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Luís de Camões

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Luís de Camões e Os Lusíadas

 
Filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo, Luís Vaz de
Camões (1524?-1580) terá feito os estudos literários e filosóficos em
Coimbra. Os dados biográficos mais importantes podemos colhê-los na sua
vastíssima obra poética. Por ela se conhecem os seus amores, a vida boémia e
arruaceira, as alegrias e frustrações, a pobreza e as inquietações
transcendentais.
Sabe-se que, entre 1549 e 1551, participou numa expedição ao norte de África,
talvez a Ceuta, onde, num acidente de guerra, perdeu um olho.
 De regresso a Lisboa, é preso, em 1552, em consequência de uma rixa com um funcionário da Corte, e metido na
cadeia do Tronco. Em 1553, saiu, inteiramente perdoado pelo agredido e pelo rei,
conforme se lê numa carta enviada da Índia, para onde partiu nesse mesmo ano, quer
para mais facilmente obter perdão, quer para se libertar da vida lisboeta, que o não
contentava. Segundo alguns leitores, terá composto por essa altura o primeiro canto
de Os Lusíadas.
Na Índia não foi feliz. Goa dececionou-o, como se pode ler no soneto Cá nesta Babilónia
donde mana. Tomou parte em várias expedições militares.  Passa-se depois para Macau,
onde exerce o cargo de provedor-mor de defuntos e ausentes, e escreve na gruta, ainda
hoje reconhecida pelo seu nome, mais seis Cantos do famoso poema épico. Volta a Goa, naufraga na viagem na foz
do Rio Mecom, mas salva-se, nadando com um braço e erguendo com o outro, acima das vagas, o manuscrito da
imortal epopeia, facto documentado no Canto X, 128.
Nesse naufrágio viu morrer a sua "Dinamene", rapariga chinesa que se lhe tinha afeiçoado. A esta
fatídica morte dedicou os famosos sonetos do ciclo Dinamene, entre os quais se destaca Ah!
Minha Dinamene! Assim deixaste. Em Goa sofre caluniosas acusações, dolorosas perseguições e
duros trabalhos, vindo Diogo do Couto a encontrá-lo em Moçambique, em 1568, "tão pobre que
comia de amigos", trabalhando n' Os Lusíadas  e no seu Parnaso, "livro de muita erudição, doutrina
e filosofia", segundo o mesmo autor.
Em 1569, após 16 anos de desterro, regressa a Lisboa, tendo os seus amigos pago as dívidas e comprado o
passaporte. Só três anos mais tarde alcança dar a publicidade à primeira edição de Os Lusíadas, que lhe valeu de D.
Sebastião, a quem era dedicado, uma tença anual de 15000 réis pelo prazo de três anos e renovado pela última vez
em 1582 a favor de sua mãe, que lhe sobreviveu. Os últimos anos de Camões foram amargurados pela doença e
pela miséria. Reza a tradição que se não morreu de fome foi devido à solicitude de um escravo Jau, trazido da Índia,
que ia de noite, sem o poeta saber, mendigar de porta em porta o pão do dia seguinte. O certo é que morreu em 10
de junho de 1580, sendo o seu enterro feito a expensas de uma instituição de beneficência, a Companhia dos
Cortesãos. Um fidalgo letrado seu amigo mandou inscrever-lhe na campa rasa um epitáfio significativo: "Aqui jaz
Luís de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente, e assim morreu."

 
Em síntese....
1524/5? Nasce Luís Vaz de Camões, filho de Simão Vaz de Camões e Ana de Sá.
1542 Até quando fica a estudar em Coimbra, primeiro no Colégio de Todos os Santos e mais tarde na Universidade
de Coimbra.
1545 Consta que foi neste ano que Camões iniciou Os Lusíadas.
1547 Viaja até Ceuta onde permanece durante 2 anos e onde perde o seu olho direito em
combate.
1550 Regressa a Lisboa.
1553 A 24 de Março embarca rumo à Índia passando por Goa.
1555 Colabora em festas de investidura de Francisco Barreto no cargo de governador da Índia
com o Auto do Filodemo  (2º Auto). Junto de um seco, fero, estéril monte.
1559 Diz-se que, regressando de Macau a Goa, salva o seu épico a nado após um naufrágio
nos baixios do mar da China.
1567 Chega a Sofala, na costa este de África, com a ajuda de Pedro Barreto, onde fica durante
2 anos.
1569/70 Chega a Lisboa após a sua viagem à Índia.
1572 São publicadas duas edições d´Os Lusíadas
1580 10 junho morre Luís Vaz de Camões. 
 
Os Lusíadas
Os Lusíadas são o famoso poema épico de Camões publicado em 1572.
O sonho de todo o bom poeta do século XVI era a criação de uma epopeia, à imitação de Homero e Virgílio. Assunto
de interesse nacional e mesmo universal não faltava: os Descobrimentos. Era necessário imortalizá-los. Antes de
Camões, o italiano Angelo Policiano ofereceu-se a D. João II para o fazer; Garcia de Resende, no prólogo do
Cancioneiro Geral, insiste na necessidade da criação de uma epopeia; Diogo de Teive e João de Barros chegaram a
projetar epopeias como forma de imortalizar os Descobrimentos; António Ferreira encorajou Pêro de Andrade
Caminha a escrever versos sobre os feitos portugueses. Estava criada a circunstância propícia, só faltava o poeta de
génio. Esse foi Camões.
O acontecimento central da obra é o descobrimento do
caminho marítimo para a Índia. Para o seu tratamento
literário, Camões inventou uma fábula mitológica onde os
deuses, como se fossem humanos, entram em conflito por
causa da viagem de Vasco da Gama. Gera-se uma
verdadeira intriga, no fim da qual os homens são mitificados. Ao
mesmo tempo, são evocadas as glórias da nacionalidade, com admirável engenho, na narrativa do próprio Gama,
verdadeira síntese da História pátria.
Durante muito tempo não se compreendeu a função mitificadora da presença da mitologia pagã e até houve
censura ao poeta por este facto. Hoje, porém, compreende-se que é dela, em grande parte, que depende a coesão
narrativa e, em simultâneo, a diversidade, a vida e a criatividade patente na obra.
Os Lusíadas encontram-se divididos em dez Cantos e seguem, globalmente, a Eneida de Virgílio na
estrutura apresentada: uma Proposição, uma Invocação, uma Dedicatória (que a Eneida não tem) e
a Narração iniciada "in medias res", ou seja, quando a ação principal está já em curso. A obra segue o Orlando
Furioso  de Ludovico Ariosto quanto ao uso do verso decassilábico em oitava-rima (isto é, a estrofe de oito versos e
estrutura rimática abababcc).
 
O Renascimento
O Renascimento foi um movimento cultural e intelectual que teve origem em Itália, no
século XIV, e seu apogeu, no século XV, alastrando ao resto da Europa, no século XVI.
O Renascimento é um movimento de renovação, caracteriza-se por uma renovação
científica, literária e artística, com base na imitação de modelos e valores artísticos da
Antiguidade Clássica.
A designação de «Renascimento» indica uma época dotada de individualidade própria,
caracterizada por um novo espírito crítico, um escrupuloso desejo de restituir os textos greco-latinos à pureza
original, um juvenil entusiasmo pela Antiguidade tomada em si mesma, uma confiança nova nas forças naturais
do Homem ( medida de todas as coisas).
Em Portugal, o séc. XVI apresenta uma fisionomia particular. A grande contribuição portuguesa para o
Renascimento foram os Descobrimentos, que desvendaram novos climas, e paisagens, e faunas, e floras, e
costumes, alargando assim o conhecimento do Mundo e do Homem,
dando alimento à fome do exótico, aguçando o sentido do relativo,
ostentando a primazia da observação e da experiência sobre o saber
livresco.
 
Por Renascimento entende-se um movimento que tende a levar o
homem ao estudo científico do mundo, a basear-se mais na razão e na
experiência, a imitar a Antiguidade Clássica.
                                      
                                         Classicismo - é uma época literária em que vigora
uma estética que segue os modelos greco-latinos.
                                                            Os Humanistas assumiam atitudes espirituais que vão refletir-se em toda a
escrita do Renascimento. Considerava-se a verdadeira «nobreza», sendo o saber as línguas clássicas e o
conhecimento da cultura greco-latina o seu brasão.
 
O DOLCE STIL NUOVO SUBSTITUI AS FORMAS TRADICIONAIS DA MEDIDA VELHA.
 
No espaço ideológico e cultural, o Humanismo e o Renascimento mudaram profundamente os valores
humanos da Idade Média

O Renascimento em Portugal
O movimento renascentista começou a dar os seus primeiros passos , em Portugal, a partir de meados do século
XV, através de alguns filhos de D. João I e de outros escritores ligados à corte. Mas é graças a Sá de Miranda que
a estética renascentista se desenvolveu em Portugal.
Dolce stil nuovo
Expressão criada por Dante que servia para designar a poesia da sua juventude e de outros poetas
contemporâneos, reunidos em Florença nos fins do século XIII e princípios do XIV. O dolce stil nuovo caracteriza-
se por uma nova conceção do amor, segundo a qual somente o coração nobre, límpido, é capaz do verdadeiro
amor, e, em contrapartida, o amor apenas habita o coração nobre .
Amor deve elevar os seres, platonicamente, de grau em grau até à contemplação suprema das ideias puras. O
amor é entendido como um sentimento espiritual que transfigura os amantes pela visão de uma bem-
aventurança.
 Medida Nova
A escola clássica mais exigente quanto à modelação da matéria poética do que a escola tradicional, introduziu
o decassílabo (metro que dá possibilidades mais amplas de expressão) e novos géneros de estrutura poemática
greco-latina ou italiana – soneto, canção, sextina, écloga, elegia, ode, epitalâmio, epigrama, epístola, oitava.
· Soneto
O soneto é uma composição poética de catorze versos, dispostos em duas quadras e dois
tercetos. Apesar de ter sido criado no séc. XIII, foi Petrarca (1304-1374) quem teve o mérito
de lhe emprestar uma forma e um conteúdo que se tornariam modelares, não só na Itália
como em outros países da Europa.  O soneto foi introduzido em Portugal por intermédio
de Sá de Miranda.
 

Estética da imitação
É difícil no nosso tempo, que acima de tudo aprecia e valoriza a originalidade, compreender o que significa
uma estética da imitação. O poeta do Renascimento imita os clássicos e os poetas modelares, procurando
deste modo aproximar-se e aprender a lição dos grandes autores. Contudo a veneração e admiração pelos
mestres não impede a criação de uma obra original que se atreve até a rivalizar com os modelos e a
reivindicar insistentemente a sua originalidade (basta pensar em Os Lusíadas).
Grande parte dos sonetos de Camões inspiram-se diretamente em Petrarca[1] e isto não diminuí minimamente
a suprema beleza dos sonetos camonianos
[1] Francesco Petrarca (1304 -1374) nasceu em Arezzo, Itália. Poeta e humanista, a sua influência domina a
literatura europeia até ao século XIX. Na poesia de Luís de Camões, detetamos características literárias do poeta
italiano na maneira como são retratados: a mulher (fisicamente, de olhos claros, loura e pele branca;
psicologicamente, serena, humilde e bondosa); a paisagem (como cenário ou como reflexo do estado de alma)
e o amor (com as suas contradições)...
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
A época - CAMÕES E OS LUSÍADAS
Camões nasceu em 1524 ou em 1525, possivelmente em Lisboa e morreu no dia 10 de
Junho de 1580.
                                                Assiste ao fim do ciclo épico dos Descobrimentos – séc. XVI:
                                                                                            · Sucessão de naufrágios – Sepúlveda
(1522)
                                                                                            · 1531 - Terramoto em todo o reino;
                                                                                            · 1536 - Tribunal da Inquisição
                                                                                            · 4 de Agosto de 1578 – derrota nos campos de Alcácer
Quibir ---- queda do Império
O tempo biográfico de Camões corresponde à trajetória da decadência política portuguesa que culmina com
a perda da independência em 1580.
O século de Camões (XVI) é marcado por um movimento novo , cuja origem está no desenvolvimento do
comércio, da indústria e das cidades. Caracteriza-se pela valorização do Homem e pelo estudo e admiração
da Antiguidade Clássica e desenvolve-se em três Planos:
                                    1 -O Renascimento:
                                    *aceitação das formas artísticas greco-latinas e assimilação do seu espírito.
    O Homem renascentista:
                                    *é senhor do seu próprio destino;
                          *está sujeito às leis da natureza;
                          *exalta a razão;
                          *tem necessidade de resposta científica para os fenómenos da natureza;
                          *recorre à mitologia e à estética clássica.
                                2 - O Humanismo : valorização de tudo o que é humano, exaltação dos valores do Homem
como centro do Universo (antropocentrismo).
                                3 - O Classicismo (segunda metade do séc. XVI) – Com base nos modelos clássicos greco-
romanos, este movimento tem as suas normas e estas visam a harmonia, a simplicidade, o equilíbrio, a
precisão, o sentido das proporções em qualquer realização artística, na literatura como na música, na pintura
como na arquitetura. A razão impera sobre o sentimento, porque os valores universais se sobrepõem aos
individuais. O Classicismo espartilha o sentimento e a inspiração, o que leva à falta de originalidade.
 
Estes Planos constituem uma viragem decisiva em relação à conceção medieval do Homem e do Mundo: o
teocentrismo medieval opõe-se ao antropocentrismo ( o Homem é o polo central, o sujeito da História e do
progresso).
Mas Atenção: Em "Os Lusíadas" ( publicados em 1572) constatamos a coexistência de ideias
medievais e renascentistas, assim temos, como aspeto medieval, o espírito de cruzada e, como espírito
humanista, o relato da viagem de Vasco da Gama com a valorização do “saber de experiência feito”. "Os
Lusíadas" fazem de Camões o expoente máximo do Renascimento literário em Portugal.
Além dos aspetos já referenciadas, o séc. XVI tinha um contexto favorável ao aparecimento da epopeia
nacional:
            -A viagem à Índia e as descobertas eram motivo de euforia e orgulho nacional.
            -A Europa e os portugueses reconheciam a grandeza e o enorme contributo dos Descobrimentos no
desenvolvimento da humanidade, quer a nível económico, quer científico e cultural.
            -Havia a vontade em imortalizar a conquista dos mares por um pequeno país, isto é, dar uma
dimensão épica aos descobrimentos portugueses.
            -Vontade renascentista de fazer renascer os modelos artísticos da antiguidade greco-latina,
nomeadamente a epopeia, considerada a expressão mais alta da poesia.
 
Conclusão: Fazer renascer a epopeia nos moldes clássicos e glorificar os feitos recentes da História de
Portugal foram fatores determinantes para que Luís de Camões se abalançasse a escrever “Os Lusíadas”.

Generalidades sobre Camões e o seu tempo

Os Lusíadas são uma obra do séc. XVI. Este século, caracterizado por uma grande viragem no pensamento humano, é
marcado por três grandes movimentos culturais: o Humanismo, o Renascimento e o
Classicismo.
 
No Humanismo, o Homem encontra-se no centro das atenções, dando lugar
ao antropocentrismo (antropos significa Homem) que se opõe ao teocentrismo (Deus no
centro).
Trata-se de um movimento intelectual europeu que procurou vigorosamente descobrir e
reabilitar a literatura e o pensamento da Antiguidade Clássica e que tem como interesse central o Homem, no
pleno desenvolvimento das suas virtualidades e empenhado na ação, havendo aqui uma nítida oposição à
conceção hierárquica e feudalista do Homem medieval.
O Renascimento desenvolveu-se em países da Europa Central e Ocidental, como a Itália (passando sucessivamente
de Florença a Siena e depois a Roma, e alastrando posteriormente a toda a Península Italiana), nos séculos XIV a XVI
e veio a irradiar e a ter fundas repercussões na cultura de praticamente todos os países do continente europeu. As
figuras de proa do movimento gostavam de se apresentar como críticos do "obscurantismo" medieval, numa
atitude de contestação à tradicional influência da religião na cultura, no pensamento e na vida quotidiana
ocidental. O movimento renascentista começa por ser uma contestação da ideologia dominante durante o milénio
medieval: à civilização cristã contrapõe-se uma ideologia antropocêntrica, revelando um desiderato de fazer
renascer a Antiguidade greco-latina, que, na interpretação
então prevalecente, se caracterizara precisamente por
colocar o Homem no centro do Universo e representava um
ideal de civilização natural.
 
O Classicismo consiste num sentimento de admiração pela
Antiguidade Clássica e no desejo de imitação da cultura
greco-romana e de retoma dos seus valores, refletindo-se
em todas as artes como a pintura, a escultura e a
literatura. Com base nos modelos clássicos greco-romanos,
este movimento tem como principais valores a harmonia,
a simplicidade, o equilíbrio, a precisão e o sentido das
proporções. Refira-se, como exemplo na pintura, Leonardo
da Vinci e Rafael. Os estudos das poéticas de Horácio e de Aristóteles disciplinam a desordem artística medieval.
O enriquecimento filosófico e estético que oferece o estudo de Platão, Homero, Sófocles, Ésquilo, Ovídio, Virgílio e
Fídias, dá aos valores ocidentais maior dignidade artística e intelectual. A Itália, detentora dos valores clássicos,
latinos e gregos, é considerada o berço deste movimento, com Dante, Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio.
Foi durante o século XVI que viveu Camões.
 
A vida de Luís Vaz de Camões já se tornou uma lenda pois, concretamente, com base documental, sabe-se muito
pouco da sua história.
Pensa-se que terá nascido por volta de 1524. A sua formação académica foi realizada em Coimbra.
A sua vida foi especialmente marcada por duas atividades: as armas, nos combates em que participou no Norte de
África e onde perdeu um dos seus olhos, e as letras.
Terá sido na Índia que o poeta iniciou a escrita do primeiro Canto d’Os Lusíadas. Mais tarde, em Macau, terá
composto mais seis Cantos. Conta-se que durante uma viagem para Goa, o barco em que Camões seguia naufragou
e o poeta salvou o seu poema épico, nadando apenas com um braço e erguendo o outro fora da água.
Pensa-se que foi em Moçambique que terminou a epopeia, que veio a ser publicada pela primeira vez em 1572 com
o apoio do rei D. Sebastião. Esta obra é, hoje, mundialmente conhecida e Camões tornou-se o escritor português
mais célebre.
Apesar da sua grandiosidade, Camões viveu sempre com muitas dificuldades e desilusões. A sociedade
corrompida e decadente em que se inseria nunca o reconheceu. As pessoas do seu tempo não souberam valorizar
nem a obra nem o poeta. Após vários anos amargurados pela doença e pela miséria, o poeta morreu em 1580, no
dia 10 de junho.
Camões escreveu Os Lusíadas sob a forma de narrativa épica ou epopeia, forma muito utilizada na Antiguidade
Clássica e que Camões conhecia bem.
 
Definição de epopeia
Uma epopeia, forma literária da Antiguidade Clássica, define-se como uma narrativa, estruturada em verso, que
narra, através de uma linguagem cuidada, os feitos grandiosos, de um herói, com interesse para toda a
Humanidade.

A descoberta de caminho marítimo para a Índia

O alargamento territorial por via marítima não era novidade em Portugal, visto que já no reinado de D. Afonso

IV (1325-1357) se tinha realizado uma expedição às Canárias. A navegação de

longa distância fazia-se há muito, e recebera particular impulso com D. Dinis (1279-

1325); mas os navios seguiam rotas ao longo da costa, condição fundamental para

garantir o abastecimento e diminuir os riscos.

Para que a viagem de Bartolomeu Dias fosse possível, os portugueses tiveram de construir a caravela, um navio

revolucionário para a época: rápido, leve, ágil, capaz de navegar tanto em alto mar como junto à costa, foi o

verdadeiro instrumento das viagens de descoberta.


A caravela estava equipada com velas triangulares (velas latinas), importantes para que fosse possível bolinar, isto

é, navegar mesmo quando os ventos eram contrários. Foram também utilizados, pela primeira vez, meios práticos e

seguros de fazer cálculos astronómicos e determinar a posição e a rota dos navios, com instrumentos como

o astrolábio, o quadrante e a balestilha.

O feito de Bartolomeu Dias teve longos antecedentes de tentativas, estudos e esforços científicos. O próprio Infante

D. Henrique se rodeou, na sua casa de Lagos, de um conjunto de cosmógrafos e cartógrafos de origem catalã,

maiorquina e genovesa, com o objetivo de preparar devidamente os comandantes das suas expedições. Foi esta a

verdadeira “escola náutica”. Os resultados deste esforço foram

notáveis: pela primeira vez fazia-se navegação astronómica, rigorosa e

científica.

Em 1488, o pequeno grupo de navios

conduzidos por Bartolomeu Dias, que seguia

ao longo da Costa Ocidental de África,

ignorando que estava muito perto do seu extremo, desviou-se cerca de 30º para sul, e

encontrou-se em pleno Atlântico, sem conseguir avistar terra.  Para retomar o contacto

com a costa, as caravelas tiveram de seguir para nordeste, e acabaram por dobrar o

temível cabo das Tormentas, identificado n' Os Lusíadas  com a figura do gigante Adamastor, que parecia marcar o

fim do mundo. A frota estava a leste do Cabo, pela primeira vez na história dos Descobrimentos portugueses. A zona

passou a ter o nome de Cabo da Boa Esperança.

A dobragem do cabo da Boa Esperança foi simultaneamente o descobrimento da passagem para o oceano Índico,

e o apontar do caminho para o Oriente tão desejado, terra rica e promissora, quase mítica no imaginário europeu.

A viagem de Vasco da Gama

O Oriente era conhecido pelos Europeus, que muito apreciavam os produtos exóticos de lá trazidos


pelos comerciantes árabes, através das rotas do Levante.

Mas o contacto direto com as zonas produtoras da Índia, da Pérsia e da China, ricas em especiarias, sedas, tapetes,
porcelanas, madeiras preciosas e outros objetos de luxo, tinha as suas rotas tradicionais bem estabelecidas.

O comércio a partir do mar Vermelho e do golfo Pérsico era monopolizado pelos mercadores muçulmanos, a
quem as cidades italianas, que dominavam o Mediterrâneo (sobretudo Génova e Veneza), compravam a
mercadoria, que depois se encarregavam de vender à Europa a peso de ouro.
Era um negócio de lucros imensos, que D. João II (1482-1495)
desejava para si; evitar a concorrência dos Italianos e a resistência
dos Árabes só era possível contornando a África pelo Sul, para
alcançar a Índia por um caminho alternativo ao tradicional.

O sonho de D. João II foi retomado por D. Manuel I (1495-1521). D.


Estêvão da Gama, capitão-mor da vila de Sines, fora o primeiro
escolhido para a continuação dos descobrimentos da costa
oriental africana, e para o empreendimento da Índia. Mas a sua
morte fez com que o seu quarto filho, Vasco da Gama, se visse à
frente do projeto com apenas 29 anos de idade.

A frota comandada por Vasco da Gama, simultaneamente


almirante e embaixador do reino, encarregado de estabelecer
relações diplomáticas e comerciais com o samorim de
Calecute, partiu do Restelo a 8 de Julho de 1497. Era constituída
por três naus: a S. Gabriel, comandada pelo chefe da expedição,
a S. Rafael, comandada pelo seu irmão Paulo da Gama, e a Bérrio, dirigida pelo navegador Nicolau Coelho, além de
uma pequena caravela com mantimentos.

A frota seguiu pelo alto mar, quase se aproximando do Brasil, fazendo aquilo que os marinheiros chamavam “a
volta”, para evitar os ventos contrários da Costa Ocidental Africana, visto que levavam naus e não as ágeis e
manobráveis caravelas.

O cabo da Boa Esperança, onde Camões imagina o encontro de Vasco da Gama com o gigante Adamastor, foi
atingido em novembro e, a partir daí, a navegação fez-se pelo Índico. Muitos dos marinheiros estavam então
atacados de escorbuto, doença terrível motivada pela carência de alimentos frescos, que minou a tripulação.

Durante a viagem ao longo da costa oriental de África, os marinheiros portugueses tiveram alguns encontros com
nativos locais, que inspiraram o episódio de Fernão Veloso em Os Lusíadas.

Em Março de 1498, no porto da ilha de Moçambique, Vasco da Gama viu barcos árabes a carregar mercadorias, e
quis beneficiar de vantagens semelhantes, o que acabou por desencadear manifestações de hostilidade do chefe
local.

Mais tarde, em Mombaça, os portugueses tiveram um acolhimento semelhante, sofrendo a traição de um piloto
negro, pelo que foram obrigados a usar a artilharia de bordo para escapar.

Finalmente, o sultão de Melinde recebeu muito bem o almirante português, visitou as naus, e colocou à sua
disposição um excelente piloto árabe, que ajudou a conduzir a frota à costa do Malabar.

A cidade de Calecute foi alcançada em 20 de maio de 1498, concluindo-se assim a primeira ligação marítima, por via
atlântica, entre a Europa e o Oriente. A primeira receção do samorim de Calecute foi favorável ao estabelecimento
de relações comerciais entre a região e a Coroa portuguesa.

Todavia, a missão de Vasco da Gama, ficaria também marcada pela hostilidade dos mercadores árabes
estabelecidos na zona, que temendo a concorrência, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para sabotar as
negociações do representante de Portugal.

Mas, Vasco da Gama, revelando-se excelente diplomata, acabou por conseguir um carregamento de especiarias
que cobriu os gastos da expedição, quando regressou ao reino, recebeu excelentes recompensas régias.

Parecia então aberto ao comércio com Portugal, e permitiu a criação do Estado Português da Índia, mantido até
finais do séc. XVI, sob a direção de vários Governadores e Vice-reis, representantes da Coroa portuguesa, entre os
quais esteve o próprio Vasco da Gama.
O tráfico com o Oriente seria, durante quase todo o século XVI, um monopólio real.

AS FONTES
NACIONAIS
 
    Literárias
            Tragédia A Castro de A . Ferreira
        Trovas à Morte de Inês de Castro de Garcia de Resende
        Vincentius ( as Ninfas do Tejo – Tágides) de André Resende
    Históricas
        Narrativas:
                    História Trágico - Marítima (descrição dos naufrágios)
                    Roteiro de Viagem de Vasco da Gama
        Historiadores / Cronistas:
                    Fernão Lopes (Feitos dos reinados de D. Pedro, D. Fernando e D. João I); Fernão Lopes de Castanheda – A
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses
                    João de Barros
                    Duarte Galvão (Feitos de D. Afonso Henriques)
                    Rui de Pina (Feitos dos reis da 1ª Dinastia até D. Afonso IV)
                    Gomes Eanes de Zurara (Feitos do Infante D. Henrique)
    Científicas sobre Astronomia Cartografia Geografia Filosofia Roteiros
ESTRANGEIRAS
 
    Literárias
                Textos Clássicos da Antiguidade
                Eneida de Virgílio (Estrutura interna;
                        Proposição, Invocação, Narração a meio da viagem;
                        Súplica de Vénus a Júpiter; Profecias de Júpiter;
                        Episódio da tempestade;
                        Receção de Gama pelo rei de Melinde;
                        Intervenção dos deuses como adjuvantes e oponentes.)
                Ilíada e Odisseia de Homero
                As Metamorfoses de Ovídio
    Renascimento Italiano
                Orlando Innamorato de Boiardo
                Orlando Furioso de Ariosto (verso decassilábico, oitava com rima ab ab ab cc)
                        Obras mitológicas
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OUTRAS FONTES
                                    A experiência pessoal do Poeta.

Epopeias Clássicas

Homero - poeta grego

Poeta épico grego que viveu nos anos 900 a. C., segundo Heródoto, considerado autor das

duas maiores epopeias da Humanidade - a Ilíada e a Odisseia.


Na época alexandrina levantaram-se sérias dúvidas sobre a atribuição destas duas epopeias a Homero. Considerava-

se impossível que as duas obras fossem do mesmo autor. Aristarco, célebre crítico, não era dessa opinião e

considerava que a Ilíada seria uma obra da juventude de Homero, enquanto que a Odisseia seria da sua velhice.

No séc. XVI quase ninguém duvidava de que fosse Homero o autor dessas geniais epopeias.

Mas no séc. XVIII, o filólogo alemão Wolf, lança de novo a dúvida e sustenta que a Ilíada e a Odisseia eram

fragmentos épicos de épocas e origens várias reunidos depois segundo um plano lógico.

Várias outras teorias foram aparecendo, mas a que hoje parece prevalecer é a de que o poeta a que a tradição

chama de Homero e que representa como velho e cego, é realmente o autor da Ilíada e da Odisseia, pelo menos

nos seus episódios essenciais.

1- Ilíada de Homero

Uma das duas grandes epopeias atribuídas ao poeta grego Homero.

A Ilíada está ligada ao ciclo das lendas troianas. Segundo a lenda, Páris, filho de

Príamo, rei de Troia, havia raptado Helena, mulher de Menelau.

Para a recuperar, os gregos, desembarcaram com as suas tropas e puseram cerco

a Troia. Este cerco durou dez anos. A Ilíada, poema sobre Ílion (Troia), narra

apenas um episódio deste cerco - a cólera de Aquiles.

O poema consta de XXIV cantos divididos em 5 partes (I; II-X; XI-XIV; XV-XIX; XX-

XXIV):
Canto I - Durante a Guerra de Troia, Aquiles, irritado porque lhe roubaram a
escrava Briseida, retira-se para o seu acampamento e decide não voltar a tomar
parte no cerco.
Canto II - Os Gregos, desanimados, decidem regressar, mas Ulisses impede-os.
Canto III - Helena, do cimo das muralhas de Troia, aponta a Príamo os principais chefes gregos. Páris é salvo por
Afrodite quando está na iminência de ser vencido por Menelau em combate singular.
Canto IV - Um archeiro, durante as tréguas, fere Menelau com uma seta. Agamémnon exorta os Gregos a combater.
Canto V - Inicia-se uma primeira batalha em que Diomedes se distingue pelas suas explorações.
Canto VI - Heitor, novamente em Tróia, reprova a covardia de Páris.
Canto VII - Heitor luta contra Ajax até à morte sem resultado. No dia seguinte, Gregos e Troianos fazem tréguas para
enterrar os mortos.
Cantos VIII - Trava-se uma segunda batalha em que os Gregos são repelidos pelos Troianos.
Canto IX - Os Gregos enviam uma embaixada a Aquiles. Ajax, Ulisses e Fénix tentam acalmá-lo, em vão.
Canto X - Ulisses e Diomedes fazem de noite o reconhecimento do campo dos Troianos e matam, para além de Risos
e dos seus trácios, o espião Dólon. Por isso este canto é conhecido por Dolonia.
Canto XI - Terceira grande batalha, em que Agamémnon desempenha o papel principal. Derrota dos Gregos.
Canto XII - Os Troianos aproveitam o êxito para entrar no campo dos Gregos.
Canto XIII - Os Gregos contra-atacam e anulam o ataque dos Troianos.
Canto XIV - Hera consegue desviar a atenção de Zeus e a vitória começa a inclinar-se para os Gregos.
Canto XV - Zeus, desperto, envia Apolo a socorrer os Troianos. Apolo leva Heitor a avançar para os barcos dos
Gregos.
Canto XVI - Aquiles empresta as suas armas a Pátroclo. Os Troianos julgam que é Ulisses e fogem. Mas Heitor mata
Pátroclo.
Canto XVII - Gera-se luta em torno do corpo de Pátroclo e os Gregos conseguem finalmente levá-lo. Mas Heitor
tinha-lhe retirado as armas de Aquiles.
Canto XVIII - Aquiles, ao saber da morte do amigo, exprime o seu desgosto e promete vingá-lo. A mãe, Tétis, faz com
que Vulcano lhe fabrique armas prodigiosas. É aqui que aparece a famosíssima descrição do escudo de Aquiles.
Canto XIX - A escrava Briseida é restituída a Aquiles e o diferendo entre ele e Agamémnon fica sanado. Todos se
preparam para combater, contando já com Aquiles.
Canto XX - Vai travar-se a quarta batalha da Ilíada; esta vai ser a batalha decisiva e será favorável aos gregos.
Os deuses, inicialmente, também entram na batalha, mas depois retiram-se. Aquiles semeia a morte entre os
Troianos.
Canto XXI - Os rios Xanto e Simoente intervêm em favor dos Troianos, e perseguem Aquiles com as suas águas, mas
Vulcano fá-los recuar com o fogo e os Troianos têm de se refugiar dentro das muralhas.
Canto XXII - Heitor fica só diante da muralha e, ao encontrar Aquiles, primeiro, foge de medo, mas depois resiste e é
morto por ele. Aquiles arrasta o cadáver de Heitor perante o desespero dos sitiados.
Canto XXIII - Aquiles celebra os funerais de Pátroclo com jogos, corridas e combates.
Canto XXIV - Zeus inspira a Príamo que vá à tenda de Aquiles pedir o corpo do seu filho Heitor. Aquiles, comovido
pela recordação do seu próprio pai Peleu, restitui-lhe o cadáver. A epopeia acaba com as exéquias de Heitor no meio
das lamentações de Andrómaca, Hécuba e Helena.

*A Ilíada, postos de lado os problemas sobre a sua origem, é um poema que vale pela beleza do conjunto, e pela

arte, original e genuinamente grega - a arte homérica. Merecem especial estudo as comparações, os caracteres, o

maravilhoso, e, numa palavra, o estilo.

2- Odisseia de Homero

Uma das duas epopeias atribuídas ao poeta grego Homero. Como o da Ilíada, o enredo da Odisseia está relacionado

com as lendas da Guerra de Troia.

Depois da tomada de Troia, graças ao estratagema do cavalo de

madeira, os vencedores incendiaram-na e voltaram à Grécia.

No seu regresso, os chefes gregos tiveram sorte vária.

Agamémnon foi assassinado pela mulher na sua chegada a Argos;

Ulisses errou pelos mares fora até conseguir chegar a Ítaca, dez anos depois...  É precisamente este vaguear de

Ulisses o assunto da Odisseia.

Tal como a Ilíada, a Odisseia consta de 24 cantos, divididos em cinco partes (I-IV; V-VIII;IX-XII; XIII-XVI; XVII-XXIV).
Canto I - Ulisses, perdido no seu regresso de Troia, é retido na ilha da ninfa Calipso. Em Ítaca, haviam-se instalado no
seu palácio, os pretendentes à mão de Penélope sua esposa. Minerva
aconselha Telémaco, filho de Ulisses, a partir à sua procura.
Canto II - Contra a vontade dos pretendentes à mão da sua mãe,
Telémaco faz-se à vela para o Peloponeso.
Canto III - Em Pilos, informa-se junto de Nestor e ruma a Esparta.
Canto IV - Em Esparta recebe o melhor acolhimento de Menelau e
Helena; mas em Ítaca os pretendentes preparam-lhe uma emboscada.
(Esta parte da epopeia, denominada Telemaquia, é considerada por
alguns críticos como dispensável na economia do poema, concluindo
que ela terá sido acrescentada ao plano inicial deste).
Canto V - Zeus ordena a Calipso que deixe partir Ulisses, e este navega
durante dezoito dias. Mas Neptuno desencadeia uma tempestade que o faz naufragar. A custo consegue chegar a
terra, na foz de um rio, na ilha dos Feácios.
Canto VI - Nausica, filha do rei Alcino, com as suas companheiras, encontra-o e leva-o para o palácio do pai.
Canto VII - Ulisses é recebido com simpatia no sumptuoso palácio e conta as suas aventuras sem se dar a conhecer.
Canto VIII - Alcino dá um banquete durante o qual um aedo canta episódios da Guerra de Troia. Ulisses, incapaz de
conter a emoção, identifica-se. O rei convida-o a contar as suas viagens.
Canto IX - Ulisses conta como depois da sua partida de Troia foi arrastado por uma tempestade para o país dos
Lotófagos. Daí foi parar à ilha dos Ciclopes onde escapou com astúcia e coragem à crueldade de Polifemo.
Canto X - Embarca de novo e depois de abordar a Ilha de Éolo e passar pela terra dos antropófagos Lestrígones,
estadia na ilha da maga Circe.
Canto XI - Dirige-se à terra dos Cimérios, onde habitam os mortos, para consultar o adivinho Tirésias. Aí encontra as
sombras dos seus antigos companheiros.
Canto XII - Depois de escapar à sedução das sereias, passa pelos escolhos de
Cila e Caríbdis. Mais tarde, os seus companheiros são fulminados por
pretenderem roubar as novilhas do Sol. Nova tempestade atirou-o para a Ilha
Ogígia, onde morava a ninfa Calipso que o reteve durante sete anos.
Canto XXI - Encantado com as suas narrativas, Alcino manda os seus hábeis
marinheiros levar Ulisses a Ítaca. Minerva aparece-lhe, na praia, recomenda-
lhe prudência e dá-lhe o aspeto de mendigo.
Canto XIV - Ulisses dirige-se a uma das suas propriedades onde encontra o
velho porqueiro Eumeu. Mesmo sem dizer quem é, Ulisses é recebido
cordialmente.
Canto XV - Entretanto Telémaco regressa a Ítaca, vindo de casa de Menelau, e
dirige-se também para casa do porqueiro Eumeu.
Canto XVI - Ulisses dá-se a conhecer ao filho e os dois preparam-se para
escorraçar do palácio os pretendentes.
Canto XVII - Quando Ulisses chega ao palácio como um mendigo, recebe insultos dos pretendentes, mas Penélope
protege-o.
Canto XVIII - Tem de se defender do mendigo Irós e sofrer humilhações várias.
Canto XIX - Numa breve conversa com Penélope, faz-lhe ter esperança no regresso de Ulisses. A velha serva Euricleia
reconhece-o, mas Ulisses ordena-lhe que não diga nada.
Canto XX - No palácio os pretendentes dissipam os bens de Ulisses em
sumptuosos banquetes numa festa em honra de Apolo.
Canto XXI - Penélope finge que desposará aquele dos pretendentes que
conseguir dobrar o arco de Ulisses; nenhum o consegue. Ulisses então
apodera-se do arco e dobra-o com toda a facilidade.
Canto XXII - Ulisses dá-se a conhecer e, dirigindo as setas para os
pretendentes, ajudado por Telémaco, massacra-os a todos.
Canto XIII - Dissipadas todas as dúvidas de Penélope, prudente e incrédula,
contam um ao outro as suas desventuras.
Canto XXIV - No dia seguinte Ulisses dirige-se a casa de Laertes, seu velho pai.
Minerva apazigua os familiares dos pretendentes mortos.

*A Odisseia, do ponto de vista da unidade, é mais completa que a Ilíada, embora a sua estrutura seja menos

simples. A Odisseia é uma epopeia de viagens e aventuras serenas, enquanto a Ilíada é uma epopeia guerreira. De

salientar a marcação dos caracteres das personagens de primeiro plano.  Ulisses distingue-se pela sua coragem,

pela sua prudência e destreza. Nada o faz demover do seu intento.  Penélope é prudente e perseverante como

Ulisses. A sua fidelidade tornou-se proverbial. Telémaco é prudente como o pai, mas orgulhoso e impulsivo.

Virgílio - poeta latino

 
Publius Vergilius Maro nasceu em 70 a. C., em Andes, perto de Mântua, de

família modesta (o pai era lavrador) mas que lhe proporcionou uma boa

instrução. Estudou inicialmente em Cremona e depois em Nápoles e Milão, onde

terá composto os pequenos poemas, como Culex e Copa, que lhe são atribuídos.

Apresentado ao governador da Gália Cisalpina, Polião, compôs as Bucólicas (41-39

a. C.). Através de Mecenas conheceu Horácio. Aconselhado por Mecenas, e para

servir os projetos de Augusto, que desejava fazer renascer na Itália a agricultura e

os velhos costumes, produziu as Geórgicas.

Empreendeu depois a composição da Eneida, sempre com todo o apoio e interesse de Augusto. Para acabar este

poema quis conhecer a Grécia. Morreu em Brindes (19 a. C.) no retorno dessa viagem. Tinha 51 anos.

A Eneida, inacabada, foi publicada pelos seus amigos que, felizmente, não a destruíram como era sua

vontade. Virgílio, cisalpino e quase celta, é incontestavelmente o poeta mais perfeito da literatura romana. A sua

doçura e a sua melancolia sonhadora são quase exceção na história do espírito latino.

3-Eneida de Virgílio

Poema épico em 12 cantos, da autoria do poeta latino Virgílio (Publius Vergilius Maro). É a narrativa das aventuras

lendárias do troiano Eneias, filho de Anquises e de Vénus,

antepassado dos Romanos, de quem a família de Júlio César

se dizia descendente.

No dia seguinte à tomada de Troia, Eneias leva consigo os

deuses de Ílio (Troia) - tem a missão divina de fundar uma

nova pátria, que será um dia a cidade de Rómulo.

As viagens de Eneias antes de chegar à Itália e os combates

que tem de travar com os Italianos antes de casar com a filha do rei latino, são as grandes linhas do poema. A

imitação homérica é evidente. Sainte-Beuve dizia que os seis primeiros cantos são uma Odisseia e os seis últimos,

uma Ilíada.

Mas o centro e a alma da epopeia é Roma e o pensamento constante de Virgílio é o de celebrar as origens e a

história da cidade eterna.

O verso do poema é o hexâmetro dactílico. Há um certo número de versos incompletos que Virgílio não teve tempo

de ultimar.

A Guerra de Troia
A grande força grega, cujos maiores heróis eram Agamémnon, Menelau, Ulisses e Aquiles, estava pronta para partir.
E assim foi.
No sétimo ano de guerra, os troianos
tinham fugido da matança de Aquiles e
buscado refúgio atrás de suas muralhas,
mas Heitor permaneceu fora dos portões,
deliberadamente esperando pelo duelo
que sabia ter que enfrentar. Quando
Aquiles finalmente surgiu, Heitor foi
tomado de compreensível terror e virou-
se para fugir. Percorreram três voltas ao
redor das muralhas de Troia antes que
Heitor parasse e destemidamente
enfrentasse seu bravo oponente.
A lança de Aquiles alojou-se na garganta
de Heitor, caindo este ao chão. Mal
podendo falar, Heitor pediu a Aquiles
que permitisse que seu corpo fosse resgatado após sua morte, mas Aquiles estando furioso, negou seu apelo e
começou a sujeitar o corpo de Heitor a grandes indignidades. Primeiro arrastou-o pelos calcanhares ao redor das
muralhas da cidade, para que toda Troia pudesse ver. A seguir levou o corpo de volta ao acampamento grego,
onde este ficou jogado sem cuidados em choupanas.
Após a morte de Heitor, um grande número de aliados veio ao auxílio
dos troianos, incluindo as Amazonas e os Etíopes. Todos foram mortos
por Aquiles, mas ele sempre soube que estava destinado a morrer em
Troia, longe de sua terra natal.
Príamo, pai de Heitor, pede ajuda às Ninfas do Mar e a Poseidon,
querendo saber o ponto fraco de Aquiles e descobre que a mãe sua
mãe, Tétis, quis tornar seu filho imortal e quando este era ainda um
bebé, levou-o ao Mundo Inferior e o submergiu nas águas do rio
Estige; isto tornou seu corpo imune aos ferimentos, exceto pelo
calcanhar, o qual ela utilizou para segurá-lo, justamente onde foi
atingido pela flecha lançada do arco de Príamo.
Após a morte de seu maior campeão, os gregos recorreram à astúcia nos seus esforços de capturar Troia, que tinha
aguentado seu cerco por dez longos anos. Ulisses teve a ideia de construir um cavalo de madeira para ser ofertado
aos troianos, como símbolo de sua rendição. Ao ficar pronto, um grupo composto pelos gregos mais corajosos,
incluindo Ulisses, entrou no cavalo e rumaram a Troia.
O cavalo de madeira foi ofertado a Príamo por Euríloco, um grego que fingia trair seu povo em troca de
perdão. Laocoonte, considerado um adivinho em Troia, alertou que o presente era uma armadilha. Disse ainda que
os troianos não deveriam confiar no presente dos gregos. Logo em seguida as serpentes de Poseidon o enlaçaram e
estrangularam. Com este augúrio, os troianos não hesitaram mais e começaram a mover o grande cavalo para
dentro de suas muralhas, derrubando suas fortificações de modo a poder fazê-lo entrar. Hoje em dia usamos
muito a expressão "presente de grego", que surgiu nessa ocasião.
Ao cair da noite, os heróis que estavam confinados dentro do
cavalo, estando pronta a cena para o saque de Troia, saíram de seu
esconderijo e começaram a matança. Os homens lutaram
desesperadamente, resolvidos a vender caro suas vidas,
horrorizados pela visão de suas mulheres e filhos sendo arrancados
de seus refúgios para serem mortos ou aprisionados. Mais
deplorável foi a morte de Príamo, assassinado no altar de seu
parque por Neoptólemo, filho de Aquiles.
Ao findar a batalha, Ulisses chega à beira-mar e desafia os deuses
dizendo: "Viram, deuses do mar e do céu, eu conquistei Troia. Eu,
Ulisses, um mortal de carne e osso, de sangue e mente. Não preciso de vocês agora. Posso fazer qualquer coisa".
Poseidon, sentindo-se ofendido pergunta o porquê de estar sendo desafiado e lembra de que sua ajuda foi crucial
ao mandar suas serpentes matar Laocoonte, só assim o cavalo pôde ser introduzido em Troia.
Irado por Ulisses recusar-se a agradecer e por sua arrogância, Poseidon diz que os homens não são nada sem os
deuses e o condena a vagar para sempre em suas águas e nunca mais voltar a costa de Ítaca. Ulisses não se
arrepende e diz que nada nunca o deterá.
Seguem-se dez longos anos até que Ulisses volte à sua terra natal, sendo este período narrado na Odisseia.

Epopeia

Os Lusíadas são uma epopeia de estrutura e ideologia clássicas.


A epopeia ou poema épico pertence ao modo narrativo. Tem as suas mais notáveis manifestações literárias
na antiguidade clássica de que são exemplo a Odisseia e a Ilíada, do poeta grego Homero, e a Eneida, do poeta
latino Virgílio. Epopeia é uma narrativa, em verso, em estilo elevado, celebrando e glorificando os feitos de um
povo ou de heróis (reais ou lendários). As personagens das epopeias, que podem ser individuais ou coletivas,
representam a História e a cultura de um povo. Apesar do seu fundo histórico, a epopeia não é uma narrativa
histórica.
Os elementos da epopeia:
  - a AÇÃO
Deve ter grandeza/solenidade, destacar acontecimentos com interesse universal e possuir unidade (fio
condutor da narração), deve ser a expressão do heroísmo.  O assunto, numa epopeia, deverá, por isso, ter
um caráter excecional. Nem todas as ações são suscetíveis de serem tratadas de forma épica; é necessário que, no
entendimento do narrador (e do seu público), essas ações se distanciem dos acontecimentos vulgares, assumam
um caráter de excecionalidade.
Nas epopeias primitivas os feitos narrados são de carácter lendário, embora essas ficções tenham sempre
um fundo histórico. O início da narração dos acontecimentos deve ser “in media res”, ou seja, quando a ação se
encontra numa fase adiantada.   A Ilíada narra a guerra entre gregos e troianos, que se prolonga durante dez anos
e termina com a vitória dos gregos. Na Odisseia, o herói, Ulisses, depois de terminada a guerra de Troia, procura
voltar para casa, a ilha de Ítaca, onde era rei, mas durante a viagem de barco vê-se envolvido em numerosas
aventuras, acabando por chegar ao fim de dez anos. A Eneida narra as viagens de Eneias pelo Mediterrâneo,
depois da destruição de Troia, em busca de um lugar para edificar uma nova cidade. Terá encontrado esse lugar
em Itália, estando, segundo a lenda, na origem de Roma.
Em Os Lusíadas a ação principal é a viagem marítima de Vasco da Gama à Índia. A
inclusão de pequenas narrativas (ex: episódio do Gigante Adamastor ou episódio de Inês de
Castro) reais ou imaginárias serve para embelezar e enriquecer a ação.
  - as PERSONAGENS
Deve existir um herói, um ser de exceção, um ser que, pela sua origem, pelas suas
características, se distancie, se imponha aos seus semelhantes, pouco importando que se trate
de um indivíduo ou de uma coletividade (herói individual ou herói coletivo).  
Na Ilíada[1] e na Odisseia[2], escritas no século VI a.C., o herói é individual: num
caso, Aquiles; no outro, Ulisses. Já na Eneida[3] de Virgílio há uma certa ambiguidade: o herói
parece ser individual, Eneias, mas na realidade o objetivo do poema é exaltar o povo romano.
N’ Os Lusíadas o herói é, como o título indica, coletivo — o povo português. (herói coletivo), representado
simbolicamente na figura do comandante das naus, Vasco da Gama;
[1]
 Ilíada – Poema épico, atribuído a Homero, escrito no séc. VI a.C.
[2]
 Odisseia – Outro poema épico do séc. VI a.C., igualmente atribuído a Homero.
[3]
 Eneida – Poema épico, escrito por Virgílio no séc. I a.C.
  - o MARAVILHOSO
Deve caracterizar-se pelas  intervenções de entidades sobrenaturais (os
deuses). Camões imaginou um conflito entre os deuses pagãos: Baco opõe-se à chegada
dos portugueses à Índia, pois receia que o seu prestígio
seja colocado em segundo plano pela glória dos
portugueses, enquanto Vénus, apoiada por Marte, os protege.
            Pode parecer estranho que Camões incluísse num poema destinado a
exaltar um povo cristão os deuses pagãos, mas algumas razões permitem
compreender essa atitude:
                1- Como vimos, a simples narrativa da viagem seria algo monótona,
tanto mais que Vasco da Gama e os seus marinheiros têm um caráter rígido, quase inumano: são determinados e
inflexíveis, imunes às hesitações, à dúvida, às angústias. Não há ao nível da viagem qualquer conflito. Para
introduzir o necessário dramatismo na narrativa, Camões teve que imaginar um conflito externo, o conflito
entre Vénus e Baco.
                2- Os poemas épicos renascentistas são epopeias de imitação e como tal sujeitas a regras estritas. Uma
dessas regras impunha ao poeta a introdução de episódios maravilhosos, envolvendo quase sempre deuses da
mitologia greco-latina, à semelhança do que acontecia nos poemas homéricos ou na Eneida.
                3- Finalmente, o recurso aos deuses pagãos é mais uma forma de o poeta engrandecer os feitos dos
portugueses. Nas suas intervenções, os deuses frequentemente referem-se-lhe de forma elogiosa. Além disso, o
simples facto de a disputa entre os deuses ter como objeto os portugueses é já uma forma indireta de os
exaltar.
  - a FORMA
Deve possuir uma determinada estrutura  e partes constituintes.

                                                        Na sua ESTRUTURA EXTERNA (formal, sem olhar ao conteúdo), o poema


apresenta-se com:
      - um título - Os Lusíadas;
      - dez cantos (de mais ou menos 110 estrofes cada, sendo o X o mais longo);
      - estrofes, constituídas por oito versos cada (oitavas);
      - rima nas estrofes: (a,b,a,b,a,b,c,c) rima cruzada nos seis primeiros versos e os dois últimos são
emparelhados;
      - versos de dez sílabas métricas (decassílabos), geralmente com acento rítmico na 6ª e 10ª sílabas
(heroicos), o que lhe confere um ritmo grave e vigoroso.
                                                        A sua ESTRUTURA INTERNA (desenvolvimento do assunto) integra:
      - a Proposição. É a primeira parte de Os Lusíadas onde é apresentado o sumário da obra. O poeta anuncia
que vai cantar «...o peito ilustre Lusitano», isto é, os guerreiros e navegadores, os reis que permitiram a dilatação
da Fé e do Império e todos os que, pelas suas obras, se imortalizaram. A Proposição é composta pelas três
primeiras estrofes do canto I.
- a Invocação. Pedidos de ajuda do poeta para cantar com "um estilo grandíloco e corrente" aquilo a que
se propôs. Os pedidos são dirigidos às Tágides - Ninfas do Tejo e do Mondego e a                                     Calíope -
musa da poesia épica.
      - a Dedicatória. O poeta dedica o poema a D. Sebastião (I, 6-18) – novidade nas epopeias;
      - a Narração. O desenrolar da ação que inicia "in medias res" = meio da ação, (viagem da descoberta do
caminho marítimo para a Índia ).
 
 
  A obra desenvolve-se em volta de
quatro PLANOS fundamentais que se entrecruzam na narrativa,
conseguindo a unidade de ação exigida pela epopeia.
      Plano da VIAGEM
acontecimentos ocorridos durante a viagem entre Lisboa e
Calecut. É narrada sobretudo nos cantos I, II, V, VI, VII, VIII:    
Ø  partida;
Ø  peripécias da viagem;
Ø  paragem em Melinde;
Ø  chegada a Calecut;
Ø  regresso;
Ø  chegada a Lisboa.
Plano da HISTÓRIA DE PORTUGAL
  1- em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei a História do seu país:   - início da nacionalidade , 1ª Dinastia
e 2ª Dinastia até D. Manuel I.
          2- em Calecut, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e personagens
representados nas bandeiras das naus.
               3- a história posterior à viagem do Gama é-nos narrada através de profecias.
 
Plano da MITOLOGIA
 
O plano mitológico de Os Lusíadas  é apresentado pela intervenção de seres
sobrenaturais - os deuses; são eles que contribuem para a evolução da ação. Alguns deuses
opõem-se à conquista do objeto (descoberta do caminho marítimo para a Índia), outros
favorecem-na. Baco é o principal oponente, e Vénus e Marte são os principais adjuvantes
(apoiantes).      
Plano do POETA
 
Este plano diz respeito às considerações que o poeta faz, nomeadamente, no início e no fim dos cantos,
revelando as suas opiniões, reflexões, críticas, lamentações e exortações. Numa epopeia, a intervenção do poeta
deve ser reduzida.
 

ESTRUTURA DA OBRA

Os Lusíadas

A sua ESTRUTURA EXTERNA (formal, sem olhar ao conteúdo), o poema apresenta-se com:

                    - um título;

                    - dez cantos (de mais ou menos 110 estrofes cada, sendo o X o mais longo);

                    - estrofes, constituídas por oito versos cada (oitavas);

                    - rima nas estrofes: (a,b,a,b,a,b,c,c) rima cruzada nos seis primeiros versos e os dois últimos são

emparelhados;

                    - versos de dez sílabas métricas (decassílabos), geralmente com acento rítmico na 6ª e 10ª sílabas

(heroicos), o que lhe confere um ritmo grave e vigoroso.

A sua ESTRUTURA INTERNA (desenvolvimento do assunto) integra:

                - a Proposição. É a primeira parte de Os Lusíadas onde é apresentado o sumário da obra. O poeta anuncia

que vai cantar «...o peito ilustre Lusitano», isto é, os guerreiros e navegadores, os reis que permitiram a dilatação da

Fé e do Império e todos os que, pelas suas obras, se imortalizaram. A Proposição é composta pelas três primeiras

estâncias do canto I.
            - a Invocação. Pedidos de ajuda do poeta para cantar com "um estilo grandíloco e corrente" aquilo a que se

propôs: canto I, 4-5 Às Tágides; canto III, 1-2 A Calíope, canto VII, 78-87, Às Ninfas do Tejo e do Mondego, canto X, 8-

9 A Calíope);

            - a Dedicatória. O poeta dedica o poema a D. Sebastião (canto I, 6-18) – novidade nas epopeias;

            - a Narração. O desenrolar da ação que inicia "in medias res" = meio da ação, (viagem da descoberta do

caminho marítimo para a Índia e História de Portugal).

OS PLANOS

A obra desenvolve-se em volta de quatro PLANOS fundamentais que se entrecruzam na narrativa.

        Plano da VIAGEM

            Acontecimentos ocorridos durante a viagem entre Lisboa e Calecut. É narrada sobretudo nos cantos I, II, V,

VI, VII, VIII:

                   Ø partida;

                   Ø peripécias da viagem;

                    Ø paragem em Melinde;

                    Ø chegada a Calecut,;

                    Ø regresso;

                    Ø chegada a Lisboa.

            Plano da HISTÓRIA DE PORTUGAL

                        1- em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei a História do seu país: canto III - início da nacionalidade e

1ª Dinastia; canto IV – 2ª Dinastia até D. Manuel I.

                2- em Calecut, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e personagens representados nas bandeiras

das naus: canto VIII

                3- a história posterior à viagem do Gama é-nos narrada através de profecias.

        Plano da MITOLOGIA

O plano mitológico de Os Lusíadas é apresentado pela intervenção de seres sobrenaturais (deuses católico e pagãos

assim como outros entes metafísicos)- os deuses; são eles que contribuem para a evolução da ação. Alguns deuses

opõem-se à conquista do objeto (descoberta do caminho marítimo para a Índia), outros favorecem-na. Baco é o

principal oponente, e Vénus e Marte são os principais adjuvantes (cantos I, II, VI, IX, X).

    Plano do POETA

Este plano diz respeito às considerações que o poeta faz, nomeadamente, no início e no fim dos cantos, revelando

as suas opiniões, reflexões, críticas, lamentações e exortações.

Numa epopeia, a intervenção do poeta deve ser reduzida. 


                                            Em síntese.......

ESTRUTURA CLÁSSICA DA OBRA

Os Lusíadas podem ser considerados uma síntese da cultura renascentista, quer nos aspetos literários e

filosóficos de cariz classicista e humanista, quer nos aspetos científicos, revelando um grande interesse

documental para a compreensão da mentalidade da época. O poeta seguiu fielmente os ensinamentos da

Antiguidade greco-latina no que se refere à estrutura de uma epopeia:

Divisão em partes:
                    1.    Proposição
                    2.   Invocação
                    3.   Dedicatória
                    4.   Narração

A narração inclui:Intervenções do maravilhoso, episódios (narrativas menores), narrações retrospetivas,

retrocesso no tempo em relação à ação central, isto é, 1498, ano em que se efetuou a primeira viagem de Vasco da

Gama para a Índia:

                                    1. De Vasco da Gama ao rei de Melinde, contando a história de Portugal desde a sua

fundação lendária - cantos III e IV

                                    2. De Vasco da Gama ao rei de Melinde, contando a viagem de Lisboa a Moçambique, já que

no canto I a narração começa in medias res - canto V

                                                      3. Profecias, avanços no tempo em relação à ação central:


                                                                                                                                    Profecia de Júpiter a Vénus - canto II;
                                                                                                                                    Profecia dos rios Indo e Ganges a D.
Manuel - canto IV;
                                                                                                                                    Profecias do Gigante Adamastor a
Vasco da Gama - canto V;
                                                                                                                                    Profecias de Tétis a Vasco da Gama
durante o banquete - canto X;
                                                                                                                                    Profecias de Tétis no monte, frente à
bola de cristal - canto X,

Matéria Épica

O Poeta soube adaptar sabiamente a matéria épica à realidade portuguesa, respeitando o cânone do

género: grandeza do assunto e da personagem principal (herói da epopeia), unidade de ação, concentrada no

tempo e no espaço.

Forma

Em termos formais, o Poema está escrito em estilo "sublime", elevado, adequado à temática abordada

e seguindo estritamente as regras clássicas para a elaboração de uma epopeia. O Poema está dividido em 10 cantos,

totalizando 1102 estâncias, sendo cada uma constituída por oito versos.


Planos narrativos
1.    Plano da viagem
2.   Plano dos deuses
3.   Plano da História
4.   Plano das intervenções do poeta

Os planos temáticos da Obra


 
Plano da Viagem
 
A narração dos acontecimentos durante a viagem entre Lisboa e Calecut:
 
Partida a 8 de Julho de 1497 (Canto IV, est. 84 e seguintes);
Peripécias da Viagem;
Paragem em Melinde durante 10 dias;
Chegada a Calecut a 18 de Maio de 1498;
Regresso a 29 de Agosto de 1498;
Chegada a Lisboa a 29 de Agosto de 1499.
 
Plano da História de Portugal
 
Em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os acontecimentos de toda a nossa história, desde Viriato até ao
reinado de D. Manuel I.
Em Calecut, Paulo da Gama apresenta ao Catual os episódios e as personagens representados nas bandeiras
das naus.
A história posterior à viagem de Vasco da Gama é-nos narrada em prolepse, através de profecias.
 
Plano do Poeta
 
Considerações e opiniões do autor, expressões nomeadamente no início e no fim dos cantos.
 
Destacam-se os momentos em que o poeta:
 
1.    Refere aquilo que o homem tem de enfrentar: “os grandes e gravíssimos perigos”, a tormenta e o dano no
mar, a guerra e o engano em terra (Canto I, est. 105-106);
2.    Põe em destaque a importância das letras e lamenta que os portugueses nem sempre saibam aliar a força e
a coragem ao saber e à eloquência (Canto V, est. 92-100);
3.    Realça o valor das honras e da glória alcançadas por mérito (Canto VI, est. 95-96);
4.    Faz a apologia da expansão territorial por espalhar a fé cristã. Critica os povos que não seguem o exemplo
do povo português que, com atrevimento, chegou a todos os cantos do mundo (Canto VII, est. 2-14);
5.    Lamenta a importância atribuída ao dinheiro, fonte de corrupções e de traições (Canto VII, est. 96-99);
6.    Explica o significado da Ilha dos Amores (Canto IX, est. 89-92);
7.    Dirige-se a todos aqueles que pretendem atingir a imortalidade, dizendo-lhes que a cobiça, a ambição e a
tirania são honras que não dão verdadeiro valor ao homem (Canto IX, est. 93-95);
8.    Confessa estar cansado de “cantar a gente surda e endurecida” que não reconhecia nem incentivava as suas
qualidades artísticas que reafirma nos seus últimos 4 versos da estrofe 154 do Canto X, ao referir-se ao
seu “honesto estudo”, à “longa experiência” e no “engenho”, “causas que raramente”. Reforça a apologia
das letras (Canto V, est. 92-100);
9.    Manifesta o seu patriotismo e enxerta D. Sebastião a dar continuidade à obra grandiosa do povo português
(Canto X, est. 145-156).
 
 
Plano da Mitologia
A mitologia permite a evolução da ação (os deuses assumem-se como adjuvantes ou como oponentes dos
portugueses) e constitui, por isso, a intriga da obra.

Resumo Canto I

No canto I, Luís de Camões faz uma introdução ao seu poema, seguindo a estrutura das epopeias clássicas que lhe
serviram de inspiração (Ilíada  e Odisseia  de Homero e Eneida  de Virgílio).

Assim, na Proposição (est. 1-3) é indicada a intenção do poema: celebrar os feitos lusitanos, navegações


e conquistas.

Em seguida, na Invocação (est. 4-5), o Poeta pede inspiração às Ninfas do Tejo para


escrever o seu poema épico.

Fiel à estrutura clássica, segue-se a Dedicatória (est. 6-18), na qual o Poeta dedica a sua
obra ao rei D. Sebastião.

Terminada a introdução do poema, dá-se, finalmente, início à Narração (a partir da est. 19). Surge, então,
o episódio do Consílio dos Deuses no qual se discute o futuro dos Portugueses (viagem para a Índia). A
favor, estão Júpiter, Marte e Vénus que será a fiel aliada da armada portuguesa ao longo de toda a
epopeia; co ntra, está Baco que de imediato inicia uma série de hostilidades contra os Portugueses,
tentando impedi-los de chegarem à Índia, utilizando gente africana que lhes arma ciladas. Esta oposição
Vénus / Bac o vai, pois, ser uma constante ao longo do poema, gerando variadas situações de perigo que
serão prontamente resolvidas por Vénus.

Análise da Proposição

             A finalidade da proposição, em qualquer epopeia, é a enunciação do assunto que o poeta se propõe tratar.
Assim é, também, n’ Os Lusíadas: Camões está decidido a tornar conhecido em todo o mundo_"Cantando espalharei
por toda parte"_ o valor do povo português _  “o peito ilustre lusitano”_. E para isso estrutura a sua proposição
em duas partes: Nas duas estâncias iniciais, enuncia os heróis que vai cantar; Na segunda parte, constituída pela
terceira estrofe, estabelece um confronto entre os portugueses e os grandes heróis da Antiguidade, afirmando a
superioridade dos primeiros sobre os segundos.

            O herói desta epopeia é coletivo, quanto a isso o próprio título é inequívoco. “Os Lusíadas” são, afinal, os
portugueses todos, não apenas os do passado, mas também os do presente e futuro, na medida em que
assumam as virtudes que caracterizam, no entendimento do poeta, o povo português e que ele sintetiza, na
dedicatória a D. Sebastião, desta forma: "amor da pátria, não movido / De prémio vil, mas alto e quase eterno".
O facto de o seu herói ser colectivo e a sua ação se estender por um intervalo de tempo muito vasto
permite-lhe desdobrá-lo em subgrupos, conforme verificaremos a seguir. O plural utilizado para designar cada
um deles confirma o carácter coletivo do herói: “barões assinalados”, “Reis”, “aqueles”.

A Primeira Parte (duas estâncias iniciais)

Existe uma inversão da ordem sintática na primeira frase que engloba as duas estâncias iniciais, podendo
tornar difícil, à primeira leitura, a compreensão do texto. A ordem normal seria esta:

Se a tanto me ajudar o engenho e arte,


Cantando espalharei por toda parte

As armas e os Barões assinalados

Que da Ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca de antes navegados,

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram;

E também as memórias gloriosas

Daqueles Reis que foram dilatando

A Fé, o Império, e as terras viciosas

De África e de Ásia andaram devastando,

E aqueles que por obras valerosas

Se vão da lei da Morte libertando,

Esquematizando .....

se tiver talento para isso

tornarei conhecidos em todo o mundo,

os guerreiros e os homens ilustres

que fundaram o império português do Oriente

os reis, de D. João I a D. Manuel,

que expandiram a fé cristã e o império português

e todos os portugueses

dignos de admiração e que pelos seus feitos enfrentam e vencem a própria lei da morte.

            Pelo esquema, vemos que Camões apresenta três grupos de agentes (“agentes” e não heróis, porque
herói é “o peito ilustre lusitano”).
O primeiro é constituído pelos “barões assinalados”, responsáveis pela criação do império português na
Ásia. É evidente que o poeta destaca principalmente a atividade marítima, a gesta dos descobrimentos (“Por
mares nunca dantes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana”).

O segundo grupo inclui os reis que contribuíram diretamente para a expansão do cristianismo e do


império português (“foram dilatando / A Fé o Império”). Aqui é sobretudo o esforço militar que se evidencia
(“andaram devastando”).

No terceiro grupo incluem-se todos os demais, todos os que se tornaram dignos de admiração pelos
seus feitos, quaisquer que eles sejam.

A enumeração é apresentada em gradação descendente: em primeiro lugar, os envolvidos na expansão


marítima; depois, os reis envolvidos na expansão militar; finalmente, todos os outros. Essa valorização relativa é
confirmada pelo espaço textual: oito versos, para o primeiro grupo; quatro, para o segundo; dois apenas, para o
terceiro. No entanto, este terceiro aparece como um grupo aberto: nele se incluem não apenas heróis
passados, mas todos aqueles que se venham a evidenciar no futuro. Note-se que, para os dois primeiros
grupos, o poeta utiliza o pretérito perfeito, enquanto aqui recorre ao presente perifrástico — “vão libertando”[i].

Ao contrário das epopeias primitivas, aqui o herói é coletivo, o próprio título o indica -"Os Lusíadas". A
proposição não é uma simples indicação dos seus heróis, mas obedece já a uma estratégia de engrandecimento
dos portugueses. A expressão “por mares nunca dantes navegados” evidencia o carácter inédito das navegações
portuguesas; observe-se o destaque dado à palavra “nunca”. A exaltação continua com a referência ao esforço
desenvolvido, considerado sobre-humano (“esforçados / Mais do que prometia a força humana”).

A segunda Parte (constituída pela terceira estância)

3- Cessem do sábio Grego(8) e do Troiano(9)

As navegações grandes que fizeram;


 
Cale-se de Alexandro(10) e de Trajano(11)
Paráfrase:
A fama das vitórias que tiveram; Que não se fale mais das navegações de Ulisses e
de Eneias, das vitórias de Alexandre Magno e do
Que eu canto o peito ilustre Lusitano(12), imperador Trajano. Acima do valor dos feitos
destes celebrados pela literatura antiga levanta-
A quem Neptuno e Marte(13) obedeceram.
se agora um valor maior: o ânimo dos
Cesse tudo o que a Musa antiga canta(14), portugueses a quem obedeceram o deus dos
mares e  da guerra.
Que outro valor mais alto se alevanta.

 
Na segunda parte, esse esforço de engrandecimento continua, desta vez através de um paralelo com
os grandes heróis da Antiguidade. O confronto é estabelecido com marinheiros famosos (Ulisses e Eneias), eles
próprios heróis de duas epopeias clássicas _ Odisseia e Eneida _, e conquistadores ilustres (os imperadores
Alexandre Magno e Trajano). A escolha de navegadores e guerreiros não é inocente, visto que é exatamente
nessas duas áreas que os portugueses se destacam.  E quase a concluir, uma nota final, na mesma linha: “... eu
canto o peito ilustre lusitano, / A quem Neptuno e Marte obedeceram”. A submissão do deus do mar e do deus
da guerra aos portugueses (“o peito ilustre lusitano”) é uma forma concisa e muito expressiva de exaltar o valor
do seu herói.
Topo
Em Síntese:
Eu, o Poeta, (Proposta)

“Se a tanto me ajudar o engenho e arte,

Cantando espalharei por toda a parte"

O Quê? (Assunto)

P “ As armas e os barões assinalados “

A “Que... / Passaram ainda além da Taprobana”

S “ E... edificaram /Novo Reino...”

S “E... as memórias gloriosas

A Daqueles Reis que foram dilatando

D A Fé, o Império, e... / andaram devastando”

O “... as terras viciosas...”

PRESENTE E aqueles que... / Se vão da lei da Morte libertando...”

FUTURO

(Desejo) “Cesse (cale-se) tudo o que a Musa antiga canta”

(epopeias antigas)

H “...do sábio Grego (Ulisses – Odisseia) e

E do Troiano (Eneias – Eneida)  / As navegações...”

R “...de Alexandro (Alexandre Magno – conquistas) e

Ó de Trajano ( imperador romano) /

I A fama das vitórias...”

D Por “Que eu canto o peito ilustre Lusitano,

E A quem Neptuno (Deus do Mar – navegações )

U e Marte (Deus da Guerra – batalhas) obedeceram”

S
E

(Razão) Por “Que outro valor mais alto se alevanta.”

(“O peito ilustre lusitano”)

[1]
 A expressão inicial pode ser entendida como “Os feitos e os homens ilustres”. É um decalque do 1º verso da
Eneida: Arma virumque cano.
[2]
 Taprobana – nome clássico da ilha de Ceilão, ao sul da Índia.
[3]
 Novo Reino – império português no Oriente.
[4]
 terras viciosas – terras não cristãs.
[5]
 lei da Morte – esquecimento.
[6]
 engenho – talento.
[7]
 arte – eloquência, a arte de dizer.
[8]
 sábio Grego – Ulisses, herói da Odisseia. Ao voltar a casa, depois da guerra de Tróia, navegou durante dez anos
pelo mar Mediterrâneo.
[9]
 Troiano – Eneias, herói da Eneida. Camões chama-lhe “troiano”, porque era filho do rei de Tróia, Príamo. Após
a destruição de Tróia, navegou com os companheiros pelo Mediterrâneo, procurando um lugar para fundar uma
nova cidade (Roma).
[10]
 Alexandro – Alexandre Magno, cujo império ia da Grécia às proximidades do rio Indo.
[11]
 Trajano – imperador romano, conhecido pelas suas campanhas militares.
[12]
 peito ilustre Lusitano – povo português.
[13]
 Neptuno e Marte – Respectivamente, deus do mar e da guerra, para os romanos.
[14]
 Musa antiga – poesia antiga.
[i]
 PAIS, Amélia Pinto. Para Compreender Os Lusíadas, Centelha, 1984, p. 26.
 

Resumo do Consílio dos Deuses (C. I, 20-41)

A reunião dos deuses do Olimpo é a primeira intervenção do maravilhoso pagão n'Os Lusíadas. A introdução de
um episódio deste tipo será motivada, antes de mais, pelo seu desejo de corresponder ao género épico clássico. No
entanto, simbolicamente, trata-se do enaltecimento da imagem dos portugueses, realçando a importância da sua
viagem para a Índia.

Nas primeiras estâncias, a frota lusa obriga a uma reunião de todos os deuses


supremos, convocados pelo próprio Júpiter, que chegam de todas a regiões do céu, e
ocupam os seus assentos sumptuosos na assembleia do Olimpo, segundo as suas
hierarquias. É necessário decidir o futuro do Oriente, para onde Vasco da Gama e os seus
marinheiros se dirigem.
O Pai dos deuses, Júpiter, será o primeiro a falar. Confirma a coragem e o valor dos Portugueses, de todos os outros
deuses já conhecida, comparando os Portugueses aos heróis antigos, cuja fama será superada. Os Fados já
determinaram a posse dos mares da Índia, portanto, Júpiter vê múltiplas razões para que sejam auxiliados na sua
aventura.

Gera-se uma discussão entre os deuses, motivada principalmente pela posição do deus Baco, que revela ser o mais
feroz opositor da frota portuguesa, temendo que o seu prestígio nas terras do Oriente seja apagado por estes
homens ousados. Ainda que Baco conheça as deliberações irrevogáveis do Destino, tenta conquistar deuses para o
seu lado.

A terceira intervenção divina é da bela deusa do Amor, Vénus, que se declara inteiramente a favor dos
portugueses: acha-os parecidos com os seus amados Romanos, pela semelhança da sua coragem e da língua; sabe
que onde estiverem os lusos, de sangue quente e fogoso, ela será sempre celebrada, bem como o Amor.

Céus e Terra tremem com as discussões dos grandes deuses. As suas opiniões contraditórias terão de ser
desempatadas. Surge, nessa altura, o deus da guerra, Marte, que parece ter as suas razões para apoiar a causa
portuguesa: o amor antigo que sentia por Vénus e o reconhecimento da bravura dos homens que sempre apoiara
nas batalhas. Marte vê nas razões de Baco injustiça e inveja que lhe obscurecem o julgamento, tanto mais que
Baco foi pai ou companheiro de Luso, possível antepassado dos Lusitanos. Júpiter não devia, portanto, voltar atrás
na sua soberana decisão.

O discurso de Marte convence Júpiter, que dá por terminado o Consílio. Os deuses regressam às suas moradas. Ficou
decidido que os marinheiros iriam navegar num mar sereno.

INÊS DE CASTRO
A história e a lenda

O Infante D. Pedro (1230-1367) era casado com D. Constança, mantendo, no entanto, uma ilícita relação amorosa
com D. Inês, de quem tinha três filhos. Dada a ascendência castelhana de D. Inês, o Rei D. Afonso IV e os seus
conselheiros viam, nesta relação, um potencial perigo para a independência nacional.

Inicialmente, o rei D. Afonso IV tentou pôr fim a tal relação, expulsando D. Inês de Castro do reino. Esta, no
entanto na fronteira espanhola, continuando a manter contacto com D. Pedro. A situação agravou-se quando D.
Constança morreu. D. Pedro, agora viúvo, fez regressar D. Inês à corte, contra ordem expressa de seu pai, D.
Afonso IV.

Em Coimbra, aproveitando a ausência de D. Pedro numa caçada, D. Inês foi morta pelos conselheiros (Diogo Lopes
Pacheco, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves), por ordem do Monarca.

Mais tarde, quando D. Pedro I subiu ao trono, mandou matar aqueles


conselheiros, vingando a morte de D. Inês, executando de modo cruel os ex-
conselheiros do seu pai, na altura refugiados em Espanha. Diz a lenda que
retirou o coração, a um, pelas costas, a outro, pelo peito. O terceiro
conseguiu refugiar-se em Castela. Reza, ainda, a lenda que D. Pedro coroou D. Inês rainha depois de morta.

A reabilitação da figura de D. Inês completou-se com a transferência do seu cadáver, de Coimbra para o
mosteiro de Alcobaça, numa cerimónia que se revestiu de uma imponência nunca presenciada em Portugal.

A trágica história de D. Pedro e D. Inês inspirou poetas, dramaturgos, compositores e artistas plásticos, em
Portugal e no estrangeiro. Camões foi um dos escritores a celebrar a lenda, referida em Os Lusíadas  . De entre a
vasta lista de obras que tratam o tema destacam-se Castro , de António Ferreira (tragédia), Inês de Castro na
Poesia e na Lenda, de António Lopes Vieira, e ainda as célebres Trovas à Morte de D. Inês de
Castro, de Garcia de Resende, publicadas no Cancioneiro Geral.

Resumo Canto III


 

O canto III começa por uma Invocação a Calíope, musa da eloquência e da epopeia, antes de

Vasco da Gama iniciar a sua longa narração da História de Portugal, em resposta ao pedido do rei de Melinde, e que

irá estender-se por três cantos.

Assim, o navegador começa por indicar a localização geográfica de Portugal e, em seguida, a sua história

lendária e a reconquista, abrangendo todos os reinados da dinastia de Borgonha (até D. Fernando).

Ao longo desta narração o poeta insere episódios, entre a realidade e a fantasia, que pretendem ilustrar a

fundação do reino, bem como a génese da alma lusitana: Milagre de Ourique, Formosíssima Maria, Batalha do

Salado e Inês de Castro.

Inês de Castro (C. III, 118-135)


(resumo do episódio)

Elevado a mito nacional, o episódio da morte de Inês de Castro é o drama amoroso mais conhecido em Portugal e
além-fronteiras. Foi imortalizado pelo Poeta em dezoito estâncias de intenso lirismo, ainda que a estrutura usada
seja semelhante à dos textos dramáticos.

Como a Tragédia grega tem presente a Fatalidade, o Destino, o Amor, o Terror, a Piedade e o Coro, que o Poeta
recria com os seus comentários, acompanhando o desenrolar da situação.

A própria personagem obedece perfeitamente ao cânone clássico: ama quem lhe é vedado, desafiando dessa
forma a linha do seu destino, sendo fatalmente castigada com a morte.

Com tais considerações sobre o Amor, o poeta faz a introdução do episódio. O seu desenvolvimento tem nas
palavras de D. Afonso IV, herói que regressara vitorioso da batalha do Salado, a justificação do
motivo da morte de Inês de Castro. Existe um contraste entre os atos do Rei militar, coberto de
glória, que combateu pela Fé, e o que quer agora levantar a mesma espada contra uma
donzela inocente.

A descrição das lembranças felizes de D. Inês e de D. Pedro I, dos momentos de alegria que
partilhavam, servem para mais cruelmente marcar o engano da alma, ledo e cego, (120.3) e
acentuar o contraste com o seu fim trágico.

A donzela frágil e indefesa é levada por brutos algozes  à presença do Rei inflexível, que
determina a sua morte. Não é por fraqueza de carácter ou pura crueldade que o faz, mas
porque as vozes do povo assim o exigem.

As lágrimas correm dos olhos piedosos (125.2) de Inês, que pede clemência pelos filhos pequenos. Por eles, Inês
propõe ao Rei partir para longe de quem ama, mas onde pudesse criar os frutos de tal amor. Inês não tem defesas
para além das suas súplicas, não tem outras armas a não ser as lágrimas para mover a piedade de tão ferozes
carrascos.
D. Afonso IV está à beira do perdão. Mas levantam-se uma vez mais as vozes do povo, a exigir o sacrifício.
O Destino cruel de Inês está decidido. É barbaramente executada, num ato cobarde, comparado pelo poeta a
outros assassínios terríveis que povoaram as tragédias gregas.

Em jeito de conclusão, Camões mostra a própria Natureza entristecida diante do crime, chorando a morte
escura (135.1) da donzela, perpetuando a fatalidade numa fonte pura  (135.3) de onde correm lágrimas em vez de
água, que recordará para sempre tais Amores.

O narrador deste episódio é Vasco da Gama. O narratário é o Rei de Melinde.

Sugestão de Esquematização do Episódio

est. 118  
Conclusão do episódio da Batalha do Salado e introdução do episódio de Inês de Castro
est. 119  
Identificação e caracterização do culpado do fim trágico de Inês
est. 120 e 121  
Amor despreocupado de Inês. (há indícios trágicos como sinais de alerta - 120, vv. 3, 4 e 121, vv. 5, 6)
est. 122 (vv. 1-4)  
Amor de D. Pedro
est. 122 (vv. 5-8) e 123  
Reação de D. Afonso IV (note-se a influência do povo - 122, e a pergunta de retórica do poeta - 123,
vv. 5-8)
est. 124 e 125  
Inês é levada à presença do rei. (repare-se nos sentimentos que o texto transmite)
est. 126 a 129  
Discurso de Inês perante o rei.
126- referência à piedade que animais selvagens já demonstraram com seres humanos
127- Inês pede ao rei que tenha o mesmo sentimento pelos seus filhos (netos dele)
128- 1ª- apelo à capacidade do rei de perdoar
128 (2ª) e129- alternativa à morte de Inês
est. 130  
O rei vacila, mas o povo e o Destino (Fado) não deixam (pergunta de retórica do poeta - vv. 7-8)
est. 131 - 132  
Morte de Inês comparada à de Policena
est. 133  
Reação do Sol - comparação com outro caso hediondo
est. 134  
Comparação de Inês morta com a bonina
est. 135  
Reação da Natureza à morte de Inês
Análise pormenorizada do episódio:
 
Estância 118
Encontramos nesta estância uma referência histórica às terras ganhas pelos portugueses na Batalha do Salado.
Este combate travou-se a 30 de Outubro de 1340, junto do rio Salado; era a resposta cristã a uma contraofensiva
marroquina para recuperar território peninsular, feita a partir de Gibraltar e Algeciras. Ao rei português D. Afonso
IV, desde então conhecido por o Bravo, coube defrontar o rei de Granada, aliado dos marroquinos. A vitória
portuguesa e espanhola foi celebrada por ambos os reinos e elevada a exemplo emblemático da cruzada cristã
contra os sarracenos.
O poeta depois de ter cantado a bravura de D. Afonso IV na vitória de Salado, volta-se para um caso com carga
socio trágica de um amor infeliz da "misera e mesquinha / que despois de morta foi rainha". É após esta
referência histórica que é "desenterrado" o caso "triste e dino" de D. Inês. de Castro.
Estância 119
É visível nesta estância uma invocação e personificação do "fero amor" que põe extremamente em relevo o
amor como força devastadora para os "corações humanos" e causador de muitas "lágrimas". O amor é denominado
como "áspero e tirano" e é comparado a uma "pérfida inimiga".
Nota-se ainda nesta estância que foi esta a causa principal da morte de D. Inês de Castro ("Deste causa à molesta
morte sua").

 Estâncias 120 e 121


Por oposição, aparece na estância 120 a descrição do estado feliz dos dois amantes, nas terras do Mondego
("saudosos campos do Mondego"). Estes surgem apaixonados, no entanto, o poeta logo nos avisa que esse amor é
somente "engano da alma ledo e cego". Por esse motivo, por ser tão traiçoeiro e cruel o amor nunca perdurará. Até
porque "a fortuna não [o] deixa durar muito".
Podemos encontrar nestas duas estâncias (120 e 121) uma imagem expressiva, com contornos líricos, que faz
ressaltar o sentimento amoroso: as lágrimas choradas, a presença de confidentes ("aos montes insinando e às
ervinhas"), as lembranças de seu amor, a vivência através de recordações, pensamentos, de dia, e "doces sonhos", à
noite. No entanto, estas lembranças são apenas memórias de felicidade, pois o poeta já nos havia "avisado" da
efemeridade do amor.
 
Estância 122
Esta estância trata da combinação do casamento de D. Pedro com diversas "senhoras e Princesas" que este, no
entanto, rejeita pelo "puro amor" que sente por D. Inês.
Surge então a figura do Rei, D. Afonso IV ("velho pai sesudo"), sensato e prudente começa a ouvir os murmúrios do
povo que começa a estranhar esta situação.

 
Estância 123
Por esse motivo "tirar Inês ao mundo determina". Aparece-nos concretamente, pela primeira vez, o desfecho que
este caso trágico terá. Repare-se na reflexão incutida pelo poeta ao leitor pela interrogação retórica sobre o uso da
espada. Esta foi utilizada na luta contra o "furor mauro" e será, agora, utilizada para assassinar uma "fraca dama
delicada". Esta contraposição surge-nos como uma reflexão/crítica do poeta que denomina este ato de
loucura ("furor").
Estâncias 124 e 125
Inês é levada à presença do Rei pelos "horríficos algozes". O Rei, "movido a piedade" começa a hesitar em
cometer ato tão cruel. No entanto, o povo "com falsas e ferozes razões"
convence-o a retomar a tarefa. Estas razões tinham, de facto motivo para
existir. Historicamente, a influência da família Castro (através de D. Inês e
seus irmãos) começava a preocupar o Rei. Os súbditos, cientes do perigo
desta situação "levam" D. Afonso IV a confirmar a sentença proferida.
D. Inês, súplica humildemente ("tristes e piedosas vozes") pela sua vida e pela de seus filhos. Mais do que a
própria morte ela teme o abandono dos filhos e as saudades de D. Pedro.
Assim, na estância 125, D. Inês reitera o seu medo de deixar os seus "mininos" ("queridos" e "mimosos") órfãos.
Apela, por isso, a D. Afonso IV, avó dos filhos de D. Inês e D. Pedro, que não a mate.
 
Estâncias 126, 127, 128 e 129
 (discurso de D. Inês)
Este discurso, marcadamente retórico, carregado de referências mitológicas e culturais,
parece esquecer a situação psicológica desesperada da personagem e parece destinar-
se somente a aumentar a intensidade do drama vivido pela mesma.
Do discurso de D. Inês podemos destacar a súplica que esta faz ao Rei, de modo a que
ele desista do seu intento. Para tal apresenta fortes argumentos.
Em primeiro lugar, notamos um contraste entre o procedimento do rei e a clemência
das "brutas feras". D. Inês enumera duas situações em que seres irracionais se
mostraram sensíveis à situação de seres humanos, protegendo-os:
- a rainha Assíria, cuja mãe a abandonou num monte, foi protegida e alimentada por
pombas, e
- os irmãos Rómulo e Remo, edificadores de Roma, foram alimentados por uma loba.
Em segundo lugar, D. Inês refere a situação de orfandade a que ficarão sujeitos os seus
filhos. Ela teme, não pela sua própria vida, mas pelo desamparo dos seus filhos, que
ainda em tenra idade ficariam sem proteção.
Em terceiro lugar é referida a injustiça do ato do governante e o apelo ao seu bom senso. D. Inês refere que
partindo do princípio que o Rei fora justo ao combater os mouros, deveria também ser clemente e justo com ela,
cujo único erro foi apaixonar-se por D. Pedro.
Finalmente, D. Inês apela ao exílio como alternativa à sua execução. Ela prefere ser posta em "perpétuo e mísero
desterro", mesmo que esteja sujeita ao frio mais gelado ou ao calor mais tórrido, ou mesmo à "feridade" de "leões e
tigres".

Estância 130

Perante este discurso, D. Afonso IV vacila "movido das palavras que o magoam" e sente-se inclinado a perdoar-lhe.
Nota-se, nesta estância uma desculpabilização do Rei D. Afonso IV, a culpa da tragédia é atribuída ao "pertinaz
povo" e ao "seu destino". Assim, o rei é desculpabilizado pelo poeta e a culpa da triste sorte de D. Inês é imputada
ao povo e ao seu próprio destino.
Os algozes "arrancam as espadas" e preparam-se para executar a sentença. Repare-se no tom reprovador dado pela
interrogação final da estância. Os seus carrascos são denominados "carniceiros".
Estância 131
Nesta estância o poeta estabelece uma relação entre este caso trágico e a história da "linda moça Polycena".
Esta era filha de Príamo e de Hécuba e casou-se secretamente com Aquiles. No entanto, foi imolada sob o altar de
Aquiles por Pirro, filho de outro casamento de Aquiles. Esta referência clássica é uma longa comparação entre a
situação de D. Inês e a situação vivida por Polycena.
 
Estância 132
Esta estância reitera a ideia expressa já na segunda parta da estância 130, em que há uma condenação do
assassinos de D. Inês. Aqui, os mesmos são apelidados de "brutos matadores".
Note-se ainda na bela imagem que o poeta nos apresenta para retratar a morte de D. Inês: o sangue desta
personagem faz encarniçar as "brancas flores".
Há, ainda, a referir os castigos que os seus algozes irão sofrer nas mãos de D. Pedro. Estes, no entanto, não estão
cientes ("não cuidados") dos mesmos.
 
Estâncias 133 e 134
A invocação e personificação do "Sol", a comparação da sua execução com a
clássica e cruel "mesa da Tiestes" em que este come, sem o saber, os próprios
"filhos", conferem a esta situação uma amplidão espacial e igualmente trágica.
O uso da expressão "ó côncavos vales", em invocação e personificação, tem como
principal objetivo, fazer sobressair o grito final ("voz extrema") de D. Inês, ao
chamar pelo seu amor uma última vez.
Repare-se, ainda, na expressividade da comparação entre a "morta ... donzela" e a
"bonina ... maltratada". Do mesmo modo que a referida flor sucumbiu ao corte e
agora se encontra murcha e sem cor, também D. Inês faleceu, encontra-se "pálida".
Repare-se, de igual modo, na descrição de D. Inês: "Secas do rosto as rosas e
perdida / A branca e viva cor, co a doce vida".
Estância 135
Temos referência, nesta estância, ao modo como a Fonte dos Amores foi criada: esta foi o resultado das
"lágrimas choradas", pela morte de D. Inês, durante muito tempo pelas "filhas do Mondego".
Finalmente, os próprios leitores são convidados a contemplar a "fresca fonte que rega as flores".
 
Estância 136
Tal como o poeta já tinha prometido "Não correu muito tempo que a vingança / Não visse Pedro das mortais
feridas / Que, em tomando do Reino a governança, / A tomou dos fugidos homicidas."
Os três algozes (Álvaro Gonçalves, Diogo Lopes Pacheco e Pêro Coelho), que haviam fugido para Castela, são
entregues por D. Pedro I de Castela a D. Pedro I de Portugal, quebrando o juramento que havia feito a seu pai, em
Canaveses. Por esse motivo, o poeta refere que este ato é um "concerto ... duro e injusto", até porque atenta
contra a vida humana. Esta situação é comparada às traições da Antiguidade Clássica. Há a alusão a um episódio da
História de Roma: Lépido, António e Augusto fizeram um acordo de paz do qual fez parte a publicação do nome
dos inimigos de cada um.
Com este acordo, dois dos assassinos são apanhados e duramente castigados.
Estância 137
Nesta última estância do episódio de D. Inês de Castro, encontramos a justificação do cognome atribuído a D.
Pedro I de Portugal, "o Justiceiro". Assim, este Rei era extremamente rigoroso ao castigar todos os tipos de crime,
especialmente roubos ("latrocínios"), assassinatos e adultérios.
 
Nota Final:
É de salientar que a morte de D. Inês é apresentada como o assassínio de uma inocente. O poeta não apresenta as
razões de Estado que levaram a que esta situação ocorresse.

INÊS DE CASTRO

Inês de Castro é uma figura da história de Portugal tomada inúmeras vezes como tema de
várias obras literárias, não só na literatura nacional, como também na de outros países.

A Inês de Castro histórica era filha de um fidalgo galego, D. Pedro Fernandes de Castro. Foi
uma das damas que acompanharam D. Constança quando esta veio para Portugal para casar
com D. Pedro, futuro D. Pedro I, filho de D. Afonso IV. O príncipe D. Pedro apaixonou-se por D.
Inês, de quem teve filhos, e, segundo algumas fontes, declarou ter casado com ela,
secretamente, já após a morte de D. Constança.

O amor de D. Pedro e D. Inês suscitou forte oposição por motivos de ordem política. Temia-se
que D. Fernando (filho de D. Pedro e D. Constança) fosse afastado do trono, tornando-se
herdeiros da coroa os filhos de D. Inês. Por esse motivo, D. Afonso IV, pressionado pelos seus
conselheiros, mandou executar Inês.

Esta história de amor trágico tem sido tema de obras teatrais, narrativas e líricas que abordam, em maior ou menor
grau, quer o fundo psicológico de Inês, quer o conflito de que ela é centro. Como fonte mais próxima dos
acontecimentos, os escritores que a ela se referiram tinham as crónicas de Fernão Lopes e Rui de Pina, entre outros.

A primeira aparição dos amores de D. Inês na literatura dá-se com as Trovas à Morte de Inês de Castro, de Garcia
de Resende, no Cancioneiro Geral de 1516. Nelas, Inês, no Inferno, lamenta a tristeza da sua sorte, advertindo as
mulheres para os perigos do amor. No entanto, é com Os Lusíadas, de Luís de Camões, que se constitui o mais
influente fundo lírico do episódio de D. Inês de Castro, a «linda Inês», tal como surge no canto III. Muitas das
referências a espaços, como os campos do Mondego, e à figura dos carrascos surgem pela primeira vez neste
poema, como parte integrante da história nacional. A influência da obra de Camões, em geral, na literatura
portuguesa, contribuiu em muito para firmar Inês de Castro como uma das suas personagens mais férteis. Em
1587, era editada A Castro, a primeira tragédia clássica portuguesa, que, como tema nacional,
aproveitava precisamente os amores de D. Inês, dando particular atenção ao conflito interior de
D. Afonso IV, nas suas hesitações quanto à sorte a dar à mulher do seu filho.

Ao longo dos séculos, a história de D. Pedro e D. Inês foi sendo enriquecida com inúmeros outros
pormenores, dentro e fora de Portugal. O espanhol Jeronimo Bermudez escreveu a Nise
Lacrimosa. No século XVII, a união com Espanha proporcionou um maior contacto cultural entre os
dois países. Escritores portugueses escreveram também sobre o tema em castelhano, como foi o
caso de D. Francisco Manuel de Melo, com os Sonetos a la Muerte de D. Inês de Castro. No século XVIII, Inês de
Castro (1723), do francês Houdar de la Motte, celebrizou a história de Inês em toda a Europa, acentuando os
aspetos sentimentais.
Em Portugal, os amores de D. Inês popularizaram-se, não só na literatura erudita (com os árcades Manuel de
Figueiredo e Reis Quita), mas também entre o povo, com o teatro de cordel. Também Bocage lhe dedicou uma
cantata.

Com o Romantismo, aumentou o interesse pelos factos históricos associados ao episódio. Alexandre Herculano e
Oliveira Martins, entre outros, procuraram investigar, com algum rigor, as pessoas e factos históricos. No entanto, o
fundo sentimental dos amores trágicos do par destes amantes respondia também ao gosto do público, quer pelo seu
fatalismo, quer pelo conflito, que opunha o indivíduo à sociedade (corporizada no Estado e em Afonso IV), quer pela
sua localização na época medieval. O historicismo que caracteriza este período reflete-se, pois, na literatura então
escrita sobre o tema, e nomeadamente nos dramas históricos de Henrique Lopes de Mendonça (A Morta) e António
Patrício (Pedro, O Cru), sendo de notar uma crescente atenção à figura de D. Pedro.

Após o Romantismo, o tema persistiu vivamente numa literatura de carácter nacionalista e saudosista, explorando
aspetos da lenda, persistindo em todo o século XX. Mais recentemente, podem indicar-se exemplos como os dos
poetas Ruy Belo, Miguel Torga ou Natália Correia. Mesmo a nível internacional, e já no século XX, alguns escritores
têm recorrido a Inês de Castro como tema das suas obras. Disso é exemplo o escritor existencialista francês Henri de
Montherlant, com La Reine Morte.

Enquanto personagem, Inês de Castro tem assumido características diferentes de acordo com o autor e a época
em que os textos são produzidos. A universalidade e intemporalidade do tema do amor puro (que sobrevive à
morte, no caso de D. Pedro; um dos aspetos fecundos da lenda é o da coroação de Inês, já morta, por D. Pedro, e o
da vingança cruel do rei, que persegue e executa barbaramente os seus carrascos), a tragédia da morte inocente
face à mesquinhez dos interesses humanos, têm garantido à figura de D. Inês uma resistência ao tempo e
possibilitado uma atualização permanente, em termos estéticos, dos meios de contar a sua história. Mais do que
uma personagem, Inês, e com ela D. Pedro, é o símbolo do amor inocente e infeliz.

. Afonso IV - o Bravo (1291-1357)


Sétimo rei de Portugal - de 1325  a 1357
“Ficou-lhe o filho pouco obediente,
Quarto Afonso, mas forte e excelente.’’
C. III, 98.7-8
 
Único filho varão de D. Dinis e de D. Isabel de Aragão, D. Afonso IV comandou ainda muito jovem uma revolta
da nobreza senhorial contra o rei seu pai.
Foi a guerra civil de 1319-1324, que pretendia ser um protesto contra os bens e privilégios dados a Afonso
Sanches, filho bastardo de D. Dinis, que poderiam pôr em perigo a posição do futuro herdeiro da coroa. Os nobres
aspiravam à reconstituição dos seus feudos hereditários, e opunham-se à política de centralização de D.
Dinis. Nesta guerra civil desempenhou um importante papel de medianeira a Rainha Santa Isabel.
A primeira metade do reinado de Afonso IV ficou marcada por um período de lutas contra Castela (1337-1340),
que termina em face da necessidade de constituir uma frente cristã comum que fizesse frente à investida do rei
mouro de Fez, por fim derrotado por Portugueses e Castelhanos na batalha do Salado.
De 1336 a 1341, D. Afonso IV procura desenvolver as atividades mercantis e patrocina missões de exploração
que chegam às ilhas Canárias.
Nos finais do seu reinado, a peste negra acentuou uma crise económica que o rei tentou diminuir com várias
medidas, como por exemplo as Leis do Trabalho. Tabelou os salários e estimulou a produção de cereais,
procurando também evitar que as populações fossem para as cidades, deixando os campos incultos. Os
resultados não seriam animadores, obrigando mais tarde o seu neto, D. Fernando, a publicar legislação semelhante
(Lei das Sesmarias).
Os anos de 1355-1356 ficaram assinalados por um período de guerra civil, após o assassinato de D. Inês de
Castro, entre as tropas do rei e as de seu filho D. Pedro.
D. Afonso IV tinha tão grande simpatia pelos Franciscanos que quis ser enterrado, na capela-mor da Sé de
Lisboa, vestido com o hábito dessa Ordem.
Uma praga relâmpago

No ano de 1348, entrou em Portugal uma doença extremamente contagiosa, a peste


negra. Surgiu na China, por volta de 1340, e veio para Ocidente, provavelmente, através de uma rota de
caravanas que atravessava a Ásia, com produtos para serem vendidos na Europa.
Em 1347 encontrava-se ativa na Crimeia,  de onde passou à Itália, transportada por mercadores genoveses. Daqui,
como rastilho, disseminou-se por todo o continente europeu, entre 1348 e 1350.
Em Portugal, as pessoas tinham consciência de que a peste vinha por mar, transportada nos navios, e muitas
vezes impediam os barcos de entrar na barra. Traziam riquezas, sedas, oiro, mas ninguém se atrevia a tocar-lhes.
Cidades houve que se fecharam num autêntico bloqueio.
As primeiras manifestações da Peste Negra verificaram-se no início do ano de 1348. Pelo Natal, desaparecera
como por milagre; daí o chamarem-lhe "praga-relâmpago". Mas matou cerca de um terço da população
portuguesa, tal como aconteceu, aliás, na Europa em geral.
Pasteurella pestis

Estudos atuais conseguiram identificar a doença e as suas causas. Trata-se de uma bactéria - a Pasteurella pestis -
que vivia no estômago da pulga ou no seu sistema circulatório. A doença  transmitia-se pela picadela da pulga
(geralmente transportada por ratos) nos seres humanos; à volta da mordedura da pulga, o corpo ficava com
manchas negras, e os que tinham a doença não conseguiam descobrir, nesses tempos, o que a causava. Os que
escapavam julgavam-se protegidos por um milagre.
A peste negra ataca o marido da “Formosíssima Maria”

Maria pediu auxílio ao pai (C.III, 104), que não resistiu ao pedido da filha, e foi socorrer o genro na batalha do
Salado (1340). D. Afonso IV seria o principal triunfador desta batalha, o que lhe valeu o cognome de O Bravo.
Porém, oito anos mais tarde, a peste negra vitimou o marido da Infanta D. Maria, acabando ela por ficar
irremediavelmente sem marido, sem Reino e sem ventura.
TRAGÉDIA
 
Composição originária da Grécia antiga e que, de acordo com a Poética de Aristóteles, apresentava como
principais elementos caracterizadores o facto de despertar, no público, o terror e a
piedade. Para os autores clássicos, a tragédia era o mais nobre dos géneros literários.
 
Originária do culto popular helénico de Dioniso, começou por ser um diálogo entre um
solista (ou hipócrita, palavra que depois significa ator), que coloca questões, e
um coro representativo de sátiros, que lhe responde. No teatro da Grécia clássica, a
tragédia era constituída por cinco atos: o prólogo, que corresponde ao primeiro ato; os
episódios, correspondentes ao segundo, terceiro e quarto atos; e o êxodo, correspondente ao quinto ato.
Além dos atores, intervinha o coro, que manifestava a voz do bom senso, da harmonia, da moderação, face à
exaltação dos protagonistas.
Característica também da tragédia clássica era a chamada lei das três unidades: unidade de espaço, de tempo e
de ação, que conferia a este género uma intensidade e densidade particulares, graças à concentração de todos os
elementos num único local, no espaço de um dia e numa ação assente nos acontecimentos estritamente
necessários. Do ponto de vista temático, a tragédia apresenta um herói que, desafiando propositada ou
involuntariamente as leis dos deuses, é por estes castigado. Os mais destacados tragediógrafos gregos foram
Ésquilo, Sófocles e Eurípides.
 
A tragédia clássica foi herdada pelos romanos e transmitida, a partir do Renascimento, às literaturas europeias
modernas. O seu introdutor, em Portugal, foi António Ferreira, com A Castro (publicada em 1587), peça inspirada
na história dos amores infelizes de Inês de Castro e D. Pedro I. Ao longo dos tempos, a rigidez dos elementos
caracterizadores da tragédia (como a lei das três unidades) foi perdendo algum peso, mantendo-se como elemento
marcante a adesão emocional do espetador ao elemento trágico. A partir do século XIX, com o Romantismo, a
tragédia cedeu lugar ao drama, muito mais ligado à cultura burguesa que então se afirmava e uma intenção cívica e
moralizadora. De salientar, também, que alguns dos elementos da tragédia se fundiram com elementos da
comédia, dando origem à chamada tragico

Despedida de Belém / Restelo

Foi no dia 8 de julho de 1497 que a armada portuguesa, capitaneada por Vasco da Gama, partiu  rumo ao
desconhecido. Uma enorme multidão concentrou-se na praia de Belém para assistir à partida dos marinheiros
seus amigos ou familiares.
O tema deste excerto lírico é emotivo do ponto de vista sentimental, pois é revelada uma enorme saudade por
aqueles que vão “navegar” e por aqueles que ficam.
É um episódio constituído por uma primeira parte, em que se descreve o local da partida e o alvoroço geral
dos últimos preparativos da viagem, estando as naus já
preparadas e os nautas na ermida de Nossa Senhora de
Belém orando.
Numa segunda parte, em que Gama e os seus marinheiros passam por entre a multidão para chegar aos batéis,
num caminho desde o “santo  templo”, destacam-se as evocações de mães e esposas acerca da partida, criando
um entristecimento na emotiva despedida do Restelo.
Finalmente, na terceira parte, é referido o embarque em que, por determinação de Vasco da Gama, não se
fazem as despedidas habituais no sentido de minorar, reduzir o sofrimento.
Também se pode considerar a importância desta viagem para Portugal, pois para além dos proveitos que poderia
trazer ao reino, simbolizava, acima de tudo, um perigo.
No momento da largada ergue-se a voz de um respeitável velho _
Velho do Restelo _ que sobressai de entre todas as que se tinham
feito ouvir até então. Ela representa todos aqueles que se opunham
à louca aventura da Índia e preferiam a guerra santa no Norte de
África.
Se as falas das mães e das esposas representam a reação emocional àquela aventura, o discurso do velho
exprime uma posição racional, fruto de bom senso da experiência (“tais palavras tirou do experto peito”) e do
sentido das vozes anónimas ligadas ao cultivo da terra, sobretudo no norte do país, defensoras de uma política
de fixação oposta a uma política de expansão com adeptos mais a sul.

Velho do Restelo

No momento da largada ergue-se a voz de um respeitável velho que sobressai de entre todas as que se


tinham feito ouvir até então. Ela representa todos aqueles que se opunham à louca aventura da Índia e
preferiam a guerra santa no Norte de África.

Se as falas das mães e das esposas representam a reação emocional àquela aventura, o discurso do
velho exprime uma posição racional, fruto de bom senso da experiência (“tais palavras tirou do
experto peito”) e do sentido das vozes anónimas ligadas ao cultivo da terra, sobretudo no norte do
país, defensoras de uma política de fixação oposta a uma política de expansão com adeptos mais a sul.

E assim, o Gama que representa este homem sempre insatisfeito e que está disposto a enfrentar os mais difíceis
obstáculos e a suportar os mais duros sacrifícios para conseguir o seu objetivo, tinha perfeita consciência da lógica,
da verdade e sensatez das palavras do Velho do Restelo, da condenação moral da empresa mas não lhe podia dar
ouvidos porque levava dentro de si um incentivo maior e mais forte, um dever a cumprir imposto pelo rei e pela
pátria e até um imperativo ético e psicológico.

No entanto, as palavras pessimistas do velho acabam por evidenciar o heroísmo daquele punhado de homens
tanto maior quanto mais consciente. O Velho do Restelo fala como um poeta humanista que exprime desdém
pelo “povo néscio” ou seja, o clássico horror ao vulgo.

Há portanto uma contradição entre o discurso pacifista do velho e a épica exaltação dos heróis e seus feitos de
armas. A personagem seria um porta-voz da ideologia característica da formação humorística de Camões.

O Velho do Restelo é o próprio Camões erguendo-se acima do encadeamento histórico e medindo à luz os valores
do humanismo. Ele é o humanista que torna a palavra, humanista para quem os acontecimentos que lhe servem
de tema constituem apenas o material para um poema e que reserva constantemente a sua liberdade de juízo.

O gigante Adamastor
Resumo Canto V

 
O canto anterior terminou com o Velho do Restelo a amaldiçoar a expansão para o Oriente, o que desde logo
sugere ao leitor que a viagem não será fácil.
Ora, terminada a narração da História de Portugal, Vasco da Gama vai contar ao rei de Melinde como
decorreu a sua viagem de Lisboa até ali.
Mais uma vez, realidade e fantasia se misturam, pois a par da indicação do percurso geográfico efetuado
aparecem episódios fantásticos.
Nesta etapa da viagem, os navegadores enfrentam inúmeros perigos que reforçam a ousadia dos Portugueses.
Os fenómenos atmosféricos como o Fogo de Santelmo e a Tromba Marítima geraram nos navegadores um
grande receio, mas que estes conseguiram superar.
Surge-nos, mais adiante, um episódio cómico. Fernão Veloso, um marinheiro fanfarrão resolve arriscar-se em
terra, mas logo se arrepende e volta para o barco perseguido pelos africanos.
Um ponto crítico desta etapa da viagem era, sem dúvida, a passagem do Cabo das Tormentas, famoso pelos
inúmeros naufrágios aí ocorridos. O episódio do Gigante Adamastor representa de um modo simbólico a
desproporção de forças: por um lado, a fragilidade das naus e dos homens a bordo, por outro, a fúria do mar,
magnificamente personificada por este gigante aterrador.
Mas, os problemas dos Portugueses não terminariam aqui, ultrapassadas as dificuldades de navegação, surge
uma doença mortal: o Escorbuto, provocado pela falta de ingestão de alimentos frescos.
Por fim, Vasco da Gama termina a sua longa narração iniciada no canto III.
Gigante Adamastor (C. V, 37-60)
 
As naus portuguesas navegavam há cinco dias, estando junto do Cabo das Tormentas (futuro Cabo da Boa
Esperança) quando subitamente aparece, perante o espanto dos marinheiros uma
nuvem escura e imensa, que escondia o céu; o mar bramia e agitava-se,
pressagiando uma ameaça terrível.
Desenha-se a imensa figura do Adamastor, gigante de aspeto horrendo e irado. O
Poeta compara-o ao colosso de Rodes, não se poupando a adjetivos para a sua
descrição. O monstro interpela os marinheiros aterrorizados, reduzidos pela sua
presença avassaladora à dimensão de seres frágeis e indefesos. Censura-lhes a
ambição, a constante procura do novo, a ousadia de invadirem domínios que
jamais tinham sido atravessados.
Vasco da Gama enfrentando o próprio medo, ergue-se e frente àquela grandíssima estatura  (59.5), ousa perguntar:
Quem és tu? (49.3).O poeta mostra, com estes efeitos cenográficos e intensamente dramáticos, a sua conceção de
valentia: herói não é aquele que não teme, mas o que supera o temor.
O gigante, irritado, profetiza a sua terrível vingança para os portugueses que ousarem por ali passar no futuro. Os
segredos do mar nunca tinham sido a nenhum grande humano concedidos  (42.3), e nem a coragem reconhecida do
povo luso poderá alterar essa lei. Vasco da Gama fica a saber quais serão os destinos fatais de Pedro Álvares Cabral,
Bartolomeu Dias, D. Fernando de Almeida e Manuel de Sousa Sepúlveda, com sua mulher e filhos, que irão morrer
naquele local, a que D. João II dá o nome de Cabo da Boa Esperança.
Mas, diante da pergunta de Vasco da Gama, o Gigante muda o seu discurso. Explica que ele é o próprio Cabo
Tormentoso, castigo que os deuses lhe deram pela sua paixão por Tétis, que o despreza. A cólera das suas
primeiras palavras termina em lágrimas de dor. A nuvem negra desfaz-se, depois desta confidência.
O Adamastor condensa em si todos os medos que suscitava o Mar Tenebroso, com o imaginário domínio de forças
sobrenaturais e maléficas. Mais um obstáculo vencido, à custa da coragem e inteligência de alguns Portugueses.
Adamastor

O Adamastor de Os Lusíadas, poema épico de Camões, recupera a


figura mitológica de um dos titãs que se revoltaram contra Zeus e
foram, por este, castigados e transformados em rochedos, ilhas e
promontórios. Inicialmente, o seu aspeto é o de uma figura
descomunal, estranha e medonha. A aparência horrenda do gigante é
sugerida ainda antes de ele surgir, quando, nas estrofes 37 e 38 do
canto V, se forma uma
«temerosa nuvem negra»,
acompanhada dos
bramidos do mar
irado. Este aspeto negro e
carregado do céu e do
mar funciona como uma espécie de presságio, anunciando qualquer
coisa de temível, que vem a corporizar-se no Adamastor.

A sua imagem traduz as dificuldades sentidas pelos navegadores na


passagem do oceano Atlântico para o oceano Índico, ao dobrarem o cabo
das Tormentas, mais tarde da Boa Esperança. É mais um processo de
enaltecimento, ao encarnar a vingança dos elementos naturais face à audácia dos navegadores portugueses, que
se atreviam a penetrar em espaços até então inacessíveis ao homem.

Na primeira parte do seu discurso, o Adamastor apresenta-se como senhor do mar desconhecido, ameaçando os
portugueses, que queriam devassar os seus domínios secretos, e profetizando para eles duros castigos futuros. Na
segunda parte do seu discurso, o Adamastor, identificando-se com o cabo Tormentório e elogiando-se por ter
conseguido o domínio dos mares, logo se abre em confidências, revelando os acontecimentos que o levaram até
àquele estado. A sua paixão por Tétis mereceu o castigo dos deuses, que converteram o seu gigantesco corpo no
cabo das Tormentas.

O Adamastor surge, no poema de Camões, como uma criação maravilhosa, a corporizar e simbolizar a quase
intransponível força do mar. O gigante é, pois, o símbolo das forças cósmicas que continuamente limitam o
homem. A vitória sobre o obstáculo que este gigante constitui significa o completo domínio dos mares pelos
portugueses.

D. Vasco da Gama (1468?-1524)  2º. Vice-Rei da Índia (1524)

Também tu, Gama, em pago do desterro


Em que estás e serás inda tornado,

Cos títulos de Conde e d’ honras nobres

Virás mandar as terras que descobres.

C. X, 53. 5, 7-8

Vasco da Gama, o célebre navegador cantado por Camões, descobridor do caminho marítimo para a Índia,
entre outros feitos, nasceu em Sines, sendo filho de Estêvão da Gama.
Da sua vida, até à nomeação para o comando da expedição à Índia pouco se sabe. No entanto, Damião de Góis
define-o como "homem solteiro e de idade para sofrer os trabalhos de tal
viagem". Desconhecem-se ainda as razões dessa nomeação. Castanheda apresenta-o como
"experiente nas coisas do mar, em que tinha feito grande serviço a el-rei D. João", e Garcia de
Resende destaca a sua participação em operações navais nas costas de Portugal e de Marrocos e
como comandante de uma armada contra corsários franceses em 1492.
Segundo alguns autores, Vasco da Gama teria participado em viagens secretas, de exploração
da costa africana, nas quais teria adquirido os conhecimentos náuticos imprescindíveis à
concretização da viagem para a Índia. Esta seria uma explicação para a escolha de Vasco da Gama.
Assim, D. Manuel retomou os planos de D. João II e a expedição foi planeada nos seus
múltiplos pormenores, desde as informações fornecidas por Bartolomeu Dias e Pêro da Covilhã à
escolha da tripulação.
A frota era formada por um navio de transporte, que deveria ser queimado depois de esvaziado, pela caravela
Berrio e pelas naus S. Gabriel e S. Rafael, construídas propositadamente para esta viagem, a primeira das quais
pilotada por Pêro de Alenquer e capitaneada pelo próprio Vasco da Gama, enquanto seu irmão mais velho, Paulo
da Gama, comandava a segunda.
A tripulação contaria entre 150 e 170 homens, regressando apenas um terço deles. Os navios estavam bem
equipados com armamento e material de navegação. O posto de capitão-mor da expedição implicava funções
militares e diplomáticas. Vasco da Gama levava cartas de D. Manuel para o samorim de Calecute, com quem se
pensava estabelecer as primeiras relações na Índia.
A armada partiu no dia 8 de Julho de 1497 e a 29 de Agosto de 1498, após três meses de paragem, sem que
tivesse havido qualquer acordo com o samorim, a armada portuguesa deixou Calecute, iniciando uma viagem de
regresso atribulada: a nau S. Rafael teve que ser destruída em Mombaça, pois tinha sofrido um rombo e a
tripulação não era suficiente para três navios; em Cabo Verde, Vasco da Gama fretou uma caravela para
transportar o irmão que estava cada vez mais doente, chegando aos Açores, onde o seu irmão faleceu, na ilha
Terceira.
Assim, só em finais de Agosto ou início de Setembro de 1499 Vasco da Gama chegou a Lisboa e foi recebido
por D. Manuel que acrescentou ao seu título de rei de Portugal: "Senhor da Conquista, Navegação, Comércio da
Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia".
Em reconhecimento dos seus serviços, D. Manuel concedeu-lhe vários privilégios e mercês honoríficas: a carta
de promessa da doação da vila de Sines (mas esta doação não se viria a concretizar no reinado de D. João III), o
título nobiliárquico de Dom e às armas dos Gamas foram acrescentadas as quinas de Portugal. Foi-lhe ainda
concedida permissão para trazer da Índia mercadorias até ao valor de 200 cruzados por ano e negociá-las no reino
sem pagar encargos e direitos. Foi-lhe também atribuída uma tença de 300 000 cruzados.
Em 1502, pouco depois do regresso de Pedro Álvares Cabral, fez uma segunda viagem ao Oriente, visitou Sofala,
Moçambique e Quíloa. Na Índia, foi recebido cordialmente em Cananor e Cochim. Em Calecute, pelo contrário,
manteve-se a hostilidade. Vasco da Gama regressou a Portugal no final do verão de 1503 com as naus carregadas e
sem perdas.
Em 1519, D. Manuel formalizou por carta a qualidade de senhor e alcaide-mor de Vasco da Gama, fazendo-lhe
a doação das vilas de Vidigueira e dos Frades, pelos serviços prestados. No dia em que tomou posse das vilas o rei
atribuiu-lhe o título de conde da vila da Vidigueira.
Mais tarde, em 1524, D. Vasco da Gama foi nomeado por D. João III Vice-rei da Índia, mas exerceu as suas
funções apenas durante três meses e meio, pois faleceu pouco depois de tomar posse do cargo, em Cochim de 24
para 25 de Dezembro de 1524, sendo aí enterrado na capela-mor, de onde o seu corpo foi trasladado para a
Vidigueira. O seu governo foi demasiado curto para grandes desempenhos, mas o prestígio que o rodeava era tal
que só a sua presença no Oriente bastou para mudar o rumo que a governação portuguesa vinha tomando, pondo
fim a uma série de desonestidades administrativas.
Sugestão de Esquematização do Episódio

est. 37 e 38  
"Porém já cinco sois eram passados" localização das  naus
est. 39 e 40  
     Caracterização da figura do Adamastor
est. 41 a 48  
Discurso do Adamastor:
 referência à ousadia dos portugueses;
 profecias do gigante sobre o futuro dos Portugueses

est. 49  
     Interrupção do discurso por Vasco da Gama "Quem és tu?"
est. 50 a 59  
 O Gigante explica a sua génese;
 Referência ao drama amoroso do Gigante;
 Metamorfose do Adamastor.

est. 60  
    Desaparecimento do Gigante
    Pedido do Gama a Deus para que as profecias do Gigante não se realizassem.

Momentos fundamentais

1. Preparação do ambiente para o aparecimento do Gigante (37-38)


Depois de cinco dias claros, surge uma nuvem negra "tão temerosa vinha e carregada" que põe nos corações uma
grande medo e leva Vasco da Gama a interpelar o próprio Deus, todo poderoso.

2. Visão do Gigante: retrato físico e traços morais (39-40)


A caracterização é feita sobretudo através da adjetivação sugestiva e abundante a mostrar a imponência, o terror
e a estupefação de Vasco da Gama e dos seus companheiros.

3. Discurso do Gigante: (41-48)
- introdução;
- profecias.
De carácter profético e ameaçador o discurso é efetuado num tom de voz horrendo e grosso, anuncia os castigos e
os danos por si reservados para aquela "gente ousada", que invadira os seus domínios. Promete-lhe castigos como
a morte de algumas pessoas que lá vão passar: Bartolomeu Dias; D. Francisco de Almeida e família Sepúlveda.

4. Interpelação do Gama (49)
Incomodado com as profecias, Vasco da Gama interroga o monstro sobre a sua identidade. É essa questão tão
simples que promove a profunda viragem do seu discurso,  fazendo-o recordar a frustração amorosa passada e
meditar na sua atual condição de solitário e petrificado.

5. Confissão pelo Gigante sobre o seu passado amoroso (50-59)


Na segunda parte do discurso do Gigante, o assunto é de carácter autobiográfico.

6. Desaparecimento do Gigante e do cenário que o enquadra (60)


Súbito desaparecimento do Adamastor, choroso do seu passado triste, levando consigo a nuvem negra. Vasco da
Gama pede a Deus que remova "os duros casos que Adamastor contou futuros"
Evolução dos comportamentos destas duas personagens

... do Gigante ... de Vasco da Gama

1- mostra-
1- amedrontado: "arrepiam-se as carnes e o cabelo";
se rancoroso, vingativo, ameaçador;

2- dor profunda, raiva, desespero; humaniza- 2- sem medo, de cabeça erguida (Alçado), num tom de igual


se, reconhece a sua derrota; para igual, quase de desafio;

3- desaparecimento. 3- atitude de fé: no momento em que o Gigante, a chorar,


desaparece, o Gama pede a Deus que "removesse os
duros/Casos que Adamastor contou futuros."

 
 
Repara que a evolução dos comportamentos é oposta.
 

Adamastor e Os Lusíadas

Texto 1

Contexto histórico do episódio


         Camões localizou este episódio bem no meio de sua epopeia, e geograficamente, eles estavam bem no
meio de sua viagem, no Cabo das Tormentas. Camões usou toda a sua inspiração poética para descrever
o promontório, embora não estivesse inovando, pois a transformação de um titã em promontório já havia sido
utilizado por Homero, na Odisseia.
O  nome Adamastor, foi provavelmente a junção que o poeta fez de Adamastus (indomável, usado por Virgílio
na Eneida) com Damastor (o dominador, usado por Homero na Ilíada). Isso não é cópia em absoluto, é criação a
partir de elementos que já existem.
         O extraordinário é o modo como Camões transforma em
poesia grandiosa um facto comum aos navegadores de sua época.
A situação geográfica do Cabo das Tormentas causava
tempestades e tormentas, pois as correntes marítimas
encontram-se, nesta ponta extrema, com os ventos de direções
opostas. A imaginação, a mitificação necessária de todo poema
épico levou Camões a criar essa figura de um gigante e ver, nos
fenómenos naturais as consequências da cólera do monstro.
         Camões é exato quando mistura história com ficção neste episódio, fazendo referência a Bartolomeu Dias
como o descobridor do Cabo; D. Francisco de Almeida (1450-1510) como o primeiro ilustre que morreu e foi
enterrado na praia. O “outro também virá” foi Manuel de Sousa Sepúlveda (1500-1552), fidalgo português que
naufragou no Cabo com sua esposa Leonor de Sá ( a fermosa dama) e os filhos.
Na estância 48 Camões comete um erro. Ao contrário do que afirma, a mulher e os filhos de Sepúlveda
foram mortos pelos cafres,  e depois disso, Sepúlveda deitou-se sobre as sepulturas e foi comido por tigres ( ou
como dizem outras fontes, ele enlouqueceu e desapareceu nas selvas).
O poeta cita corretamente os famosos geógrafos Ptolomeu (II d. C), Pomponio Mela (II d. C. ), Estrabão (I
a. C.), e Plínio, o Velho, cientista romano do século I d. C.
No plano geral da obra, Adamastor simboliza a vastidão marítima e todos os perigos que essa vastidão
encerra, que finalmente foram submetidos pela perseverança e astúcia lusitana.
Muito se poderia dizer ainda sobre Os Lusíadas, concretamente sobre este episódio, mas nada substitui
uma leitura atenta do texto.

Texto 2

Cinco dias depois da paragem na Baía de Santa Helena, chega Vasco da Gama ao Cabo das Tormentas e é
surpreendido por uma nuvem negra “tão temerosa e carregada” que pôs nos corações dos portugueses um
grande “medo” e leva Vasco da Gama a evocar o próprio Deus todo poderoso.
Foi o aparecimento do Gigante Adamastor, uma figura mitológica criada por
Camões para significar todos os perigos, as tempestades, os naufrágios
e “perdições de toda sorte” que os portugueses tiveram de enfrentar e transpor
nas suas viagens.
Esta aparição do Gigante é caracterizada direta e fisicamente com uma
adjetivação abundante e é conotada a imponência da figura e o terror e
estupefação de Vasco da Gama, e seus companheiros, que o leva a interrogar o
Gigante quanto à sua figura, perguntando-lhe simplesmente “Quem és tu?”.
Mas mesmo os gigantes têm os seus pontos fracos. Este  é também uma vítima do amor não correspondido, e a
questão que Gama lhe coloca leva o gigante a contar a sua história sobre o amor não correspondido.
Apaixona-se pela bela Tétis que o rejeita pela “grandeza feia do seu gesto”. Decide então, “tomá-la por
armas” e revela o seu segredo a Dóris, mãe de Tétis, que serve de intermediária. A resposta de Tétis é ambígua,
mas ele acredita na sua boa fé.
Acaba por ser enganado. Quando na noite
prometida julgava apertar o seu lindo corpo e
beijar os seus “olhos belos, as faces e os
cabelos”, acha-se abraçado “cum duro monte
de áspero mato e de espessura brava, junto de
um penedo, outro penedo”.
Foi rodeado pela sua amada Tétis, o mar, sem lhe poder tocar.
O discurso do Gigante, que se divide em duas partes de acordo com a intervenção de Vasco da Gama,
compreende, na primeira, um carácter profético e ameaçador num tom de voz “horrendo e
grosso” anunciando os castigos e os danos por si reservados para aquela “gente ousada” que invadira os
seus “vedados términos nunca arados de estranho ou próprio lenho".

Texto 3
COMENTÁRIO SOBRE O EPISÓDIO “O GIGANTE ADAMASTOR”
      O “Gigante Adamastor” é um dos episódios mais belos d’Os Lusíadas, na minha opinião. O “Gigante
Adamastor” contém uma carga semântica muito forte. Numa visão geral, Camões narra neste episódio o que
aconteceu cinco dias depois da paragem na Baía de Santa Helena, quando Vasco da Gama chega com seus
compatriotas ao Cabo das Tormentas e é surpreendido por uma nuvem negra, “tão temerosa e carregada” que
pôs nos corações dos portugueses um grande “medo”. Para narrar este facto dentro do espírito poético da
epopeia, Camões cria uma figura mitológica, o “Gigante Adamastor”, para simbolizar todos os perigos, as
tempestades, os naufrágios e “perdições de toda a sorte” que os portugueses tiveram de enfrentar e transpor
em suas viagens. Com essa figura, Camões adjetiva o terror e a estupefação de Vasco da Gama e de seus
companheiros diante deste maior percalço da viagem.
         Belíssimo é o contraste que Camões cria, ao nos mostrar um gigante horrendo e apavorante, e depois
descrever seus  sentimentos. Adamastor é vítima de um amor não correspondido.
Ele apaixonara-se pela bela Tétis, mas ela rejeitou-o pela “grandeza feia de seu gesto”. Ele busca a ajuda de
Dóris, mãe de Tétis, para servir como mediadora entre ele e sua amada. Tétis envia-lhe uma resposta ambígua,
mas ele, apaixonado, entende como um provável sim, e enganado pelas duas, cai numa terrível cilada. Na noite
prometida, julgava estar apertando o corpo adorável  de Tétis em seus braços, beijando-lhe “os olhos belos, as
faces e os cabelos”, mas na realidade achava-se abraçado com um duro monte de “áspero mato e de espessura
brava, junto de um penedo, outro penedo” e acabou por fundir-se ao penedo, ficando rodeado pelas águas de
Tétis, vendo-a insinuar-se para ele todos os dias, pela eternidade, mas sem poder tocá-la.
         Depois de narrar suas histórias de amor não correspondido, o gigante muda de discurso, torna-se
novamente amedrontador, e começa a anunciar os danos e castigos “por si reservados” para as “gentes
ousadas”  desafiavam ultrapassar o Cabo das Tormentas. Quando ele diz que as naus portuguesas terão
sempre “inimigo a esta paragem” através de “naufrágios, perdições de toda a sorte, que o menor mal de todos
seja a morte”, remete-nos às palavras proféticas do “Velho do Restelo”.
         Ao parafrasear o episódio, sua precisão poética é inevitavelmente alterada, pois qualquer intromissão na
estrutura do poema altera, quer a sonoridade, quer as rimas, quer a narrativa. Mas a proposta da paráfrase
facilita a leitura do leitor principiante

Texto 4

    O poema épico “Os Lusíadas”, do grande poeta Luís de Camões, é uma obra marcadamente renascentista, não só
porque foi escrito em plena época do Renascimento em Portugal, mas porque reflete os ideais característicos deste
movimento ideológico, científico, literário, artístico e político.

    O recurso à mitologia clássica não poderia deixar de estar presente numa obra que se inspira no modelo clássico
da Eneida, mas, porque as intenções e  as épocas em que se inserem são bem diferenciadas e distantes no tempo, o
seu papel teria de ser forçosamente muito diferente. Em “Os Lusíadas” não são os deuses que determinam a
história dos heróis. Eles são, por vezes, figuras  alegóricas ou com funções meramente decorativas; outras, surgem
como reflexo do entusiasmo renascentista pelos instintos e forças naturais (ou sobrenaturais) ignorados, que
impulsionam o destino dos homens; mas, acima de tudo, o seu papel é mostrar a vitória do homem moderno, que
começou a aprender a dominar o planeta, sobre os deuses.

    Os deuses, no poema de Camões, sentem-se ameaçados pelas navegações dos portugueses e, como Baco, no
Canto VI refere, receiam que, de progresso em progresso, os homens ”venham a deuses ser” e eles
humanos. Adamastor, mais do que qualquer outra figura, ilustra o orgulho humano renascentista de quebrar os
limites que até aí eram impostos e de ultrapassar os “vedados términos” de origem natural – o cabo tormentoso,
e os psicológicos – o medo do desconhecido.

    Mas o herói desta epopeia é um herói coletivo e não um homem apenas. São “as armas e os barões assinalados”
que partiram à descoberta do mar desconhecido, são “as memórias gloriosas” dos reis que “foram dilatando a Fé
e o Império” e todos aqueles que praticaram feitos valorosos e assim se tornaram famosos (se libertaram “da lei
da morte”). Assim, é todo o povo português e os seus antepassados da Antiguidade,  os Lusos,
ou Lusitanos (“redescobertos” por humanistas como André de Resende) quem se torna o símbolo da glória do
domínio do homem sobre a natureza. Orgulho humano e orgulho nacional surgem aqui juntos: os homens
portugueses, que já anteriormente venceram quem se lhe opôs, vencem agora os medos de antigamente e
dominam o mar!

    Segundo António José Saraiva, a mitologia clássica tem ainda um outro interesse em “Os Lusíadas”: ela “constitui
o seu próprio travejamento romanesco, e, em parte, a sua própria alma”. É que a valorização excessiva dos feitos
de guerra,  a “conceção da história nacional como uma sequência de proezas de heróis militares... constitui hoje o
peso morto d’Os Lusíadas”. As personagens mitológicas (com exceções como as do episódio de Inês de Castro)
têm justamente o que falta às personagens históricas: atuam muito como  homens de carne e osso, têm paixões e
defeitos, fazem conspirações e guerras, são furiosos, vingativos, invejosos, mas também amorosos e meigos. A
intriga que se desenrola entre eles é verdadeiramente humana.

    “O mar fica povoado de...deuses e deusas, que acalmam as ondas. E é assim nas mãos dos deuses, carinhosas ou
raivosas, que os portugueses vão navegando... sem mesmo se darem conta dos perigos: os homens são abstratos
como deuses, e os deuses são carnais como homens; e é evidente que sem a intriga divina não haveria no poema um
enredo a ligar as suas diversas partes. Não se chegaria a perceber por que artes conseguiram eles chegar a Calecute
ou que dificuldades tornaram notável a sua viagem”. Esta sua atuação vem desfocar a atenção dos leitores dos
factos históricos para as suas histórias.

    O episódio com o Adamastor (situado no Canto V, mesmo no centro d’Os Lusíadas) é um


bom exemplo de tudo isto. Apesar de ser um ser não-humano, apaixona-se, guerreia com
os deuses, é vítima de um ardil, tenta impedir a passagem de Vasco da Gama, mas é
vencido pelos portugueses (embora a longo prazo se venham a cumprir algumas das suas
ameaças). A maior diferença entre os humanos e o gigante, é mesmo a aparência
externa. Camões descreve-o como uma figura “robusta e válida / De disforme e
grandíssima estatura”, e com o “rosto carregado, a barba esquálida / Os olhos encovados,
e a postura / Medonha e má”, de “cor terrena e pálida”. Seus cabelos estavam “cheios de
terra e crespos” e tinha “a boca negra” e “os dentes amarelos”. Fala com um tom de voz
“horrendo e grosso” que parecia “sair do mar profundo”, e até causava arrepios.

    Como se trata da personificação do cabo da Boa Esperança, pode dizer-se que se trata da vingança da Natureza
sobre os portugueses, sob a forma dos medos que os marinheiros portugueses tinham de monstros horrorosos que
faziam naufragar as naus e tirar as vidas a muitas pessoas. Eram os monstros  que simbolizavam o desconhecido,
mas também o fantástico. Eram ainda os guardiões dos tesouros, pois para lá deles situava-se a Índia, fonte de
riquezas e sonhos. Era portanto necessário haver um guarda realmente muito poderoso para que só conseguissem
passar os mais merecedores, os mais valentes e ousados.

   Por isso ele começa por dirigir-se aos portugueses de uma forma muito agressiva
e imperiosa, com a intenção de os amedrontar. Esta primeira parte do encontro é
uma espécie de julgamento sumário: o gigante começa por acusá-los dos crimes de
irem aonde era proibido, de invadirem o seu território, de tentarem desvendar os
segredos que ele guarda, o que a nenhum humano era permitido fazer, por mais
heroico ou poderoso que fosse (“os vedados términos quebrantas / E navegar meus
longos mares ousas”; “Pois vens ver os segredos escondidos”; “A nenhum grande
humano concedidos / De nobre ou imortal merecimento”).
    Não há lugar para defesa, Adamastor passa logo a ditar a sentença: serão castigados pelo seu atrevimento, pois
todas as naus que ali passarem sofrerão enormes tempestades. Haverá ainda uma vingança mais terrível para a
primeira que ali passar depois deles - “quantas naus esta viagem”; “fizerem, de atrevidas / Inimiga terão esta
paragem / Com ventos e tormentas desmedidas! / E da primeira armada”; “Eu farei de improviso tal castigo, / Que
seja mor o dano que o perigo”. Mas ainda não acabaram as sentenças. O homem que o descobriu e passou será
severamente castigado, bem como o primeiro vice-rei da Índia, todos junto dele (“Aqui espero tomar, se não me
engano, / De quem me descobriu suma vingança”; “E do primeiro Ilustre”; “Serei eterna e nova sepultura”).

    Mas depois desta demonstração de cólera e ódio, Vasco da Gama recuperando do primeiro susto e admirado por
esta estranha figura, pergunta-lhe quem é.

    Com mais outro berro ele diz-lhes que é o Cabo Tormentório que nunca ninguém houvera passado até chegarem
os portugueses com a sua ousadia. E conta-lhes a sua triste história com Tétis e a sua pena por ter desafiado
Zeus. Perturbado por ter “revivido” verbal e mentalmente a sua história, nem se dá conta que quando acaba, já os
portugueses vão longe. Mas isso não o impede de concretizar as vinganças que os portugueses bem rezaram para
que não acontecessem. Bartolomeu Dias e D. Francisco de Almeida (o vice-rei da
Índia) perecem a seus “pés”, bem como Manuel de Sousa Sepúlveda, cujo
naufrágio viria a ser dos mais conhecidos.

    Mas o que importa aqui é que naquele momento, não conseguiu demover os


portugueses do seu objetivo: a descoberta do caminho marítimo para a Índia,
sendo em “Os Lusíadas” o maior obstáculo transposto
pela coragem e determinação dos bravos marinheiros lusitanos.

Mitologia - Breve Introdução

A mitologia em geral, e a Grega e Romana neste caso particular, é o reflexo de uma forma muito particular de ver
e entender a natureza e o divino. As mitologias reportam-se a épocas imemoriais, quando a relação dos homens
com o mundo que os rodeava era certamente muito mais íntima do que podemos imaginar: o ciclo natural era
também o ciclo da vida humana, com a sequência das estações a determinar as colheitas, a paisagem, a
alimentação de pessoas e animais. A dependência dos elementos naturais era quase total; as forças selvagens
eram benéficas ou profundamente adversas, e tinham origem desconhecida.
Tendo sempre presente a Natureza, os homens entendiam que tudo tem um lado bom e um lado temível: a água
é fonte de vida mas também túmulo para muitos; o sol cria e aquece, mas também queima e destrói. Assim, belas
deusas, espíritos dos lagos, ninfas da espuma do mar, deuses e génios das colheitas e
protetores dos rebanhos, todos eles possuem uma natureza oculta e temível que deve
ser evitada; simultaneamente, possuem um lado bom e generoso, pelo qual ajudam os
mortais, os seus bens e os seus campos.

No caso da mitologia clássica, o natural anseio dos homens por um mundo


justo e belo levou-os a imaginar assim a morada dos deuses, um Olimpo onde tudo
deveria ser harmonia e felicidade, novamente, as dificuldades da vida quotidiana impediram que assim fosse, e
também os deuses tinham frequentes discussões, casos românticos que acabavam mal, ódios e rivalidades. Uma
das facetas mais interessantes destas mitologias é justamente a humanização dos deuses, que não são frios,
distantes ou perfeitos, e sim bem semelhantes aos humanos, com as mesmas alegrias e tristezas, mas sem a
morte, talvez o elemento mais temido pelos seres vivos.

Embora seja vulgar falar da mitologia grega e da romana como sendo idênticas, tal não é o caso: a mitologia
grega é muito mais rica em conteúdo, em espiritualidade e em imaginação criativa, e a romana é essencialmente
uma recolha de mitologias de povos por eles conquistados - mitologias egípcias, sírias, persas, etruscas, muitos
elementos gregos, e alguns verdadeiramente romanos. De qualquer forma, a maioria dos deuses que a época do
Renascimento (e, claro, Camões) recuperou também têm o seu equivalente em deuses gregos; e se o
aproveitamento que então se deu da cultura clássica incidiu sobretudo na cultura romana, é porque o pouco que
a arqueologia até aí conseguira descobrir era romano, e não por esta cultura ser mais rica ou mais importante
em termos de mitos e lendas. Assim, a cada deus foi atribuída uma dupla designação: romana (latina) e grega,
respetivamente.

Tétis

Tétis é uma divindade menor, se bem que seja uma das mais antigas, é uma Titã dos dezoito que Geia (a Mãe-
terra) teve de Úrano (o Céu), que formaram a primeira raça divina. É casada com seu irmão Oceano, um Titã
também, o senhor do rio imenso que se julgava rodear o mundo. As ninfas desse rio (Oceânides), bem como as
divindades de todos os outros rios da terra, eram filhas de ambos.

Há ainda uma outra figura mitológica com o mesmo nome, e que muitas vezes se confunde com a deusa Tétis: é
uma ninfa marinha, ou nereide, filha de Nereu (o deus do Mediterrâneo), que foi a mãe do herói Aquiles.

Para Camões Tétis representa estas duas entidades divinas. No entanto, esta confusão é intencional, pois
permite unificar duas noções semelhantes que se referem ao mar, que é geralmente representado por Tétis ou
Neptuno; mas as ondas são representadas pelas Nereides (Tétis, Anfitrite, Panopeia, Galateia, entre outras).
Tétis banhando Aquiles no Estige, Donato Creti (1671-1749)

Nereides

Ninfas do mar calmo; filhas de Nereu, deus do mar mediterrânico, e de Dóris, filha do deus Oceano. As ninfas
eram 50, todas de uma grande beleza, viviam no fundo mar Egeu, no palácio de seu pai. Ocupavam o seu tempo a
fiar, a tecer e a cantar, sentadas em tronos de oiro. Os poetas imaginam-nas também divertindo-se entre as
vagas, deixando flutuar a cabeleira, nadando por aqui e por ali entre tritões e delfins. Tinham o poder de
acalmar as águas.

Ninfas

Espíritos femininos, jovens e belos, que residiam na natureza, geralmente em águas claras
de fontes e nascentes, mas também no mar, nas árvores e nas
montanhas. Estão sempre ligadas à água: se estão no campo,
concentram-se nos bosques sombrios e nas cavernas húmidas,
que simbolizam ao mesmo tempo o nascimento e a morte. Elas
são os espíritos da fecundidade e da graça da natureza.

De início, as ninfas foram associadas às Musas (ou vice-


versa), pelo que também são consideradas inspiradoras poéticas; Camões invoca como
tal as ninfas do Tejo e do Mondego, e às primeiras chama Tágides.
As ninfas desempenharam um papel importante nas lendas. São divindades familiares à imaginação popular,
como as fadas. Aparecem muitas vezes como amantes de grandes deuses (Júpiter, Apolo, Mercúrio ou Baco); por
vezes são elas que raptam belos jovens, pelos quais se apaixonam; algumas ficaram
famosas pelos seus amores.

Entre as ninfas existem várias categorias, que se distinguem consoante os locais que


habitam: as Nereides, ninfas do mar calmo; as Náiades, ninfas dos rios e regatos;
as Oréades, ninfas dos montes, entre outras.

Significado / Simbolismo do episódio

Geograficamente simboliza o Cabo das Tormentas, posteriormente chamado da Boa Esperança;

Mitologicamente o Gigante apaixonado pela deusa Tétis, transformado em promontório pelos deuses, que não
toleram ousadias; símbolo da frustração amorosa;

Simbolicamente série de perigos e dificuldades que os Portugueses tiveram de enfrentar e vencer. No dizer de


Amélia Pinto Pais, este episódio "é uma espécie de abóbada arquitetónica do Poema, em que vêm concentrar-se as
grandes linhas da epopeia: o real-maravilhoso (...); a existência de profecias (...); é igualmente um episódio
lírico (...); por outro lado, é igualmente um episódio trágico (...). É sobretudo um episódio épico, em que se
consolida a vitória do homem, "bicho da terra", sobre uma natureza poderosa."

O Gigante Adamastor ("Os Lusíadas") / O Mostrengo (poema de "Mensagem" de Fernando


Pessoa)
 
Ouve aqui o poema "O Mostrengo" Fernando Pessoa
Podes ver aqui o discurso do Gigante Adamastor
 
 
Quer Luís de Camões, quer Fernando Pessoa, dois dos maiores poetas portugueses, realçam nas
suas obras Os Lusíadas e Mensagem, respetivamente, a importância dos Descobrimentos
portugueses para Portugal e para o mundo, dando especial destaque para o dobrar do Cabo das Tormentas, a partir
daí conhecido como o Cabo da Boa Esperança, pelas perspetivas de novas terras que a partir de então se poderiam
conhecer.
A oposição da Natureza aos intentos dos Portugueses é metaforicamente representada tanto por Luís de Camões,
através do Adamastor, como por Fernando Pessoa, que recorre ao mostrengo para retratar esses medos.
O Adamastor é um episódio de Os Lusíadas situado no Canto V, no momento em que Vasco da Gama narra a sua
viagem de Lisboa até ao Canal de Moçambique ao Rei de Melinde. "O Mostrengo" é um poema que se situa na
segunda parte de Mensagem, " Mar Português", momento em que Fernando Pessoa retrata os Descobrimentos
portugueses, realçando a ânsia pela conquista do desconhecido e o esforço heroico da luta com o mar.
 
Caracterização do Adamastor / Caracterização do mostrengo
Ambas as figuras são
disformes, poderosas e
aterrorizadoras.
O Adamastor surge de
uma nuvem com uma
figura " robusta e válida",
como um monstro
horrendo de tamanho descomunal, " De disforme e grandíssima
estatura "; rosto severo e barba suja, desalinhada; olhos "encovados" e negros; cabelos " cheios de terra e crespos";
" boca negra" e " dentes amarelos". Apresenta uma " cor terrena e pálida", tem uma " postura medonha e má" e a
sua voz é horrenda e grossa, " pesada " e amarga.
Por sua vez, o mostrengo é caracterizado com uma figura que voa e chia, " imundo e grosso", que habita em
cavernas, metáfora dos perigos do mar. Apresenta, assim, semelhanças com um morcego monstruoso.
Discurso do Adamastor/ Discurso do mostrengo
 
O Adamastor inicia o seu discurso com um tom assustador, como se pode notar, por exemplo, em: " E da primeira
armada, que passagem/ Fizer por estas ondas insofridas,/ Eu farei de
improviso tal castigo,/ Que seja mor o dano que o perigo!" ( est. 43, vv.5-8)
De igual modo, no discurso do mostrengo nota-se uma
certa agressividade e um tom de ameaça, como é evidente nalgumas
expressões, tais como: "Quem vem poder o que só eu posso,/ Que moro
onde nunca ninguém me visse / E escorro os medos do mar sem
fundo?»( vv.14-16)
Todavia, deixa transparecer uma certa admiração e espanto, tal como o
Adamastor, por este povo aventureiro que ousou o que jamais algum ser humano o fizera: " Ó gente ousada, mais
que quantas/ No mundo cometeram grandes cousas,/ (...) Pois os vedados términos quebrantas/ E navegar meus
longos mares ousas" (est. 42, vv.1-6)
É de notar igualmente a presença de funestas profecias por parte do Adamastor e que contribuem para intensificar
o momento de terror que está a ser vivido pelos argonautas portugueses:" Antes, em vossas naus vereis, cada ano,/
(...)/ Naufrágios, perdições de toda a sorte, / Que o menor mal de todos seja a morte!" ( est.44, vv. 5-8 )
Contudo, no final deste episódio, o Adamastor deixa de lado a figura assustadora e medonha para dar lugar a um
ser sofredor e castigado, mostrando assim uma faceta muito humana. Se por um lado representa uma figura
causadora de sofrimento, por outro assume-se como um ser vítima de um fracasso amoroso: "Da mágoa e da
desonra ali passada,/ A buscar outro mundo, onde não visse/ Quem de meu pranto e de meu mal se risse."
(est.57,vv.6-8) e " Comecei a sentir do fado immigo,/ Por meus atrevimentos, o castigo." (est.58, vv.7-8)
Pelo contrário, o mostrengo não é autor de profecias e mantém a sua postura horrenda do princípio ao fim, tendo
sido vencido pela coragem e determinação dos Portugueses.
 
Reação de Vasco da Gama e seus homens / Reação do homem do leme
A aparição do gigante mitológico, a que Luís de Camões chamou
Adamastor e Fernando Pessoa o mostrengo, suscitou reações
semelhantes.
Vasco da Gama e os seus homens começam por sentir receio perante a
visão horrenda do Adamastor: " Arrepiam-se as carnes e o cabelo / A mi e
a todos, só de ouvi-lo e vê-lo "( est.40, vv.7-8). No entanto, esse
sentimento é depois substituído por uma certa admiração : " Lhe disse eu
: " Quem és tu ? Que esse estupendo / Corpo, certo, me tem
maravilhado !" " ( est. 49, vv. 3-4 ).
De igual modo, no poema de Fernando Pessoa, o homem do leme revela sentimentos de temor e receio: "E o
homem do leme tremeu e disse" ( v. 17 ). Mas após as primeiras hesitações do homem do leme que sente vontade
de fugir, de largar o leme, este acaba por reunir toda a sua determinação e permanecer no seu posto : "Três vezes
do leme as mãos ergueu, / Três vezes ao leme as reprendeu " ( vv.19-20 ) . Ele sente que essa não é apenas a sua
vontade, mas a do povo português por ordem de D. João II : " Aqui ao leme sou mais do que eu : / Sou um Povo que
quer o mar que é teu ; / E mais que o Mostrengo, que me a alma teme / E roda nas trevas do fim do mundo, / Manda
a vontade, que me ata ao leme, / De El-Rei D. João Segundo " ( vv. 22 a 27 ).
O temor causado por esta figura não demoveu nem o homem do leme nem Vasco da Gama dos seus propósitos,
terminando o episódio d’Os Lusíadas  com um apelo de Vasco da Gama, pois mais horrendo que o aspeto do
Adamastor eram as suas profecias para o futuro, tanto que pediu a Deus que lhes evitasse semelhante sofrimento.
 
Simbologia do Adamastor e do mostrengo
 
O Adamastor e o mostrengo, embora associados à representação do denominado Cabo das Tormentas, são
personificações do medo e do receio que os navegadores revelavam ao enfrentar o desconhecido e o nunca antes
navegado. Simbolizam também as histórias fantásticas relacionadas com seres monstruosos que habitavam os mares
e que destruíam todos aqueles que tivessem a ousadia de entrar nos seus domínios, histórias essas em que os
navegadores da época acreditavam.
O monstro representa ainda o guardião, que se encontra a impedir o acesso ao "tesouro", obrigando assim
o homem a praticar um ato heroico e a vencer o medo. Primeiro, Bartolomeu Dias e seus homens, no reinado de D.
João II, superaram os seus receios e provaram ser possível navegar para além do Cabo das Tormentas, a partir daí
conhecido como cabo da Boa Esperança, e Fernando Pessoa imortalizou-lhes o mérito em " O Mostrengo". Depois,
Vasco da Gama e seus homens, no reinado de D. Manuel I, descobriram o caminho marítimo para a Índia,
chegaram até ao "tesouro", e Luís de Camões imortalizou-os na sua obra épica. 

Tempestade

Decorria o “Consílio dos Deuses Marinhos”, quando a armada portuguesa, foi intercetada por
uma tempestade proveniente dos ventos que Éolo
soltara por ordem dos deuses. No momento em que a
tempestade se aproximou, estavam os navegadores
entretidos com a história do “Doze de Inglaterra”,
contada por Fernão Veloso.
É este um episódio simbólico em que se entrelaçam os planos da viagem e
dos deuses, portanto a realidade e a fantasia.
Esta tempestade é o último dos perigos que a armada lusitana teve que enfrentar para chegar ao Oriente, e Camões
descreve-a de uma forma bastante realista, tanto relativamente à natureza, quando refere a fúria desta
(relâmpagos, raios, trovões, ventos), como relativamente ao sentimento de aflição sentido por parte dos
marinheiros.
O episódio começa por referir a tranquilidade com que se navega em direção à Índia, assistindo-se depois ao
desenlace da tempestade que o poeta descreve de maneira muito real. De
seguida é narrada a súplica de Vasco da Gama a Deus = “Divina Guarda, angélica,
celeste,”, o qual utiliza argumentos como a preferência por uma morte heroica e
conhecida em África, a um naufrágio anónimo no alto mar e o facto de a viagem
ser um serviço prestado a Deus.
O término da tempestade vem quando Vénus decide intervir ordenando
às “Ninfas amorosas” que abrandem a ira dos ventos, seduzindo-os.
Como se pode verificar, mais uma vez, Vénus ajuda os Portugueses a atingir o seu
objetivo, visto que os considera um povo semelhante ao seu amado povo
latino. Quando a tempestade acaba, os Portugueses avistam a Índia a 17 de maio de 1498.
Ilha dos Amores
Clica num dos episódios:
         Ilha
dos
amores -

preparativos
        Ilha dos amores - Aventura de Lionardo
 
O episódio da Ilha dos Amores ocupa uma quinta parte do poema. Encontra-se colocado estruturalmente na
convergência de todos os diversos níveis de ação presentes na obra:
 
 -a  viagem  dos marinheiros;
  -a intriga dos  deuses;
  -a  conceção  da estrutura do  mundo  (cosmos);
  -a visão da  história passada e futura de Portugal  (e do mundo de então);
  -a  interpretação filosófica do significado da ação dos homens  no mundo;
  -a  crítica da situação factual da política do tempo de Camões.
    Fácil será fazer uma extrapolação e dizer que a Ilha é a visão paradisíaca do verdadeiro Portugal ou que
ela representa uma utopia de feição idealista: o lugar da recompensa dos homens após o longo sofrimento,
privação e risco da demorada viagem. Mas convém notar que, com a prática erótica que essa Ilha faculta aos
homens e ao Gama, é feito, paralelamente, o discurso da revelação da sabedoria histórica e cosmogónica.
    Para além de considerações de carácter esotérico (secreto, misterioso), o que o poema nos dá é de facto a
prática e o apogeu do amor físico como sendo a chave textual para a abertura do conhecimento.Tais
propostas são manifestamente heréticas (ofensivas) relativamente às doutrinas quer neoplatónicas quer
católicas.
Simbologia do episódio da Ilha dos Amores
   
    A Ilha dos Amores simboliza o reconhecimento dos feitos do povo português através de
uma recompensa – a celebração de um casamento cósmico entre as ninfas e os portugueses, através do
qual Camões os eleva a um estatuto de deuses, é como se se dissesse que quem pratica feitos de tal
magnitude, não esquecendo os sacrifícios causados pelos homens inimigos e pelos deuses, principalmente
Baco, que os vai atraiçoando no decorrer da sua jornada, merece a imortalidade própria da condição
divina «Por feitos imortais e soberanos/O mundo cos varões que esforço e arte/Divinos os fizeram, sendo
humanos».
 
    Vénus, deusa do Amor e da Beleza, é assim a
deusa que se identifica com estes heróis e os
vai salvando dos perigos, cria a "Ilha dos
Amores", auxiliada por Cupido, seu
filho, recompensando os portugueses pelo
seu esforço, bravura, persistência e dedicação
na tarefa da superação da humanidade.
 
    Na ilha "fresca e bela" encontram-se ninfas à
espera, tendo os marinheiros a oportunidade
de se deleitar com elas que os
acolhem, depois de jogos de
sedução, dividem-se entre o prazer sexual e o
Amor. É aliás este Amor que existe entre Vénus e os Portugueses. E, por isso,  dá-se, nesta Ilha, um
"casamento”,   a união entre os descendentes de Luso e Vénus onde "Se prometem eterna companhia, / Em
vida e morte, de honra e alegria.". Deste modo, Vénus reconhece os Portugueses como um povo nobre e
concede-lhes como que um estatuto semidivino e eterna proteção.
   
    A viagem, mais do que a exploração dos mares, exprime a passagem do desconhecido para
o conhecimento, não só a nível físico, mas também a
nível espiritual/interior. Como diz Jorge de Sena,  estamos perante
«a  recolocação  do  Amor, do verdadeiro Amor,  como centro da Harmonia do
Mundo. A Ilha é uma catarse total (purificação), não apenas de todos os
recalcamentos, mas das misérias da própria História, e das misérias da vida
no tempo de Camões e fora dele (...)  Ao desmistificar os deuses,  Camões  faz-
nos assumir a fantasia como  fantasia,  dando aos homens a dignidade
máxima de terem sido humanos, do mesmo modo que aponta aos homens a
maneira de se divinizarem».
 
    Na Ilha dos Amores, os prazeres concedidos aos portugueses inscrevem-se
tanto no nível material como no espiritual do Herói. Por um lado, ao nível
material temos as recompensas do amor físico e o banquete oferecidos por
Tétis e pelas restantes ninfas. Por outro lado, o nível espiritual reporta-se à
apresentação que Tétis faz da Máquina do Mundo a Vasco da Gama. Este
último momento é de grande importância já que apenas aos deuses era possível a visualização do Universo.
A ambição da descoberta de novas terras proporciona aos nautas esta honra, símbolo de todas as
compensações que os Descobrimentos trazem ao Homem.
   
    Ao contrário dos episódios da Inês de Castro e do Adamastor, este é o episódio da Epopeia e um exemplo
raro da obra camoniana, em geral, em que existe a plenitude amorosa, onde existe o prémio e não o castigo
por amor. É através do amor físico que os navegadores interagem com as ninfas imortais, depois das provas
que representam o amor pela pátria, a devoção e a superação das dificuldades que os tornam também
divinos, provando assim que nada resiste à força do amor.
 
    Camões coloca neste episódio toda a sua imaginação e, utilizando
elementos do Renascentismo e do Humanismo, confere aos portugueses a
possibilidade de realização completa, sem as limitações e as contradições
impostas pela Natureza. E assim os navegadores conseguem alcançar
a imortalidade. Mas isso também se aplica ao poeta que, ao compor esta
epopeia e ao dedicá-la ao herói português, dignifica os seus
feitos, permanecendo vivo não fisicamente, mas espiritualmente, através
desta e de muitas outras obras.
    No Canto IX, os nautas ao serem recebidos pelas ninfas significa, entre
outras coisas, a confirmação dos receios de Baco: de facto, os navegantes
cometeram atos tão grandiosos que se tornam amados por deusas; e, de
certo modo, divinizam-se também.
 
    Em Os Lusíadas a revelação súbita da nudez desperta o instinto para o qual o pecado não existe. É em
plena inocência, como se o tabu bíblico nunca tivesse existido, que se realizam as núpcias, sem
restrições. Depois desta recuperação da inocência e desta abolição da consciência do Bem e do Mal, os
homens recuperam também a imortalidade. Como amantes das ninfas
imortais, tornam-se eles próprios divinos.
    A mulher, intermediária da serpente maléfica, fizera Adão ser sujeito à
morte. Na Ilha dos Amores é também a  mulher  (agora no plural)
que  liberta  os homens da lei da morte.
 
Evidentemente há uma entrega aos prazeres da carne, mas é um prazer
fruto do Amor, que preenche a alma e purifica.  O Amor que deifica homens e humaniza deuses, unindo-os
num só ser, fazendo com que entre eles não haja mais distinção, deixando criaturas humanas e divinas num
mesmo patamar, numa mesma existência.
   
    Marinheiros e ninfas estavam todos entregues ao puro amor. O sentimento é tão intenso, o afago é
tamanho, que os enamorados “se  prometem  eterna companhia, / em vida e morte, de honra e alegria”, daí
que, mesmo inundados de lascívia,  o relacionamento amoroso entre as ninfas e os portugueses  não
representa uma orgia desenfreada e desmedida.

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Batalha de Aljubarrota
 
 

    Está Vasco da Gama a contar a História de Portugal ao Rei de Melinde, referindo a

morte de D. Fernando e respetivas consequências, e referindo também D. João, Mestre

de Avis, e toda a sua história de nomeação a Regedor e Defensor do Reino. Dá desenlace

à batalha contra Castela que se travou em 14 de Agosto de 1383.

O Rei de Castela invade Portugal, e poucos eram os que queriam combater pela Pátria. Mas os que estavam

dispostos a defender o seu Reino, onde se destacava Nuno Álvares Pereira, iriam defende-lo com a convicção

da vitória, pois o país vizinho tinha enfraquecido bastante no reinado de D. Fernando e D. João I era garantia

de valor e sucesso e nunca Portugal tinha saído derrotado dos combates contra os Castelhanos.

  No início desta batalha, o som da trombeta castelhana causa efeitos não só nos guerreiros,

como nas mães, que apertam os filhos ao peito, e também na natureza: o

Guadiana, o Alentejo, o Tejo ficam assustados!

    Na descrição da batalha, destacam-se as atuações de Nuno Álvares

Pereira e de D. João, Mestre de Avis; salienta-se também o facto dos irmãos de Nuno combaterem contra a

própria Pátria, acabando por morrer numa batalha em que foram traidores de Portugal.
    No final, Camões refere o desânimo e a fuga dos Castelhanos, que novamente foram derrotados pelos

lusitanos.

RESUMO DA NARRAÇÃO DE "OS LUSÍADAS"

 
  
    CANTO I - Depois do Consílio dos Deuses, a armada de Vasco da Gama chega a Moçambique onde para para se
abastecer. Aí recebe a bordo da nau alguns Mouros da Ilha. O Régulo, isto é, o chefe da Ilha, é recebido por Vasco da
Gama.
O Mouro, quando verifica que os Portugueses eram Cristãos, inspirado por Baco, resolve destruí-los.
Quando Vasco da Gama desembarca na ilha‚ é atacado traiçoeiramente, mas com a ajuda dos marinheiros
portugueses consegue vencer os mouros. Após o triunfo, Vasco da Gama recebe a bordo um piloto,
que recebera ordens para levar os portugueses a cair numa cilada em Quíloa. Quando a armada se
aproximava de Quíloa, Vénus, que descobrira a traição de Baco, afasta a armada da costa por meio de
ventos contrários, anulando assim a traição. O piloto mouro tenta outras vezes aproximar a armada da
costa para a destruir, mas Vénus está atenta e impede que isso aconteça. Entretanto os portugueses continuam a
viagem para Norte e chegam a Mombaça, cujo rei fora avisado por Baco para receber os portugueses e os
destruir.                                        
 
      CANTO II - O rei de Mombaça convida a armada portuguesa a entrar no porto a fim de a destruir. Vasco da
Gama, por medida de segurança, manda desembarcar dois condenados portugueses, encarregados por ele de
obterem informações acerca da terra. Baco disfarça-se de sacerdote cristão. Os dois portugueses são levados à casa
onde ele se encontra e veem em Baco um sacerdote cristão junto
a um altar onde se representavam Cristo e os Apóstolos. Quando
os portugueses regressam  à armada, dão informações falsas a
Vasco da Gama, convencidos de que estavam entre gente Cristã.
Vasco da Gama resolve entrar com a armada no porto
de Mombaça. Vénus apercebe-se do perigo e, com a ajuda das
Nereides, impede os barcos de entrar no porto. Perante o espanto
de todos, apesar do vento empurrar os barcos em direção à cilada,
eles não avançam. O piloto mouro e os companheiros que
também tinham sido embarcados na ilha de Moçambique,
pensando que os seus objetivos tinham sido descobertos, fogem
precipitadamente lançando-se ao mar, perante a admiração de
Vasco da Gama, que acaba por descobrir a traição que lhe estava
preparada e à qual escapou milagrosamente.
Vasco da Gama agradece à Divina Guarda o milagre concedido e
pede-lhe que lhe mostre a terra que procura. Vénus, ouvindo as
suas palavras, fica comovida e vai ao Olimpo queixar-se a Júpiter pela falta de proteção dispensada pelos deuses
aos Portugueses. Júpiter fica comovido e manda Mercúrio a terra para preparar uma receção em Melinde aos
Portugueses e inspirar a Vasco da Gama qual o caminho a seguir. A armada continua a viagem e chega a Melinde,
onde é magnificamente recebida. Vasco da Gama envia um embaixador a terra e o rei acolhe-o favoravelmente.
Após várias manifestações de contentamento em terra e na armada, o rei de Melinde visita a armada portuguesa.
 
      CANTO III  - O narrador começa por invocar Calíope, musa da poesia épica, para que lhe ensine o que Vasco da
Gama contou ao rei de Melinde. A partir daqui o narrador passa a ser Vasco da Gama. Segundo ele, não contará
história estranha, mas irá ser obrigado a louvar os seus, o que, segundo
ele, não será o mais correto. Por outro lado, receia que o tempo de que
dispõe, por mais longo que seja, se torne curto para tantos e tão
grandiosos feitos. Mas obedecerá ao seu pedido, indo contra o que deve
e procurando ser breve. E, para que a ordem leve e siga, irá primeiro
tratar da larga terra e, em seguida, falará da sanguinosa guerra.
Após a descrição da Europa, Vasco da Gama fala das origens de Portugal,
desde  Luso a Viriato, indicando também a situação geográfica do seu
país relativamente ao resto da Europa. A partir da estância 23, começa a narrar a
História de Portugal desde o conde D. Henrique até D, Fernando, último rei da primeira
dinastia.
Os principais episódios narrados dizem respeito aos reinados de D. Afonso Henriques e
a D. Afonso IV.
Relativamente ao primeiro rei de Portugal, refere as diferentes lutas travadas por ele:
contra sua mãe, D. Teresa, contra D. Afonso VII e contra os mouros, para alargamento
das fronteiras em direção ao sul.  São de destacar os episódios referentes a Egas Moniz
(estâncias 35-41) e a Batalha de Ourique (estâncias 42-54).
No reinado de D. Afonso IV, destacam-se os episódios da formosíssima Maria, em que
sua filha lhe vem pedir ajuda para seu marido, rei de Castela, em virtude de o grão rei
de Marrocos ter invadido a nobre Espanha para a conquistar; o episódio da batalha do
Salado, em que juntos os dois Afonsos vencem o exército árabe; e, finalmente, o
episódio de Inês de Castro, a mísera e mesquinha que depois de ser morta foi rainha.
 
      CANTO IV  - O canto IV começa por referir o interregno que se seguiu à morte de D. Fernando, entre 1383-85, e,
em seguida, foca o reinado de D. João I, apresentando-nos os preparativos para a guerra com Castela, a figura de D.
Nuno Alvares Pereira, o seu insurgimento contra aqueles que se colocaram ao lado de Castela, entre os quais se
contam os seus próprios irmãos, e a Batalha de Aljubarrota, que opôs D. João I de Portugal a D. João I de Castela. Em
seguida, é narrada a conquista de Ceuta e o martírio de D. Fernando, o Infante Santo.
São a seguir apresentados os reinados a seguir a D. João I, entre os quais os de D. Afonso V e de D.
João II. No reinado de D. Manuel I, é apresentado o seu sonho profético (estâncias 67-75). D. Manuel
I confia a Vasco da Gama o descobrimento do caminho marítimo para a Índia e é-nos depois
apresentada a partida das naus, com os preparativos para a viagem, as despedidas na praia de
Belém e, finalmente, o episódio do velho do Restelo, no qual um velho de aspeto venerando critica
os descobrimentos, apontando os seus inconvenientes e criticando mesmo o próprio rei D. Manuel I,
que deixava criar  às portas o inimigo, no Norte de África, para ir buscar outro tão longe, despovoando-se o reino e
enfraquecendo-o consequentemente.
 
      CANTO V  - Vasco da Gama, que continua a sua narração ao rei de Melinde, apresenta agora, no começo deste
canto, a largada de Lisboa e o afastamento da armada até ao desaparecimento no horizonte da fresca serra de
Sintra. A viagem prossegue normalmente até  à passagem do Equador, momento a partir do qual Vasco da Gama
refere diversos fenómenos meteorológicos, tais como súbitas e medonhas trovoadas, o fogo de Santelmo e a tromba
marítima (estâncias 16-23).
Chegados  à ilha de Santa Helena, os portugueses contactam com um nativo, a quem oferecem vários objetos.
Crendo haver conquistado a confiança dos nativos, Fernão Veloso aventura-se a
penetrar na ilha de Santa Helena. A certa altura, surge a correr a toda pressa,
perseguido por vários nativos, tendo Vasco da Gama de ir em seu socorro,
travando-se uma pequena luta entre eles, da qual saiu Vasco da Gama ferido
numa perna.
Regressados aos barcos, os marinheiros procuram gozar com Fernão Veloso,
dizendo-lhe que o outeiro fora melhor de descer do que subir. Este, sem se
desconcertar, respondeu-lhes que correra à frente dos nativos por se ter
lembrado que os companheiros estavam ali sem a sua ajuda (estâncias 24-36).
Junto ao Cabo da Tormentas, ocorre o episódio do Gigante Adamastor (estâncias
37-60), o qual faz diversas profecias aos portugueses e, em seguida, interpelado por Vasco da Gama, conta a sua
história.
Vasco da Gama relata o resto da viagem até Melinde, tendo referido também a mais crua e feia doença jamais por
ele vista: o escorbuto. O canto termina com os elogios feitos pelo Gama à tenacidade portuguesa e com a invetiva do
poeta contra os portugueses seus contemporâneos por desprezarem a poesia e a técnica que lhe corresponde.
 
      CANTO VI  - Após as festas de despedida, a armada larga de Melinde para prosseguir a viagem até à Índia,
levando a bordo um piloto melindano. Entretanto Baco desce ao palácio de Neptuno, a fim de incitar os deuses
marinhos contra os portugueses, pois vê-os quase a atingir o império que ele tinha na Índia. Baco é recebido por
Neptuno no seu palácio e explica-lhe os motivos da sua vinda.
Por ordem de Neptuno, Tritão vai convocar todos os deuses marinhos para o consílio. Assim que se encontram todos
reunidos, Baco profere o seu discurso, apresentando honesta e claramente as razões da sua presença. As lágrimas
interrompem-lhe a dado momento as suas palavras, fazendo com que de imediato todos os deuses se inflamassem
tomando o seu partido. Neptuno manda a Éolo recado para que solte os ventos, gerando assim uma tempestade que
destrua os portugueses (estâncias 6-37).
Sem nada pressentirem, os portugueses contam histórias para evitarem o sono, entre as quais a dos Doze de
Inglaterra (estâncias 43-69). Quando se apercebem da chegada da tempestade, a fúria com que os ventos investem
é tal que não lhes dá tempo de amainar as velas, rompendo-as e quebrando os mastros. É tal a fúria dos elementos
que nada lhes resiste. As areias no fundo dos mares vêem-se revolvidas, as árvores arrancadas e com as raízes para o
céu e os montes derribados. Na armada a situação é caótica. As gentes gritam e veem perto a perdição, com as naus
alagas e os mastros derribados. Vendo-se perdido, Vasco da Gama pede ajuda  à Divina Guarda.
Vénus apercebe-se do perigo em que os portugueses se encontram e, adivinhando que se trata de mais uma ação de
Baco, manda as Ninfas amorosas abrandarem as iras dos ventos. Quando a tempestade se acalma (estâncias 70-85),
amanhecia e o piloto melindano avista a costa de Calecut. O canto termina com a oração de agradecimento de Vasco
da Gama e com uma reflexão do poeta acerca do verdadeiro valor da glória.
 
      CANTO VII  - Os portugueses, que tinham chegado à Índia ainda no Canto VI (estância 92), agora, na primeira
estrofe do Canto VII entram na barra de Calecut. Na estrofe 2, o narrador faz o elogio do espírito de cruzada luso e
exorta as outras nações europeias a seguirem o exemplo dos Portugueses na luta contra os infiéis (estâncias 2 a 15).
Uma vez chegados a terra, pescadores em leves embarcações mostram aos portugueses o caminho para Calecut,
onde vive o rei da Índia. Das estâncias17 a 22, é feita a descrição da Índia e apresentados os primeiros contactos com
Calecut. Vasco da Gama avisa o rei da sua chegada e manda a terra o degredado João Martins. Este mensageiro
encontra o mouro Monçaide, que já estivera em Castela e sabia quem eram os portugueses, ficando muito admirado
por os ver tão longe da sua pátria. Convida-o a ir a sua casa, onde o recebe e lhe dá de comer. Depois disto,
Monçaide e o enviado regressam à nau de Vasco da Gama. Monçaide visita a frota e fornece elementos acerca da
Índia. Algum tempo depois, Vasco da Gama desembarca com nobres portugueses, é recebido pelo Catual, que o leva
ao palácio do Samorim. Após os discursos de apresentação, o Samorim recebe os portugueses no seu palácio.
Enquanto estes aqui permanecem, o Catual procura colher informações junto de Monçaide acerca dos portugueses
e, em seguida, visita a nau capitaina, onde é recebido por Paulo da Gama, a quem pergunta o significado das figuras
presentes nas bandeiras de seda. Das estâncias77 até ao fim do Canto VII, Camões invoca as ninfas do Tejo e
também as do Mondego, queixando-se dos seus infortúnios.
 
      CANTO VIII  - Paulo da Gama continua a explicar o significado das figuras nas bandeiras portuguesas ao Catual,
que se mostra bastante interessado,  fazendo várias perguntas.
Após a visita, o Catual regressa a terra. Por ordem do rei da Índia (estâncias 45 a 46) os Arúspices fazem sacrifícios,
porque adivinham eterno cativeiro e destruição da gente indiana pelos portugueses.
Entretanto, Baco resolve agir contra os portugueses. Aparece em sonhos a um sacerdote árabe (estâncias 47 a 50 )
incitando-o a opor-se aos portugueses. Quando acorda, o sacerdote maometano instiga os outros a revoltarem-se
contra Vasco da Gama.
Vasco da Gama procura entender-se com o Samorim, que, após violenta discussão, ordena a Vasco da Gama que
regresse à frota, mostrando-lhe o desejo de trocar fazendas europeias por especiarias orientais.
Subornado pelos muçulmanos, o Catual impede o cumprimento das ordens do Samorim e pede a Vasco da Gama
que mande aproximar a frota para embarcar, com o intuito de a destruir. Vasco da Gama, astuto e desconfiado,
não aceita a proposta, sendo preso pelo Catual.
Com o receio de ser castigado pelo Samorim, por causa da demora, o Catual apresenta nova proposta a Vasco da
Gama: deixa-o embarcar, mas terá de lhe dar em troca fazendas europeias. Vasco da Gama aceita e regressa à frota,
depois de ter entregue as mercadorias pedidas. O canto acaba com as reflexões do poeta acerca do poder do «
metal luzente e oiro». 
 
      CANTO IX  - Dois feitores portugueses são encarregados de vender as mercadorias, mas são detidos em terra,
para retardar a partida da armada portuguesa, a fim de dar tempo a que uma armada muçulmana viesse de Meca
para a destruir.
O Gama é informado disso pelo árabe Monçaide e, por isso, decide partir, procurando fazer com que os dois
feitores portugueses regressem secretamente à armada, mas não consegue o que pretende. Como represália,
impede vários mercadores da Índia de regressarem a terra e, tomando-os como reféns, ordena a partida.
Por ordem do Samorim, são restituídos a Vasco da Gama os dois feitores portugueses e as fazendas, após o que se
iniciou o regresso a casa (estâncias 13 a 17).
Vénus decide preparar o repouso e prémio para os portugueses (estâncias 18 a 21). Dirige-se, com esse objetivo, a
seu filho Cupido (estâncias 22 a 50), e manda reunir as Ninfas numa ilha especialmente preparada para os acolher.
A «Ilha dos Amores», cuja descrição se apresenta nas estâncias 52 a 55, era uma ilha flutuante que Vénus colocou
no trajeto da armada, de modo a que esta, infalivelmente, a encontrasse.
Os portugueses desembarcaram na ilha e as Ninfas deixam-se ver, iniciando-se uma perseguição. Para aumentar o
desejo dos portugueses, as Ninfas opuseram uma certa resistência, apenas se deixando apanhar ao fim de algum
tempo, efetuando-se, então, o «casamento» entre elas e os marinheiros.
Tétis, a maior, e a quem todo o coro das Ninfas obedecia, apresentou-se a Vasco da Gama, recebendo-o com
honesta e régia pompa. Depois de se ter apresentado e dado a entender que ali viera por alta influição do Destino,
tomando o Gama pela mão, levou-o para o seu palácio, onde lhe explicou (estâncias 89 a 91) o significado alegórico
da «Ilha dos Amores»: as Ninfas do Oceano, Tétis e a Ilha outra coisa não são que as deleitosas honras que a vida
fazem sublimada.
O Canto IX termina com uma exortação dirigida aos que aspiram a imortalizar o seu nome.
 
      CANTO X  - Tétis e as restantes ninfas oferecem um banquete aos navegantes e durante ele uma ninfa começa a
descrever os futuros feitos dos portugueses. Entretanto (estâncias 8-9) o poeta interrompe-lhe a descrição para
invocar uma vez mais Calíope. Finda a invocação, a ninfa retoma o seu discurso, falando dos heróis e futuros
governadores da Índia.
A partir da estância 74, onde acaba a prolepse (avanço no tempo, ou seja, previsão de factos futuros), Tétis conduz
Vasco da Gama ao cimo de um monte, onde lhe mostra uma miniatura do Universo e descobre, no orbe terrestre, os
lugares onde os portugueses irão praticar altos feitos. Dentro das várias profecias, Tétis narra o martírio de S. Tomé
e faz referência ao naufrágio de Camões. Finalmente, Tétis despede os portugueses, que embarcam para
empreenderem a viagem de regresso (estâncias 142-143), cuja viagem se efetua com vento sempre manso e
favorável, chegando  à foz do Tejo sem quaisquer problemas (estância 144).
Das estâncias 145 a 156 são apresentadas lamentações, exortações a D. Sebastião e vaticínios de futuras glórias.
 
Esquematização dos cantos
Legenda:
 

 
        Canto I
·  1-3 Proposição: o Poeta expõe o tema do seu poema.
·  4-5 Invocação: O Poeta pede inspiração às ninfas do Tejo, Tágides, para escrever a sua obra.
·  6-18 O Poeta dedica o seu poema ao rei: D. Sebastião.
·  19 h Início da narração: a armada de Vasco da Gama está no Oceano Índico.
·  20-42 % Consílio dos deuses para decidir o futuro dos Portugueses.
·  43-104 h A viagem prossegue com alguns problemas e intervenções dos deuses e finalmente
chegam a Mombaça.
·  105-106 ? O Poeta reflete sobre a fragilidade do homem.
         Canto II       
·  1-10 A armada está em Mombaça.
·  11-63 Intervenções de Baco, Vénus, Júpiter e Mercúrio.
·  64-108 h Chegada a Melinde: o rei pede a Vasco da Gama que lhe conte onde fica Portugal,
como foi a viagem e a História de Portugal.  
Canto III
·  1-2 O Poeta invoca a musa Calíope para, através de Vasco da Gama, iniciar a narração da
história de Portugal.
·  3-143 Discurso de Vasco da Gama que responde às perguntas do rei de Melinde. Assim,
começa por dar a localização de Portugal; em seguida fala da dinastia de Borgonha: de D. Afonso
Henriques a D. Fernando. Neste discurso são referidos vários episódios:
·  42-54 V  Batalha de Ourique.
·  101-106 ©  Formosíssima Maria.
·  107-117 & Batalha do Salado.
·  118-135 ©  Inês de Castro.  
            Canto IV
·  1-75 Continua o discurso de Vasco da Gama ao rei de Melinde: história da dinastia de Avis (de
D. João I a D. Manuel), inclui dois episódios:
·  28-44 & Batalha de Aljubarrota.
·  67-75 % Sonho de D. Manuel
·  76-104 Os preparativos para a viagem e as despedidas em Belém, inclui um episódio:
·  94-104 % Velho do Restelo
            Canto V
·  1-89 h Vasco da Gama conta ao Rei de Melinde como foi a viagem de Lisboa até ali, que inclui
os seguintes episódios:
·  18 O Fogo de Santelmo
·  19-23 O Tromba Marítima
·  30-36 J Fernão Veloso
·  37-60 O Gigante Adamastor
·  81-83 O Escorbuto
·  90-100 ? O poeta lamenta-se do desprezo pelas artes e letras.
            Canto VI
·  1-91 h A armada sai de Melinde, inicia-se aqui a última etapa da viagem rumo à Índia, no
decorrer da qual são inseridos os seguintes episódios:
·  16-37 % Consílio dos deuses marinhos.
·  43-69 O Os doze de Inglaterra.
·  70-91 O Tempestade
·  92-94 h Chegada à Índia.  
            Canto VII
·  1-77 Na Índia: contactos; Vasco da Gama visita o Samorim e o Catual visita as naus.
·  78-87 ? O Poeta invoca as ninfas do Tejo e do Mondego e comenta quem (não) merece ser
incluído no seu poema.
            Canto VIII
·  1-46 Na Índia: Paulo da Gama recebe o Catual a bordo da sua nau e, através da descrição das
bandeiras, refere alguns ilustres portugueses. Em seguida o Catual regressa a terra
·  47-95 Intervenção de Baco e alguns incidentes, mas finalmente Vasco da Gama consegue
regressar à nau.
·  96-99 ? Reflexões do Poeta sobre o poder do ouro.
            Canto IX
·  1-17 h Inicia-se aqui a viagem de regresso a Portugal.
·  18-91 h A armada avista uma ilha e resolve aportar; trata-se afinal da ilha que Vénus preparou
para homenagear os Portugueses: um paraíso povoado de ninfas; inclui episódio:
·  52-91 © Ilha dos Amores
·  92-95 ? Considerações do Poeta: como atingir a glória.
            Canto X
·  1-142 Na Ilha de Vénus ou dos Amores: decorre um banquete. Tétis explica a máquina do
mundo e faz profecias sobre o futuro dos Portugueses na Ásia, África e América. O próprio naufrágio
de Camões é referido. Inclui os seguintes episódios:
·  1-7 © Ilha dos Amores (continuação)
·  10-42 ©  Ilha dos Amores (continuação)
·  108-118 V  Episódio de S. Tomé.
·  143-144 h Embarque e regresso a Portugal.
·  145-156 ? Considerações do Poeta: lamenta a decadência do seu país; apela ao rei, D.
Sebastião, para que governe bem.
Recursos Expressivos
 
 
Os recursos expressivos tornam a linguagem mais expressiva, permitindo condensar múltiplas ideias em
poucas palavras. Deste modo, o escritor /o poeta, sugere ao leitor várias interpretações para os seus textos /
poemas e leva-o, por vezes, a associá-los a outros textos ou temas do conhecimento geral.
 
Alegoria
Metáfora desenvolvida de modo a sugerir, por alusão, uma ideia diferente; geralmente, o autor
pretende apresentar uma verdade moral ou espiritual subjacente à ação.
N’Os Lusíadas
A alegoria da ilha dos Amores
(Ilha = recompensa, paraíso)
C. IX, 52-91
C. X, 1-7; 10-142
Aliteração
Repetição de um som ou sílaba no início, no meio ou no fim das palavras; utilizada para criar um efeito
auditivo de harmonia ou de onomatopeia.
N’Os Lusíadas
Que um  fraco rei  faz  fraca a  forte gente  C. III, 138.8
Alusão
Referência breve a uma pessoa ou circunstância supostamente conhecida do leitor, de modo a alargar o saber
para além do próprio texto.
N’Os Lusíadas
D’água do esquecimento  C. I, 32.7 = Rio Letes que, segundo a lenda, se situava no Inferno pagão, cujas águas
tiravam a memória aos que dela bebessem.
Anáfora
Repetição de uma ou mais palavras no início de dois ou mais versos.
N’Os Lusíadas
Dai-me  agora um som alto e sublimado,
................................................................
Dai-me  ua fúria grande e sonorosa,
................................................................
Dai-me  igual canto aos feitos da famosa  C.I, 4.5, 5.1, 5
Anástrofe
Processo que consiste na inversão da ordem habitual das palavras, de forma a pôr em relevo elementos da
frase. Neste caso, a inversão é menos violenta do que no Hipérbato.
Que sejam, determino, agasalhados (Os Lusíadas,  I, 29, v. 5
Antítese
Expressão de ideias opostas numa só frase; tese significa afirmação, anti- contra.
N’Os Lusíadas
A  pequena  grandura  de um batel
C. VI, 74.6
Antonomásia
Identificação de alguém através de um epíteto ou de qualquer outro termo que não seja o seu nome próprio.
N’Os Lusíadas
Cessem do  sábio Grego  e do  Troiano  C. I, 3.1 (Sábio Grego: Ulisses; Troiano: Eneias)
Apóstrofe
Interpelação de uma pessoa, entidade ou coisa personificada, no meio de uma narração, por exemplo, a
invocação às Musas na poesia. Pode ser utilizado para chamar a atenção do leitor, mudando de assunto.
N’Os Lusíadas
"Tu só, tu, puro Amor, com força crua,  III, 119.1
Assíndeto
Sequência de palavras ou frases às quais se omitiu a conjunção e, substituída por vírgula, condensando várias
ideias numa só frase, possibilitando, por vezes, diversas interpretações.
N’Os Lusíadas
Fere, mata, derriba, denodado;  C. III, 67.3
Assonância
Repetição dos mesmos sons vocálicos em palavras muito próximas.
N’Os Lusíadas
As  armas e os barões  assinalados  C.I, 1.1
Comparação
Método de aproximação de duas pessoas, ideias ou circunstâncias de modo a evidenciar as
suas semelhanças ou diferenças. Distingue-se da metáfora pela utilização de alguns nexos interfrásicos: como,
tal como, assim como.
N’Os Lusíadas
Assi como  a bonina, que cortada  C. III, 134
Qual  o reflexo lume do polido
Espelho de aço ou de cristal fermoso  C. VIII, 87.1-2
Elipse
Supressão de palavras que facilmente se adivinham, tendo em consideração o contexto.
N’Os Lusíadas
Agora, pelos povos seus vizinhos,
Agora, pelos húmidos caminhos.  C. II, 108.7-8  (Agora, pergunta pelos povos seus vizinhos)
Eufemismo
Suavização de uma ideia desagradável ou cruel através de palavras ou expressões selecionadas. Pode
confundir-se com a perífrase.
N’Os Lusíadas
Tirar Inês ao Mundo determina  C. III, 123.1  (=matar Inês)
Hipérbato (cf. Anástrofe)
Inversão violenta dos elementos da frase, alterando a ordem sintática normal. Utiliza-se para enfatizar o
discurso ou para imitar a estrutura sintática do latim. Os versos de Os Lusíadas são formados por uma série de
hipérbatos.
N’Os Lusíadas
A Deus pedi  que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros.  C. V.60.7-8
Hipérbole
Expressões que exageram intencionalmente o pensamento. Utiliza-se para enfatizar o discurso. É um dos
recursos expressivos mais utilizados n’Os Lusíadas.
N’Os Lusíadas
Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo;
Agora a ver parece que desciam
As íntimas entranhas do Profundo.  C.VI, 76.1-4
Imagem
Impressão mental ou representação de um animal, pessoa ou coisa que permite criar imagens nítidas, através
de uma linguagem metafórica.
N’Os Lusíadas
O mar se via em fogos acendido  C.II, 91.6
Ironia
Recurso, que segundo Aristóteles é um disfarce que conduz à essência da verdade, pois as palavras adquirem
um significado diferente daquele em que são empregues.
N’Os Lusíadas
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assim sabem prezar, com tais favores,
A quem os faz, cantando, gloriosos!  C.VII, 82.1-4
(Camões ironiza a incompreensão dos seus compatriotas)
Metáfora
Comparação abreviada, implícita, sem a partícula comparativa como, que permite identificar uma coisa com
outra através de um processo imaginativo.
Tomai as rédeas  Vós do Reino vosso  /  (Tomai as rédeas = governai) C. I, 15.3
Metonímia
Substituição do nome dum objeto ou duma ideia por outro relacionado com ele. Assim, dizer a coroa ou o
cetro em vez de o soberano; a cruz e a espada em vez de a religião e o exército; os copos em vez de as bebidas
alcoólicas são exemplos de metonímia.
N’Os Lusíadas
De Portugal, armar  madeiro  leve  /  (madeiro = nau, feita de madeira) C. VI, 52.3
Onomatopeia
Palavras cujo som evoca um determinado objeto ou ideia, muitas vezes, são sons da natureza. Trata-se,
portanto, da utilização de palavras imitativas para alcançar um efeito expressivo. Pode coincidir com
a aliteração.
N’Os Lusíadas
Bramindo, o negro mar de longe  brada  C. V, 38.3
Perífrase
Consiste em dizer em muitas palavras, o que poderia ser dito apenas numa.
N’Os Lusíadas
Mas assim como os raios espalhados
Do Sol foram no mundo, e num momento
Apareceu no rúbido Horizonte
Na moça de Titão a roxa fronte,  C. II, 13.5-8  (= Aurora, deusa; aurora, nascer do dia)
Personificação / Prosopopeia
Atribuição de características humanas a abstrações, animais, ideias ou objetos inanimados.
N’Os Lusíadas
A figura do Gigante Adamastor, personificação de um cabo, que aparece a falar.
... e Guadiana
Atrás tornou as ondas de  medroso  C. IV, 28.3-4
Pleonasmo
Repetição desnecessária da mesma ideia utilizando muitas palavras.
N’Os Lusíadas
Vi, claramente visto, o lume vivo  C. V, 18.1
Sinédoque
Consiste em se tomar a parte pelo todo ou o todo pela parte.
É uma espécie de metáfora, por exemplo, dizer  velas por  navios ou cabeças por animais; na expressão o pão
nosso de cada dia, pão  significa não apenas alimento, mas todo o sustento duma maneira geral. Este recurso
expressivo tem ainda algumas semelhanças com a perífrase e a metonímia.
N’Os Lusíadas
Vós, ó novo temor da  Maura lança,  (canto I,6.5), (= poderio militar dos mouros)
Sinestesia
Associação de sensações recebidas por vários sentidos, por exemplo, uma nota azul  (ouvido, vista) ou um
verde frio  (vista, tato). São expressões sinestésicas.
N’Os Lusíadas
As areias ali de prata fina;  C. VI, 9.2
(vista: prateado; tato: textura fina)

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