nas duas línguas. Observe:

[sujeito] [[verbo] [objeto] [advérbio]]


en. [Sergio] [[loves] [literature] [since started reading
Shakespeare]]
pt. [Sérgio] [[ama] [literatura] [desde que começou a ler
Shakespeare]]

No entanto, se acrescentássemos um adjetivo ao objeto do verbo,


iríamos nos deparar com um caso em que a ordem dos constituintes em inglês é
necessariamente diferente da ordem em português. Por exemplo:

[sujeito] [[verbo] [objeto (sintagma nominal)] [advérbio]]


en. [Sergio] [[loves] [[english] [literature]] [since started
reading S.]]
pt. [Sérgio] [[ama] [[literatura] [inglesa] [desde que começou
a ler S.]]

Observe as seguintes frases de Conan Doyle. Na maioria dos casos,


poderíamos manter, em português, a mesma ordem dos constituintes da frase
inglesa, com poucas exceções (destacadas em negrito):

1) Once you eliminate the impossible, whatever remains, no matter how improbable, must
be the truth.
Uma vez que você elimina o impossível, o que quer que reste, não importa o quão
improvável, deve ser a verdade.

2) Where there is no imagination there is no horror.


Onde não há imaginação, não há horror.

3) Any truth is better than indefinite doubt.


Qualquer verdade é melhor do que a dúvida infinita.

4) I never guess. It is a shocking habit destructive to the logical faculty.


Eu nunca adivinho. É um hábito ofensivo, destrutivo à faculdade lógica.

66
TÓPICO 3 | MANUTENÇÃO DE ESTRUTURAS SINTÁTICAS DO TEXTO-FONTE

5) Mediocrity knows nothing higher than itself, but talent instantly recognizes genius.
A mediocridade não conhece nada maior do que ela mesma, mas o talento
instantaneamente reconhece o gênio.

6) Of all ghosts the ghosts of our old loves are the worst.
De todos os fantasmas, os fantasmas dos nossos amores antigos são os piores.

Como você pode perceber, na maioria dos casos em que não pudemos
manter, em português, a ordem dos constituintes da frase inglesa, a mudança
deveu-se:

• Ou à posição do adjetivo (em inglês fica à esquerda do núcleo nominal, em


português fica à direita);
• Ou à posição do advérbio de negação (em inglês o escopo da negação é o
complemento do verbo, em português o escopo é o próprio verbo).

Além disso, cabe fazer pelo menos outros dois comentários referentes
ao item 5. Nesse item, na verdade, não tivemos que mudar nada em termos de
ordenamento sintático. O primeiro ponto, nesse item, é que, em inglês, não há
dupla negação, ao passo que em português há. Por isso, tivemos que acrescentar
na tradução uma partícula negativa.

Nesse mesmo item, você deve ter percebido que mantivemos a posição do
advérbio (instantly/instantaneamente) no mesmo local. Tanto em inglês quanto
em português, a posição natural do advérbio é ao final da sentença, depois do
verbo e eventuais objetos. No entanto, nas duas línguas, podemos deslocar o
advérbio para dar ênfase a ele. Foi o que Doyle fez em sua frase. Por isso, se
a sintaxe portuguesa possibilita manter esse mesmo efeito, não há por que não
fazê-lo na tradução.

ATENCAO

Em resumo, a manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte implica


a preservação da ordem dos constituintes frasais sempre que a sintaxe língua de chegada
permitir tal procedimento.

67
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há a manutenção no nível dos constituintes frasais, que podem ser entendidos


como as partes que formam (constituem) a estrutura de uma frase.

• Em nível da sentença, os constituintes máximos (sujeito e predicado) geralmente


respeitam a mesma ordem em português e inglês.

• Em nível do sintagma nominal, a posição do adjetivo difere de uma língua para


outra: em inglês fica à esquerda do núcleo nominal, em português fica à direita.

• A posição do advérbio de negação nem sempre é a mesma: analisamos casos


em que, no inglês, o escopo da negação é o complemento do verbo, enquanto,
em português, o escopo é o próprio verbo.

• A manutenção de estruturas sintáticas do texto-fonte implica a preservação


da ordem dos constituintes frasais sempre que a sintaxe língua de chegada
permitir tal procedimento.

68
AUTOATIVIDADE

1 Considere as seguintes afirmações proverbiais do escritor Conan Doyle e


tente traduzi-las mantendo o ordenamento sintático sempre que possível.

a) It is a capital mistake to theorize before one has data.

b) My mind rebels at stagnation. Give me problems, give me work, give me


the most abstruse cryptogram, or the most intricate analysis, and I am in
my own proper atmosphere. But I abhor the dull routine of existence. I
crave for mental exaltation.

c) There is nothing more deceptive than an obvious fact.

d) I have frequently gained my first real insight into the character of parents
by studying their children.

e) It has long been an axiom of mine that the little things are infinitely the most
important.

f) Women are naturally secretive, and they like to do their own secreting.

g) I am sure, agree with me that... if page 534 only finds us in the second
chapter, the length of the first one must have been really intolerable.

h) A trusty comrade is always of use; and a chronicler still more so.

i) From a drop of water a logician could infer the possibility of an Atlantic or


a Niagara without having seen or heard of one or the other.

j) Our ideas must be as broad as Nature if they are to interpret Nature.

k) There is nothing more unaesthetic than a policeman.

2 Caso não tenha sido possível manter o mesmo ordenamento sintático do


texto-fonte, explique agora, item por item, por que você teve que fazer
certas mudanças. Aproveite para explicar também outras mudanças que
você tenha tido que fazer, que impediram uma tradução estrangeirizadora:
mudanças lexicais ou morfológicas, por exemplo.

a) It is a capital mistake to theorize before one has data.

b) My mind rebels at stagnation. Give me problems, give me work, give me


the most abstruse cryptogram, or the most intricate analysis, and I am in my
own proper atmosphere. But I abhor the dull routine of existence. I crave for
mental exaltation.

69
c) There is nothing more deceptive than an obvious fact.

d) I have frequently gained my first real insight into the character of parents
by studying their children.

e) It has long been an axiom of mine that the little things are infinitely the most
important.

f) Women are naturally secretive, and they like to do their own secreting.

g) I am sure, agree with me that... if page 534 only finds us in the second
chapter, the length of the first one must have been really intolerable.

h) A trusty comrade is always of use; and a chronicler still more so.

i) From a drop of water a logician could infer the possibility of an Atlantic or


a Niagara without having seen or heard of one or the other.

j) Our ideas must be as broad as Nature if they are to interpret Nature.

k) There is nothing more unaesthetic than a policeman.

70
UNIDADE 2
TÓPICO 4

MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

1 INTRODUÇÃO
Começamos agora a ampliar, cada vez mais, o nosso leque de procedimentos
estrangeirizadores de tradução. Este tópico vai abordar a manutenção no nível do
estilo, que, em termos de estrangeirização, é o nível que traz mais procedimentos.

O estilo, como objeto de análise linguística, diz respeito às escolhas formais


que um autor faz mediante os recursos que a língua oferece, visando provocar
certos efeitos de sentido, eventualmente estéticos, eventualmente discursivo-
pragmáticos.

Por exemplo, ao enunciar um determinado fato, podemos enfatizar o


agente que praticou aquele fato, ou resultado da ação. Entre outros recursos que a
língua oferece para determinarmos a escolha dessa ênfase está a voz verbal: a voz
ativa enfatiza o agente, enquanto a voz passiva enfatiza o resultado ou o paciente
da ação. A escolha por este ou aquele recurso por parte de um autor, tendo em
vista determinadas intenções, é uma escolha estilística.

Ao traduzir um texto, o tradutor deve estar atento às escolhas do autor do


texto-fonte no plano estilístico, a fim de reproduzi-las, tanto quanto possível, na
língua de chegada.

Uma vez delimitado o nosso conceito de estilo, passamos então a tratar do


procedimento tradutório de manutenção do estilo. Lanzetti et al. (2009, p. 8) assim
definem a manutenção do estilo:

No procedimento de manutenção do estilo do texto-fonte, podem ser


mantidos os sinais de pontuação do texto-fonte, o registro (formal, neutro,
informal), o layout (disposição gráfica dos elementos do texto na página), a
frequência de uso da voz passiva e/ou da voz ativa, o uso de coordenações
e/ou subordinações, o uso de marcadores do discurso (certo, agora, veja
bem, entende, quero dizer, dentre outros), o uso de referências dêiticas
(intratextuais ou endóforas) através de pronomes dêiticos, sinonímia e
substituição lexical, e referências exóforas (cujos referentes não estejam
presentes no texto); o uso de adjetivação e a complexidade ou fluidez
estilística com que o texto-original tenha sido escrito.

71
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Como você pôde concluir a partir dessa afirmação, os autores sugerem


que a manutenção do estilo compreende todo tipo de recurso linguístico ou
paralinguístico usado pelo autor. Vamos analisar, então, mais de perto e com
exemplos, como podemos manter esses recursos na tradução do inglês ao
português.

2 USO DE SINAIS DE PONTUAÇÃO


Em relação aos sinais de pontuação e a sua manutenção na tradução,
convém fazer aqui pelo menos três reflexões: primeiro, sobre sua natureza
essencialmente prosódica (ou protoprosódica, como veremos); segundo, sobre a
importância da manutenção desse aspecto na tradução e, terceiro, sobre os limites
para a manutenção da pontuação.

Quando dizemos que a pontuação tem uma essência prosódica, estamos


nos referindo ao fato de que uma das funções básicas da pontuação é emular,
na escrita, uma série de sentidos que, na fala, construímos por meio da prosódia
(entonação, ritmo, acento e demais atributos correlatos na fala). Por exemplo, na
fala, uma mesma sentença, se for afirmativa ou interrogativa, tem entonações
diferentes: no primeiro caso, a melodia é decrescente; no segundo, é crescente.
Como não podemos recriar essa curva melódica na escrita, inventamos sinais de
pontuação para indicar essa diferença.

Outro exemplo pontual: na fala, quando dizemos algo a alguém, e


chamamos essa pessoa pelo nome antes de proferir a mensagem que queremos
endereçar a ela, fazemos uma pausa antes e/ou depois de dizer seu nome, para
marcar a função vocativa: pense em “João, vem aqui por favor?” ou “Vem
aqui, João, por favor?” Na escrita, essas pausas do vocativo e a entonação que
imprimimos correspondem a vírgulas.

Mais um exemplo: quando, na fala, mantemos a ordem natural dos


constituintes da sentença, geralmente mantemos um fluxo mais contínuo e linear.
Pense na sentença: “João acordou mais cedo naquele dia”. Quando, porém,
deslocamos algum constituinte, interrompendo a ordem natural, fazemos pausas
e mudanças de ritmo e entonação para indicar essa intercalação: “João, naquele
dia, acordou mais cedo”.

72
TÓPICO 4 | MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

ATENCAO

Quando dizemos que a pontuação tem uma essência prosódica, não estamos
afirmando que ela não tenha um valor sintático, semântico ou discursivo, mas sim que ela
reproduz funções (de implicações eventualmente sintáticas, semânticas ou discursivas) que
na fala seriam desempenhadas pelo componente prosódico. Em outras palavras, podemos
dizer que fala e escrita compartilham praticamente todas as dimensões da língua em uso,
exceto a prosódia, e essa carência da escrita é compensada pela pontuação.

Passando ao segundo ponto que anunciamos, se os sinais de pontuação não


são jamais gratuitos e têm por função básica emular os sentidos que se constroem
na prosódia, logo é natural que sua manutenção na tradução seja imperativa.
Pense, por exemplo, se um tradutor decidisse alterar arbitrariamente a pontuação
das seguintes passagens dessas obras literárias:

LAVINIA – (startled – agitatedly)


Father? No! … Yes! He does – something about his face – that must be
why I’ve had the strange feeling I’ve known him before … Oh! I won’t
believe it! You must be mistaken, Seth!
(Mourning Becomes Electra, by Eugene O’Neil)

The why and wherefore of the scorpion – how it had got on board and
came to select his room rather than the pantry (which was a dark place
and more what a scorpion would be partial to), and how on earth
it managed to drown itself in the inkwell of his writing desk – had
exercised him infinitely.
(The Secret Sharer, by Joseph Conrad)

Certamente o encadeamento das sentenças e o sentido delas seriam


comprometidos. Portanto, se há um ponto que – entre estrangeirização e
domesticação – parece não haver muita controvérsia, esse ponto é a manutenção
da pontuação.

Entretanto, e aqui passando à terceira reflexão anunciada, de língua para


língua, muitas vezes há certas convenções de pontuação que mudam, e isso
implica que há certos limites para a manutenção desse aspecto na tradução. Isto
é, muitas vezes o tradutor será forçado a mudar a pontuação, acrescentando ou
omitindo sinais conforme as convenções da língua de chegada. No tópico anterior,
quando expusemos alguns excertos de Conan Doyle, você deve ter percebido que
fizemos alguns acréscimos na pontuação. Relembre:

Where there is no imagination there is no horror.


Onde não há imaginação, não há horror.

I never guess. It is a shocking habit destructive to the logical faculty.


Eu nunca adivinho. É um hábito ofensivo, destrutivo à faculdade lógica.

73
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Of all ghosts the ghosts of our old loves are the worst.
De todos os fantasmas, os fantasmas dos nossos amores antigos são
os piores.

Esses são alguns casos em que a vírgula, em português, tende a ser


categórica, ao passo que, em inglês, parece ser arbitrária. Respectivamente,
estamos nos referindo ao deslocamento de um longo advérbio, à coordenação de
adjetivos e ao deslocamento de um longo adjunto adnominal da ordem direta.
Essas são apenas algumas diferenças pontuais. Para efeitos de exemplificação,
vamos tratar rapidamente de algumas outras convenções normativas para a
colocação de vírgulas em inglês e português.

Para a maioria dos casos, as convenções de virgulação em inglês e


português coincidem. Isso vale, por exemplo, para: vírgula entre sujeito e verbo;
vírgula entre dois substantivos em um sintagma nominal (sujeito ou objeto
composto); vírgula entre dois verbos em um predicado composto; quebras de
períodos; vírgula e orações reduzidas de particípio ou gerúndio; vírgula dentro
de comparação; vírgulas em intercalações; vírgula com tags de pergunta; vírgula
com vocativos; vírgula com apostos; vírgulas em datas; vírgula antes mas; vírgula
entre verbo e objeto; vírgula com cláusula não restritiva; vírgula com cláusulas
restritivas; vírgula entre conjunções correlativas; vírgula entre citações diretas
e tags atributivas; vírgula dentro de aspas; vírgula entre artigo e substantivo;
vírgula com tal como e vírgula antes também. Em todos esses casos, as convenções
em inglês e português tendem a coincidir.

No entanto, além daqueles exemplos pontuais mencionados há pouco


a partir das traduções dos excertos de Doyle, há pelo menos um caso em que
inglês e português divergem na colocação de vírgulas: a chamada vírgula serial
ou vírgula de Oxford. Quando listamos três ou mais itens, as vírgulas devem
separar cada elemento da lista. Até aí, tudo bem: isso vale para ambas as línguas.
Contudo, em português, separamos o último elemento da lista com o conectivo
e, que dispensa a vírgula. Em inglês, porém, conforme uma convenção chamada
vírgula de Oxford, o último item da lista, mesmo que venha antecedido de e, vem
também antecedido por vírgula. Observe os exemplos:

1) Mary needs bread, milk, and butter at the grocery store.


Maria precisa de pão, leite e manteiga na mercearia.

2) I still have to buy a gift, pack the suitcases, and arrange for someone to water the plants
while we’re at the wedding.
Eu ainda tenho que comprar um presente, arrumar as malas e arranjar alguém
para regar as plantas enquanto estamos no casamento.

3) I dedicate this award to my parents, Jane Austen, and Albert Einstein.


Dedico este prêmio aos meus pais, Jane Austen e Albert Einstein.

74
TÓPICO 4 | MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

Esse é um bom exemplo de limite para a manutenção da pontuação


na tradução. Não convém que mantenhamos a pontuação inglesa aqui, pois a
referida convenção simplesmente não existe em português.

Naturalmente, não caberia listar todos os casos de divergência nas


convenções de pontuação entre inglês e português, pois isso fugiria aos propósitos
deste material, mas importa ressaltar que o tradutor deve dominar as convenções
de pontuação normativas na língua de chegada e para saber identificar quando
um sinal de pontuação no texto de partida deve ser abolido ou acrescentado.

3 REGISTRO
Em linguística, quando falamos em registro, estamos nos referindo às
variantes que preferimos em cada contexto, em cada situação de uso, principalmente
considerando fala vs. escrita e informalidade vs. formalidade. Assim, sempre que
um tradutor verificar no texto de partida alguma marca de registro, é conveniente
que se busque uma equivalência na língua de chegada. Por exemplo, em inglês,
as contrações costumam ser informais ou neutras, em comparação com as formas
não contraídas, marcadamente formais. Em português, embora não tenhamos as
mesmas marcas de formalidade do inglês, podemos buscar equivalências a fim
de manter o registro. Observe:

QUADRO 3 – DIFERENÇAS DE REGISTRO: CONTRAÇÕES EM INGLÊS

Informal Formal

The improvements canʼt be introduced due to Improvements cannot be introduced due to


funding restrictions. funding restrictions.

As melhorias não podem ser introduzidas As melhorias estão inviabilizadas devido


por causa de restrições financeiras. a restrições financeiras.

I donʼt believe that the results are accurate. The results are not believed to be accurate.

Eu acho que o resultado não tá certo. Não creio que os resultados sejam precisos.

The research project wonʼt continue next The research project will not continue next
year. year.

O projeto de pesquisa não vai continuar O projeto de pesquisa não continuará no


ano que vem. ano que vem.

FONTE: O autor

75
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

As traduções propostas nesse quadro não são as únicas possíveis, porém


buscamos manter o registro (formal ou informal) conforme as alternativas
disponíveis em português. É nesse sentido que falamos em manutenção do
registro.

Veja outras diferenças de registro em inglês e respectivas alternativas de


tradução em português:

QUADRO 4 – DIFERENÇAS DE REGISTRO: PERÍFRASES (PHRASAL VERBS) EM INGLÊS

Informal Formal
The balloon was blown up for the The balloon was inflated for the
experiment. experiment.

O balão foi enchido para o experimento. O balão foi inflado para o experimento.

The patient got over his illness. The patient recovered from his illness.

O paciente sarou da doença dele. O paciente se recuperou da sua doença.

The results of the study were mixed up. The results of the study were confused.

Os resultados do estudo foram Os resultados do estudo foram


bagunçados. confusos.

FONTE: O autor

QUADRO 5 – DIFERENÇAS DE REGISTRO: GÍRIAS EM INGLÊS

Informal Formal
The mob was very rowdy during the protest The crowd was very rowdy during the protest
against cuts to university funding. against the cuts to university funding.

O povão estava muito barulhento A multidão estava muito barulhenta


durante o protesto contra os cortes no durante o protesto contra os cortes no
financiamento estudantil. financiamento estudantil.

Lecturers still count on students to use Lecturers expect students to use correct
correct grammar and punctuation in essays. grammar and punctuation in essays.

Os professores ainda dão bola para o Os professores ainda esperam que os


uso correto de gramática e pontuação alunos usem gramática e pontuação
nos ensaios. corretas nos ensaios.
It was raining cats and dogs. It was raining very heavily.

Estava caindo um toró. Estava chovendo muito forte.

FONTE: O autor

76
TÓPICO 4 | MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

QUADRO 6 – DIFERENÇAS DE REGISTRO: USO PRIMEIRA PESSOA EM INGLÊS

Informal Formal
I considered various research methods for Various research methods were considered
the study. for the study.

Eu considerei vários métodos de Vários métodos de pesquisa foram


pesquisa para o estudo. considerados para o estudo.
We believe the practice is unsustainable. It is believed the practice is unsustainable.

A gente acredita que a prática é Acredita-se que a prática seja


insustentável. insustentável.

During the interview I asked students about During the interview students were asked
their experiences. about their experiences.

Durante a entrevista, eu questionei os Durante a entrevista, os estudantes foram


estudantes sobre suas experiências. questionados sobre suas experiências.

FONTE: O autor

Mais uma vez, reforçamos: as traduções propostas nesses quadros


precedentes não são as únicas possíveis, mas procuramos salientar o registro
marcado em inglês (formal ou informal) dentro de possibilidades disponíveis em
português brasileiro. Esse mesmo tipo de exercício se impõe ao tradutor e exige
dele a sensibilidade de identificar, na língua de partida, as variações de registro
existentes a fim de buscar equivalências na língua de chegada.

4 LAYOUT
Em textos cuja diagramação participa ativamente na construção do
significado, a manutenção do layout constitui um aspecto importante.

A importância do layout varia de acordo com o gênero textual. Quanto


mais multimidiático é um texto, maior tende a ser a importância do layout para o
significado. Pense, por exemplo, no seguinte infográfico:

77
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

FIGURA 1 - EXEMPLO DE INFOGRÁFICO EM INGLÊS

FONTE: O autor

Imagine, pois, se traduzíssemos esse texto sem preservar o seu layout:

HISTÓRIA DA VIDA COMO A CONHECEMOS

Muito tempo atrás


Pré-cambriano
4600 – Hadeano
4000 – Arqueano
2500 – Proterozoico
[...]
Cenozoico
65 – Paleogênese
23 – Neogênese
2,5 – Quaternário

Milhões de anos
Eventos de extinção em massa

Eventos de deriva continental


Dias de hoje
[...]
Pangeia – Cerca de 200 milhões de anos atrás

E então, o que parece? A não manutenção do layout, no caso desse texto, é


uma alternativa viável? Os sentidos permanecem sem perdas comprometedoras?
Certamente não, correto?
78
TÓPICO 4 | MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

Casos como este constituem, portanto, situações em que urge a manutenção


do layout para a preservação do projeto semiótico do texto.

5 USO DE VOZ PASSIVA/VOZ ATIVA


Há pouco, quando tratávamos da manutenção do registro, já mostramos
que o uso da voz passiva em inglês acadêmico é uma marca de formalidade, ao
passo que o uso da voz ativa tendo o sujeito na primeira pessoa é uma marca de
informalidade. Relembre:

I considered various research methods for the study.


Eu considerei vários métodos de pesquisa para o estudo.

Various research methods were considered for the study.


Vários métodos de pesquisa foram considerados para o estudo.

During the interview I asked students about their experiences.


Durante a entrevista, eu questionei os estudantes sobre suas
experiências.

During the interview students were asked about their experiences.


Durante a entrevista, os estudantes foram questionados sobre suas
experiências.

Assim, já podemos assumir que convém manter as estruturas de voz


passiva e ativa se o tradutor pretender manter o registro. Além disso, essas
estruturas também cumprem outras funções.

Talvez a principal dessas funções alternativas seja o emprego de foco sobre


papéis temáticos. A voz passiva é usada, por exemplo, quando queremos focar a
atenção na pessoa ou na coisa afetada pela ação. Normalmente, o executante da
ação, ou o agente, vem primeiro e constitui o sujeito do verbo, e então usamos a
forma ativa do verbo. Nesse caso, a outra pessoa ou coisa constitui o objeto do
verbo. Considere estes exemplos:

• The boss invited her to the party.


O chefe a convidou para a festa.

• The construction company in Station Road employs three hundred people.


A construtora na Station Road emprega trezentas pessoas.

Entretanto, se você quer enfocar a pessoa ou coisa afetada pela ação, pode
converter essa pessoa ou coisa em sujeito da sentença, usando a voz passiva.
Dessa forma, o alvo do foco é alçado à posição de destaque no início da sentença:

• She was invited to the party by the boss.


Ela foi convidada para a festa pelo chefe.

• Three hundred people are employed by the construction company in Station Road.
Trezentas pessoas são empregadas pela construtora na Station Road.
79
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Conforme Woodham (2019), há, pelo menos, outras cincos maneiras pelas
quais os autores empregam a voz passiva de maneira estratégica, como recurso
estilístico:

1. Quando não sabemos quem é o agente:

• I don’t know who did it, but my pet rabbit has been let out.
Eu não sei quem fez isso, mas meu coelho de estimação foi solto.

• I had the feeling that I was being followed.


Eu tive a sensação de que estava sendo seguida.

Ao invés de:

• I don’t know who did it, but someone has let out my pet rabbit.
Eu não sei quem fez isso, mas alguém soltou meu coelho de estimação.

• I had the feeling that somebody was following me.


Eu tive a sensação de que alguém estava me seguindo.

2. Quando é óbvio para o ouvinte ou leitor quem é o agente:

• I had been instructed to remove all the ash trays.


Eu tinha sido instruído a remover todas as bandejas de cinzas.

• She discovered that she was being paid less than her male colleagues.
Ela descobriu que estava sendo paga menos do que seus colegas homens.

Ao invés de:

• My boss had instructed me to remove all the ash trays.


Meu chefe me instruiu a remover todas as bandejas de cinzas.

• She discovered that the firm was paying her less than her male colleagues.
Ela descobriu que a empresa estava lhe pagando menos do que a seus colegas
homens.

3. Quando não é importante saber quem é o agente:

• Do you want a lift? No thanks, I’m being collected.


Você quer um elevador? Não, obrigado, eu vou ser assessorado.

Ao invés de:

• Do you want a lift? No thanks, someone is collecting me.


Você quer um elevador? Não, obrigado, alguém está vindo me buscar.

80
TÓPICO 4 | MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

4. Quando o agente já foi mencionado:

• In the next session of parliament, new laws will be introduced aimed at stopping
domestic violence.
Na próxima sessão do parlamento, novas leis serão introduzidas para acabar com
a violência doméstica.

Ao invés de:

• In the next session of parliament, the government will introduce new laws aimed at
stopping domestic violence.
Na próxima sessão do parlamento, o governo introduzirá novas leis destinadas a
acabar com a violência doméstica.

5. Quando as pessoas em geral são os agentes:

• All the Beatles records can be borrowed from the central library.
Todos os discos dos Beatles podem ser emprestados da biblioteca central.

Ao invés de:

• You can borrow all the Beatles records from the central library.
Você pode emprestar todos os discos dos Beatles da biblioteca central.

Portanto, ao traduzir qualquer sentença, repare na voz verbal empregada


e reflita sobre os seus efeitos estilísticos antes de fazer quaisquer alterações na
estrutura sintática.

6 USO DE COORDENAÇÃO/SUBORDINAÇÃO
Em sintaxe, quando falamos em coordenação, estamos falando em dispor
sintagmas nominais ou verbais lado a lado, por meio de conjunções ou sinais de
pontuação, sem que haja nenhuma relação de dependência: qualquer um poderia
ser omitido e a sentença continuaria gramatical. Exemplos de sintagmas nominais
coordenados:

• Lisa loves coffee and ice cream.


Lisa adora café e sorvete.

O objeto é composto por dois substantivos coordenados (café e sorvete), e


ambos poderiam ser omitidos sem prejuízo da gramaticalidade da sentença:

• Lisa loves coffee.


Lisa adora café.

81
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

• Lisa loves ice cream.


Lisa adora sorvete.

Agora, um exemplo de sintagmas verbais coordenados:

• Lisa loves coffee, and she can not drink too much coffee.
Lisa adora café, e ela não pode tomar muito café.

Aqui, a primeira sentença (“Lisa adora café”) poderia ser perfeitamente


separada da segunda (“ela não pode tomar muito café”) sem prejuízo da
gramaticalidade.

Por outro lado, subordinação pressupõe sintagmas que estão conectados


por uma relação de dependência entre si: se o sintagma subordinante for omitido,
o subordinado se torna agramatical por si só. Exemplo:

• Lisa loves the coffee that is produced in Colombia, although she can not drink too much.
Lisa adora o café que é produzido na Colômbia, embora não possa tomar muito.

Nesse caso, a subordinada “é produzido na Colômbia” não poderia existir


sem o núcleo “café”, sendo que a relação de subordinação é estabelecida pelo
pronome relativo (“que”). Da mesma forma, a subordinada “não possa tomar
muito” não poderia existir sem o núcleo “adora” (da sentença principal), sendo
que a relação de subordinação é estabelecida pela conjunção subordinativa
“embora”.

A composição de um texto por meio de coordenações ou subordinações


consiste em um recurso estilístico importante, pois insere o leitor ou interlocutor
na perspectiva ou no encadeamento de ideias que o autor deseja. O autor
competente no estilo, portanto, arquiteta seus períodos de maneira inteligente,
combinando coordenação e subordinação conforme o enquadramento no qual ele
pretende colocar seu leitor ou interlocutor.

A título de exemplo das possibilidades estilísticas em coordenações e


subordinações, observe o quadro a seguir, que apresenta possíveis efeitos de
estilo envolvendo a conjunção and:

82
TÓPICO 4 | MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

QUADRO 7 – EFEITOS DE ESTILO EM PERÍODOS COM A CONJUNÇÃO AND

Sentenças coordenadas em
Efeitos de estilo Tradução
inglês
Sequência de tempo
(segunda cláusula vem He opened the door, and then Ele abriu a porta, e então
depois da primeira we entered the restaurant. entramos no restaurante.
cláusula)
Ele largou o prato de
He dropped the plate of pasta
Resultado (2ª cláusula massa no meu colo, e eu
on my lap, and I let out a cry of
resulta da 1ª cláusula) soltei um grito de dor e
pain and horror.
horror.

Contraste (2ª cláusula


My sister orders tea, and I Minha irmã pede chá, e eu
está em contraste com a
ervis take coffee. tomo café.
1ª cláusula)

Concessão (1a cláusula The restaurant owners want to Os donos de restaurantes


concede algo enquanto serve good food, and yet they querem servir boa comida
a 2ª cláusula dá a never quite get everything e, no entanto, nunca
atualidade ou verdade) right. acham tudo certo.

Condição (1ª cláusula é They have to learn to make Eles têm que aprender a
uma condição para a 2ª better coffee, and then I’ll be fazer um café melhor, e
cláusula) happier. então serei mais feliz.

A comida italiana
requer vegetais frescos,
Italian food requires fresh
Similaridade (2ª cláusula e, do mesmo modo,
vegetables, and similarly
faz um ponto semelhante os alimentos do sul
Southern food at its best
ao da 1ª cláusula) dependem, na melhor das
depends on fresh ervissetes.
hipóteses, de temperos
frescos.

Adição “pura” (2ª Eles servem massas e


They serve pasta, and they also
cláusula adiciona algo à também têm uma boa
have a nice range of pizzas.
1ª cláusula) variedade de pizzas.

Eles têm apenas uma


They have only one choice to
Explicação (2ª cláusula opção para permanecer
stay in business – and that’s to
comenta ou explica a 1ª no negócio – e isso é
improve both food and ervisse
cláusula) para melhorar tanto a
immediately.
comida quanto a higiene
imediatamente.
FONTE: Adaptado de Byrd (2009, p. 6)

83
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

7 USO DE MARCADORES DO DISCURSO


Marcadores de discurso são palavras ou frases como: “de qualquer
maneira”, “certo”, “tudo bem”, “como eu costumo dizer”, “para começar”. Nós
os usamos para conectar, organizar e gerenciar o que dizemos ou escrevemos, ou
para expressar uma atitude:

Por exemplo, imagine uma conversa entre amigos:

A: So, I’ve decided I’m going to go to the bank and ask for a car loan.
Então, decidi ir ao banco e pedir um empréstimo para o carro.

B: That sounds like a good idea.


Parece uma boa ideia.

C: Well, you need a car.


Bem, você precisa de um carro.

B: Right.
Certo.

A: Anyway, I was wondering if either of you would teach me how to drive.


De qualquer forma, eu queria saber se algum de vocês me ensinaria a dirigir.

Os marcadores de discurso nesse exemplo têm vários usos: so marca o


início de uma nova parte da conversa; well marca uma mudança no foco (obter
um empréstimo para precisar de um carro); right marca uma resposta (B está
concordando com C) e anyway marca uma mudança no tópico (de comprar um
carro novo para ter aulas de direção).

Geralmente, usamos marcadores discursivos distintos para a fala e escrita.


Na fala, os seguintes marcadores discursivos são muito comuns:

• anyway (de qualquer forma) • oh (oh, ah)


• like (tipo) • well (bem)
• right (certo) • as I say (como estava
• you know (sabe como é) dizendo)
• fine (legal) • great (ótimo)
• now (agora) • okay (ok)
• so (então) • mind you (veja só)
• I mean (quer dizer) • for a start (pra começar)
• good (bom, joia)

Já, na escrita, são mais frequentes marcadores como:

• firstly (primeiramente)

84
TÓPICO 4 | MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

• in addition (além do que, além do mais)


• moreover (além disso)
• on the other hand (por outro lado)
• secondly (em segundo lugar)
• in conclusion (em conclusão)
• on the one hand (por um lado)
• to begin with (inicialmente)
• thirdly (em terceiro lugar)
• in sum (em suma)

Marcadores de discurso nem sempre podem ser tomados literalmente,


pois o mais importante no caso deles é sua função. Portanto, manter um marcador
discurso como recurso estilístico em uma tradução significa manter a sua função
na organização do discurso. Algumas das principais funções dos marcadores
discursivos são:

• organizar o que dizemos;


• monitorar o que dizemos;
• dar um feedback ao interlocutor para manter o curso do diálogo;
• demonstrar uma atitude;
• modalizar afirmações para soar menos direto;
• indicar cautela ou incerteza sobre o que será dito;
• demonstrar uma reação emocional.

Imagine, por exemplo, que você estivesse traduzindo as falas de um filme


para fins de legendagem:

A: So he opened the door.


B: Yeah.
A: And he went in very quietly without waking her.
B: Right.
A: He opened her bag and…

O mais importante aí, em termos de manutenção do estilo, é preservar a


função de yeah e right, que é dar um feedback ao interlocutor para manter o curso
do diálogo. Portanto, não importa se você traduz yeah por “sim” ou “aham” etc. O
que importa é encontrar um marcador funcionalmente compatível em português.

Outros exemplos:

Can I just ask you a question?


We can probably add some more water to the sauce.
Is this perhaps one of your first times driving a car?

85
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Se traduzíssemos just, probably e perhaps literalmente, provavelmente


funcionaria. Porém, o mais importante é ter em mente a manutenção da
função desses marcadores, que é modalizar afirmações para soar menos direto.
Respectivamente, suavizar um pedido, suavizar uma correção, suavizar uma
crítica. Em português, poderíamos manter essas funções de diferentes maneiras,
com diferentes marcadores. Pense em soluções como:

Será que eu posso te fazer uma perguntinha?


Olha... pode ser que a gente tenha que colocar um pouco mais de água
no molho.
Pelo jeito, essa é uma das primeiras vezes que você dirige um carro?
As funções se mantiveram as mesmas, certo? Essa é a ideia.

8 USO DE REFERÊNCIAS ANAFÓRICAS


A anáfora refere-se ao modo como uma palavra ou frase se relaciona com
outro texto. Esse processo de referenciação pode apontar para dentro ou para
fora do texto. No primeiro caso, falamos em referência exofórica; no segundo,
referência endofórica.

Uma referência exofórica refere-se à linguagem fora do texto em que a


referência é encontrada. Entre os tipos de referência exofórica, está, por exemplo,
a referência homofórica: uma frase genérica que obtém um significado específico
através do conhecimento de seu contexto. Por exemplo, o significado de “the
Queen” pode ser determinado pelo país em que essa locução é falada. Como
existem diferentes rainhas em todo o mundo, a localização do locutor fornece as
informações extras que permitem a identificação de uma rainha individual.

Já uma referência endofórica refere-se a algo dentro do texto em que


a referência é encontrada. Quando tratamos de processos de referenciação
endofórica, costumamos diferenciar anáfora e catáfora. Uma referência anafórica,
quando oposta à catáfora, refere-se a algo previamente identificado dentro de
um texto. Por exemplo, em “Susan dropped the plate. It shattered loudly” (“Susan
derrubou o prato. Ele se quebrou ruidosamente”), a palavra it refere-se a the plate.
Portanto, um processo anafórico.

Uma referência catafórica refere-se a algo dentro de um texto e que ainda


não foi identificado. Por exemplo, em “Since he was very cold, David promptly put
on his coat” ("Uma vez que ele estava com muito frio, David prontamente vestiu
seu casaco"), a identidade de he é desconhecida até que o indivíduo também seja
referido como David. Portanto, um processo catafórico.

Em termos de tradução estrangeirizadora, é importante que, ao identificar


referências exofóricas (contextuais) ou endofóricas (contextuais), o tradutor esteja
apto a identificar o referente e a encontrar a expressão mais apropriada para
garantir a referenciação.

86
TÓPICO 4 | MANUTENÇÃO DO ESTILO DO TEXTO-FONTE

9 ADJETIVAÇÃO
Para tratar do uso estilístico de adjetivos, trazemos à tona um trecho da
obra Sense of Style, do célebre linguista Steven Pinker. O autor explora qualidades
estilísticas de escritores nem sempre convencionais. Um desses escritores é
Margalit Fox, famosa por redigir obituários para o New York Times. A fim de
comentar o uso inteligente de adjetivos, Pinker (2016, p. 33) analisa os seguintes
excertos de Fox:

Maurice Sendak, widely considered the most important children’s


book artist of the 20th century, who wrenched the picture book out of
the safe, sanitized world of the nursery and plunged it into the dark,
terrifying and hauntingly beautiful recesses of the human psyche,
died on Tuesday in Danbury, Conn.
Pauline Phillips, a California housewife who nearly 60 years ago,
seeking something more meaningful than mah-jongg, transformed
herself into the syndicated columnist Dear Abby — and in so doing
became a trusted, tart-tongued adviser to tens of millions — died
on Wednesday in Minneapolis. […] With her comic and flinty yet
fundamentally sympathetic voice, Mrs. Phillips helped wrestle the
advice column from its weepy Victorian past into a hard-nosed 20th-
century present. […] Mrs. Phillips began her life as the columnist
Abigail Van Buren in 1956. She quickly became known for her
astringent, often genteelly risqué, replies to queries that included the
marital, the medical and sometimes both at once.
Helen Gurley Brown, who as the author of “Sex and the Single Girl”
shocked early-1960s America with the news that unmarried women
not only had sex but thoroughly enjoyed it – and who as the editor
of Cosmopolitan magazine spent the next three decades telling those
women precisely how to enjoy it even more – died on Monday in
Manhattan. […] As Cosmopolitan’s editor from 1965 until 1997, Ms.
Brown was widely credited with being the first to introduce frank
discussions of sex into magazines for women. The look of women’s
magazines today – a sea of voluptuous models and titillating cover
lines – Is due in no small part to her influence.

Pinker (2016) destaca os seguintes adjetivos e advérbios usados por


Fox: hauntingly, tart-tongued, flinty, weepy, hard-nosed, astringent, genteelly,
risqué, voluptuous, titillating (assombrosamente, cáustico, sarcástico, piegas,
instransigente, ácida, gentilmente, maliciosa, voluptuoso, excitante). Conforme
sua avaliação, ao escolher esses adjetivos e advérbios pouco comuns, Fox
transgride duas das advertências mais comuns dos manuais de estilo: a que
recomenda escrever com substantivos e verbos, não com adjetivos e advérbios; e
a que dissuade os escritores a usarem palavras incomuns ou fantasiosas quando
uma palavra comum e simples resolve.

Em sua análise, essas advertências estão mal formuladas, pois, se

[...] é verdade que existe uma quantidade enorme de prosa inchada,


recheada de latinismos polissilábicos (cessation [cessação] em vez de
end [fim], eventuate [ocasionar] em vez de cause [causar]) e adjetivos

87
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

inflados (is contributive to em vez de contributes to, is determinative


of em vez de determines [é colaborativo em vez de colabora, é
determinante de em vez de determina]) [...] (PINKER, 2016, p. 34).

É também verdade que um autor habilidoso pode “avivar e às vezes


energizar sua prosa mediante a inserção judiciosa de uma palavra surpreendente”
(PINKER, 2016, p. 34). Segundo o autor, um vocabulário arejado e o uso de palavras
incomuns são duas das qualidades que distinguem a prosa com vitalidade da
prosa sem graça.

Para efeitos de manutenção de estilo na tradução, é importante que o


tradutor atente para esses adjetivos (e também advérbios) usados de maneira
específica, intencional, gerando certo efeito pretendido e marcando, assim, a
identidade do autor.

Nesse sentido, se traduzíssemos: “Maurice Sendak […] plunged the


picture book into the dark, terrifying and hauntingly beautiful recesses of
the human psyche” por “Maurice Sendak mergulhou o livro ilustrado nos
recantos da mente humana marcados por escuridão, terror e uma beleza que
assombra”, comprometeríamos a identidade estilística do texto. Não é à toa que o
tradutor, Rodolfo Ilari, optou por uma estratégia mantenedora: “Maurice Sendak
mergulhou o livro ilustrado nos obscuros, aterradores e assombrosamente
maravilhosos recantos da mente humana”.

Da mesma forma, se traduzíssemos “Pauline Phillips […] became a trusted,


tart-tongued adviser to tens of millions” por “Pauline Phillips se tornou uma
conselheira de confiança e de língua azeda para dezenas de milhões”, perderíamos
o efeito estilístico dos adjetivos, o que poderia ser evitado com alguns ajustes:
“Pauline Phillips se tornou uma conselheira confiável, azeda e linguaruda para
dezenas de milhões”.

O mesmo poderíamos afirmar se traduzíssemos: “The look of women’s


magazines today — a sea of voluptuous models and titillating cover lines — is due
in no small part to her influence” por “A aparência das revistas femininas hoje – um
mar de modelos com volúpia e manchetes que excitam – não se deve, em parte
alguma, à sua influência”.

Efeito diferente obteríamos com: “A aparência das revistas femininas hoje


– um mar de modelos voluptuosas e manchetes excitantes – não se deve, em
parte alguma, à sua influência”.

Portanto, reiterando, se o tradutor pretender manter a adjetivação como


efeito de estilo na tradução, deve atentar para esses usos específicos e propositais,
que dão identidade estética ao texto.

88
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• O estilo, como objeto de análise linguística, diz respeito às escolhas formais


que um autor faz mediante os recursos que a língua oferece, visando provocar
certos efeitos de sentido, eventualmente estéticos, eventualmente discursivo-
pragmáticos.

• No procedimento de manutenção do estilo do texto-fonte, podem ser


mantidos os sinais de pontuação do texto-fonte, o registro (formal, neutro,
informal), o layout (disposição gráfica dos elementos do texto na página), a
frequência de uso da voz passiva e/ou da voz ativa, o uso de coordenações e/
ou subordinações, o uso de marcadores do discurso (certo, agora, veja bem,
entende, quero dizer, dentre outros), o uso de referências dêiticas (intratextuais
ou endóforas) através de pronomes dêiticos, sinonímia e substituição lexical
e referências exóforas (cujos referentes não estejam presentes no texto); o uso
de adjetivação e a complexidade ou fluidez estilística com que o texto-original
tenha sido escrito.

• Em relação aos sinais de pontuação e à manutenção na tradução, destacamos


três pontos:

(1) uma das funções básicas da pontuação é emular, na escrita, uma série de
sentidos que, na fala, construímos por meio da prosódia (entonação, ritmo,
acento e demais atributos correlatos na fala);
(2) se os sinais de pontuação não são jamais gratuitos e têm por função básica
emular os sentidos que se constroem na prosódia, logo é natural que sua
manutenção na tradução seja imperativa;
(3) muitas vezes há certas convenções de pontuação que mudam, e isso implica
que há certos limites para a manutenção desse aspecto na tradução; há
pelo menos um caso em que inglês e português divergem na colocação de
vírgulas: a chamada vírgula serial ou vírgula de Oxford.

• Sempre que um tradutor verificar no texto de partida alguma marca de registro


(fala vs. escrita, informalidade vs. formalidade), é conveniente que se busque
uma equivalência na língua de chegada.

• Em textos cuja diagramação participa ativamente na construção do significado,


a manutenção do layout constitui um aspecto importante. Casos assim
constituem situações em que urge a manutenção do layout para a preservação
do projeto semiótico do texto.

89
• Em relação ao uso de vozes verbais, a passiva, em inglês acadêmico, é uma
marca de formalidade, ao passo que o uso da voz ativa tendo o sujeito na
primeira pessoa é uma marca de informalidade.

• Há, pelo menos, outras cincos maneiras pelas quais os autores empregam a
voz passiva de maneira estratégica, como recurso estilístico: quando não
sabemos quem é o agente; quando é óbvio para o ouvinte ou leitor quem é o
agente; quando não é importante saber quem é o agente; quando o agente já foi
mencionado e quando as pessoas em geral são os agentes.

• A composição de um texto por meio de coordenações ou subordinações consiste


em um recurso estilístico importante, pois insere o leitor ou interlocutor na
perspectiva ou no encadeamento de ideias que o autor deseja.

• O autor competente no estilo arquiteta seus períodos de maneira inteligente,


combinando coordenação e subordinação conforme o enquadramento no qual
ele pretende colocar seu leitor ou interlocutor.

• Os marcadores de discurso nem sempre podem ser tomados literalmente, pois


o mais importante no caso é sua função.

• Manter um marcador discurso como recurso estilístico em uma tradução


significa manter a sua função na organização do discurso.

• Algumas das principais funções dos marcadores discursivos são: organizar o


que dizemos; monitorar o que dizemos; dar um feedback ao interlocutor para
manter o curso do diálogo; demonstrar uma atitude; modalizar afirmações
para soar menos direto; indicar cautela ou incerteza sobre o que será dito e
demonstrar uma reação emocional.

• A anáfora se refere ao modo como uma palavra ou frase se relaciona com outro
texto. Esse processo de referenciação pode apontar para dentro ou para fora do
texto. No primeiro caso, falamos em referência exofórica; no segundo, referência
endofórica. Em termos de tradução estrangeirizadora, é importante que, ao
identificar referências exofóricas (contextuais) ou endofóricas (cotextuais), o
tradutor esteja apto a identificar o referente e a encontrar a expressão mais
apropriada para garantir a referenciação.

• Se o tradutor pretende manter a adjetivação como efeito de estilo na tradução,


deve atentar para usos específicos e propositais, que dão identidade estética
ao texto.

• Um vocabulário arejado e o uso de palavras incomuns são duas das qualidades


que distinguem a prosa com vitalidade da prosa sem graça, e um autor
habilidoso pode “avivar e às vezes energizar sua prosa mediante a inserção
judiciosa de uma palavra surpreendente” (PINKER, 2016, p. 34).

90
AUTOATIVIDADE

1 O texto a seguir é um excerto da peça de teatro God: a play, de Woody Allen


(1975, p. 125-127). Faça uma primeira leitura de aproximação do texto e do
estilo do autor:

SCENE: Athens. Approximately 500 B.C. Two distraught Greeks in the center
of enormous empty amphitheatre. Sunset. One is the ACTOR; the other, the
WRITER. They are both thinking and distracted. They should be played by
two good, broad burlesque clowns.
ACTOR: Nothing … just nothing.
WRITER: What?
ACTOR: Meaningless. It's empty.
WRITER: The ending.
ACTOR: Of course. What are we discussing? We're discussing the ending.
WRITER: We're always discussing the ending.
ACTOR: Because it's hopeless.
WRITER: I admit it's unsatisfying.
ACTOR: Unsatisfying? It's not even believable. The trick is to start at the ending
when you write a play. Get a good strong ending and then write backwards.
WRITER: I've tried that. I got a play with no beginning.
ACTOR: That's absurd.
WRITER: Absurd? What's absurd?
ACTOR: Every play must have a beginning, middle, and end.
WRITER: Why?
ACTOR (Confidently): Because everything in nature has a beginning, middle,
and end.
WRITER: What about a circle?
ACTOR (Thinks): Okay … A circle has no beginning, middle, or end - but
they're not much fun either.
WRITER: Diabetes, think of an ending. We open in three days.
ACTOR: Not me. I'm not opening in this turkey. I have a reputation as an
actor, a following . . . My public expects to see me in a suitable vehicle.
WRITER: May I remind you, you're a starving, out-of-work actor whom
I've generously consented to let appear in my play in an effort to assist your
comeback.
ACTOR: Starving, yes … Out of work, perhaps … Hoping for a comeback,
maybe - but a drunkard?
WRITER: I never said you were a drunkard.
ACTOR: Yes, but I'm also a drunkard.

91
Sua tarefa é analisar o texto buscando possíveis aspectos estilísticos que
poderiam ser mantidos em uma tradução de viés estrangeirizador. Pense nos
aspectos discutidos neste tópico: sinais de pontuação do texto-fonte, registro
(formal, neutro, informal), layout (disposição gráfica dos elementos do texto na
página), voz passiva e voz ativa, coordenações e/ou subordinações, marcadores
do discurso, referências anafóricas e adjetivação. Aparecem no texto? Quais
deles? Que estratégias você usaria para mantê-los na tradução? Registre os
resultados do seu exercício aqui:

92
UNIDADE 2 TÓPICO 5

MANUTENÇÃO DE ITENS CULTURAIS DA CULTURA-FONTE

1 INTRODUÇÃO
Chegamos ao último nível dos procedimentos estrangeirizadores de
tradução: a manutenção de itens culturais da cultura-fonte.

Esse é um aspecto cuja manutenção pode, muitas vezes, ser confundida


com o empréstimo direto sem aclimatação, conforme já vimos antes nesta
mesma unidade, quando estudávamos a manutenção no nível do léxico. Apenas
relembrando, o termo aclimatação, também chamado de acomodamento ou
transliteração, refere-se ao procedimento de acomodar uma palavra estrangeira à
fonologia da língua de chegada e buscar uma grafia correspondente. Por exemplo,
a tradução de whisky por uísque. Logo, o empréstimo direto sem aclimatação seria
manter whisky na tradução, sem qualquer mudança.

A diferença entre o empréstimo direto e a manutenção de itens da cultura-


fonte é que, no primeiro caso, estamos apenas emprestando o item lexical da outra
língua, mas seu referente já pertence de alguma maneira à cultura de chegada,
de modo que o leitor não faz qualquer esforço para a contextualização; já, no
segundo caso, além de fazermos um empréstimo (geralmente sem aclimatação),
o referente desse item lexical emprestado não existe na cultura de chegada, de
modo que soa exótico. Nesse caso, a despeito desse exotismo, o tradutor sustenta
a manutenção do elemento cultural estrangeiro, esperando que o leitor ou
interlocutor será capaz de compreendê-lo e contextualizá-lo.

2 ANÁLISE DE CASOS DE MANUTENÇÃO CULTURAL


A fim de ilustrar essa diferença que expusemos, vamos comentar alguns
exemplos ilustrativos. Para começar, considere o título da seguinte obra:

93
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

FIGURA 2 – EXEMPLO DE MANUTENÇÃO DE ITENS CULTURAIS DA CULTURA-FONTE

FONTE: Adaptado de Ran e Morad (2016)

No título da obra, temos a locução mazal tov, que significa parabéns em


iídiche, a língua dos judeus ocidentais, e amigos, uma provável alusão ao espanhol,
a principal língua da América Latina. Os autores poderiam ter optado por algo
como Congrats, friends!, mas a opção pela manutenção desses itens, simbólicos da
cultura-fonte, foi estratégica para a composição dos efeitos de sentido pretendidos.

Analise agora os seguintes excertos de uma obra sobre literatura árabe:

Particularly in analyzing the earlier stages in al-nahḍah, Western


historians have for a long time placed much more emphasis on the first
of these factors [renewed contacts with the Western world, accelerated
by European imperial incursions during the 19th century]. […]
During the course of Muhammad’s lifetime, these revelations were
memorized and recorded in written form. This activity was carried
out in Mecca until 622 CE and – following the hijrah – in the oasis town
of Yathrib, later to be known as Medina, where Muhammad remained
from 622 until his death in 632. […]
The short opening sura, al-fātiḥah, which is regularly used by muslims
as a prayer and at the conclusion of contracts (including that of
marriage) (ALLEN, 2018, p. 1).

Repare, particularmente, na manutenção dos termos al-nahḍah, hijrah,


sura e al-fātiḥah. Eles significam respectivamente renascimento, migração, capítulo
e abertura. No entanto, se o autor os tivesse traduzido por renaissance, migration,

94
TÓPICO 5 | MANUTENÇÃO DE ITENS CULTURAIS DA CULTURA-FONTE

chapter e opening, certamente muito de sua significação cultural teria se perdido.


Assim, a despeito de um provável desconhecimento do árabe por parte do
leitor, ele manteve tais termos, deixando, para quem lê, o desafio de encontrar o
significado no contexto geral.

Perceba, a propósito, que a manutenção de itens da cultura-fonte não prevê


a elaboração de qualquer elemento paratextual por parte do tradutor, como notas
de rodapé, explicações entre parênteses etc. Nesse caso, o tradutor simplesmente
banca a manutenção do item, a despeito de um eventual comprometimento da
inteligibilidade da obra.

O próximo exemplo que vamos analisar é um trecho de “Come Together,


Fall Apart”, livro de contos de Cristina Henríquez, escritora americana de
ascendência panamenha, notável pelo seu uso do espanglês. O excerto a seguir é
de uma história que se passa no Panamá, e o Spanglish é usado para sublinhar a
relação disfuncional entre um pai que sofre de demência e sua filha:

“Is my father there?” I ask.


“He’s having a good time here, you know.”
“Please, Zenia. I want to talk to him.”
She sighs. “Momentito.”
“Aló” he says when he gets on the phone. “Who is this?”
“It’s Mireya.”
“La presidenta?”
“No. It’s me. Your daughter” (HENRÍQUEZ, 2006, p. 46).

A manutenção dos termos momentito, aló e la presidenta compõe aqui o


projeto estilístico da autora, pois imergem o leitor no ambiente hispano-fônico
da cultura panamenha. Mais uma vez, a autora poderia tranquilamente ter
usado termos ingleses como “a moment, please”, “hello” e “the president”, mas
ela desperdiçaria uma carga cultural muito importante para a ambientação e o
clima da cena narrada. Além disso, neste caso específico, o desafio do leitor é
pequeno, pois os termos espanhóis e ingleses têm raízes em comum, o que torna
a tarefa muito mais fácil, mesmo para quem nem tem qualquer conhecimento
da língua espanhola.

Uma tradução de tais textos, porém, certamente nos induziria a respeitar a


manutenção dos itens culturais e levá-la adiante no exercício tradutório. Vejamos,
porém, este último texto:

Minors must be completed simultaneously with a major degree


program. A minor may not be completed by itself, independent of a
major program. This means you cannot earn a minor after you have
already earned your bachelor’s degree(s). You need at least one active
major in order to pursue a minor. Multiple minors can be linked to
the completion of a single major (UNIVERSITY OF SOUTHERN
CALIFORNIA, 2019).

95
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Este texto trata de regras para aquilo que consideramos a habilitação


principal e a habilitação secundária de uma graduação norte-americana. Pense,
por exemplo, na frase “A minor may not be completed by itself, independent of a major
program”. Dificilmente, funcionaria aqui uma tradução como “Uma habilitação
secundária não pode ser concluída sozinha, independentemente da habilitação
principal”, pois habilitação secundária e habilitação principal são referentes que não
são típicos da cultura brasileira, e soariam estranhos e inapropriados. Nesse caso,
mais conveniente seria uma solução como “Um minor não pode ser concluído
sozinho, independentemente do major”, pois minor e major remetem diretamente
a algo que existe e faz sentido na cultura do texto-fonte. Assim, transportam
o leitor diretamente para aquela cultura e o obrigam a contextualizar e buscar
sentido, e não na sua cultura.

96
TÓPICO 5 | MANUTENÇÃO DE ITENS CULTURAIS DA CULTURA-FONTE

LEITURA COMPLEMENTAR

PONTUAÇÃO: UMA QUESTÃO PROSÓDICA, SINTÁTICA,


DISCURSIVA E SEMÂNTICA

Valéria Campos Muniz

[...] De modo geral, os sinais apresentam correspondente prosódico, fazem


transparecer a intenção subjacente de modulação da leitura, representando a
inflexão da voz, mas mesmo um sinal como a vírgula, por exemplo, com relevante
função na organização do texto, nem sempre interfere no modo de ler um texto.
O ritmo da leitura dependerá do leitor, havendo sinais que, em razão desse ritmo,
não correspondem a pausas, bem como pausas não representadas na escrita.
Não há dúvida de que um texto lido com as inflexões de suas pausas permite ao
ouvinte organizar informações, enquanto que uma leitura rápida, mesmo com
as palavras bem pronunciadas, dependendo das interferências externas, pode
dificultar a compreensão, captando o ouvinte apenas alguns fragmentos.

Há textos em que a pontuação delimita uma interferência do narrador,


firmando uma aproximação do leitor, ao transparecer sua opinião acerca do
tema em questão: “O que por agora importa saber é que Virgília ─ chamava-se
Virgília ─ entrou na alcova [...]” (ASSIS, 1994, p. 12). “E depois ─ cogitações de
enfermo ─ dado que chegássemos ao fim indicado [...]” (idem, p. 15). Os sinais
têm papel primordial, estabelecendo interação entre narrador e leitor, instituindo
uma intimidade. Sua leitura deve-se realizar com uma modulação diferente, de
modo que o ouvinte perceba a presença dessa opinião, diferenciando-a da trama
narrativa. Situações muito frequentes nos textos de Machado demarcam dois atos
de fala distintos, produzidos pelo mesmo enunciatário. O fragmento sinalizado
pela pontuação denota uma apreciação acerca do que está dito no contexto
enunciativo.

No exemplo a seguir, retirado do jornal, da seção “Dos leitores”, embora


não haja um diálogo com o leitor, o autor deixa transparecer sua indignação não só
por intermédio da exclamação, como pelo próprio advérbio, que, ao ser colocado
entre travessões, transparece “uma voz interior” que se sobrepõe à do próprio
ato de fala da carta: “O andamento do processo proposto contra os mensaleiros
depende do voto do ministro relator, o esforçado Joaquim Barbosa, o qual não
consegue ─ nunca! ─ concluir seu voto” (O Globo, 15/12/2011, p. 8).

Assim como os travessões, o parêntese, nos fragmentos, desempenha


igual função: (1) “Onde estaria ele na hora do crime? (Será que devo dizer?)”;
(2) “Entregou o governo com uma inflação mensal (é mensal mesmo, leitor),
em março de 1990, de 84%” (O Globo, 29/11/11, p. 6). O aspecto prosódico da
pontuação, nos exemplos, também exige que a leitura dos segmentos intercalados
seja feita com uma entoação diferenciada.

97
UNIDADE 2 | TÉCNICAS ESTRANGEIRIZADORAS DE TRADUÇÃO

Como signos enunciativos, tais sinais ─ vírgula, parênteses, travessão


─, apesar de utilizados em um mesmo contexto, têm objetivos distintos, em
situações em que configuram dois atos de fala de um mesmo enunciador ou em
circunstâncias polifônicas. Para haver o destaque da voz do enunciador, verifica-se
frequência absoluta dos dois últimos. Catach (1980, p. 22) aponta a dupla vírgula
também com função enunciativa, afirmando que por muito tempo a vírgula junto
com o ponto bastava para introduzir o discurso direto ou uma citação. Nos casos,
a voz do outro está explícita.

Acreditamos que a preferência por sinais como parênteses e travessão,


na mídia impressa atual, ocorra em razão de a vírgula não demarcar a voz do
autor ou não fazer transparecer o trecho em que a opinião do autor se torna mais
explícita, como no exemplo anterior, retirado do jornal O Globo – “nunca” – [...].

FONTE: MUNIZ, Valéria Campos. Pontuação: uma questão prosódica, sintática, discursiva e
semântica. Pensares em Revista, São Gonçalo-RJ, n. 8, p. 108-129, 2016.

98
RESUMO DO TÓPICO 5
Neste tópico você aprendeu que:

• Na manutenção de itens da cultura-fonte, além de fazermos um empréstimo


lexical (geralmente sem aclimatação), o referente desse item emprestado não
existe na cultura de chegada, de modo que soa exótico. O tradutor sustenta
a manutenção do elemento cultural estrangeiro, esperando que o leitor ou
interlocutor será capaz de compreendê-lo e contextualizá-lo.

• A manutenção de itens da cultura-fonte não prevê a elaboração de qualquer


elemento paratextual por parte do tradutor, como notas de rodapé, explicações
entre parênteses etc. O tradutor banca a manutenção do item, a despeito de
um eventual comprometimento da inteligibilidade da obra. O procedimento
transporta o leitor diretamente para a cultura-fonte e o obriga a contextualizar
e buscar sentido, e não na sua própria cultura.

99
AUTOATIVIDADE

1 Tendo em mente o procedimento de manutenção dos itens da cultura-fonte,


proponha uma tradução para os seguintes textos:

a) When you put your hands on your hips and your elbows are sticking out,
your arms are akimbo, like when you stand in the bathroom, arms akimbo
while yelling, “Who left the toilet seat up?”

b) He came up to me at the bar with this big cheesy grin on his face and said,
‘Did it hurt when you fell from heaven?’

c) He stole, lied, deceived and pimped his way out of poverty.

d) You can’t have it all; there is always a trade-off!

e) Cut through the gobbledygook and just tell me what the final cost of the car
would be.

f) He told the state senate it exposed Texas to ridicule: “It makes us look like
backward, bucktooth hillbillies.”

g) There’s a kind of facepalm moment in the terrific pilot episode of Amazon’s


terrific new series Transparent when you realize that the title is a pun.

100
UNIDADE 3

TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE
TRADUÇÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a diferença entre manter e domesticar um texto estrangeiro;

• executar técnicas de domesticação do sistema linguístico, como transposi-


ção, modulação, equivalência, sinonímia e paráfrase;

• executar técnicas de domesticação do estilo, como omissão, explicitação,


generalização, especificação, compensação, reconstrução, registro, fluidez
e adaptação;

• executar técnicas de domesticação da realidade extralinguística, como


transferência, explicação e ilustração.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade de estudos será apresentada em três tópicos. Em cada um
deles, você encontrará um resumo e autoatividades para auxiliá-lo na
compreensão dos conteúdos estudados.

TÓPICO 1 – DOMESTICAÇÃO DO SISTEMA LINGUÍSTICO

TÓPICO 2 – DOMESTICAÇÃO DO ESTILO

TÓPICO 3 – DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA

101
102
UNIDADE 3
TÓPICO 1

DOMESTICAÇÃO DO SISTEMA LINGUÍSTICO

1 INTRODUÇÃO
Na unidade anterior exploramos diferentes maneiras de trazer a língua
estrangeira para o leitor-interlocutor em uma tradução. Assim, vimos como
podemos, se esse for o nosso desejo, fazer com que o leitor-interlocutor sinta
que está em contato com um texto originário de outra língua. É a manutenção
consciente de características da língua, que podem provir de diferentes níveis:
morfológico, lexical, sintático, estilístico, cultural etc.

A partir deste tópico, porém, passaremos a examinar e a praticar técnicas


que permitirão fazer com que o texto traduzido pareça ter sido escrito na língua
de chegada. Em outras palavras, os procedimentos domesticadores de tradução
permitem que o leitor-interlocutor “se sinta em casa” ao entrar em contato com o
texto, de tal modo que pense que ele foi produzido na sua própria língua. A ação
exige, como em qualquer operação de tradução, um tradutor que, acima de tudo,
seja um usuário muito hábil na sua própria língua.

E
IMPORTANT

Portanto, aqui já vai uma recomendação: independentemente da postura que


você assuma (estrangeirizadora ou domesticadora), um bom tradutor deve ser, acima de
tudo, um excelente usuário da sua língua. É preciso ter boas influências para compor bem o
seu próprio estilo: ler bons autores, inspirar-se em bons oradores etc.

103
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

2 TRANSPOSIÇÃO
Na segunda unidade, quando falamos em manutenção de ordenamento
sintático, falamos de particularidades sintáticas do inglês que não possíveis de
manutenção em português por diferenças na natureza das línguas. Exemplos são:

• A posição do adjetivo em sintagmas nominais (no inglês, à direita; em


português, à esquerda).
• A dupla negação sintática (em inglês standard, inexistente).
• Os verbos perifrásticos (phrasal verbs), nem sempre possíveis em português.

Portanto, tomando o primeiro caso (a posição do adjetivo), é natural que,


ao traduzirmos para o português enunciados como os seguintes, tenhamos que
transpor o adjetivo para a direita do núcleo do sintagma nominal:

1. John is a very clever boy  John é um garoto muito esperto.


2. The high mountain is more difficult to climb  A montanha alta é mais difícil de
escalar.
3. Transplant patients need anti-rejection drugs  Pacientes de transplante
precisam de drogas antirrejeição.

Nesses casos, já podemos assumir que a transposição dos constituintes


no ordenamento da frase já é um procedimento domesticador, que respeita a
natureza da língua portuguesa. Além disso, há casos em que é preciso fazer uma
transposição, ou um reordenamento de constituintes, não para respeitar a ordem
canônica dos constituintes em uma ou outra língua, mas porque, dependendo
do gênero textual, por exemplo, este ou aquele constituinte costuma assumir
uma posição em textos de uma língua e outra posição em textos da outra língua.
Um exemplo é a posição de advérbios em manchetes jornalísticas, conforme o
exemplo de Lanzetti et al. (2009):

4. German scientists discovered a new type of stem-cell on Friday  Na sexta-feira,


cientistas alemães descobriram um novo tipo de célula-tronco.

Aqui, além de o adjetivo ter sido transposto para a direita em português,


temos também a transposição do advérbio (“na sexta-feira”) para o início da
sentença. Supostamente, a posição canônica do advérbio em português é ao fim
da sentença, como em inglês. No caso, porém, segundo Lanzetti et al. (2009, p. 9):

[...] a partir de observações de textos jornalísticos, parece que, em


português do Brasil, prefere-se colocar os adjuntos adverbiais
de tempo e lugar no início das sentenças, ao contrário do inglês
americano, em que os adjuntos adverbiais aparecem com mais
frequência no fim das sentenças.

104
TÓPICO 1 | DOMESTICAÇÃO DO SISTEMA LINGUÍSTICO

Portanto, eis um exemplo de transposição domesticadora que respeita o


padrão de um gênero textual na língua de chegada, e não propriamente a posição
canônica de um constituinte frasal.

3 MODULAÇÃO
A modulação, como procedimento domesticador, refere-se àqueles casos
em que o tradutor muda uma classe de palavra ao julgar que aquela construção é
mais familiar na língua de chegada.

Lanzetti et al. (2009) exemplificam a modulação ao mostrarem que, ao


passo que o inglês prefere compor títulos com verbos no gerúndio, o português
prefere substantivos verbais ou sentenças adverbiais de modo. Exemplos:

1. Introducing the concept of gene  Introdução ao conceito de gene.


2. Connecting the cables  Como conectar os cabos.

4 EQUIVALÊNCIA
O problema da equivalência, na teoria da tradução, tem pelo menos
dois teóricos clássicos: John Catford e Eugene Nida. Tanto um quanto outro
estabelecem dois tipos de equivalência, que serão úteis para nossa análise. Catford
(1980) dá a esses dois tipos os nomes de equivalência textual e correspondência
(ou equivalência formal). Já Nida e Taber (1982) falam em equivalência dinâmica
e correspondência formal. Veremos, adiante, que a noção de equivalência textual
será útil para pensarmos a tradução de expressões idiomáticas e provérbios,
ao passo que a noção de correspondência formal será útil para pensarmos na
domesticação em termos de classes e categorias gramaticais.

Catford (1980, p. 29) define um equivalente textual como “qualquer texto


ou porção de texto da LM [língua-meta] que [...] observamos ser, numa ocasião
específica, o equivalente de determinado texto ou porção de texto da LF [língua-
fonte]”. Para o mesmo autor, um equivalente formal é entendido como “qualquer
categoria da LM que se possa dizer que, tão aproximadamente quanto possível,
ocupa na economia da LM o ‘mesmo’ lugar que a categoria considerada da LF
ocupa na LF” (CATFORD, 1980, p. 35).

Para Nida e Taber (1982), os conceitos são semelhantes: o autor entende


que a correspondência formal enfatiza a mensagem em si, em força e conteúdo,
enquanto a equivalência dinâmica teria como preocupação resgatar o efeito
pretendido pelo texto original. Assim, com essas duas “ferramentas”, o tradutor
estaria apto a trazer ao leitor da tradução as intenções e efeitos do texto “original”.

Lanzetti et al. (2009) parecem resgatar essa tipologia clássica da equivalência


quando abordam esse procedimento em termos de equivalência de expressões
idiomáticas e equivalência funcional. Vejamos.
105
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

4.1 EQUIVALÊNCIA DE EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS,


DITADOS, PROVÉRBIOS ETC.
Vamos, aqui, usar expressões idiomáticas para ambos os tipos de
equivalência. Em primeiro lugar, vejamos alguns casos de correspondência
formal, aqueles em que há, na língua de chegada, uma expressão idiomática,
ditado ou provérbio com o mesmo valor semântico e “os mesmos símbolos ou
alusões da expressão idiomática da língua-fonte” (LANZETTI et al., 2009, p. 10):

1. Not all that glitters is gold  Nem tudo que reluz é ouro.
2. Better late than never  Antes tarde que nunca.
3. Can you give me a hand?  Você pode me dar uma mão?

Perceba que, em todos esses três exemplos, temos uma equivalência


praticamente plena entre todos os níveis de análise formal: lexical, morfológico,
sintático e semântico. Com exceção da tradução do advérbio better por antes e
da transposição de Can you para Você pode, temos uma correspondência perfeita
entre os demais itens.

Recapitulando o que discutimos na Unidade 1, no tópico sobre unidades


de tradução, podemos dizer que os provérbios de 1 a 3 são típicos casos em que
podemos estabelecer as unidades tradutórias no menor nível da sentença. A
propósito, naquele tópico em que abordamos a seleção das unidades de tradução,
também trabalhamos com provérbios. Vamos relembrá-los aqui, pois serão úteis
para ilustrarmos os dois tipos de equivalência:

1. A bird in the hand is worth two in the bush  Um pássaro na mão vale mais do que
dois voando.
2. One swallow doesn't make a summer  Uma andorinha só não faz verão.
3. Don't cry over spilt milk  Não adianta chorar sobre o leite derramado.
4. Birds of a feather flock together  Farinha do mesmo saco.
5. Make hay while the sun shines  Aproveite enquanto há tempo.

Nas traduções dos provérbios 1, 2 e 3 temos uma equivalência formal


quase plena, com exceções para:

• As substituições de: in the bush por voando (uma domesticação estilística); e


don't cry por não adianta chorar (caso de modulação, como vimos há pouco, pela
troca do modo imperativo por construção com um verbo modal).
• A transposição de spilt milk para leite derramado.

No entanto, em 4 e 5, tomamos como unidade tradutória o provérbio


todo e buscamos uma correspondência funcional. Eis o que vamos discutir na
sequência.

106
TÓPICO 1 | DOMESTICAÇÃO DO SISTEMA LINGUÍSTICO

4.2 EQUIVALÊNCIA FUNCIONAL


A equivalência funcional corresponde, a grosso modo, aos conceitos de
equivalência textual ou equivalência dinâmica, nos termos de Catford e Nida,
respectivamente. Como definem Lanzetti et al. (2009, p. 10), esse procedimento
ocorre quando o provérbio não possui correspondente formal na língua de chegada
“com os mesmos símbolos e referentes, mas outros para chegada ao mesmo valor
semântico”. Há, portanto, a mesma função semântica. Nos exemplos 4 e 5, se
buscássemos uma equivalência formal, não obteríamos um significado válido em
termos proverbiais na língua de chegada. Pense em “pássaros de uma pena só
andam juntos” e “faça feno enquanto o sol brilha”. Não funcionaria, certo?

FIGURA 1 – BIRDS OF A FEATHER FLOCK TOGETHER

FONTE: <http://oels.byu.edu/student/idioms/proverbs/images/Birds.jpg>. Acesso em: 12 jul. 2019.

Outros exemplos análogos, que demandariam uma equivalência funcional,


são os seguintes:

1. The one who sleeps with dogs wakes up with fleas (Aquele que dorme com cães acorda
com pulgas)  Quem se junta aos porcos, come farelo.
2. The squeeky wheel gets the grease (A roda que range recebe a graxa)  Quem não
chora não mama.

107
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

5 SINONÍMIA
A sinonímia, como procedimento de domesticação do sistema linguístico,
é utilizada quando há, na língua de chegada, um termo de raiz semelhante ao
termo da língua de partida (ex.: accordion e acordeão). O tradutor prefere um
sinônimo (ex.: sanfona ou gaita). Exemplos:

1. My uncle used to play the accordion we he was young  Meu tio tocava sanfona
quando era jovem.
2. Chelsea won the championship on the last round  O Chelsea venceu o certame
na última rodada.

No segundo exemplo, provavelmente por questões estilísticas, relativas


ao gênero textual em que se escrevia, o tradutor preferiu certame ao invés
de campeonato, que seria a opção etimologicamente equivalente à palavra
championship.

FIGURA 2 – JOGADORES DO CHELSEA CELEBRAM O TÍTULO

FONTE: <https://www.gettyimages.com/detail/news-photo/ngolo-kante-gary-cahill-john-terry-
and-cesar-azpilicueta-of-news-photo>. Acesso em: 3 jul. 2019.

6 PARÁFRASE
O conceito amplo de paráfrase é dizer a mesma coisa com outras palavras.
É reorganizar o mesmo sentido em outra frase (observe que acabamos de
parafrasear a primeira frase desta seção). Muitas vezes, na tradução, o tradutor
se permite a liberdade de parafrasear uma tradução, geralmente por motivos
estilísticos, como subjetivos ou discursivos.

Exemplos:

108
TÓPICO 1 | DOMESTICAÇÃO DO SISTEMA LINGUÍSTICO

1. In my opinion, the President lied about the corruption scandal.


Trad. estrangeirizadora: Na minha opinião, o Presidente mentiu sobre o escândalo
de corrupção.
Trad. parafrástica: Na minha opinião, o presidente faltou com a verdade em
relação ao escândalo de corrupção.
2. How proficient are you in Chinese?
Trad. estrangeirizadora: Quão proficiente você é em chinês?
Trad. parafrástica: Como você avalia seu grau de proficiência em chinês?

Podemos assumir que, essencialmente, uma paráfrase na tradução


pressupõe uma reorganização morfossintática da frase original, demandando
mudanças de classes, palavras e reordenamento de constituintes. No entanto,
além disso, uma tradução parafrástica também envolve outros procedimentos
domesticadores, como transposição e sinonímia.

Confira, a seguir, o verbete “Paráfrase”, escrito por Douglas Robinson,


para a célebre Routledge Encyclopedia of Translation Studies, editada por Mona
Baker. O autor diferencia a paráfrase de outros procedimentos, como metáfrase,
imitação e variação. Acompanhe!

E
IMPORTANT

Paraphrasis

In common usage as a term for loose rewording, saying something in your own
words, paraphrase is best known in translation theory from John DRYDEN’s 1680 preface
to his translation of Ovid’s Epistles (see BRITISH TRADITION): having promised to reduce
all translation to three heads and begun with METAPHRASE, or word-for-word translation,
he moves on to his second head: ‘The second way is that of paraphrase, or translation with
latitude, where the author is kept in view by the translator, so as never to be lost, but his words
are not so strictly followed as his sense; and that too is admitted to be amplified, but not
altered’. The third head is IMITATION.

For Dryden, metaphrase and imitation were ‘the two extremes which ought to be
avoided’, and paraphrase the ‘mean betwixt them’ — the mode of translation which avoids the
dangers of both extremes and combines their virtues of fidelity to the original (metaphrase)
and IL fluency (imitation). In this he followed the orthodox tradition of translation theory
since JEROME (see LATIN TRADITION), who first theorized sense-for-sense translation in the
middle ground between Cicero's extremes, slavish fidelity and too-free imitation (see FREE
TRANSLATION). Here are some of Dryden’s remarks about paraphrase:

But since every language is so full of its own properties, that what
is beautiful in one, is often barbarous, nay sometimes nonsense,
in another, it would be unreasonable to limit a translator to the
narrow compass of his author’s words: ‘tis enough if he chooses
out some expression which does not vitiate the sense. I suppose
he may stretch his chain to such a latitude; but by innovation of
thoughts, methinks he breaks it. By this means the spirit of an
author may be transfused, and yet not lost’.

109
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

Given the currency of paraphrase in ordinary English, it is often used in theoretical


discussions of translation for loose or free renderings without specific reference to Dryden.
Nor did Dryden invent the term. It was first used by Philo Judacus in De vita Mosis (20 BC):
‘Yet who does not know that every language, and Greek especially, abounds in terms, and that
the same thought can be put in many shapes by changing single words [metaphrazonta] and
whole phrases [paraphrazonta] and suiting the expression to the occasion?’ (2: 38).

These two terms, metaphrase and paraphrase, are picked up by Quintilian in
Institutes of Oratory for two distinct approaches to the pedagogical practice of imitation,
reworking classic texts by changing one word at a time (metaphrase) or one phrase at a time
(paraphrase), and later by a long list of Renaissance and pedagogues and theorists: Fausto
Sebastiano in Del modo de lo tradurre d’una lingua in altra secondo le regole mostrate
da Cicerone (1556). Lawrence Humphrey in Interpretatio linguarum: seu de ratione
convertendi et explicandi autores tam sacros quam prophanos (1559), Roger Ascham in
The Schoolmaster (1570), Andreas Schottus in Tullianarurn Quaestiorturn de instauranda
Ciceronis imitatione (1610), and Pierre-Daniel Huet in De interpretatione (1661). Dryden is
thus only one of a long string of theorists who use paraphrase in roughly the sense of a
reworking or translation that proceeds sententially, taking as its criterial segments whole
sentences rather than individual words.

A less technical use of the term ‘paraphrase’, that remains in accord with its Latin
definition, is to describe a work that is not translated directly from a foreign original but
reworded from a previous translation in the same language (what is sometimes called a
‘variation’). Thus, for instance, the authors of The Living Bible describe it as a ‘paraphrase’
rather than a translation — what one might call an intralingual paraphrase as opposed to an
interlingual translation. Both usages derive from Quintilian.

FONTE: ROBINSON, D. Paraphrasis. In: BAKER, Mona. Routledge Encyclopedia of Translation


Studies. New York: Routledge, 1998. p. 166-167.

110
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os procedimentos domesticadores permitem que o leitor-interlocutor se sinta


confortável com a tradução, de tal modo que ela pareça um texto produzido
originalmente na sua própria língua.

• A transposição dos constituintes no ordenamento da frase é um dos


procedimentos domesticadores mais básicos, pressupondo o respeito à ordem
típica dos termos na frase da língua de chegada.

• A modulação ocorre quando o tradutor muda uma classe de palavra ao julgar


que aquela construção é mais familiar na língua de chegada.

• A equivalência formal ocorre quando há, na língua de chegada, uma expressão


idiomática que tenha o mesmo valor semântico e os mesmos símbolos ou
alusões da expressão idiomática da língua-fonte.

• A equivalência funcional ocorre quando o provérbio não possui um


correspondente formal na língua de chegada com os mesmos símbolos e
referentes, levando o tradutor a usar outros termos para chegar ao mesmo
valor semântico.

• A sinonímia, como procedimento de domesticação do sistema linguístico, é


utilizada quando há, na língua de chegada, um termo de raiz semelhante ao
termo da língua de partida. O tradutor prefere um sinônimo.

• Uma paráfrase na tradução pressupõe uma reorganização morfossintática da


frase original, demandando mudanças de classes, palavras e reordenamento de
constituintes. Além disso, uma tradução parafrástica também envolve outros
procedimentos domesticadores, como transposição e sinonímia.

111
AUTOATIVIDADE

Analise a tradução do seguinte texto:

“The measure of risk to a woman’s life from pregnancy itself is called


the “maternal mortality ratio.” That is the number of women who die of causes
related to or aggravated by pregnancy per 100,000 live births. In Alabama, the
overall maternal mortality ratio in 2018 was 11.9 per 100,000. Among white
women, the 2018 maternal mortality ratio was 5.6; among black women, it was
27.6, making black women in Alabama almost five times more likely to die as
a result of pregnancy than white women. For the United States overall, the
maternal mortality ratio was 20.7.”.

FONTE: HERN, Warren M. Pregnancy Kills. Abortion Saves Lives. 2019. Disponível
e m : < h t t p s : / / w w w. n y t i m e s . c o m / 2 0 1 9 / 0 5 / 2 1 / o p i n i o n / a l a b a m a - l a w - a b o r t i o n .
html?action=click&module=Opinion&pgtype=Homepage>. Acesso em: 2 jul. 2019.

Tradução:

“O cálculo do risco à vida de uma mulher por causa da gravidez é


chamado de ‘taxa de mortalidade materna’. É o número de mulheres que
morrem por causas relacionadas à gravidez ou agravadas por ela a cada
100.000 nascimentos. No Alabama, a taxa de mortalidade materna geral foi
de 5,6. Entre mulheres negras, ela foi de 27,6, o que significa que a morte de
mulheres negras por causa de gravidez é cinco vezes mais provável do que a
morte de mulheres brancas. No cálculo geral, para todos os Estados Unidos, a
taxa de mortalidade materna foi de 20,7”.

Agora, a partir da sua análise:

1 Extraia da tradução um exemplo de transposição.

2 Extraia da tradução um exemplo de modulação.

3 Extraia da tradução um exemplo de sinonímia.

4 Extraia da tradução um exemplo de paráfrase.

5 Faça uma pesquisa e traga um exemplo de provérbio inglês que pode


ser traduzido por equivalência formal e outro que exija a tradução por
equivalência funcional.

6 De acordo com a leitura complementar deste tópico, de Douglas Robinson,


diferencie paráfrase, metáfrase, imitação e variação.

112
UNIDADE 3
TÓPICO 2

DOMESTICAÇÃO DO ESTILO

1 INTRODUÇÃO
Na unidade anterior, quando tratamos de estrangeirização estilística,
já expusemos que o estilo diz respeito às escolhas formais que um autor faz
mediante os recursos que a língua oferece, provocando certos efeitos de sentido,
ora estéticos, ora discursivo-pragmáticos.

Vimos, a título de exemplificação, que a voz verbal pode ser usada como
um recurso estilístico para enfatizar o agente que praticou um fato enunciado
ou resultado da ação. Além da voz verbal, estudamos também em detalhe
outras dimensões do estilo, como uso de sinais de pontuação, registro, layout,
coordenação e subordinação, marcadores discursivos, referências anafóricas e
adjetivação. Agora, visando à domesticação de uma tradução, isto é, pretendendo
acomodá-la ao máximo à língua de chegada, vamos abordar outros procedimentos
pertencentes ao âmbito do estilo: omissão, explicitação, generalização (uso de
hiperônimo), especificação (uso de hipônimo), compensação, reconstrução,
equivalência estilística (melhoria), mudança de registro, mudança de
complexidade/fluidez estilística e adaptação.

Você deve ter notado que há mais procedimentos estilísticos


domesticadores que estrangeirizadores, certo? Isso é normal, pois talvez o estilo
seja a dimensão em que as línguas mais se especificam e se particularizam. É no
âmbito estilístico que as línguas mais expressam a sua identidade.

2 OMISSÃO
Conforme Lanzetti et al. (2009, p. 12), a omissão ocorre quando o
tradutor, deliberadamente, “decide não traduzir para o texto-alvo algum
item lexical ou estrutura do texto-fonte”. Os autores mencionam o exemplo
encontrado em seu corpus:

1. Capoeira, an interesting blend of dance and martial arts, is facing gradual revival
in Brazil.
A capoeira [Ø] está passando por uma gradual revitalização no Brasil.

113
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

Na interpretação dos autores, o tradutor omitiu o aposto relacionado à


capoeira provavelmente por considerar a explicação desnecessária ao seu leitor.
No entanto, uma omissão pode ocorrer não apenas para evitar redundância de
informação, mas também por certas incompatibilidades de usos entre as línguas.
Pensemos, por exemplo, no caso do intensificador very em inglês. Muitas vezes,
sua tradução é, discursivamente, inviável. Observe os seguintes exemplos:

2. The battle has been teased since the opening scene of the very first episode of 'Game of
Thrones'.
A batalha tem sido anunciada desde a abertura do [Ø] primeiro episódio de
‘Game of Thrones’.

3. He needs to come out from under the very long shadow of Akihito.
Ele precisa sair debaixo da [Ø] grande sombra de Akihito.

4. And it was part of the plan from the very beginning.


E isso era parte do plano desde o [Ø] começo.

Perceba que, em todos esses exemplos, se quiséssemos encontrar


alguma estratégia parafrástica para tradução da função intensificadora de very,
até poderíamos levar essa ideia a cabo, mas a verdade é que sua tradução é
discursivamente desnecessária, motivo pelo qual convém usar o procedimento
da omissão.

3 EXPLICITAÇÃO
Da mesma forma que, na omissão, o tradutor pode julgar alguma
informação desnecessária ao leitor visado (e, assim, retirá-la), na explicitação
ocorre o inverso: o tradutor entende necessária a ação de acrescentar uma
informação não-óbvia ao seu interlocutor. Observe os seguintes exemplos:

1. The [Ø] IRS may collect over 2 billion dollars in taxes this year.
Este ano, a receita americana deve arrecadar mais de 2 bilhões de dólares em
impostos.

2. Elite Squad was the Golden Bear Award-Winner [Ø] in 2008.


O filme Tropa de Elite foi o vencedor do Urso de Ouro do Festival de Cinema
de Berlim em 2008.

No primeiro exemplo, o tradutor substituiu apropriadamente IRS (Internal


Revenue Service) por Receita, mas julgou importante enfatizar que se trata do
serviço de receita dos Estados Unidos, para não haver ambiguidade. No segundo
exemplo, o tradutor presumiu que parte de seu público leitor pudesse não saber
que o “Urso de Ouro” se trata do prêmio do Festival de Berlim, e assim julgou
conveniente acrescentar tal informação.

114
TÓPICO 2 | DOMESTICAÇÃO DO ESTILO

4 GENERALIZAÇÃO (HIPERÔNIMOS) E ESPECIFICAÇÃO


(HIPÔNIMOS)
Dentro do fenômeno maior da sinonímia encontramos dois subtipos de
sinonímia, conhecidos por hiperonímia e hiponímia, tratados dentro do domínio
do estilo, e não mais da estrutura da língua.

O hiperônimo tem um sentido mais abrangente. Geralmente, trata-se de


uma relação de classe e pertencente àquela classe. Por exemplo, a palavra flor
está associada a todos os tipos de flores: rosa, dália, violeta etc. Portanto, flor é um
hiperônimo de rosa, dália ou violeta. Já o hipônimo pressupõe o sentido inverso:
tem sentido mais restrito que os hiperônimos. Por exemplo, observar, examinar,
olhar e enxergar são hipônimos de ver, ou seja, são tipos específicos de ver.

Esses elementos são muito recorrentes quando abordamos estratégias


de coesão, pois são usados para evitar repetições através da retomada de ideias
anteriores. No entanto, hiperonímia e hiponímia também constituem recursos
interessantes para técnicas de tradução.

1. When I opened the door, my palmtop was not there anymore.


Quando abri a porta, meu computador não estava mais lá.

2. The famous Brazilian “farofa” is made with fried flour and sausages.
A famosa farofa brasileira é feita com farinha de mandioca frita e linguiça.

No Exemplo 1, talvez por julgar inconveniente especificar demais o tipo de


eletrônico em questão, o tradutor optou por usar um hiperônimo: computador. Já
no Exemplo 2, provavelmente ciente de que a verdadeira farofa brasileira requer
um tipo específico de farinha, ele optou por um hipônimo: farinha de mandioca.

UNI

Excerto de “A semântica lexical e as relações de sentido: sinonímia,


antonímia, hiponímia e hiperonímia”, de Fernanda Gomes da Silva e Simone Sant´Anna
Lyons (1979) afirma que a hiponímia é frequentemente denominada inclusão, ou
seja, é a relação de um termo mais específico num termo mais geral. Entretanto, muitos
semanticistas formalizam a inclusão em função da lógica de classes, isto é, da noção de
referência. Isso acarreta certa ambiguidade com relação ao significado desses termos.
O vocábulo “inclusão” é considerado sob diferentes pontos de vista. Pode ser
considerado como a extensão de um termo ou pode ser considerado como a compreensão
de um termo que é o conjunto de atributos. Logo, extensão e compreensão, nesses
diferentes pontos de vista, são inversamente proporcionais. Como solução deve-se optar
preferencialmente pelo termo hiponímia, que deixa o termo inclusão livre para a teoria da
referência e da sua formalização de acordo com a lógica de classes.

115
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

É importante saber que a hiponímia, como uma relação de sentido que se


estabelece entre unidades lexicais, se aplica tanto aos termos que não têm referência como
também precisamente aos que têm referência. Diferentemente, o termo inclusão é ambíguo
porque, de um lado, um termo mais geral é mais inclusivo do que um mais específico, pois
se refere a uma classe mais ampla. Por outro lado, o termo mais específico é, também, mais
inclusivo, pois apresenta mais traços componentes do significado.
A hiponímia também pode ser definida em função de uma implicação unilateral.
Uma frase que contém um termo hiperônimo implicará:

a. ou a disjunção das frases, contendo cada uma um membro diferente de um conjunto de


co-hipônimos;
b. ou uma frase em que os co-hipônimos são semanticamente “coordenados”.

Exemplos:
(1) Comprei flores.
(2) Comprei rosas. Comprei violetas.
(3) Comprei rosas e violetas.

Um dos traços mais úteis do princípio da hiponímia é que ele permite com que
sejamos mais genéricos ou mais específicos de acordo com as circunstâncias. Embora um
termo hiperônimo não implique, em geral, o seu hipônimo, ocorre frequentemente que o
contexto situacional o determinará no sentido de um de seus hipônimos. Essa é a origem
da sinonímia dependente do contexto. Isso sugere igualmente a possibilidade de definir a
relação de sinonímia como “hiponímia simétrica”: se x é um hipônimo de y e se y é também
um hipônimo de x – isto é, se a relação é bilateral ou simétrica –, então x e y são sinônimos.
Os vocabulários das línguas naturais tendem a apresentar muitas lacunas, muitas
assimetrias e indeterminações. Ainda, é possível, muitas vezes identificar, de acordo com a
sua aplicação, os hipônimos de certo termo em uma língua com certas unidades lexicais
em outra, sem encontrar nesta última um equivalente para o hiperônimo. Disso se pode
concluir que o sentido original nunca se mantém intacto no processo da tradução.

FONTE: SILVA, Fernanda Gomes da; SANT´ANNA, Simone. A semântica lexical e as relações
de sentido: sinonímia, antonímia, hiponímia e hiperonímia. Cadernos do CNLF, v. 13, n. 3,
p. 34-50, 2009.

5 COMPENSAÇÃO IBIDEM E ALIBI


A compensação é o nome dado ao procedimento de tradução geralmente
aplicado a jogos de palavras. Jogos de palavras geralmente combinam um
conjunto de características da língua localizadas em diferentes níveis – formal,
semântico, contextual etc. Por essa dispersão de elementos, quase sempre é
impossível a tradução estrangeirizadora de um jogo de palavras, e a tradução
domesticadora precisa compensar as diferenças entre as línguas com outras
alternativas. Talvez seja o procedimento que demande mais criatividade e talento
literário do tradutor.

Quando afirmamos que há a exigência de talento literário, não estamos


indicando que esse procedimento se aplique apenas à literatura, pois jogos de
palavras se aplicam a diferentes gêneros, nem sempre literários. Vejamos, a
propósito, o exemplo de um diálogo num filme trazido por Lanzetti et al. (2009:

116
TÓPICO 2 | DOMESTICAÇÃO DO ESTILO

- You sit here and car.


- Ok, what kind of car am I?
- A 280-Zit.

- Você fica aqui e finge que é um carro.


- Tá certo, e que tipo de carro eu sou?
- Um Mercedes Classe A-cne.

Conforme os autores, na cena em que ocorre esse diálogo, uma menina,


aspirante a modelo, às vésperas de trabalhar numa exposição de carros, pede ao
seu irmão que finja ser um carro (to car) para que ela ensaie o seu trabalho. O jogo
em questão repousa no fato de ela dizer que ele é um 280-Z (modelo conhecido do
público americano) e pronunciar a letra Z como zit (uma alusão à acne do irmão
adolescente). Na tradução, o tradutor compensou a impossibilidade de manter o
jogo de zit com a solução “Classe A-cne”.

Esse foi um típico caso de compensação ibidem, quando a compensação


ocorre no mesmo lugar onde havia o jogo no texto-fonte. Podem existir casos,
porém, em que a compensação ocorre em outro lugar do texto, não necessariamente
no mesmo ponto em que o jogo ocorreu no texto original. Esses casos são chamados
de compensação alibi. Isso é muito comum em letras de canções, por exemplo.

6 RECONSTRUÇÃO
A reconstrução é um procedimento utilizado quando precisamos alterar
a organização sintática ou o significado do texto-fonte por exigências estilísticas
da língua de chegada. Lanzetti et al. (2009) tratam a questão em termos de
reconstruções sintática e semântica.

Você pode se perguntar: mas qual é a diferença entre paráfrase e


reconstrução? Em termos formais, nenhuma. Em ambos os casos estamos
colocando a mesma coisa em outras palavras. No entanto, na reconstrução, ocorre
uma paráfrase por exigências estilísticas, e não por opções mais subjetivas do
tradutor. Vejamos alguns exemplos extraídos do corpus de Lanzetti et al. (2009)

1. We examined the patients after taking the prescribed medicine and [we] came to the
conclusion that the substances utilized are harmless.
Os pacientes foram examinados após tomarem a medicação prescrita e
chegou-se à conclusão de que as substâncias utilizadas são inofensivas.

2. Specialists are convinced that the WTC Twins were demolished rather than crashed
down by the airplanes.
Os especialistas estão convencidos de que a causa da queda das torres gêmeas
foi implosão, e não a colisão com os aviões como antes se pensava.

117
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

3. The father arrived, hugged his daughter and kissed her in the mouth.
Ao chegar, o pai deu um abraço em sua filha e a beijou na testa.

4. Oh, your test was not bad at all, Alex.


Alex, sua prova está muito boa.

No Exemplo 1, temos um caso de texto acadêmico. No português


brasileiro, a impessoalidade é mandatória nos textos acadêmicos. Embora o “nós
majestático” seja usado como estratégia de impessoalidade, em artigos mais
técnicos o “se impessoal” e a voz passiva parecem ser estratégias mais frequentes.
É o que ocorreu nesse exemplo: enquanto que o inglês prefere “nós examinamos
e nós chegamos à conclusão”, o português acadêmico prefere “os pacientes foram
examinados e chegou-se à conclusão”.

No Exemplo 2, se traduzíssemos “as Torres Gêmeas foram demolidas


em vez de abatidas pelos aviões”, haveria ambiguidade por uma diferença na
estrutura argumental dos verbos to demolish e to crash em relação aos verbos demolir
e abater em português. Por isso, o tradutor preferiu explicitar os papéis temáticos
em questão, reorganizando a estrutura sintática e recorrendo a “explicitações”,
conforme já estudamos há pouco.

Nos Exemplos 3 e 4, o tradutor alterou o significado, ou seja, procedeu


com uma reconstrução semântica por conta de convenções sociais (beijo na boca
e beijo na testa com sinal de intimidade paternal, e afirmação categórica ao invés
de negação modalizadora com sinal de afirmação elogiosa).

7 EQUIVALÊNCIA ESTILÍSTICA (MELHORIA)


No tópico anterior, quando tratávamos de domesticação no nível
estrutural, abordamos dois tipos de equivalência conforme Catford (1980) e
Nida e Taber (1982): a equivalência formal e a equivalência funcional. Naquele
momento, tratamos o procedimento da equivalência como algo capaz de transpor
características formais de uma língua a outra (pensando no que é mais típico
da língua de chegada) e também como algo ligado à reprodução de funções
enunciativas (como no caso dos provérbios). Agora, porém, no domínio do estilo,
a equivalência se aproxima dos procedimentos de explicitação e de omissão.
Segundo a tipologia de Lanzetti et al. (2009, p. 17), “a equivalência estilística,
também conhecida como melhoria, é usada quando o tradutor inclui no texto
padrões retóricos relacionados com a tipologia textual a qual o texto pertence”.
Vejamos um exemplo oferecido pelos autores:

1. The little girl said she was carrying a basket of food to her grandmother.
A menininha disse que estava levando uma cesta de doces para a vovó.

118
TÓPICO 2 | DOMESTICAÇÃO DO ESTILO

A tradução de “a basket of food” por “uma cesta de doces” representa


uma equivalência estilística, pois os padrões de estilo típicos do gênero
conto infantil em português demandam a figura do “doce” como símbolo do
universo infantil.

8 MUDANÇA DE REGISTRO
Na segunda unidade, quando tratamos de manutenção de registro,
reforçamos que registro diz respeito àquelas variantes que preferimos em cada
contexto, em cada situação de uso, principalmente considerando fala vs. escrita
e informalidade vs. formalidade. Assim, de modo geral, é conveniente buscar
uma equivalência de registro na língua de chegada, pois isso é um aspecto
importante que compõe o plano estilístico de um texto. No entanto, muitas vezes,
dependendo do leitor visado ou do veículo do texto, o tradutor pode preferir
não manter o registro por conveniências sociais. Nesses casos, é comum que se
altere um registro vulgar para um registro mais neutro, ou vice-versa. Confira o
seguinte exemplo:

1. Hey, asshole, I’m going to bust your head all over this fucking parking lot!
Ei, seu babaca, eu vou estourar seus miolos por toda essa droga de
estacionamento!

No exemplo, vemos uma clara modalização de registro no vocativo da


sentença.

9 MUDANÇA DE COMPLEXIDADE/FLUIDEZ ESTILÍSTICA


O procedimento de mudança de complexidade ou fluidez estilística
pressupõe um trabalho mais amplo de edição. Ocorre quando o tradutor mexe
profundamente no texto para que ele pareça mais elegante ou mais simples e de
acordo com os objetivos da tradução.

Imagine, por exemplo, que você está traduzindo um texto escrito na


Idade Média para compor um guia turístico moderno. No caso, é natural que
você proceda com a ampla reconstrução estilística que afeta o texto todo, pois os
padrões discursivos medievais eram radicalmente diferentes daqueles dos nossos
tempos atuais. Contudo, o contrário também pode acontecer: imagine que você
está traduzindo as especificações técnicas para uso de uma máquina industrial,
escritas por um operador de máquinas, para um manual voltado a um leitor mais
acadêmico. Provavelmente, no caso, você teria de fazer ajustes estilísticos para
deixar o texto mais elegante, unívoco e coeso.

119
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

10 ADAPTAÇÃO
O procedimento da adaptação, conforme Lanzetti et al. (2009, p. 19), “só
pode ser observado a partir de uma análise de todo o texto traduzido e é alcançado
através de outros procedimentos”. Exemplos de adaptação como procedimento
tradutório domesticador são as traduções de clássicos voltadas ao público infantil
ou, ainda, roteiros de cinema retextualizados na forma de um romance.

A respeito do primeiro caso, são famosas as adaptações feitas pela


tradutora Barbara Kindermann das peças “Romeu e Julieta”, “Sonho de Uma
Noite de Verão” e “Muito Barulho por Nada”, todas de W. Shakespeare.

FIGURA 3 – ADAPTAÇÃO DE SHAKESPEARE

FONTE: O autor

Para encerrar a seção, confira a seguir o verbete “Adaptação”, escrito por


Georges L. Bastin, para a célebre Routledge Encyclopedia of Translation Studies. O
autor diferencia uma série de procedimentos de adaptação, os quais ele chama de
“modos”, como transcrição do original, omissão, expansão, exotismo, atualização,
equivalência situacional e criação. Fique atento a isso!

120
TÓPICO 2 | DOMESTICAÇÃO DO ESTILO

UNI

Adaptation

Adaptation may be understood it’s a set of translative operations which result in a text
that is not accepted as a translation but is nevertheless recognized as representing a source Eon
of about the same length. As such, the term may embrace numerous vague notions such as
imitation, rewriting, and so on. Strictly speaking, the concept of adaptation requires recognition
of translation as non-adaptation, as a somehow more constrained mode of transfer. For this
reason, the history of adaptation is parasitic on historical concepts of translation.

The initial divide between adaptation and translation might be dated from CICERO
and Horace (see LATIN TRADITION), both of whom referred to the interpres (translator) as
working word-for-word and distinguished this method from what they saw as freer but entirely
legitimate results of transfer operations. The different interpretations given to the Horatian verse,
Nec verbum verbo curabis reddere fidus interpres (‘and you will not render word-for-word
[like a] faithful translator’) – Irrespective of whether they were for or against the word-for-word
precept – effectively reproduced the logic by which adaptations could he recognized.

The golden age of adaptation was in the seventeenth and eighteenth centuries,
the epoch of the belles infidèles, which started in France and then spread to the rest of the
world (see FRENCH TRADITION). The very free translations carried out during this period
were justified in terms of the need for foreign texts to be adapted to the tastes and habits of
the target culture, regardless of the damage done to the original.

The nineteenth century witnessed a reaction to this ‘infidelity’, but adaptations
continued to predominate in the theatre. In the twentieth century, the proliferation of
technical, scientific and commercial documents has given rise to a preference for transparency
in translation, with an emphasis on efficient communication; this could be seen as licensing
a form of adaptation which involves rewriting a text fora new readership. Generally speaking,
historians and scholars of translation take a negative view of adaptation, dismissing the
phenomenon as distortion, falsification of censorship, but it is rare to find clear definitions of
the terminology used in discussing this controversial concept.

Main definitions

It is possible to classify definitions of adaptation under specific themes {translation


technique, genre, metalanguage, Faithfulness), though inevitably these definitions tend to
overlap. As a translation technique. adaptation can be defined in a technical and objective
way. The best-known definition is that of Vinay and Darbelnet (1958), who list adaptation as
their seventh translation procedure; adaptation is a procedure which can be used whenever
the context referred to in the original text does not exist in the culture of the target text, thereby
necessitating some form of re-creation. This widely accepted definition views adaptation as
a procedure employed to achieve an equivalence of situations wherever cultural mismatches
are encountered.

Adaptation is sometimes regarded as a form of retranslation which is characteristic


of particular genres, most notably drama. Indeed. it is in relation to DRAMA TRANSLATION
that adaptation has been most frequently studied. Brisset (1986: 10) views adaptation as a
‘reterritorialization’ of the original work arid an ‘annexation’ in the name of the audience of
the new version. Santoyo (1989: 104) similarly defines adaptation as a form of ‘naturalizing’ the
play for a new milieu, the aim being to achieve the same effect that the work originally had,
but with an audience from a different cultural background.

121
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

Adaptation is also associated with the genres of advertising and SUBTITTLING. The
emphasis here is on preserving the character and function of the original text, in preference
to preserving the form or even the semantic meaning, especially where acoustic and/or
visual factors have to be taken into account. Other genres, such as children’s literature,
require the re-creation of the message according to the sociolinguistic needs of a different
readership (Puurtinen 1995). The main features of this type of adaptation are the use of
summarizing techniques, paraphrase and omission.

Adaptation is perhaps, most easily justified when the original text is of a metalinguistic
nature, that is, when the subject matter of the text is language itself. This is especially so with
didactic works on language generally, or on specific languages. Newmark (1981) points out
that in these cases the adaptation has to be based on the translator’s judgement about his/
her readers’ knowledge.

Coseriu (1977) argues that this kind of adaptation gives precedence to the function
over the form, with a view to producing the same effect as the original text. However, while
such writers start from the principle that nothing is untranslatable, others like Berman (1985)
claim that the adaptation of metalanguage is an unnecessary form of exoticism.

Definitions of adaptation reflect widely varying views about the concept vis-à-vis
the issue of remaining ‘faithful’ to the original text. Some argue that adaptation is necessary
precisely in order to keep the message intact (at least on the global level), while others see it
as a betrayal of the original author. For the former, the refusal to adapt confirm the reader to
an artificial world of ‘foreignness’; for the latter, adaptation is tantamount to the destruction
and violation of the original text. Even those who recognize the need for adaptation in
certain circumstances are obliged to admit that, if remaining faithful to the text is a sine qua
non of translation, then there is a point at which adaptation ceases to be translation at all.

Modes, conditions and restrictions

By comparing adaptations with the texts on which they are based, it is possible to
elaborate a provisional list of the ways (or modes) in which adaptations are carried out, the
motivations (or conditions) for the decision to adapt, and the limitations or restrictions) on
the work of the adapter.
In terms of mode of adaptation, the procedures used by the adapter can be
classified as follows:
• transcription of the original: word-for-word reproduction of part of the text in the original
language, usually accompanied by a literal translation;
• omission: the elimination or reduction of part of the text;
• expansion: making explicit information that is implicit in the original, either in the main
body or in footnotes or a glossary;
• exoticism: the substitution of stretches of slang, dialect, nonsense words, etc. in the
original text by rough equivalents in the target language (sometimes marked by italics or
underlining);
• updating: the replacement of outdated or obscure information by modern equivalents;
• situational equivalence: the insertion of a more familiar context than the one used in the
original;
• creation: a more global replacement of the original text with a text that preserves only the
essential message/ideas/functions of the original.
The most common factors (i.e. conditions) which cause translators to resort to
adaptation are:
• cross-code breakdown: where there are simply no lexical equivalents in the target
language (especially common in the case of translating metalanguage);

122
TÓPICO 2 | DOMESTICAÇÃO DO ESTILO

• situational inadequacy: where the context referred to in the original text does not exist in
the target culture;
• genre switching: a change from one discourse type to another (e.g. from adult to children’s
literature) often entails a global recreation of the original text
• disruption of the communication process: the emergence of a new epoch or approach
or the need to address a different type of readership often requires modifications in style,
content or presentation.

These conditions (which in practice may exist simultaneously) can lead to two major
types of adaptation: local adaptation, caused by problems arising from the original text itself
and limited to certain parts of it (as in the first two conditions), and global adaptation, which
is determined by factors outside the original text and which involves a more wide-ranging
revision.

As a local procedure, adaptation may be applied to isolated pans of the text in order
to deal with specific differences between the language of culture of the source text and that
of the target text. In this case, the use of adaptation as a technique will have a limited effect on
the text as a whole, provided the overall coherence of the source text is preserved. This type
of adaptation is temporary and localized; it does not represent an all-embracing approach
to the translation task. Local, or as Farghal (1993) calls it, ‘intrinsic’ adaptation is essentially a
translation procedure which is guided by principles of effectiveness and efficiency and seeks
to achieve a balance between what is to be transformed and highlighted and what is to be left
unchanged.

As a global procedure, adaptation may be applied to the text as a whole. The. decision
to carry out a global adaptation may be taken by the translator him/herself or may be imposed
by external forces (for example, a publisher's editorial policy), In either case, global adaptation
constitutes a general strategy which aims to reconstruct the purpose, function or impact of
the original text. The intervention of the translator is systematic and s/he may sacrifice formal
elements arid even semantic meaning in order to reproduce the function of the original.

As in the case of translation, adaptation is carried out under certain restrictions, the
most obvious of which are:
• the knowledge and expectations of the target reader: the adapter has to evaluate the extent
to which the content of the original text constitutes new or shared information for the
potential audience;
• the target language: the adapter must find an appropriate match in the target language for
the discourse style of the original text and look for coherence of adapting modes;
• the meaning purpose(s) of the original and target texts […].

FONTE: BAKER, Mona. Routledge Encyclopedia of Translation Studies. New York: Routledge,
1998. p. 166-167.

123
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O estilo diz respeito às escolhas formais que um autor faz mediante os recursos
que a língua oferece, visando provocar certos efeitos de sentido, ora estéticos,
ora discursivo-pragmáticos. Talvez o estilo seja a dimensão em que as línguas
mais se especificam e se particularizam.

• A omissão ocorre quando o tradutor, deliberadamente, “decide não traduzir


para o texto-alvo algum item lexical ou estrutura do texto-fonte”. Uma omissão
pode ocorrer não apenas para evitar redundância de informação, mas também
por certas incompatibilidades de usos entre as línguas.

• Na explicitação ocorre o inverso da omissão: o tradutor entende necessário


acrescentar uma informação não-óbvia ao seu interlocutor.

• O hiperônimo é uma palavra que pertence ao mesmo campo semântico de


outra, mas com o sentido mais abrangente. Já o hipônimo pressupõe o sentido
inverso: tem sentido mais restrito. Esses elementos são muito recorrentes
quando abordamos estratégias de coesão. No entanto, hiperonímia e hiponímia
também constituem recursos interessantes para técnicas de tradução.

• A compensação é o nome dado ao procedimento de tradução geralmente


aplicado a jogos de palavras. Pela dispersão de elementos que caracteriza um
jogo de palavras, quase sempre é impossível a tradução estrangeirizadora
de um jogo de palavras, e a tradução domesticadora precisa compensar as
diferenças entre as línguas com outras alternativas.

• A reconstrução é um procedimento utilizado quando precisamos alterar a


organização sintática ou o significado do texto-fonte por exigências estilísticas
da língua de chegada. Na reconstrução, ocorre uma paráfrase por exigências
estilísticas, e não por opções mais subjetivas do tradutor.

• O registro diz respeito àquelas variantes que preferimos em cada contexto,


em cada situação de uso, principalmente considerando fala vs. escrita e
informalidade vs. formalidade. Muitas vezes, dependendo do leitor visado
ou do veículo do texto, o tradutor pode preferir não manter o registro por
conveniências sociais. Nesses casos, é comum que se altere um registro vulgar
para um registro mais neutro, ou vice-versa.

• A mudança de complexidade ou fluidez estilística pressupõe um trabalho mais


amplo de edição, que ocorre quando o tradutor mexe profundamente no texto
para que ele pareça mais elegante ou mais simples, de acordo com os objetivos
da tradução.

124
AUTOATIVIDADE

Considerando que a adaptação envolve a combinação de outros


procedimentos domesticadores e objetivando uma transformação mais
profunda e global do texto-fonte, considere a adaptação do seguinte trecho da
peça “Sonhos de Uma Noite de Verão”, de W. Shakespeare:

Texto-fonte: Adaptação

PUCK Enquanto isso, Puck havia encontrado


Through the forest have I gone. um casal de atenienses adormecido
But Athenian found I none, em uma clareira. O que ele não podia
On whose eyes I might approve imaginar era que não era Demétrio e,
This flower's force in stirring love. sim, Lisandro que estava ali deitado,
Night and silence.--Who is here? descansando sobre o musgo macio ao
Weeds of Athens he doth wear: lado de Hérmia. Rapidamente, Puck
This is he, my master said, esfarelou algumas pétalas da flor
Despised the Athenian maid; mágica sobre os olhos de Lisandro e
And here the maiden, sleeping sound, partiu. Tudo estaria certo se Lisandro
On the dank and dirty ground. tivesse encontrado Hérmia assim que
Pretty soul! she durst not lie despertasse. Mas não foi isso que
Near this lack-love, this kill-courtesy. aconteceu.
Churl, upon thy eyes I throw
All the power this charm doth owe.
When thou wakest, let love forbid
Sleep his seat on thy eyelid:
So awake when I am gone;
For I must now to Oberon.

Exit
Enter DEMETRIUS and HELENA,
running

HELENA
Stay, though thou kill me, sweet
Demetrius.

DEMETRIUS
I charge thee, hence, and do not haunt
me thus.

HELENA
O, wilt thou darkling leave me? do not
so.

DEMETRIUS
Stay, on thy peril: I alone will go.

Exit

125
HELENA Helena perdera seu amado Demétrio
O, I am out of breath in this fond chase! de vista e, sem rumo, vagou sozinha
The more my prayer, the lesser is my pela noite, atravessando a escuridão
grace. da floresta. Chegou na clareira por
Happy is Hermia, wheresoe'er she lies; acaso e, por estar escuro, tropeçou
For she hath blessed and attractive em Lisandro, que ali continuava
eyes. adormecido. Ele, então, acordou
How came her eyes so bright? Not with assustado e viu Helena. Foi então
salt tears: que a seiva mágica mostrou
If so, my eyes are oftener wash'd than imediatamente seu poder, porque
hers. Lisandro se apaixonou por ela
No, no, I am as ugly as a bear; perdidamente.
For beasts that meet me run away for
fear:
Therefore no marvel though Demetrius
Do, as a monster fly my presence thus.
What wicked and dissembling glass of
mine
Made me compare with Hermia's
sphery eyne?
But who is here? Lysander! on the
ground!
Dead? or asleep? I see no blood, no
wound.
Lysander if you live, good sir, awake.

LYSANDER - Oh, bela Helena! - disse - Por você,


[Awaking] And run through fire I will sou capaz de qualquer coisa!
for thy sweet sake.  
Transparent Helena! Nature shows art, Sem entender, Helena perguntou,
That through thy bosom makes me see confusa:
thy heart.
Where is Demetrius? O, how fit a word - O que você está falando, Lisandro?
Is that vile name to perish on my Está gostando de mim? Está
sword! brincando comigo? Você ama
Hérmia, e ela o ama.
HELENA
Do not say so, Lysander; say not so - Não mais, porque agora eu amo só
What though he love your Hermia? você, Helena! – gritou Lisandro.
Lord, what though?
Yet Hermia still loves you: then be
content.

126
LYSANDER
Content with Hermia! No; I do repent
The tedious minutes I with her have
spent.
Not Hermia but Helena I love:
Who will not change a raven for a
dove?
The will of man is by his reason
sway'd;
And reason says you are the worthier
maid.
Things growing are not ripe until their
season
So I, being young, till now ripe not to
reason;
And touching now the point of human
skill,
Reason becomes the marshal to my
will
And leads me to your eyes, where I
o'erlook
Love's stories written in love's richest
book.

HELENA A triste Helena achava que era uma


Wherefore was I to this keen mockery brincadeira de mau gosto e, chorando,
born? saiu correndo pela floresta. Louco de
When at your hands did I deserve this amor, Lisandro corria atrás dela.
scorn?
Is't not enough, is't not enough, young
man,
That I did never, no, nor never can,
Deserve a sweet look from Demetrius'
eye,
But you must flout my insufficiency?
Good troth, you do me wrong, good
sooth, you do,
In such disdainful manner me to woo.
But fare you well: perforce I must
confess
I thought you lord of more true
gentleness.
O, that a lady, of one man refused.
Should of another therefore be abused!

Exit

127
1 Na primeira parte do trecho, em que o solilóquio de Puck é adaptado para
uma narração em prosa, que procedimento domesticador a tradutora usou?

2 Na tradução da fala de Lisandro “And run through fire I will for thy sweet
sake. |Transparent Helena!” por “– Oh, bela Helena! – disse – Por você,
sou capaz de qualquer coisa!”, que procedimento domesticador podemos
reconhecer?

3 Baseado na leitura complementar, de Georges L. Bastin, associe os modos


de adaptação elencados pelo autor às definições:

I- Transcrição do original
II- Omissão
III- Expansão
IV- Exotismo
V- Atualização
VI- Equivalência situacional
V- Criação

( ) Eliminação ou redução de parte do texto.


( ) Reprodução palavra por palavra de parte do texto na língua original,
geralmente acompanhada de uma tradução literal.
( ) Substituição de trechos com gíria, dialeto, palavras sem sentido etc. No
texto original por equivalentes aproximados na língua-alvo.
( ) Tornar explícita a informação implícita no original, seja no corpo principal,
em notas de rodapé ou em um glossário.
( ) Inserção de um contexto mais familiar.
( ) Substituição mais global do texto original por um texto que preserve
apenas as mensagens/ideias/funções essenciais do original.
( ) Substituição de informações desatualizadas ou obscuras por equivalentes
modernos.

128
UNIDADE 3
TÓPICO 3

DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA

1 INTRODUÇÃO
Assim como na unidade anterior, na qual tratamos da manutenção de
itens culturais da cultura-fonte, agora vamos enfocar os procedimentos pelos
quais podemos enfatizar a cultura da língua de chegada, isto é, a realidade
extralinguística do texto traduzido.

Como veremos, a domesticação dessa realidade implica mudar ou


substituir certos itens culturais e referências exóforas (externas à cultura de
chegada) presentes no texto-fonte. Antes, porém, de entrarmos em detalhes sobre
a tradução domesticadora de elementos culturais, que tal entendermos mais
sobre cultura e como isso importa para a tradução? Acompanhe!

2 OS ESTUDOS CULTURAIS E SUA IMPORTÂNCIA PARA A


TRADUÇÃO
Até o nascimento da antropologia, a cultura se referia exclusivamente
ao ideal humanista do que era considerado civilizado em uma sociedade
desenvolvida. Desde então, um segundo significado da cultura, como o
modo de vida de um povo, tornou-se influente. Com o desenvolvimento de
disciplinas surgiu um terceiro significado que tenta identificar razões políticas ou
ideológicas para um comportamento cultural específico. Assim, dependendo da
definição adotada, a cultura pode ser formalmente aprendida, inconscientemente
compartilhada. Para complicar ainda mais as coisas, os próprios antropólogos
agora questionam seriamente a velha ideia de um povo possuindo uma cultura
compartilhada.

Nos estudos de tradução, teóricos e praticantes estão igualmente


divididos quanto ao significado e importância da cultura, embora a maioria
aceite tacitamente que existe alguma forma de “filtro cultural” (HOUSE, 2002)
envolvido no processo de tradução.

129
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

3 CULTURA COMO UM SISTEMA DE FRAMES


Podemos esclarecer as definições aparentemente contraditórias de
cultura, apresentando-as como frames ou níveis hierárquicos. Essa hierarquia é
baseada na teoria dos tipos, que permite que cada tipo de cultura concorrente (ou
seja, definições) seja válido para tradução, embora dentro de seu próprio nível.
Em outras palavras, todos esses conceitos de cultura disponíveis importam e
influenciam no tipo de tradução que se faz e como se faz.

Katan (2004) propõe uma definição de cultura como um “modelo de


mundo”, um sistema hierárquico de crenças, valores e estratégias congruentes e
inter-relacionados que pode orientar ação e interação, dependendo do contexto
cognitivo. Em seus termos, “cada aspecto da cultura está ligado a um sistema
[fluido] para formar um contexto unificador de cultura” (KATAN, 2004, p. 26).
Os próprios níveis baseiam-se no popular modelo de iceberg antropológico de
Edward T. Hall, a “Tríade da Cultura” (1990), que serve para introduzir uma
dimensão do sistema, dividindo aspectos da cultura em visíveis (acima da
superfície), semivisíveis e invisíveis.

FIGURA 4 – TRÍADE DA CULTURA DE HALL: NÍVEIS TÉCNICOS, FORMAIS E INFORMAIS

FONTE: Adaptado de Brake, Medina-Walker e Walker (1995, p. 39)

130
TÓPICO 3 | DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA

Os frames abaixo da superfície estão cada vez mais ocultos, mas também
progressivamente próximos de nossas suposições inquestionáveis ​​sobre o mundo
e nossas próprias identidades (culturais). Uma outra dimensão sociológica pode
ser descrita como operando no próprio iceberg. Os níveis também refletem as várias
maneiras pelas quais aprendemos cultura: tecnicamente, através de instrução
explícita; formalmente, através de modelagem de tentativa e erro; e informalmente,
através da inculcação inconsciente de princípios e visões de mundo. Os estudiosos
da tradução tendem a se concentrar nos níveis mais ocultos, enquanto os praticantes
estão mais preocupados com o que é visível na superfície.

4 CULTURA TÉCNICA: CIVILIZAÇÃO


O primeiro frame cultural está na ponta do iceberg e coincide com o
conceito humanista de cultura. É o que o senso comum reconhece por patrimônio
cultural imaterial. O foco está no texto, vestido nas melhores roupas civilizadas
de uma cultura particular.

Nesse nível técnico, os sinais de idioma têm uma função referencial


WYSIWYG (What-You-See-Is-What-You-Get) clara, e quaisquer valores ocultos
associados são universais. A tarefa do tradutor é transferir os termos e conceitos
no texto-fonte para o exterior com perda mínima (de literatura e ideias filosóficas
para manuais de software), de modo que “o que você vê” no texto de origem
é equivalente “ao que você vê” no texto de destino. Enquanto as duas culturas
alcançaram um grau comparável de desenvolvimento, argumentaram alguns que
não há razão para que o significado, a resposta do leitor e a compreensão não
devam ser universais. Isso é o que Newmark (1981, p. 184-185), por exemplo,
chama de “o valor cultural” da tradução. De fato, o Estatuto da Federação
Internacional de Tradutores assume similarmente que o valor da tradução é que
ela “ajuda na disseminação da cultura” em todo o mundo.

Em relação aos títulos dos capítulos, em Translators through History, Delisle


e Woodsworth (1995) nos dão uma ideia do que está envolvido em tal nível: a
invenção dos alfabetos e a redação de dicionários, o desenvolvimento de línguas
e literaturas nacionais e a disseminação de religiões e valores culturais.

Dependendo das assimetrias de poder, espalhar os novos termos e


conceitos pode ser uma ação entendida de maneiras antagônicas: ora como
iluminação ou uma adição muito valiosa ao debate intelectual, ora como o fardo
do homem branco, como uma afronta, ou como o manejo da hegemonia. No
entanto, as principais preocupações dos tradutores que intervêm nesse nível
são o texto em si e a tradução de termos ligados à cultura ou “culturemas” –
definidos como fenômenos formalizados, que existem em uma forma ou função
particular em apenas uma das duas culturas. Esses culturemas, ou categorias
culturais, nos termos de Newmark (1988, p. 95), cobrem uma ampla gama de
campos semânticos: da geografia e tradições às instituições e tecnologias. Vários
estudiosos ofereceram uma infinidade de estratégias para compensar a falta de
equivalência nesse nível.
131
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

5 CULTURA FORMAL: PRÁTICAS FUNCIONALISTAS E


APROPRIADAS
O segundo nível de Hall, o nível formal, deriva da definição antropológica
que focaliza o que é normal ou apropriado (e não o que é civilizado). A definição
de cultura de Hans Vermeer, aceita por muitos tradutores como a padrão,
pertence a esse nível: “A cultura consiste em tudo o que se precisa conhecer,
dominar e sentir. É preciso avaliar onde os membros de uma sociedade estão se
comportando de maneira aceitável ou desviante em seus vários papéis” (SNELL-
HORNBY, 2006, p. 55).

A cultura aqui é um padrão previsível de práticas compartilhadas que


orientam o uso real da linguagem (nível técnico). Por exemplo, preferências de
gênero específicas da cultura, protótipos e esquemas, ou simplesmente bom
estilo. O que é julgado como uma boa prática de tradução também é guiado por
normas, regras e convenções de tradução, incluindo quais textos são aceitos para
tradução, o tipo de estratégia de tradução e compensação a empregar e os critérios
pelos quais uma tradução é julgada.

A intervenção concentra-se no escopo da tradução e na adaptação da


tradução. Na prática, no entanto, frequentemente são os gerentes de projeto e os
intérpretes culturais da indústria da linguagem que, em última instância, mediam
a cultura formal, deixando o tradutor com a parte técnica da língua/cultura.

6 CULTURA INFORMAL: SISTEMAS COGNITIVOS


Hall (1980) refere-se ao terceiro nível de cultura como nível informal
ou nível fora da consciência, porque normalmente não é acessível ao cérebro
consciente para comentários metacognitivos. Nesse nível, não há guias formais
para a prática, mas valores e crenças fundamentais inquestionáveis, ou histórias
sobre o eu e o mundo. Dessa forma, a cultura, inculcada por exemplo através da
família, da escola e da mídia, torna-se uma representação interna da realidade
relativamente fixa (o habitus de Bourdieu).

Paralelamente a essa concepção, a antropologia psicológica define a


cultura em termos de:

• um modelo, mapa ou visão compartilhada do mundo perceptível;


• uma programação mental;
• a forma das coisas que as pessoas têm em mente.

Esses são valores éticos primários e essenciais ou valores transcendentais,


que guiam as escolhas culturais formais. A hierarquia das orientações de valor
preferidas é vista como resultado de uma resposta da comunidade às necessidades
ou problemas humanos universais, tais como as relações com o tempo e entre o
indivíduo e o grupo.
132
TÓPICO 3 | DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA

Lefevere e Bassnett (1990) foram os primeiros a popularizar a visão de que


a tradução é uma prática bicultural que requer mudanças mentais de um modelo
linguístico de um mundo para outro. Ainda, mediar (ou compensar) habilidades
para lidar com a inevitável refração entre uma realidade e outra.

Nessa perspectiva, as línguas/culturas foram estudadas através, por


exemplo, da descrição de sua gramática cultural, regras subconscientes que
moldam as formas de pensar, sentir, falar e interagir. Seus roteiros culturais
fornecem forte evidência linguística para a necessidade de tradução no nível
informal.

7 FORA DO ICEBERG: RELAÇÕES DE PODER


Sociólogos e estudiosos de estudos culturais tendem a se concentrar na
influência que a cultura exerce na sociedade e nas instituições em termos de
ideologias predominantes. A cultura aqui é vista como o resultado das pressões
que as estruturas sociais aplicam à ação social. Essas pressões moldam, manipulam
ou entram em conflito com o indivíduo, mas compartilham os modelos do mundo.

Duas outras diferenças fundamentais distinguem a abordagem do modelo


antropológico tradicional. Primeiramente, indivíduos (e textos) não podem
ser atribuídos a uma única cultura nessa visão. Eles têm muitas proveniências
culturais, são diversamente privilegiados ou suprimidos de diferentes
perspectivas, e irão negociar uma posição dentro de um conjunto de sistemas
culturais complexos que estão constantemente disputando poder. Nos estudos de
tradução, os estudiosos que se baseiam na teoria do polissistema, na teoria pós-
colonial e na teoria da narrativa compartilham essa suposição.

Em segundo lugar, o próprio sistema de cultura está constantemente


sujeito a questionamentos (como é a ideia da relatividade cultural). Nesse nível,
os tradutores intervêm entre sistemas de poder concorrentes (e desiguais),
reconhecendo que os textos (e eles mesmos) são portadores de ideologias. Por
exemplo, a decisão de traduzir The Satanic Verses, de Salman Rushdie, ou Did Six
Million Really Die?, de Harwood, são casos claros que ilustram o problema em
questão.

O tradutor nesse nível não é mais um mediador imparcial, mas está


consciente de ser um agente ético de mudança social, ou um ativista envolvido
em renunciar ao mundo.

Na mesma linha, a preferência de Venuti por estratégias estrangeirizadoras


“decorre em parte de uma agenda política [...], uma oposição à hegemonia global
do inglês” (VENUTI, 1992, p. 10), uma hegemonia que comunica e normaliza
valores culturais específicos (por exemplo: capitalistas, coloniais). A intervenção
claramente levanta muitas questões éticas.

133
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

Em um nível prático, a dificuldade de desestabilizar o terceiro nível de


cultura (informal ou fora do conhecimento) significa que apenas uma linha tênue
distingue uma tradução bem-sucedida, resistindo a convenções genéricas para
introdução de uma nova maneira de escrita ou pensamento. Como Baker (2006,
p. 98) coloca, até violações de enredos canônicos têm que ser efetuadas dentro
de enredos normativos circunscritos (isto é, cultura formal) se quiserem ser
inteligíveis.

Em última análise, a cultura deve ser entendida não apenas como um


conjunto de níveis ou frames, mas como um sistema integrado, em constante
estado de fluxo. Os sinais textuais são negociados e reinterpretados de acordo
com o contexto e a posição individual.

AUTOATIVIDADE

1 Com base na seção que você acabou de estudar, relacione os conceitos de


cultura apresentados ao papel atribuído ao tradutor em cada nível:

I- Cultura técnica (civilização)


II- Cultura formal (práticas funcionalistas e apropriadas)
III- Cultura informal (sistemas cognitivos)
IV- Cultura como produto das relações de poder

( ) Neste nível, o tradutor intervém entre sistemas de poder concorrentes (e


desiguais) não mais para facilitar, mas para participar da construção do
mundo, reconhecendo que os textos (e eles mesmos) são portadores de
ideologias. Assim, o tradutor deixa de ser um mediador imparcial e passa
a ser um agente ético de mudança social, ou um ativista envolvido em
renunciar ao mundo.
( ) A tarefa do tradutor neste nível é respeitar normas, regras e convenções
de tradução culturalmente específicas, incluindo quais textos são aceitos
para tradução, estratégias de tradução e compensação e os critérios
pelos quais uma tradução é julgada. O tradutor precisa pensar bem no
público-alvo da sua tradução e na adaptação diante das expectativas dos
destinatários.
( ) A tarefa do tradutor neste nível é respeitar normas, regras e convenções
de tradução culturalmente específicas, incluindo quais textos são aceitos
para tradução; estratégias de tradução e compensação e os critérios
pelos quais uma tradução é julgada. O tradutor precisa pensar bem no
público-alvo da sua tradução e na adaptação diante das expectativas dos
destinatários.
( ) A tarefa do tradutor neste nível é transferir os termos e conceitos no texto-
fonte para o exterior com perda mínima, de modo que o que se vê no
texto-fonte é equivalente ao que se apreende no texto de destino.

134
TÓPICO 3 | DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA

8 TRANSFERÊNCIA
Agora que fizemos uma grande digressão diante das implicações dos
estudos culturais na teoria da tradução, vejamos alguns procedimentos específicos
que envolvem a domesticação de itens culturais do texto de partida, começando
pelo procedimento da transferência.

O procedimento de transferência ocorre quando o tradutor decide


transferir certa referência cultural para a instituição correspondente na cultura-
alvo. Nos exemplos a seguir, vemos um símbolo (a Estátua da Liberdade) e uma
instituição cultural americana (a festa dos “Sweet 16”), sendo transferidos para
possíveis correspondentes culturais brasileiros:

1. Mount McKinley has the height of 135 Statues of Liberty.


O Monte McKinley possui a altura equivalente a 165 estátuas do Cristo Redentor.

2. My daughter is going to throw a great party at her Sweet 16.


Minha filha vai dar um grande baile de debutante nos seus 15 anos.

Nesses exemplos, o tradutor julgou conveniente transferir essas referências


para a realidade brasileira, julgando mais efetivo usar o “Cristo” como escala de
medida e a “festa de debutante” como instituição equivalente. Algo semelhante
acontece no exemplo seguinte, retirado de um texto literário:

3. We know he's not whistling "Yankee Doodle Dandy" – we know he's foretelling the
truth. But how many of 'them' do you think still believe he just whistling?
A gente sabe que ele não está apenas assoviando “Brasileirinho” – a gente sabe
que ele está tentando dizer a verdade. Mas quantos você acha que ainda acreditam
que estão apenas assoviando?

“Yankee Doodle” é uma cantiga muito simbólica para a identidade cultural


americana, equiparável ao choro “Brasileirinho”, sempre quando buscamos uma
canção representativa da identidade brasileira. Por isso, o tradutor transferiu
a referência de “Yankee Doodle” para “Brasileirinho”, crente de que o leitor
brasileiro entenderá mais rapidamente a função que essa referência cultural tem
no contexto.

135
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

FIGURA 5 – CARTAZ DE UM MUSICAL BASEADO NA CANÇÃO YANKEE DOODLE

FONTE: <https://2.bp.blogspot.com/-6oGYQLbFOzI/W2grpcV4rEI/AAAAAAAAKoE/
JvCjADGxISUQqCGxHvgGYqtwIK1LbXHigCLcBGAs/s1600/A%2BCAN%25C3%2587%25C3%2583
O%2BDA%2BVITORIA.jpg>. Acesso em: 12 jul. 2019.

9 EXPLICAÇÃO
A explicação como procedimento domesticador de tradução no plano
da realidade extratextual diz respeito aos paratextos que o tradutor agrega para
esclarecer certas escolhas, explicar referências culturais específicas do texto-
fonte etc.

E
IMPORTANT

Um paratexto é todo elemento que se coloca paralelo ao texto, a fim de


contribuir na construção do seu contexto e para garantir a sua inteligibilidade. No contexto
da tradução, os principais paratextos são notas intratextuais (colocadas entre parênteses,
geralmente), notas de rodapé, prefácios e apêndices.

136
TÓPICO 3 | DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA

Lyra (1998) comenta, por exemplo, quatro casos em que os tradutores


recorreram (ou poderiam ter recorrido) ao procedimento da explicação por meio
de notas. No primeiro caso, em um conto de Poe, um homem pede a outro para
provar que era maçom, e o segundo mostra uma pá de pedreiro. O jogo em
questão repousa sobre a palavra mason, que pode significar tanto maçom quando
pedreiro. A autora defende que, no caso, o tradutor deveria ter usado uma nota
para explicar o contexto original.

O segundo caso remete a um trecho de Alice no País das Maravilhas,


de Carrol. Alice pergunta: “Por que é que seu gato sorri assim?”, e a Duquesa
responde: “Porque ele é um gato de Cheshire”. A tradutora aqui acrescentou uma
nota explicativa, esclarecendo que a cidade de Cheshire na Inglaterra é famosa
por um queijo cuja forma parece um gato sorrindo, de onde surgiu na época de
Carrol a expressão “sorrir como um gato de Cheshire”.

FIGURA 6 – ILUSTRAÇÃO DO GATO DE CHESHIRE

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1e/Cheshire_Cat_Tenniel.png>.
Acesso em: 12 jul. 2019.

O terceiro caso, que aparece em um conto de Hemingway, é uma nota ao


termo eland, que designa um animal que, embora grande, não pode ser considerado
um troféu de caça, símbolo de bravura. O termo poderia ser traduzido por elã
ou celfo, mas essas opções não esclareceriam, ao leitor brasileiro, a metáfora e a
função retórica que esse termo desempenha na narrativa.

137
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

FIGURA 7 – UM ELÃ

FONTE: <http://www.portaldosanimais.com.br/wp-content/uploads/2017/01/Elande-Gigante.
jpg>. Acesso em: 12 jul. 2019.

Por fim, Lyra (1998) ainda comenta o caso de Labor Day, que, embora
pudesse ser traduzido forçosamente por Dia do Trabalho, tem significados e valores
completamente diferentes e requer uma nota explicativa ao leitor brasileiro. Você
pode acompanhar o texto completo na leitura complementar a seguir.

138
TÓPICO 3 | DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

A INFLUÊNCIA DA NOTA NA FLUÊNCIA DO TEXTO

Regina Maria de Oliveira Tavares de Lyra

No campo da literatura de consumo, inclusive a infanto-juvenil, o objetivo


do tradutor mais comumente apontado como primordial por editores, críticos
e leitores é manter a fluência do texto, cujo objetivo principal é transmitir uma
história, sem a preocupação de debater ideias ou conceitos.

O leitor, em princípio, carecerá das notas todas as vezes em que


dificuldades fundadas na falta de um equivalente ideal na língua-alvo fizerem
com que sua compreensão seja incompleta, confusa ou até mesmo impossível. É o
caso, por exemplo, do conto “O Barril de Amontillado”, tradução de “The Cask of
Amontillado”, de Edgar Allan Poe. A tradução de Oscar Mendes e Milton Amado,
bem como duas outras que pesquisei (de José Paulo Paes, no livro Histórias
Extraordinárias, Editora Cultrix, São Paulo, 1958 e de Brenno Silveira e outros, no
livro Histórias Extraordinárias, Editor Victor Civita, São Paulo, 1981), não contêm
nota para esclarecer uma passagem que ficou completamente sem sentido. Na
página 88, para provar que é maçom, o personagem mostra ao interlocutor uma
colher de pedreiro, o que faz com que o outro se irrite.

Em inglês, a irritação é perfeitamente compreensível, já que o personagem


que responde, apesar de saber que o outro está se referindo à Maçonaria, mostra
um sinal de que é pedreiro, em uma nítida atitude zombeteira. Para o leitor do
texto em português que desconhece que a palavra inglesa para pedreiro é mason,
homônima, do adjetivo que denomina os membros da Maçonaria, o diálogo e a
reação irritada do personagem ficam sem sentido.

É possível que os tradutores tenham acrescentado a nota, posteriormente


retirada pelo editor, não havendo como esclarecer se isso, de fato, ocorreu. É
interessante, porém, notar que o mesmo trecho foi entregue a uma turma de
alunos do curso de formação de tradutores da PUC/RJ para tradução e que
nenhum dos alunos propôs uma nota explicativa.

No outro extremo encontra-se o exemplo de uma nota que, embora


acrescente uma informação cultural ao texto, não é absolutamente necessária
para sua compreensão. Na tradução da escritora Ana Maria Machado para Alice
no País das Maravilhas, de Lewis Carrol, página 61, Alice pergunta: “Por que
é que seu gato sorri assim?” e a Duquesa responde: “Porque ele é um gato de
Cheshire”. A tradutora faz, então, uma nota explicando a origem da expressão
sorrir como um gato de Cheshire, dizendo que a expressão era usada na época
em que transcorre a história: “Na Inglaterra daquela época usava-se a expressão
“sorrir como um gato de Cheshire” (justamente a região onde o autor nasceu),
pois o famoso queijo de Cheshire era fabricado num molde que tinha a forma de

139
UNIDADE 3 | TÉCNICAS DOMESTICADORAS DE TRADUÇÃO

um gato sorrindo”. Depois de mais de cem anos, um falante de língua inglesa,


hoje, diante do texto original de “Alice”, também desconhecerá o significado da
expressão Cheshire.

Existem inúmeras edições de Alice no País das Maravilhas feitas para


adultos. Numa delas seria mais do que justificável a presença de tal nota. No fim
do livro, a tradutora fala sobre seu trabalho, inclusive sobre as notas explicativas
que deixou de acrescentar porque “um monte de notas iria interromper o prazer
da leitura”.

Das cinco notas que a tradutora afirma ter resistido à tentação de acrescentar,
apenas duas se referem a dificuldades oriundas da falta de equivalência na língua
alvo: nº 3 e 5. A nota que acrescentou não pertence à seara da tradução e sua
necessidade foi sentida pela tradutora na qualidade de escritora. Sem nenhum
intuito de crítica, até porque há enorme coerência na forma como foi abordada a
empreitada de traduzir obra tão especial, acredito que esta nota não seria cogitada
por um tradutor que não fosse escritor.

O último exemplo consta da tradução feita por Enio Silveira e José J. Veiga
do conto de Ernest Hemingway “A Vida Breve e Feliz de Francis Macomber”. Na
página 16 aparece a palavra eland, sobre a qual os tradutores fizeram uma nota
explicativa que me parece pertinente. O equivalente em português, no caso (elã
ou celfo), não informaria tão bem o leitor quanto à explicação ao pé da página.
Como é longo o período em que se discute o referido animal e com implicações
na história, mesmo não sendo indispensável, a nota cumpre um papel e preenche
uma lacuna originada especificamente pela ausência de equivalente ideal na
língua-alvo.

Dos três exemplos, apenas no primeiro caso (em que não foi acrescentada),
a nota parece ser imprescindível para que o texto traduzido cumpra a mesma
função do texto original.

Acredito ser um dos princípios que deve nortear a opção do tradutor por
uma nota. Sua finalidade será dar ao leitor a mesma habilidade de compreensão
que tem o leitor do original, considerando-se o termo “idioma” mais abrangente
do que “língua”, envolvendo não só estrutura e vocabulário, mas, também, seu
emprego convencional. Expressões idiomáticas e idiomatismos culturais nem
sempre encontram equivalência, havendo necessidade, em alguns casos, de notas
explicativas para que seja preservada a função do texto original. Um exemplo é
dado por Stella Tagnin:

[...] O feriado denominado Labor Day, nos Estados Unidos, é um


idiomatismo cultural por não poder ser traduzido literalmente, embora tenhamos
no Brasil um feriado com o mesmo nome - “Dia do Trabalho”. Entretanto, os
feriados têm significados diferentes nas duas línguas, além de serem comemorados
em datas distintas. Dessa forma, uma tradução literal deixaria de transmitir uma
informação cultural contida na expressão da língua de partida.

140
TÓPICO 3 | DOMESTICAÇÃO DA REALIDADE EXTRALINGUÍSTICA

Assim, “faz-se necessária uma explicação do tradutor, pois o feriado


americano foi estabelecido por sugestão de um carpinteiro de nome Peter
McGuire para celebrar o espírito industrial dos Estados Unidos”. Além disso,
“é comemorado na primeira segunda-feira de setembro, sendo que as aulas, na
maioria das escolas americanas, têm início logo após esse feriado”.

Em um caso assim, como acontece com relação à homonímia da palavra


mason, o leitor da tradução, salvo se informado através de uma nota do tradutor,
não será capaz de ler o texto com a mesma compreensão do leitor americano, não
por falta de equivalência na língua de chegada, mas porque a equivalência que
existe poderá levá-lo a uma compreensão equivocada.

FONTE: LYRA, Regina Maria de Oliveira Tavares de. Explicar é preciso? Fragmentos, Florianópolis,
v. 8, n. 1, p. 74-76, 1998.

10 ILUSTRAÇÃO
A ilustração refere-se ao acréscimo de elementos gráficos paratextuais
para esclarecimento da tradução: formas gráficas, ícones, desenhos, fotos etc.
Assemelha-se à explicação em termos de função, porém o paratexto aqui é gráfico,
e não verbal.

Lanzetti et al. (2009, p. 20) lembram que esse procedimento “é geralmente


utilizado em manuais técnicos. Fotos dos aparelhos, botões, substâncias ou
materiais referidos no texto-fonte aparecem ao lado de seus referentes”.

FIGURA 8 – EXEMPLO DE ILUSTRAÇÃO

FONTE: O autor

141
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Há, pelo menos, quatro conceitos de cultura que implicam diferentes posturas
do tradutor: cultura técnica (civilização), cultura formal (práticas funcionalistas
e apropriadas), cultura informal (sistemas cognitivos) e cultura como produto
das relações de poder.

• Admitindo a concepção técnica de cultura, o tradutor se preocupa em transferir


os termos e conceitos no texto-fonte para o exterior com perda mínima, de
modo que o que se vê no texto-fonte é equivalente ao que se apreende no texto
de destino.

• Compreendendo a cultura como cultura formal (práticas funcionalistas e


apropriadas), o tradutor se preocupa em respeitar normas, regras e convenções
de tradução culturalmente específicas, incluindo quais textos são aceitos para
tradução, estratégias de tradução e compensação e os critérios pelos quais
uma tradução é julgada. O tradutor precisa pensar bem o público-alvo da sua
tradução e na adaptação diante das expectativas dos destinatários.

• Assumindo a cultura como cultura informal (sistemas cognitivos), o tradutor


busca respeitar normas, regras e convenções de tradução culturalmente
específicas, incluindo quais textos são aceitos para tradução, estratégias de
tradução e compensação e os critérios pelos quais uma tradução é julgada. O
tradutor precisa pensar bem o público-alvo da sua tradução e na adaptação.

• Entendendo a cultura como produto das relações de poder, o tradutor intervém


entre sistemas de poder concorrentes (e desiguais) não mais para facilitar, mas
para participar da construção do mundo, reconhecendo que os textos (e eles
mesmos) são portadores de ideologias. Assim, o tradutor deixa de ser um
mediador imparcial e passa a ser um agente ético de mudança social, ou um
ativista envolvido em renunciar ao mundo.

• A domesticação da realidade extralinguística implica mudar ou substituir


certos itens culturais e referências exóforas presentes no texto-fonte.

• O procedimento da transferência ocorre quando o tradutor decide transferir


certa referência cultural para a instituição correspondente na cultura-alvo.

142
• A explicação como procedimento domesticador de tradução no plano da
realidade extratextual diz respeito aos paratextos que o tradutor agrega
para esclarecer certas escolhas, explicar referências culturais específicas do
texto-fonte etc. No contexto da tradução, os principais paratextos são notas
intratextuais (colocadas entre parênteses, geralmente), notas de rodapé,
prefácios e apêndices.

• A ilustração refere-se ao acréscimo de elementos gráficos paratextuais para


esclarecimento da tradução: formas gráficas, ícones, desenhos, fotos etc.

143
AUTOATIVIDADE

1 Relembre os quatro casos comentados por Lyra (1998) na Leitura


Complementar deste tópico, em que se poderia utilizar o procedimento da
explicação por meio de notas de rodapé. Você concorda com as posições
da autora? Indique em quais dos quatro casos você agregaria uma nota
explicativa e explique por que você, como tradutor, faria isso.

2 Imagine que você é o tradutor dos quatro textos referidos por Lyra (1998) e
proponha uma nota de rodapé para cada um dos casos referidos.

144
REFERÊNCIAS
ALLEN, Roger M. A. Arabic literature. 2018. Disponível em: https://www.
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