O Songbook de João Donato - Uma Visão Panorâmica
O Songbook de João Donato - Uma Visão Panorâmica
O Songbook de João Donato - Uma Visão Panorâmica
selecionado por Tom Jobim. Assim, historicamente o ano de 1957 foi aquele em que
muitos estudiosos apontam como sendo o ano de nascimento da Bossa Nova, nota-se
nota
que a parceria Tom-Donato
Donato precede
preced a inauguração do famoso gênero carioca.
Interessante, pois aquilo que se convencionou chamar de samba-jazz
samba é uma
forma jazzística de abordar, em geral, temas da bossa nova. Como o referido LP,
intitulado “Chá Dançante”, precede
precede o seu repertório usual, o que se ouve nele é uma
abordagem considerada moderna para a época, de clássicos da música brasileira como
No Rancho Fundo (Ary Barroso) ou Carinhoso (Pixinguinha).
Os autores envolvidos com uma análise mais jornalística da carreira
carreira de Donato
– inclusive os dois que aparecem neste songbook - parecem concordar em dividir seu
trabalho em três fases: uma fase inicial pré-bossa,
pré bossa, uma segunda fase passada nos
Estados Unidos a partir de 1959 que duraria aproximadamente 12 anos com intervalos
in
e, finalmente seu retorno ao país que coincidiria com fase onde, segundo Souza,
“abandona a atitude jazzística (...) e se dispõe a formatar canções com parceiros,
iniciada em 1973” (SOUZA, 1999)
O recorte aqui adotado se baseou no fato de que todas
todas as composições têm
letra. Isso não significa que os 52 temas foram compostos a partir desta data porque é
recorrente em todas as biografias visitadas que composições anteriores a 1973
ganharam letra posteriormente.
posteriormente. Inclusive, segundo o próprio Donato, muitas
m delas
mudaram até mesmo de nome, mostrando que de certa forma os títulos de suas peças,
inseridas no espectro da música popular instrumental brasileira, MPIB, para empregar
a nomenclatura de Cirino (2009), são aparentemente nominadas ao acaso.
acaso Como
exemplo, O Sapo virou A Rã,
Rã Índio Perdido se converteu em Lugar Comum e Villa
Grazia se tornou Bananeira.
Bananeira
O que se perde de Donato caso se acesse sua obra apenas através das
partituras, é uma parte muito grande de seu trabalho. Afinal, sob o ponto de vista da
Teoria da Formatividade Audiotátil (CAPORALETTI, 2018),, é na gravação que pode
se notar quantos elementos estão presentes que não constam da notação. Ele exprime
sua audiotatibilidade corpórea como pianista e improvisador e nenhuma dessas
competências aparece
parece num songbook ou em qualquer registro que contenha apenas a
escrita musical.
Além disso, não é possível ainda apreciar o Donato arranjador, já que o
songbook,, e é esse seu papel, se restringe a publicar o que se costuma chamar de lead
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sheet, ou seja, apenas a melodia e cifra de suas composições, tal qual se costuma
adotar nas compilações de música popular, jazz e standards norte americanos.
Mas a perda mais significativa talvez se dê no nível das conduções rítmicas e
em dois níveis distintos.
s. No primeiro, quais são as células rítmicas de condução que
ele, ao lado de cada grupo específicoii, emprega. No segundo, com qual “groove”,
entendido ai como a distância entre a possível grafia destas células e todos os sutis
acentos e deslocamentos que aparecem na gravação e vão criar em nossa cognição a
sensação de ginga, swing ou como se queira chamar.. Tais figuras são executadas.
executadas
Este aspecto rítmico é tão sui generis em sua obra como um todo que
mereceria por si só todo um artigo. A soma das bagagens dos gêneros tidos como
brasileiros, com sua vivência jazzística nos EUA e ainda seu background de música
latina (esta pouco conhecida no Brasil),
Brasil , gera um amálgama, ou uma fricção
(PIEDADE, 2005) de elementos que dão certamente um toque único a seu trabalho.
trabal
Mas enfim,
nfim, o que se pode notar em linhas gerais sobre sua obra, ao se observar
o conjunto das 52 peças selecionadas com sua participação? Em primeiro lugar,
chama atenção a questão das tonalidades, que pode ser visto como um relevante
aspecto de “idiomatismo”, neste caso entendido como a relação entre as composições
e o instrumento utilizado para escrevê-las.
escrevê Na tabela abaixo, constam a tonalidade das
52 canções:
DÓ LÁ FÁ RÉ SOL Do SÍ MI Dó FÁ RÉ
menor menor bemol bemol menor menor bemol
17 1 14 3 2 4 3 3 1 1 2
(1?)
seus gêneros em compasso binário e não quaternário como nos EUA. Tentaremos
levantar algumas hipóteses deste traço marcante do recorte.
Em outras publicações (Xxxx) discutiu-se que muitas das peças de Jobim
presentes nos cinco volumes dos songbooks da bossa nova foram escritas
escrit em 2/4 e
que, ao revisá-las
las para os três livros de seu próprio conjunto de canções (1990),
optou-se por reescrevê-las
las em 4/4. A razão disso parece ser a visão mercadológica de
Tom, ciente de que nos EUA a leitura musical no mundo do jazz se dá quase que
invariavelmente em 4/4 como demonstram os Real Book,, em suas diversas edições,
Book, etc. Como Donato também viveu naquele país por
The New Real Book, Fakee Book,
mais de 10 anos, a motivação pode ser a mesma.
Outra possibilidade é a presença significativa da música latina em seu
trabalho, que também tem a colcheia como figuração de subdivisão recorrente na
escrita.
ita. Interessante ainda que se notem
not realmente poucas sincopas típicasiii no ritmo
de suas melodias, muito embora esse possa ser mais um traço de uma escrita
“paradigmática”, por assim dizer, do que uma escrita que pretende se aproximar da
execução real. Valee dizer,
dizer, a escrita sem muitas síncopes dá margem para que o
intérprete a execute das mais diversas formas.
Apenas em seis peças se encontram a figura
semicolcheia/colcheia/semicolcheia e cinco em que se pode ver a mesma figura
multiplicada por dois, ou seja,
seja, colcheia/semínima/colcheia. Isso porque essa figuração
rítmica é tão presente em muitos gêneros nacionais populares e folclóricos que Mario
de Andrade chegou a chamá-la
chamá de “brasileirinha” (ANDRADE,
ANDRADE, 1962).
1962 Em nosso
conjunto de canções aqui abordado temos
temos seis onde aparecem a primeira e cinco onde
aparecem o segundo tipo de sincopa respectivamente,
respectivamente ou seja, 11 em 52, portanto
pouco recorrente.
Outro aspecto tratado como importante no nível composicional,
composicional porém de viés
mais estético, dentro do universo aqui
aqu recortado é descrito pelo próprio Chediak da
seguinte maneira:
Ora, parece quase ingênuo afirmar que a noção de “motivo”, tão cara a uma
visão eurocêntrica da música,
música que tem em Beethoven o compositor paradigmático na
exploração desse recurso na música tonal ocidental, seja uma característica específica
de João Donato. Segundo Schoenberg, “usado de maneira consciente, o motivo deve
produzir unidade, coerência, lógica, compreensibilidade e fluência do discurso”
(1991, p. 35), entretanto, o que se passa é que essas canções fazem uso de um único
motivo ou de uma única frase que se repete em variações que, desse modo, poderiam
ser chamadas de “mono-motívicas”
motívicas” ou “mono-frásicas”.
“mono
Este
ste também não é um recurso exclusivo de João, como se pode notar em
inúmeras músicas
úsicas como “Autumn Leaves” (J. Kosma) ou “Imagem” de Luiz Eça.
Talvez a singularidade esteja
este na junção insistente desse recurso com o aspecto
rítmico, o que aponta mis uma vez para o elemento imponderável do swing.
swing
Além disso, o que se poderia detectar como características generalistas do
Donato compositor? Assim como no nível da improvisação, há uma afirmação de que
o acreano carioca trabalhe numa estética de “simplicidade
“simplicidade e beleza”, segundo Souza
(1999), Chediak (1999) e ainda, como se pode ler no verbete dedicado a ele na
Enciclopédia Itaú Cultural, “quando improvisa é simples, tocando poucas notas, e
sofisticado, escolhendo com cuidado as notas que vai tocar”.
Pelo que se afirma há uma relação estreita entre a maneira como que se
entende seu universo composicional e,
e ao mesmo tempo, como se interpreta sua
habilidade como improvisador. Mas seria isso verificável composicionalmente?
As melodias várias vezes mantém a mesma
mesma estrutura rítmico-fraseológica,
rítmico
inclusive nas partes “B” das peças, onde se esperaria um contraste. Tal contraste
acontece, mas se verifica muito mais no
n nível harmônico,, como em A Bruxa de
sabe Nua Ideia, e ainda estamos na letra
Mentira, A Rã, Até quem sabe, tra “a” do índice de
nosso objeto.
Outro aspecto que chama atenção é um detalhe em particular em cada peça
que adiciona certa personalidade as mesmas.. Como exemplos, podemos citar a quebra
métrica de Bananeira,, onde no último compasso do ciclo de oito da parte “A”, temos
o movimento dominante/tônica no mesmo compasso, quando seria de se esperar que a
tônica
nica só aparecesse novamente no primeiro compasso do ciclo.
ciclo
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- Livro
ANDRADE, Mario de. Ensaio sobre a Música Brasileira.
Brasileira. São Paulo: Livraria
Martins Fontes, 1962
- Artigo em Periódico
PIEDADE, A.T.C..Jazz,
Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. Opus: Revista
da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
Pós em Música – ANPPOM,
ANPPOM/Ed da Unicamp, v. 11, n. 1, p. 113-123,
113 2005.
- On-line
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JOÃO Donato. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12534/joao donato>. Acesso em: 09 de
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12534/joao-donato>.
Nov. 2019. Verbete da Enciclopédia.
i
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12534/joa
https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa12534/joao-donato , acessado em 15/11/2019 e
https://osomdovinil.org/joao-donato
donato-quem-e-quem-2/, acessado em 15/11/2019.
ii
Cada músico ou agrupamento traz diferentes células rítmicas ou mesmo diferentes nuances na
execução destas.
iii
Àquelas de subdivisão de semicolcheia,
semicolcheia, ou seja, semicolcheia/colcheia/semicolcheia.
semicolcheia/colcheia/semicolcheia