Luís de Camões
Luís de Camões
Luís de Camões
Filho de Simão Vaz de Camões e de Ana de Sá e Macedo, Luís Vaz de
Camões (1524?-1580) terá feito os estudos literários e filosóficos em
Coimbra. Os dados biográficos mais importantes podemos colhê-los na sua
vastíssima obra poética. Por ela se conhecem os seus amores, a vida boémia e
arruaceira, as alegrias e frustrações, a pobreza e as inquietações
transcendentais.
Sabe-se que, entre 1549 e 1551, participou numa expedição ao norte de África,
talvez a Ceuta, onde, num acidente de guerra, perdeu um olho.
De regresso a Lisboa, é preso, em 1552, em consequência de uma rixa com um funcionário da Corte, e metido na
cadeia do Tronco. Em 1553, saiu, inteiramente perdoado pelo agredido e pelo rei,
conforme se lê numa carta enviada da Índia, para onde partiu nesse mesmo ano, quer
para mais facilmente obter perdão, quer para se libertar da vida lisboeta, que o não
contentava. Segundo alguns leitores, terá composto por essa altura o primeiro canto
de Os Lusíadas.
Na Índia não foi feliz. Goa dececionou-o, como se pode ler no soneto Cá nesta Babilónia
donde mana. Tomou parte em várias expedições militares. Passa-se depois para Macau,
onde exerce o cargo de provedor-mor de defuntos e ausentes, e escreve na gruta, ainda
hoje reconhecida pelo seu nome, mais seis Cantos do famoso poema épico. Volta a Goa, naufraga na viagem na foz
do Rio Mecom, mas salva-se, nadando com um braço e erguendo com o outro, acima das vagas, o manuscrito da
imortal epopeia, facto documentado no Canto X, 128.
Nesse naufrágio viu morrer a sua "Dinamene", rapariga chinesa que se lhe tinha afeiçoado. A esta
fatídica morte dedicou os famosos sonetos do ciclo Dinamene, entre os quais se destaca Ah!
Minha Dinamene! Assim deixaste. Em Goa sofre caluniosas acusações, dolorosas perseguições e
duros trabalhos, vindo Diogo do Couto a encontrá-lo em Moçambique, em 1568, "tão pobre que
comia de amigos", trabalhando n' Os Lusíadas e no seu Parnaso, "livro de muita erudição, doutrina
e filosofia", segundo o mesmo autor.
Em 1569, após 16 anos de desterro, regressa a Lisboa, tendo os seus amigos pago as dívidas e comprado o
passaporte. Só três anos mais tarde alcança dar a publicidade à primeira edição de Os Lusíadas, que lhe valeu de D.
Sebastião, a quem era dedicado, uma tença anual de 15000 réis pelo prazo de três anos e renovado pela última vez
em 1582 a favor de sua mãe, que lhe sobreviveu. Os últimos anos de Camões foram amargurados pela doença e
pela miséria. Reza a tradição que se não morreu de fome foi devido à solicitude de um escravo Jau, trazido da Índia,
que ia de noite, sem o poeta saber, mendigar de porta em porta o pão do dia seguinte. O certo é que morreu em 10
de junho de 1580, sendo o seu enterro feito a expensas de uma instituição de beneficência, a Companhia dos
Cortesãos. Um fidalgo letrado seu amigo mandou inscrever-lhe na campa rasa um epitáfio significativo: "Aqui jaz
Luís de Camões, príncipe dos poetas do seu tempo. Viveu pobre e miseravelmente, e assim morreu."
Em síntese....
1524/5? Nasce Luís Vaz de Camões, filho de Simão Vaz de Camões e Ana de Sá.
1542 Até quando fica a estudar em Coimbra, primeiro no Colégio de Todos os Santos e mais tarde na Universidade
de Coimbra.
1545 Consta que foi neste ano que Camões iniciou Os Lusíadas.
1547 Viaja até Ceuta onde permanece durante 2 anos e onde perde o seu olho direito em
combate.
1550 Regressa a Lisboa.
1553 A 24 de Março embarca rumo à Índia passando por Goa.
1555 Colabora em festas de investidura de Francisco Barreto no cargo de governador da Índia
com o Auto do Filodemo (2º Auto). Junto de um seco, fero, estéril monte.
1559 Diz-se que, regressando de Macau a Goa, salva o seu épico a nado após um naufrágio
nos baixios do mar da China.
1567 Chega a Sofala, na costa este de África, com a ajuda de Pedro Barreto, onde fica durante
2 anos.
1569/70 Chega a Lisboa após a sua viagem à Índia.
1572 São publicadas duas edições d´Os Lusíadas
1580 10 junho morre Luís Vaz de Camões.
Os Lusíadas
Os Lusíadas são o famoso poema épico de Camões publicado em 1572.
O sonho de todo o bom poeta do século XVI era a criação de uma epopeia, à imitação de Homero e Virgílio. Assunto
de interesse nacional e mesmo universal não faltava: os Descobrimentos. Era necessário imortalizá-los. Antes de
Camões, o italiano Angelo Policiano ofereceu-se a D. João II para o fazer; Garcia de Resende, no prólogo do
Cancioneiro Geral, insiste na necessidade da criação de uma epopeia; Diogo de Teive e João de Barros chegaram a
projetar epopeias como forma de imortalizar os Descobrimentos; António Ferreira encorajou Pêro de Andrade
Caminha a escrever versos sobre os feitos portugueses. Estava criada a circunstância propícia, só faltava o poeta de
génio. Esse foi Camões.
O acontecimento central da obra é o descobrimento do
caminho marítimo para a Índia. Para o seu tratamento
literário, Camões inventou uma fábula mitológica onde os
deuses, como se fossem humanos, entram em conflito por
causa da viagem de Vasco da Gama. Gera-se uma
verdadeira intriga, no fim da qual os homens são mitificados. Ao
mesmo tempo, são evocadas as glórias da nacionalidade, com admirável engenho, na narrativa do próprio Gama,
verdadeira síntese da História pátria.
Durante muito tempo não se compreendeu a função mitificadora da presença da mitologia pagã e até houve
censura ao poeta por este facto. Hoje, porém, compreende-se que é dela, em grande parte, que depende a coesão
narrativa e, em simultâneo, a diversidade, a vida e a criatividade patente na obra.
Os Lusíadas encontram-se divididos em dez Cantos e seguem, globalmente, a Eneida de Virgílio na
estrutura apresentada: uma Proposição, uma Invocação, uma Dedicatória (que a Eneida não tem) e
a Narração iniciada "in medias res", ou seja, quando a ação principal está já em curso. A obra segue o Orlando
Furioso de Ludovico Ariosto quanto ao uso do verso decassilábico em oitava-rima (isto é, a estrofe de oito versos e
estrutura rimática abababcc).
O Renascimento
O Renascimento foi um movimento cultural e intelectual que teve origem em Itália, no
século XIV, e seu apogeu, no século XV, alastrando ao resto da Europa, no século XVI.
O Renascimento é um movimento de renovação, caracteriza-se por uma renovação
científica, literária e artística, com base na imitação de modelos e valores artísticos da
Antiguidade Clássica.
A designação de «Renascimento» indica uma época dotada de individualidade própria,
caracterizada por um novo espírito crítico, um escrupuloso desejo de restituir os textos greco-latinos à pureza
original, um juvenil entusiasmo pela Antiguidade tomada em si mesma, uma confiança nova nas forças naturais
do Homem ( medida de todas as coisas).
Em Portugal, o séc. XVI apresenta uma fisionomia particular. A grande contribuição portuguesa para o
Renascimento foram os Descobrimentos, que desvendaram novos climas, e paisagens, e faunas, e floras, e
costumes, alargando assim o conhecimento do Mundo e do Homem,
dando alimento à fome do exótico, aguçando o sentido do relativo,
ostentando a primazia da observação e da experiência sobre o saber
livresco.
Por Renascimento entende-se um movimento que tende a levar o
homem ao estudo científico do mundo, a basear-se mais na razão e na
experiência, a imitar a Antiguidade Clássica.
Classicismo - é uma época literária em que vigora
uma estética que segue os modelos greco-latinos.
Os Humanistas assumiam atitudes espirituais que vão refletir-se em toda a
escrita do Renascimento. Considerava-se a verdadeira «nobreza», sendo o saber as línguas clássicas e o
conhecimento da cultura greco-latina o seu brasão.
O DOLCE STIL NUOVO SUBSTITUI AS FORMAS TRADICIONAIS DA MEDIDA VELHA.
No espaço ideológico e cultural, o Humanismo e o Renascimento mudaram profundamente os valores
humanos da Idade Média
O Renascimento em Portugal
O movimento renascentista começou a dar os seus primeiros passos , em Portugal, a partir de meados do século
XV, através de alguns filhos de D. João I e de outros escritores ligados à corte. Mas é graças a Sá de Miranda que
a estética renascentista se desenvolveu em Portugal.
Dolce stil nuovo
Expressão criada por Dante que servia para designar a poesia da sua juventude e de outros poetas
contemporâneos, reunidos em Florença nos fins do século XIII e princípios do XIV. O dolce stil nuovo caracteriza-
se por uma nova conceção do amor, segundo a qual somente o coração nobre, límpido, é capaz do verdadeiro
amor, e, em contrapartida, o amor apenas habita o coração nobre .
Amor deve elevar os seres, platonicamente, de grau em grau até à contemplação suprema das ideias puras. O
amor é entendido como um sentimento espiritual que transfigura os amantes pela visão de uma bem-
aventurança.
Medida Nova
A escola clássica mais exigente quanto à modelação da matéria poética do que a escola tradicional, introduziu
o decassílabo (metro que dá possibilidades mais amplas de expressão) e novos géneros de estrutura poemática
greco-latina ou italiana – soneto, canção, sextina, écloga, elegia, ode, epitalâmio, epigrama, epístola, oitava.
· Soneto
O soneto é uma composição poética de catorze versos, dispostos em duas quadras e dois
tercetos. Apesar de ter sido criado no séc. XIII, foi Petrarca (1304-1374) quem teve o mérito
de lhe emprestar uma forma e um conteúdo que se tornariam modelares, não só na Itália
como em outros países da Europa. O soneto foi introduzido em Portugal por intermédio
de Sá de Miranda.
Estética da imitação
É difícil no nosso tempo, que acima de tudo aprecia e valoriza a originalidade, compreender o que significa
uma estética da imitação. O poeta do Renascimento imita os clássicos e os poetas modelares, procurando
deste modo aproximar-se e aprender a lição dos grandes autores. Contudo a veneração e admiração pelos
mestres não impede a criação de uma obra original que se atreve até a rivalizar com os modelos e a
reivindicar insistentemente a sua originalidade (basta pensar em Os Lusíadas).
Grande parte dos sonetos de Camões inspiram-se diretamente em Petrarca[1] e isto não diminuí minimamente
a suprema beleza dos sonetos camonianos
[1] Francesco Petrarca (1304 -1374) nasceu em Arezzo, Itália. Poeta e humanista, a sua influência domina a
literatura europeia até ao século XIX. Na poesia de Luís de Camões, detetamos características literárias do poeta
italiano na maneira como são retratados: a mulher (fisicamente, de olhos claros, loura e pele branca;
psicologicamente, serena, humilde e bondosa); a paisagem (como cenário ou como reflexo do estado de alma)
e o amor (com as suas contradições)...
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
A época - CAMÕES E OS LUSÍADAS
Camões nasceu em 1524 ou em 1525, possivelmente em Lisboa e morreu no dia 10 de
Junho de 1580.
Assiste ao fim do ciclo épico dos Descobrimentos – séc. XVI:
· Sucessão de naufrágios – Sepúlveda
(1522)
· 1531 - Terramoto em todo o reino;
· 1536 - Tribunal da Inquisição
· 4 de Agosto de 1578 – derrota nos campos de Alcácer
Quibir ---- queda do Império
O tempo biográfico de Camões corresponde à trajetória da decadência política portuguesa que culmina com
a perda da independência em 1580.
O século de Camões (XVI) é marcado por um movimento novo , cuja origem está no desenvolvimento do
comércio, da indústria e das cidades. Caracteriza-se pela valorização do Homem e pelo estudo e admiração
da Antiguidade Clássica e desenvolve-se em três Planos:
1 -O Renascimento:
*aceitação das formas artísticas greco-latinas e assimilação do seu espírito.
O Homem renascentista:
*é senhor do seu próprio destino;
*está sujeito às leis da natureza;
*exalta a razão;
*tem necessidade de resposta científica para os fenómenos da natureza;
*recorre à mitologia e à estética clássica.
2 - O Humanismo : valorização de tudo o que é humano, exaltação dos valores do Homem
como centro do Universo (antropocentrismo).
3 - O Classicismo (segunda metade do séc. XVI) – Com base nos modelos clássicos greco-
romanos, este movimento tem as suas normas e estas visam a harmonia, a simplicidade, o equilíbrio, a
precisão, o sentido das proporções em qualquer realização artística, na literatura como na música, na pintura
como na arquitetura. A razão impera sobre o sentimento, porque os valores universais se sobrepõem aos
individuais. O Classicismo espartilha o sentimento e a inspiração, o que leva à falta de originalidade.
Estes Planos constituem uma viragem decisiva em relação à conceção medieval do Homem e do Mundo: o
teocentrismo medieval opõe-se ao antropocentrismo ( o Homem é o polo central, o sujeito da História e do
progresso).
Mas Atenção: Em "Os Lusíadas" ( publicados em 1572) constatamos a coexistência de ideias
medievais e renascentistas, assim temos, como aspeto medieval, o espírito de cruzada e, como espírito
humanista, o relato da viagem de Vasco da Gama com a valorização do “saber de experiência feito”. "Os
Lusíadas" fazem de Camões o expoente máximo do Renascimento literário em Portugal.
Além dos aspetos já referenciadas, o séc. XVI tinha um contexto favorável ao aparecimento da epopeia
nacional:
-A viagem à Índia e as descobertas eram motivo de euforia e orgulho nacional.
-A Europa e os portugueses reconheciam a grandeza e o enorme contributo dos Descobrimentos no
desenvolvimento da humanidade, quer a nível económico, quer científico e cultural.
-Havia a vontade em imortalizar a conquista dos mares por um pequeno país, isto é, dar uma
dimensão épica aos descobrimentos portugueses.
-Vontade renascentista de fazer renascer os modelos artísticos da antiguidade greco-latina,
nomeadamente a epopeia, considerada a expressão mais alta da poesia.
Conclusão: Fazer renascer a epopeia nos moldes clássicos e glorificar os feitos recentes da História de
Portugal foram fatores determinantes para que Luís de Camões se abalançasse a escrever “Os Lusíadas”.
Os Lusíadas são uma obra do séc. XVI. Este século, caracterizado por uma grande viragem no pensamento humano, é
marcado por três grandes movimentos culturais: o Humanismo, o Renascimento e o
Classicismo.
No Humanismo, o Homem encontra-se no centro das atenções, dando lugar
ao antropocentrismo (antropos significa Homem) que se opõe ao teocentrismo (Deus no
centro).
Trata-se de um movimento intelectual europeu que procurou vigorosamente descobrir e
reabilitar a literatura e o pensamento da Antiguidade Clássica e que tem como interesse central o Homem, no
pleno desenvolvimento das suas virtualidades e empenhado na ação, havendo aqui uma nítida oposição à
conceção hierárquica e feudalista do Homem medieval.
O Renascimento desenvolveu-se em países da Europa Central e Ocidental, como a Itália (passando sucessivamente
de Florença a Siena e depois a Roma, e alastrando posteriormente a toda a Península Italiana), nos séculos XIV a XVI
e veio a irradiar e a ter fundas repercussões na cultura de praticamente todos os países do continente europeu. As
figuras de proa do movimento gostavam de se apresentar como críticos do "obscurantismo" medieval, numa
atitude de contestação à tradicional influência da religião na cultura, no pensamento e na vida quotidiana
ocidental. O movimento renascentista começa por ser uma contestação da ideologia dominante durante o milénio
medieval: à civilização cristã contrapõe-se uma ideologia antropocêntrica, revelando um desiderato de fazer
renascer a Antiguidade greco-latina, que, na interpretação
então prevalecente, se caracterizara precisamente por
colocar o Homem no centro do Universo e representava um
ideal de civilização natural.
O Classicismo consiste num sentimento de admiração pela
Antiguidade Clássica e no desejo de imitação da cultura
greco-romana e de retoma dos seus valores, refletindo-se
em todas as artes como a pintura, a escultura e a
literatura. Com base nos modelos clássicos greco-romanos,
este movimento tem como principais valores a harmonia,
a simplicidade, o equilíbrio, a precisão e o sentido das
proporções. Refira-se, como exemplo na pintura, Leonardo
da Vinci e Rafael. Os estudos das poéticas de Horácio e de Aristóteles disciplinam a desordem artística medieval.
O enriquecimento filosófico e estético que oferece o estudo de Platão, Homero, Sófocles, Ésquilo, Ovídio, Virgílio e
Fídias, dá aos valores ocidentais maior dignidade artística e intelectual. A Itália, detentora dos valores clássicos,
latinos e gregos, é considerada o berço deste movimento, com Dante, Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio.
Foi durante o século XVI que viveu Camões.
A vida de Luís Vaz de Camões já se tornou uma lenda pois, concretamente, com base documental, sabe-se muito
pouco da sua história.
Pensa-se que terá nascido por volta de 1524. A sua formação académica foi realizada em Coimbra.
A sua vida foi especialmente marcada por duas atividades: as armas, nos combates em que participou no Norte de
África e onde perdeu um dos seus olhos, e as letras.
Terá sido na Índia que o poeta iniciou a escrita do primeiro Canto d’Os Lusíadas. Mais tarde, em Macau, terá
composto mais seis Cantos. Conta-se que durante uma viagem para Goa, o barco em que Camões seguia naufragou
e o poeta salvou o seu poema épico, nadando apenas com um braço e erguendo o outro fora da água.
Pensa-se que foi em Moçambique que terminou a epopeia, que veio a ser publicada pela primeira vez em 1572 com
o apoio do rei D. Sebastião. Esta obra é, hoje, mundialmente conhecida e Camões tornou-se o escritor português
mais célebre.
Apesar da sua grandiosidade, Camões viveu sempre com muitas dificuldades e desilusões. A sociedade
corrompida e decadente em que se inseria nunca o reconheceu. As pessoas do seu tempo não souberam valorizar
nem a obra nem o poeta. Após vários anos amargurados pela doença e pela miséria, o poeta morreu em 1580, no
dia 10 de junho.
Camões escreveu Os Lusíadas sob a forma de narrativa épica ou epopeia, forma muito utilizada na Antiguidade
Clássica e que Camões conhecia bem.
Definição de epopeia
Uma epopeia, forma literária da Antiguidade Clássica, define-se como uma narrativa, estruturada em verso, que
narra, através de uma linguagem cuidada, os feitos grandiosos, de um herói, com interesse para toda a
Humanidade.
O alargamento territorial por via marítima não era novidade em Portugal, visto que já no reinado de D. Afonso
Para que a viagem de Bartolomeu Dias fosse possível, os portugueses tiveram de construir a caravela, um navio
revolucionário para a época: rápido, leve, ágil, capaz de navegar tanto em alto mar como junto à costa, foi o
é, navegar mesmo quando os ventos eram contrários. Foram também utilizados, pela primeira vez, meios práticos e
seguros de fazer cálculos astronómicos e determinar a posição e a rota dos navios, com instrumentos como
O feito de Bartolomeu Dias teve longos antecedentes de tentativas, estudos e esforços científicos. O próprio Infante
D. Henrique se rodeou, na sua casa de Lagos, de um conjunto de cosmógrafos e cartógrafos de origem catalã,
maiorquina e genovesa, com o objetivo de preparar devidamente os comandantes das suas expedições. Foi esta a
científica.
ignorando que estava muito perto do seu extremo, desviou-se cerca de 30º para sul, e
encontrou-se em pleno Atlântico, sem conseguir avistar terra. Para retomar o contacto
com a costa, as caravelas tiveram de seguir para nordeste, e acabaram por dobrar o
temível cabo das Tormentas, identificado n' Os Lusíadas com a figura do gigante Adamastor, que parecia marcar o
fim do mundo. A frota estava a leste do Cabo, pela primeira vez na história dos Descobrimentos portugueses. A zona
A dobragem do cabo da Boa Esperança foi simultaneamente o descobrimento da passagem para o oceano Índico,
e o apontar do caminho para o Oriente tão desejado, terra rica e promissora, quase mítica no imaginário europeu.
Mas o contacto direto com as zonas produtoras da Índia, da Pérsia e da China, ricas em especiarias, sedas, tapetes,
porcelanas, madeiras preciosas e outros objetos de luxo, tinha as suas rotas tradicionais bem estabelecidas.
O comércio a partir do mar Vermelho e do golfo Pérsico era monopolizado pelos mercadores muçulmanos, a
quem as cidades italianas, que dominavam o Mediterrâneo (sobretudo Génova e Veneza), compravam a
mercadoria, que depois se encarregavam de vender à Europa a peso de ouro.
Era um negócio de lucros imensos, que D. João II (1482-1495)
desejava para si; evitar a concorrência dos Italianos e a resistência
dos Árabes só era possível contornando a África pelo Sul, para
alcançar a Índia por um caminho alternativo ao tradicional.
A frota seguiu pelo alto mar, quase se aproximando do Brasil, fazendo aquilo que os marinheiros chamavam “a
volta”, para evitar os ventos contrários da Costa Ocidental Africana, visto que levavam naus e não as ágeis e
manobráveis caravelas.
O cabo da Boa Esperança, onde Camões imagina o encontro de Vasco da Gama com o gigante Adamastor, foi
atingido em novembro e, a partir daí, a navegação fez-se pelo Índico. Muitos dos marinheiros estavam então
atacados de escorbuto, doença terrível motivada pela carência de alimentos frescos, que minou a tripulação.
Durante a viagem ao longo da costa oriental de África, os marinheiros portugueses tiveram alguns encontros com
nativos locais, que inspiraram o episódio de Fernão Veloso em Os Lusíadas.
Em Março de 1498, no porto da ilha de Moçambique, Vasco da Gama viu barcos árabes a carregar mercadorias, e
quis beneficiar de vantagens semelhantes, o que acabou por desencadear manifestações de hostilidade do chefe
local.
Mais tarde, em Mombaça, os portugueses tiveram um acolhimento semelhante, sofrendo a traição de um piloto
negro, pelo que foram obrigados a usar a artilharia de bordo para escapar.
Finalmente, o sultão de Melinde recebeu muito bem o almirante português, visitou as naus, e colocou à sua
disposição um excelente piloto árabe, que ajudou a conduzir a frota à costa do Malabar.
A cidade de Calecute foi alcançada em 20 de maio de 1498, concluindo-se assim a primeira ligação marítima, por via
atlântica, entre a Europa e o Oriente. A primeira receção do samorim de Calecute foi favorável ao estabelecimento
de relações comerciais entre a região e a Coroa portuguesa.
Todavia, a missão de Vasco da Gama, ficaria também marcada pela hostilidade dos mercadores árabes
estabelecidos na zona, que temendo a concorrência, fizeram tudo o que estava ao seu alcance para sabotar as
negociações do representante de Portugal.
Mas, Vasco da Gama, revelando-se excelente diplomata, acabou por conseguir um carregamento de especiarias
que cobriu os gastos da expedição, quando regressou ao reino, recebeu excelentes recompensas régias.
Parecia então aberto ao comércio com Portugal, e permitiu a criação do Estado Português da Índia, mantido até
finais do séc. XVI, sob a direção de vários Governadores e Vice-reis, representantes da Coroa portuguesa, entre os
quais esteve o próprio Vasco da Gama.
O tráfico com o Oriente seria, durante quase todo o século XVI, um monopólio real.
AS FONTES
NACIONAIS
Literárias
Tragédia A Castro de A . Ferreira
Trovas à Morte de Inês de Castro de Garcia de Resende
Vincentius ( as Ninfas do Tejo – Tágides) de André Resende
Históricas
Narrativas:
História Trágico - Marítima (descrição dos naufrágios)
Roteiro de Viagem de Vasco da Gama
Historiadores / Cronistas:
Fernão Lopes (Feitos dos reinados de D. Pedro, D. Fernando e D. João I); Fernão Lopes de Castanheda – A
História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses
João de Barros
Duarte Galvão (Feitos de D. Afonso Henriques)
Rui de Pina (Feitos dos reis da 1ª Dinastia até D. Afonso IV)
Gomes Eanes de Zurara (Feitos do Infante D. Henrique)
Científicas sobre Astronomia Cartografia Geografia Filosofia Roteiros
ESTRANGEIRAS
Literárias
Textos Clássicos da Antiguidade
Eneida de Virgílio (Estrutura interna;
Proposição, Invocação, Narração a meio da viagem;
Súplica de Vénus a Júpiter; Profecias de Júpiter;
Episódio da tempestade;
Receção de Gama pelo rei de Melinde;
Intervenção dos deuses como adjuvantes e oponentes.)
Ilíada e Odisseia de Homero
As Metamorfoses de Ovídio
Renascimento Italiano
Orlando Innamorato de Boiardo
Orlando Furioso de Ariosto (verso decassilábico, oitava com rima ab ab ab cc)
Obras mitológicas
Epopeias Modernas
Religiosas
Bíblia
Doutrinas da Igreja Vidas de Santos,...
OUTRAS FONTES
A experiência pessoal do Poeta.
Epopeias Clássicas
Poeta épico grego que viveu nos anos 900 a. C., segundo Heródoto, considerado autor das
se impossível que as duas obras fossem do mesmo autor. Aristarco, célebre crítico, não era dessa opinião e
considerava que a Ilíada seria uma obra da juventude de Homero, enquanto que a Odisseia seria da sua velhice.
No séc. XVI quase ninguém duvidava de que fosse Homero o autor dessas geniais epopeias.
Mas no séc. XVIII, o filólogo alemão Wolf, lança de novo a dúvida e sustenta que a Ilíada e a Odisseia eram
fragmentos épicos de épocas e origens várias reunidos depois segundo um plano lógico.
Várias outras teorias foram aparecendo, mas a que hoje parece prevalecer é a de que o poeta a que a tradição
chama de Homero e que representa como velho e cego, é realmente o autor da Ilíada e da Odisseia, pelo menos
1- Ilíada de Homero
A Ilíada está ligada ao ciclo das lendas troianas. Segundo a lenda, Páris, filho de
a Troia. Este cerco durou dez anos. A Ilíada, poema sobre Ílion (Troia), narra
O poema consta de XXIV cantos divididos em 5 partes (I; II-X; XI-XIV; XV-XIX; XX-
XXIV):
Canto I - Durante a Guerra de Troia, Aquiles, irritado porque lhe roubaram a
escrava Briseida, retira-se para o seu acampamento e decide não voltar a tomar
parte no cerco.
Canto II - Os Gregos, desanimados, decidem regressar, mas Ulisses impede-os.
Canto III - Helena, do cimo das muralhas de Troia, aponta a Príamo os principais chefes gregos. Páris é salvo por
Afrodite quando está na iminência de ser vencido por Menelau em combate singular.
Canto IV - Um archeiro, durante as tréguas, fere Menelau com uma seta. Agamémnon exorta os Gregos a combater.
Canto V - Inicia-se uma primeira batalha em que Diomedes se distingue pelas suas explorações.
Canto VI - Heitor, novamente em Tróia, reprova a covardia de Páris.
Canto VII - Heitor luta contra Ajax até à morte sem resultado. No dia seguinte, Gregos e Troianos fazem tréguas para
enterrar os mortos.
Cantos VIII - Trava-se uma segunda batalha em que os Gregos são repelidos pelos Troianos.
Canto IX - Os Gregos enviam uma embaixada a Aquiles. Ajax, Ulisses e Fénix tentam acalmá-lo, em vão.
Canto X - Ulisses e Diomedes fazem de noite o reconhecimento do campo dos Troianos e matam, para além de Risos
e dos seus trácios, o espião Dólon. Por isso este canto é conhecido por Dolonia.
Canto XI - Terceira grande batalha, em que Agamémnon desempenha o papel principal. Derrota dos Gregos.
Canto XII - Os Troianos aproveitam o êxito para entrar no campo dos Gregos.
Canto XIII - Os Gregos contra-atacam e anulam o ataque dos Troianos.
Canto XIV - Hera consegue desviar a atenção de Zeus e a vitória começa a inclinar-se para os Gregos.
Canto XV - Zeus, desperto, envia Apolo a socorrer os Troianos. Apolo leva Heitor a avançar para os barcos dos
Gregos.
Canto XVI - Aquiles empresta as suas armas a Pátroclo. Os Troianos julgam que é Ulisses e fogem. Mas Heitor mata
Pátroclo.
Canto XVII - Gera-se luta em torno do corpo de Pátroclo e os Gregos conseguem finalmente levá-lo. Mas Heitor
tinha-lhe retirado as armas de Aquiles.
Canto XVIII - Aquiles, ao saber da morte do amigo, exprime o seu desgosto e promete vingá-lo. A mãe, Tétis, faz com
que Vulcano lhe fabrique armas prodigiosas. É aqui que aparece a famosíssima descrição do escudo de Aquiles.
Canto XIX - A escrava Briseida é restituída a Aquiles e o diferendo entre ele e Agamémnon fica sanado. Todos se
preparam para combater, contando já com Aquiles.
Canto XX - Vai travar-se a quarta batalha da Ilíada; esta vai ser a batalha decisiva e será favorável aos gregos.
Os deuses, inicialmente, também entram na batalha, mas depois retiram-se. Aquiles semeia a morte entre os
Troianos.
Canto XXI - Os rios Xanto e Simoente intervêm em favor dos Troianos, e perseguem Aquiles com as suas águas, mas
Vulcano fá-los recuar com o fogo e os Troianos têm de se refugiar dentro das muralhas.
Canto XXII - Heitor fica só diante da muralha e, ao encontrar Aquiles, primeiro, foge de medo, mas depois resiste e é
morto por ele. Aquiles arrasta o cadáver de Heitor perante o desespero dos sitiados.
Canto XXIII - Aquiles celebra os funerais de Pátroclo com jogos, corridas e combates.
Canto XXIV - Zeus inspira a Príamo que vá à tenda de Aquiles pedir o corpo do seu filho Heitor. Aquiles, comovido
pela recordação do seu próprio pai Peleu, restitui-lhe o cadáver. A epopeia acaba com as exéquias de Heitor no meio
das lamentações de Andrómaca, Hécuba e Helena.
*A Ilíada, postos de lado os problemas sobre a sua origem, é um poema que vale pela beleza do conjunto, e pela
arte, original e genuinamente grega - a arte homérica. Merecem especial estudo as comparações, os caracteres, o
2- Odisseia de Homero
Uma das duas epopeias atribuídas ao poeta grego Homero. Como o da Ilíada, o enredo da Odisseia está relacionado
Ulisses errou pelos mares fora até conseguir chegar a Ítaca, dez anos depois... É precisamente este vaguear de
Tal como a Ilíada, a Odisseia consta de 24 cantos, divididos em cinco partes (I-IV; V-VIII;IX-XII; XIII-XVI; XVII-XXIV).
Canto I - Ulisses, perdido no seu regresso de Troia, é retido na ilha da ninfa Calipso. Em Ítaca, haviam-se instalado no
seu palácio, os pretendentes à mão de Penélope sua esposa. Minerva
aconselha Telémaco, filho de Ulisses, a partir à sua procura.
Canto II - Contra a vontade dos pretendentes à mão da sua mãe,
Telémaco faz-se à vela para o Peloponeso.
Canto III - Em Pilos, informa-se junto de Nestor e ruma a Esparta.
Canto IV - Em Esparta recebe o melhor acolhimento de Menelau e
Helena; mas em Ítaca os pretendentes preparam-lhe uma emboscada.
(Esta parte da epopeia, denominada Telemaquia, é considerada por
alguns críticos como dispensável na economia do poema, concluindo
que ela terá sido acrescentada ao plano inicial deste).
Canto V - Zeus ordena a Calipso que deixe partir Ulisses, e este navega
durante dezoito dias. Mas Neptuno desencadeia uma tempestade que o faz naufragar. A custo consegue chegar a
terra, na foz de um rio, na ilha dos Feácios.
Canto VI - Nausica, filha do rei Alcino, com as suas companheiras, encontra-o e leva-o para o palácio do pai.
Canto VII - Ulisses é recebido com simpatia no sumptuoso palácio e conta as suas aventuras sem se dar a conhecer.
Canto VIII - Alcino dá um banquete durante o qual um aedo canta episódios da Guerra de Troia. Ulisses, incapaz de
conter a emoção, identifica-se. O rei convida-o a contar as suas viagens.
Canto IX - Ulisses conta como depois da sua partida de Troia foi arrastado por uma tempestade para o país dos
Lotófagos. Daí foi parar à ilha dos Ciclopes onde escapou com astúcia e coragem à crueldade de Polifemo.
Canto X - Embarca de novo e depois de abordar a Ilha de Éolo e passar pela terra dos antropófagos Lestrígones,
estadia na ilha da maga Circe.
Canto XI - Dirige-se à terra dos Cimérios, onde habitam os mortos, para consultar o adivinho Tirésias. Aí encontra as
sombras dos seus antigos companheiros.
Canto XII - Depois de escapar à sedução das sereias, passa pelos escolhos de
Cila e Caríbdis. Mais tarde, os seus companheiros são fulminados por
pretenderem roubar as novilhas do Sol. Nova tempestade atirou-o para a Ilha
Ogígia, onde morava a ninfa Calipso que o reteve durante sete anos.
Canto XXI - Encantado com as suas narrativas, Alcino manda os seus hábeis
marinheiros levar Ulisses a Ítaca. Minerva aparece-lhe, na praia, recomenda-
lhe prudência e dá-lhe o aspeto de mendigo.
Canto XIV - Ulisses dirige-se a uma das suas propriedades onde encontra o
velho porqueiro Eumeu. Mesmo sem dizer quem é, Ulisses é recebido
cordialmente.
Canto XV - Entretanto Telémaco regressa a Ítaca, vindo de casa de Menelau, e
dirige-se também para casa do porqueiro Eumeu.
Canto XVI - Ulisses dá-se a conhecer ao filho e os dois preparam-se para
escorraçar do palácio os pretendentes.
Canto XVII - Quando Ulisses chega ao palácio como um mendigo, recebe insultos dos pretendentes, mas Penélope
protege-o.
Canto XVIII - Tem de se defender do mendigo Irós e sofrer humilhações várias.
Canto XIX - Numa breve conversa com Penélope, faz-lhe ter esperança no regresso de Ulisses. A velha serva Euricleia
reconhece-o, mas Ulisses ordena-lhe que não diga nada.
Canto XX - No palácio os pretendentes dissipam os bens de Ulisses em
sumptuosos banquetes numa festa em honra de Apolo.
Canto XXI - Penélope finge que desposará aquele dos pretendentes que
conseguir dobrar o arco de Ulisses; nenhum o consegue. Ulisses então
apodera-se do arco e dobra-o com toda a facilidade.
Canto XXII - Ulisses dá-se a conhecer e, dirigindo as setas para os
pretendentes, ajudado por Telémaco, massacra-os a todos.
Canto XIII - Dissipadas todas as dúvidas de Penélope, prudente e incrédula,
contam um ao outro as suas desventuras.
Canto XXIV - No dia seguinte Ulisses dirige-se a casa de Laertes, seu velho pai.
Minerva apazigua os familiares dos pretendentes mortos.
*A Odisseia, do ponto de vista da unidade, é mais completa que a Ilíada, embora a sua estrutura seja menos
simples. A Odisseia é uma epopeia de viagens e aventuras serenas, enquanto a Ilíada é uma epopeia guerreira. De
salientar a marcação dos caracteres das personagens de primeiro plano. Ulisses distingue-se pela sua coragem,
pela sua prudência e destreza. Nada o faz demover do seu intento. Penélope é prudente e perseverante como
Ulisses. A sua fidelidade tornou-se proverbial. Telémaco é prudente como o pai, mas orgulhoso e impulsivo.
Publius Vergilius Maro nasceu em 70 a. C., em Andes, perto de Mântua, de
família modesta (o pai era lavrador) mas que lhe proporcionou uma boa
terá composto os pequenos poemas, como Culex e Copa, que lhe são atribuídos.
Empreendeu depois a composição da Eneida, sempre com todo o apoio e interesse de Augusto. Para acabar este
poema quis conhecer a Grécia. Morreu em Brindes (19 a. C.) no retorno dessa viagem. Tinha 51 anos.
A Eneida, inacabada, foi publicada pelos seus amigos que, felizmente, não a destruíram como era sua
vontade. Virgílio, cisalpino e quase celta, é incontestavelmente o poeta mais perfeito da literatura romana. A sua
doçura e a sua melancolia sonhadora são quase exceção na história do espírito latino.
3-Eneida de Virgílio
Poema épico em 12 cantos, da autoria do poeta latino Virgílio (Publius Vergilius Maro). É a narrativa das aventuras
se dizia descendente.
que tem de travar com os Italianos antes de casar com a filha do rei latino, são as grandes linhas do poema. A
imitação homérica é evidente. Sainte-Beuve dizia que os seis primeiros cantos são uma Odisseia e os seis últimos,
uma Ilíada.
Mas o centro e a alma da epopeia é Roma e o pensamento constante de Virgílio é o de celebrar as origens e a
O verso do poema é o hexâmetro dactílico. Há um certo número de versos incompletos que Virgílio não teve tempo
de ultimar.
A Guerra de Troia
A grande força grega, cujos maiores heróis eram Agamémnon, Menelau, Ulisses e Aquiles, estava pronta para partir.
E assim foi.
No sétimo ano de guerra, os troianos
tinham fugido da matança de Aquiles e
buscado refúgio atrás de suas muralhas,
mas Heitor permaneceu fora dos portões,
deliberadamente esperando pelo duelo
que sabia ter que enfrentar. Quando
Aquiles finalmente surgiu, Heitor foi
tomado de compreensível terror e virou-
se para fugir. Percorreram três voltas ao
redor das muralhas de Troia antes que
Heitor parasse e destemidamente
enfrentasse seu bravo oponente.
A lança de Aquiles alojou-se na garganta
de Heitor, caindo este ao chão. Mal
podendo falar, Heitor pediu a Aquiles
que permitisse que seu corpo fosse resgatado após sua morte, mas Aquiles estando furioso, negou seu apelo e
começou a sujeitar o corpo de Heitor a grandes indignidades. Primeiro arrastou-o pelos calcanhares ao redor das
muralhas da cidade, para que toda Troia pudesse ver. A seguir levou o corpo de volta ao acampamento grego,
onde este ficou jogado sem cuidados em choupanas.
Após a morte de Heitor, um grande número de aliados veio ao auxílio
dos troianos, incluindo as Amazonas e os Etíopes. Todos foram mortos
por Aquiles, mas ele sempre soube que estava destinado a morrer em
Troia, longe de sua terra natal.
Príamo, pai de Heitor, pede ajuda às Ninfas do Mar e a Poseidon,
querendo saber o ponto fraco de Aquiles e descobre que a mãe sua
mãe, Tétis, quis tornar seu filho imortal e quando este era ainda um
bebé, levou-o ao Mundo Inferior e o submergiu nas águas do rio
Estige; isto tornou seu corpo imune aos ferimentos, exceto pelo
calcanhar, o qual ela utilizou para segurá-lo, justamente onde foi
atingido pela flecha lançada do arco de Príamo.
Após a morte de seu maior campeão, os gregos recorreram à astúcia nos seus esforços de capturar Troia, que tinha
aguentado seu cerco por dez longos anos. Ulisses teve a ideia de construir um cavalo de madeira para ser ofertado
aos troianos, como símbolo de sua rendição. Ao ficar pronto, um grupo composto pelos gregos mais corajosos,
incluindo Ulisses, entrou no cavalo e rumaram a Troia.
O cavalo de madeira foi ofertado a Príamo por Euríloco, um grego que fingia trair seu povo em troca de
perdão. Laocoonte, considerado um adivinho em Troia, alertou que o presente era uma armadilha. Disse ainda que
os troianos não deveriam confiar no presente dos gregos. Logo em seguida as serpentes de Poseidon o enlaçaram e
estrangularam. Com este augúrio, os troianos não hesitaram mais e começaram a mover o grande cavalo para
dentro de suas muralhas, derrubando suas fortificações de modo a poder fazê-lo entrar. Hoje em dia usamos
muito a expressão "presente de grego", que surgiu nessa ocasião.
Ao cair da noite, os heróis que estavam confinados dentro do
cavalo, estando pronta a cena para o saque de Troia, saíram de seu
esconderijo e começaram a matança. Os homens lutaram
desesperadamente, resolvidos a vender caro suas vidas,
horrorizados pela visão de suas mulheres e filhos sendo arrancados
de seus refúgios para serem mortos ou aprisionados. Mais
deplorável foi a morte de Príamo, assassinado no altar de seu
parque por Neoptólemo, filho de Aquiles.
Ao findar a batalha, Ulisses chega à beira-mar e desafia os deuses
dizendo: "Viram, deuses do mar e do céu, eu conquistei Troia. Eu,
Ulisses, um mortal de carne e osso, de sangue e mente. Não preciso de vocês agora. Posso fazer qualquer coisa".
Poseidon, sentindo-se ofendido pergunta o porquê de estar sendo desafiado e lembra de que sua ajuda foi crucial
ao mandar suas serpentes matar Laocoonte, só assim o cavalo pôde ser introduzido em Troia.
Irado por Ulisses recusar-se a agradecer e por sua arrogância, Poseidon diz que os homens não são nada sem os
deuses e o condena a vagar para sempre em suas águas e nunca mais voltar a costa de Ítaca. Ulisses não se
arrepende e diz que nada nunca o deterá.
Seguem-se dez longos anos até que Ulisses volte à sua terra natal, sendo este período narrado na Odisseia.
Epopeia
ESTRUTURA DA OBRA
Os Lusíadas
- um título;
- dez cantos (de mais ou menos 110 estrofes cada, sendo o X o mais longo);
- rima nas estrofes: (a,b,a,b,a,b,c,c) rima cruzada nos seis primeiros versos e os dois últimos são
emparelhados;
- versos de dez sílabas métricas (decassílabos), geralmente com acento rítmico na 6ª e 10ª sílabas
- a Proposição. É a primeira parte de Os Lusíadas onde é apresentado o sumário da obra. O poeta anuncia
que vai cantar «...o peito ilustre Lusitano», isto é, os guerreiros e navegadores, os reis que permitiram a dilatação da
Fé e do Império e todos os que, pelas suas obras, se imortalizaram. A Proposição é composta pelas três primeiras
estâncias do canto I.
- a Invocação. Pedidos de ajuda do poeta para cantar com "um estilo grandíloco e corrente" aquilo a que se
propôs: canto I, 4-5 Às Tágides; canto III, 1-2 A Calíope, canto VII, 78-87, Às Ninfas do Tejo e do Mondego, canto X, 8-
9 A Calíope);
- a Dedicatória. O poeta dedica o poema a D. Sebastião (canto I, 6-18) – novidade nas epopeias;
- a Narração. O desenrolar da ação que inicia "in medias res" = meio da ação, (viagem da descoberta do
OS PLANOS
Acontecimentos ocorridos durante a viagem entre Lisboa e Calecut. É narrada sobretudo nos cantos I, II, V,
Ø partida;
Ø regresso;
1- em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei a História do seu país: canto III - início da nacionalidade e
2- em Calecut, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e personagens representados nas bandeiras
3- a história posterior à viagem do Gama é-nos narrada através de profecias.
assim como outros entes metafísicos)- os deuses; são eles que contribuem para a evolução da ação. Alguns deuses
opõem-se à conquista do objeto (descoberta do caminho marítimo para a Índia), outros favorecem-na. Baco é o
principal oponente, e Vénus e Marte são os principais adjuvantes (cantos I, II, VI, IX, X).
Este plano diz respeito às considerações que o poeta faz, nomeadamente, no início e no fim dos cantos, revelando
filosóficos de cariz classicista e humanista, quer nos aspetos científicos, revelando um grande interesse
Divisão em partes:
1. Proposição
2. Invocação
3. Dedicatória
4. Narração
retrocesso no tempo em relação à ação central, isto é, 1498, ano em que se efetuou a primeira viagem de Vasco da
1. De Vasco da Gama ao rei de Melinde, contando a história de Portugal desde a sua
2. De Vasco da Gama ao rei de Melinde, contando a viagem de Lisboa a Moçambique, já que
Matéria Épica
O Poeta soube adaptar sabiamente a matéria épica à realidade portuguesa, respeitando o cânone do
tempo e no espaço.
Forma
Em termos formais, o Poema está escrito em estilo "sublime", elevado, adequado à temática abordada
e seguindo estritamente as regras clássicas para a elaboração de uma epopeia. O Poema está dividido em 10 cantos,
Resumo Canto I
No canto I, Luís de Camões faz uma introdução ao seu poema, seguindo a estrutura das epopeias clássicas que lhe
serviram de inspiração (Ilíada e Odisseia de Homero e Eneida de Virgílio).
Fiel à estrutura clássica, segue-se a Dedicatória (est. 6-18), na qual o Poeta dedica a sua
obra ao rei D. Sebastião.
Terminada a introdução do poema, dá-se, finalmente, início à Narração (a partir da est. 19). Surge, então,
o episódio do Consílio dos Deuses no qual se discute o futuro dos Portugueses (viagem para a Índia). A
favor, estão Júpiter, Marte e Vénus que será a fiel aliada da armada portuguesa ao longo de toda a
epopeia; co ntra, está Baco que de imediato inicia uma série de hostilidades contra os Portugueses,
tentando impedi-los de chegarem à Índia, utilizando gente africana que lhes arma ciladas. Esta oposição
Vénus / Bac o vai, pois, ser uma constante ao longo do poema, gerando variadas situações de perigo que
serão prontamente resolvidas por Vénus.
Análise da Proposição
A finalidade da proposição, em qualquer epopeia, é a enunciação do assunto que o poeta se propõe tratar.
Assim é, também, n’ Os Lusíadas: Camões está decidido a tornar conhecido em todo o mundo_"Cantando espalharei
por toda parte"_ o valor do povo português _ “o peito ilustre lusitano”_. E para isso estrutura a sua proposição
em duas partes: Nas duas estâncias iniciais, enuncia os heróis que vai cantar; Na segunda parte, constituída pela
terceira estrofe, estabelece um confronto entre os portugueses e os grandes heróis da Antiguidade, afirmando a
superioridade dos primeiros sobre os segundos.
O herói desta epopeia é coletivo, quanto a isso o próprio título é inequívoco. “Os Lusíadas” são, afinal, os
portugueses todos, não apenas os do passado, mas também os do presente e futuro, na medida em que
assumam as virtudes que caracterizam, no entendimento do poeta, o povo português e que ele sintetiza, na
dedicatória a D. Sebastião, desta forma: "amor da pátria, não movido / De prémio vil, mas alto e quase eterno".
O facto de o seu herói ser colectivo e a sua ação se estender por um intervalo de tempo muito vasto
permite-lhe desdobrá-lo em subgrupos, conforme verificaremos a seguir. O plural utilizado para designar cada
um deles confirma o carácter coletivo do herói: “barões assinalados”, “Reis”, “aqueles”.
Existe uma inversão da ordem sintática na primeira frase que engloba as duas estâncias iniciais, podendo
tornar difícil, à primeira leitura, a compreensão do texto. A ordem normal seria esta:
Esquematizando .....
e todos os portugueses
dignos de admiração e que pelos seus feitos enfrentam e vencem a própria lei da morte.
Pelo esquema, vemos que Camões apresenta três grupos de agentes (“agentes” e não heróis, porque
herói é “o peito ilustre lusitano”).
O primeiro é constituído pelos “barões assinalados”, responsáveis pela criação do império português na
Ásia. É evidente que o poeta destaca principalmente a atividade marítima, a gesta dos descobrimentos (“Por
mares nunca dantes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana”).
No terceiro grupo incluem-se todos os demais, todos os que se tornaram dignos de admiração pelos
seus feitos, quaisquer que eles sejam.
Ao contrário das epopeias primitivas, aqui o herói é coletivo, o próprio título o indica -"Os Lusíadas". A
proposição não é uma simples indicação dos seus heróis, mas obedece já a uma estratégia de engrandecimento
dos portugueses. A expressão “por mares nunca dantes navegados” evidencia o carácter inédito das navegações
portuguesas; observe-se o destaque dado à palavra “nunca”. A exaltação continua com a referência ao esforço
desenvolvido, considerado sobre-humano (“esforçados / Mais do que prometia a força humana”).
Na segunda parte, esse esforço de engrandecimento continua, desta vez através de um paralelo com
os grandes heróis da Antiguidade. O confronto é estabelecido com marinheiros famosos (Ulisses e Eneias), eles
próprios heróis de duas epopeias clássicas _ Odisseia e Eneida _, e conquistadores ilustres (os imperadores
Alexandre Magno e Trajano). A escolha de navegadores e guerreiros não é inocente, visto que é exatamente
nessas duas áreas que os portugueses se destacam. E quase a concluir, uma nota final, na mesma linha: “... eu
canto o peito ilustre lusitano, / A quem Neptuno e Marte obedeceram”. A submissão do deus do mar e do deus
da guerra aos portugueses (“o peito ilustre lusitano”) é uma forma concisa e muito expressiva de exaltar o valor
do seu herói.
Topo
Em Síntese:
Eu, o Poeta, (Proposta)
O Quê? (Assunto)
FUTURO
(epopeias antigas)
S
E
[1]
A expressão inicial pode ser entendida como “Os feitos e os homens ilustres”. É um decalque do 1º verso da
Eneida: Arma virumque cano.
[2]
Taprobana – nome clássico da ilha de Ceilão, ao sul da Índia.
[3]
Novo Reino – império português no Oriente.
[4]
terras viciosas – terras não cristãs.
[5]
lei da Morte – esquecimento.
[6]
engenho – talento.
[7]
arte – eloquência, a arte de dizer.
[8]
sábio Grego – Ulisses, herói da Odisseia. Ao voltar a casa, depois da guerra de Tróia, navegou durante dez anos
pelo mar Mediterrâneo.
[9]
Troiano – Eneias, herói da Eneida. Camões chama-lhe “troiano”, porque era filho do rei de Tróia, Príamo. Após
a destruição de Tróia, navegou com os companheiros pelo Mediterrâneo, procurando um lugar para fundar uma
nova cidade (Roma).
[10]
Alexandro – Alexandre Magno, cujo império ia da Grécia às proximidades do rio Indo.
[11]
Trajano – imperador romano, conhecido pelas suas campanhas militares.
[12]
peito ilustre Lusitano – povo português.
[13]
Neptuno e Marte – Respectivamente, deus do mar e da guerra, para os romanos.
[14]
Musa antiga – poesia antiga.
[i]
PAIS, Amélia Pinto. Para Compreender Os Lusíadas, Centelha, 1984, p. 26.
A reunião dos deuses do Olimpo é a primeira intervenção do maravilhoso pagão n'Os Lusíadas. A introdução de
um episódio deste tipo será motivada, antes de mais, pelo seu desejo de corresponder ao género épico clássico. No
entanto, simbolicamente, trata-se do enaltecimento da imagem dos portugueses, realçando a importância da sua
viagem para a Índia.
Gera-se uma discussão entre os deuses, motivada principalmente pela posição do deus Baco, que revela ser o mais
feroz opositor da frota portuguesa, temendo que o seu prestígio nas terras do Oriente seja apagado por estes
homens ousados. Ainda que Baco conheça as deliberações irrevogáveis do Destino, tenta conquistar deuses para o
seu lado.
A terceira intervenção divina é da bela deusa do Amor, Vénus, que se declara inteiramente a favor dos
portugueses: acha-os parecidos com os seus amados Romanos, pela semelhança da sua coragem e da língua; sabe
que onde estiverem os lusos, de sangue quente e fogoso, ela será sempre celebrada, bem como o Amor.
Céus e Terra tremem com as discussões dos grandes deuses. As suas opiniões contraditórias terão de ser
desempatadas. Surge, nessa altura, o deus da guerra, Marte, que parece ter as suas razões para apoiar a causa
portuguesa: o amor antigo que sentia por Vénus e o reconhecimento da bravura dos homens que sempre apoiara
nas batalhas. Marte vê nas razões de Baco injustiça e inveja que lhe obscurecem o julgamento, tanto mais que
Baco foi pai ou companheiro de Luso, possível antepassado dos Lusitanos. Júpiter não devia, portanto, voltar atrás
na sua soberana decisão.
O discurso de Marte convence Júpiter, que dá por terminado o Consílio. Os deuses regressam às suas moradas. Ficou
decidido que os marinheiros iriam navegar num mar sereno.
INÊS DE CASTRO
A história e a lenda
O Infante D. Pedro (1230-1367) era casado com D. Constança, mantendo, no entanto, uma ilícita relação amorosa
com D. Inês, de quem tinha três filhos. Dada a ascendência castelhana de D. Inês, o Rei D. Afonso IV e os seus
conselheiros viam, nesta relação, um potencial perigo para a independência nacional.
Inicialmente, o rei D. Afonso IV tentou pôr fim a tal relação, expulsando D. Inês de Castro do reino. Esta, no
entanto na fronteira espanhola, continuando a manter contacto com D. Pedro. A situação agravou-se quando D.
Constança morreu. D. Pedro, agora viúvo, fez regressar D. Inês à corte, contra ordem expressa de seu pai, D.
Afonso IV.
Em Coimbra, aproveitando a ausência de D. Pedro numa caçada, D. Inês foi morta pelos conselheiros (Diogo Lopes
Pacheco, Pêro Coelho e Álvaro Gonçalves), por ordem do Monarca.
A reabilitação da figura de D. Inês completou-se com a transferência do seu cadáver, de Coimbra para o
mosteiro de Alcobaça, numa cerimónia que se revestiu de uma imponência nunca presenciada em Portugal.
A trágica história de D. Pedro e D. Inês inspirou poetas, dramaturgos, compositores e artistas plásticos, em
Portugal e no estrangeiro. Camões foi um dos escritores a celebrar a lenda, referida em Os Lusíadas . De entre a
vasta lista de obras que tratam o tema destacam-se Castro , de António Ferreira (tragédia), Inês de Castro na
Poesia e na Lenda, de António Lopes Vieira, e ainda as célebres Trovas à Morte de D. Inês de
Castro, de Garcia de Resende, publicadas no Cancioneiro Geral.
Vasco da Gama iniciar a sua longa narração da História de Portugal, em resposta ao pedido do rei de Melinde, e que
Ao longo desta narração o poeta insere episódios, entre a realidade e a fantasia, que pretendem ilustrar a
Salado e Inês de Castro.
Elevado a mito nacional, o episódio da morte de Inês de Castro é o drama amoroso mais conhecido em Portugal e
além-fronteiras. Foi imortalizado pelo Poeta em dezoito estâncias de intenso lirismo, ainda que a estrutura usada
seja semelhante à dos textos dramáticos.
Como a Tragédia grega tem presente a Fatalidade, o Destino, o Amor, o Terror, a Piedade e o Coro, que o Poeta
recria com os seus comentários, acompanhando o desenrolar da situação.
A própria personagem obedece perfeitamente ao cânone clássico: ama quem lhe é vedado, desafiando dessa
forma a linha do seu destino, sendo fatalmente castigada com a morte.
Com tais considerações sobre o Amor, o poeta faz a introdução do episódio. O seu desenvolvimento tem nas
palavras de D. Afonso IV, herói que regressara vitorioso da batalha do Salado, a justificação do
motivo da morte de Inês de Castro. Existe um contraste entre os atos do Rei militar, coberto de
glória, que combateu pela Fé, e o que quer agora levantar a mesma espada contra uma
donzela inocente.
A descrição das lembranças felizes de D. Inês e de D. Pedro I, dos momentos de alegria que
partilhavam, servem para mais cruelmente marcar o engano da alma, ledo e cego, (120.3) e
acentuar o contraste com o seu fim trágico.
A donzela frágil e indefesa é levada por brutos algozes à presença do Rei inflexível, que
determina a sua morte. Não é por fraqueza de carácter ou pura crueldade que o faz, mas
porque as vozes do povo assim o exigem.
As lágrimas correm dos olhos piedosos (125.2) de Inês, que pede clemência pelos filhos pequenos. Por eles, Inês
propõe ao Rei partir para longe de quem ama, mas onde pudesse criar os frutos de tal amor. Inês não tem defesas
para além das suas súplicas, não tem outras armas a não ser as lágrimas para mover a piedade de tão ferozes
carrascos.
D. Afonso IV está à beira do perdão. Mas levantam-se uma vez mais as vozes do povo, a exigir o sacrifício.
O Destino cruel de Inês está decidido. É barbaramente executada, num ato cobarde, comparado pelo poeta a
outros assassínios terríveis que povoaram as tragédias gregas.
Em jeito de conclusão, Camões mostra a própria Natureza entristecida diante do crime, chorando a morte
escura (135.1) da donzela, perpetuando a fatalidade numa fonte pura (135.3) de onde correm lágrimas em vez de
água, que recordará para sempre tais Amores.
est. 118
Conclusão do episódio da Batalha do Salado e introdução do episódio de Inês de Castro
est. 119
Identificação e caracterização do culpado do fim trágico de Inês
est. 120 e 121
Amor despreocupado de Inês. (há indícios trágicos como sinais de alerta - 120, vv. 3, 4 e 121, vv. 5, 6)
est. 122 (vv. 1-4)
Amor de D. Pedro
est. 122 (vv. 5-8) e 123
Reação de D. Afonso IV (note-se a influência do povo - 122, e a pergunta de retórica do poeta - 123,
vv. 5-8)
est. 124 e 125
Inês é levada à presença do rei. (repare-se nos sentimentos que o texto transmite)
est. 126 a 129
Discurso de Inês perante o rei.
126- referência à piedade que animais selvagens já demonstraram com seres humanos
127- Inês pede ao rei que tenha o mesmo sentimento pelos seus filhos (netos dele)
128- 1ª- apelo à capacidade do rei de perdoar
128 (2ª) e129- alternativa à morte de Inês
est. 130
O rei vacila, mas o povo e o Destino (Fado) não deixam (pergunta de retórica do poeta - vv. 7-8)
est. 131 - 132
Morte de Inês comparada à de Policena
est. 133
Reação do Sol - comparação com outro caso hediondo
est. 134
Comparação de Inês morta com a bonina
est. 135
Reação da Natureza à morte de Inês
Análise pormenorizada do episódio:
Estância 118
Encontramos nesta estância uma referência histórica às terras ganhas pelos portugueses na Batalha do Salado.
Este combate travou-se a 30 de Outubro de 1340, junto do rio Salado; era a resposta cristã a uma contraofensiva
marroquina para recuperar território peninsular, feita a partir de Gibraltar e Algeciras. Ao rei português D. Afonso
IV, desde então conhecido por o Bravo, coube defrontar o rei de Granada, aliado dos marroquinos. A vitória
portuguesa e espanhola foi celebrada por ambos os reinos e elevada a exemplo emblemático da cruzada cristã
contra os sarracenos.
O poeta depois de ter cantado a bravura de D. Afonso IV na vitória de Salado, volta-se para um caso com carga
socio trágica de um amor infeliz da "misera e mesquinha / que despois de morta foi rainha". É após esta
referência histórica que é "desenterrado" o caso "triste e dino" de D. Inês. de Castro.
Estância 119
É visível nesta estância uma invocação e personificação do "fero amor" que põe extremamente em relevo o
amor como força devastadora para os "corações humanos" e causador de muitas "lágrimas". O amor é denominado
como "áspero e tirano" e é comparado a uma "pérfida inimiga".
Nota-se ainda nesta estância que foi esta a causa principal da morte de D. Inês de Castro ("Deste causa à molesta
morte sua").
Estância 123
Por esse motivo "tirar Inês ao mundo determina". Aparece-nos concretamente, pela primeira vez, o desfecho que
este caso trágico terá. Repare-se na reflexão incutida pelo poeta ao leitor pela interrogação retórica sobre o uso da
espada. Esta foi utilizada na luta contra o "furor mauro" e será, agora, utilizada para assassinar uma "fraca dama
delicada". Esta contraposição surge-nos como uma reflexão/crítica do poeta que denomina este ato de
loucura ("furor").
Estâncias 124 e 125
Inês é levada à presença do Rei pelos "horríficos algozes". O Rei, "movido a piedade" começa a hesitar em
cometer ato tão cruel. No entanto, o povo "com falsas e ferozes razões"
convence-o a retomar a tarefa. Estas razões tinham, de facto motivo para
existir. Historicamente, a influência da família Castro (através de D. Inês e
seus irmãos) começava a preocupar o Rei. Os súbditos, cientes do perigo
desta situação "levam" D. Afonso IV a confirmar a sentença proferida.
D. Inês, súplica humildemente ("tristes e piedosas vozes") pela sua vida e pela de seus filhos. Mais do que a
própria morte ela teme o abandono dos filhos e as saudades de D. Pedro.
Assim, na estância 125, D. Inês reitera o seu medo de deixar os seus "mininos" ("queridos" e "mimosos") órfãos.
Apela, por isso, a D. Afonso IV, avó dos filhos de D. Inês e D. Pedro, que não a mate.
Estâncias 126, 127, 128 e 129
(discurso de D. Inês)
Este discurso, marcadamente retórico, carregado de referências mitológicas e culturais,
parece esquecer a situação psicológica desesperada da personagem e parece destinar-
se somente a aumentar a intensidade do drama vivido pela mesma.
Do discurso de D. Inês podemos destacar a súplica que esta faz ao Rei, de modo a que
ele desista do seu intento. Para tal apresenta fortes argumentos.
Em primeiro lugar, notamos um contraste entre o procedimento do rei e a clemência
das "brutas feras". D. Inês enumera duas situações em que seres irracionais se
mostraram sensíveis à situação de seres humanos, protegendo-os:
- a rainha Assíria, cuja mãe a abandonou num monte, foi protegida e alimentada por
pombas, e
- os irmãos Rómulo e Remo, edificadores de Roma, foram alimentados por uma loba.
Em segundo lugar, D. Inês refere a situação de orfandade a que ficarão sujeitos os seus
filhos. Ela teme, não pela sua própria vida, mas pelo desamparo dos seus filhos, que
ainda em tenra idade ficariam sem proteção.
Em terceiro lugar é referida a injustiça do ato do governante e o apelo ao seu bom senso. D. Inês refere que
partindo do princípio que o Rei fora justo ao combater os mouros, deveria também ser clemente e justo com ela,
cujo único erro foi apaixonar-se por D. Pedro.
Finalmente, D. Inês apela ao exílio como alternativa à sua execução. Ela prefere ser posta em "perpétuo e mísero
desterro", mesmo que esteja sujeita ao frio mais gelado ou ao calor mais tórrido, ou mesmo à "feridade" de "leões e
tigres".
Estância 130
Perante este discurso, D. Afonso IV vacila "movido das palavras que o magoam" e sente-se inclinado a perdoar-lhe.
Nota-se, nesta estância uma desculpabilização do Rei D. Afonso IV, a culpa da tragédia é atribuída ao "pertinaz
povo" e ao "seu destino". Assim, o rei é desculpabilizado pelo poeta e a culpa da triste sorte de D. Inês é imputada
ao povo e ao seu próprio destino.
Os algozes "arrancam as espadas" e preparam-se para executar a sentença. Repare-se no tom reprovador dado pela
interrogação final da estância. Os seus carrascos são denominados "carniceiros".
Estância 131
Nesta estância o poeta estabelece uma relação entre este caso trágico e a história da "linda moça Polycena".
Esta era filha de Príamo e de Hécuba e casou-se secretamente com Aquiles. No entanto, foi imolada sob o altar de
Aquiles por Pirro, filho de outro casamento de Aquiles. Esta referência clássica é uma longa comparação entre a
situação de D. Inês e a situação vivida por Polycena.
Estância 132
Esta estância reitera a ideia expressa já na segunda parta da estância 130, em que há uma condenação do
assassinos de D. Inês. Aqui, os mesmos são apelidados de "brutos matadores".
Note-se ainda na bela imagem que o poeta nos apresenta para retratar a morte de D. Inês: o sangue desta
personagem faz encarniçar as "brancas flores".
Há, ainda, a referir os castigos que os seus algozes irão sofrer nas mãos de D. Pedro. Estes, no entanto, não estão
cientes ("não cuidados") dos mesmos.
Estâncias 133 e 134
A invocação e personificação do "Sol", a comparação da sua execução com a
clássica e cruel "mesa da Tiestes" em que este come, sem o saber, os próprios
"filhos", conferem a esta situação uma amplidão espacial e igualmente trágica.
O uso da expressão "ó côncavos vales", em invocação e personificação, tem como
principal objetivo, fazer sobressair o grito final ("voz extrema") de D. Inês, ao
chamar pelo seu amor uma última vez.
Repare-se, ainda, na expressividade da comparação entre a "morta ... donzela" e a
"bonina ... maltratada". Do mesmo modo que a referida flor sucumbiu ao corte e
agora se encontra murcha e sem cor, também D. Inês faleceu, encontra-se "pálida".
Repare-se, de igual modo, na descrição de D. Inês: "Secas do rosto as rosas e
perdida / A branca e viva cor, co a doce vida".
Estância 135
Temos referência, nesta estância, ao modo como a Fonte dos Amores foi criada: esta foi o resultado das
"lágrimas choradas", pela morte de D. Inês, durante muito tempo pelas "filhas do Mondego".
Finalmente, os próprios leitores são convidados a contemplar a "fresca fonte que rega as flores".
Estância 136
Tal como o poeta já tinha prometido "Não correu muito tempo que a vingança / Não visse Pedro das mortais
feridas / Que, em tomando do Reino a governança, / A tomou dos fugidos homicidas."
Os três algozes (Álvaro Gonçalves, Diogo Lopes Pacheco e Pêro Coelho), que haviam fugido para Castela, são
entregues por D. Pedro I de Castela a D. Pedro I de Portugal, quebrando o juramento que havia feito a seu pai, em
Canaveses. Por esse motivo, o poeta refere que este ato é um "concerto ... duro e injusto", até porque atenta
contra a vida humana. Esta situação é comparada às traições da Antiguidade Clássica. Há a alusão a um episódio da
História de Roma: Lépido, António e Augusto fizeram um acordo de paz do qual fez parte a publicação do nome
dos inimigos de cada um.
Com este acordo, dois dos assassinos são apanhados e duramente castigados.
Estância 137
Nesta última estância do episódio de D. Inês de Castro, encontramos a justificação do cognome atribuído a D.
Pedro I de Portugal, "o Justiceiro". Assim, este Rei era extremamente rigoroso ao castigar todos os tipos de crime,
especialmente roubos ("latrocínios"), assassinatos e adultérios.
Nota Final:
É de salientar que a morte de D. Inês é apresentada como o assassínio de uma inocente. O poeta não apresenta as
razões de Estado que levaram a que esta situação ocorresse.
INÊS DE CASTRO
Inês de Castro é uma figura da história de Portugal tomada inúmeras vezes como tema de
várias obras literárias, não só na literatura nacional, como também na de outros países.
A Inês de Castro histórica era filha de um fidalgo galego, D. Pedro Fernandes de Castro. Foi
uma das damas que acompanharam D. Constança quando esta veio para Portugal para casar
com D. Pedro, futuro D. Pedro I, filho de D. Afonso IV. O príncipe D. Pedro apaixonou-se por D.
Inês, de quem teve filhos, e, segundo algumas fontes, declarou ter casado com ela,
secretamente, já após a morte de D. Constança.
O amor de D. Pedro e D. Inês suscitou forte oposição por motivos de ordem política. Temia-se
que D. Fernando (filho de D. Pedro e D. Constança) fosse afastado do trono, tornando-se
herdeiros da coroa os filhos de D. Inês. Por esse motivo, D. Afonso IV, pressionado pelos seus
conselheiros, mandou executar Inês.
Esta história de amor trágico tem sido tema de obras teatrais, narrativas e líricas que abordam, em maior ou menor
grau, quer o fundo psicológico de Inês, quer o conflito de que ela é centro. Como fonte mais próxima dos
acontecimentos, os escritores que a ela se referiram tinham as crónicas de Fernão Lopes e Rui de Pina, entre outros.
A primeira aparição dos amores de D. Inês na literatura dá-se com as Trovas à Morte de Inês de Castro, de Garcia
de Resende, no Cancioneiro Geral de 1516. Nelas, Inês, no Inferno, lamenta a tristeza da sua sorte, advertindo as
mulheres para os perigos do amor. No entanto, é com Os Lusíadas, de Luís de Camões, que se constitui o mais
influente fundo lírico do episódio de D. Inês de Castro, a «linda Inês», tal como surge no canto III. Muitas das
referências a espaços, como os campos do Mondego, e à figura dos carrascos surgem pela primeira vez neste
poema, como parte integrante da história nacional. A influência da obra de Camões, em geral, na literatura
portuguesa, contribuiu em muito para firmar Inês de Castro como uma das suas personagens mais férteis. Em
1587, era editada A Castro, a primeira tragédia clássica portuguesa, que, como tema nacional,
aproveitava precisamente os amores de D. Inês, dando particular atenção ao conflito interior de
D. Afonso IV, nas suas hesitações quanto à sorte a dar à mulher do seu filho.
Ao longo dos séculos, a história de D. Pedro e D. Inês foi sendo enriquecida com inúmeros outros
pormenores, dentro e fora de Portugal. O espanhol Jeronimo Bermudez escreveu a Nise
Lacrimosa. No século XVII, a união com Espanha proporcionou um maior contacto cultural entre os
dois países. Escritores portugueses escreveram também sobre o tema em castelhano, como foi o
caso de D. Francisco Manuel de Melo, com os Sonetos a la Muerte de D. Inês de Castro. No século XVIII, Inês de
Castro (1723), do francês Houdar de la Motte, celebrizou a história de Inês em toda a Europa, acentuando os
aspetos sentimentais.
Em Portugal, os amores de D. Inês popularizaram-se, não só na literatura erudita (com os árcades Manuel de
Figueiredo e Reis Quita), mas também entre o povo, com o teatro de cordel. Também Bocage lhe dedicou uma
cantata.
Com o Romantismo, aumentou o interesse pelos factos históricos associados ao episódio. Alexandre Herculano e
Oliveira Martins, entre outros, procuraram investigar, com algum rigor, as pessoas e factos históricos. No entanto, o
fundo sentimental dos amores trágicos do par destes amantes respondia também ao gosto do público, quer pelo seu
fatalismo, quer pelo conflito, que opunha o indivíduo à sociedade (corporizada no Estado e em Afonso IV), quer pela
sua localização na época medieval. O historicismo que caracteriza este período reflete-se, pois, na literatura então
escrita sobre o tema, e nomeadamente nos dramas históricos de Henrique Lopes de Mendonça (A Morta) e António
Patrício (Pedro, O Cru), sendo de notar uma crescente atenção à figura de D. Pedro.
Após o Romantismo, o tema persistiu vivamente numa literatura de carácter nacionalista e saudosista, explorando
aspetos da lenda, persistindo em todo o século XX. Mais recentemente, podem indicar-se exemplos como os dos
poetas Ruy Belo, Miguel Torga ou Natália Correia. Mesmo a nível internacional, e já no século XX, alguns escritores
têm recorrido a Inês de Castro como tema das suas obras. Disso é exemplo o escritor existencialista francês Henri de
Montherlant, com La Reine Morte.
Enquanto personagem, Inês de Castro tem assumido características diferentes de acordo com o autor e a época
em que os textos são produzidos. A universalidade e intemporalidade do tema do amor puro (que sobrevive à
morte, no caso de D. Pedro; um dos aspetos fecundos da lenda é o da coroação de Inês, já morta, por D. Pedro, e o
da vingança cruel do rei, que persegue e executa barbaramente os seus carrascos), a tragédia da morte inocente
face à mesquinhez dos interesses humanos, têm garantido à figura de D. Inês uma resistência ao tempo e
possibilitado uma atualização permanente, em termos estéticos, dos meios de contar a sua história. Mais do que
uma personagem, Inês, e com ela D. Pedro, é o símbolo do amor inocente e infeliz.
Estudos atuais conseguiram identificar a doença e as suas causas. Trata-se de uma bactéria - a Pasteurella pestis -
que vivia no estômago da pulga ou no seu sistema circulatório. A doença transmitia-se pela picadela da pulga
(geralmente transportada por ratos) nos seres humanos; à volta da mordedura da pulga, o corpo ficava com
manchas negras, e os que tinham a doença não conseguiam descobrir, nesses tempos, o que a causava. Os que
escapavam julgavam-se protegidos por um milagre.
A peste negra ataca o marido da “Formosíssima Maria”
Maria pediu auxílio ao pai (C.III, 104), que não resistiu ao pedido da filha, e foi socorrer o genro na batalha do
Salado (1340). D. Afonso IV seria o principal triunfador desta batalha, o que lhe valeu o cognome de O Bravo.
Porém, oito anos mais tarde, a peste negra vitimou o marido da Infanta D. Maria, acabando ela por ficar
irremediavelmente sem marido, sem Reino e sem ventura.
TRAGÉDIA
Composição originária da Grécia antiga e que, de acordo com a Poética de Aristóteles, apresentava como
principais elementos caracterizadores o facto de despertar, no público, o terror e a
piedade. Para os autores clássicos, a tragédia era o mais nobre dos géneros literários.
Originária do culto popular helénico de Dioniso, começou por ser um diálogo entre um
solista (ou hipócrita, palavra que depois significa ator), que coloca questões, e
um coro representativo de sátiros, que lhe responde. No teatro da Grécia clássica, a
tragédia era constituída por cinco atos: o prólogo, que corresponde ao primeiro ato; os
episódios, correspondentes ao segundo, terceiro e quarto atos; e o êxodo, correspondente ao quinto ato.
Além dos atores, intervinha o coro, que manifestava a voz do bom senso, da harmonia, da moderação, face à
exaltação dos protagonistas.
Característica também da tragédia clássica era a chamada lei das três unidades: unidade de espaço, de tempo e
de ação, que conferia a este género uma intensidade e densidade particulares, graças à concentração de todos os
elementos num único local, no espaço de um dia e numa ação assente nos acontecimentos estritamente
necessários. Do ponto de vista temático, a tragédia apresenta um herói que, desafiando propositada ou
involuntariamente as leis dos deuses, é por estes castigado. Os mais destacados tragediógrafos gregos foram
Ésquilo, Sófocles e Eurípides.
A tragédia clássica foi herdada pelos romanos e transmitida, a partir do Renascimento, às literaturas europeias
modernas. O seu introdutor, em Portugal, foi António Ferreira, com A Castro (publicada em 1587), peça inspirada
na história dos amores infelizes de Inês de Castro e D. Pedro I. Ao longo dos tempos, a rigidez dos elementos
caracterizadores da tragédia (como a lei das três unidades) foi perdendo algum peso, mantendo-se como elemento
marcante a adesão emocional do espetador ao elemento trágico. A partir do século XIX, com o Romantismo, a
tragédia cedeu lugar ao drama, muito mais ligado à cultura burguesa que então se afirmava e uma intenção cívica e
moralizadora. De salientar, também, que alguns dos elementos da tragédia se fundiram com elementos da
comédia, dando origem à chamada tragico
Foi no dia 8 de julho de 1497 que a armada portuguesa, capitaneada por Vasco da Gama, partiu rumo ao
desconhecido. Uma enorme multidão concentrou-se na praia de Belém para assistir à partida dos marinheiros
seus amigos ou familiares.
O tema deste excerto lírico é emotivo do ponto de vista sentimental, pois é revelada uma enorme saudade por
aqueles que vão “navegar” e por aqueles que ficam.
É um episódio constituído por uma primeira parte, em que se descreve o local da partida e o alvoroço geral
dos últimos preparativos da viagem, estando as naus já
preparadas e os nautas na ermida de Nossa Senhora de
Belém orando.
Numa segunda parte, em que Gama e os seus marinheiros passam por entre a multidão para chegar aos batéis,
num caminho desde o “santo templo”, destacam-se as evocações de mães e esposas acerca da partida, criando
um entristecimento na emotiva despedida do Restelo.
Finalmente, na terceira parte, é referido o embarque em que, por determinação de Vasco da Gama, não se
fazem as despedidas habituais no sentido de minorar, reduzir o sofrimento.
Também se pode considerar a importância desta viagem para Portugal, pois para além dos proveitos que poderia
trazer ao reino, simbolizava, acima de tudo, um perigo.
No momento da largada ergue-se a voz de um respeitável velho _
Velho do Restelo _ que sobressai de entre todas as que se tinham
feito ouvir até então. Ela representa todos aqueles que se opunham
à louca aventura da Índia e preferiam a guerra santa no Norte de
África.
Se as falas das mães e das esposas representam a reação emocional àquela aventura, o discurso do velho
exprime uma posição racional, fruto de bom senso da experiência (“tais palavras tirou do experto peito”) e do
sentido das vozes anónimas ligadas ao cultivo da terra, sobretudo no norte do país, defensoras de uma política
de fixação oposta a uma política de expansão com adeptos mais a sul.
Velho do Restelo
Se as falas das mães e das esposas representam a reação emocional àquela aventura, o discurso do
velho exprime uma posição racional, fruto de bom senso da experiência (“tais palavras tirou do
experto peito”) e do sentido das vozes anónimas ligadas ao cultivo da terra, sobretudo no norte do
país, defensoras de uma política de fixação oposta a uma política de expansão com adeptos mais a sul.
E assim, o Gama que representa este homem sempre insatisfeito e que está disposto a enfrentar os mais difíceis
obstáculos e a suportar os mais duros sacrifícios para conseguir o seu objetivo, tinha perfeita consciência da lógica,
da verdade e sensatez das palavras do Velho do Restelo, da condenação moral da empresa mas não lhe podia dar
ouvidos porque levava dentro de si um incentivo maior e mais forte, um dever a cumprir imposto pelo rei e pela
pátria e até um imperativo ético e psicológico.
No entanto, as palavras pessimistas do velho acabam por evidenciar o heroísmo daquele punhado de homens
tanto maior quanto mais consciente. O Velho do Restelo fala como um poeta humanista que exprime desdém
pelo “povo néscio” ou seja, o clássico horror ao vulgo.
Há portanto uma contradição entre o discurso pacifista do velho e a épica exaltação dos heróis e seus feitos de
armas. A personagem seria um porta-voz da ideologia característica da formação humorística de Camões.
O Velho do Restelo é o próprio Camões erguendo-se acima do encadeamento histórico e medindo à luz os valores
do humanismo. Ele é o humanista que torna a palavra, humanista para quem os acontecimentos que lhe servem
de tema constituem apenas o material para um poema e que reserva constantemente a sua liberdade de juízo.
O gigante Adamastor
Resumo Canto V
O canto anterior terminou com o Velho do Restelo a amaldiçoar a expansão para o Oriente, o que desde logo
sugere ao leitor que a viagem não será fácil.
Ora, terminada a narração da História de Portugal, Vasco da Gama vai contar ao rei de Melinde como
decorreu a sua viagem de Lisboa até ali.
Mais uma vez, realidade e fantasia se misturam, pois a par da indicação do percurso geográfico efetuado
aparecem episódios fantásticos.
Nesta etapa da viagem, os navegadores enfrentam inúmeros perigos que reforçam a ousadia dos Portugueses.
Os fenómenos atmosféricos como o Fogo de Santelmo e a Tromba Marítima geraram nos navegadores um
grande receio, mas que estes conseguiram superar.
Surge-nos, mais adiante, um episódio cómico. Fernão Veloso, um marinheiro fanfarrão resolve arriscar-se em
terra, mas logo se arrepende e volta para o barco perseguido pelos africanos.
Um ponto crítico desta etapa da viagem era, sem dúvida, a passagem do Cabo das Tormentas, famoso pelos
inúmeros naufrágios aí ocorridos. O episódio do Gigante Adamastor representa de um modo simbólico a
desproporção de forças: por um lado, a fragilidade das naus e dos homens a bordo, por outro, a fúria do mar,
magnificamente personificada por este gigante aterrador.
Mas, os problemas dos Portugueses não terminariam aqui, ultrapassadas as dificuldades de navegação, surge
uma doença mortal: o Escorbuto, provocado pela falta de ingestão de alimentos frescos.
Por fim, Vasco da Gama termina a sua longa narração iniciada no canto III.
Gigante Adamastor (C. V, 37-60)
As naus portuguesas navegavam há cinco dias, estando junto do Cabo das Tormentas (futuro Cabo da Boa
Esperança) quando subitamente aparece, perante o espanto dos marinheiros uma
nuvem escura e imensa, que escondia o céu; o mar bramia e agitava-se,
pressagiando uma ameaça terrível.
Desenha-se a imensa figura do Adamastor, gigante de aspeto horrendo e irado. O
Poeta compara-o ao colosso de Rodes, não se poupando a adjetivos para a sua
descrição. O monstro interpela os marinheiros aterrorizados, reduzidos pela sua
presença avassaladora à dimensão de seres frágeis e indefesos. Censura-lhes a
ambição, a constante procura do novo, a ousadia de invadirem domínios que
jamais tinham sido atravessados.
Vasco da Gama enfrentando o próprio medo, ergue-se e frente àquela grandíssima estatura (59.5), ousa perguntar:
Quem és tu? (49.3).O poeta mostra, com estes efeitos cenográficos e intensamente dramáticos, a sua conceção de
valentia: herói não é aquele que não teme, mas o que supera o temor.
O gigante, irritado, profetiza a sua terrível vingança para os portugueses que ousarem por ali passar no futuro. Os
segredos do mar nunca tinham sido a nenhum grande humano concedidos (42.3), e nem a coragem reconhecida do
povo luso poderá alterar essa lei. Vasco da Gama fica a saber quais serão os destinos fatais de Pedro Álvares Cabral,
Bartolomeu Dias, D. Fernando de Almeida e Manuel de Sousa Sepúlveda, com sua mulher e filhos, que irão morrer
naquele local, a que D. João II dá o nome de Cabo da Boa Esperança.
Mas, diante da pergunta de Vasco da Gama, o Gigante muda o seu discurso. Explica que ele é o próprio Cabo
Tormentoso, castigo que os deuses lhe deram pela sua paixão por Tétis, que o despreza. A cólera das suas
primeiras palavras termina em lágrimas de dor. A nuvem negra desfaz-se, depois desta confidência.
O Adamastor condensa em si todos os medos que suscitava o Mar Tenebroso, com o imaginário domínio de forças
sobrenaturais e maléficas. Mais um obstáculo vencido, à custa da coragem e inteligência de alguns Portugueses.
Adamastor
Na primeira parte do seu discurso, o Adamastor apresenta-se como senhor do mar desconhecido, ameaçando os
portugueses, que queriam devassar os seus domínios secretos, e profetizando para eles duros castigos futuros. Na
segunda parte do seu discurso, o Adamastor, identificando-se com o cabo Tormentório e elogiando-se por ter
conseguido o domínio dos mares, logo se abre em confidências, revelando os acontecimentos que o levaram até
àquele estado. A sua paixão por Tétis mereceu o castigo dos deuses, que converteram o seu gigantesco corpo no
cabo das Tormentas.
O Adamastor surge, no poema de Camões, como uma criação maravilhosa, a corporizar e simbolizar a quase
intransponível força do mar. O gigante é, pois, o símbolo das forças cósmicas que continuamente limitam o
homem. A vitória sobre o obstáculo que este gigante constitui significa o completo domínio dos mares pelos
portugueses.
C. X, 53. 5, 7-8
Vasco da Gama, o célebre navegador cantado por Camões, descobridor do caminho marítimo para a Índia,
entre outros feitos, nasceu em Sines, sendo filho de Estêvão da Gama.
Da sua vida, até à nomeação para o comando da expedição à Índia pouco se sabe. No entanto, Damião de Góis
define-o como "homem solteiro e de idade para sofrer os trabalhos de tal
viagem". Desconhecem-se ainda as razões dessa nomeação. Castanheda apresenta-o como
"experiente nas coisas do mar, em que tinha feito grande serviço a el-rei D. João", e Garcia de
Resende destaca a sua participação em operações navais nas costas de Portugal e de Marrocos e
como comandante de uma armada contra corsários franceses em 1492.
Segundo alguns autores, Vasco da Gama teria participado em viagens secretas, de exploração
da costa africana, nas quais teria adquirido os conhecimentos náuticos imprescindíveis à
concretização da viagem para a Índia. Esta seria uma explicação para a escolha de Vasco da Gama.
Assim, D. Manuel retomou os planos de D. João II e a expedição foi planeada nos seus
múltiplos pormenores, desde as informações fornecidas por Bartolomeu Dias e Pêro da Covilhã à
escolha da tripulação.
A frota era formada por um navio de transporte, que deveria ser queimado depois de esvaziado, pela caravela
Berrio e pelas naus S. Gabriel e S. Rafael, construídas propositadamente para esta viagem, a primeira das quais
pilotada por Pêro de Alenquer e capitaneada pelo próprio Vasco da Gama, enquanto seu irmão mais velho, Paulo
da Gama, comandava a segunda.
A tripulação contaria entre 150 e 170 homens, regressando apenas um terço deles. Os navios estavam bem
equipados com armamento e material de navegação. O posto de capitão-mor da expedição implicava funções
militares e diplomáticas. Vasco da Gama levava cartas de D. Manuel para o samorim de Calecute, com quem se
pensava estabelecer as primeiras relações na Índia.
A armada partiu no dia 8 de Julho de 1497 e a 29 de Agosto de 1498, após três meses de paragem, sem que
tivesse havido qualquer acordo com o samorim, a armada portuguesa deixou Calecute, iniciando uma viagem de
regresso atribulada: a nau S. Rafael teve que ser destruída em Mombaça, pois tinha sofrido um rombo e a
tripulação não era suficiente para três navios; em Cabo Verde, Vasco da Gama fretou uma caravela para
transportar o irmão que estava cada vez mais doente, chegando aos Açores, onde o seu irmão faleceu, na ilha
Terceira.
Assim, só em finais de Agosto ou início de Setembro de 1499 Vasco da Gama chegou a Lisboa e foi recebido
por D. Manuel que acrescentou ao seu título de rei de Portugal: "Senhor da Conquista, Navegação, Comércio da
Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia".
Em reconhecimento dos seus serviços, D. Manuel concedeu-lhe vários privilégios e mercês honoríficas: a carta
de promessa da doação da vila de Sines (mas esta doação não se viria a concretizar no reinado de D. João III), o
título nobiliárquico de Dom e às armas dos Gamas foram acrescentadas as quinas de Portugal. Foi-lhe ainda
concedida permissão para trazer da Índia mercadorias até ao valor de 200 cruzados por ano e negociá-las no reino
sem pagar encargos e direitos. Foi-lhe também atribuída uma tença de 300 000 cruzados.
Em 1502, pouco depois do regresso de Pedro Álvares Cabral, fez uma segunda viagem ao Oriente, visitou Sofala,
Moçambique e Quíloa. Na Índia, foi recebido cordialmente em Cananor e Cochim. Em Calecute, pelo contrário,
manteve-se a hostilidade. Vasco da Gama regressou a Portugal no final do verão de 1503 com as naus carregadas e
sem perdas.
Em 1519, D. Manuel formalizou por carta a qualidade de senhor e alcaide-mor de Vasco da Gama, fazendo-lhe
a doação das vilas de Vidigueira e dos Frades, pelos serviços prestados. No dia em que tomou posse das vilas o rei
atribuiu-lhe o título de conde da vila da Vidigueira.
Mais tarde, em 1524, D. Vasco da Gama foi nomeado por D. João III Vice-rei da Índia, mas exerceu as suas
funções apenas durante três meses e meio, pois faleceu pouco depois de tomar posse do cargo, em Cochim de 24
para 25 de Dezembro de 1524, sendo aí enterrado na capela-mor, de onde o seu corpo foi trasladado para a
Vidigueira. O seu governo foi demasiado curto para grandes desempenhos, mas o prestígio que o rodeava era tal
que só a sua presença no Oriente bastou para mudar o rumo que a governação portuguesa vinha tomando, pondo
fim a uma série de desonestidades administrativas.
Sugestão de Esquematização do Episódio
est. 37 e 38
"Porém já cinco sois eram passados" localização das naus
est. 39 e 40
Caracterização da figura do Adamastor
est. 41 a 48
Discurso do Adamastor:
referência à ousadia dos portugueses;
profecias do gigante sobre o futuro dos Portugueses
est. 49
Interrupção do discurso por Vasco da Gama "Quem és tu?"
est. 50 a 59
O Gigante explica a sua génese;
Referência ao drama amoroso do Gigante;
Metamorfose do Adamastor.
est. 60
Desaparecimento do Gigante
Pedido do Gama a Deus para que as profecias do Gigante não se realizassem.
Momentos fundamentais
3. Discurso do Gigante: (41-48)
- introdução;
- profecias.
De carácter profético e ameaçador o discurso é efetuado num tom de voz horrendo e grosso, anuncia os castigos e
os danos por si reservados para aquela "gente ousada", que invadira os seus domínios. Promete-lhe castigos como
a morte de algumas pessoas que lá vão passar: Bartolomeu Dias; D. Francisco de Almeida e família Sepúlveda.
4. Interpelação do Gama (49)
Incomodado com as profecias, Vasco da Gama interroga o monstro sobre a sua identidade. É essa questão tão
simples que promove a profunda viragem do seu discurso, fazendo-o recordar a frustração amorosa passada e
meditar na sua atual condição de solitário e petrificado.
1- mostra-
1- amedrontado: "arrepiam-se as carnes e o cabelo";
se rancoroso, vingativo, ameaçador;
Repara que a evolução dos comportamentos é oposta.
Adamastor e Os Lusíadas
Texto 1
Texto 2
Cinco dias depois da paragem na Baía de Santa Helena, chega Vasco da Gama ao Cabo das Tormentas e é
surpreendido por uma nuvem negra “tão temerosa e carregada” que pôs nos corações dos portugueses um
grande “medo” e leva Vasco da Gama a evocar o próprio Deus todo poderoso.
Foi o aparecimento do Gigante Adamastor, uma figura mitológica criada por
Camões para significar todos os perigos, as tempestades, os naufrágios
e “perdições de toda sorte” que os portugueses tiveram de enfrentar e transpor
nas suas viagens.
Esta aparição do Gigante é caracterizada direta e fisicamente com uma
adjetivação abundante e é conotada a imponência da figura e o terror e
estupefação de Vasco da Gama, e seus companheiros, que o leva a interrogar o
Gigante quanto à sua figura, perguntando-lhe simplesmente “Quem és tu?”.
Mas mesmo os gigantes têm os seus pontos fracos. Este é também uma vítima do amor não correspondido, e a
questão que Gama lhe coloca leva o gigante a contar a sua história sobre o amor não correspondido.
Apaixona-se pela bela Tétis que o rejeita pela “grandeza feia do seu gesto”. Decide então, “tomá-la por
armas” e revela o seu segredo a Dóris, mãe de Tétis, que serve de intermediária. A resposta de Tétis é ambígua,
mas ele acredita na sua boa fé.
Acaba por ser enganado. Quando na noite
prometida julgava apertar o seu lindo corpo e
beijar os seus “olhos belos, as faces e os
cabelos”, acha-se abraçado “cum duro monte
de áspero mato e de espessura brava, junto de
um penedo, outro penedo”.
Foi rodeado pela sua amada Tétis, o mar, sem lhe poder tocar.
O discurso do Gigante, que se divide em duas partes de acordo com a intervenção de Vasco da Gama,
compreende, na primeira, um carácter profético e ameaçador num tom de voz “horrendo e
grosso” anunciando os castigos e os danos por si reservados para aquela “gente ousada” que invadira os
seus “vedados términos nunca arados de estranho ou próprio lenho".
Texto 3
COMENTÁRIO SOBRE O EPISÓDIO “O GIGANTE ADAMASTOR”
O “Gigante Adamastor” é um dos episódios mais belos d’Os Lusíadas, na minha opinião. O “Gigante
Adamastor” contém uma carga semântica muito forte. Numa visão geral, Camões narra neste episódio o que
aconteceu cinco dias depois da paragem na Baía de Santa Helena, quando Vasco da Gama chega com seus
compatriotas ao Cabo das Tormentas e é surpreendido por uma nuvem negra, “tão temerosa e carregada” que
pôs nos corações dos portugueses um grande “medo”. Para narrar este facto dentro do espírito poético da
epopeia, Camões cria uma figura mitológica, o “Gigante Adamastor”, para simbolizar todos os perigos, as
tempestades, os naufrágios e “perdições de toda a sorte” que os portugueses tiveram de enfrentar e transpor
em suas viagens. Com essa figura, Camões adjetiva o terror e a estupefação de Vasco da Gama e de seus
companheiros diante deste maior percalço da viagem.
Belíssimo é o contraste que Camões cria, ao nos mostrar um gigante horrendo e apavorante, e depois
descrever seus sentimentos. Adamastor é vítima de um amor não correspondido.
Ele apaixonara-se pela bela Tétis, mas ela rejeitou-o pela “grandeza feia de seu gesto”. Ele busca a ajuda de
Dóris, mãe de Tétis, para servir como mediadora entre ele e sua amada. Tétis envia-lhe uma resposta ambígua,
mas ele, apaixonado, entende como um provável sim, e enganado pelas duas, cai numa terrível cilada. Na noite
prometida, julgava estar apertando o corpo adorável de Tétis em seus braços, beijando-lhe “os olhos belos, as
faces e os cabelos”, mas na realidade achava-se abraçado com um duro monte de “áspero mato e de espessura
brava, junto de um penedo, outro penedo” e acabou por fundir-se ao penedo, ficando rodeado pelas águas de
Tétis, vendo-a insinuar-se para ele todos os dias, pela eternidade, mas sem poder tocá-la.
Depois de narrar suas histórias de amor não correspondido, o gigante muda de discurso, torna-se
novamente amedrontador, e começa a anunciar os danos e castigos “por si reservados” para as “gentes
ousadas” desafiavam ultrapassar o Cabo das Tormentas. Quando ele diz que as naus portuguesas terão
sempre “inimigo a esta paragem” através de “naufrágios, perdições de toda a sorte, que o menor mal de todos
seja a morte”, remete-nos às palavras proféticas do “Velho do Restelo”.
Ao parafrasear o episódio, sua precisão poética é inevitavelmente alterada, pois qualquer intromissão na
estrutura do poema altera, quer a sonoridade, quer as rimas, quer a narrativa. Mas a proposta da paráfrase
facilita a leitura do leitor principiante
Texto 4
O poema épico “Os Lusíadas”, do grande poeta Luís de Camões, é uma obra marcadamente renascentista, não só
porque foi escrito em plena época do Renascimento em Portugal, mas porque reflete os ideais característicos deste
movimento ideológico, científico, literário, artístico e político.
O recurso à mitologia clássica não poderia deixar de estar presente numa obra que se inspira no modelo clássico
da Eneida, mas, porque as intenções e as épocas em que se inserem são bem diferenciadas e distantes no tempo, o
seu papel teria de ser forçosamente muito diferente. Em “Os Lusíadas” não são os deuses que determinam a
história dos heróis. Eles são, por vezes, figuras alegóricas ou com funções meramente decorativas; outras, surgem
como reflexo do entusiasmo renascentista pelos instintos e forças naturais (ou sobrenaturais) ignorados, que
impulsionam o destino dos homens; mas, acima de tudo, o seu papel é mostrar a vitória do homem moderno, que
começou a aprender a dominar o planeta, sobre os deuses.
Os deuses, no poema de Camões, sentem-se ameaçados pelas navegações dos portugueses e, como Baco, no
Canto VI refere, receiam que, de progresso em progresso, os homens ”venham a deuses ser” e eles
humanos. Adamastor, mais do que qualquer outra figura, ilustra o orgulho humano renascentista de quebrar os
limites que até aí eram impostos e de ultrapassar os “vedados términos” de origem natural – o cabo tormentoso,
e os psicológicos – o medo do desconhecido.
Mas o herói desta epopeia é um herói coletivo e não um homem apenas. São “as armas e os barões assinalados”
que partiram à descoberta do mar desconhecido, são “as memórias gloriosas” dos reis que “foram dilatando a Fé
e o Império” e todos aqueles que praticaram feitos valorosos e assim se tornaram famosos (se libertaram “da lei
da morte”). Assim, é todo o povo português e os seus antepassados da Antiguidade, os Lusos,
ou Lusitanos (“redescobertos” por humanistas como André de Resende) quem se torna o símbolo da glória do
domínio do homem sobre a natureza. Orgulho humano e orgulho nacional surgem aqui juntos: os homens
portugueses, que já anteriormente venceram quem se lhe opôs, vencem agora os medos de antigamente e
dominam o mar!
Segundo António José Saraiva, a mitologia clássica tem ainda um outro interesse em “Os Lusíadas”: ela “constitui
o seu próprio travejamento romanesco, e, em parte, a sua própria alma”. É que a valorização excessiva dos feitos
de guerra, a “conceção da história nacional como uma sequência de proezas de heróis militares... constitui hoje o
peso morto d’Os Lusíadas”. As personagens mitológicas (com exceções como as do episódio de Inês de Castro)
têm justamente o que falta às personagens históricas: atuam muito como homens de carne e osso, têm paixões e
defeitos, fazem conspirações e guerras, são furiosos, vingativos, invejosos, mas também amorosos e meigos. A
intriga que se desenrola entre eles é verdadeiramente humana.
“O mar fica povoado de...deuses e deusas, que acalmam as ondas. E é assim nas mãos dos deuses, carinhosas ou
raivosas, que os portugueses vão navegando... sem mesmo se darem conta dos perigos: os homens são abstratos
como deuses, e os deuses são carnais como homens; e é evidente que sem a intriga divina não haveria no poema um
enredo a ligar as suas diversas partes. Não se chegaria a perceber por que artes conseguiram eles chegar a Calecute
ou que dificuldades tornaram notável a sua viagem”. Esta sua atuação vem desfocar a atenção dos leitores dos
factos históricos para as suas histórias.
Como se trata da personificação do cabo da Boa Esperança, pode dizer-se que se trata da vingança da Natureza
sobre os portugueses, sob a forma dos medos que os marinheiros portugueses tinham de monstros horrorosos que
faziam naufragar as naus e tirar as vidas a muitas pessoas. Eram os monstros que simbolizavam o desconhecido,
mas também o fantástico. Eram ainda os guardiões dos tesouros, pois para lá deles situava-se a Índia, fonte de
riquezas e sonhos. Era portanto necessário haver um guarda realmente muito poderoso para que só conseguissem
passar os mais merecedores, os mais valentes e ousados.
Por isso ele começa por dirigir-se aos portugueses de uma forma muito agressiva
e imperiosa, com a intenção de os amedrontar. Esta primeira parte do encontro é
uma espécie de julgamento sumário: o gigante começa por acusá-los dos crimes de
irem aonde era proibido, de invadirem o seu território, de tentarem desvendar os
segredos que ele guarda, o que a nenhum humano era permitido fazer, por mais
heroico ou poderoso que fosse (“os vedados términos quebrantas / E navegar meus
longos mares ousas”; “Pois vens ver os segredos escondidos”; “A nenhum grande
humano concedidos / De nobre ou imortal merecimento”).
Não há lugar para defesa, Adamastor passa logo a ditar a sentença: serão castigados pelo seu atrevimento, pois
todas as naus que ali passarem sofrerão enormes tempestades. Haverá ainda uma vingança mais terrível para a
primeira que ali passar depois deles - “quantas naus esta viagem”; “fizerem, de atrevidas / Inimiga terão esta
paragem / Com ventos e tormentas desmedidas! / E da primeira armada”; “Eu farei de improviso tal castigo, / Que
seja mor o dano que o perigo”. Mas ainda não acabaram as sentenças. O homem que o descobriu e passou será
severamente castigado, bem como o primeiro vice-rei da Índia, todos junto dele (“Aqui espero tomar, se não me
engano, / De quem me descobriu suma vingança”; “E do primeiro Ilustre”; “Serei eterna e nova sepultura”).
Mas depois desta demonstração de cólera e ódio, Vasco da Gama recuperando do primeiro susto e admirado por
esta estranha figura, pergunta-lhe quem é.
Com mais outro berro ele diz-lhes que é o Cabo Tormentório que nunca ninguém houvera passado até chegarem
os portugueses com a sua ousadia. E conta-lhes a sua triste história com Tétis e a sua pena por ter desafiado
Zeus. Perturbado por ter “revivido” verbal e mentalmente a sua história, nem se dá conta que quando acaba, já os
portugueses vão longe. Mas isso não o impede de concretizar as vinganças que os portugueses bem rezaram para
que não acontecessem. Bartolomeu Dias e D. Francisco de Almeida (o vice-rei da
Índia) perecem a seus “pés”, bem como Manuel de Sousa Sepúlveda, cujo
naufrágio viria a ser dos mais conhecidos.
A mitologia em geral, e a Grega e Romana neste caso particular, é o reflexo de uma forma muito particular de ver
e entender a natureza e o divino. As mitologias reportam-se a épocas imemoriais, quando a relação dos homens
com o mundo que os rodeava era certamente muito mais íntima do que podemos imaginar: o ciclo natural era
também o ciclo da vida humana, com a sequência das estações a determinar as colheitas, a paisagem, a
alimentação de pessoas e animais. A dependência dos elementos naturais era quase total; as forças selvagens
eram benéficas ou profundamente adversas, e tinham origem desconhecida.
Tendo sempre presente a Natureza, os homens entendiam que tudo tem um lado bom e um lado temível: a água
é fonte de vida mas também túmulo para muitos; o sol cria e aquece, mas também queima e destrói. Assim, belas
deusas, espíritos dos lagos, ninfas da espuma do mar, deuses e génios das colheitas e
protetores dos rebanhos, todos eles possuem uma natureza oculta e temível que deve
ser evitada; simultaneamente, possuem um lado bom e generoso, pelo qual ajudam os
mortais, os seus bens e os seus campos.
Embora seja vulgar falar da mitologia grega e da romana como sendo idênticas, tal não é o caso: a mitologia
grega é muito mais rica em conteúdo, em espiritualidade e em imaginação criativa, e a romana é essencialmente
uma recolha de mitologias de povos por eles conquistados - mitologias egípcias, sírias, persas, etruscas, muitos
elementos gregos, e alguns verdadeiramente romanos. De qualquer forma, a maioria dos deuses que a época do
Renascimento (e, claro, Camões) recuperou também têm o seu equivalente em deuses gregos; e se o
aproveitamento que então se deu da cultura clássica incidiu sobretudo na cultura romana, é porque o pouco que
a arqueologia até aí conseguira descobrir era romano, e não por esta cultura ser mais rica ou mais importante
em termos de mitos e lendas. Assim, a cada deus foi atribuída uma dupla designação: romana (latina) e grega,
respetivamente.
Tétis
Tétis é uma divindade menor, se bem que seja uma das mais antigas, é uma Titã dos dezoito que Geia (a Mãe-
terra) teve de Úrano (o Céu), que formaram a primeira raça divina. É casada com seu irmão Oceano, um Titã
também, o senhor do rio imenso que se julgava rodear o mundo. As ninfas desse rio (Oceânides), bem como as
divindades de todos os outros rios da terra, eram filhas de ambos.
Há ainda uma outra figura mitológica com o mesmo nome, e que muitas vezes se confunde com a deusa Tétis: é
uma ninfa marinha, ou nereide, filha de Nereu (o deus do Mediterrâneo), que foi a mãe do herói Aquiles.
Para Camões Tétis representa estas duas entidades divinas. No entanto, esta confusão é intencional, pois
permite unificar duas noções semelhantes que se referem ao mar, que é geralmente representado por Tétis ou
Neptuno; mas as ondas são representadas pelas Nereides (Tétis, Anfitrite, Panopeia, Galateia, entre outras).
Tétis banhando Aquiles no Estige, Donato Creti (1671-1749)
Nereides
Ninfas do mar calmo; filhas de Nereu, deus do mar mediterrânico, e de Dóris, filha do deus Oceano. As ninfas
eram 50, todas de uma grande beleza, viviam no fundo mar Egeu, no palácio de seu pai. Ocupavam o seu tempo a
fiar, a tecer e a cantar, sentadas em tronos de oiro. Os poetas imaginam-nas também divertindo-se entre as
vagas, deixando flutuar a cabeleira, nadando por aqui e por ali entre tritões e delfins. Tinham o poder de
acalmar as águas.
Ninfas
Espíritos femininos, jovens e belos, que residiam na natureza, geralmente em águas claras
de fontes e nascentes, mas também no mar, nas árvores e nas
montanhas. Estão sempre ligadas à água: se estão no campo,
concentram-se nos bosques sombrios e nas cavernas húmidas,
que simbolizam ao mesmo tempo o nascimento e a morte. Elas
são os espíritos da fecundidade e da graça da natureza.
Mitologicamente o Gigante apaixonado pela deusa Tétis, transformado em promontório pelos deuses, que não
toleram ousadias; símbolo da frustração amorosa;
Tempestade
Decorria o “Consílio dos Deuses Marinhos”, quando a armada portuguesa, foi intercetada por
uma tempestade proveniente dos ventos que Éolo
soltara por ordem dos deuses. No momento em que a
tempestade se aproximou, estavam os navegadores
entretidos com a história do “Doze de Inglaterra”,
contada por Fernão Veloso.
É este um episódio simbólico em que se entrelaçam os planos da viagem e
dos deuses, portanto a realidade e a fantasia.
Esta tempestade é o último dos perigos que a armada lusitana teve que enfrentar para chegar ao Oriente, e Camões
descreve-a de uma forma bastante realista, tanto relativamente à natureza, quando refere a fúria desta
(relâmpagos, raios, trovões, ventos), como relativamente ao sentimento de aflição sentido por parte dos
marinheiros.
O episódio começa por referir a tranquilidade com que se navega em direção à Índia, assistindo-se depois ao
desenlace da tempestade que o poeta descreve de maneira muito real. De
seguida é narrada a súplica de Vasco da Gama a Deus = “Divina Guarda, angélica,
celeste,”, o qual utiliza argumentos como a preferência por uma morte heroica e
conhecida em África, a um naufrágio anónimo no alto mar e o facto de a viagem
ser um serviço prestado a Deus.
O término da tempestade vem quando Vénus decide intervir ordenando
às “Ninfas amorosas” que abrandem a ira dos ventos, seduzindo-os.
Como se pode verificar, mais uma vez, Vénus ajuda os Portugueses a atingir o seu
objetivo, visto que os considera um povo semelhante ao seu amado povo
latino. Quando a tempestade acaba, os Portugueses avistam a Índia a 17 de maio de 1498.
Ilha dos Amores
Clica num dos episódios:
Ilha
dos
amores -
preparativos
Ilha dos amores - Aventura de Lionardo
O episódio da Ilha dos Amores ocupa uma quinta parte do poema. Encontra-se colocado estruturalmente na
convergência de todos os diversos níveis de ação presentes na obra:
-a viagem dos marinheiros;
-a intriga dos deuses;
-a conceção da estrutura do mundo (cosmos);
-a visão da história passada e futura de Portugal (e do mundo de então);
-a interpretação filosófica do significado da ação dos homens no mundo;
-a crítica da situação factual da política do tempo de Camões.
Fácil será fazer uma extrapolação e dizer que a Ilha é a visão paradisíaca do verdadeiro Portugal ou que
ela representa uma utopia de feição idealista: o lugar da recompensa dos homens após o longo sofrimento,
privação e risco da demorada viagem. Mas convém notar que, com a prática erótica que essa Ilha faculta aos
homens e ao Gama, é feito, paralelamente, o discurso da revelação da sabedoria histórica e cosmogónica.
Para além de considerações de carácter esotérico (secreto, misterioso), o que o poema nos dá é de facto a
prática e o apogeu do amor físico como sendo a chave textual para a abertura do conhecimento.Tais
propostas são manifestamente heréticas (ofensivas) relativamente às doutrinas quer neoplatónicas quer
católicas.
Simbologia do episódio da Ilha dos Amores
A Ilha dos Amores simboliza o reconhecimento dos feitos do povo português através de
uma recompensa – a celebração de um casamento cósmico entre as ninfas e os portugueses, através do
qual Camões os eleva a um estatuto de deuses, é como se se dissesse que quem pratica feitos de tal
magnitude, não esquecendo os sacrifícios causados pelos homens inimigos e pelos deuses, principalmente
Baco, que os vai atraiçoando no decorrer da sua jornada, merece a imortalidade própria da condição
divina «Por feitos imortais e soberanos/O mundo cos varões que esforço e arte/Divinos os fizeram, sendo
humanos».
Vénus, deusa do Amor e da Beleza, é assim a
deusa que se identifica com estes heróis e os
vai salvando dos perigos, cria a "Ilha dos
Amores", auxiliada por Cupido, seu
filho, recompensando os portugueses pelo
seu esforço, bravura, persistência e dedicação
na tarefa da superação da humanidade.
Na ilha "fresca e bela" encontram-se ninfas à
espera, tendo os marinheiros a oportunidade
de se deleitar com elas que os
acolhem, depois de jogos de
sedução, dividem-se entre o prazer sexual e o
Amor. É aliás este Amor que existe entre Vénus e os Portugueses. E, por isso, dá-se, nesta Ilha, um
"casamento”, a união entre os descendentes de Luso e Vénus onde "Se prometem eterna companhia, / Em
vida e morte, de honra e alegria.". Deste modo, Vénus reconhece os Portugueses como um povo nobre e
concede-lhes como que um estatuto semidivino e eterna proteção.
A viagem, mais do que a exploração dos mares, exprime a passagem do desconhecido para
o conhecimento, não só a nível físico, mas também a
nível espiritual/interior. Como diz Jorge de Sena, estamos perante
«a recolocação do Amor, do verdadeiro Amor, como centro da Harmonia do
Mundo. A Ilha é uma catarse total (purificação), não apenas de todos os
recalcamentos, mas das misérias da própria História, e das misérias da vida
no tempo de Camões e fora dele (...) Ao desmistificar os deuses, Camões faz-
nos assumir a fantasia como fantasia, dando aos homens a dignidade
máxima de terem sido humanos, do mesmo modo que aponta aos homens a
maneira de se divinizarem».
Na Ilha dos Amores, os prazeres concedidos aos portugueses inscrevem-se
tanto no nível material como no espiritual do Herói. Por um lado, ao nível
material temos as recompensas do amor físico e o banquete oferecidos por
Tétis e pelas restantes ninfas. Por outro lado, o nível espiritual reporta-se à
apresentação que Tétis faz da Máquina do Mundo a Vasco da Gama. Este
último momento é de grande importância já que apenas aos deuses era possível a visualização do Universo.
A ambição da descoberta de novas terras proporciona aos nautas esta honra, símbolo de todas as
compensações que os Descobrimentos trazem ao Homem.
Ao contrário dos episódios da Inês de Castro e do Adamastor, este é o episódio da Epopeia e um exemplo
raro da obra camoniana, em geral, em que existe a plenitude amorosa, onde existe o prémio e não o castigo
por amor. É através do amor físico que os navegadores interagem com as ninfas imortais, depois das provas
que representam o amor pela pátria, a devoção e a superação das dificuldades que os tornam também
divinos, provando assim que nada resiste à força do amor.
Camões coloca neste episódio toda a sua imaginação e, utilizando
elementos do Renascentismo e do Humanismo, confere aos portugueses a
possibilidade de realização completa, sem as limitações e as contradições
impostas pela Natureza. E assim os navegadores conseguem alcançar
a imortalidade. Mas isso também se aplica ao poeta que, ao compor esta
epopeia e ao dedicá-la ao herói português, dignifica os seus
feitos, permanecendo vivo não fisicamente, mas espiritualmente, através
desta e de muitas outras obras.
No Canto IX, os nautas ao serem recebidos pelas ninfas significa, entre
outras coisas, a confirmação dos receios de Baco: de facto, os navegantes
cometeram atos tão grandiosos que se tornam amados por deusas; e, de
certo modo, divinizam-se também.
Em Os Lusíadas a revelação súbita da nudez desperta o instinto para o qual o pecado não existe. É em
plena inocência, como se o tabu bíblico nunca tivesse existido, que se realizam as núpcias, sem
restrições. Depois desta recuperação da inocência e desta abolição da consciência do Bem e do Mal, os
homens recuperam também a imortalidade. Como amantes das ninfas
imortais, tornam-se eles próprios divinos.
A mulher, intermediária da serpente maléfica, fizera Adão ser sujeito à
morte. Na Ilha dos Amores é também a mulher (agora no plural)
que liberta os homens da lei da morte.
Evidentemente há uma entrega aos prazeres da carne, mas é um prazer
fruto do Amor, que preenche a alma e purifica. O Amor que deifica homens e humaniza deuses, unindo-os
num só ser, fazendo com que entre eles não haja mais distinção, deixando criaturas humanas e divinas num
mesmo patamar, numa mesma existência.
Marinheiros e ninfas estavam todos entregues ao puro amor. O sentimento é tão intenso, o afago é
tamanho, que os enamorados “se prometem eterna companhia, / em vida e morte, de honra e alegria”, daí
que, mesmo inundados de lascívia, o relacionamento amoroso entre as ninfas e os portugueses não
representa uma orgia desenfreada e desmedida.
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Batalha de Aljubarrota
O Rei de Castela invade Portugal, e poucos eram os que queriam combater pela Pátria. Mas os que estavam
dispostos a defender o seu Reino, onde se destacava Nuno Álvares Pereira, iriam defende-lo com a convicção
da vitória, pois o país vizinho tinha enfraquecido bastante no reinado de D. Fernando e D. João I era garantia
de valor e sucesso e nunca Portugal tinha saído derrotado dos combates contra os Castelhanos.
No início desta batalha, o som da trombeta castelhana causa efeitos não só nos guerreiros,
Pereira e de D. João, Mestre de Avis; salienta-se também o facto dos irmãos de Nuno combaterem contra a
própria Pátria, acabando por morrer numa batalha em que foram traidores de Portugal.
No final, Camões refere o desânimo e a fuga dos Castelhanos, que novamente foram derrotados pelos
lusitanos.
CANTO I - Depois do Consílio dos Deuses, a armada de Vasco da Gama chega a Moçambique onde para para se
abastecer. Aí recebe a bordo da nau alguns Mouros da Ilha. O Régulo, isto é, o chefe da Ilha, é recebido por Vasco da
Gama.
O Mouro, quando verifica que os Portugueses eram Cristãos, inspirado por Baco, resolve destruí-los.
Quando Vasco da Gama desembarca na ilha‚ é atacado traiçoeiramente, mas com a ajuda dos marinheiros
portugueses consegue vencer os mouros. Após o triunfo, Vasco da Gama recebe a bordo um piloto,
que recebera ordens para levar os portugueses a cair numa cilada em Quíloa. Quando a armada se
aproximava de Quíloa, Vénus, que descobrira a traição de Baco, afasta a armada da costa por meio de
ventos contrários, anulando assim a traição. O piloto mouro tenta outras vezes aproximar a armada da
costa para a destruir, mas Vénus está atenta e impede que isso aconteça. Entretanto os portugueses continuam a
viagem para Norte e chegam a Mombaça, cujo rei fora avisado por Baco para receber os portugueses e os
destruir.
CANTO II - O rei de Mombaça convida a armada portuguesa a entrar no porto a fim de a destruir. Vasco da
Gama, por medida de segurança, manda desembarcar dois condenados portugueses, encarregados por ele de
obterem informações acerca da terra. Baco disfarça-se de sacerdote cristão. Os dois portugueses são levados à casa
onde ele se encontra e veem em Baco um sacerdote cristão junto
a um altar onde se representavam Cristo e os Apóstolos. Quando
os portugueses regressam à armada, dão informações falsas a
Vasco da Gama, convencidos de que estavam entre gente Cristã.
Vasco da Gama resolve entrar com a armada no porto
de Mombaça. Vénus apercebe-se do perigo e, com a ajuda das
Nereides, impede os barcos de entrar no porto. Perante o espanto
de todos, apesar do vento empurrar os barcos em direção à cilada,
eles não avançam. O piloto mouro e os companheiros que
também tinham sido embarcados na ilha de Moçambique,
pensando que os seus objetivos tinham sido descobertos, fogem
precipitadamente lançando-se ao mar, perante a admiração de
Vasco da Gama, que acaba por descobrir a traição que lhe estava
preparada e à qual escapou milagrosamente.
Vasco da Gama agradece à Divina Guarda o milagre concedido e
pede-lhe que lhe mostre a terra que procura. Vénus, ouvindo as
suas palavras, fica comovida e vai ao Olimpo queixar-se a Júpiter pela falta de proteção dispensada pelos deuses
aos Portugueses. Júpiter fica comovido e manda Mercúrio a terra para preparar uma receção em Melinde aos
Portugueses e inspirar a Vasco da Gama qual o caminho a seguir. A armada continua a viagem e chega a Melinde,
onde é magnificamente recebida. Vasco da Gama envia um embaixador a terra e o rei acolhe-o favoravelmente.
Após várias manifestações de contentamento em terra e na armada, o rei de Melinde visita a armada portuguesa.
CANTO III - O narrador começa por invocar Calíope, musa da poesia épica, para que lhe ensine o que Vasco da
Gama contou ao rei de Melinde. A partir daqui o narrador passa a ser Vasco da Gama. Segundo ele, não contará
história estranha, mas irá ser obrigado a louvar os seus, o que, segundo
ele, não será o mais correto. Por outro lado, receia que o tempo de que
dispõe, por mais longo que seja, se torne curto para tantos e tão
grandiosos feitos. Mas obedecerá ao seu pedido, indo contra o que deve
e procurando ser breve. E, para que a ordem leve e siga, irá primeiro
tratar da larga terra e, em seguida, falará da sanguinosa guerra.
Após a descrição da Europa, Vasco da Gama fala das origens de Portugal,
desde Luso a Viriato, indicando também a situação geográfica do seu
país relativamente ao resto da Europa. A partir da estância 23, começa a narrar a
História de Portugal desde o conde D. Henrique até D, Fernando, último rei da primeira
dinastia.
Os principais episódios narrados dizem respeito aos reinados de D. Afonso Henriques e
a D. Afonso IV.
Relativamente ao primeiro rei de Portugal, refere as diferentes lutas travadas por ele:
contra sua mãe, D. Teresa, contra D. Afonso VII e contra os mouros, para alargamento
das fronteiras em direção ao sul. São de destacar os episódios referentes a Egas Moniz
(estâncias 35-41) e a Batalha de Ourique (estâncias 42-54).
No reinado de D. Afonso IV, destacam-se os episódios da formosíssima Maria, em que
sua filha lhe vem pedir ajuda para seu marido, rei de Castela, em virtude de o grão rei
de Marrocos ter invadido a nobre Espanha para a conquistar; o episódio da batalha do
Salado, em que juntos os dois Afonsos vencem o exército árabe; e, finalmente, o
episódio de Inês de Castro, a mísera e mesquinha que depois de ser morta foi rainha.
CANTO IV - O canto IV começa por referir o interregno que se seguiu à morte de D. Fernando, entre 1383-85, e,
em seguida, foca o reinado de D. João I, apresentando-nos os preparativos para a guerra com Castela, a figura de D.
Nuno Alvares Pereira, o seu insurgimento contra aqueles que se colocaram ao lado de Castela, entre os quais se
contam os seus próprios irmãos, e a Batalha de Aljubarrota, que opôs D. João I de Portugal a D. João I de Castela. Em
seguida, é narrada a conquista de Ceuta e o martírio de D. Fernando, o Infante Santo.
São a seguir apresentados os reinados a seguir a D. João I, entre os quais os de D. Afonso V e de D.
João II. No reinado de D. Manuel I, é apresentado o seu sonho profético (estâncias 67-75). D. Manuel
I confia a Vasco da Gama o descobrimento do caminho marítimo para a Índia e é-nos depois
apresentada a partida das naus, com os preparativos para a viagem, as despedidas na praia de
Belém e, finalmente, o episódio do velho do Restelo, no qual um velho de aspeto venerando critica
os descobrimentos, apontando os seus inconvenientes e criticando mesmo o próprio rei D. Manuel I,
que deixava criar às portas o inimigo, no Norte de África, para ir buscar outro tão longe, despovoando-se o reino e
enfraquecendo-o consequentemente.
CANTO V - Vasco da Gama, que continua a sua narração ao rei de Melinde, apresenta agora, no começo deste
canto, a largada de Lisboa e o afastamento da armada até ao desaparecimento no horizonte da fresca serra de
Sintra. A viagem prossegue normalmente até à passagem do Equador, momento a partir do qual Vasco da Gama
refere diversos fenómenos meteorológicos, tais como súbitas e medonhas trovoadas, o fogo de Santelmo e a tromba
marítima (estâncias 16-23).
Chegados à ilha de Santa Helena, os portugueses contactam com um nativo, a quem oferecem vários objetos.
Crendo haver conquistado a confiança dos nativos, Fernão Veloso aventura-se a
penetrar na ilha de Santa Helena. A certa altura, surge a correr a toda pressa,
perseguido por vários nativos, tendo Vasco da Gama de ir em seu socorro,
travando-se uma pequena luta entre eles, da qual saiu Vasco da Gama ferido
numa perna.
Regressados aos barcos, os marinheiros procuram gozar com Fernão Veloso,
dizendo-lhe que o outeiro fora melhor de descer do que subir. Este, sem se
desconcertar, respondeu-lhes que correra à frente dos nativos por se ter
lembrado que os companheiros estavam ali sem a sua ajuda (estâncias 24-36).
Junto ao Cabo da Tormentas, ocorre o episódio do Gigante Adamastor (estâncias
37-60), o qual faz diversas profecias aos portugueses e, em seguida, interpelado por Vasco da Gama, conta a sua
história.
Vasco da Gama relata o resto da viagem até Melinde, tendo referido também a mais crua e feia doença jamais por
ele vista: o escorbuto. O canto termina com os elogios feitos pelo Gama à tenacidade portuguesa e com a invetiva do
poeta contra os portugueses seus contemporâneos por desprezarem a poesia e a técnica que lhe corresponde.
CANTO VI - Após as festas de despedida, a armada larga de Melinde para prosseguir a viagem até à Índia,
levando a bordo um piloto melindano. Entretanto Baco desce ao palácio de Neptuno, a fim de incitar os deuses
marinhos contra os portugueses, pois vê-os quase a atingir o império que ele tinha na Índia. Baco é recebido por
Neptuno no seu palácio e explica-lhe os motivos da sua vinda.
Por ordem de Neptuno, Tritão vai convocar todos os deuses marinhos para o consílio. Assim que se encontram todos
reunidos, Baco profere o seu discurso, apresentando honesta e claramente as razões da sua presença. As lágrimas
interrompem-lhe a dado momento as suas palavras, fazendo com que de imediato todos os deuses se inflamassem
tomando o seu partido. Neptuno manda a Éolo recado para que solte os ventos, gerando assim uma tempestade que
destrua os portugueses (estâncias 6-37).
Sem nada pressentirem, os portugueses contam histórias para evitarem o sono, entre as quais a dos Doze de
Inglaterra (estâncias 43-69). Quando se apercebem da chegada da tempestade, a fúria com que os ventos investem
é tal que não lhes dá tempo de amainar as velas, rompendo-as e quebrando os mastros. É tal a fúria dos elementos
que nada lhes resiste. As areias no fundo dos mares vêem-se revolvidas, as árvores arrancadas e com as raízes para o
céu e os montes derribados. Na armada a situação é caótica. As gentes gritam e veem perto a perdição, com as naus
alagas e os mastros derribados. Vendo-se perdido, Vasco da Gama pede ajuda à Divina Guarda.
Vénus apercebe-se do perigo em que os portugueses se encontram e, adivinhando que se trata de mais uma ação de
Baco, manda as Ninfas amorosas abrandarem as iras dos ventos. Quando a tempestade se acalma (estâncias 70-85),
amanhecia e o piloto melindano avista a costa de Calecut. O canto termina com a oração de agradecimento de Vasco
da Gama e com uma reflexão do poeta acerca do verdadeiro valor da glória.
CANTO VII - Os portugueses, que tinham chegado à Índia ainda no Canto VI (estância 92), agora, na primeira
estrofe do Canto VII entram na barra de Calecut. Na estrofe 2, o narrador faz o elogio do espírito de cruzada luso e
exorta as outras nações europeias a seguirem o exemplo dos Portugueses na luta contra os infiéis (estâncias 2 a 15).
Uma vez chegados a terra, pescadores em leves embarcações mostram aos portugueses o caminho para Calecut,
onde vive o rei da Índia. Das estâncias17 a 22, é feita a descrição da Índia e apresentados os primeiros contactos com
Calecut. Vasco da Gama avisa o rei da sua chegada e manda a terra o degredado João Martins. Este mensageiro
encontra o mouro Monçaide, que já estivera em Castela e sabia quem eram os portugueses, ficando muito admirado
por os ver tão longe da sua pátria. Convida-o a ir a sua casa, onde o recebe e lhe dá de comer. Depois disto,
Monçaide e o enviado regressam à nau de Vasco da Gama. Monçaide visita a frota e fornece elementos acerca da
Índia. Algum tempo depois, Vasco da Gama desembarca com nobres portugueses, é recebido pelo Catual, que o leva
ao palácio do Samorim. Após os discursos de apresentação, o Samorim recebe os portugueses no seu palácio.
Enquanto estes aqui permanecem, o Catual procura colher informações junto de Monçaide acerca dos portugueses
e, em seguida, visita a nau capitaina, onde é recebido por Paulo da Gama, a quem pergunta o significado das figuras
presentes nas bandeiras de seda. Das estâncias77 até ao fim do Canto VII, Camões invoca as ninfas do Tejo e
também as do Mondego, queixando-se dos seus infortúnios.
CANTO VIII - Paulo da Gama continua a explicar o significado das figuras nas bandeiras portuguesas ao Catual,
que se mostra bastante interessado, fazendo várias perguntas.
Após a visita, o Catual regressa a terra. Por ordem do rei da Índia (estâncias 45 a 46) os Arúspices fazem sacrifícios,
porque adivinham eterno cativeiro e destruição da gente indiana pelos portugueses.
Entretanto, Baco resolve agir contra os portugueses. Aparece em sonhos a um sacerdote árabe (estâncias 47 a 50 )
incitando-o a opor-se aos portugueses. Quando acorda, o sacerdote maometano instiga os outros a revoltarem-se
contra Vasco da Gama.
Vasco da Gama procura entender-se com o Samorim, que, após violenta discussão, ordena a Vasco da Gama que
regresse à frota, mostrando-lhe o desejo de trocar fazendas europeias por especiarias orientais.
Subornado pelos muçulmanos, o Catual impede o cumprimento das ordens do Samorim e pede a Vasco da Gama
que mande aproximar a frota para embarcar, com o intuito de a destruir. Vasco da Gama, astuto e desconfiado,
não aceita a proposta, sendo preso pelo Catual.
Com o receio de ser castigado pelo Samorim, por causa da demora, o Catual apresenta nova proposta a Vasco da
Gama: deixa-o embarcar, mas terá de lhe dar em troca fazendas europeias. Vasco da Gama aceita e regressa à frota,
depois de ter entregue as mercadorias pedidas. O canto acaba com as reflexões do poeta acerca do poder do «
metal luzente e oiro».
CANTO IX - Dois feitores portugueses são encarregados de vender as mercadorias, mas são detidos em terra,
para retardar a partida da armada portuguesa, a fim de dar tempo a que uma armada muçulmana viesse de Meca
para a destruir.
O Gama é informado disso pelo árabe Monçaide e, por isso, decide partir, procurando fazer com que os dois
feitores portugueses regressem secretamente à armada, mas não consegue o que pretende. Como represália,
impede vários mercadores da Índia de regressarem a terra e, tomando-os como reféns, ordena a partida.
Por ordem do Samorim, são restituídos a Vasco da Gama os dois feitores portugueses e as fazendas, após o que se
iniciou o regresso a casa (estâncias 13 a 17).
Vénus decide preparar o repouso e prémio para os portugueses (estâncias 18 a 21). Dirige-se, com esse objetivo, a
seu filho Cupido (estâncias 22 a 50), e manda reunir as Ninfas numa ilha especialmente preparada para os acolher.
A «Ilha dos Amores», cuja descrição se apresenta nas estâncias 52 a 55, era uma ilha flutuante que Vénus colocou
no trajeto da armada, de modo a que esta, infalivelmente, a encontrasse.
Os portugueses desembarcaram na ilha e as Ninfas deixam-se ver, iniciando-se uma perseguição. Para aumentar o
desejo dos portugueses, as Ninfas opuseram uma certa resistência, apenas se deixando apanhar ao fim de algum
tempo, efetuando-se, então, o «casamento» entre elas e os marinheiros.
Tétis, a maior, e a quem todo o coro das Ninfas obedecia, apresentou-se a Vasco da Gama, recebendo-o com
honesta e régia pompa. Depois de se ter apresentado e dado a entender que ali viera por alta influição do Destino,
tomando o Gama pela mão, levou-o para o seu palácio, onde lhe explicou (estâncias 89 a 91) o significado alegórico
da «Ilha dos Amores»: as Ninfas do Oceano, Tétis e a Ilha outra coisa não são que as deleitosas honras que a vida
fazem sublimada.
O Canto IX termina com uma exortação dirigida aos que aspiram a imortalizar o seu nome.
CANTO X - Tétis e as restantes ninfas oferecem um banquete aos navegantes e durante ele uma ninfa começa a
descrever os futuros feitos dos portugueses. Entretanto (estâncias 8-9) o poeta interrompe-lhe a descrição para
invocar uma vez mais Calíope. Finda a invocação, a ninfa retoma o seu discurso, falando dos heróis e futuros
governadores da Índia.
A partir da estância 74, onde acaba a prolepse (avanço no tempo, ou seja, previsão de factos futuros), Tétis conduz
Vasco da Gama ao cimo de um monte, onde lhe mostra uma miniatura do Universo e descobre, no orbe terrestre, os
lugares onde os portugueses irão praticar altos feitos. Dentro das várias profecias, Tétis narra o martírio de S. Tomé
e faz referência ao naufrágio de Camões. Finalmente, Tétis despede os portugueses, que embarcam para
empreenderem a viagem de regresso (estâncias 142-143), cuja viagem se efetua com vento sempre manso e
favorável, chegando à foz do Tejo sem quaisquer problemas (estância 144).
Das estâncias 145 a 156 são apresentadas lamentações, exortações a D. Sebastião e vaticínios de futuras glórias.
Esquematização dos cantos
Legenda:
Canto I
· 1-3 Proposição: o Poeta expõe o tema do seu poema.
· 4-5 Invocação: O Poeta pede inspiração às ninfas do Tejo, Tágides, para escrever a sua obra.
· 6-18 O Poeta dedica o seu poema ao rei: D. Sebastião.
· 19 h Início da narração: a armada de Vasco da Gama está no Oceano Índico.
· 20-42 % Consílio dos deuses para decidir o futuro dos Portugueses.
· 43-104 h A viagem prossegue com alguns problemas e intervenções dos deuses e finalmente
chegam a Mombaça.
· 105-106 ? O Poeta reflete sobre a fragilidade do homem.
Canto II
· 1-10 A armada está em Mombaça.
· 11-63 Intervenções de Baco, Vénus, Júpiter e Mercúrio.
· 64-108 h Chegada a Melinde: o rei pede a Vasco da Gama que lhe conte onde fica Portugal,
como foi a viagem e a História de Portugal.
Canto III
· 1-2 O Poeta invoca a musa Calíope para, através de Vasco da Gama, iniciar a narração da
história de Portugal.
· 3-143 Discurso de Vasco da Gama que responde às perguntas do rei de Melinde. Assim,
começa por dar a localização de Portugal; em seguida fala da dinastia de Borgonha: de D. Afonso
Henriques a D. Fernando. Neste discurso são referidos vários episódios:
· 42-54 V Batalha de Ourique.
· 101-106 © Formosíssima Maria.
· 107-117 & Batalha do Salado.
· 118-135 © Inês de Castro.
Canto IV
· 1-75 Continua o discurso de Vasco da Gama ao rei de Melinde: história da dinastia de Avis (de
D. João I a D. Manuel), inclui dois episódios:
· 28-44 & Batalha de Aljubarrota.
· 67-75 % Sonho de D. Manuel
· 76-104 Os preparativos para a viagem e as despedidas em Belém, inclui um episódio:
· 94-104 % Velho do Restelo
Canto V
· 1-89 h Vasco da Gama conta ao Rei de Melinde como foi a viagem de Lisboa até ali, que inclui
os seguintes episódios:
· 18 O Fogo de Santelmo
· 19-23 O Tromba Marítima
· 30-36 J Fernão Veloso
· 37-60 O Gigante Adamastor
· 81-83 O Escorbuto
· 90-100 ? O poeta lamenta-se do desprezo pelas artes e letras.
Canto VI
· 1-91 h A armada sai de Melinde, inicia-se aqui a última etapa da viagem rumo à Índia, no
decorrer da qual são inseridos os seguintes episódios:
· 16-37 % Consílio dos deuses marinhos.
· 43-69 O Os doze de Inglaterra.
· 70-91 O Tempestade
· 92-94 h Chegada à Índia.
Canto VII
· 1-77 Na Índia: contactos; Vasco da Gama visita o Samorim e o Catual visita as naus.
· 78-87 ? O Poeta invoca as ninfas do Tejo e do Mondego e comenta quem (não) merece ser
incluído no seu poema.
Canto VIII
· 1-46 Na Índia: Paulo da Gama recebe o Catual a bordo da sua nau e, através da descrição das
bandeiras, refere alguns ilustres portugueses. Em seguida o Catual regressa a terra
· 47-95 Intervenção de Baco e alguns incidentes, mas finalmente Vasco da Gama consegue
regressar à nau.
· 96-99 ? Reflexões do Poeta sobre o poder do ouro.
Canto IX
· 1-17 h Inicia-se aqui a viagem de regresso a Portugal.
· 18-91 h A armada avista uma ilha e resolve aportar; trata-se afinal da ilha que Vénus preparou
para homenagear os Portugueses: um paraíso povoado de ninfas; inclui episódio:
· 52-91 © Ilha dos Amores
· 92-95 ? Considerações do Poeta: como atingir a glória.
Canto X
· 1-142 Na Ilha de Vénus ou dos Amores: decorre um banquete. Tétis explica a máquina do
mundo e faz profecias sobre o futuro dos Portugueses na Ásia, África e América. O próprio naufrágio
de Camões é referido. Inclui os seguintes episódios:
· 1-7 © Ilha dos Amores (continuação)
· 10-42 © Ilha dos Amores (continuação)
· 108-118 V Episódio de S. Tomé.
· 143-144 h Embarque e regresso a Portugal.
· 145-156 ? Considerações do Poeta: lamenta a decadência do seu país; apela ao rei, D.
Sebastião, para que governe bem.
Recursos Expressivos
Os recursos expressivos tornam a linguagem mais expressiva, permitindo condensar múltiplas ideias em
poucas palavras. Deste modo, o escritor /o poeta, sugere ao leitor várias interpretações para os seus textos /
poemas e leva-o, por vezes, a associá-los a outros textos ou temas do conhecimento geral.
Alegoria
Metáfora desenvolvida de modo a sugerir, por alusão, uma ideia diferente; geralmente, o autor
pretende apresentar uma verdade moral ou espiritual subjacente à ação.
N’Os Lusíadas
A alegoria da ilha dos Amores
(Ilha = recompensa, paraíso)
C. IX, 52-91
C. X, 1-7; 10-142
Aliteração
Repetição de um som ou sílaba no início, no meio ou no fim das palavras; utilizada para criar um efeito
auditivo de harmonia ou de onomatopeia.
N’Os Lusíadas
Que um fraco rei faz fraca a forte gente C. III, 138.8
Alusão
Referência breve a uma pessoa ou circunstância supostamente conhecida do leitor, de modo a alargar o saber
para além do próprio texto.
N’Os Lusíadas
D’água do esquecimento C. I, 32.7 = Rio Letes que, segundo a lenda, se situava no Inferno pagão, cujas águas
tiravam a memória aos que dela bebessem.
Anáfora
Repetição de uma ou mais palavras no início de dois ou mais versos.
N’Os Lusíadas
Dai-me agora um som alto e sublimado,
................................................................
Dai-me ua fúria grande e sonorosa,
................................................................
Dai-me igual canto aos feitos da famosa C.I, 4.5, 5.1, 5
Anástrofe
Processo que consiste na inversão da ordem habitual das palavras, de forma a pôr em relevo elementos da
frase. Neste caso, a inversão é menos violenta do que no Hipérbato.
Que sejam, determino, agasalhados (Os Lusíadas, I, 29, v. 5
Antítese
Expressão de ideias opostas numa só frase; tese significa afirmação, anti- contra.
N’Os Lusíadas
A pequena grandura de um batel
C. VI, 74.6
Antonomásia
Identificação de alguém através de um epíteto ou de qualquer outro termo que não seja o seu nome próprio.
N’Os Lusíadas
Cessem do sábio Grego e do Troiano C. I, 3.1 (Sábio Grego: Ulisses; Troiano: Eneias)
Apóstrofe
Interpelação de uma pessoa, entidade ou coisa personificada, no meio de uma narração, por exemplo, a
invocação às Musas na poesia. Pode ser utilizado para chamar a atenção do leitor, mudando de assunto.
N’Os Lusíadas
"Tu só, tu, puro Amor, com força crua, III, 119.1
Assíndeto
Sequência de palavras ou frases às quais se omitiu a conjunção e, substituída por vírgula, condensando várias
ideias numa só frase, possibilitando, por vezes, diversas interpretações.
N’Os Lusíadas
Fere, mata, derriba, denodado; C. III, 67.3
Assonância
Repetição dos mesmos sons vocálicos em palavras muito próximas.
N’Os Lusíadas
As armas e os barões assinalados C.I, 1.1
Comparação
Método de aproximação de duas pessoas, ideias ou circunstâncias de modo a evidenciar as
suas semelhanças ou diferenças. Distingue-se da metáfora pela utilização de alguns nexos interfrásicos: como,
tal como, assim como.
N’Os Lusíadas
Assi como a bonina, que cortada C. III, 134
Qual o reflexo lume do polido
Espelho de aço ou de cristal fermoso C. VIII, 87.1-2
Elipse
Supressão de palavras que facilmente se adivinham, tendo em consideração o contexto.
N’Os Lusíadas
Agora, pelos povos seus vizinhos,
Agora, pelos húmidos caminhos. C. II, 108.7-8 (Agora, pergunta pelos povos seus vizinhos)
Eufemismo
Suavização de uma ideia desagradável ou cruel através de palavras ou expressões selecionadas. Pode
confundir-se com a perífrase.
N’Os Lusíadas
Tirar Inês ao Mundo determina C. III, 123.1 (=matar Inês)
Hipérbato (cf. Anástrofe)
Inversão violenta dos elementos da frase, alterando a ordem sintática normal. Utiliza-se para enfatizar o
discurso ou para imitar a estrutura sintática do latim. Os versos de Os Lusíadas são formados por uma série de
hipérbatos.
N’Os Lusíadas
A Deus pedi que removesse os duros
Casos, que Adamastor contou futuros. C. V.60.7-8
Hipérbole
Expressões que exageram intencionalmente o pensamento. Utiliza-se para enfatizar o discurso. É um dos
recursos expressivos mais utilizados n’Os Lusíadas.
N’Os Lusíadas
Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo;
Agora a ver parece que desciam
As íntimas entranhas do Profundo. C.VI, 76.1-4
Imagem
Impressão mental ou representação de um animal, pessoa ou coisa que permite criar imagens nítidas, através
de uma linguagem metafórica.
N’Os Lusíadas
O mar se via em fogos acendido C.II, 91.6
Ironia
Recurso, que segundo Aristóteles é um disfarce que conduz à essência da verdade, pois as palavras adquirem
um significado diferente daquele em que são empregues.
N’Os Lusíadas
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assim sabem prezar, com tais favores,
A quem os faz, cantando, gloriosos! C.VII, 82.1-4
(Camões ironiza a incompreensão dos seus compatriotas)
Metáfora
Comparação abreviada, implícita, sem a partícula comparativa como, que permite identificar uma coisa com
outra através de um processo imaginativo.
Tomai as rédeas Vós do Reino vosso / (Tomai as rédeas = governai) C. I, 15.3
Metonímia
Substituição do nome dum objeto ou duma ideia por outro relacionado com ele. Assim, dizer a coroa ou o
cetro em vez de o soberano; a cruz e a espada em vez de a religião e o exército; os copos em vez de as bebidas
alcoólicas são exemplos de metonímia.
N’Os Lusíadas
De Portugal, armar madeiro leve / (madeiro = nau, feita de madeira) C. VI, 52.3
Onomatopeia
Palavras cujo som evoca um determinado objeto ou ideia, muitas vezes, são sons da natureza. Trata-se,
portanto, da utilização de palavras imitativas para alcançar um efeito expressivo. Pode coincidir com
a aliteração.
N’Os Lusíadas
Bramindo, o negro mar de longe brada C. V, 38.3
Perífrase
Consiste em dizer em muitas palavras, o que poderia ser dito apenas numa.
N’Os Lusíadas
Mas assim como os raios espalhados
Do Sol foram no mundo, e num momento
Apareceu no rúbido Horizonte
Na moça de Titão a roxa fronte, C. II, 13.5-8 (= Aurora, deusa; aurora, nascer do dia)
Personificação / Prosopopeia
Atribuição de características humanas a abstrações, animais, ideias ou objetos inanimados.
N’Os Lusíadas
A figura do Gigante Adamastor, personificação de um cabo, que aparece a falar.
... e Guadiana
Atrás tornou as ondas de medroso C. IV, 28.3-4
Pleonasmo
Repetição desnecessária da mesma ideia utilizando muitas palavras.
N’Os Lusíadas
Vi, claramente visto, o lume vivo C. V, 18.1
Sinédoque
Consiste em se tomar a parte pelo todo ou o todo pela parte.
É uma espécie de metáfora, por exemplo, dizer velas por navios ou cabeças por animais; na expressão o pão
nosso de cada dia, pão significa não apenas alimento, mas todo o sustento duma maneira geral. Este recurso
expressivo tem ainda algumas semelhanças com a perífrase e a metonímia.
N’Os Lusíadas
Vós, ó novo temor da Maura lança, (canto I,6.5), (= poderio militar dos mouros)
Sinestesia
Associação de sensações recebidas por vários sentidos, por exemplo, uma nota azul (ouvido, vista) ou um
verde frio (vista, tato). São expressões sinestésicas.
N’Os Lusíadas
As areias ali de prata fina; C. VI, 9.2
(vista: prateado; tato: textura fina)