Ursula - A Historia Da Bruxa Da - Serena Valentino PDF
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Ursula - A Historia Da Bruxa Da - Serena Valentino PDF
176 p.
ISBN 978-85-503-0042-9
Título original: Poor unfortunate souls: a tale of the Sea Witch
— Serena Valentino
P
Fazia muitos anos que Úrsula não via suas queridas amigas, as
bruxas irmãs. Não lhes fazia uma visita desde que fora exilada da
corte de Tritão. Havia muita conversa para pôr em dia. No caminho,
viu uma luz dançar e ondular através da água e soube que estava
finalmente alcançando a superfície. Quase podia distinguir a
imagem sombria das três irmãs, que estavam na praia, à espera de
sua chegada.
Já faz um tempão, ela pensou, e decidiu que poderia muito bem
fazer uma entrada grandiosa, com um grande espetáculo. Sentiu-se
crescer, os tentáculos se alongando, fazendo-a se sentir como a
força dominante dos mares que ela era.
Não sinto esse poder dentro de mim há séculos.
Havia afundado navios gigantescos nessa forma, os transformado
em pedaços e lançado seus restos nas profundezas do seu reino
sombrio e agourento. Úrsula viu espanto nos olhos saltados das
irmãs esquisitas quando se levantou das águas e atingiu uma altura
imponente. As três bruxas irmãs – Lucinda, Ruby e Martha –
pareciam pequenas sobre as rochas pretas molhadas, tremendo de
frio.
Úrsula considerava as irmãs donas de uma beleza grotesca, com
seus olhos grandes demais e a boca muito pequena. Os rostos
pálidos e assombrados eram emoldurados, de forma perfeita
demais, por cachos negros como corvos, mesmo com as névoas
agarradas aos cabelos de penas, fazendo-as parecer aves que não
voam, assustadas e encharcadas.
Alguém que visse o estado pavoroso em que se encontravam,
refletia Úrsula, não imaginaria que aquelas bruxas eram lendárias.
Eram primas do velho rei, o pai da rainha chamada Branca de Neve.
E eram grandes benfeitoras da Fada das Trevas e sua princesa
adormecida. Embora nunca fosse admitir em voz alta, ela devia o
poder recém-recuperado às irmãs esquisitas. Elas haviam devolvido
seu colar. Se bem que, Úrsula considerava, era uma troca justa por
algo que sua irmã caçula queria desesperadamente.
Lucinda teve um sobressalto quando o corpo de Úrsula respingou
água no rosto das bruxas assustadas. Seus tímpanos por pouco não
estouraram com a gargalhada estrondosa e com o vozeirão de
Úrsula.
– Estou muito feliz em vê-las, irmãs. Já faz tempo demais.
A bruxa do mar se curvou para ficar ao nível dos olhos das irmãs
esquisitas. Eram realmente deslumbrantes, pensou ela.
Só que é beleza demais sem as proporções certas.
Os braços de Úrsula estavam estendidos, prontos para abraçá-
las. As irmãs deram uma corridinha cautelosa, como se fossem uma
só, para o abraço de Úrsula, o que lhes aliviou as preocupações e
as fez relaxar, afinal, Úrsula não estava zangada com elas.
– Vejo que você está usando o nosso presente – disseram as
irmãs, em uníssono, ao avistarem o colar de concha dourada ao
redor do pescoço da bruxa do mar. Estavam todas preocupadas que
Úrsula fosse ficar furiosa se algum dia soubesse que o colar andara
jogado na despensa, semiesquecido durante todo aquele tempo.
Úrsula deu risada, dessa vez ao ouvir o som esganiçado da voz
das irmãs, e pelo estado das penas murchas e caídas em seu
cabelo escuro como breu.
– Obrigada, minhas queridas amigas. Em algum momento vocês
vão ter que me contar como foi que conseguiram isso de volta com
o meu irmão. Ou foi Circe? Eu não perguntei quando ela me trouxe.
E onde está Circe? Estou surpresa de que ela não esteja com
vocês.
Circe.
A menção desse nome era como facas sendo mergulhadas no
coração das irmãs esquisitas. Circe provocara grande tristeza nas
irmãs, razão pela qual Lucinda tinha recorrido à Úrsula em busca de
ajuda. Era por essa razão que as irmãs esquisitas choravam sem
parar, chamando em vão o seu nome na escuridão, esperando que
ela finalmente ouvisse suas súplicas por perdão e retornasse. Circe
não atendeu ao chamado das irmãs, e assim elas convocaram a
bruxa do mar para pedir ajuda. Claro, Úrsula iria querer algo em
troca. Ela sempre queria.
Ela fazia acordos.
Lucinda falou primeiro:
– Circe, nossa amada, foi para muito longe de nós… – Seu
vestido de cetim, de um tom profundo de vermelho, estava
manchado de lágrimas e, assim como as irmãs, seus olhos estavam
borrados com a maquiagem preta de carvão que havia escorrido
pelas faces, devido às longas horas de pranto.
– Ela está tão brava com a gente! Circe se aventurou por lugares
nos quais nossa magia não pode segui-la – continuou Ruby.
Os soluços de Martha eram quase violentos demais para que ela
conseguisse falar.
– Foi por isso que viemos até você, Úrsula. Queremos ver nossa
irmã caçula de novo.
Úrsula fez a pergunta óbvia:
– Vocês já tentaram invocá-la, queridas? Em um de seus muitos
espelhos encantados?
As irmãs começaram a chorar novamente.
– Quando foi embora, ela deve ter feito um feitiço que nos impede
de invocá-la!
Úrsula abriu um de seus sorrisos magníficos, que lentamente se
transformou em algo um pouco mais mundano, à medida que ela
usava magia para assumir a forma humana e pegar a soluçante
Martha em seus braços. Ela sabia que as irmãs dariam qualquer
coisa para ver Circe novamente e, por mais que quisesse ajudá-las
– e claro que ela ficaria feliz em ajudá-las –, simplesmente calhou
de precisar do tipo especial de magia que as irmãs esquisitas
tinham a oferecer, em troca de seu favor.
C II
B I
O F T
Úrsula não ignorou o quase beijo entre Ariel e Eric tão casualmente
quanto as três irmãs. Se suas duas enguias não tivessem virado o
barco, o príncipe teria beijado a pirralha e arruinado seus planos!
– Bom trabalho, rapazes! – ela disse para Pedro e Juca,
observando a esfera mágica de adivinhação que as irmãs tinham lhe
dado quando se viram pela última vez. – Essa foi por pouco. Muito
pouco! – Úrsula estava furiosa com as irmãs esquisitas por terem
deixado Ariel ficar tão perto do príncipe. – A pequena encrenca!
Deuses, ela é melhor do que eu pensava! – Úrsula estava
enfurecida. – Nesse ritmo, ele vai tê-la beijado até o pôr do sol, com
certeza. – Ela nadou até a despensa, onde guardava todo tipo de
ingredientes para feitiços.
O que essas irmãs andam fazendo? Não posso acreditar que
permitiram que isso acontecesse!
– Bem! É hora de Úrsula cuidar disso com seus próprios
tentáculos!
Estilhaçando no caldeirão uma bola de vidro que continha uma
borboleta, ela disse:
– A filha de Tritão será minha! Então eu vou fazê-la sofrer e se
contorcer como uma minhoca no anzol!
De uma só vez, tudo virou ouro, envolveu-a e a transformou em…
algo diferente. Algo que ela odiava. Vanessa, pensou. A revoltante
Vanessa, com seus grandes olhos violeta e longos cabelos negros.
Sentia-se enojada naquela pele humana, forçada mais uma vez a
usar a beleza de outra para se esconder, mas seria a última vez.
Disso tinha certeza.
Enquanto Úrsula estava na costa da propriedade do príncipe Eric,
vestindo o corpo de outra pessoa e usando a voz de outra pessoa,
ela refletia.
Logo Tritão estaria morto, e ela tomaria seu lugar de direito no
trono. E faria isso como bem quisesse! Que fortuito era que a filha
mais nova de Tritão se apaixonasse por um humano! Que poético!
Se não precisasse da alma de Ariel, ela a teria deixado se casar
com o senhor Príncipe dos Sonhos! Teria partido o coração do pai
vê-la se tornar a coisa que ele mais odiava. Uma humana! Era uma
intervenção divina! Mas Úrsula tinha outros planos para a alma de
Ariel. Ela não teria se incomodado em tomar a voz da pequena
sereia se pretendesse que a garota se casasse com Eric.
Os deuses da fortuna tinham trabalhado em favor de Úrsula no
dia em que as ondas fizeram o navio do príncipe Eric em pedaços,
mandando-o para o fundo do oceano, no domínio de Tritão. Graças
aos deuses do mar, Ariel se apaixonou por Eric naquele momento.
Os servos de Úrsula lhe haviam contado quando isso aconteceu. Foi
tudo perfeito demais: os deuses terem concedido à pequena sereia
a força para salvar o príncipe e levá-lo em segurança para terra
firme! Era como se estivessem trabalhando a favor dos objetivos de
Úrsula.
E, até onde ela supunha, o príncipe havia começado a se
apaixonar pela jovem ruiva e linda que o salvara e vinha ansiando
por aquela menina dos sonhos desde então. Graças aos deuses a
bruxa do mar tinha pensado em tomar a voz de Ariel, ou eles
provavelmente teriam se casado no instante em que ela abrisse a
boca estúpida. Até o momento, o pobre príncipe pensava que tinha
imaginado aquela cantora durante seu delírio de afogamento,
aquela menina de bela voz.
Agora Úrsula estava de posse da voz e pretendia usá-la. Tinha a
intenção de arrebatar para si o príncipe da pequena sereia e fazê-lo
seu. Essas reflexões foram interrompidas pelo assobio de um
instrumento humano – uma flauta – voando pelo ar e mergulhando
nas ondas.
Ele está aqui, pensou. Perfeito. Com a voz de Ariel, Vanessa
cantou a melodia que tinha encantado o príncipe no dia em que a
sereia salvou sua vida. Ela sentia-se como uma de suas ninfas:
invocando a presa, enfeitiçando um humano com sua canção. Com
a canção de Ariel. Atraindo-o para a costa e para sua completa
destruição. Então um pensamento lhe veio à mente.
Se ela pretendia tomar o poder de Tritão e, ao mesmo tempo,
governar o reino de Eric, poderia dominar a terra e o mar!
Era brilhante demais, perfeito demais e totalmente divino. Só
precisava manter o príncipe Eric encantado enquanto ele servisse a
seus objetivos. Então ela se livraria dele quando não fosse mais útil.
Eric perambulava pela costa, atraído pela voz de Ariel dentro de
Úrsula e enfeitiçado por sua magia. Dizer que ele tinha quaisquer
pensamentos ou sentimentos sobre si mesmo seria um grande
exagero. Ou melhor, puramente impreciso.
Era um pouco injusto enfeitiçá-lo assim, mas Úrsula não queria
deixar nada ao acaso. Ela poderia tê-lo atraído simplesmente
empregando a voz de Ariel, sem bruxaria, e ele teria pensado que
Vanessa é que tinha salvado sua vida; mas o tempo estava se
esgotando e ela precisava ter certeza de que Eric não iria se
apaixonar por Ariel. Ela precisava da alma de Ariel.
Se tivesse qualquer resto de empatia em si, teria sentido pena do
pobre príncipe, com seus olhos agora zonzos e embotados. Ele
parecia um sujeito decente: calmo, doce, humilde. Bastante moral…
e lindo demais. Quando ele se aproximou de Úrsula na bruma, com
os olhos aturdidos pela magia, ela suspirou.
Ele acha bonita esta concha humana. Não, Úrsula, o príncipe
acha Vanessa bonita.
Ninguém nunca a havia amado por simplesmente ser quem era,
além do humano que a adotara. Seu pai. Ele a amara, mesmo
quando Úrsula tinha se transformado em algo monstruoso, feio e
asqueroso, como seu irmão a tinha chamado.
O passado não importa, queridinha!, ela pensou. Nada disso vai
importar. Não quando terra e mar forem meus.
C XIII
O P
É com o mais profundo pesar pela senhora e por sua família que
eu escrevo esta missiva. O motivo de meu comportamento tão
covarde é um mistério absoluto para mim e me deixa bastante
envergonhado. Minha única defesa – uma defesa ruim – é que eu
não parecia nada comigo mesmo quando realizei aquelas ações. Na
verdade, eu me senti como se estivesse possuído por outra pessoa
e incapaz de impor a minha vontade. Devo assegurar-lhe, senhora,
que ações como aquelas estão totalmente fora da minha natureza;
todas, exceto as minhas proclamações de amor pela senhora.
(Embora eu pudesse ter escolhido uma forma mais adequada de
declará-las.)
Devo confessar que a amo já há algum tempo. Desde que a vi à
beira-mar nas terras de seu pai, surgindo do mar como uma deusa
enlutada silenciosa, eu a amei, e a observei desde que floresceu em
uma jovem inteligente e forte. Eu tinha a intenção de me apresentar
à corte do seu pai de forma adequada, de ser oficialmente
apresentado, para que a senhora aceitasse meu compromisso, mas
temo que os eventos recentes tenham maculado sua visão de mim.
Se for esse o caso, querida princesa, não vou repudiar seus
sentimentos. Só quero manifestar o meu arrependimento mais
profundo e meus sinceros sentimentos de amor e devoção à mais
intrigante jovem sobre quem já tive o privilégio de pôr os olhos.
Sempre às ordens,
Príncipe Popinjay
Tulipa sentou-se, chocada com a carta do príncipe Popinjay em
suas mãos.
Não tinha palavras para contar à babá o que ele havia escrito;
afinal, ainda não tinha assimilado por completo o que significava.
Assim, apenas entregou a carta para que a babá lesse por si
mesma.
– Bem, ele é bastante talentoso para se expressar! Melhor, ouso
dizer, do que tentando invadir os portões do castelo!
Tulipa ainda estava atordoada.
– Babá, a senhora acha que ele está dizendo a verdade? Aqueles
homens estavam mesmo sob algum tipo de encantamento?
A babá sabia muito bem que eles estavam.
– Sim, minha querida, estavam sim.
Tulipa olhou para ela com ceticismo.
– Por que a senhora não disse isso antes?
A babá suspirou.
– Porque, minha querida, você teria me olhado desse jeito que me
olha agora, como se a pobre babá tivesse enlouquecido. E, para ser
sincera, eu tinha assuntos mais urgentes em mãos: estava tentando
invocar Circe e depois discutindo com Úrsula, quando ela apareceu
no lugar de Circe. Mas confie em mim, minha querida menina, esses
homens foram enfeitiçados, e seu príncipe dificilmente poderia ser
responsabilizado pelas próprias ações.
O rosto de Tulipa se encolheu com desagrado.
– Ele não é meu príncipe!
A babá riu.
– Se você diz, querida. Mas, para mim, ele fala muito como se
fosse o seu príncipe!
Tulipa odiava esse sentimento. Da última vez em que se sentira
assim, tinha sido totalmente humilhada e profundamente magoada.
Não podia imaginar se permitir ser encantada por outro homem
bonito apenas para ter o coração partido novamente. Mas agora ela
era diferente, não era? Mais forte, mais ousada e, de fato, mais
voltada para os assuntos do mundo. E parecia que eram essas
especificamente as qualidades que o príncipe admirava nela.
– Eu queria que Circe estivesse aqui, babá. Ela saberia o que
devo fazer.
A babá suspirou.
– Eu acredito que Circe iria lhe dizer para responder a carta desse
cavalheiro, agradecer as amáveis palavras e fazer um convite para
o chá.
Tulipa sorriu.
– A senhora acha mesmo isso?
– Eu acho, minha querida.
– Então creio que é o que vou fazer! – disse Tulipa, com um beijo
rápido na bochecha fina e macia da babá. Em seguida, ela saiu
correndo do cômodo para escrever a carta. A babá riu. Ela desejava
muito ver Tulipa assim, feliz de novo, e sentia que as intenções de
Popinjay eram honrosas. Mas era melhor dar uma olhada nele com
mais atenção, só para garantir. Ele é um bom sujeito, para um
humano, disse Pflanze no ouvido da babá. E tenho certeza de que
Tulipa vai ser muito feliz com ele, mas temos de nos concentrar em
Circe. Temo que ela esteja em grave perigo. Temo por todas nós.
– Eu concordo com você, Pflanze, e acho que nós duas sabemos
quem está por trás disso.
C XIV
C P
O C
O T