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Apostila Filosofia Teoria Do Conhecimento Descartes Locke Hume Kant 1c2ba Tri

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2.

ª SÉRIE
1.º TRIMESTRE

FILOSOFIA
Professor Fábio Luiz de Almeida Mesquita
2018
SUMÁRIO

Apresentação................................................................................................................5
Competências da área (Matriz de referência do Enem)................................................................ 6

Eixo estruturante da área............................................................................................................. 7

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos..............................................9


Teoria do conhecimento (“fenômeno: humano e social” específico da série)............................. 10

Ética: educação, emancipação, liberdade e felicidade (“fenômeno: humano e social”


específico da série).................................................................................................................... 10

Planejamento das aulas – Uma aula semanal............................................................................ 11

Texto 1 – Meditações (1.ª e 2.ª)................................................................................................. 12

Texto 2 – Ensaio acerca do entendimento humano.................................................................... 29

Texto 3 – Investigação acerca do entendimento humano........................................................... 31

Texto 4 – Que é esclarecimento (Aufklärung)? 1784.................................................................. 39

Texto 5 – Origem do conhecimento (síntese das epistemologias de diversos filósofos


da modernidade)....................................................................................................................... 47

A filosofia no Enem e nos vestibulares...................................................................................... 54

Gabarito: .................................................................................................................................. 65
Filosofia

Este curso de Filosofia tem como objetivo central introduzir


os alunos da 2.ª série do EM na Filosofia, a partir de dois grandes
eixos temáticos: TEORIA DO CONHECIMENTO/EPISTEMOLOGIA
Apresentação

(1.º Trimestre) E ÉTICA (Liberdade, educação e emancipação –


2.º Trimestre e Felicidade 3.º Trimestre). Queremos mostrar que a
filosofia está viva, faz parte do nosso dia-dia e nos ajuda a pensar
sobre o que acontece ao nosso redor. Esses temas filosóficos serão
explorados a fim de que o aluno, no final do ano, tenha explorado
o universo, a natureza, a cultura, “o mundo” em que vive; pensado
sobre a construção de sua própria identidade e refletido sobre sua
relação com o próximo.
Ao mesmo tempo em que exploramos esses temas, vamos
conhecer a história da filosofia moderna e contemporânea, por isso
refletiremos sobre os pensamentos dos seguintes filósofos:
• René Descartes (Racionalismo)
• John Locke (Empirismo)
• David Hume (Empirismo e Ceticismo)
• Immanuel Kant (Criticismo – Teoria do Conhecimento e
Ética do Dever)
• Jean-Paul Sartre (Existencialismo)
• Theodor Adorno (Escola de Frankfurt)
• Max Horkheimer (Escola de Frankfurt)
• Arthur Schopenhauer (Teoria da Vontade e Ética da
Compaixão)
• Friedrich Nietzsche (Gênese das Morais)
• Sigmund Freud (Psicanálise)

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 5


Ensino Médio

„„COMPETÊNCIAS DA ÁREA (MATRIZ DE REFERÊNCIA DO ENEM)

MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA O ENEM 2011

Matriz de Referência de Ciências Humanas e suas Tecnologias


H1 – Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de
aspectos da cultura.
H2 – Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas.
H3 – Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos.
H4 – Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado
aspecto da cultura.
H5 – Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio
cultural e artístico em diferentes sociedades.
H11 – Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H13 – Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou
rupturas em processos de disputa pelo poder.
H14 – Comparar diferentes pontos de vista, presentes em textos analíticos e interpretativos,
sobre situação ou fatos de natureza histórico-geográfica acerca das instituições
sociais, políticas e econômicas.
H15 – Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais
ao longo da história.
H16 – Identificar registros sobre o papel das técnicas e tecnologias na organização do
trabalho e/ou da vida social.
H22 – Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas
legislações ou nas políticas públicas.
H23 – Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 – Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 – Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.

6 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

„„EIXO ESTRUTURANTE DA ÁREA

FENÔMENO: HUMANO E SOCIAL

O conceito fenômeno é compreendido pela filosofia de diversas maneiras, respeitando-se


tempo e espaço de sua elaboração. Como exemplo, citamos Descartes (Principia Philosophiae,
1644, III, 4), Bacon (De interpretatione naturae proemium, 1603), Galileu (Dialogo sopra i due
massimi sistemi del mondo, 1624) e Hobbes (De corpore, 1655, 25, parág. 1), que conceberam
o fenômeno como sinônimo de aparência, daquilo que é observável, que pode ser visto,
objetos sensorialmente percebidos. De modo distinto, em Kant, o fenômeno é dado como
oposto à coisa em si, essência incognoscível do mundo (númeno). Na filosofia kantiana,
tal conceito não se restringe àquilo que se manifesta, mas é aquilo que se manifesta ao
homem nas condições limitativas de seu próprio conhecimento (tempo, espaço e categorias
do intelecto). Tudo aquilo que extrapola tais limites e não possui relação entre o sujeito e o
objeto recai no campo da mera especulação filosófica.
Nesse cenário complexo e conflitante, faz-se necessário especificar o que entendemos
por fenômeno e explicar a razão de ele ser o nosso eixo estruturante. Nosso ponto de apoio
se encontra na filosofia contemporânea, em Husserl (Investigações Lógicas – 1900-1901),
que define o fenômeno não só como o que aparece ou se manifesta ao homem em condições
particulares, mas também como aquilo que aparece ou se manifesta em si mesmo,
como é em si, na sua essência. Desse modo, enquanto eixo estruturante, o fenômeno
é compreendido de modo fenomenológico, ou seja, os fenômenos são objetos revelados,
manifestos e devem ser estudados levando em consideração sua essência, em si mesmos.
Merleau-Ponty (Phénoménologie de la Perception, Préface, 1945) define a fenomenologia
como “o estudo das essências, e todos os problemas, segundo a fenomenologia, resumem-
se em definir essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo.
Mas a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, e não
pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira senão a partir de
sua facticidade (particularidade)”.
Por essa razão, tratar o eixo estruturante de nossas disciplinas com a palavra
“fenômeno”, especificamente, o “humano” e o “social”, é lançar luz aos estudos dos
conhecimentos que se fazem presentes nos fatos manifestos e, ao mesmo tempo, às essências
daquilo que nos aparece. Nosso foco serão os fenômenos humanos e sociais, isto quer
dizer, analisaremos temas como ciência, estética, lógica, cultura, antropologia, psicologia,
sociologia, filosofia, história, religião, mitologia, natureza etc. Não nos restringimos ao
mero aparente, pois se fizéssemos isso nos reduziríamos àquilo que se manifesta. Vamos
além disso. Preocupamo-nos em conhecer o mundo por aquilo que nos é dado como fato
religioso, social e filosófico, mas não apenas isso, queremos, principalmente, investigar a
essência, aquilo que não está posto, não manifesto e que possui importância fundamental
na compreensão de si próprio, do outro e do mundo.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 7


1
Fundamentos da Filosofia –
Eixo Temático e Conteúdos

Objetivos
Ampliar os estudos do componente curricular, a partir de duas temáticas filosóficas:
(1) Teoria do conhecimento/epistemologia; (2) Ética: liberdade, educação, emancipação,
liberdade e felicidade. Tais temas são tratados de modo interdisciplinar, principalmente
com Sociologia e Ensino Religioso, visando a formação de um ser humano mais crítico e
com uma consciência mais integral.
Ensino Médio

„„TEORIA DO CONHECIMENTO (“FENÔMENO: HUMANO E SOCIAL”


ESPECÍFICO DA SÉRIE)
Validar todo o conhecimento humano, todos os fenômenos possíveis e existentes, eis
a tarefa desta área filosófica. Os problemas apresentados são de elevada magnitude, pois,
caso não sejam respondidos, coloca-se em xeque todos os conhecimentos possíveis. Nesse
sentido, todos os fenômenos, todos os componentes curriculares, todo o conhecimento
humano produzido até hoje, podem ser foco de engano, ilusão e erro. A epistemologia ou
teoria do conhecimento é responsável por apresentar as etapas e os limites do conhecimento,
especificamente, nas relações que se estabelecem entre o sujeito indagativo e o objeto
inerte, as duas polaridades tradicionais do processo cognitivo. Sabe-se que a teoria do
conhecimento surge de modo autônomo na Idade Moderna, a partir das indagações
metafísicas de Descartes, Locke, Hume, todos mergulhados no conflito entre racionalistas,
empiristas e céticos. Esses debates culminaram na crítica da razão produzida por Kant no
século XVIII.

„„ÉTICA: EDUCAÇÃO, EMANCIPAÇÃO, LIBERDADE E FELICIDADE


(“FENÔMENO: HUMANO E SOCIAL” ESPECÍFICO DA SÉRIE)
A convivência em sociedade é uma necessidade humana, no entanto, ninguém nasce
sabendo como se portar moralmente, o certo e o errado a fazer. Por isso, é necessário
aprender a viver em sociedade. É essencial que no nosso processo de formação consigamos
superar o egocentrismo e construir um ser humano mais compassivo e empático. Com o
objetivo de educar as novas gerações, é comum e problemático desenvolvermos técnicas
de doutrinação, as quais não geram autonomia e reflexão crítica. Embora na fase da
heteronomia as crianças necessitem de regras que vêm de fora, aos poucos é preciso abrir
espaços de discussão e clarificação de valores, de modo a estimular o processo de adesão
pessoal às normas, que permitirão o exercício futuro da autonomia na vida adulta.
Nesse sentido, enquanto estudo de fenômenos sociais, a ética nos auxilia no
entendimento de nós mesmos inseridos num mundo plural, multimoral, repleto de valores,
regras de convivência, normas, leis etc. Compreender a estrutura desse mundo, suas
conexões, relações de causa e efeito a partir da ação moral, é o foco central de investigarmos
essa especificidade de nosso eixo estruturante. Vale destacar que um dos quatro objetivos
da LDB 9393/96 para o Ensino Médio é “o aprimoramento do educando como pessoa
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico”. Por essa razão, nota-se que a ética, entendida como parte do nosso
eixo estruturante “Fenômeno: Social e Humano”, perpassa por vários temas, conceitos
e conteúdos essenciais da filosofia, conseguindo se integrar com outros componentes
curriculares, especificamente história, geografia, literatura, sociologia e ensino religioso.
Sendo assim, conceitos transversais serão explorados pela filosofia durante a série,
podendo ser, ao mesmo tempo, contemplados por outras áreas do conhecimento. Vale
destacar os conceitos a que nos referimos: epistemologia, racionalismo, empirismo,
iluminismo (esclarecimento), ceticismo, criticismo, indústria cultural, cultura de massa,
razão instrumental, sociedade unidimensional, contracultura, autonomia, heteronomia,
liberdade, responsabilidade, contingência, angústia, existência, essência, igualdade,
felicidade, imperativo categórico, cosmopolitismo, vontade, inconsciente e psicanálise.

10 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

„„PLANEJAMENTO DAS AULAS – UMA AULA SEMANAL


Aula 1 – Apresentação do curso sobre teoria do conhecimento: René Descartes
(Racionalismo), John Locke (Empirismo), David Hume (Empirismo/Ceticismo)
e Immanuel Kant (Criticismo). Filosofia de Descartes: Dúvida Metódica.
Apresentação da importância e do problema da dúvida enquanto um
questionamento racional humano.
Aula 2 – Continuação da reflexão sobre a dúvida, apresentá-la enquanto método na
filosofia de René Descartes e apresentar a questão do cogito enquanto verdade
indubitável. Vida virtual e vida real – Projeto Vida. Resolução de dúvidas das
atividades propostas.
Aula 3 – John Locke – Empirismo, experiências, 5 sentidos, tábula rasa.
Aula 4 – John Locke – Discussão sobre gênero, sexualidade e transexualidade.
Resolução de dúvidas das atividades propostas.
Aula 5 – David Hume – a força do hábito, empirismo, ceticismo, rótulos e bullying.
Aula 6 – David Hume – Análise das atividades propostas. Discussão sobre bullying.
Aula 7 – Immanuel Kant – Análise de sua epistemologia. Leitura do texto. Propor debate
sobre drogas lícitas e ilícitas e a questão da menoridade em Kant.
Aula 8 – Immanuel Kant – Correção e diálogo sobre as atividades propostas. Drogas
lícitas e ilícitas.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 11


Ensino Médio

Filosofia/Matemática „„TEXTO 1 – MEDITAÇÕES (1.ª E 2.ª)


DESCARTES, René. Meditações. (Os Pensadores)
São Paulo, Abril Cultural, 1983.

„„ https://goo.gl/aotBtG MEDITAÇÃO PRIMEIRA1

Das Coisas que se Podem Colocar em Dúvida


„„ René Descartes (1596-1650)
Foi um filósofo, físico e matemático 1. Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde
francês. É conhecido também por seu
nome latino Renatus Cartesius. meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como
verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios
tão mal assegurados não podia ser senão muito duvidoso e
incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente,
uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões
Filosofia
a que até então dera crédito, e começar tudo novamente
Meditações Metafísicas: “menos desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme
conhecidas pelo grande
público do que o Discurso
e de constante nas ciências. Mas, parecendo-me ser muito
do Método, para os filósofos, grande essa empresa, aguardei atingir uma idade que fosse
porém, Meditações Metafísicas tão madura que não pudesse esperar outra após ela, na qual
constituem a obra-mestra de
Descartes, livro em torno do eu estivesse mais apto para executá-la; o que me fez diferi-la
qual se articulam todos os por tão longo tempo que doravante acreditaria cometer uma
outros textos. E mais: um pilar
falta se empregasse ainda em deliberar o tempo que me resta
e um eixo para toda a história
da filosofia.” para agir.
„„ HUISMAN, Denis. Dicionário de Obras 2. Agora, pois, que meu espírito está livre de todos os
Filosóficas. Martins Fontes, 2002. p. 363.
cuidados, e que consegui um repouso assegurado numa
pacífica solidão, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade
em destruir em geral todas as minhas antigas opiniões. Ora,
Matemática não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar
que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo;
Plano Cartesiano
mas, uma vez que a razão já me persuade de que não devo
menos cuidadosamente impedir-me de dar crédito às coisas
que não são inteiramente certas e indubitáveis, do que às que
nos parecem manifestamente ser falsas, o menor motivo de
dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar
todas2. E, para isso, não é necessário que examine cada uma
„„ https://goo.gl/YklDiH

em particular, o que seria um trabalho infinito; mas, visto que


a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo
o resto do edifício, dedicar-me-ei inicialmente aos princípios
„„ Criado por René Descartes, o plano
sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam
cartesiano consiste em dois eixos apoiadas.
perpendiculares, sendo o horizontal
chamado de eixo das abscissas e 3. Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais
o vertical de eixo das ordenadas. O
plano cartesiano foi desenvolvido por
verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos ou pelos sentidos:
Descartes no intuito de localizar pontos ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram
num determinado espaço. enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em
quem já nos enganou uma vez3.
4. Mas, ainda que os sentidos nos enganem às vezes,
no que se refere às coisas pouco sensíveis e muito distantes,
encontramos talvez muitas outras, das quais não se pode
razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por
intermédio deles: por exemplo, que eu esteja aqui, sentado

12 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

junto ao fogo, vestido com um chambre, tendo este papel Vocabulário filosófico
entre as mãos e outras coisas desta natureza. E como poderia Dúvida metódica: método
eu negar que estas mãos e este corpo sejam meus? A não ser, utilizado por Descartes para
talvez, que eu me compare e esses insensatos, cujo cérebro eliminar todas as pretensas
verdades, buscando-se, assim,
está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores uma verdade indubitável e
da bile que constantemente asseguram que são reis quando inquestionável.
são muito pobres; que estão vestidos de ouro e de púrpura Ceticismo: doutrina segundo
quando estão inteiramente nus; ou imaginam ser cântaros a qual o espírito humano não
ou ter um corpo de vidro. Mas quê? São loucos e eu não seria pode atingir nenhuma certeza
a respeito da verdade.
menos extravagante se me guiasse por seus exemplos.
Dogmatismo: pressuposto
5. Todavia, devo aqui considerar que sou homem4 e, por teórico, comum a diversas
doutrinas filosóficas, que
conseguinte, que tenho o costume de dormir e de representar, considera o conhecimento
em meus sonhos, as mesmas coisas, ou algumas vezes menos humano apto à obtenção de
verossímeis, que esses insensatos em vigília. Quantas vezes verdades absolutamente certas
e seguras.
ocorreu-me sonhar, durante a noite, que estava neste lugar,
que estava vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse Racionalismo: qualquer
doutrina que privilegia a razão
inteiramente nu dentro de meu leito? Parece-me agora que como meio de conhecimento e
não é com olhos adormecidos que contemplo este papel; explicação da realidade.
que esta cabeça que eu mexo não está dormente; que é com
Empirismo: doutrina segundo
desígnio e propósito deliberado que estendo esta mão e que a a qual todo conhecimento
sinto: o que ocorre no sono não parece ser tão claro nem tão provém unicamente da
experiência, limitando-se
distinto quanto tudo isso. Mas, pensando cuidadosamente ao que pode ser captado do
nisso, lembro-me de ter sido muitas vezes enganado, quando mundo externo, pelos sentidos.
dormia, por semelhantes ilusões. E, detendo-me neste
pensamento, vejo tão manifestamente que não há quaisquer
indícios concludentes, nem marcas assaz certas por onde se
possa distinguir nitidamente a vigília do sono, que me sinto
inteiramente pasmado: e meu pasmo é tal que é quase capaz
Filme/Cinema
de me persuadir de que estou dormindo.
6. Suponhamos, pois, agora, que estamos adormecidos
e que todas essas particularidades, a saber, que abrimos os
olhos que mexemos a cabeça, que estendemos as mãos, e
coisas semelhantes, não passam de falsas ilusões; e pensemos
que talvez nossas mãos, assim como todo o nosso corpo, não
são tais como os vemos. Todavia, é preciso ao menos confessar
que as coisas que nos são representadas durante o sono
são como quadros e pinturas, que não podem ser formados
senão à semelhança de algo real e verdadeiro; e que assim,
„„ https://goo.gl/92JnyF

pelo menos, essas coisas gerais, a saber, olhos, cabeça, mãos


e todo o resto do corpo, não são coisas imaginárias, mas
verdadeiras e existentes. Pois, na verdade, os pintores, mesmo
quando se empenham com o maior artifício em representar „„ A origem / Inception (2010)
sereias e sátiros por formas estranhas e extraordinárias, não Direção: Christopher Nolan
Ficção científica que explora a dúvida
lhes podem, todavia, atribuir formas e naturezas inteiramente entre o sonho e a realidade.
novas, mas apenas fazem certa mistura e composição dos
membros de diversos animais; ou então, se porventura sua
imaginação for assaz extravagante para inventar algo de tão
novo, que jamais tenhamos visto coisa semelhante e que
assim sua obra nos represente uma coisa puramente fictícia e
absolutamente falsa, certamente ao menos as cores com que
eles a compõem devem ser verdadeiras.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 13


Ensino Médio

Filme/Cinema 7. E pela mesma razão, ainda que essas coisas gerais,


a saber, olhos, cabeça, mãos e outras semelhantes, possam
ser imaginárias, é preciso, todavia, confessar que há coisas
ainda mais simples e mais universais, que são verdadeiras e
existentes; de cuja mistura, nem mais nem menos do que da
mistura de algumas cores verdadeiras, são formadas todas
essas imagens das coisas que residem nesse pensamento,
quer verdadeiras e reais, quer fictícias e fantásticas. Desse
gênero de coisas é a natureza corpórea em geral, e sua
extensão; juntamente com a figura das coisas extensas, sua
quantidade, ou grandeza, e seu número; como também o
lugar em que estão, o tempo que mede sua duração e outras
coisas semelhantes5.
8. Eis por que, talvez, daí nós não concluamos mal se
„„ https://goo.gl/NEvxt5

dissermos que a Física, a Astronomia, a Medicina e todas


as outras ciências dependentes da consideração das coisas
compostas são muito duvidosas e incertas; mas que a
„„ Interstellar (2014) Aritmética, a Geometria e as outras ciências desta natureza,
Direção: Christopher Nolan que não tratam senão de coisas muito simples e muito gerais,
Ficção científica aclamada pela crítica
e pelo público, que explora diversas sem cuidarem muito em se elas existem ou não na natureza,
reflexões sobre a veracidade do real. contêm alguma coisa de certo e indubitável. Pois, quer eu
esteja acordado, quer esteja dormindo, dois mais três formarão
sempre o número cinco e o quadrado nunca terá mais do que
quatro lados; e não parece possível que verdades tão patentes
possam ser suspeitas de alguma falsidade ou incerteza.

Filosofia 9. Todavia, há muito que tenho no meu espírito certa


opinião6 de que há um Deus que tudo pode e por quem fui criado
“As perguntas em filosofia e produzido tal como sou. Ora, quem me poderá assegurar
são mais essenciais que as que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma
respostas e cada resposta
transforma-se numa nova terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma figura,
pergunta.” nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, eu
JASPERS, K. Introdução ao
tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso
pensamento filosófico, São não me pareça existir de maneira diferente daquela que eu
Paulo: Cultrix, 1971, p. 140. vejo? E, mesmo, como julgo que algumas vezes os outros se
enganam até nas coisas que eles acreditam saber com maior
certeza, pode ocorrer que Deus tenha desejado que eu me
engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três,
ou em que enumero os lados de um quadrado, ou em que
julgo alguma coisa ainda mais fácil, se é que se pode imaginar
algo mais fácil do que isso. Mas pode ser que Deus não tenha
querido que eu seja decepcionado desta maneira, pois ele é
considerado soberanamente bom. Todavia, se repugnasse
à sua bondade fazer-me de tal modo que eu me enganasse
„„ https://goo.gl/7TOfN4

sempre, pareceria também ser-lhe contrário permitir que eu


me engane algumas vezes e, no entanto, não posso duvidar de
que ele me permita7.

„„ Karl Jaspers (1883-1969)


10. Haverá talvez aqui pessoas que preferirão negar a
existência de um Deus tão poderoso a acreditar que todas
as outras coisas são incertas. Mas não lhes resistamos no
momento e suponhamos, em favor delas, que tudo quanto

14 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

aqui é dito de um Deus seja uma fábula. Todavia, de qualquer Filme/Cinema


maneira que suponham ter eu chegado ao estado e ao ser que
possuo, quer o atribuam a algum destino ou fatalidade, quer
o refiram ao acaso, quer queiram que isto ocorra por uma
contínua série e conexão das coisas, é certo que, já que falhar
e enganar-se é uma espécie de imperfeição, quanto menos
poderoso for o autor a que atribuírem minha origem tanto
mais será provável que eu seja de tal modo imperfeito que
me engane sempre. Razões às quais nada tenho a responder,
mas sou obrigado a confessar que, de todas as opiniões que

„„ https://goo.gl/5Pby2e
recebi outrora em minha crença como verdadeiras, não há
nenhuma da qual não possa duvidar atualmente, não por
alguma inconsideração ou leviandade, mas por razões muito
fortes e maduramente consideradas: de sorte que é necessário
que interrompa e suspenda doravante meu juízo sobre tais „„ Dúvida (2008)
Diretor: John P. Shanley
pensamentos, e que não mais lhes dê crédito, como faria com Filme ambientado em escola católica
as coisas que me parecem evidentemente falsas, se desejo do bairro nova-iorquino do Bronx que
encontrar algo de constante e de seguro nas ciências8. recebe seu primeiro aluno negro.
Inicia-se o sermão do padre Flynn sobre
a dúvida, tema que norteará toda a trama.
11. Mas não basta ter feito tais considerações, é preciso
ainda que cuide de lembrar-me delas; pois essas antigas e
ordinárias opiniões ainda me voltam amiúde ao pensamento, HUMANÍSTICA – CSL
dando-lhes a longa e familiar convivência que tiveram comigo o PROJETO VIDA
direito de ocupar meu espírito mau grado meu e de tornarem-se PROJETO DEMOCRACIA
quase que senhoras de minha crença. E jamais perderei o E PARTICIPAÇÃO
costume de aquiescer a isso e de confiar nelas, enquanto as
Transversalidade: Existem
considerar como são efetivamente, ou seja, como duvidosas 106 milhões de pretos e
de alguma maneira, como acabamos de mostrar, e todavia pardos no Brasil (53,6%)
muito prováveis, de sorte que se tem muito mais razão em (IBGE-2015). Quantos
existem na sua sala de aula?
acreditar nelas do que em negá-las. Eis por que penso que Vamos falar sobre racismo? O
me utilizarei delas mais prudentemente se, tomando partido que podemos fazer?
contrário, empregar todos os meus cuidados em enganar-me
a mim mesmo, fingindo que todos esses pensamentos são

„„ https://goo.gl/Rie5U5
falsos e imaginários; até que, tendo de tal modo sopesado
meus prejuízos, eles não possam inclinar minha opinião
mais para um lado do que para o outro, e meu juízo não mais
seja doravante dominado por maus usos e desviado do reto
caminho que pode conduzi-lo ao conhecimento da verdade.
Pois estou seguro de que, apesar disso, não pode haver perigo
nem erro nesta via e de que não poderia hoje aceder demasiado
à minha desconfiança, posto que não se trata no momento de
agir, mas somente de editar e de conhecer.
12. Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que
é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno9 não
menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou
toda a sua indústria em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar,
a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores
que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve
para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei
a mim mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos,
de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 15


Ensino Médio

Arte dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei


obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse
meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de
qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender
meu juízo. Eis por que cuidarei zelosamente de não receber
em minha crença nenhuma falsidade, e prepararei tão bem
meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por
poderoso e ardiloso que seja, nunca poderá impor-me algo.
„„ https://goo.gl/aPRgK2

13. Mas esse desígnio é árduo e trabalhoso10 e certa


preguiça arrasta-me insensivelmente para o ritmo de minha
vida ordinária. E, assim como um escravo que gozava de
uma liberdade imaginária, quando começa a suspeitar de
„„ A Condição Humana, (1933) que sua liberdade é apenas um sonho, teme ser despertado
Autor: René Magritte
O real é maior do que o quadro ou o real e conspira com essas ilusões agradáveis para ser mais
é uma construção contínua composta por longamente enganado, assim eu reincido insensivelmente por
infinitos quadros, nos quais a realidade
é tecida?
mim mesmo em minhas antigas opiniões e evito despertar
dessa sonolência, de medo de que as vigílias laboriosas que
se sucederiam à tranquilidade de tal repouso, em vez de me
propiciarem alguma luz ou alguma clareza no conhecimento
da verdade, não fossem suficientes para esclarecer as trevas
das dificuldades que acabam de ser agitadas.
„„ https://goo.gl/jeJRUR

MEDITAÇÃO SEGUNDA11
„„ The Treachery of Images (Isso não é um
cachimbo) (1948) Da Natureza do Espírito Humano; e de como Ele
Autor: René Magritte é Mais Fácil de Conhecer do que o Corpo

“Se eu tivesse escrito 1. A Meditação que fiz ontem encheu-me o espírito de


sob meu quadro ‘isto é tantas dúvidas, que doravante não está mais em meu alcance
um cachimbo’, eu estaria
mentindo.” esquecê-las. E, no entanto, não vejo de que maneira poderia
resolvê-las; e, como se de súbito tivesse caído em águas muito
profundas, estou de tal modo surpreso que não posso nem
firmar meus pés no fundo, nem nadar para me manter à tona.
Esforçar-me-ei, não obstante, e seguirei novamente a mesma
via que trilhei ontem, afastando-me de tudo em que poderia
„„ https://goo.gl/qWA2PY

imaginar a menor dúvida, da mesma maneira como se eu


soubesse que isto fosse absolutamente falso; e continuarei
sempre nesse caminho até que tenha encontrado algo de
„„ Sono (1937)
certo, ou, pelo menos, se outra coisa não me for possível, até
Autor: Salvador Dalí que tenha aprendido certamente que não há nada no mundo
Esse sono é um verdadeiro monstro de certo.
“crisálido”, cuja morfologia e
nostalgia são apoiadas por onze
muletas principais. Trata-se de uma
2. Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar
representação visual do colapso do e transportá-lo para outra parte, não pedia nada mais exceto
corpo durante o sono. um ponto que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de
conceber altas esperanças, se for bastante feliz para encontrar
somente uma coisa que seja certa e indubitável12.
3. Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo são
falsas; persuado-me de que jamais existiu de tudo quanto
minha memória referta de mentiras me representa; penso
não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a

16 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

extensão, o movimento e o lugar são apenas ficções de meu


espírito. O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro?
Talvez nenhuma outra coisa a não ser que nada há no mundo
de certo.
4. Mas que sei eu, se não há nenhuma outra coisa
diferente das que acabo de julgar incertas, da qual não se possa
ter a menor dúvida? Não haverá algum Deus, ou alguma outra
potência, que me ponha no espírito tais pensamentos? Isso
não é necessário; pois talvez seja eu capaz de produzi-los por

„„ https://goo.gl/jRbrik
mim mesmo. Eu então, pelo menos, não serei alguma coisa?
Mas já neguei que tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo.
Hesito, no entanto, pois que se segue daí? Serei de tal modo
dependente do corpo e dos sentidos que não possa existir sem „„ Mão com esfera refletora (1935)
eles? Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que Autor: Escher
O pintor faz sua imagem refletida na
não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem esfera, o que possibilita detalhar o
corpos alguns: não me persuadi também, portanto, de que ambiente inteiro, mas, por curiosidade:
eu não existia13? Certamente não, eu existia sem dúvida, se é com que mão ele segura a esfera: com a
direita ou com a esquerda?
que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas há
algum, não sei qual, enganador muito poderoso e mui ardiloso
Matemática
que emprega toda a sua indústria em enganar-me sempre.
Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana;
e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com que
eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa14. De
sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado
cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e
ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é
necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou
que a concebo em meu espírito15.

„„ https://goo.gl/GRBtrC
5. Mas não conheço ainda bastante claramente o que
sou, eu que estou certo de que sou; de sorte que doravante
é preciso que eu atente com todo cuidado, para não tomar
imprudentemente alguma outra coisa por mim, e assim para „„ Arquimedes (287 a.C. - 212 a.C.)
não equivocar-me neste conhecimento que afirmo ser mais Foi um matemático, físico, engenheiro e
astrônomo grego.
certo e mais evidente do que todos os que tive até agora16.
6. Eis por que considerarei de novo o que acreditava COGITO = Dubito, ergo
cogito, ergo sum (Duvido,
ser, antes de me empenhar nestes últimos pensamentos; e logo penso, logo existo).
de minhas antigas opiniões suprimirei tudo o que pode ser
combatido pelas razões que aleguei há pouco, de sorte que
permaneça apenas precisamente o que é de todo indubitável.
O que, pois, acreditava eu ser até aqui? Sem dificuldade,
pensei que era um homem. Mas que é um homem? Direi que
é um animal racional? Certamente não: pois seria necessário
em seguida pesquisar o que é animal e o que é racional e
assim, de uma só questão, cairíamos insensivelmente numa
infinidade de outras mais difíceis e embaraçosas, e eu
não quereria abusar do pouco tempo e lazer que me resta
empregando-o em deslindar semelhantes sutilezas17. Mas,
antes, deter-me-ei em considerar aqui os pensamentos que
anteriormente nasciam por si mesmos em meu espírito e
que eram inspirados apenas por minha natureza, quando

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 17


Ensino Médio

Filme/Cinema me aplicava à consideração de meu ser. Considerava-me,


inicialmente, como provido de rosto, mãos, braços e toda essa
máquina composta de ossos e carne, tal como ela aparece
em um cadáver, a qual eu designava pelo nome de corpo.
Considerava, além disso, que me alimentava, que caminhava,
que sentia e que pensava e relacionava todas essas ações à
alma18; mas não me detinha em pensar em que consistia essa
alma, ou, se o fazia, imaginava que era algo extremamente
raro e sutil, como um vento, uma flama ou um ar muito
tênue, que estava insinuado e disseminado nas minhas partes
mais grosseiras. No que se referia ao corpo, não duvidava de
„„ https://goo.gl/LOa8pz

maneira alguma de sua natureza; pois pensava conhecê-la mui


distintamente e, se quisesse explicá-la segundo as noções que
dela tinha, tê-la-ia descrito desta maneira: por corpo entendo
„„ O Show de Truman (1998) tudo o que pode ser limitado por alguma figura; que pode ser
Direção: Peter Weir compreendido em qualquer lugar e preencher um espaço de
O filme mostra a vida de Truman
Burbank, um homem que não sabe que
tal sorte que todo outro corpo dele seja excluído; que pode ser
está vivendo numa realidade simulada sentido ou pelo tato, ou pela visão, ou pela audição, ou pelo
por um programa da televisão. olfato; que pode ser movido de muitas maneiras, não por si
mesmo, mas por algo de alheio pelo qual seja tocado e do qual
receba a impressão. Pois não acreditava de modo algum que
se devesse atribuir à natureza corpórea vantagens como ter
de si o poder de mover-se, de sentir e de pensar; ao contrário,
espantava-me antes ao ver que semelhantes faculdades se
encontravam em certos corpos19.
7. Mas eu, o que sou eu, agora que suponho20 que há
alguém que é extremamente poderoso e, se ouso dizê-lo,
malicioso e ardiloso, que emprega todas as suas forças e toda
„„ https://goo.gl/PFmdfE

a sua indústria em enganar-me? Posso estar certo de possuir


a menor de todas as coisas que atribuí há pouco à natureza
corpórea? Detenho-me em pensar nisto. Com atenção,
passo e repasso todas essas coisas em meu espírito, e não
„„ Matrix (1999) encontro nenhuma que possa dizer que exista em mim. Não
Direção: irmãs Wachowski
Ficção científica que aborda a dúvida é necessário que me demore a enumerá-las. Passemos, pois,
entre o virtual e o real. aos atributos da alma e vejamos se há alguns que existam
em mim. Os primeiros são alimentar-me e caminhar; mas, se
é verdade que não possuo corpo algum, é verdade também
que não posso nem caminhar nem alimentar-me. Um outro é
sentir; mas não se pode também sentir sem o corpo; além do
que, pensei sentir outrora muitas coisas, durante o sono, as
quais reconheci, ao despertar, não ter sentido efetivamente.
Um outro é pensar; e verifico aqui que o pensamento é um
atributo que me pertence; só ele não pode ser separado de
mim. Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo?
A saber, por todo o tempo em que eu penso21; pois poderia,
talvez, ocorrer que, se eu deixasse de pensar, deixaria ao
mesmo tempo de ser ou de existir. Nada admito agora que
não seja necessariamente verdadeiro: nada sou, pois, falando
precisamente, senão uma coisa que pensa, isto é, um espírito,
um entendimento ou uma razão, que são termos cuja
significação me era anteriormente22 desconhecida. Ora, eu
sou uma coisa verdadeira e verdadeiramente existente; mas

18 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

que coisa? Já o disse: uma coisa que pensa. E que mais? Arte/História:
Excitarei ainda minha imaginação para procurar saber se não
sou algo mais. Eu não sou essa reunião de membros que se
chama o corpo humano; não sou um ar tênue e penetrante,
disseminado por todos esses membros; não sou um vento, um
sopro, um vapor, nem algo que posso fingir e imaginar, posto
que supus que tudo isso não era nada e que, sem mudar essa
suposição, verifico que não deixo de estar seguro de que sou
alguma coisa23.
8. Mas também pode ocorrer que essas mesmas coisas,

„„ https://goo.gl/yh7lMY
que suponho não existirem, já que me são desconhecidas, não
sejam efetivamente diferentes de mim, que eu conheço? Nada
sei a respeito; não o discuto atualmente, não posso dar meu
juízo senão a coisas que me são conhecidas: reconheci que
eu era, e procuro o que sou, eu que reconheci ser. Ora, é „„ O sonho da razão produz monstros (1799)
Autor: Francisco de Goya
muito certo que essa noção e conhecimento de mim mesmo, Este quadro faz parte da série de 80
assim precisamente tomada, não depende em nada das gravuras denominada Caprichos – Uma
crítica à nobreza e ao clero europeu.
coisas cuja existência não me é ainda conhecida24; nem, por
conseguinte, e com mais razão de nenhuma daquelas que são
fingidas e inventadas pela imaginação. E mesmo esses termos
fingir e imaginar advertem-me de meu erro; pois eu fingiria
efetivamente se imaginasse ser alguma coisa, posto que Filosofia
imaginar nada mais é do que contemplar a figura ou a imagem
de uma coisa corporal. Ora, sei já certamente que eu sou, e que,
ao mesmo tempo, pode ocorrer que todas essas imagens e, em
geral, todas as coisas que se relacionam à natureza do corpo
sejam apenas sonhos ou quimeras. Em seguimento disso,
vejo claramente que teria tão pouca razão ao dizer: excitarei
minha imaginação para conhecer mais distintamente o que
sou, como se dissesse: estou atualmente acordado e percebo
algo de real e de verdadeiro; mas, visto que não o percebo

„„ https://goo.gl/rg2Pqv
ainda assaz nitidamente, dormiria intencionalmente a fim de
que meus sonhos me representassem com maior verdade e
evidência. E, assim, reconheço certamente que nada, de tudo
o que posso compreender por meio da imaginação, pertence a
„„ Discurso do método (1637)
este conhecimento que tenho de mim mesmo e que é necessário Autor: René Descartes
lembrar e desviar o espírito dessa maneira de conceber a fim Publicado em Leiden, Holanda, apresenta
de que ele próprio possa reconhecer muito distintamente sua a base da epistemologia de Descartes.
Nele é proposto um modelo quase
natureza25. matemático para conduzir o pensamento
humano.
9. Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa.
Que é uma coisa que pensa? É uma coisa que duvida, que Vocabulário
concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que
Método dedutivo (dedução):
imagina também e que sente26. Certamente não é pouco se raciocínio lógico que faz
todas essas coisas pertencem à minha natureza. Mas por que uso da dedução para obter
não lhe pertenceriam? Não sou eu próprio esse mesmo que uma conclusão a respeito de
determinada premissa. Ex.:
duvida de quase tudo, que, no entanto, entende e concebe A=B; b=C; logo, por dedução
certas coisas, que assegura e afirma que somente tais coisas lógica e racional, A=C.
são verdadeiras, que nega todas as demais, que quer e deseja Método indutivo (indução):
conhecê-las mais, que não quer ser enganado, que imagina raciocínio que, após considerar
muitas coisas, mesmo mau grado seu, e que sente também um número suficiente de casos
particulares, conclui uma
muitas como que por intermédio dos órgãos do corpo? Haverá verdade geral. Ex.: experiências
algo em tudo isso que não seja tão verdadeiro quanto é certo científicas.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 19


Ensino Médio

Vídeo/internet que sou e que existo, mesmo se dormisse sempre e ainda


quando aquele que me deu a existência se servisse de todas as
suas forças para enganar-me? Haverá, também, algum desses
atributos que possa ser distinguido de meu pensamento, ou
que se possa dizer que existe separado de mim mesmo? Pois é
por si tão e somente que sou eu quem duvida, que entende e
quem deseja que não é necessário nada acrescentar aqui para
explicá-lo. E tenho também certamente poder de imaginar;
pois, ainda que possa ocorrer (como supus anteriormente) que
as coisas que imagino não sejam verdadeiras, este poder de
„„ 1.º Passo: faça uma conta no TED-Ed. imanar não deixa, no entanto, de existir realmente em mim e
Entre no site: http://ed.ted.com/ faz parte do meu pensamento. Enfim, sou o mesmo que sente,
Coloque o seu nome completo para que
eu consiga identificá-lo. isto é, que recebe e conhece; coisas como que pelos órgãos
„„ 2.º Passo: Entre no link http://ed.ted. dos sentidos, posto que, com efeito, vejo a luz, ouço o ruído,
com/on/31ZdzSDY . Assista ao vídeo
em (WATCH), pense respondendo
sinto o calor. Mas dir-me-ão que essas aparências são falsas,
às questões em (THINK) e responda/ e que eu durmo. Que assim seja; todavia, ao menos, é muito
participe da discussão em (DISCUSS). certo que me parece que vejo, que ouço e que me aqueço; e
é propriamente aquilo que em mim se chama sentir e isto,
tomado assim precisamente, nada é senão pensar. Donde,
Música começo a conhecer o que sou, com um pouco mais de luz e de
distinção do que anteriormente27.
10. Mas não me posso impedir de crer que as coisas
corpóreas28, cujas imagens se formam pelo meu pensamento,
e que se apresentam aos sentidos, sejam mais distintamente
„„ https://goo.gl/mo9kVG

conhecidas do que essa não sei que parte de mim mesmo que
não se apresenta imaginação: embora, com efeito, seja uma
coisa bastante estranha que coisas que considero duvidosas
e distantes sejam mais claras e mais facilmente conhecidas
„„ Até Pensei (1968) por mim do que aquelas que são verdadeiras e certas e que
Autor: Chico Buarque pertencem à minha própria natureza. Mas vejo bem o que
Até Pensei seja: meu espírito apraz-se em extraviar-se e não pode ainda
conter-se nos justos limites da verdade. Soltemos-lhe, pois,
Junto à minha rua havia um
bosque ainda uma vez, as rédeas a fim de que, vindo, em seguida,
Que um muro alto proibia a libertar-se delas suave e oportunamente, possamos mais
Lá todo balão caía, toda maçã
nascia facilmente dominá-lo e conduzi-lo29.
E o dono do bosque nem via
Do lado de lá tanta aventura 11. Comecemos pela consideração das coisas mais
E eu a espreitar na noite
escura
comuns e que acreditamos compreender mais distintamente,
A dedilhar essa modinha a saber, os corpos que tocamos e que vemos. Não pretendo
A felicidade morava tão vizinha
Que, de tolo, até pensei que
falar dos corpos em geral, pois essas noções gerais são
fosse minha ordinariamente mais confusas, porém de qualquer corpo em
Junto a mim morava a minha particular. Tomemos, por exemplo, este pedaço de cera que
amada
Com olhos claros como o dia acaba de ser tirado da colmeia: ele não perdeu ainda a doçura
Lá o meu olhar vivia do mel que continha, retém ainda algo do odor das flores de que
De sonho e fantasia
E a dona dos olhos nem via foi recolhido; sua cor, sua figura, sua grandeza, são patentes;
Do lado de lá tanta ventura é duro, é frio, tocamo-lo e, se nele batermos, produzirá algum
E eu a esperar pela ternura
Que a enganar nunca me vinha som. Enfim, todas as coisas que podem distintamente fazer
Eu andava pobre, tão pobre de conhecer um corpo encontram-se neste.
carinho
Que, de tolo, até pensei que
fosses minha 12. Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo: o
Toda a dor da vida me ensinou que nele restava de sabor exala-se, o odor se esvai, sua cor se
essa modinha
Que de tolo até pensei que
modifica, sua figura se altera, sua grandeza aumenta, ele toma-se
fosse minha. líquido, esquenta-se, mal o podemos tocar e, embora nele

20 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

batamos, nenhum som produzirá. A mesma cera permanece Vocabulário


após essa modificação? Cumpre confessar que permanece: e Res extensas: Coisas extensas
ninguém o pode negar. O que é, pois, que se conhecia deste – materiais, sensíveis,
pedaço de cera com tanta distinção? Certamente não pode ser perceptíveis.

nada de tudo o que notei nela por intermédio dos sentidos, Res cogitans: Coisas pensantes
posto que todas as coisas que se apresentavam ao paladar, – abstrações, racionais,
intuídas.
ao olfato, ou à visão, ou ao tato, ou à audição, encontram-se
mudadas e, no entanto, a mesma cera permanece. Talvez
fosse como penso atualmente, a saber, que a cera não era
Filme/Cinema
nem essa doçura do mel, nem esse agradável odor das flores,
nem essa brancura, nem essa figura, nem esse som, mas
somente um corpo que um pouco antes me aparecia sob
certas formas e que agora se faz notar sob outras. Mas o que
será, falando precisamente, que eu imagino quando a concebo
dessa maneira? Consideremo-lo atentamente e, afastando
todas as coisas que não pertencem à cera, vejamos o que
resta. Certamente nada permanece senão algo de extenso,
flexível e mutável. Ora, o que é isto: flexível e mutável? Não
estou imaginando que esta cera, sendo redonda, é capaz de

„„ https://goo.gl/NbTLYp
se tornar quadrada e de passar do quadrado a uma figura
triangular? Certamente não, não é isso, posto que a concebo
capaz de receber uma infinidade de modificações similares
e eu não poderia, no entanto, percorrer essa infinidade com
minha imaginação e, por conseguinte, essa concepção que „„ A Ilha do medo / Shutter Island (2010)
Direção: Martin Scorsese
tenho da cera não se realiza através da minha faculdade de Qual a definição de loucura? Como saber
imaginar30. quem é louco e quem é são?

13. E, agora, que é essa extensão? Não será ela igualmente


desconhecida, já que na cera que se funde ela aumenta e
fica ainda maior quando está inteiramente fundida e muito
mais ainda quando o calor aumenta? E eu não conceberia
claramente e segundo a verdade o que é a cera, se não pensasse
que é capaz de receber mais variedades segundo a extensão
do que jamais imaginei. É preciso, pois, que eu concorde que
não poderia mesmo conceber pela imaginação o que é essa
cera e que somente meu entendimento é quem o concebe31;
digo este pedaço de cera em particular, pois para a cera em
geral é ainda mais evidente. Ora, qual é esta cera que não
pode ser concebida senão pelo entendimento ou pelo espírito?
Certamente é a mesma que vejo, que toco, que imagino e a
mesma que conhecia desde o começo. Mas o que é de notar
é que sua percepção, ou a ação pela qual é percebida, não é
uma visão, nem um tatear, nem uma imaginação, e jamais o
foi, embora assim o parecesse anteriormente, mas somente
uma inspeção do espírito, que pode ser imperfeita e confusa,
como era antes, ou clara e distinta, como é, presentemente,
conforme minha atenção se dirija mais ou menos às coisas
que existem nela e das quais é composta.
14. Entretanto, eu não poderia espantar-me demasiado
ao considerar o quanto meu espírito tem de fraqueza e de
pendor que o leva insensivelmente ao erro. Pois, ainda que
sem falar eu considere tudo isso em mim mesmo, as palavras
detêm-me, todavia. Sou quase enganado pelos termos da

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 21


Ensino Médio

Museu/Internet linguagem comum; pois nós dizemos que vemos a mesma cera,
se a apresentam, e não que julgamos que é a mesma, pelo fato
de ter a mesma cor e a mesma figura: donde desejaria quase
concluir que se conhece a cera pela visão dos olhos e não pela

„„ http://www.mcescher.com
tão só inspeção do espírito, se por acaso não olhasse pela
janela homens que passam pela rua, à vista dos quais não
deixo de dizer que vejo homens da mesma maneira que digo
que vejo a cera; e, entretanto, que vejo desta janela, senão
„„ Laços/Bond of union (1956) chapéus e casacos que podem cobrir espectros ou homens
Maurits Cornelis Escher
http://www.mcescher.com fictícios que se movem apenas por molas? Mas julgo que são
Site oficial do artista holandês Escher homens verdadeiros e assim compreendo, somente pelo poder
(1898-1972), conhecido por suas
construções inusitadas e fascinantes. O
de julgar que reside em meu espírito, aquilo que acreditava
Museu do Escher fica em Haia, Holanda. ver com meus olhos.
15. Um homem que procura elevar seu conhecimento para
Arte além do comum deve envergonhar-se de aproveitar ocasiões
para duvidar das formas e dos termos do falar do vulgo; prefiro
passar adiante e considerar se eu concebia com maior evidência
e perfeição o que era a cera, quando a percebi inicialmente e
acreditei conhecê-la por meio dos sentidos exteriores, ou ao
„„ https://goo.gl/qkbhVb

menos por meio do senso comum, como o chamam, isto é, por


meio do poder imaginativo, do que a concebo presentemente,
após haver examinado mais exatamente o que ela é e de que
maneira pode ser conhecida. Por certo, seria ridículo colocar
„„ Drawing hands, (1948) isso em dúvida. Pois, que havia nessa primeira percepção que
Autor: Escher
fosse distinto e evidente e que não pudesse cair da mesma
maneira sob os sentidos do menor dos animais? Mas quando
distingo a cera de suas formas exteriores e, como se a tivesse
Televisão/série
despido de suas vestimentas, considero-a inteiramente nua32,
é certo que, embora se possa ainda encontrar algum erro em
meu juízo, não a posso conceber dessa forma sem um espírito
humano33.
„„ https://goo.gl/bI4zPq

16. Mas, enfim, que direi desse espírito, isto é, de mim


mesmo34? Pois até aqui não admiti em mim nada além de um
espírito. Que declararei, digo, de mim, que pareço conceber com
tanta nitidez e distinção este pedaço de cera? Não me conheço
„„ Black Mirror – Terceira temporada –
episódio 2 a mim mesmo não só com muito mais verdade e certeza, mas
Direção: Dan Trachtenberg também com muito maior distinção e nitidez? Pois, se julgo
Um jovem norte-americano, em busca que a cera é ou existe pelo fato de eu a ver, sem dúvida segue-
de novas experiências em Londres e
necessitado de dinheiro, aceita participar se bem mais evidentemente que eu próprio sou, ou que existo
como cobaia de um novo e revolucionário pelo fato de eu a ver. Pois pode acontecer que aquilo que eu vejo
sistema de jogos virtuais que funciona
através de um implante no cérebro.
não seja, de fato, cera; pode também dar-se que eu não tenha
olhos para ver coisa alguma; mas não pode ocorrer, quando
vejo ou (coisa que não mais distingo) quando penso ver, que eu,
que penso, não seja alguma coisa. Do mesmo modo, se julgo
que a cera existe, pelo fato de que a toco, seguir-se-á ainda a
mesma coisa, ou seja, que eu sou; e se o julgo porque minha
imaginação disso me persuade, ou por qualquer outra causa
que seja, concluirei sempre a mesma coisa. E o que notei aqui
a respeito da cera pode aplicar-se a todas as outras coisas que
me são exteriores e que se encontram fora de mim.

22 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

17. Ora, se a noção ou conhecimento da cera parece ser Vídeo/internet


mais nítido e mais distinto após ter sido descoberto não somente
pela visão ou pelo tato, mas ainda por muitas outras causas,

„„ https://goo.gl/P0BtLa
com quão maior evidência, distinção e nitidez não deverei eu
conhecer-me35, posto que todas as razões que servem para
conhecer e conceber a natureza da cera, ou qualquer outro
corpo, provam muito mais fácil e evidentemente a natureza „„ Filosofia da Educação – Descartes –
de meu espírito? E encontram-se ainda tantas outras coisas Univesp TV
Vídeo didático, bem-humorado, que
no próprio espírito que podem contribuir ao esclarecimento explica a obra e a vida do filósofo.
de sua natureza, que aquelas que dependem do corpo (como
esta) não merecem quase ser enumeradas.
18. Mas, enfim, eis que insensivelmente cheguei aonde
queria; pois, já que é coisa presentemente conhecida por mim Filme/Cinema
que, propriamente falando, só concebemos os corpos pela
faculdade de entender em nós existente e não pela imaginação
nem pelos sentidos, e que não os conhecemos pelo fato de
vê-los ou de tocá-las, mas somente por concebê-los pelo
pensamento, reconheço com evidência que nada há que me
seja mais fácil de conhecer do que meu espírito. Mas, posto
que é quase impossível desfazer-se tão prontamente de uma
antiga opinião, será bom que eu me detenha um pouco neste

„„ https://goo.gl/xDnNBW
ponto, a fim de que, pela amplitude de minha meditação, eu
imprima mais profundamente em minha memória este novo
conhecimento.
_________________
„„ Descartes (1974)
1
A primeira Meditação tem como peculiaridade o fato de não se tratar aí de
Direção: Roberto Rossellini
“estabelecer verdade alguma, mas apenas de me desfazer desses antigos prejuízos”.
Rossellini extrai trechos inteiros de
(Sétimas Respostas.)
algumas das obras fundamentais
Sua composição é a seguinte:
do pensador, como O Discurso do
§§ 1-3: o princípio da dúvida hiperbólica;
Método (1637) e as Meditações
§§ 3-13: argumentos que estendem e radicalizam a dúvida.
Metafísicas (1641), para compor as
(§ 3): argumento dos erros dos sentidos; (§§ 4-9): argumento do sonho;
ações “dramáticas” do personagem. São
(§§ 9-13): argumento que estende a dúvida ao valor objetivo das essências
procedimentos teóricos de Descartes,
matemáticas, em duas etapas: o Deus enganador; o Gênio Maligno.
cuja função seria fundar a autonomia do
2
A dúvida assim posta em ação: a) distinguir-se-á da dúvida vulgar pelo fato de ser
pensamento racional diante da fé. Vale
engendrada não por experiência, mas por uma decisão; b) será “hiperbólica”, isto é,
dizer que, naquela época, toda démarche
sistemática e generalizada; c) consistirá, pois, em tratar como falso o que é apenas
racionalista tinha de ser, também, uma
duvidoso, como sempre enganador o que alguma vez me enganou.
negociação com a autoridade religiosa.
3
Argumento do erro do sentido, primeiro grau da dúvida. É insuficiente para nos
Donde, nas Meditações, Descartes
fazer duvidar sistematicamente de nossas percepções sensíveis.
precisar, primeiro, ocupar-se das provas
4
Aqui começa o argumento do sonho, segundo grau da dúvida, que irá estendê-la a
da existência de Deus, para apenas depois
todo conhecimento sensível, ou pelo menos a seu conteúdo.
afirmar que o Cogito (a Razão) se sustenta
5
O segundo argumento encontra, pois, o seu limite: ele não me permite pôr em
por si só. “Eu sou, eu existo”, deduz,
dúvida os componentes de minhas percepções, a saber, as “naturezas simples”,
pelo simples fato de pensar. A conclusão
indecomponíveis (figura, quantidade, espaço, tempo), que são o objeto da
entrou para a história do conhecimento
Matemática. Tais elementos “escapam, contrariamente aos objetos sensíveis, a
como a frase famosa “Penso, logo existo”.
todas as razões naturais de duvidar’: sublinha Guéroult, apoiando-se no texto
da Meditação Quinta: “A natureza de meu espírito é tal que eu não me poderia
impedir de julgá-las verdadeiras enquanto as concebo clara e distintamente’”. Daí
a necessidade de recorrer ao terceiro argumento que abalará esta certeza “natural”.
6
Essa “opinião” é sustentada pelos teólogos das Segundas Objeções: Deus, dada sua
onipotência, pode nos enganar. Não é o parecer de Descartes: o engano em Deus
constituiria não só um sinal de malignidade, mas de não-ser. (Col. com Burman.)
Isso redunda em afirmar o valor tão somente metodológico dessa suposição
antinatural.
7
A consideração da bondade, por si só, não basta para invalidar a suposição. Cf. a
nota precedente.
8
A dúvida é agora universalizada.
9
A função do Deus enganador e do Gênio Maligno é a mesma: porém o Gênio
Maligno é um artifício psicológico que, impressionando mais a minha imaginação,
levar-me-á a tomar a dúvida mais a sério e a inscrevê-la melhor em minha memória
(“é preciso ainda que cuide de lembrar-me dela”).

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 23


Ensino Médio

Televisão/Filosofia 10
Esta insistência na dificuldade de exercer uma dúvida tão radical não é enfática;
quanto mais a dúvida for vivida como radical, mais as certezas que se impuserem, em
seguida, se apresentarão como inabaláveis. Tomar a dúvida levianamente é expor-se

„„ https://goo.gl/T3pkEE
a nada compreender da sequência das Meditações. A este propósito, cf. 203. - “Não
há erro mais grave”, diz Alain, “do que julgar que esta dúvida é fingida. Não há
também erro mais comum, porque poucos homens jogam este jogo seriamente.”
11
Plano da Meditação:
A) §§ 1-9: da natureza do espírito humano...:
§§ 1-4: conquista da primeira certeza:
„„ Programa Ser ou não Ser – Fantástico (§ § 1- 3): procura de uma primeira certeza;
– TV Globo (§ 4): “Eu sou, eu existo”;
O vídeo apresenta algumas das §§ 5-9: reflexão sobre esta primeira certeza e conquista da segunda:
principais ideias do filósofo, de modo (§ § 5-8): quem sou eu, eu que estou certo que sou? Uma coisa pensante.
didático e claro. Determinação da essência do Eu;
(§ 9): descrição da “coisa pensante” e distinção entre o pensamento (atributo
principal desta substância) e suas outras faculdades;
B) §§ 10-18: ... e de como ele é mais fácil de conhecer do que o corpo:
Contraprova da segunda certeza (o pedaço de cera) e conquista da terceira certeza.
Áudio/Internet 12
A primeira certeza adquirida não será, pois, a mais alta; deve apenas inaugurar a
cadeia das razões.
13
Retomemos o raciocínio. No ponto em que estou, não poderia eu ter a certeza da
„„ https://goo.gl/20CGhQ

existência de algum Deus? Não, nada o exige (e um dos princípios da análise dos
geômetras é o de não remontar a uma verdade superior àquela com que posso
me contentar). Irei invocar a certeza de minha existência como indivíduo, sujeito
concreto? Não, nada o permite. visto que pus em dúvida a existência de tudo o
que há “no mundo”... Mas cuidado! A “hesitação” aqui é ditada pelo medo de uma
confusão: fiel à regra da dúvida, não tenho motivo de abrir exceção em favor do
„„ Áudio de Mário Sérgio Cortella sobre a
homem concreto que sou; mas, aquém deste, há algo que irá resistir à dúvida. E
filosofia de René Descartes.
doravante o Eu não será mais este Eu de chambre e ao pé do fogo que a Primeira
Meditação evocava (como indica Goldschmidt, Congresso Descartes de Royaumont,
p. 53).
14
Essa frase evidencia bem o papel do “Grande Embusteiro”: impor a meus
Vídeo/Internet pensamentos uma prova de tal ordem que aquele que lhe resistir seja, quando não
garantido como verdadeiro (é impossível antes da prova da existência de Deus), pelo
menos recebido como certo. Se não fosse arrancado, extorquido ao Gênio Maligno,
„„ https://goo.gl/20CGhQ

o Cogito não passaria de uma banalidade. Sobre a originalidade do Cogito, cf. o fim
do opúsculo de Pascal: De l’Esprit Géométrique.
15
O fim da frase indica que ela só é verdadeira cada vez que penso nela atualmente.
É também uma transição, pois permitirá responder à pergunta que agora haverá
de colocar-se: qual é a natureza deste Eu - existente que acabo de afirmar?
16
Eu não conheço, ainda, o conteúdo desta existência que acabo de afirmar.
„„ Philosophy – René Descartes Importa, pois, encontrá-lo pela exclusiva análise dos dados do problema, isto é,
Canal: The School of Life por determinação, levando em conta tudo o que é dado, mas excluindo tudo o que
Vídeo animado, didático e esclarecedor não o é (a referência à Regra XII é aqui indispensável). Notar a frase “é preciso que
sobre as principais ideias de Descartes. eu atente com todo cuidado para não tomar imprudentemente alguma outra coisa
por mim”, que seria absurdo no plano da Psicologia e que se justifica apenas ao
nível de uma Álgebra das noções, comparável à “Álgebra dos comprimentos” das
Regulae.
17
Sobre este método de determinação do problema por segregação, cf. o diálogo:
Recherche de La Vérité (Pléiade, págs. 892-94). Ao interlocutor aturdido que acaba
de responder: “Diria, portanto, que sou um homem”, o cartesiano replica: “Não
prestais atenção ao que perguntei e a resposta que apresentais, embora vos
pareça simples, lançar-vos-ia em questões muito árduas e muito embaraçosas,
se eu quisesse apertá-las por menos que seja... Não entendestes bem a minha
pergunta e respondeis a mais coisas do que vos perguntei... Dizei-me, pois, o que
sois propriamente, na medida em que duvidais”
18
Cf. Respostas, 508.
19
Este conhecimento “natural” que eu tenho de mim mesmo antes da prova da dúvida
será inteiramente falso? Não. Se a alma é concebida à maneira dos escolásticos, em
troca a distinção entre o corpo e o espírito (indispensável à Física) está aí presente,
mas a título de opinião provável, sem fundamento. Cf. Respostas, 204.
20
Mudança de plano. Do pensamento inspirado por “minha natureza” passamos à só
ideia de mim mesmo compatível com a instauração da dúvida, da indeterminação
psicológica à determinação metafísica.
21
Entre todas as faculdades: 1) do corpo - 2) da alma, uma só, o pensamento, resiste
à exclusão. Vemos aqui a importância do fim do § 4: “Esta proposição – eu sou,
eu existo – é necessariamente verdadeira sempre que eu a pronuncio ou que eu a
concebo em meu espírito”. E ao refletir sobre esta inseparabilidade – único dado
que se encontra em minha posse – que obtenho imediatamente a natureza “daquilo
que sou”. Trata-se da primeira verdade da cadeia de razões.
22
“Anteriormente”, isto é, no plano em que nos colocava o parágrafo precedente, eu
podia proferir estas palavras, mas sem lhes ter determinado o sentido, portanto
sem conhecê-lo.

24 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

23
Sobre o fim desse parágrafo, cf. 505 e segs. Não há necessidade alguma de ir
procurar em outra parte uma resposta, visto que dei a única resposta que
respeitava os dados do problema: “Eu sou uma coisa que pensa”. Mas “o homem
natural” sente-se tentado a recorrer à imaginação a fim de completar esta resposta.
Há nisso uma inclinação que o parágrafo seguinte irá desenraizar.
24
O contraditor que retorquisse haver talvez em mim alguma outra faculdade
desconhecida situar-se-ia no plano da Psicologia e não das razões metafísicas. Um
dos princípios da análise é que não tenho o direito de arguir propriedades ainda
desconhecidas para combater as que se acham agora estabelecidas.
25
Em virtude desse princípio, não me é dado absolutamente o direito de recorrer à
imaginação, pois “tudo quanto posso compreender por seu meio” foi excluído pela
dúvida. Por aí eu sei, ao mesmo tempo, que minha natureza é puro pensamento
exclusivo de todo elemento corporal. E a segunda verdade, a qual não se deve
confundir com a distinção real entre a alma e o corpo, estabelecida somente na
Meditação Sexta. Cf. 5 10.
26
Cumpre observar a diferença relativamente à definição do § 7: “Isto é, um espírito,
um entendimento ou uma razão”. Aí se determinava a essência da substância
“coisa pensante”; aqui ela é descrita revestida de seus diferentes modos. Desse
novo ponto de vista, reintegra-se na “coisa pensante” o que fora excluído de sua
essência. Todos esses modos (imaginar, sentir, querer), embora não pertençam à
minha natureza, não podem ser postos em dúvida, na medida em que se beneficiam
da certeza do Cogito.
27
A saber, um pensamento: a) distinto dos corpos se os houver; b) distinto das
faculdades não propriamente intelectuais, como a imaginação, que só pertencem
porque implicam este pensamento puro.
28
Novo assalto do pensamento imaginativo inerente à “minha natureza” e do qual
não posso ainda me desprender: estou convencido, mas não persuadido. Daí a
necessidade de uma contraprova que servirá para estabelecer a terceira verdade.
Todas as figuras de retórica das Meditações, esta integra-se na ordem.
29
Em outros termos: façamos de conta que interrompemos a ordem a fim de seguir o
senso comum em seu próprio terreno. Sobre o fato de ser esta transgressão apenas
aparente, cf. o importantíssimo § 5 15 das Respostas.
30
Raciocínio em duas partes: 1.º o que me permite reconhecer a mesma cera é sua
identidade na medida em que a cera é coisa extensa; 2.º Mas este conteúdo só pode
ser ideia e não imagem da extensão que o corpo ocupa atualmente ou daquelas
(em número finito) que poderia ocupar em seguida. Cf. Quintas Respostas: “As
faculdades de entender e de imaginar diferem não só segundo o mais e o menos,
porém como duas maneiras de agir totalmente diferentes”.
31
Por onde fica provado não só que a imaginação não pode me dar a conhecer a
natureza dos corpos que se lhe apresentam (o que era o objetivo da contraprova),
mas ainda que o pensamento puro é o único capaz de fazê-lo.
32
Cf. 513, onde Descartes se defende de ter pretendido “abstrair o conceito da cera
de seus acidentes”. “Os acidentes são contingentes em relação à substância, mas
não a acidental idade”, especifica Guéroult. (Descartes, I, pág. 56.)
33
Tal é o sentido exato do “pedaço de cera”: eu nada posso conhecer através da percepção
ou da imaginação sem compreender (ou reconhecer), através do pensamento, a
essência da coisa. Tenho ou não razão de reconhecer esta essência? Não sei ainda.
Pois não se trata aqui de saber se eu disponho efetivamente do conhecimento da
essência do corpo, mas de saber em quais condições posso estar seguro de possuir
a ideia clara e distinta de corpo. Cf. Guéroult, op. cit., pp. 144-45.
34
Passamos, com este parágrafo, à confirmação da segunda verdade: quando percebo
o pedaço de cera, seja compreendendo clara e distintamente sua natureza, seja
apenas imaginando-o ou tocando-o, só uma coisa é certa, no ponto em que me
encontro. É que eu penso percebê-lo... Mostrando que este “pensamento” era
indispensável ao conhecimento da coisa, a análise precedente deu confirmação a
esta verdade.
35
É a terceira verdade: o espírito é mais fácil de conhecer do que o corpo. Com
efeito, obtenho imediatamente o conhecimento da existência e da natureza de meu
espírito, ao passo que o meu pensamento me proporciona apenas a ideia clara
e distinta dos corpos cuja existência ainda é problemática. Guéroult comenta:
“Quando Descartes declara que o conhecimento da alma é o mais fácil dos
conhecimentos, quer dizer que é a mais fácil das verdades científicas e o primeiro
dos conhecimentos na ordem da ciência. Não quer dizer que a ciência é mais fácil
do que o conhecimento vulgar. A passagem do senso comum à ciência é, com efeito,
a mais difícil das ascensões”. (Op. cit., p. 128.)

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 25


Ensino Médio

ATIVIDADE 1

1. (UFU/2013) Suporei, portanto, que há não um Deus ótimo, fonte soberana da verdade, mas algum
gênio maligno, e ao mesmo tempo, sumamente poderoso e manhoso, que põe toda a sua indústria
em que me engane: pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas
externas nada mais são do que ludíbrios dos sonhos, ciladas que ele estende à minha credulidade.
„„ DESCARTES, R. Meditações sobre Filosofia Primeira. Primeira Meditação /12/. Tradução de Fausto Castilho. Campinas: IFCH-Unicamp, 1999, p. 25.

a) Qual é, para Descartes, a relação existente entre o gênio maligno e a coisa pensante
(Res cogitans)?

b) Que argumento é utilizado por Descartes para afirmar a existência do Mundo?

2. (UFMG/2012) Leia este trecho:

Eis por que, talvez, daí nós não concluamos mal se dissermos que a Física, a Astronomia, a Medicina,
e todas as outras ciências dependentes da consideração das coisas compostas são muito duvidosas
e incertas; mas que a Aritmética, a Geometria, e as outras ciências desta natureza, que não tratam
senão de coisas muito simples e muito gerais, sem cuidarem muito em se elas existem ou não na
natureza, contêm alguma coisa de certo e indubitável. Pois, quer eu esteja acordado, quer esteja
dormindo, dois mais três formarão sempre o número cinco e o quadrado nunca terá mais do que
quatro lados; e não parece possível que verdades tão patentes possam ser suspeitas de alguma
falsidade ou incerteza.
„„ DESCARTES. Meditações, Meditação Primeira. Trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1983. p. 87.
(Os Pensadores)

Nesse trecho, o autor encontra nas matemáticas – aritmética e geometria – um conjunto de crenças
que, à primeira vista, resistem à sua resolução de se desfazer de todas as antigas convicções,
submetendo-as ao preceito metódico de tomar por falso tudo o que não seja absolutamente
indubitável. Por meio de uma suposição, entretanto, Descartes será capaz de colocar em dúvida
também as verdades matemáticas.

a) Apresente essa suposição.

b) Explique por que tal suposição é necessária para se estender a dúvida ao conhecimento
matemático.

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26 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

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Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 27


Ensino Médio

ATIVIDADE 2

HUMANÍSTICA
Assista ao vídeo ao lado (Inveja nas mídias sociais)
PROJETO VIDA
A nossa vida virtual Vamos falar sobre a nossa vida virtual nas redes sociais? Quem
sou eu no mundo virtual? Quem sou eu no mundo real? O que sinto
quando vejo a felicidade do meu amigo? Quanto tempo da minha
vida passo vendo a vida dos outros no Facebook? Por que tenho
a necessidade de postar instantaneamente tudo aquilo que faço?
(Retomada de Guy Debord – 1.ª Série EM) Quais são as diferenças,
semelhanças e interferências entre o real e o virtual? Alguns problemas
„„ https://goo.gl/TjkpnQ

começam no mundo virtual, nas redes sociais e migram para a


vida real? Aquilo que eu escrevo nas redes sociais é aquilo que eu
sou/penso?

Relatos de experiências pessoais podem e devem ser escritas aqui.


„„ Inveja nas mídias sociais

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28 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

„„TEXTO 2 – ENSAIO ACERCA DO Filosofia

ENTENDIMENTO HUMANO
LOCKE, John. In: Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Abril Cultural, 1973. p. 165.

Todas as ideias derivam da sensação ou reflexão.


Suponhamos que a mente é, como dissemos, um papel em
branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer

„„ https://goo.gl/eNnRDy
ideias; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto
estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem
pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde
apreende todos os materiais da razão e do conhecimento?
„„ John Locke (1632-1704)
A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o Foi um filósofo inglês e ideólogo do
nosso conhecimento está nela fundamentalmente o próprio liberalismo, sendo considerado o
principal representante do empirismo
conhecimento. Empregada tanto nos objetos sensíveis externos britânico e um dos principais teóricos do
como nas operações internas de nossas mentes, que são por contrato social.
nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação supre
nossos entendimentos com todos os materiais do pensamento.
Dessas duas fontes de conhecimento jorram todas as nossas
ideias, ou as que possivelmente teremos.

Vocabulário
ATIVIDADE 1

„„ https://goo.gl/Phc5Qy
Responda à questão abaixo.

(UNESP/2010) Segundo John Locke, filósofo britânico do século XVII,


a mente humana é como uma tábula rasa, uma folha em branco na
qual a experiência deixa suas marcas. Responda qual escola filosófica
ele pertenceu e explique duas de suas características. Tábula rasa: o conceito
será aplicado ao intelecto,
na tese epistemológica
________________________________________________________ que fundamenta o
empirismo – vertente
________________________________________________________ filosófica do século
XVII, segundo a qual
________________________________________________________ não existem ideias
inatas, sendo que todo
________________________________________________________ conhecimento se baseia
em dados da experiência
________________________________________________________
empírica.
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Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 29


Ensino Médio

HUMANÍSTICA
PROJETO VIDA
ATIVIDADE 2
Vamos falar sobre gênero?

Filme/cinema Se todos somos iguais ao nascermos (tábula rasa), qual a origem de


tantas distinções entre homens e mulheres?

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„„ https://goo.gl/4LwUei

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„„ A garota dinamarquesa (2015)
Direção: Tom Hooper ________________________________________________________
O filme retrata a história de Lili Elbe, uma
das primeiras transexuais a se submeter a
uma cirurgia.
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Revista/Educação
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„„ https://goo.gl/MB3frp

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„„ Capa da revista Nova Escola.
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30 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

„„TEXTO 3 – INVESTIGAÇÃO ACERCA DO Filosofia


ENTENDIMENTO HUMANO
David Hume. In: Coleção Os Pensadores, pp.59-64.

Seção V – Solução cética destas dúvidas

PRIMEIRA PARTE

„„ https://goo.gl/NyTEW4
Tanto a paixão filosófica como a paixão religiosa
parecem expostas — embora procurem extirpar nossos
vícios e corrigir nossos hábitos — ao inconveniente, quando
manejadas com imprudência, de servirem apenas para
encorajar uma inclinação predominante e conduzir o espírito „„ Investigação Acerca do Entendimento
resolutamente na direção que previamente mais o atraia, Humano é um livro de epistemologia
(Teoria do conhecimento) do filósofo
devido às tendências e inclinações do temperamento natural. escocês David Hume, publicado em 1748.
Certamente, enquanto aspiramos à magnânima firmeza do Nele, Hume apresenta sua teoria empirista
saber filosófico e tentamos encerrar nossos prazeres nos e a valorização ao ceticismo.

limites de nosso próprio espírito, podemos, finalmente, tornar


nossa filosofia, como aquela de Epicteto e outros estoicos,
num sistema mais refinado de egoísmo e persuadir-nos

„„ https://goo.gl/kQjeL2
racionalmente de nos desligar de toda virtude como também
de todos os prazeres sociais. Enquanto refletimos a propósito
da vaidade da vida humana e pensamos na natureza fútil
e transitória das riquezas e das honras, estamos, talvez, „„ Epicteto (55d.C.-135 d.C.)
durante todo este tempo, lisonjeando nossa indolência Foi um filósofo grego estoico que viveu a
maior parte de sua vida em Roma, como
natural que, por aversão à azáfama do mundo e à fadiga escravo, durante o governo de Nero.
dos negócios, procura um pretexto racional para entregar-se
completa e livremente à preguiça. Há, contudo, uma corrente
filosófica que parece menos exposta a este inconveniente, pois Vocabulário
ela não se liga a nenhuma paixão desordenada do espírito e
Estoicos: filosofia helenística
nem se alia a qualquer tendência ou propensão natural: é a que pregava a virtude e a razão
filosofia acadêmica ou cética. Os acadêmicos falam sempre como guia para uma vida feliz
da dúvida e da suspensão do juízo, do risco das resoluções e sem perturbações.
apressadas, em confinar as investigações do entendimento a Azáfama: excesso de pressa,
afobação na realização de
estreitos limites e em renunciar a todas as especulações que algum trabalho.
transbordam as fronteiras da vida e da prática cotidianas.
Fadiga: sensação de
Nada, por conseguinte, pode ser mais contrário a tal filosofia enfraquecimento resultante de
do que a indolente letargia do espírito, sua atrevida arrogância, esforço físico ou mental.
suas elevadas pretensões e sua credulidade supersticiosa. Ceticismo: doutrina segundo
Toda paixão é mortificada por ela, exceto o amor à verdade; a qual o espírito humano não
pode atingir nenhuma certeza
e esta paixão não é jamais, nem pode ser, elevada a um a respeito da verdade.
grau demasiado alto. É surpreendente, todavia, que esta
Empirismo: doutrina segundo
filosofia, que em quase todos os aspectos deve ser inofensiva a qual todo conhecimento
e inocente, seja o objeto de tantas acusações e de tantas provém unicamente da
experiência, limitando-se
censuras infundadas. Mas, talvez, a própria circunstância ao que pode ser captado do
que a torna tão inocente seja justamente o que a expõe ao ódio mundo externo, pelos sentidos.
e ao ressentimento públicos. Porque ela não adula nenhuma
paixão desordenada, não obtém muitos adeptos; porque ela
se opõe a tantos vícios e tantas tolices, levanta contra si um
grande número de adversários, que a estigmatizam como
profana, libertina e irreligiosa.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 31


Ensino Médio

Não temos necessidade de recear que esta filosofia,


enquanto trata de limitar nossas investigações à vida diária,
solape os raciocínios da vida diária e estenda suas dúvidas até
o ponto de destruir toda ação como também toda especulação.
A natureza manterá eternamente seus direitos e prevalecerá
sobre todos os raciocínios abstratos.1 Embora devêssemos
Filosofia
concluir, a exemplo da seção anterior, que em todos os
raciocínios derivados da experiência o espírito avança sem
apoiar-se em argumentos ou processo do entendimento, não
há perigo que estes raciocínios, dos quais depende quase todo
conhecimento, sejam afetados por tal descoberta. Se o espírito
não é levado a dar este passo por um argumento, deve ser
persuadido por outro princípio de igual peso e autoridade; e
este princípio manterá sua influência contanto que a natureza
humana permaneça invariável. Vale a pena investigar qual é a
„„ https://goo.gl/TUchlI

natureza deste princípio.


Suponde que um homem, dotado das mais poderosas
faculdades racionais, seja repentinamente transportado para
„„ Pirro de Élis (360-270 a.C.) este mundo; certamente, notaria de imediato a existência de
Filósofo grego nascido em Élis. É
considerado o primeiro filósofo cético uma contínua sucessão de objetos e um evento acompanhado
e fundador do pirronismo, corrente por outro, mas seria incapaz de descobrir algo a mais. De
que assegurava a impossibilidade do
conhecimento sobre qualquer coisa.
início, não seria capaz, mediante nenhum raciocínio, de chegar
à ideia de causa e efeito, visto que os poderes particulares
que realizam todas as operações naturais jamais se revelam
aos sentidos; nem é razoável concluir, apenas porque um
evento em determinado caso precede outro, que um é a
causa e o outro, o efeito. Esta conjunção pode ser arbitrária
História e acidental. Não há base racional para inferir a existência
de um pelo aparecimento do outro. E, numa palavra, aquele
homem, desprovido de experiência, jamais poderia conjeturar
ou raciocinar sobre qualquer questão de fato, nem teria
segurança de algo que não estivesse imediatamente presente
à sua memória ou aos seus sentidos.
Suponde de novo que o mesmo homem tenha adquirido
mais experiência e que tenha vivido o suficiente no mundo
„„ https://goo.gl/Ws53to

para observar que os objetos ou eventos familiares estão


constantemente ligados; qual é a consequência desta
experiência? Imediatamente infere a existência de um objeto
„„ Não confundir o Pirro cético com o Pirro pelo aparecimento do outro. Entretanto, não adquiriu, com
rei de Épiro e da Macedônia, conhecido toda a sua experiência, nenhuma ideia ou conhecimento do
pela expressão “vitória de Pirro” utilizada
para se referir a uma vitória obtida a alto
poder oculto, mediante o qual um dos objetos produziu o outro;
preço. e não será um processo do raciocínio que o obriga a tirar esta
inferência. Mas ele se encontra determinado a tirá-la; e mesmo
se ele fosse persuadido de que seu entendimento não participa
da operação, continuaria pensando o mesmo, porquanto há um
outro princípio que o determina a tirar semelhante conclusão.
Este princípio é o costume ou o hábito. Visto que todas
as vezes que a repetição de um ato ou de uma determinada
operação produz uma propensão a renovar o mesmo ato ou
a mesma operação, sem ser impelida por nenhum raciocínio
ou processo do entendimento, dizemos sempre que esta

32 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

propensão é o efeito do costume. Utilizando este termo, Filosofia


não supomos ter dado a razão última de tal propensão.
Indicamos apenas um princípio da natureza humana, que é “(...) de sua postura cética, a
filosofia se pode pensar sob
universalmente reconhecido e bem conhecido por seus efeitos. o prisma da comunicação,
Talvez não possamos levar nossas investigações mais longe da conversa, do diálogo, do
consenso e ... da relatividade.
e nem aspiramos dar a causa desta causa; porém, devemos E, assim pensada, pode
contentar-nos com que o costume é o último princípio que contribuir – e muito – para
podemos assinalar em todas as nossas conclusões derivadas da favorecer o entendimento
entre os homens: tendo
experiência. Já é, contudo, satisfação suficiente poder chegar destruído as suas verdades,
até aqui sem irritar-nos com nossas estreitas faculdades, ela poderá eventualmente
estreitas porque não nos levam mais adiante. Certamente, ensiná-los a conviver com
suas diferenças”.
temos aqui ao menos uma proposição bem inteligível, senão
uma verdade, quando afirmamos que, depois da conjunção PORCHAT PEREIRA,
Oswaldo. Vida comum
constante de dois objetos, por exemplo, calor e chama, peso e ceticismo. São Paulo:
e solidez, unicamente o costume nos determina a esperar um Brasiliense, 1993, p. 252.
devido ao aparecimento do outro. Parece que esta hipótese é
a única que explica a dificuldade que temos de, em mil casos,
tirar uma conclusão que não somos capazes de tirar de um
só caso, que não discrepa em nenhum aspecto dos outros. Vocabulário
A razão não é capaz de semelhante variação. As conclusões Método dedutivo (dedução):
tiradas por ela, ao considerar um círculo, são as mesmas raciocínio lógico que faz
uso da dedução para obter
que formaria examinando todos os círculos do universo. Mas uma conclusão a respeito de
ninguém, tendo visto somente um corpo se mover depois de determinada premissa. Ex.:
ter sido impulsionado por outro, poderia inferir que todos A=B; b=C; logo, por dedução
lógica e racional, A=C.
os demais corpos se moveriam depois de receberem impulso
igual. Portanto, todas as inferências tiradas da experiência Inferência: operação
intelectual mediante a qual
são efeitos do costume e não do raciocínio.2 se afirma a verdade de uma
proposição em decorrência
O costume é, pois, o grande guia da vida humana. E de sua ligação com outras
o único princípio que torna útil nossa experiência e nos faz proposições já reconhecidas
como verdadeiras. Nesse
esperar, no futuro, uma série de eventos semelhantes àqueles sentido, inferir é o mesmo que
que apareceram no passado. Sem a influência do costume, deduzir.
ignoraríamos completamente toda questão de fato que está fora Método indutivo (indução):
do alcance dos dados imediatos da memória e dos sentidos. raciocínio que, após considerar
Nunca poderíamos saber como ajustar os meios em função um número suficiente de casos
particulares, conclui uma
dos fins, nem como empregar nossas faculdades naturais verdade geral. Ex.: experiências
para a produção de um efeito. Seria, ao mesmo tempo, o fim científicas.
de toda ação como também de quase toda especulação.3 Costumes: são a maneira
cultural de uma sociedade
Mas aqui deve ser conveniente notar que, embora manifestar-se. A partir da
nossas conclusões derivadas da experiência nos levem além repetição, constituem regras
que, embora não escritas como
de nossa memória e de nossos sentidos e nos assegurem da as leis, tornam-se observáveis
realidade de fatos que ocorreram em lugares mais distantes e pela própria constituição de
em épocas remotas, é necessário que um fato esteja sempre fato da vida social.
presente aos sentidos e à memória, do qual podemos de início Hábito: ação que se
partir para tirar essas conclusões. Se um homem encontrasse repete com frequência e
regularidade; comportamento
num país deserto os remanescentes de edifícios suntuosos, que alguém aprende e repete
concluiria que o país, em tempos remotos, tinha sido cultivado frequentemente.
por habitantes civilizados; mas, se nada desta natureza lhe
ocorresse, jamais poderia chegar a semelhante inferência. Pela
história, conhecemos os eventos de épocas passadas; todavia,
devemos prosseguir consultando os livros que contêm estes
ensinamentos e, a partir daí, remontar nossas inferências de
um testemunho a outro até chegar às testemunhas oculares

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 33


Ensino Médio

e aos espectadores desses eventos remotos. Numa palavra, se


não partirmos de um fato presente à memória ou aos sentidos,
nossos raciocínios serão puramente hipotéticos; e seja qual for o
modo como estes elos particulares estejam ligados entre si, toda
a cadeia de inferência não teria nada que lhe servisse de apoio
e jamais por meio dela poderíamos chegar ao conhecimento
de uma existência real. Se vos perguntasse por que acreditais
em determinado fato que relatais, deveis indicar-me
alguma razão; e esta razão será um outro fato em conexão
com o primeiro. Entretanto, como não podeis proceder desta
Vídeo/Internet maneira in infinitum, deveis finalmente terminar por um fato
presente a vossa memória ou aos vossos sentidos, ou deveis
admitir que vossa crença é inteiramente sem fundamento.
„„ https://goo.gl/TyfYcb

Qual é, portanto, a conclusão de toda a questão? É


simples; no entanto, deve-se confessar que ela se acha muito
distante das teorias filosóficas correntes. Toda crença, em
„„ Philosophy – David Hume
The School of Life matéria de fato e de existência real, procede unicamente de
um objeto presente à memória ou aos sentidos e de uma
conjunção costumeira entre esse e algum outro objeto. Ou,
em outras palavras, como o espírito tem encontrado em
numerosos casos que dois gêneros quaisquer de objetos —
Vídeo/ Internet a chama e o calor, a neve e o frio — sempre têm estado em
conjunção, se, de novo, a chama ou a neve se apresentassem
aos sentidos, o espírito é levado pelo costume a esperar calor
ou frio, e a acreditar que esta qualidade existe realmente e que
se manifestaria se estivesse mais próxima de nós.4 Esta crença
„„ https://goo.gl/uX9Kjp

é o resultado necessário de colocar o espírito em determinadas


circunstâncias. E uma operação da alma tão inevitável como
quando nos encontramos em determinada situação para
sentir a paixão do amor quando recebemos benefícios; ou a
„„ David Hume
Unboxing Philosophy de ódio quando nos defrontamos com injustiças. Todas estas
operações são uma espécie de instinto natural que nenhum
raciocínio ou processo do pensamento e do entendimento é
capaz de produzir ou de impedir.5
A esta altura, poderíamos perfeitamente terminar nossas
pesquisas filosóficas. Na maioria dos problemas jamais
poderíamos adiantar um único passo; e em todas as questões
deveríamos terminar aqui, depois das mais incessantes e
curiosas investigações. Mas ainda nossa curiosidade será
perdoável, talvez digna de elogio, se nos levar a investigações
mais avançadas e nos fizer examinar com maior exatidão a
natureza desta crença e desta conjunção costumeira, isto é, de
onde ela procede. Por este meio podemos encontrar explicações
e analogias que satisfarão, ao menos, àqueles que amam as
ciências abstratas e se contentam com especulações que,
por mais rigorosas que sejam, ainda podem conservar certo
grau de dúvida e de incerteza. Quanto aos leitores de gosto
diverso, o resto desta seção não lhes é destinada, e, se eles
não a lerem, ainda assim podem compreender perfeitamente
as investigações posteriores.

34 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

_________________ Transversalidade:
1
A filosofia acadêmica ou cética designa a forma de filosofia da última Academia, que
Vamos falar sobre Bullying?
floresceu a partir do século IV a.C. Hume a distingue do ceticismo pirrônico (veja-
Explicitá-lo? Denunciá-lo?
-se seção XII), que é extremo e, segundo ele, um tipo de dogmatismo negativista,
pois, embora todos os argumentos racionais se mostrem defeituosos e inconclusos,
o homem deve decidir e tomar posição na vida prática. Os escritos filosóficos de
Cícero, profundamente marcados por esse tipo de ensino, exerceram considerável
influência na educação da maioria dos filósofos modernos, especialmente de Locke,
Berkeley e Hume. (Veja-se de Hume, An Inquiry concerning Hurnan Understanding,
ed. Hendel, Liberal Arts, 1955, p. 54, nota 1) [N. do T.]
2
Nada é mais útil aos escritores, mesmo os que escrevem a respeito de temas mo-

„„ https://goo.gl/iuX5Cz
rais, políticos ou físicos, do que distinguir entre a razão e a experiência e supor que
estas classes de argumentação são inteiramente diferentes entre si. As primeiras
são consideradas meros resultados de nossas faculdades intelectuais, as quais, ao
considerarem a priori a natureza das coisas e examinarem os efeitos, que devem
resultar de sua operação, estabelecem princípios particulares à ciência e à filosofia.
As últimas são supostas derivar inteiramente dos sentidos e da observação, por
meio dos quais sabemos o que é que resultou de fato da operação de objetos par-
ticulares e assim somos capazes de inferir o que resultará deles no futuro. Assim,
HUMANÍSTICA
por exemplo, as limitações e restrições do governo civil e de sua constituição legal
podem ser defendidas tanto mediante a razão, que refletindo sobre a debilidade e PROJETO VIDA
corrupção da natureza humana nos ensina que a nenhum homem se pode confiar Você não está sozinho!
uma autoridade ilimitada, como mediante a experiência e a história, que nos in-
formam dos enormes abusos que a ambição tem cometido em toda época e país,
devido a uma confiança tão imprudente.
A mesma distinção entre razão e experiência se verifica em todas as nossas deli-
berações acerca da conduta na vida. Deste modo, o estadista, o general, o médico
Vocabulário
e o mercador experientes são seguidos e inspiram confiança, enquanto o novato
Bullying: Termo da língua
inexperiente é, por mais bem-dotado de talentos naturais, desprezado e desconsi-
inglesa (bully = “valentão”) que
derado. Embora se admita que a razão pode formular conjeturas mais plausíveis
se refere a todas as formas de
sobre determinada conduta em determinadas condições, supõe-se, todavia, que ela
atitudes agressivas, verbais
é imperfeita sem o auxílio da experiência, pois esta é a única via capaz de conferir
ou físicas, intencionais e
estabilidade e certeza às máximas deduzidas mediante estudo e reflexão.
repetitivas, que ocorrem sem
Apesar da aceitação universal desta distinção, tanto nas etapas da vida ativa como
motivação evidente e são
especulativa, não terei escrúpulos em afirmar que é uma atitude errônea ou, ao
exercidas por um ou mais
menos, superficial.
indivíduos, causando dor e
Se examinarmos os argumentos em uma das ciências acima mencionadas e supor-
angústia, com o objetivo de
mos que eles são meros efeitos do raciocínio e da reflexão, verificaremos que termi-
intimidar ou agredir outra
nam pelo menos em alguma conclusão ou princípio geral, aos quais não podemos
pessoa sem ter a possibilidade
alegar outra razão a não ser a observação e a experiência. A única diferença entre
ou capacidade de se defender,
as máximas racionais e experimentais (estas vulgarmente consideradas resultan-
sendo realizadas dentro de
tes da mera experiência) consiste em que as primeiras não podem ser estabelecidas
uma relação desigual de forças
sem algum processo do pensamento e alguma reflexão sobre o que foi observado,
ou poder.
a fim de distinguir suas circunstâncias e traçar suas consequências; nas máxi-
mas experimentais, o evento experienciado é exata e completamente similar ao que „„ http://brasilescola.uol.com.br/
inferimos como resultado de uma situação particular qualquer. A história de um sociologia/bullying.htm
Nero ou de um Tibério nos levaria a temer semelhante tirania se nossos monarcas
estivessem livres das restrições do Senado e da Lei. Mas a constatação de qualquer
fraude ou crueldade na vida privada é suficiente, com o auxílio de alguma experiên-
cia, para alertar-nos do mesmo temor, porque serve de exemplo da corrupção geral
da natureza humana e nos mostra o perigo que poderíamos correr se depositásse-
mos inteira confiança na humanidade.
Nos dois casos a experiência é, em última análise, o fundamento de nossa inferên-
cia e conclusão.
Não há homem tão jovem e inexperiente que não tenha formado muitos e corretos
princípios sobre os assuntos humanos e a conduta na vida. Mas é preciso admitir Televisão/Internet
que, quando um homem procura exercê-los, está mais propenso a errar, até que
o tempo e experiências ulteriores lhe ampliem estes princípios e lhe ensinem seu
„„ https://goo.gl/YbWQFV

uso adequado e aplicação. Em toda situação ou incidente ha várias circunstâncias


particulares, aparentemente sem importância, que o homem mais bem-dotado está
inclinado a princípio a desdenhar, embora dependam delas a exatidão de suas
conclusões e, por conseguinte, a prudência de sua conduta. Sem mencionar que,
para um jovem principiante, os princípios e as operações gerais nem sempre se ma-
nifestam em ocasiões adequadas e nem podem ser imediatamente aplicados com a
devida calma e distinção. A verdade é que um homem que raciocina sem experiên- „„ Ser ou não ser – Fantástico – Rede Globo
cia não poderia raciocinar se olvidasse inteiramente a experiência; quando desig- Rótulos – A força do hábito
namos alguém com esta característica, fazemo-lo somente em sentido comparativo
e supomos que possui experiência em grau mais ou menos imperfeito (Hume).
3
Em outra passagem desta Investigação, Hume manifesta a esperança de que ‘a
filosofia, se cuidadosamente cultivada e encorajada pela atenção do público, possa
levar suas indagações ainda mais longe (isto é, da geografia mental) e descubra,
pelo menos em parte, as fontes e os princípios secretos que impulsionam o espírito
humano em suas operações (seção I, p. 68). A descoberta da função indispensável

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 35


Ensino Médio

do costume em todo conhecimento da experiência pode ser, talvez, classificada


como o avanço mais significativo naquela direção. (Veja-se Flew, ob. cit., p. 77.) [N.
do T.]
4
O costume é, portanto, o fator que nos faculta a antecipar que o futuro será seme-
lhante ao passado e nos leva a inferir de uma causa presente um efeito ausente.
O costume compreende também mais alguma coisa. As ideias introduzidas por
ele são inferências’ e não meras sugestões. A experiência que temos da conjunção
constante’ entre, por exemplo, chama e calor, ou neve e frio, determina-nos, quan-
do revemos a chama ou a neve, pelo “costume a esperar calor ou frio, e a acreditar
que esta realidade existe realmente e que se manifestaria se estivesse mais próxima
de nós”. Revela-se, assim, como o costume envolve e condiciona a crença. [N. do T.]
5
Hume escreve no Tratado que a “crença é mais propriamente um ato sensitivo do
que um aspecto cogitativo de nossa natureza” (1, iV, 1, p. 183). [N. do T.]

ATIVIDADE 1

Responda às questões abaixo.

1. (UEL/2013-ADAPTADA) Leia o texto a seguir.

Hume considerou não haver nenhuma razão para supor que, dado o que se chama um “efeito”,
deva haver uma causa invariavelmente unida a ele. Observamos sucessões de fenômenos: à noite
sucede o dia, ao dia, a noite etc.; sempre que se solta um objeto, ele cai no chão etc. Diante da
regularidade observada, concluímos que certos fenômenos são causas e outros, efeitos. Entretanto,
podemos afirmar somente que um acontecimento sucede a outro – não podemos compreender que
haja alguma força ou poder pelo qual opera a chamada “causa”, e não podemos compreender que
haja alguma conexão necessária entre semelhante “causa” e seu suposto “efeito”.
„„ FERRATER-MORA, J. Dicionário de Filosofia, Tomo I. São Paulo: Loyola, 2000, p.427.

Explicite a leitura que Hume faz do empirismo.

2. (UFU/2000-ADAPTADA) “O hábito é, pois, o grande guia da vida humana. É aquele princípio único
que faz com que nossa experiência nos seja útil e nos leve a esperar, no futuro, uma sequência de
acontecimentos semelhantes às que se verificaram no passado.
„„ Hume. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 146.

Comente, acerca do conhecimento verdadeiro, a crítica que Hume fez aos limites da experiência
sensível e ao princípio da causalidade vigente na filosofia moderna.

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36 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

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Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 37


Ensino Médio

Assista também
ATIVIDADE 2

„„ https://goo.gl/QN6Av5
Vamos falar sobre bullying? Explicitá-lo? Denunciá-lo? Pensar a
respeito do tema?
„„ Que papo é esse: Bullying Assista ao vídeo.
Todos nós somos responsáveis
Filme: Bullying – A Violência nas Escolas
„„ https://goo.gl/Nh3BO7

„„ https://goo.gl/5u8w4E
„„ Borboletas em voo
Relato de uma mulher que sofreu bullying.
Escreva aqui experiências vividas sobre o assunto (opcional). Vamos
falar sobre bullying? Vamos encontrar soluções em conjunto?

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„„ https://goo.gl/0rQ5f0

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„„ Globo Repórter – Bullying.
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38 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

„„TEXTO 4 – QUE É ESCLARECIMENTO Filosofia

(AUFKLÄRUNG)? 1784
Immanuel Kant

Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade,


da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade
de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro
indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se
a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas

„„ https://goo.gl/osCNKg
na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a
direção de outrem. Sapere aude! (Ouse saber!) Tem coragem
de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do
esclarecimento.
„„ Immanuel Kant (1724-1804)
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma Foi um filósofo prussiano, geralmente
tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há considerado como o último grande
filósofo dos princípios da era moderna.
muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter
maiorennes), continuem, no entanto de bom grado menores
durante toda a vida. São também as causas que explicam por
Sapere aude!
que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles.
É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes
de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem
consciência, um médico que por mim decide a respeito de
minha dieta, etc., então não preciso esforçar-me eu mesmo. Arte
Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente
pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios
desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo
o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do
mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram
a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente
embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente
estas tranquilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo
fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram,
mostram-lhes, em seguida, o perigo que as ameaça se tentarem
andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande,
pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de
algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar
tímido o indivíduo e atemorizá-lo em geral para não fazer outras
„„ https://goo.gl/WkZ8VN

tentativas no futuro.
É difícil, portanto, para um homem em particular
desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase
uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por „„ O navio dos loucos (1490-1500)
ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, Autor: Hieronymus Bosch – óleo sobre
madeira 58x33
porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Museu do Louvre, Paris
Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso “O homem em sua menoridade”
racional, ou, antes, do abuso de seus dons naturais, são os
grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse
só seria capaz de dar um salto inseguro mesmo sobre o mais
estreito fosso, porque não está habituado a este movimento
livre. Por isso são muito poucos aqueles que conseguiram,
pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade
e empreender então uma marcha segura.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 39


Ensino Médio

Vocabulário Que, porém, um público se esclareça a si mesmo é


Esclarecimento: tradução para perfeitamente possível; mais que isso, se lhe for dada a
o conceito alemão Aufklärung, liberdade, é quase inevitável. Pois, encontrar-se-ão sempre
também tradu­zido como alguns indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os
iluminismo, século das luzes,
ilustração. Foi um movimento tutores estabelecidos da grande massa, que, depois de terem
cultural da elite europeia no sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão em
século 18.
redor de si o espírito de uma avaliação racional do próprio
valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo.
Arte O interessante nesse caso é que o público, que anteriormente
foi conduzido por eles a este jugo, obriga-os daí em diante a
permanecer sob ele, quando é levado a se rebelar por alguns
de seus tutores que, eles mesmos, são incapazes de qualquer
esclarecimento. Vê-se assim como é prejudicial plantar
„„ https://goo.gl/izP7yl

preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que


foram seus autores ou predecessores destes. Por isso, um
público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento.
„„ A liberdade guiando o povo (1830) Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo
Autor: Eugène Delacroix pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, porém
Óleo sobre tela 260x325 nunca produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar.
Louvre-Lens, Lens
Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão
como cintas para conduzir a grande massa destituída de
“O homem em estado de pensamento.
maioridade corta os fios
invisíveis que o regem.” Para este esclarecimento, porém, nada mais se exige
senão LIBERDADE. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que
se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso público
de sua razão em todas as questões. Ouço, agora, porém,
Kant: Filosofia e exclamar de todos os lados: não raciocineis! O oficial diz:
Filosofar não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não
“(...) não é possível aprender raciocineis, mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis,
qualquer filosofia; (...) só é mas crede! (Um único senhor no mundo diz: raciocinai, tanto
possível aprender a filosofar,
ou seja, exercitar o talento quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis
da razão, fazendo-a seguir aqui por toda a parte a limitação da liberdade. Que limitação,
os seus princípios universais porém, impede o esclarecimento? Qual não o impede, e até
em certas tentativas
filosóficas já existentes, mas mesmo favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve
sempre reservando à razão o ser sempre livre e só ele pode realizar o esclarecimento entre
direito de investigar aqueles
princípios até mesmo em
os homens. O uso privado da razão pode, porém, muitas
suas fontes, confirmando-os vezes, ser muito estreitamente limitado, sem contudo por isso
ou rejeitando-os”. impedir notavelmente o progresso do esclarecimento. Entendo,
„„ KANT, Immanuel. Crítica da razão contudo, sob o nome de uso público de sua própria razão
pura. São Paulo: Ed. Abril Cultural, aquele que qualquer homem, enquanto SÁBIO, faz dela diante
1980, p.407.
do grande público do mundo letrado. Denomino uso privado
aquele que o sábio pode fazer de sua razão em um certo cargo
público ou função a ele confiado. Ora, para muitas profissões
que se exercem no interesse da comunidade, é necessário
um certo mecanismo, em virtude do qual alguns membros
da comunidade devem comportar-se de modo exclusivamente
passivo para serem conduzidos pelo governo, mediante uma
unanimidade artificial, para finalidades públicas, ou pelo
menos devem ser contidos para não destruir essa finalidade.
Em casos tais, não é sem dúvida permitido raciocinar, mas

40 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

deve-se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da


máquina se considera ao mesmo tempo membro de uma
comunidade total, chegando até a sociedade constituída Vocabulário
pelos cidadãos de todo o mundo, portanto na qualidade de Títere – Fantoche –
sábio que se dirige a um público, por meio de obras escritas Marionete: boneco que se
de acordo com seu próprio entendimento, pode certamente move por cordéis e engonços,
imitando gestos humanos.
raciocinar, sem que por isso sofram os negócios a que ele está
sujeito em parte como membro passivo. Assim, seria muito

„„ https://goo.gl/e1Elgn
prejudicial se um oficial, a que seu superior deu uma ordem,
quisesse pôr-se a raciocinar em voz alta no serviço a respeito
da conveniência ou da utilidade dessa ordem. Deve obedecer.
Mas, razoavelmente, não se lhe pode impedir, enquanto
homem versado no assunto, fazer observações sobre os erros
no serviço militar, e expor essas observações ao seu público,
para que as julgue. O cidadão não se recusar a efetuar o Religião
pagamento dos impostos que sobre ele recaem; até mesmo Assista ao vídeo
a desaprovação impertinente dessas obrigações, se devem
ser pagas por ele, pode ser castigada como um escândalo

„„ https://goo.gl/EH5zq0
(que poderia causar uma desobediência geral). Exatamente,
apesar disso, não age contrariamente ao dever de um cidadão
se, como homem instruído, expõe publicamente suas ideias
contra a inconveniência ou a injustiça dessas imposições.
Do mesmo modo também o sacerdote está obrigado a fazer „„ A religião como controle social.
“O homem em estado de menoridade”.
seu sermão aos discípulos do catecismo ou à comunidade,
de conformidade com o credo da Igreja a que serve, pois
foi admitido com esta condição. Mas, enquanto sábio, tem Literatura
completa liberdade, e até mesmo o dever, de dar conhecimento
ao público de todas as suas ideias, cuidadosamente
examinadas e bem intencionadas, sobre o que há de errôneo
naquele credo, e expor suas propostas no sentido da melhor
instituição da essência da religião e da Igreja. Nada existe
aqui que possa constituir um peso na consciência. Pois aquilo
que ensina em decorrência de seu cargo como funcionário da
Igreja, expõe-no como algo em relação ao qual não tem o livre
poder de ensinar como melhor lhe pareça, mas está obrigado
a expor segundo a prescrição de um outro e em nome deste.
Poderá dizer: nossa igreja ensina isto ou aquilo; estes são os
fundamentos comprobatórios de que ela se serve.
Tira então toda utilidade prática para sua comunidade
de preceitos que ele mesmo não subscreveria, com „„ Como me Tornei Estúpido
Autor: Martin Page
inteira convicção, em cuja apresentação pode contudo se Para o jovem Antoine, a inteligência e a
comprometer, porque não é de todo impossível que em seus consciência crítica se transformam em
empecilhos para alcançar a felicidade na
enunciados a verdade esteja escondida. Em todo caso, porém, sociedade atual. Por isso, o anti-herói
pelo menos nada deve ser encontrado aí que seja contraditório criado pelo autor francês decide investir na
com a religião interior. Pois se acreditasse encontrar esta idiotice como forma de sobrevivência.
contradição não poderia em sã consciência desempenhar
sua função, teria de renunciar. Por conseguinte, o uso que
um professor empregado faz de sua razão diante de sua
comunidade é unicamente um uso privado, porque é sempre
um uso doméstico, por grande que seja a assembleia. Com

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 41


Ensino Médio

Poesia relação a esse uso ele, enquanto padre, não é livre nem tem o
Nós vos pedimos com direito de sê-lo, porque executa uma incumbência estranha.
insistência: Já como sábio, ao contrário, que por meio de suas obras fala
Nunca digam – Isso é natural para o verdadeiro público, isto é, o mundo, o sacerdote, no
diante dos acontecimentos de
cada dia. uso público de sua razão, goza de ilimitada liberdade de fazer
Numa época em que reina a uso de sua própria razão e de falar em seu próprio nome. Pois
confusão,
em que escorre o sangue,
o fato de os tutores do povo (nas coisas espirituais) deverem
em que se ordena a desordem, ser eles próprios menores constitui um absurdo que dá em
em que o arbítrio tem força de resultado a perpetuação dos absurdos.
lei,
em que a humanidade se
desumaniza...
Mas não deveria uma sociedade de eclesiásticos, por
Não digam nunca – Isso é exemplo, uma assembleia de clérigos, ou uma respeitável
natural! classe (como a si mesma se denomina entre os holandeses)
Para que nada passe a ser
imutável. estar autorizada, sob juramento, a comprometer-se com um
certo credo invariável, a fim de por este modo de exercer uma
Eu peço com insistência incessante supertutela sobre cada um de seus membros e por
Não diga nunca – Isso é
natural meio dela sobre o povo, e até mesmo a perpetuar essa tutela?
Isto é inteiramente impossível, digo eu. Tal contrato, que
Sob o familiar,
Descubra o insólito,
decidiria afastar para sempre todo ulterior esclarecimento do
Sob o cotidiano, desvele o gênero humano, é simplesmente nulo e sem validade, mesmo
inexplicável. que fosse confirmado pelo poder supremo, pelos parlamentos
Que tudo o que é considerado e pelos mais solenes tratados de paz. Uma época não pode se
habitual aliar e conjurar para colocar a seguinte em um estado em que
Provoque inquietação, se torne impossível para esta ampliar seus conhecimentos
Na regra, descubra o abuso,
E sempre que o abuso for (particularmente os mais imediatos), purificar-se dos erros e
encontrado, avançar mais no caminho do esclarecimento. Isto seria um
Encontre o remédio.
crime contra a natureza humana, cuja determinação original
consiste precisamente neste avanço. E a posteridade está
portanto plenamente justificada em repelir aquelas decisões,
„„ https://goo.gl/SMM11x

tomadas de modo não autorizado e criminoso. Quanto ao


que se possa estabelecer como lei para um povo, a pedra de
toque está na questão de saber se um povo se poderia ter ele
próprio submetido a tal lei. Seria certamente possível, como
„„ Bertolt Brecht (1898-1956)
se à espera de lei melhor, por determinado e curto prazo, e
“Maioridade humana” para introduzir certa ordem. Ao mesmo tempo, se franquearia
a qualquer cidadão, especialmente ao de carreira eclesiástica,
na qualidade de sábio, o direito de fazer publicamente, isto é,
por meio de obras escritas, seus reparos a possíveis defeitos
das instituições vigentes. Estas últimas permaneceriam
intactas, até que a compreensão da natureza de tais coisas
se tivesse estendido e aprofundado, publicamente, a ponto de
tornar-se possível levar à consideração do trono, com base em
votação, ainda que não unânime, uma proposta no sentido
de proteger comunidades inclinadas, por sincera convicção,
a normas religiosas modificadas, embora sem detrimento
dos que preferissem manter-se fiéis às antigas. Mas é
absolutamente proibido unificar-se em uma constituição
religiosa fixa, de que ninguém tenha publicamente o direito
de duvidar, mesmo durante o tempo de vida de um homem,
e com isso por assim dizer aniquilar um período de tempo
na marcha da humanidade no caminho do aperfeiçoamento,

42 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

e torná-lo infecundo e prejudicial para a posteridade. Um Música/Arte


homem sem dúvida pode, no que respeita à sua pessoa, e
mesmo assim só por algum tempo, na parte que lhe incumbe,
adiar o esclarecimento. Mas renunciar a ele, quer para si

„„ https://www.youtube.com/watch?v=4dZpvh0c1UM
mesmo quer ainda mais para sua descendência, significa ferir
e calcar aos pés os sagrados direitos da humanidade. O que,
porém, não é lícito a um povo decidir com relação a si mesmo,
menos ainda um monarca poderia decidir sobre ele, pois sua
autoridade legislativa repousa justamente no fato de reunir a
vontade de todo o povo na sua. Quando cuida de toda melhoria,
verdadeira ou presumida, coincida com a ordem civil, pode
deixar em tudo o mais que seus súditos façam por si mesmos
o que julguem necessário fazer para a salvação de suas almas. „„ Gabriel o Pensador
Isto não lhe importa, mas deve apenas evitar que um súdito
impeça outro por meios violentos de trabalhar, de acordo com
Retrato de um Playboy
toda sua capacidade, na determinação e na promoção de si. (Juventude Perdida)
Causa mesmo dano a sua majestade quando se imiscui nesses
“Não sei o que é a vida, não penso
assuntos, quando submete à vigilância do seu governo os não
escritos nos quais seus súditos procuram deixar claras suas Sonho, praia, surfe e chopp essa é
minha realidade,
concepções. O mesmo acontece quando procede assim não Não saio disso porque me falta
só por sua própria concepção superior, com o que se expõe personalidade
Não tenho cérebro, apenas me
à censura: Ceaser non est supra grammaticos, mas também enquadro no sistema,
Ser tapado é minha sina, ser
e ainda em muito maior extensão, quando rebaixa tanto seu playboy é meu problema
poder supremo que chega a apoiar o despotismo espiritual de Faço só o que os outros fazem, acho
isso legal”
alguns tiranos em seu Estado contra os demais súditos.
“Eu não sei nada dessa vida e desse
Se for feita então a pergunta: “vivemos agora uma época mundo onde estou,
E quando eu saio na rua que eu
esclarecida”?, a resposta será: “não, vivemos em uma época vejo o merda que eu sou
de esclarecimento. Falta ainda muito para que os homens, Sem ter o que fazer, sem ter o que
pensar,
nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa Eu encho a cara de bebida até
vomitar
situação, ou possam ser colocados nela, na qual em matéria E os meus falsos amigos que vão lá
religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom de seu me carregar
São os mesmos que depois só vão
próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente me sacanear
temos claros indícios de que agora lhes foi aberto o campo Mas na cabeça da galera também
não tem nada,
no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem Somos um monte de merda dentro
progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento da mesma privada,”

geral ou à saída deles, homens, de sua menoridade, da qual


são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a Retrato de um Playboy: “o
época do esclarecimento ou o século de Frederico. homem em seu estado de
menoridade”
Um príncipe que não acha indigno de si dizer que considera
um dever não prescrever nada aos homens em matéria
religiosa, mas deixar-lhes em tal assunto plena liberdade,
que, portanto, afasta de si o arrogante nome de tolerância,
é realmente esclarecido e merece ser louvado pelo mundo
agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira
vez libertou o gênero humano da menoridade, pelo menos por
parte do governo, e deu a cada homem a liberdade de utilizar
sua própria razão em todas as questões da consciência moral.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 43


Ensino Médio

Filosofia Sob seu governo os sacerdotes dignos de respeito podem, sem


prejuízo de seu dever funcional, expor livre e publicamente,
“Por vezes, as pessoas não na qualidade de súditos, ao mundo, para que os examinasse,
querem ouvir a verdade,
porque não desejam seus juízos e opiniões num ou noutro ponto discordantes
que suas ilusões sejam do credo admitido. Com mais forte razão isso se dá com os
destruídas.”
outros, que não são limitados por nenhum dever oficial. Este
espírito de liberdade espalha-se também no exterior, mesmo
nos lugares em que tem de lutar contra obstáculos externos
estabelecidos por um governo que não se compreende a si
mesmo. Serve de exemplo para isto o fato de num regime de
liberdade a tranquilidade pública e a unidade da comunidade
„„ https://goo.gl/Wv9TAk

não constituírem em nada motivo de inquietação. Os homens


se desprendem por si mesmos progressivamente do estado
de selvageria, quando intencionalmente não se requinta em
conservá-los nesse estado.
„„ Nietzsche (1844-1900)
Foi um filósofo alemão do século 19.
Acentuei preferentemente em matéria religiosa o ponto
principal do esclarecimento, a saída do homem de sua
Vocabulário menoridade, da qual tem a culpa. Porque no que se refere às
Autonomia: segundo Kant
artes e ciências nossos senhores não têm nenhum interesse
(1724-1804), capacidade em exercer a tutela sobre seus súditos, além de que também
da vontade humana de se aquela menoridade é de todas a mais prejudicial e a mais
autodeterminar segundo uma
legislação moral por ela mesma desonrosa. Mas o modo de pensar de um chefe de Estado que
estabelecida, livre de qualquer favorece a primeira vai ainda além e compreende que, mesmo
fator estranho ou exógeno com no que se refere à sua legislação, não há perigo em permitir
uma influência subjugante,
tal como uma paixão ou uma a seus súditos fazer uso público de sua própria razão e
inclinação afetiva incoercível. expor publicamente ao mundo suas ideias sobre uma melhor
Gr. autonomía “direito de compreensão dela, mesmo por meio de uma corajosa crítica
reger-se segundo leis próprias”. do estado de coisas existentes. Um brilhante exemplo disso é
que nenhum monarca superou aquele que reverenciamos.
Mas também somente aquele que, embora seja ele próprio
esclarecido, não tem medo de sombras e ao mesmo tempo tem
à mão um numeroso e bem disciplinado exército para garantir
a tranquilidade pública, pode dizer aquilo que não é lícito a um
Estado livre ousar: raciocinais tanto quanto quiserdes e sobre
qualquer coisa que quiserdes; apenas obedecei! Revela-se aqui
uma estranha e não esperada marcha das coisas humanas;
como, aliás, quando se considera esta marcha em conjunto,
quase tudo nela é um paradoxo. Um grau maior de liberdade
civil parece vantajoso para a liberdade de espírito do povo e, no
entanto, estabelece para ela limites intransponíveis; um grau
menor daquela dá a esse espaço o ensejo de expandir-se tanto
quanto possa. Se, portanto, a natureza por baixo desse duro
envoltório desenvolveu o germe de que cuida delicadamente,
a saber, a tendência e a vocação ao pensamento livre, este
atua em retorno progressivamente sobre o modo de sentir do
povo (com o que este se torna capaz cada vez mais de agir de
acordo com a liberdade), e finalmente até mesmo sobre os
princípios do governo, que acha conveniente para si próprio
tratar o homem, que agora é mais do que simples máquina, de
acordo com a sua dignidade.
„„ http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/b47.pdf

44 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

ATIVIDADE 1

Crie, escreva, invente a letra de uma música, que aborde a temática presente no texto de Kant (O que
é esclarecimento?) e na música de Gabriel o Pensador (Retrato de um Playboy). Compartilhe com seus
colegas suas ideias.

Data da apresentação em sala de aula: _____/_____/_____

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Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 45


Ensino Médio

Filmes sobre o universo


das drogas. Vale a pena
assistir. ATIVIDADE 2

TRANSVERSALIDADE: VAMOS FALAR SOBRE DROGAS?

Assista à animação: Nuggets.

„„ https://www.youtube.com/
watch?v=HUngLgGRJpo
„„ https://goo.gl/ybsDQu

„„ Trainspotting – Sem Limites (1996)


Diretor: Danny Boyle Há uma relação entre o homem da menoridade com aqueles que
utilizam drogas para se sentirem melhores, superiores? Caso sinta-se
à vontade, relate suas experiências com as drogas, inclua em sua
reflexão as drogas lícitas (álcool e cigarro).

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„„ https://goo.gl/5Z9LRw

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„„ Requiem para um sonho (2000)
Diretor: Darren Aronofsky
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46 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

„„TEXTO 5 – ORIGEM DO CONHECIMENTO


(SÍNTESE DAS EPISTEMOLOGIAS DE
DIVERSOS FILÓSOFOS DA MODERNIDADE)

Qual a origem do conhecimento:


a razão ou a experiência?

Algumas respostas filosóficas:

1. Racionalismo
Para o racionalismo a razão é a fonte principal do
conhecimento. O conhecimento sensível é considerado
enganador. Por isso, as representações da razão são as mais
certas e as únicas que podem conduzir ao conhecimento
logicamente necessário e universalmente válido.
A razão é capaz de conhecer a estrutura da realidade
a partir de princípios puros da própria razão. A ordenação
lógica do mundo permite compreender a sua estrutura de
forma dedutiva. O racionalismo segue, neste aspecto, o modelo
matemático de dedução a partir de um reduzido número de
axiomas.
Os racionalistas partem do princípio de que o sujeito
cognoscente é ativo e, ao criar uma representação de qualquer
objeto real, está a submetê-lo às suas estruturas ideias.
Entre os filósofos que assumiram uma perspectiva
racionalista do conhecimento, destacam-se Platão, René
Descartes (1596-1650), Spinoza (1632-1677) e Leibniz
(1646-1716), quepartem do princípio de que possuímos  ideias
inatas e de que é a realidade é uma construção da razão.
a) Descartes é considerado o fundador do racionalismo
moderno. As fases da sua filosofia podem ser resumidas
da seguinte maneira:
• Objetivo. Atingir verdades indiscutíveis, deduzidas
logicamente, a partir de uma evidência irrefutável.
• Dúvida metódica: Para atingir um conhecimento
absoluto, tem que eliminar tudo o que seja susceptível
de dúvida. Nesse sentido, começa por suspender
todos os conhecimentos susceptíveis de serem postos
em causa. Descobre que todos os dados dos sentidos
podem enganá-lo.
• Primeira evidência. Ao pôr tudo em dúvida, e enquanto
o faz, descobre que a única coisa que resiste à própria
duvida é a razão. Esta seria a primeira verdade absoluta
da filosofia. “Eu penso, logo existo” (cogito).
• Ideias inatas.  Descobre ainda que possuímos ideias,
como a ideia de perfeição, que se impõem à razão como
verdadeiras, mas que não derivam da experiência, nem

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 47


Ensino Médio

foram por nós criadas. Atribui a sua criação a Deus


(prova da existência de Deus).
• Deus – garantia da verdade. Sendo a bondade um dos
atributos de Deus, certamente que Ele não nos engana,
logo as ideias inatas são verdadeiras. Deus é, assim, a
garantia da possibilidade do acesso à verdade.
• Dualismo. Deduz uma divisão nas coisas:
Aquilo cuja existência se revelou irrefutável, corresponde
à res cogitans, isto é, à razão (“pensamento”, “espírito”,
“alma” ou “entendimento”). Apresenta-se como
inextensa e livre.
Aquilo cuja existência e determinação levanta dúvidas
corresponde à res extensa, isto é, ao mundo exterior
(corpos físicos). Os corpos são determinados pela sua
extensão, movimento, forma, tamanho, quantidade,
lugar e tempo. O mundo físico é assim desespiritualizado,
pois está submetido às leis da física, mecânicas.
• Dedução. Só com base nessas ideias claras e distintas,
segundo Descartes, se poderia construir por dedução
um conhecimento universal e necessário.

2. Empirismo
Para o empirismo a experiência é a fonte de todo o
conhecimento, mas também o seu limite. Os empiristas
negam a existência de ideias inatas, como defendiam Platão e
Descartes. A mente está vazia antes de receber qualquer tipo
de informação proveniente dos sentidos. Todo o conhecimento
sobre as coisas, mesmo aquele em que se elaboram leis
universais, provém da experiência, por isso mesmo só é válido
dentro dos limites do observável.
Os empiristas reservam para a razão a função de uma
mera organização de dados da experiência sensível, sendo as
ideias ou os conceitos da razão simples cópias ou combinações
de  dados provenientes da experiência.
Entre os filósofos que assumiram uma perspectiva
empirista destacam-se John Locke (1632-1704) e David
Hume (1711-1776).
a) Locke afirma que o conhecimento começa do
particular para o geral, da impressões sensoriais
para a razão. O espírito humano é uma espécie de
“tábua rasa”, na qual se agravarão as impressões
provenientes do mundo exterior. Não há ideias nem
princípios inatos. Nenhum ser humano por mais
genial que seja é capaz de construir ou inventar ideias,
nem sequer é capaz de destruir as que existem. As
ideias, quer sejam provenientes das sensações, quer
provenham da reflexão, têm sempre na experiência a
sua origem. As ideias complexas não são mais do que

48 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

combinações realizadas pelo entendimento de ideias


simples formadas a partir da recepção dos dados
empíricos. A experiência é não apenas a origem de
todas as ideias, mas também o seu limite.
b) Hume rejeita, como Locke, o inatismo cartesiano. As
ideias são o resultado de uma reflexão das impressões
(sensações) recebidas das experiências sensíveis. A
imaginação permite-nos associar ideias simples entre
si para formar ideias complexas. 
Exemplo de ideias simples decorrentes das impressões:
vermelho, tomates, macio.
Exemplo da formação de ideias complexas a partir de
ideias simples: os tomates são vermelhos e macios.
Qualquer ideia tem assim origem em impressões
sensoriais. As impressões não nos dão a realidade, mas
são a própria realidade. Por isso podemos dizer que estas
são verdadeiras ou falsas. As ideias só são verdadeiras se
procederam de impressões. Neste sentido, todas aquelas que
não correspondam a impressões sensíveis são falsas ou meras
ficções, como é o caso das ideias de “substância espírito”,
“causalidade”, pois não correspondem a algo que exista.

Tipos de Conhecimento Segundo Hume


Distingue dois tipos de conhecimento:
1. Conhecimento resultante das relações entre
ideias. Nesta categoria incluem-se a aritmética, a álgebra e a
geometria. Estamos perante raciocínios demonstrativos, cujas
conclusões são independentes da realidade e se apresentam
como necessárias.
2. Conhecimento resultante da relação entre fatos.
Esses raciocínios são indutivos, logo apenas prováveis.
Correspondem em geral a relações de causa-efeito.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 49


Ensino Médio

A Questão da Causalidade Segundo Hume


Introduz um dado novo nas teses empiristas quando
afirma que a identidade entre a ordem das coisas e a ordem
das ideias resulta de hábitos mentais ou na crença que existe
uma ligação necessária entre os fenômenos. A ligação causal
entre os fenômenos não é algo que possa ser observado. O que
observamos é uma sucessão cronológica de fenômenos, em
que uns são anteriores a outros.
Essa sucessão leva-nos a concluir que o acontecimento
A foi causado pelo acontecimento B, mas o que efetivamente
observamos foi que o primeiro se seguiu ao segundo. Não
observamos a relação causal entre os fenômenos. A ligação
que estabelecemos, segundo Hume, resulta de um hábito.
Acreditamos que a natureza é regida por leis invariáveis
de causa-efeito, mas tal não passa de uma ilusão. Embora
no passado uma dada sucessão de acontecimentos se possa
ter verificado, nada nos garante que no futuro tal venha a
acontecer. Apesar disso continuamos a afirmá-lo como se fosse
uma certeza absoluta. O nosso conhecimento está alicerçado
em crenças. Os fundamentos da ciência são, deste modo, de
natureza psicológica.
Essa crítica ao conceito da causalidade terá profundas
repercussões em filósofos posteriores, como I. Kant
(1724-1804).

Ceticismo 
Hume acaba por cair numa posição cética sobre o
conhecimento.
1. Estamos limitados pela experiência e, por
consequência tudo aquilo que não possa ser observado
não existe. O conhecimento da natureza deve fundar-se
exclusivamente em impressões que dela temos. Desta premissa
decorre o seu ceticismo: o homem não pode conhecer ou
saber nada do universo. Só conhece as suas próprias
impressões ou ideias e as relações que estabelece entre
elas por hábito. Tudo o que o homem sabe, por discurso
racional, acerca do universo se deve única e exclusivamente
à crença, que é um sentimento não racional. A razão está
limitada no seu poder.
2. Questiona o princípio da causalidade em que se
baseiam as ciências da natureza, pois não passa de uma
crença.
3. Questiona também os fundamentos lógicos da
indução, ao afirmar que, pelo fato de algo ter acontecido
muitas vezes no passado, não significa que venha a acontecer
no futuro. O futuro não existe e como tal não é do domínio do
conhecimento.

50 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

O debate histórico entre racionalistas e empiristas, em


final do século XVIII, conduziu ao criticismo que procurou
superar as limitações de ambas as correntes filosóficas.

3. Criticismo
Kant (1724-1804). Todo o conhecimento inicia-se com a
experiência, mas este é organizado pelas estruturas a priori do
sujeito. Segundo Kant o conhecimento é a síntese do dado
na nossa sensibilidade (fenômeno) e daquilo que o nosso
entendimento produz por si (conceitos). O conhecimento
nunca é, pois, o conhecimento das coisas “em si”, mas das
coisas “em nós”.

“O que podemos conhecer?” Essa foi a questão inicial


que orientou a sua investigação. Ao contrário dos empiristas,
afirmou que a mente humana não era uma “folha em branco”,
mas sim constituída por um conjunto de estruturas inatas
que recebiam, filtravam, davam forma e interpretavam as
impressões externas.

a) Sensibilidade
A sensibilidade é uma faculdade que nos permite receber
ou perceber objetos mediante impressões (sensações) através
dos sentidos externos. Estas impressões são percepcionadas
no espaço e no tempo, formas puras (vazias) que fazem
parte das estruturas cognitivas inatas do sujeito. Elas são
a condição indispensável para que possamos ter acesso ao
conhecimento sensível (empírico).

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 51


Ensino Médio

b) Entendimento
O entendimento é uma faculdade que nos permite dar
forma, unificar e ordenar os dados recebidos da sensibilidade.
Para produzir conhecimentos (juízos), utiliza 12 categorias
(causa, substância, etc); cuja função é estabelecer relações
entre fenômenos (julgamentos). Os juízos são, pois, operações
de interpretação e organização dos dados sensoriais. O
conhecimento resulta da aplicação dessas categorias
(conceitos puros) à experiência.
Classificou os juízos em três tipos:
• Juízos analíticos. Ex: “O triângulo tem três lados”. O
predicado está contido sujeito. Trata-se de um juízo
a priori, isto é, não está dependente da experiência.
Esse tipo de juízo é universal e necessário.
• Juízos sintéticos. Ex. “Os lisboetas medem mais do
que 1,3 metros de altura”. O predicado acrescenta
elementos novos ao sujeito. Trata-se de um juízo a
posteriori, pois assenta em dados da experiência e
carece desta como comprova. Esse tipo de juízo não é
universal, nem necessário.
• Juízos sintéticos a priori (a sua principal inovação
teórica). Ex.: “Uma reta é a menor distância entre
dois pontos”. Esse juízo acrescenta algo de novo ao
sujeito, mas não está dependente da experiência.
Esse tipo de juízo é universal e necessário.

c) Razão
A razão tem a função de sintetizar os conhecimentos,
dando-lhes uma unidade mais elevada. Não trabalha
sobre os conhecimentos sensoriais, mas sobre os juízos do
entendimento. Elabora juízos dos juízos, produzindo “ideias”
que ultrapassam os limites da experiência.

d) Fenômeno/Númeno
A teoria do conhecimento de Kant estabelece uma clara
distinção entre “fenômeno” e “númeno”.
• O Fenômeno (“aquilo que se manifesta”) corresponde
à realidade empírica, produzindo nos nossos
sentidos impressões (sensações). É o limite de todo
o conhecimento possível. Kant neste ponto concorda
com os empiristas.
• O Númeno (“noúmeno”), isto é, a “coisa em si
mesma”, corresponde àquilo que os nossos sentidos
não percebem, a nossa estrutura inata apenas nos
permite aceder aquilo que delas se manifesta aos
sentidos (o fenômeno). É impossível conhecer as
coisas que estão para além dos dados dos sentidos,

52 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

como seja a alma, o mundo (como totalidade) ou Deus.


A Metafísica é impossível como ciência.  Embora não
tenhamos a possibilidade de conhecer as coisas em
si mesmas, podemos todavia através da razão tentar
compreendê-las.
Essa distinção permitiu-lhe distinguir e delimitar os
domínios da Ciência e os da Religião. A Ciência está confinada
ao mundo físico, à experiência sensível, cabendo-lhe produzir
o conhecimento. A Religião foi remetida para uma dimensão
supras sensível, o númeno. Não produz conhecimento, mas
ajuda-nos a compreender o sentido da nossa existência e do
mundo.

f) Crítica
A teoria do conhecimento de Kant tem sido bastante
contestada, num ponto central: a subjetividade do
conhecimento.
Não admite um conhecimento puramente objetivo,
pois está sempre condicionado pela subjetividade do
sujeito. Todo o nosso conhecimento está à partida condicionado
pelas estruturas transcendentais (a priori), pelas intuições do
espaço e do tempo, as formas mentais das nossas categorias
do entendimento. Unicamente conhecemos o que com essas
“formas” se objetiva. Trata-se de uma profunda limitação que
é difícil de justificar e aceitar.
„„ Carlos Fontes. Fonte: http://afilosofia.no.sapo.pt/11.Modelosexplicativos.3.htm

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 53


Ensino Médio

„„A FILOSOFIA NO ENEM E NOS VESTIBULARES


1. (ENEM/2014) É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio
processo de busca. Se todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza que aparecer
a partir daí terá sido de alguma forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramente
nenhuma daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida.
(SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade.
São Paulo: Moderna, 2001. Adaptado.)

Apesar de questionar os conceitos da tradição, a dúvida radical da filosofia cartesiana tem


caráter positivo por contribuir para o(a)
a) dissolução do saber científico.
b) recuperação dos antigos juízos.
c) exaltação do pensamento clássico.
d) surgimento do conhecimento inabalável.
e) fortalecimento dos preconceitos religiosos.

TEXTO PARA A PRÓXIMA QUESTÃO


Observe a figura a seguir e responda à(s) questão(ões) seguinte(s).

54 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

2. (UEL/2014) Leia o texto a seguir.


Descartes, na segunda parte do Discurso do Método, apresenta uma crítica às cidades
antigas por serem caóticas. Tais cidades, por terem sido no início pequenos burgos e
havendo se transformado, ao longo do tempo, em grandes centros, são comumente mal
calculadas. Suas ruas curvas e desiguais foram obra do acaso e não uma disposição da
vontade de alguns homens que se utilizaram da razão.
(DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p.43-44. [Coleção Os Pensadores.])

Com base no texto, nos conhecimentos sobre o racionalismo cartesiano e sobre uma
possível relação com o tema do planejamento e da construção das cidades, assinale a
alternativa CORRETA.
a) A arquitetura das cidades compreende as edificações planejadas, em que coincidem a
ordem racional e a ordem da realidade objetiva.
b) A experiência sensível era o princípio capaz de fundamentar as leis do conhecimento,
permitindo certo ordenamento das construções nas cidades.
c) A mente é como uma folha em branco, isenta de impressões, assim, o conhecimento
que nos permite edificar as cidades inicia-se na execução.
d) O conhecimento se constrói num processo que vai do particular para o universal, o que
valoriza o caráter indutivo na construção das cidades.
e) Os engenheiros e os mestres de obras se utilizam do conhecimento empírico para a
edificação e o planejamento de nossas cidades.

3. (UEG/2013) A expressão “Tudo o que é bom, belo e justo anda junto” foi escrita por
um dos grandes filósofos da humanidade. Ela resume muito de sua perspectiva filosófica,
sendo uma das bases da escola de pensamento conhecida como
a) cartesianismo, estabelecida por Descartes, na qual se acredita que a essência precede
a existência.
b) estoicismo, que tem no imperador romano Marco Aurélio um de seus grandes nomes,
que pregava a serenidade diante das tragédias.
c) existencialismo, que tem em Sartre um de seus grandes nomes, para o qual a existência
precede a essência.
d) platonismo, estabelecida por Platão, na qual se entendia o mundo físico como uma
imitação imperfeita do mundo ideal.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 55


Ensino Médio

4. (UNIOESTE/2013) “...esta palavra, Filosofia, significa o estudo da sabedoria, e por


sabedoria não se deve entender apenas a prudência nos negócios, mas um conhecimento
perfeito de todas as coisas que o homem pode saber, tanto para a conduta da sua vida como
para a conservação da saúde e invenção de todas as artes. E para que este conhecimento
assim possa ser, é necessário deduzi-lo das primeiras causas, de tal modo que, para se
conseguir obtê-lo – e a isto se chama filosofar –, há que começar pela investigação dessas
primeiras causas, ou seja, dos princípios. Estes devem obedecer a duas condições: uma, é
que sejam tão claros e evidentes que o espírito humano não possa duvidar da sua verdade,
desde que se aplique a considerá-los com atenção; a outra, é que o conhecimento das
outras coisas dependa deles, de maneira que possam ser conhecidos sem elas, mas não
o inverso. Depois disto, é indispensável que, a partir desses princípios, se possa deduzir
o conhecimento das coisas que dependem deles, de tal modo que, no encadeamento das
deduções realizadas, não haja nada que não seja perfeitamente conhecido.”
(Descartes)

“À medida que Descartes vai desenvolvendo sua ideia de um sistema reconstruído de


conhecimento, vemos surgir dois componentes específicos da visão cartesiana. O primeiro
é um individualismo radical: a ciência tradicional, ‘composta e acumulada a partir das
opiniões de inúmeras e variadas pessoas, jamais logra acercar-se tanto da verdade quanto
os raciocínios simples de um indivíduo de bom senso’. O segundo componente é uma ênfase
na unidade e no sistema: ‘Todas as coisas que se incluem no alcance do conhecimento
humano são interligadas’.”
(Cottingham)

Considerando os textos acima, que tratam da teoria cartesiana do conhecimento, é


INCORRETO afirmar que
a) a teoria cartesiana do conhecimento implica um sistema em que todos os conteúdos
encontram-se intimamente relacionados.
b) a teoria do conhecimento cartesiana pretende, a partir da elaboração de um método
preciso, reconstruir o conhecimento em bases sólidas.
c) a teoria do conhecimento cartesiana, que tem como objetivo a elaboração de uma ciência
universal, serve-se, em certa medida, do modelo indutivista para alcançar seu objetivo.
d) o conhecimento que se tem de cada coisa deriva de um processo no qual cada etapa
pode ser conhecida sem o concurso de etapas posteriores, mas não o inverso.
e) quando determinada noção se apresenta com clareza e com distinção, o sujeito pensante
entende que se encontra frente a um conhecimento verdadeiro pela própria natureza da
concepção cartesiana do conhecimento.

56 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

5. (UEM/2013) “Há já algum tempo dei-me conta de que, desde meus primeiros anos,
recebera muitas falsas opiniões por verdadeiras e de que aquilo que depois eu fundei sobre
princípios tão mal assegurados devia ser apenas muito duvidoso e incerto; de modo que era
preciso tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões que
recebera até então em minha crença e começar tudo novamente desde os fundamentos, se
eu quisesse estabelecer alguma coisa de firme e de constante nas ciências.”
(DESCARTES, R. Meditações sobre a filosofia primeira. In: MARÇAL, J. Antologia de textos filosóficos.
Curitiba: SEED, 2009, p. 153.)

A partir do texto citado, assinale o que for CORRETO.


01) A verdadeira ciência ou conhecimento verdadeiro deve refutar toda e qualquer crença
ou religião.
02) O início do processo filosófico de descoberta da verdade começa com a instauração da
dúvida.
04) O espírito de investigação filosófica busca alicerces firmes, que não foram dados pelo
modo como se adquiria o conhecimento até então.
08) A dúvida sobre o conhecimento que se tem decorre das opiniões e dos saberes mal
apreendidos na escola.
16) Os alicerces firmes do conhecimento devem estar além das opiniões das autoridades
acadêmicas.

6. (UFU/2013) Suporei, portanto, que há não um Deus ótimo, fonte soberana da verdade,
mas algum gênio maligno, e ao mesmo tempo, sumamente poderoso e manhoso, que põe
toda a sua indústria em que me engane: pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as
figuras, os sons e todas as coisas externas nada mais são do que ludíbrios dos sonhos,
ciladas que ele estende à minha credulidade.
(DESCARTES, R. Meditações sobre Filosofia Primeira. Primeira Meditação /12/,
Tradução de Fausto Castilho. Campinas: IFCH-Unicamp, 1999, p. 25.)

a) Qual é, para Descartes, a relação existente entre o gênio maligno e a coisa pensante
(Res cogitans)?
b) Que argumento é utilizado por Descartes para afirmar a existência do Mundo?

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 57


Ensino Médio

7. (ENEM/2013)
TEXTO I
Há já de algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas
falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios
tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto. Era necessário tentar
seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera
crédito, e começar tudo novamente a fim de estabelecer um saber firme e inabalável.
(DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira Filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Adaptado.)

TEXTO II
É de caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio processo de
busca. Se todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí
terá sido de alguma forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma
daquelas que foram anteriormente varridas por essa mesma dúvida.
(SILVA, F. L. Descartes: a metafísica da modernidade. São Paulo: Moderna, 2001. Adaptado.)

A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, para viabilizar a reconstrução


radical do conhecimento, deve-se
a) retomar o método da tradição para edificar a ciência com legitimidade.
b) questionar de forma ampla e profunda as antigas ideias e concepções.
c) investigar os conteúdos da consciência dos homens menos esclarecidos.
d) buscar uma via para eliminar da memória saberes antigos e ultrapassados.
e) encontrar ideias e pensamentos evidentes que dispensam ser questionados.

8. (UEM/2012) Na introdução do volume dedicado a Descartes, na coleção “Os Pensadores”,


José Américo Motta Pessanha afirma que o papel da racionalidade cartesiana na fundação
das ciências se dá da seguinte maneira: “A física de Descartes representa uma aplicação
de sua metafísica, na qual Deus garante o conhecimento científico constituído a partir de
ideias claras”.
(DESCARTES. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1994, p. 26.)

Sobre a fundação da racionalidade moderna, assinale o que for CORRETO.


01) A matemática foi, em diversos momentos da história, uma fonte inspiradora e
metodológica da prática científica.
02) A física cartesiana está orientada contra os princípios de uma ciência meramente
provável, razão pela qual Descartes recusa todos os juízos, demonstrações e dados que
não possam ser tidos como verdadeiros e indubitáveis.
04) Para Descartes, a diversidade das ciências, que necessita de campos do saber específicos,
inviabiliza a construção de um método e de regras para a direção do espírito, aplicáveis
a qualquer tipo de conhecimento, seja qual for seu objeto de estudo.
08) Por Descartes adotar procedimentos céticos para a obtenção da primeira certeza, a
reflexão cartesiana é precursora do falsificacionismo de Karl Popper, segundo o qual a
falsificabilidade define uma teoria científica.
16) O more geométrico cartesiano tem como efeito o desenvolvimento de teorias políticas e
o fortalecimento de instituições sociais republicanas. Por isso, Jean-Jacques Rousseau
e Thomas Hobbes tomam o Discurso do Método como ponto de partida do pensamento
político moderno.

58 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

9. (UFSJ/2012) Ao analisar o cogito ergo sum – penso, logo existo, de René Descartes,
conclui-se que
a) o pensamento é algo mais certo que a própria matéria corporal.
b) a subjetividade científica só pode ser pensada a partir da aceitação de uma relação
empírica fundada em valores concretos.
c) o eu cartesiano é uma ideia emblemática e representativa da ética que insurgia já no
século XVI.
d) Descartes consegue infirmar todos os sistemas científicos e filosóficos ao lançar a
dúvida sistemático-indutiva respaldada pelas ideias iluministas e métodos incipientes
da revolução científica.

10. (UEL/2012) Leia o texto a seguir.


Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda
sua indústria em enganar-me sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele
me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja,
enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de
ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante
que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a
enuncio ou que a concebo em meu espírito.
(DESCARTES, René. Meditações. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Júnior.
São Paulo: Abril Cultural, 1973. p.100 – Coleção Os Pensadores.)

A partir do texto e dos conhecimentos acerca de Descartes:


a) Apresente o propósito e os graus da dúvida metódica.
b) Demonstre como Descartes descobre que o pensamento é a verdade primeira.

11. (UNIMONTES/2012) Como podemos conhecer? Eis uma questão central da investigação
filosófica. Uma das respostas mais radicais foi formulada pelo filósofo francês René
Descartes, que escreveu um texto que colaborou de maneira significativa para a ciência
moderna. Marque a alternativa que indica a obra de René Descartes.
a) Manifesto do Partido Comunista.
b) Contrato Social.
c) Discurso do Método.
d) Paideia.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 59


Ensino Médio

12. (UEM-PAS/2012) Considere o seguinte texto do filósofo francês René Descartes


(1596-1650): “Deleitava-me principalmente com as matemáticas, devido à certeza e à
evidência de suas razões; mas ainda não percebia sua verdadeira aplicação, e, julgando
que só serviam às artes mecânicas, espantava-me de que, sendo seus fundamentos tão
seguros e sólidos, não se houvesse construído sobre eles nada de mais elevado”.
(Discurso do Método. In: Descartes, Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2004, p.40.)

A respeito de Descartes e de suas contribuições para a filosofia e as ciências, assinale o


que for CORRETO.
01) Descartes não apenas apresentou interesse filosófico nas matemáticas e nas ciências
correlatas, mas também contribuiu para o progresso delas, desenvolvendo, por exemplo,
a Geometria Analítica e a Óptica.
02) Descartes se deleitava com as matemáticas devido ao fato de a experiência e os dados
vindos dos sentidos fornecerem elementos para a construção dos princípios inaugurais
dessas ciências.
04) O método cartesiano permite dispensar a certeza e a evidência dos princípios que
fundamentam um conhecimento em favor de uma justificação empírica desse mesmo
conhecimento.
08) A ideia de extensão (ou tridimensionalidade) dos corpos é, ao contrário dos dados
recebidos pelos sentidos, certa e evidente.
16) Similarmente ao que ocorre nas matemáticas, Descartes pretendeu construir um sistema
filosófico a partir de poucos princípios que fundamentassem as demais verdades desse
sistema.

13. (UFF/2012) O filósofo francês René Descartes escreveu o seguinte em seu Discurso do
Método:
“Logo que adquiri algumas noções gerais relativas à Física, julguei que não podia
mantê-las ocultas, sem pecar grandemente contra a lei que nos obriga a procurar o bem
geral de todos os homens. Pois elas me fizeram ver que é possível chegar a conhecimentos
que sejam úteis à vida e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza. O
que é de desejar, não só para a invenção de uma infinidade de utensílios, que permitiriam
gozar, sem qualquer custo, os frutos da terra e de todas as comodidades que nela se
acham, mas principalmente também para a conservação da saúde, que é sem dúvida o
primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida.”
Assinale a alternativa que resume o pensamento de Descartes.
a) O conhecimento deve ser mantido oculto para evitar que seja empregado para dominar
a natureza.
b) O conhecimento da natureza satisfaz apenas ao intelecto e não é capaz de alterar as
condições da vida humana.
c) Nosso intelecto é incapaz de conhecer a natureza.
d) Devemos buscar o conhecimento exclusivamente pelo prazer de conhecer.
e) O conhecimento e o domínio da natureza devem ser empregados para satisfazer as
necessidades humanas e aperfeiçoar nossa existência.

60 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

14. (ENEM/2012)
TEXTO I
Experimentei algumas vezes que os sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se
fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez.
(DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.)

TEXTO II
Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma ideia esteja sendo empregada sem
nenhum significado, precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta
ideia? E se for impossível atribuir-lhe qualquer impressão sensorial, isso servirá para
confirmar nossa suspeita.
(HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo: Unesp, 2004. Adaptado.)

Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a natureza do conhecimento humano.


A comparação dos excertos permite assumir que Descartes e Hume
a) defendem os sentidos como critério originário para considerar um conhecimento
legítimo.
b) entendem que é desnecessário suspeitar do significado de uma ideia na reflexão
filosófica e crítica.
c) são legítimos representantes do criticismo quanto à gênese do conhecimento.
d) concordam que conhecimento humano é impossível em relação às ideias e aos sentidos.
e) atribuem diferentes lugares ao papel dos sentidos no processo de obtenção do
conhecimento.

15. (UNICENTRO/2012) Para o racionalismo, a razão é a verdadeira fonte do conhecimento.


De acordo com essa afirmativa, os filósofos que podem ser considerados racionalistas são
a) Locke, Plotino e Hume.
b) Kant, Aristóteles e Nietzsche.
c) Platão, Descartes e Karl Marx.
d) Descartes, Malebranche e Hume.
e) Platão, Santo Agostinho e Descartes.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 61


Ensino Médio

16. (UENP/2012) A charge abaixo retrata a oposição epistemológica de duas escolas


filosóficas cujos iniciadores podem ser considerados, respectivamente, Francis Bacon e
René Descartes. Assinale a alternativa correta.

a) Empirismo X Criticismo
b) Ceticismo X Existencialismo
c) Empirismo X Racionalismo
d) Racionalismo X Existencialismo
e) Racionalismo X Ceticismo

17. (UNICENTRO/2012) Sobre Conhecimento em Filosofia, analise estas afirmativas e


marque com V as verdadeiras e com F as falsas.
( ) A dúvida metódica é construção do materialismo.
( ) O empirismo enfatiza o papel da razão na busca da verdade.
( ) Para evitar o erro, a questão do método tornou-se fundamental na filosofia moderna.
( ) A confiança no poder da razão levada às últimas consequências é característica da
pós-modernidade.
( ) Descartes estabelece como regras, na busca da verdade, a evidência, a análise, a
ordem e a enumeração.
A partir da análise dessas afirmativas, a alternativa que indica a sequência CORRETA, de
cima para baixo, é a
a) VVVFF
b) FFFVV
c) FFVFV
d) VVFFF
e) FVVVF

62 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

18. (UFU/2011) Na obra Discurso sobre o Método, René Descartes propôs um novo método
de investigação baseado em quatro regras fundamentais, inspiradas na geometria:
evidência, análise, síntese, controle.
Assinale a alternativa que contenha CORRETAMENTE a descrição das regras de análise e
síntese.
a) A regra da análise orienta a enumerar todos os elementos analisados; a regra da síntese
orienta decompor o problema em seus elementos últimos, ou mais simples.
b) A regra da análise orienta a decompor cada problema em seus elementos últimos ou
mais simples; a regra da síntese orienta ir dos objetos mais simples aos mais complexos.
c) A regra da análise orienta a remontar dos objetos mais simples até os mais complexos;
a regra da síntese orienta prosseguir dos objetos mais complexos aos mais simples.
d) A regra da síntese orienta a acolher como verdadeiro apenas aquilo que é evidente; a
regra da análise orienta descartar o que é evidente e só orientar-se, firmemente, pela
opinião.

19. (UEM/2011) René Descartes é o inaugurador da Filosofia moderna, por ter investigado
a fundo os problemas que ocupam os filósofos desde o nascimento da Filosofia, a saber: o
que é substância, a relação entre alma e corpo, o problema do conhecimento, a extensão
e o movimento e outros.
Sobre a Filosofia cartesiana, assinale o que for CORRETO.
01) René Descartes representa, para a história da Filosofia, avanços no plano científico,
sem desenvolver a metafísica da modernidade, razão pela qual seu pensamento foi
reformulado pelo movimento enciclopedista, no século XVIII.
02) A primeira certeza obtida por Descartes é a constatação de que o “eu penso, enquanto
eu duvido, é sempre verdadeiro”, resumida pela fórmula “duvido, logo, penso, logo,
sou”.
04) David Hume apresenta, em relação a Descartes, um projeto de continuidade e
aprofundamento. Com as teses do idealismo, toda a Filosofia britânica da época tornou-se
propagadora do pensamento cartesiano.
08) Como Francis Bacon, Descartes afirma a possibilidade do conhecimento verdadeiro,
por meio de uma reforma do entendimento e das ciências, porém, diferentemente de
Bacon, Descartes não vê a necessidade de essa reforma exigir mudanças sociais e
políticas.
16) Para Descartes, tanto o sujeito do conhecimento quanto as ideias claras e distintas são
mitos filosóficos, pois a consciência não pode ser o objeto de si mesma.

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 63


Ensino Médio

20. (UNIOESTE/2011) Considerando-se as primeiras linhas das Meditações sobre a


filosofia primeira de René Descartes:
“Há já algum tempo dei-me conta de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas
falsas opiniões por verdadeiras e de que aquilo que depois eu fundei sobre princípios tão
mal assegurados devia ser apenas muito duvidoso e incerto; de modo que era preciso tentar
seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões que recebera até
então em minha crença e começar tudo novamente desde os fundamentos, se eu quisesse
estabelecer alguma coisa de firme e de constante nas ciências. (...) Agora, pois, que meu
espírito está livre de todas as preocupações e que obtive um repouso seguro numa solidão
tranquila, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade a destruir em geral todas as minhas
antigas opiniões”.
É CORRETO afirmar sobre a teoria do conhecimento cartesiana que
a) Descartes não utiliza um método ou uma estratégia para estabelecer algo de firme e
certo no conhecimento, já que suas opiniões antigas eram incertas.
b) Descartes considera que não é possível encontrar algo de firme e certo nas ciências,
pois até então esse objetivo não foi atingido.
c) Descartes, ao rejeitar o que a tradição filosófica considerou como conhecimento, busca
fundamentar nos sentidos uma base segura para as ciências.
d) ao investigar uma base firme e indestrutível para o conhecimento, Descartes inicia
rejeitando suas antigas opiniões e utiliza o método da dúvida até encontrar algo de
firme e certo.
e) Descartes necessitou de solidão para investigar as suas antigas opiniões e encontrar
entre elas aquela que seria o verdadeiro fundamento do conhecimento.

64 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos


Filosofia

„„GABARITO:

Resposta da questão 1: [D]

Resposta da questão 2: [A]

Resposta da questão 3: [D]

Resposta da questão 4: [C]

Resposta da questão 5: 02 + 04 + 16 = 22.

Resposta da questão 6:
a) A primeira meditação pretende estabelecer uma dúvida forte sobre todas as coisas.
A finalidade desse estabelecimento é forçar o encontro com um conhecimento forte o
bastante para aguentar a contundência de tal dúvida e superá-la. O gênio maligno e o
Deus enganador possuem a mesma função, porém, como diz Gérard Lebrun na nota
21 do texto das meditações:
“o gênio maligno é um artifício psicológico que, impressionando mais a minha
imaginação, levar-me-á a tomar a dúvida mais a sério e a inscrevê-la melhor em minha
memória (“é preciso ainda que cuide de lembrar-me dela”)”.
(R. Descartes. Meditações. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 88.)

Sendo assim, torna-se claro que a função do gênio maligno é, como artifício psicológico,
manter a dúvida a respeito de tudo na sua última consequência e garantir que esta
nulidade de conhecimentos seguros não seja esquecida. Porém, é esse mesmo gênio
maligno que me iludindo a respeito de tudo não consegue me fazer duvidar de que algo
é iludido enquanto pensa, isto é, não consegue me fazer duvidar desta res cogitans.
b) O mundo exterior é derivado, segundo a filosofia cartesiana, da existência de Deus,
isto é, o ser perfeitíssimo que só pode ser assim caso ele seja maior do que a ideia dele
possuída pela res cogitans. A coisa pensante estaria encerrada em si mesma se não
houvesse nela uma ideia de Deus, e como esta ideia existe então o mundo exterior pode
começar a ser investigado com alguma segurança.

Resposta da questão 7: [B]

Resposta da questão 8: 01 + 02 = 03.

Resposta da questão 9: [A]

Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos 65


Ensino Médio

Resposta da questão 10:


a) Em Descartes, a dúvida expressa a tentativa de estabelecer um princípio firme e constante
nas ciências. Seguindo a ordem das razões, serão submetidos à crítica os fundamentos
do conhecimento, partindo do sensível (argumento dos sentidos), passando pela
imaginação (argumento do sonho) e chegando às verdades matemáticas (argumento
do deus enganador e do gênio maligno). Sendo metódica, a dúvida converter-se-á em
universal e se, dela não resultar um princípio positivo para fundamentar o sistema da
ciência, pelo menos não se tomará por verdadeiro o que for dubitável.
b) Para Descartes, o pensamento aparece como uma evidência, tanto resultante como
logicamente necessária do método da dúvida. Para que se possa duvidar, é necessário
pensar, de tal forma que, mesmo que o gênio maligno me engane, ao menos será certo
que estarei pensando e, por isso, poderei afirmar que sou e existo enquanto coisa
pensante. É sobre essa verdade que Descartes desenvolve seu sistema de ciência.

Resposta da questão 11: [C]

Resposta da questão 12: 01 + 08 + 16 = 25.

Resposta da questão 13: [E]

Resposta da questão 14: [E]

Resposta da questão 15: [E]

Resposta da questão 16: [C]

Resposta da questão 17: [C]

Resposta da questão 18: [B]

Resposta da questão 19: 02 + 08 = 10.

Resposta da questão 20: [D]

66 Fundamentos da Filosofia – Eixo Temático e Conteúdos

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