Self-Improvement">
Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Canto e Sexualidade PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 86

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO VILLA-LOBOS
LICENCIATURA PLENA EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA
HABILITAÇÃO EM MÚSICA

SOLTANDO OS NÓS

AS REPERCUSSÕES CORPORAIS DA REPRESSÃO DA SEXUALIDADE NA


INFÂNCIA E SUA INFLUÊNCIA NA APRENDIZAGEM DO CANTO.

MARIA EDUARDA FADINI

RIO DE JANEIRO, 2006


Soltando os nós

As repercussões corporais da repressão da sexualidade na infância


e sua influência na aprendizagem do canto.

por

MARIA EDUARDA FADINI

Monografia apresentada para conclusão do


curso de Licenciatura Plena em Educação
Artística: Habilitação em Música da UNI-RIO,
sob a orientação da Professora Mestre Vilma
Barbosa-Soares e Co-orientação do Professor
Helder Parente Pessoa.

Rio de Janeiro, 2006

ii
FADINI, Maria Eduarda. Soltando os nós: As repercussões corporais da repressão da
sexualidade na infância e sua influência na aprendizagem do canto. 2006. Monografia
(Curso de Licenciatura Plena de Educação Artística com Habilitação em Música), Instituto
Villa-Lobos, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO

Analisamos oito casos de alunos de canto popular que, apesar de procurarem as


aulas por motivos diversos, apresentavam uma série de características emocionais e
corporais em comum. Entendemos essas características como representando verdadeiros
"nós", que lhes dificultam a consecução das metas desejadas. Isso nos levou a refletir sobre
se, e como, o processo de aprendizagem do canto poderia contribuir para desfazer tais
nós.Visto que variadas reações pareciam despertadas pelo canto, voltamo-nos para estudos
na área de Psicologia, além da técnica vocal. Isso porque as tensões parecem ligadas por
um único fio, tecido na infância, durante o processo de desenvolvimento da sexualidade, e
se referem tanto à auto-aceitação quanto à relação com o próprio corpo. O professor de
canto depara-se diariamente com questões emocionais, que ultrapassam o campo da
técnica, e que, entretanto, necessitam de atenção para que o aluno progrida.

Não pretendendo transformar as aulas de canto em um tipo de terapia, é-nos


impossível evitar o impasse: como conduzir esse aluno que traz questões outras além da
busca de aperfeiçoamento técnico, e que é por tais questões perturbado na consecução desse
próprio aperfeiçoamento? Como um profissional cuja qualificação se baseia na fisiologia da
voz e na técnica da voz cantada pode lidar com um aluno que, antes de aprender a lidar com
o seu aparelho vocal precisa aprender a lidar com o seu corpo como um todo, com todas as
repercussões emocionais que carrega? Como acessar a voz de uma pessoa cujo corpo foi
aprisionado ao longo dos anos? Como desencadear esse processo sem ocupar uma função
terapêutica, para a qual um professor de canto não é preparado?

Palavras-chave: música – canto – psicologia – bioenergética – fisiologia da voz

iii
Quem canta seus males espanta.
(Ditado popular)

O prazer e a alegria da vida são inconcebíveis sem luta,


sem experiências dolorosas e desagradáveis auto-avaliações.
(Wilhelm Reich)

iv
DEDICATÓRIAS

Dedico este trabalho,


fruto de anos de estudo em busca de
respostas...

Aos meus professores, que além de me proporcionarem o


aprimoramento técnico e artístico como cantora, me ensinaram a
aprender e a ensinar, Patricia Bosio, Maria de Lourdes Cruz Lopes,
Helder Parente, Julio Moretszohn, Inácio de Nonno e Jorge
Chaminé.

A todos os meus alunos, por me fazerem compreender o canto como


algo maior e mais amplo do que eu mesma poderia supor e por me
fornecerem farto material humano de pesquisa, trabalho e
aprendizado.

À minha querida amiga, cantora, professora de canto, bailarina e


atriz, Márcia Cabral, por seu exemplo de técnica e profissionalismo.

À minha mãe, Gloria e minha avó, Dulce, por terem cantado


lindamente para mim durante toda a minha infância.

Ao meu marido, Roberto Bahal, meu parceiro, na música e na vida,


por não perder o ânimo nos momentos mais difíceis.

v
AGRADECIMENTOS

Aos meus orientadores, Vilma Barbosa-Soares e Helder Parente Pessoa, por toda a
dedicação, por todo o carinho, por todo o material de estudo, por ampliarem e
aprofundarem minha perspectiva profissional e intelectual, por compartilharem com tanto
entusiasmo da gestação desse trabalho, por lerem, relerem e revisarem pacientemente
palavra por palavra dos meus “longuíssimos” períodos; e principalmente, por acreditarem
nessa “missão impossível”.

À minha professora de análise musical, Carole Gubernikoff, por me devolver o prazer e a


coragem de aprender.

Aos meus professores de teatro, Tatiana Motta Lima, Rubens Lima Jr. e Luciano Maia, por
colocarem meu corpo de pé.

A Sérgio Britto, Maria Tereza Amaral e Regiana Antonini, por colocarem no palco a atriz,
que tanto ensinou à cantora.

À minha irmã, Carol Fadini, atriz e graduanda em psicologia, por seu apoio e participação
crítica, ativa e criativa, pelo farto fornecimento de livros na área psicológica e pela revisão
dos textos.

À minha irmã de alma, Lys Araújo, musicista, regente de coro, professora de canto, atriz e
clown, por todas as “traduções” e por compartilhar idéias e ideais.

À Isabel Grau, Chefe da Biblioteca Setorial do CLA, por sua amizade e apoio de sempre.

Ao Prof. Dr. José Nunes, por sua inestimável compreensão e orientação em todos os
aspectos.

Ao Dr. Marcos Sarvat, por sua preciosa orientação na área de fisiologia da voz.

À Editora Antroposófica, pela doação de material de pesquisa à Biblioteca da UNI-RIO.

À Profª Drª Adelina Rennó, por sua atenção.

Ao meu querido amigo, Leonardo Taveira, cantor, pelo suporte teórico e bibliográfico.

À companheira de sempre, Martha Abrantes por seu socorro e apoio no desespero dos
momentos iniciais.

A Luciano Alves, pelo agradável espaço de trabalho.

Às amigas Valéria e Ticiana pela torcida.

vi
E, last but not least, one more time, meu marido Roberto Bahal, por absolutamente tudo.

Sumário

Introdução .................................................................................................................... 1

Metodologia de pesquisa ............................................................................................. 3

Capítulo I - Sobre o canto ........................................................................................... 4


1.1 - Fisiologia da voz .............................................................................. 5
1.2 - O aparelho fonador .......................................................................... 8
1.3 - Respiração ........................................................................................ 11
1.4 - Postura ............................................................................................. 13
1.5 - Técnica vocal ................................................................................... 15
1.6 - Musicoterapia .................................................................................. 18
1.7 - Cantoterapia ..................................................................................... 20

Capítulo II - Bioenergética ......................................................................................... 22


2.1 - Reich e a Orgonomia ....................................................................... 22
2.2 - Lowen e a Análise Bioenergética .................................................... 26

Capítulo III - Soltando os nós .................................................................................... 29


3.1 - Metodologia aplicada ..................................................................... 29
3.1.1 - Descrição resumida ..................................................................... 30
3.1.2 - Descrição comentada .................................................................... 31

Capítulo IV - Casuística ............................................................................................. 43


4.1 - Caso I ............................................................................................... 43
4.2 - Caso II .............................................................................................. 46
4.3 - Caso III ............................................................................................ 49
4.4 - Caso IV ............................................................................................ 53
4.5 - Caso V ............................................................................................. 56
4.6 - Caso VI ............................................................................................ 60
4.7 - Caso VII ........................................................................................... 64
4.8 - Caso VIII ......................................................................................... 68

Considerações Finais ................................................................................ 71

Conclusão ..................................................................................................................... 73

Referências ................................................................................................................... 76

vii
1

INTRODUÇÃO

Este trabalho busca compreender melhor os motivos que levam algumas pessoas a
procurar aulas de canto, apesar de se autodenominarem desafinadas ou com voz feia, e muitas
vezes sem parecer acreditar efetivamente que lhes seja possível cantar. Trataremos da
aprendizagem do canto em adolescentes e adultos a partir de uma abordagem que entende
certas dificuldades de aquisição de conhecimento como oriundas de causas emocionais, e,
portanto, nem sempre removíveis apenas com intervenções técnicas. Não cuidaremos de
desafinação, problemas rítmicos ou disfonias, mas consideraremos as repercussões corporais
das questões psicológicas decorrentes das repressões sofridas na infância.

Segundo a visão da Bioenergética, as repressões sexuais às quais a criança é


submetida durante seu processo evolutivo podem gerar situações de tensão crônica, que
produzem respostas corporais e de atitudes semelhantes a aprisionamentos, constituindo
verdadeiros "nós". Definem-se assim padrões de conduta de caráter inconsciente, cujo rigor
repercute pela vida afora, e que podem representar impedimentos os mais variados nas
escolhas dos indivíduos. Interessa-nos saber porque, por exemplo, quando o professor de
canto se aproxima de determinados pontos de tensão, que favoreceriam a liberação desses nós,
alguns alunos abandonam as aulas.

Baseados nesses estudos, e calcados na nossa prática pessoal, apresentamos uma


forma de compreender o aluno que identifica suas tensões corporais limitadoras e oferece ao
professor de música - que não tem como objetivo a prática da musicoterapia ou cantoterapia -
algumas sugestões para ajudar esse aluno a encontrar-se como um corpo que canta. Isso pode
ocorrer de uma forma natural, que facilite o trabalho de ambos. Segundo a Professora Silvia
Sobreira, “...os problemas psicológicos podem interferir tanto no campo da percepção quanto
no da produção e talvez da memória. O professor de música não é um profissional da área da
psicologia e não está habilitado para tratar desse tipo de assunto, mas isso não significa que
ele não possa fazer algo para ajudar...”1

1
Sobreira, Silvia. Desafinação Vocal. 2003, p. 85
2

A literatura que abordasse com profundidade tais questões mostrou-se escassa na


área de música. Buscamos então nas leituras psicológicas o suporte para melhor compreender
as citadas repercussões corporais das repressões sofridas na infância. Encontramos autores, na
área de música e na de psicologia, que afirmam que a voz é o representante máximo do ser
humano, carregando em si informações preciosas sobre a sua história e o seu estado atual. Por
isso, há necessidade de o professor de canto ter cautela ao lidar com seus alunos, pois uma
aula de canto sempre será mais do que uma aula simplesmente técnica, mesmo quando os
alunos em questão sejam profissionais da área.

Para nortear nosso estudo serão analisadas obras nas áreas específicas de técnica
vocal, musicoterapia e psicologia, esta voltada para a compreensão das repressões, formação
da sexualidade e terapias corporais. Serão descritos casos de alunos de canto popular, numa
faixa etária de 15 a 63 anos, onde se verificam as referidas repercussões da repressão sexual
infantil no aprendizado do canto.

As questões técnicas e psicológicas serão tratadas com igual importância. Para


isso, estabelecemos parâmetros de comparação, de acordo com características compartilhadas,
de situações onde o canto desperta reações várias, que parecem ligadas por um único fio, que
interpretamos como tecido fortemente entre a infância e a sexualidade. Por exemplo, as
críticas dos pais sobre a qualidade vocal dos filhos, as repressões ao modo destes ao falar ou
cantar, podem gerar inseguranças, que virão se refletir em diversas áreas da vida adulta, tanto
física quanto emocionalmente. Mais tarde, as pressões sociais exigirão talvez também um
“enquadramento” a normas pré-estabelecidas, o que pode enrijecer ainda mais determinadas
respostas do jovem.

Porém, provavelmente nem os pais nem os demais integrantes dos círculos sociais
da criança avaliam o peso de suas palavras e ações, que muitas vezes parecem não ter
importância. São, com freqüência, as afirmações feitas de forma despretensiosa que geram os
nós, que serão como couraças que as pessoas carregarão por toda a vida, e das quais muitas
vezes tentarão se livrar sem sucesso. O jovem deve poder crescer criando gradativamente
sobre si mesmo o seu próprio olhar. Isso o levará a tornar-se um adulto capaz de administrar
de forma confiante as críticas sofridas durante os seus anos de dependência, e assim construir
condições de ser livre para viver suas escolhas e suportar suas limitações.
3

Normalmente, é em busca desse desatamento - do entendimento dessas escolhas,


limitações e possibilidades verdadeiras - que pessoas que se definem como desafinadas - e
tantos outros adjetivos pejorativos - chegam às aulas de canto. O professor vê-se então num
impasse: como conduzir esse aluno que tão evidentemente traz questões outras, além da busca
de aperfeiçoamento técnico? Como pode um profissional, cuja qualificação baseia-se no
estudo da fisiologia da voz e da técnica da voz cantada, ensinar a um aluno que, antes de
aprender a utilizar o seu aparelho vocal de modo consciente, precisa aprender a lidar com o
seu corpo como um todo, com todos os reflexos emocionais que carrega? Como desencadear
esse processo sem ocupar uma função terapêutica para a qual um professor de canto não é
preparado? Como acessar a voz de uma pessoa cujo corpo foi aprisionado ao longo dos anos?

METODOLOGIA DE PESQUISA

Serão analisados e comparados casos de oito alunos de canto, numa faixa etária de
15 a 63 anos, sendo seis inscritos no curso de canto popular, em um curso livre na cidade do
Rio de Janeiro, e dois alunos particulares. Suas características serão descritas e analisadas a
partir da observação de sua evolução durante as aulas de canto. Faremos uso também de
material bibliográfico nas áreas de música - mais especificamente técnica vocal, fisiologia da
voz e musicoterapia - além de pedagogia, psicanálise e psicologia voltada para a
bioenergética.

*
4

CAPÍTULO I - SOBRE O CANTO

Descobre-se, ou melhor, redescobre-se a importância da função vocal


na estrutura da personalidade. “Descobrir a própria voz” torna-se,
algumas vezes, sinônimo de encontrar o próprio equilíbrio
psicológico.2 - Cornut (1993)

O ato de cantar, sob o ponto de vista funcional, é diferente do ato de falar: esta é a
razão pela qual é preciso o domínio de técnica para desenvolver adequadamente essa
atividade. O controle central do canto está localizado numa área específica do cérebro, sendo
regido pelo hemisfério direito e o trabalho muscular desenvolvido pelo canto ocorre de modo
diferente daquele da fala (sendo necessário, em certos casos, trabalhar-se também a voz falada
através de fonoterapia). Essa característica, porém, não faz com que a fala e o canto estejam
obrigatoriamente dissociados, no que diz respeito à expressão emocional do indivíduo. A voz,
como um todo, é um instrumento privilegiado de expressão da individualidade humana,
carregando em si características particulares e evidenciando também questões emocionais,
mesmo sem a percepção do próprio sujeito.3

Muitos profissionais da área de canto concentram-se apenas nas questões técnicas


para um bom desempenho. A literatura pesquisada, dedicada ao estudo do canto, evidencia
uma dissociação entre “o instrumento cantor” e “o indivíduo cantor”. Os autores que levam
em consideração as questões emocionais, por sua vez, pouco se detêm sobre o aspecto
técnico, tratando das conseqüências sem lhes observar as causas. Estas são, obviamente,
anteriores às tensões corporais, por exemplo, que geram os desequilíbrios posturais, dos quais
decorrem a ineficiência respiratória e os problemas de emissão vocal.

Ao cantar, porém, tanto o profissional quanto o amador trazem outras questões


além daquelas simplesmente técnicas. O ato de cantar representa uma forma de expressão
ampla, onde podem emergir questões emocionais profundas, em um modo que é também não-
verbal. A necessidade de “descobrir a própria” voz torna-se, algumas vezes, sinônimo de
encontrar o próprio equilíbrio psicológico4. Por isso, ao atuar como profissional do ensino de

2
Cornut, Guy. Prefácio da Edição Francesa In: Dinville, Claire. A Técnica da Voz Cantada. 1993, iii
3
Gouveia, Lidia Maria de. A Fonoaudiologia e o Canto. Universidade Cruzeiro do Sul:
www.geocities.com/Vienna/9177/fonocanto.html
4
Op Cit Cornut (Grifo nosso)
5

técnica vocal, não é possível tratar o aluno apenas como um instrumento composto de tecidos
e órgãos. Em grande parte dos casos as deficiências apresentadas pelo aluno residem no
campo emocional, e se refletem fortemente no corpo, através de tensões localizadas, que
geram problemas com a respiração, emissão e afinação. Mais tarde essas dificuldades podem
vir a se transformar em disfonias, rouquidão e fadiga vocal, podendo chegar a lesões nas
pregas vocais.

Segundo Reich e Lowen, as questões emocionais resultantes de repressões sofridas


durante a infância irão se refletir no corpo, em graus variados. De modo que todas as funções
fisiológicas ligadas ao canto encontram-se sensíveis a elas. O aluno de canto traz consigo,
como todas as pessoas, questões psicológicas, e muitas se evidenciam através do seu
“comportamento corporal”, podendo afetar a consecução de suas metas musicais; daí a
necessidade de o professor ter uma visão mais completa desse processo, encaminhando o
trabalho vocal de modo a acolher nele também as questões emocionais.

1.1 – FISIOLOGIA DA VOZ

Este é um instrumento [de mucosas, ligamentos, músculos,


cartilagens, nervos, sangue e energia]5, produzindo sons no interior de
um corpo vivente, exposto a todas as emoções, a todas as
enfermidades e a todos os sofrimentos psíquicos e físicos que
infestam o homem.6 Teixeira (1970)

É fundamental para o professor de canto estar bem informado acerca da fisiologia


da voz, pois sem esse conhecimento não lhe é possível transmitir as técnicas adequadas ao seu
uso, nem analisar as necessidades particulares de cada indivíduo. Somente assim podemos
reconhecer as limitações fisiológicas do aluno, identificando, através das características da
voz, que providências técnicas, ou de encaminhamentos terapêuticos, devem ser tomadas em
cada caso. Apesar de a voz, a fala e conseqüentemente o canto, serem componentes naturais
no desenvolvimento do indivíduo, precisamos analisar alguns aspectos fisiológicos para que
seja possível uma visão mais abrangente do ato de cantar.

5
Sarvat, Marcos. Médico otorrinolaringologista, em depoimento pessoal. (2006) - (Correção do texto original:
“de sangue, de nervos, de músculos, de cartilagens, etc.”)
6
Teixeira, Sílvio Bueno. Estudos sobre a voz cantada. 1970, p. 112
6

Entende-se que um ser humano normal, ou seja, que não manifeste limitação
física ou psíquica que comprometa sua fala, audição ou cognição, esteja apto a desenvolver
uma linguagem e o canto, dentro dos padrões culturais e educativos a que esteja submetido.
Porém, originalmente, o aparelho fonador, em sua estrutura, não apresenta a função específica
da fala e muito menos do canto: ele “não constitui um órgão sensorial ou motor especialmente
adaptado à fonação, isso resulta de uma organização especial dos centros nervosos”.7 “Tudo
nele é uma combinação do aparelho respiratório e parte do aparelho digestivo.”8 A laringe e
as cordas vocais, principais responsáveis pela produção do som, sequer teriam sido
“projetadas” para emiti-lo. Elas fazem parte da deglutição e da respiração como um sistema
de proteção do aparelho respiratório, permitindo a passagem de ar e funcionando como um
bloqueio de modo a não haver obstrução do canal respiratório por alimentos ou saliva.
Marcos Sarvat, frisa que a voz esofágica, desenvolvida por pacientes laringectomizados (que
tiveram removida a laringe) e recuperam a capacidade de falar é uma prova de que o ser
humano é capaz de adaptações profundas no que diz respeito à sua fisiologia.9 “Falamos com
o cérebro e não apenas com a laringe”.10

Além disso, esses dois aparelhos a serviço da voz, têm sempre algumas de suas “peças” em
constante trabalho e não repousam nunca, nas vinte e quatro horas do dia. O diafragma dia e noite
durante a vida toda, não cessa movimentos inspiratórios, chegando a elaborar no correr da vida,
meio trilhão de movimentos, mais ou menos.

A língua e outros órgãos da boca, com suas funções digestivas, trabalham em completo desacordo
com que devem agir durante a fonação. Acordado ou dormindo, muitos e muitos movimentos
desses órgãos são prejudiciais e antagônicos à correta e perfeita produção da voz cantada. (...) O
aparelho fonador, quando não está em função, mastiga, ronca, escarra, tosse, chora, ri, pigarreia,
grita, provoca ruídos estranhos, soluça, estala os lábios, beija, assopra, assobia, funga, etc. Não
tem repouso nunca. Em vigília, está a serviço do pensamento, transmitindo imagens e mensagens
através da fala. (...) Em tudo e por tudo o instrumento vocal leva desvantagem sobre os demais que
servem à arte musical.

O violinista, após seus estudos ou execuções públicas, guarda cuidadosamente, seu violino na
caixa própria e o coloca em lugar indicado à sua proteção e conservação.

O instrumento vocal não pode gozar dessa regalia (...) e a sua preservação é mais difícil. Sofre
todas as influências decorrentes de irregular saúde e tudo reflete na voz que é a balança de
emoções, da vida psíquica, da vida mental, da nossa saúde.11 Qualquer enfermidade, seja de
que natureza for, poderá afetar a voz, prejudicando-a sensivelmente, alterando-lhe as qualidades
naturais. 12- Teixeira (1970)

7
Garde, Edouard. La Voix, Paris. 1970, p. 05
(...) ne constitue pas un organe sensoriel ou moteur spécialement adapté à la phonation, laquelle résulte en
definitive d”une organisation spéciale des centres nerveux.
8
Op. Cit. Teixeira. p. 60
9
Sarvat, Marcos. Médico otorrinolaringologista, em depoimento pessoal. (2006)
10
Ibid. (Grifo nosso)
11
Grifo nosso.
12
Teixeira, Sílvio Bueno. Estudos sobre a voz cantada. 1970, p. 60 - 62
7

Outro aspecto fundamental da fisiologia da voz refere-se à respiração. No que diz


respeito ao canto, ela não ocorre de modo natural, seguindo os padrões fisiológicos
involuntários da inspiração e expiração; vamos nos deter nisso mais adiante.

É comum, entre profissionais da voz cantada, o comentário “jocoso” de que


“cantores são os únicos músicos que tocam um instrumento que não foi feito para cantar e
normalmente apresenta algum defeito”. A descrição acima nos mostra a complexidade dos
processos fisiológicos e psicológicos que atuam constantemente sobre o aparelho fonador,
gerando alterações muitas vezes tão sutis quanto maléficas, que poderão acarretar lesões ou
até mesmo bloqueios de origens não somente físicas como também emocionais. Em
compensação, opina Marcos Sarvat, o reparo ou conserto se faz de modo natural na maior
parte das ocorrências, dispensando manutenções ou procedimentos complexos. Na maior
parte dos casos, repouso, alimentação e hidratação são suficientes para garantir a recuperação
do instrumento.

Podemos então compreender que, devido à necessidade de adaptação e de interação


com o meio ambiente físico e social, o homem fez dos sons emitidos naturalmente pelo seu
organismo uma forma de expressão e de linguagem, chegando, enfim, ao canto como
manifestação mágica de sua essência. Durante esse processo, ocorreu a manipulação do corpo
como um instrumento capaz de produzir sons específicos, ordenados de modo lógico, levando
a uma adaptação orgânica que, embora parta de uma ação fisiológica complexa, é inerente a
qualquer ser humano.
8

1.2 – O APARELHO FONADOR13

“Porque, se alguém faz o devido barulho com a sua laringe, esse


alguém fala e canta com o seu cérebro.” 14 - Edouard (1970)

figura 1 - aparelho fonador15

13
Cabral Rocha, Filomena, et al, Técnica vocal: guia básico para professores. 2002
www.iil.pt/Ficheiros/TECNICA_VOCAL.doc
14
Garde, Edouard. La Voix. 1970, p. 05 “Car si l’on fait du bruit avec son larynx, on parle et on chante avec son
cerveau.”
15
www.ocorpohumano.com.br
9

figura 2 - aparelho fonador16

16
www.zainea.com/voices
10

O corpo humano não possui um aparelho exclusivamente destinado à produção de


sons. O que conhecemos por aparelho fonador é, na verdade, uma ação conjunta de vários
órgãos, que, atuando em harmonia, tornam possível a emissão sonora organizada. Podemos
dividi-lo em cinco partes, de modo a tornar clara a compreensão de suas funções específicas:

PRODUTORES
Os pulmões, traquéia, diafragma, músculos intercostais, músculos abdominais, e
músculos extensores da coluna são responsáveis pela coluna de ar que pressiona a laringe,
fazendo vibrar as cordas vocais e produzindo som.

VIBRADORES
A laringe e cordas ou pregas vocais que através da vibração provocada pela
coluna de ar produzem o som fundamental.

RESSONADORES
[A faringe (hipo, oro e nasofaringe), os seios paranasais, as fossas nasais e a
boca]17 ampliam o som através da ressonância.

ARTICULADORES
Lábios, língua, palato mole, palato duro e maxilar inferior articulam e dão forma e
sentido fonético ao som.

SENSORES / COORDENADORES
O ouvido capta, localiza e conduz o som, enquanto o cérebro analisa, registra e
arquiva o som, sendo responsáveis pela lógica, [ritmo e encadeamento]18 do discurso falado
ou cantado.

17
Op. Cit. Sarvat (2006) - (Correção do texto original: “Os seios perinasais: fossas nasais, sinus frontais,
esfenoidais, etmoidais, mastóides; faringe e boca”)
11

1.3- RESPIRAÇÃO19

Os bebês são capazes de berrar horas seguidas sem que se machuquem ou


percam sua voz (...) em resposta a qualquer estímulo que o faça berrar,
simplesmente berra. Porque o bebê não aprendeu o seu próprio
funcionamento, ele usa o seu corpo da maneira para que foi designado (...)
Nós podemos dizer que o bebê faz um “bom uso” do seu corpo. 20 -
McCallion - 1998

Quando a respiração se torna difícil, deveríamos abandonar tudo para


novamente voltarmos a respirar com facilidade. (...) Esse tipo de respiração
pode ser observado em crianças pequenas e animais, cujas emoções não
foram bloqueadas.21 - Lowen - 1984

Sob os pontos de vista fisiológico, técnico e emocional, a respiração é uma função


vital. O oxigênio que respiramos fornece a energia para que nosso corpo mantenha-se em
movimento. Uma respiração pausada, profunda e tranqüila mantém o organismo oxigenado e
equilibrado. Uma respiração curta e ineficiente gera ansiedade e tensão, alterando a postura e
as formas de expressão do indivíduo. De um modo geral, todos nós respiramos mal e não nos
damos tempo de perceber o ritmo adequado do ciclo inspiração-expiração. Buscamos impor
ao nosso corpo um ritmo que consideramos adequado ao “nosso modo de vida”, sem nos
darmos conta dos efeitos negativos que isso pode provocar.

No que diz respeito à técnica vocal, a respiração adequada ao canto deve ser
ampla, silenciosa e controlada, fazendo com que a entrada e a saída ar estejam equilibradas.
Ao proceder a inspiração instintiva o diafragma se distende, enchendo os pulmões de ar, e na
expiração se retrai, provocando a saída do ar. No canto, travamos uma “luta” com as
necessidades fisiológicas de nosso corpo, fazendo com que, uma vez expandida a cavidade
torácica para a inspiração plena, a distensão do diafragma se mantenha ao máximo até o fim
da expiração, de modo a controlarmos a saída de ar e conseqüentemente a produção sonora.

18
Ibid - (Adicionado ao texto original)
19
O texto a que se refere o item Respiração foi redigido tomando-se como base McCallion - The Voice Book;
Miller - The Structure of Singing - 1998; Lowen, Alexander - Exercícios de Bioenergética -1985 e relacionado a
experiências adquiridas ao longo de dez anos de prática de como professora de canto.
20
McCallion - The Voice Book - 1998, p. 03 e 04
“Babies can scream for hours and not hurt themselves or lose their voices. (…) in response to whatever stimulus
is provoking it to yell, just does it. Because the baby hasn’t learned to get in the way of its own efficient
functioning, it uses its body in the way it was designed to be used. (…) we may say that the baby has GOOD
USE(…)”
21
Lowen, Alexander- Exercícios de Bioenergética -1985, p. 29 e 35
12

Nesse tipo de respiração controlada, durante a inspiração os pulmões se enchem de


ar a partir da distensão do diafragma, promovida pelo trabalho consciente da musculatura
intercostal, provocando a expansão lateral das costelas. A musculatura abdominal também
sofre uma distensão lateral e deve estar estabilizada, para que seja possível perceber o trabalho
muscular interno para a sustentação do diafragma, sem que haja elevação do peito ou
estufamento do abdômen, mantendo-se ombros e pescoço relaxados. Ao expirar, toda a
musculatura envolvida deve permanecer expandida como na inspiração, de modo a
proporcionar a manutenção do ar a ser expelido, gerando um controle sobre a respiração plena
e parcial.

A força muscular aplicada à respiração adequada ao canto exige uma expansão


lateral e uma sustentação da qual participa todo o tórax e também a musculatura abdominal.
Ao realizar essa expansão atingem-se as áreas laterais e baixas do abdômen e a região pélvica,
provocando uma maior tonicidade em toda essa musculatura. Segundo Miller, a alternância de
tensão e relaxamento muscular depende da presença da flexibilidade. O bom canto combina
tanto força quanto flexibilidade.22 Essa estabilização proporciona ao aluno uma postura
equilibrada, através da qual ele pode gradativamente ir se libertando das tensões musculares e
obtendo uma respiração plena e consciente.

É comum, no início das aulas, os alunos apresentarem não apenas dificuldades de


compreender esse mecanismo, mas também de executá-lo, pois o consideram antinatural.
Poderão também apresentar tonturas, formigamentos nos braços e pernas e, em casos
extremos, sensação de desmaio. Esses sintomas desaparecem com o tempo e são resultado de
uma maior oxigenação, provocada pela respiração controlada e plena. Existe aí apenas uma
questão de adequação do organismo a uma quantidade maior de oxigênio. Com o treinamento
sucessivo e a observância dos resultados, é fácil provar-lhes que, apesar de parecer uma ação
contraproducente do ponto de vista fisiológico, a possibilidade de manutenção do ciclo
inspiração - expiração faz com que seja possível um controle maior da emissão da voz, agindo
sobre as ressonâncias, sobre a estabilidade do som e sua afinação.

22
Miller The Structure of Singing - 1998, p. 41 (Grifo nosso)
13

1.4 - POSTURA23

O ventre é literalmente o assento da vida. O corpo se senta na bacia


pélvica. Através da pélvis, o indivíduo tem contato com os órgãos sexuais
e as pernas. É também na barriga que o indivíduo é concebido, e da barriga
ele desce e emerge para a luz do dia. A perda de contato com este centro
vital desequilibra a pessoa e produz ansiedade e insegurança. 24- Lowen
(1985)

Ao longo da vida são estabelecidos padrões de postura, de acordo com a maneira


de andar, sentar, ficar de pé ou carregar coisas. Os desvios posturais podem ocorrer desde a
infância, mas se agravam no início da vida escolar, quando a criança assume uma postura
estática durante muitas horas seguidas. Por isso, ela cria “ajustes” para se sentir mais
confortável ou para se sentir mais adequada ao padrão exigido pela família ou a escola. A
partir desse momento são construídos hábitos corporais, que mais tarde podem vir a interferir
no bom uso do próprio corpo e conseqüentemente da voz. Infelizmente, durante a vida toda o
corpo recebe tensões diversas, provocadas por todo tipo de stress, convenções sociais ou maus
hábitos posturais.

Uma má postura provoca tensões desnecessárias, dificultando a respiração e


desestabilizando o corpo como um todo, freqüentemente sem que a própria pessoa perceba,
pois o hábito faz com que o desvio seja “assimilado” como correto. Muitas vezes o aluno, ao
ser colocado na postura adequada ao canto, alega estar se sentindo torto: os seus padrões de
auto-reconhecimento foram “desajustados”. Segundo McCallion, em situações onde o corpo
responde a reflexos imediatos, como escorregar numa casca de banana, por exemplo, em
frações de segundos automaticamente há uma defesa que se ajusta de modo a não bater com a
cabeça no chão. Nesse momento não houve uma escolha de como agir e sim uma
movimentação muscular inconsciente e involuntária, como parte de um mecanismo de ação
puramente corporal.25

Na maior parte do tempo, os movimentos mais habituais são executados de modo


quase involuntário, pois ao realizar ações simples como caminhar, sentar ou levantar, a ação

23
O texto a que se refere o item Postura foi redigido tomando-se como base McCallion - The Voice Book; Miller
- The Structure of Singing; Lowen, Alexander - Exercícios de Bioenergética - 1985 e relacionado a experiências
adquiridas ao longo de dez anos de prática de como professora de canto.
24
Op. Cit. Lowen, Alexander, p. 26
25
Op. Cit. McCallion, p. 08
14

mental se concentra na vontade de executar o movimento e não em como executá-lo. Isso


acaba gerando uma sensação de que essa movimentação está correta, dificultando a detecção
de padrões de tensão. De certo modo, podemos dizer que a tensão passa e ser o estado
“natural” do corpo.

Ao abordar a questão postural do aluno devemos estar atentos às origens dos


eventuais desvios, fazendo com que ele possa se dar conta da sua postura e gradativamente
recupere o equilíbrio de seu corpo sem que seja “invadido” por uma percepção alterada de si
mesmo. É importante demonstrar que a boa postura favorece uma respiração plena e livre de
esforços desnecessários, estabilizando a emissão vocal e gerando sensação de bem-estar
generalizado. Não devemos impor correções posturais muito rígidas, nem esperar que os
padrões corporais sejam substituídos automaticamente ao identificá-los e corrigi-los. Isso
levará tempo, e deve ser feito modo sutil, levando o aluno a tomar consciência do
funcionamento do seu corpo, através da auto-observação e da observação da postura do
professor. Existe uma série de exercícios simples, que auxiliarão nesse processo, e que podem
ser executados durante as aulas e pelo próprio aluno em casa, sem riscos de que se machuque.

Numa boa postura, a cabeça, o pescoço, as costas e os quadris devem estar


alinhados; os ombros devem estar “encaixados” e suavemente alongados; a musculatura
abdominal deve estar firme, sem contrações ou distensões que desestabilizem a coluna; os pés
colocados paralelamente na linha dos quadris; os joelhos não deverão estar tencionados para
trás ou contraídos para dentro, sendo o ideal que estejam levemente flexionados. É preciso que
o aluno sinta a sua base firmemente “plantada” no chão, de modo a não exercer esforço algum
para manter-se de pé, pois o equilíbrio adquirido dará a ele a noção de que, para ficar de pé,
basta fazê-lo de modo relaxado, porém com firme sustentação abdominal.

Da mesma forma, é possível obter uma boa postura estando sentado. A cabeça, o
pescoço, as costas e os quadris estarão alinhados, mantendo-se a curvatura natural da coluna;
os ombros estarão “encaixados” e os braços levemente pousados sobre as pernas; a
musculatura abdominal estará firme e perfeitamente adaptada ao posicionamento do tórax; o
peso do corpo será distribuído sobre os ossos da base do quadril e mantendo-se as pernas
ligeiramente separadas, com os pés apoiados inteiramente no chão. Assim, poderá passar
longos momentos nessas posições sem que sinta qualquer tipo de desconforto. Com o passar
do tempo, o aluno levará para o seu dia-a-dia essa nova postura, incorporando reflexos desse
15

“novo corpo” em outras áreas de sua vida, fazendo com que, de uma forma sutil, todo o seu
organismo se reestruture através de uma nova e mais ampla consciência corporal.

Como exemplo disso, podemos citar o relato de um aluno que freqüentemente


ficava rouco após assistir aos jogos do seu time de futebol favorito e que aos poucos adquiriu
consciência da necessidade de manter uma boa postura e apoio respiratório até mesmo para
gritar durante as partidas. Segundo ele, agora “grita” muito mais alto e sem qualquer prejuízo
para sua voz. Na realidade, esse rapaz passou a “cantar” gol, ao invés de gritar de forma
abusiva e suas cordas vocais foram poupadas do mau uso desnecessário.

1.5 - TÉCNICA VOCAL

Entre o corpo e a voz existe uma íntima relação. É com eles que o cantor
exterioriza sua afetividade e desempenha o papel intermediário entre o
público e a obra musical. Mas para isso é preciso que ele possua uma
técnica precisa e impecável a fim de poder dominar as inúmeras
dificuldades que vai encontrar.26 - Dinville (1993)

Diferente do canto erudito, cuja técnica orienta-se por escolas de canto


consolidadas - como a escola italiana, a francesa, a inglesa e a alemã, que se destinam cada
qual a um estilo específico que obedece a padrões pré-estabelecidos - o canto popular surge da
intuição do povo, influenciado por sua cultura e por sua língua pátria, e não obedece a
nenhuma espécie de padrão que não seja a consonância com a contemporaneidade.27

Estudar o canto voltado para a música popular requer bom-senso, para se


aproveitar a técnica adquirida ao longo da história do canto erudito e usá-la como base para o
bom uso da voz. Pois, por mais que os padrões estéticos pareçam a princípio diferentes, talvez
mesmo antagônicos, tanto cantores líricos como cantores populares usam o mesmo
instrumento, seu próprio corpo, que necessita de cuidados especiais para se manter saudável e
obter uma boa performance.

26
Dinville, Claire - A Técnica da Voz Cantada - 1993, p. 4
27
Abreu, Felipe - Algumas características em geral associadas ao canto erudito e ao canto popular - Workshop
ministrado pelo GEV na Pro Arte no Rio de Janeiro em 1995.
16

Apesar de o canto popular privilegiar as características mais naturais do cantor,


permitindo o uso de particularidades vocais que privilegiam a espontaneidade e a
coloquialidade da emissão - que poderiam ser classificadas como deficiências, tais como voz
rouca, soprosa, gritos, sussurros, quebra de registro, voz de peito nas mulheres e o uso do
falsete pelos homens - há a necessidade do estudo da técnica, ao menos como suporte para sua
saudável execução. É possível, então, trabalhar a postura, em busca de uma respiração
adequada e um uso consciente da musculatura e das ressonâncias para um bom
desenvolvimento da voz para o canto popular.28

Segundo Dinville, “quando chega o momento de emitir a voz, o cantor deve


preparar-se física e mentalmente para cantar”.29 Nessa preparação mental, acentuaríamos o
aspecto emocional, o equilíbrio que permite ao aluno seguir as orientações de seu professor
com tranqüilidade, sem sobressaltos diante das surpresas provocadas pela experiência de lidar
com a sua voz de um modo novo.

Descrevemos anteriormente a postura adequada para uma respiração plena e


controlada e demos uma breve e sintética descrição do aparelho fonador; agora vamos pô-los
em ação.

O corpo, colocado numa posição adequada ao canto, ereta e livre de tensões, inicia
um trabalho muscular conjunto para a inspiração, distendendo o diafragma e proporcionando o
apoio respiratório; a laringe estabiliza-se, ampliando seu espaço interno a partir do
afastamento dos pilares laterais que elevam o véu palatino (ou palato mole) e ampliam a parte
posterior da faringe; a língua deve repousar o mais horizontalmente possível, sem provocar
nenhum tipo de obstrução. Então o corpo está pronto para a emissão que propagará a onda
sonora pela faringe e laringe, fazendo vibrar as cordas vocais. Esse som essencial tornar-se-á
inteligível de acordo com as articulações bucais e línguo-palatais, onde cada fonema receberá
uma fôrma, que a cada alteração implicará em um novo trabalho conjunto de todas as etapas
anteriores.

As ressonâncias serão percebidas internamente pelo aparelho auditivo, por


intermédio das vibrações das vias óssea e muscular, indicando qual o caminho percorrido

28
Op. Cit. Abreu
29
Op. Cit Dinville. p.43
17

durante uma longa escala, por exemplo. As sensações provocadas pela vibração da voz, dos
graves aos agudos, num glissando ascendente, percorrem como que um semicírculo, oriundo
da base da coluna cervical, que se propaga até o cume do véu palatino. São essas sensações
que deverão ser compreendidas pelo aluno para que ele possa, ao longo do estudo da técnica
vocal, adquirir conhecimento da sua compleição física e dos resultados das ondas sonoras em
seu corpo, podendo preparar os órgãos de ressonância e situar mentalmente o local onde a voz
irá vibrar antes mesmo de emiti-la.

Notas agudas necessitarão de um forte apoio diafragmático, uma laringe


firmemente estabilizada e expandida com os pilares laterais e o palato elevados, para a livre
ressonância apoiada através das cavidades superiores da face. Notas graves trabalharão com o
mesmo apoio diafragmático, com a mesma estabilização e expansão da laringe, porém os
pilares laterais e o palato, bem como toda a musculatura envolvida nesse processo, estarão
mais relaxados, necessitando assim de um trabalho muscular menos vigoroso, porém não
menos firme e preciso, gerando uma ressonância amplamente apoiada na parte média das
cavidades da face e posterior das cavidades cranianas.

Podemos notar que, tanto na técnica vocal destinada ao canto erudito quanto ao
popular, existem objetivos comuns a serem atingidos, como a correção da postura, a
estabilização do diafragma, a clareza da articulação, a correta emissão do som, a uniformidade
do timbre, a perfeição da afinação, a potência e o domínio da dinâmica vocal, de modo a
manter, em ambos os casos, a personalidade do indivíduo que produz a voz. Pois é isso que
diferencia um instrumento de outro: a personalidade de seu timbre.

A diferença é que na música popular não trabalharemos constantemente com a


impostação plena. Muitas vezes iremos além do registro considerado padrão em cada voz,
permitindo a emissão de sons mais “obscuros”, como graves com pouca projeção. Porém, com
a correta vibração, poderão ser usados sem prejuízo da performance, visto que o cantor
popular conta com o auxílio dos equipamentos de amplificação.

Uma boa técnica vocal proporciona, antes de tudo, tranqüilidade ao cantar, pois
corpo, intelecto e emoções estarão unidos harmoniosamente com um mesmo fim. O aluno
deve estar atento às imagens criadas pelo professor e transpô-las para si, de modo a coordenar
conscientemente esse enorme grupo de órgãos. E o professor, enfim, deve estar ainda mais
18

atento para compreender os processos individuais de cada aluno, sentindo imediatamente o


resultados de suas palavras e orientações e sendo capaz de guiá-lo nesse aprofundamento de
modo suave, sem impor-lhe prazos ou condições que não sejam adequados às suas
características particulares. Em suma, deve o aluno estar disponível à orientação do professor
e o professor estar sensível à “desorientação” do aluno, sendo capaz de adaptar seus
conhecimentos a cada indivíduo que encontrar pela frente.

1.6 – MUSICOTERAPIA

Integrar a música à terapia é integrar o corpo, porque a música é feita, dita,


tocada e cantada como manifestação corporal. E é buscar o corpo, os seus
gestos, posturas e estilos como engrenagem da história de um indivíduo,
isto é, da história de sua família, do seu setor social, da sua cultura. E
mergulhar no corpo leva necessariamente à relação do corpo com o corpo
do outro desenvolvendo um plano de encontro.30 - Fregtman - 1995

A Federação Mundial de Musicoterapia (WFMT) define a Musicoterapia como a


utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um
musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para facilitar e
promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e
outros objetivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às necessidades físicas, emocionais,
mentais, sociais e cognitivas. A Musicoterapia objetiva desenvolver potenciais e/ou
restabelecer funções do indivíduo para que ele ou ela possa alcançar uma melhor integração
intra e/ou interpessoal e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida pela prevenção,
reabilitação ou tratamento.31

Segundo Ruud, em musicoterapia a música tem como definição uma “linguagem


não-verbal”, sendo considerada como uma espécie de linguagem emocional capaz de atingir
áreas do [psiquismo]32 que processam informações que, por vários motivos, não comunicamos

30
Fregtman, Carlos Daniel. Corpo Música e Terapia. 1995, p. 17
31
World Federation of Music Therapy, (WFMT) 1996 - www.musictherapyworld.net/
“Music Therapy is the use of music and/or its musical elements (sound, rhythm, melody and harmony) by a
qualified music therapist, with a client or group, in a process designed to facilitate and promote communication,
relationships, learning, mobilization, expression, organization and other relevant therapeutic objectives in order
to meet physical, emotional, mental, social and cognitive needs. Music Therapy aims to develop potentials
and/or restore functions of the individual so that he or she can achieve better intra and/or interpersonal
integration and, consequently, a better quality of life, through prevention, rehabilitation or treatment.”
32
Correção feita pela Profa. Mte. Vilma Barbosa Soares, no original lia-se “psique”.
19

com clareza sequer a nós mesmos.33 Isso leva o terapeuta a um contato direto com questões
profundas do paciente, não recebendo o filtro da linguagem verbal, manifestando, através da
exploração dos sons vocais, de outros sons corporais e de sons instrumentais, aspectos de sua
patologia que permitem um novo trabalho, além de ajudar a sentir o próprio corpo como
produtor de diversos elementos de comunicação.34

Na exploração de sons corporais buscam-se todos os sons possíveis provenientes


do próprio corpo, induzindo o paciente a focalizar neste a sua atenção, identificando os sons
menos audíveis como respiração e deglutição, por exemplo. Essa concentração aprofunda o
conhecimento do corpo como unidade produtora e receptora de estímulos, ajudando a
modificar, quando ela existe, a fantasia de um corpo despedaçado.35

A música, enquanto elemento de estimulação não verbal, pode expressar imagens


ou sentimentos complexos, funcionando como um veículo para a autocompreensão,
conduzindo o paciente em direção a áreas antes não conhecidas do corpo e da consciência.36

Ruud também nos diz que a música pode dar acesso ao corpo, atingindo os locais
onde as experiências se originam, funcionando como um veículo de autocompreensão e
criando um ponto de partida para a expressão verbal quando penetra em áreas não pesquisadas
do corpo e da mente. Porém, isso deve ser realizado de modo a respeitar-se a posição cultural
pessoal do indivíduo para que a música possa tornar-se um catalisador de suas experiências
pré-verbais. A vida emocional é ampliada e enriquecida e as experiências são acrescidas de
uma profundidade que se configura num ponto de partida para a reflexão e a ação,
expressando imagens ou sentimentos complexos. Pode-se relacionar a isso o fato de que, em
música há possibilidades infinitas, onde o tema, sua repetição e variações, geram uma
multiplicidade sonora ao se combinarem, estabelecendo um sentimento de unidade por conta
da estrutura formal. Essa característica influenciará o indivíduo em sua reorganização
emocional, levando-o a uma compreensão mais ampla e enriquecida de si mesmo.

33
Ruud, Even. Caminhos para a Musicoterapia. 1990, p. 89
34
Op. Cit. Fregtman, p.139
35
Ibid. p.138, 139
36
Op. Cit Ruud, p. 90
20

1.7 - CANTOTERAPIA

Se aprendermos a nos deixar conduzir por nosso ouvido interior e exterior,


exercitando a escuta, prestando atenção ao som oculto, então o princípio
que dá origem ao tom musical se tornará interiormente audível para nós, e
esse som primordial irá aos poucos reluzir em nossos próprios tons e em
sua ressonância exterior. Ele será cada vez mais evidente para o ouvido
externo, e pouco a pouco se libertará de dentro dos tons presos à
corporalidade.37 - Svärdström (2004)

Os povos primitivos dotavam o canto de funções das mais diversas, desde cantos de
cura a cantos socializadores. Ainda hoje índios brasileiros e tribos africanas têm em seus
rituais de cura cantos mágicos que atuam como potencializadores dos remédios. Nas religiões
afro-brasileiras o canto está presente como parte da ritualística, mas também como um
elemento que auxilia no transe mediúnico de seus participantes. Os mantras dos hinduístas
também são como um canto que cumpre funções extramusicais. Isso se não contarmos que
todas as manifestações religiosas têm seus cantos e hinos, que cumprem as mais diversas
funções. Porém, somente no século XX o uso das artes como terapia passou a ser alvo de
investigações científicas.38

A Prof. Dra. Adelina Rennó, musicista e psicóloga, doutorada pela USP, situa a
cantoterapia entre a fisioterapia e psicoterapia. É uma atividade que, segundo ela, busca o
desenvolvimento humano como um todo, por meio de várias técnicas e exercícios que são
dirigidos com finalidades específicas. A escolha das músicas não é aleatória, já que a
cantoterapia pressupõe a existência de um terapeuta - alguém com formação específica para o
exercício do cargo, que vai fazer um diagnóstico, determinar uma linha de tratamento e
definir um objetivo.39

A Cantoterapia tem sido usada também como parte de tratamentos médicos. Na


Medicina Antroposófica, onde o paciente é tratado como um todo, acredita-se que os fonemas
e as músicas, ao serem cantados, podem ter efeito curativo. "O canto atua sobre o ser humano,
impulsionando a melhoria de seu estado físico e psicológico", explica Adelina Rennó,

37
Werbeck-Svärdström, Valborg – A Escola do desvendar da Voz: Um caminho para a redenção na arte do
canto, 2004, p. 32
38
Rennó, Adelina. Entrevista. In: http://www.vencer.com.br
39
Ibid.
21

Cantoterapeuta e Coordenadora das áreas de Psicologia e Cantoterapia do V Congresso


Brasileiro de Medicina Antroposófica.40

Adelina Rennó explica ainda que, quando usado terapeuticamente, o canto


harmoniza corpo e alma, trabalhando a respiração, caminho para o relaxamento. A
Cantoterapia pode ser coadjuvante no tratamento de depressão, problemas respiratórios,
síndrome do pânico e outras doenças. O Cantoterapeuta avalia o histórico, a respiração do
paciente e indica exercícios a serem feitos no consultório e em casa. Os exercícios prescritos e
a forma de aplicá-los são individualizados objetivando a reestruturação do paciente como um
todo.41

40
Rennó, Adelina Entrevista In: Starmedia Vida. www.clipmulher.com.br
41
Ibid.
22

CAPÍTULO II - BIOENERGÉTICA

2.1 - REICH E A ORGONOMIA42

É precisamente o processo fisiológico de repressão que merece nossa


maior atenção (…) a dissolução de um espasmo muscular não só libera a
energia vegetativa, mas, além disso, e principalmente, reproduz a
lembrança da situação de infância na qual ocorreu a repressão do instinto.
(…) toda rigidez muscular contém a história e a significação de sua
origem. 43- Reich (1988)

Wilhelm Reich (1897-1957) médico, psicanalista e cientista natural alemão, por


quase quarenta anos desenvolveu uma ampla pesquisa sobre os processos energéticos
primordiais vitais. Discípulo de Freud, iniciou seu trabalho na década de 1920, tendo como
principal objeto de estudo o funcionamento da “bio-energia”.

A partir da teoria da Economia Sexual, afirmava que a saúde psíquica depende da


potência orgástica, que seria a responsável pelo clímax da excitação sexual diretamente ligado
à capacidade do indivíduo para o amor. Na ausência dessa potência, ocorreria um bloqueio da
energia biológica, o qual se refletiria em perturbações de diversas ordens. Para reativar essa
potência seria necessário restabelecer a capacidade natural de amar; mas isso dependeria tanto
de condições sociais quanto psíquicas.

Esse conceito permitiu a investigação da energia biopsíquica, que o leva à


descoberta da Energia Orgônica, estabelecendo assim a Orgonomia ou Orgasmoterapia.
Porém, fazendo “uma concessão aos escrúpulos do mundo em assuntos sexuais”, Reich
empregou o termo Vegetoterapia para descrever a técnica terapêutica da teoria da Economia
Sexual. Essa técnica adota o orgasmo como parte do processo terapêutico, e Reich acreditava
poder devolver ao sujeito a liberdade física e emocional, restabelecendo a capacidade natural
de amar. Isso o colocava num contato positivo consigo mesmo, com os outros e com o
mundo.

42
O texto como um todo é baseado na leitura de Reich, Wilhelm. A Função do Orgasmo. 1988 e artigos
relacionados à Bioenergética, publicados em sites na Internet que serão citados detalhadamente na referência.
43
Op. Cit Reich. 1988, p. 255 (Grifo do autor)
23

Segundo Reich, seu trabalho baseava-se simultaneamente em campos diferentes


como a psicologia profunda, a sociologia, a fisiologia e a biologia, tendo como fenômeno
central o orgasmo sexual. Sua teoria, revolucionária para a época, apontava para questões
amplas, tais como o efeito das repressões sócio-políticas sobre cada indivíduo, tipificadas por
um encouraçamento do caráter. Esse “efeito couraça” se manifestaria e/ou refletiria no corpo,
mais diretamente na musculatura, criando enrijecimentos e bloqueios, e sendo algo que age
contra a própria natureza do indivíduo. Num âmbito social e político, esse tipo de repressão
propiciaria a formação de massas humanas obedientes ao sistema vigente, através do controle
rígido da sexualidade nas crianças e adolescentes, transformando o homem numa estrutura
psíquica e corporal, na maioria das vezes, marcada pela impotência e pelo medo à vida.

O objetivo central do trabalho de Reich é o despertar das experiências da primeira


infância e definir o crescimento como o processo de dissolução da couraça psicológica e
física. Segundo sua teoria, a couraça muscular está organizada em sete segmentos de
armadura, compostos de músculos e órgãos com funções expressivas relacionadas. Estes
segmentos formam uma série de sete anéis mais ou menos horizontais, em ângulos retos com
a espinha e o torso. Os principais segmentos da couraça estão centrados nos olhos, boca,
44
pescoço, tórax, diafragma, abdômen e pélvis . A Energia Orgônica flui naturalmente por
todo o corpo, de cima abaixo, paralela à espinha, e os anéis da couraça formam-se em ângulo
reto com este fluxo e operam para rompê-lo.45

A couraça muscular é um mecanismo de defesa contra as frustrações sofridas na


infância, sejam elas externas ou internas, assumindo uma função dupla de proteção contra o
exterior e o interior. Esse mecanismo acabará por gerar na criança (por conseqüência, no
adulto que ela será) um impedimento de participar ativa e criativamente do desenvolvimento
de suas competências e habilidades.46 Em cada indivíduo, há a manifestação mais ou menos
concentrada de uma tensão na região dos segmentos dessa couraça, como reflexos de
repressões sofridas e introjetadas. O mecanismo evidencia uma defesa contra sentimentos de
tensão e ansiedade excessivos, restringindo tanto o livre fluxo de energia como a livre
expressão de emoções do indivíduo. Essas perturbações do processo sexual natural acarretam

44
Grifo nosso.
45
Bacri, A. P.; Soares, M. V. Influências dos Bloqueios Corporais na Aprendizagem da Criança. - Centro
Reichiano, 2004 In: www. centroreichiano.com.br/artigos.htm
46
Reich, Wilhelm. A Função do Orgasmo. 1988 p. 197
24

ansiedade que, algumas vezes, poderão se manifestar através de sensações físicas diretas,
como dores, rigidez muscular ou falta de ar, por exemplo.

A verdadeira cura ou supressão dessas couraças só pode ser conseguida pela


eliminação dos sintomas, e é exatamente o processo fisiológico de repressão que merece
atenção para que se chegue a isso. A dissolução de uma tensão muscular não só libera a
energia como também reproduz a lembrança da situação onde ocorreu a repressão. Para tanto,
existem meios de análise e liberação dessas couraças. Quando a atitude muscular crônica é
entendida e dissolvida com êxito a inibição psíquica cede, equilibrando-se os efeitos negativos
dos afetos reprimidos.

Como meio de compreendermos melhor as tensões, suas prováveis origens e


dissoluções, poderemos citar alguns exemplos. A inibição da respiração, tornando-a mais
curta e reduzida, provoca uma menor absorção de oxigênio, mantendo apenas o suficiente
para a preservação da vida. Suprime-se a energia física como uma “técnica” de “controle”, ou
melhor dizendo, de repressão das emoções. É prendendo a respiração que as crianças
costumam lutar contra os estados de angústia, da mesma forma que suprimem sensações
agradáveis que possam assustá-las, por serem desconhecidas. Isso se estratifica no adulto,
provocando uma tensão e fixação do diafragma. Esse processo pode ser identificado fazendo-
se uma leve pressão, três centímetros abaixo do externo. Revela-se então uma tensão que
resiste, indicando que o conteúdo abdominal estava sendo preservado. Ao recuperar a
respiração plena o adulto tem possibilidades de reorganizar seus padrões musculares,
facilitando assim a liberação do prazer.

O medo pode provocar uma tensão na região dos olhos, da cabeça e do pescoço,
imobilizando a “vítima” e gerando desconfortos físicos. Esses medos serão melhor absorvidos
e compreendidos no momento em que se tornarem parte de um processo consciente, sobre o
qual o paciente passe a ter controle. As tensões localizadas na região da boca e laringe podem
ter origem, por exemplo, na contenção do impulso de chorar, provocando náuseas ao
tentarmos liberá-lo. O choro reprimido leva também a tensões faciais, provocando uma
“impermeabilidade” da máscara, através de uma musculatura rígida e inexpressiva.
25

A imobilidade da pélvis se combina com uma sensação de “vazio na pélvis” ou


sentimento de “fraqueza nos genitais”, definido pelo próprio Reich como a “pélvis morta”.
Essa tensão é originada inicialmente pelo controle rigoroso dos intestinos e bexiga na criança.
Expressões habituais na educação, ditas pelos pais e professores, geram o princípio do
encouraçamento psíquico e muscular: “Uma criança decente senta-se quieta”, “Não se deve
demonstrar medo”, “Não se deve deixar-se levar”.Essas frases, ouvidas muitas vezes durante
o desenvolvimento infantil, provocam a tensão que gera o amortecimento do abdômen,
impedindo a expressão dos sentimentos, sobretudo os de prazer e de angústia. 47

Toda essa tensão corporal provocada pelas couraças acaba por gerar a sensação de
um corpo dividido, não integrado e não unificado. Essa falta de unidade na autopercepção é
causada pela interrupção da corrente de excitação no corpo, sobretudo na região do pescoço e
da pelve, impedindo o fluxo de energia do tórax para a cabeça e do abdômen para os genitais
e as pernas. Ao recuperar essa unidade, permitindo o livre trânsito da energia orgástica,
afloram as lembranças da primeira infância, quando a unidade sensorial do corpo ainda não
havia sido perturbada pela padronização esmagadora da educação.48

Porém, quando se chega perto do fim do tratamento, há, em muitas pessoas,


tendência de agarrar-se aos padrões anteriores, que geravam sofrimento. Elas se agarram
compulsivamente às suas neuroses, colocando-se continuamente em situações difíceis, num
processo de “compulsão de repetição”49. É como se apenas compreendessem a si mesmas
através da negação do prazer e da aceitação da repressão. Isso faz surgirem as piores reações
contra o próprio restabelecimento da saúde e conseqüentemente de obtenção de prazer. Essa
tendência deve-se ao fato de que o prazer tem a característica de, muitas vezes, quando é
inibido, transformar-se em desprazer. Isso se deve à quantidade de informações contraditórias
pelas quais as crianças são cercadas ao longo do seu desenvolvimento e pelo controle das
sensações e emoções a que são submetidas.

Segundo Reich, os pacientes são tomados pelo medo da obtenção do prazer


reprimido, que é diametralmente oposto ao princípio de prazer da vida. De modo geral, a
média das pessoas apresenta uma tendência a resignar-se com a ausência de felicidade, ao

47
Op. Cit. Reich 1988 (5 . A Mobilização da “pélvis morta”, p. 282 a 298)
48
Ibid., p. 295 (resumo do texto original)
49
Grifo do autor. Ibid. p. 294
26

invés de enfrentar a luta pela alegria de viver, já que isso acarretaria sofrimento demais, por
ter de enfrentar estruturas sociais rígidas. “O prazer e a alegria da vida são inconcebíveis sem
luta, sem experiências dolorosas e desagradáveis auto-avaliações”.50

2.2 - LOWEN E A ANÁLISE BIOENERGÉTICA

Os princípios e a prática da terapia bioenergética se baseiam na identidade


funcional entre mente e corpo. O que significa que qualquer mudança na
maneira de pensar de uma pessoa e, portanto, em seus sentimentos e
comportamento, está condicionada a uma mudança no funcionamento do
seu corpo. As duas funções mais importantes a esse respeito são a
respiração e os movimentos51 - Lowen

Alexander Lowen (1910 - ) conheceu Wilhelm Reich logo que este chegou aos
Estados Unidos, em 1940. Interessou-se por suas idéias, principalmente as que relacionavam o
corpo e a mente, assim como a abordagem econômica do problema da histeria. Além de
estudar sua teoria, tornou-se seu cliente. Mais tarde, quando decidiu aprofundar-se e trabalhar
com a Análise do Caráter, Lowen, na época advogado, mudou-se para a Europa e formou-se
em medicina. Começando a clinicar, sentiu necessidade de ampliar o alvo terapêutico
Reichiano da potência orgástica. Na busca dessa ampliação criou a originalidade de seu
próprio trabalho. A meta terapêutica da Análise Bioenergética inclui outras marcas de saúde
além da potência orgástica, tais como a vitalidade do organismo e sua qualidade de vida.52

Segundo o Instituto de Análise Bioenergética de São Paulo, filiado ao


International Institute for Bioenergetic Analysys (IIBA) fundado por Lowen em 1953, a
Análise Bioenergética é uma psicoterapia somática baseada na premissa de que não existe
separação fundamental entre mente e corpo. Ela possibilita uma compreensão unificada da
personalidade em termos do corpo e seus processos energéticos, utilizando-se de princípios
combinados da psicanálise e do trabalho corporal nos níveis do somático, do desenvolvimento
e da relação. O conceito integrador é que corpo e mente formam uma unidade indissociável.
Nós somos os nossos corpos como também nossos pensamentos, emoções, sensações e ações.

50
Grifo do autor. Ibid. p. 175
51
Lowen , Alexander - Prazer: Uma Abordagem Criativa da Vida – 1984, p. 30
52
Azevedo, Renata Philadelpho - Um pouco da vida e obra de Alexander Lowen - 1996 -
http://www.artesdecura.com.br
27

A história pessoal está armazenada na estrutura do corpo. Todas as experiências


vividas – o impacto das relações da primeira infância, traumas físicos e emocionais, por
exemplo – são armazenadas e contidas no corpo na forma de padrões de tensão muscular
crônica. Esses padrões inconscientes e os problemas emocionais que eles talvez representem
podem limitar a capacidade da pessoa viver e funcionar livre e plenamente.53 “A verdade do
corpo da pessoa pode ser dolorosa, mas bloquear essa dor poderá fechar a porta para a
possibilidade de prazer”54 e “todo prazer, em certo sentido, é um novo prazer. Segue-se,
portanto, que qualquer ação ou qualquer processo que aumente o prazer ou que aumente o
aproveitamento da vida é parte de um processo criativo”.55 Pois, “o prazer e a criatividade
estão relacionados dialeticamente. Sem prazer, não haverá criatividade. Sem uma atitude
criativa diante da vida, não haverá prazer”.56

A Bioenergética de Lowen, apóia-se (...) na autoconsciência, [na autopercepção]57, a auto-


expressão e na [autoposse]58, como elemento de integração dos (...) anteriores. Para atingir-se
esses (...) pontos, dois conceitos constituíram-se como fundamentais: o grounding e o surrender. O
primeiro, grounding, quer dizer enraizamento, é a autosustentação que aponta para a necessidade
de uma verdadeira troca energética entre o corpo humano e a terra que o sustenta. O segundo
conceito, surrender, significa uma profunda entrega a si mesmo, um profundo relaxamento dos
processos defensivos arraigados no organismo que mantém a situação traumática impedindo a vital
pulsação do organismo. 59

A autoconsciência é a percepção de como os pensamentos se relacionam com os


sentimentos e como estes estão condicionados pelos pensamentos. Nesse estado de atenção o
indivíduo torna-se consciente do outro, estando ao mesmo tempo mais autoconsciente. Por
exemplo, num relacionamento onde o amor está ligado ao ato sexual a proximidade é
intensificada através desse estado de atenção, aumentando a capacidade de obtenção de
prazer. O indivíduo autoconsciente possui, desse modo, uma dupla percepção dos
acontecimentos, que, oscilando entre mente e corpo, amplia o seu potencial criativo em todas
as áreas de consciência.60

53
Instituto de Análise Bioenergética de São Paulo - O que é a Análise Bioenergética? -
http://www.bioenergetica.com.br
54
Op. Cit. Lowen, p. 30
55
Ibid p.26
56
Ibid p.27
57
De acordo com os estudos em parte da obra de Lowen, acreditamos ser necessário acrescentar aqui também o
termo autopercepção, que é apresentado pelo autor como diferente e complementar do termo autoconsciência
citado por Azevedo
58
Op. Cit. Lowen, p.138 - 145
59
Op.Cit. Azevedo
60
Op. Cit. Lowen, p. 217 - 218
28

“A autopercepção é uma função do sentir. É a soma de todas as sensações do


corpo de uma só vez.”61 Se as atenções estão voltadas para o próprio corpo, o indivíduo está
em contato consigo mesmo e, conseqüentemente, descobre quem é. Porém, a autopercepção
limitada ao consciente será muito superficial; se nos aprofundarmos, veremos que as
percepções conscientes são fortemente influenciadas, e até mesmo determinadas, por
processos inconscientes. De acordo com o grau de contato que o indivíduo mantém com seu
próprio corpo, dando vazão às suas reações inconscientes, ele obtém um nível de consciência
mais elevado do que um indivíduo que teme suas reações inconscientes.62

A auto-expressão é a manifestação da existência individual, estando a criatividade


e o prazer intimamente relacionados, proporcionando satisfações físicas e emocionais. O
prazer pela atividade e a satisfação pela realização são a auto-expressão a nível corporal e
emocional, onde o corpo satisfaz a necessidade física de fazer algo ativo e criativo e o “eu”, o
emocional, satisfaz a necessidade de saber e ser capaz de fazer.63

A autoposse é a capacidade que o ser humano tem de compreender sua existência


individual dotada de forma corporal e mental, protegida por uma membrana funcional
(tecidos) em relação ao corpo, e uma membrana limitadora (ego), em relação à mente. A
consciência é uma característica dessa forma, que decodifica os estímulos externos que,
agindo sobre a mente, refletem-se no corpo e vice-versa. A capacidade de dizer não é a
atuação de uma espécie de filtro psicológico, que define a sensação de identidade, separando
os estímulos externos e internos que necessitam de resposta dos que devem ser ignorados,
gerando uma reação emocional. Do mesmo modo, a pele recebe os estímulos externos e
internos e repassa aos órgãos sensoriais, que geram uma reação física. Em ambos os casos, a
consciência atua como um decodificador dos estímulos previamente filtrados por essas
membranas. Quando, por algum motivo, essa capacidade de “filtragem” encontra-se em
desacordo, o indivíduo apresenta permeabilidade ou impermeabilidade excessivas. Isso gera
uma série de descontroles emocionais e físicos, que se manifestam através de afrouxamentos
ou tensões musculares, acarretando comportamentos irracionais e contraproducentes.64
*

61
Op. Cit. Lowen, p. 48
62
Ibid. p.214 - 215
63
Ibid. p.93
64
Ibid. p.138 - 145
29

CAPÍTULO III – SOLTANDO OS NÓS

3.1 - METODOLOGIA APLICADA

O professor deve estar consciente dessa sua atuação como um dos pólos do
binômio “professor-aluno” (...) ele se sente encarregado de uma tarefa
especial, diante de cada aluno, mormente quando este apresenta
problemas.65 - Lanz (1979)

A metodologia de ensino do canto, aplicada aos casos que serão descritos,


fundamenta-se basicamente no conhecimento funcional do aparelho fonador e no estudo da
técnica vocal aplicada ao canto popular. Abordamos questões referentes à reestruturação da
postura, ao completo domínio da respiração plena e controlada, objetivando uma correta
emissão, direcionamento das ressonâncias, estabilização da afinação, projeção, articulação,
ampliação do registro e unificação do timbre.

Entretanto, ao longo do tempo, com a seqüência das aulas, outras questões se


apresentaram, ultrapassando nossos objetivos iniciais. Essas questões surgiram devido à
constatação de que muitos alunos apresentavam tensões musculares permanentes, as quais
geravam padrões corporais definidos, que os limitavam no alcance dos objetivos musicais
almejados. Gradativamente nós agrupamos essas tensões, de modo a melhor compreender-
lhes o sentido, e tecemos a hipótese de que as limitações apresentadas pelos alunos teriam
causas emocionais, cujas origens se localizariam no passado remoto de suas histórias
pessoais.

De um modo geral, podemos resumir nossa aula de canto em cinco momentos,


escalonados em 1h ou 1h e 30min. Nos cursos livres de música as aulas têm duração de 1h e
nas aulas particulares a duração é de 1h e 30min, o que consideramos mais adequado e
proveitoso para o aluno. As mesmas etapas são desenvolvidas com todos os alunos, levando-
se em consideração as necessidades e características particulares de cada um.

65
Lanz, Rudolf - A Pedagogia Waldorf - Caminho para um ensino mais humano, 1979, p.72
30

3.1.1 - DESCRIÇÃO RESUMIDA

Exercícios técnicos para a obtenção da estabilização corporal, emocional e


vocal do aluno, verificando-se as seguintes etapas:

Alongamento: Relaxamento muscular da área do pescoço, ombros, braços e


tórax, visando uma preparação corporal e emocional para o trabalho vocal. Nessa etapa inicial
buscamos reestruturar o corpo do aluno como um todo, favorecendo-lhe o reconhecimento do
seu próprio eixo e proporcionando-lhe uma base de apoio corporal.

Respiração: Conscientização e posterior domínio do processo de respiração


adaptada ao canto - plena, silenciosa e controlada - trabalhando os músculos intercostais,
abdominais e pélvicos.

Exercícios de relaxamento e fortalecimento da musculatura laríngea e


higiene vocal: Relaxamento e fortalecimento da musculatura interna e limpeza das pregas
vocais, liberando muco e/ou secreções.

Vocalizes: Conscientização das ressonâncias internas, elevação do palato,


estabilização da laringe, controle da afinação, manutenção da respiração de acordo com os
exercícios anteriores, ampliação do registro vocal, uniformização do timbre, definição da
articulação de fonemas, sustentação de notas longas, suavização dos ataques, agilidade,
execução de legattos, stacattos e glissandos, num espectro que se amplia gradativamente.

Repertório: Aplicação prática dos exercícios anteriores, de modo a possibilitar ao


aluno o encontro da sua própria personalidade vocal, com musicalidade, segurança emocional
e física.
31

3.1.2 - DESCRIÇÃO COMENTADA

Uma questão fundamental para o professor de canto é a necessidade de


compreensão de que seu aluno traz, para a sala de aula, mais do que seu aparelho vocal e
muito mais do que ele mesmo diz. Por isso, o professor deve estar atento para compreender
quais são as maiores necessidades do aluno e qual a melhor forma de ajudá-lo a entrar em
contato consigo mesmo. Pois sem uma tomada de consciência não será possível cantar: pelo
menos, não será possível “cantar bem”. Concordamos com a premissa de Lowen, de que a
personalidade se expressa através do corpo tanto quanto através da mente. Não se pode
dividir alguém em mente e corpo: o corpo de uma pessoa nos conta muito sobre sua
personalidade. Dependendo da sua postura, do brilho nos olhos, do tom da voz, da posição do
maxilar e dos ombros66 é possível perceber como ela é e inferir, em algum grau, como se
sente diante da vida.

Não nos propomos a fazer de nosso trabalho um tipo de terapia; consideramos


com o máximo respeito o campo da Musicoterapia nesse sentido. Mas torna-se absolutamente
impossível negar a existência das conexões descritas, principalmente quando lidamos com um
instrumento - a voz - que é o próprio aluno e que carrega toda a sua história de vida. Não
consideramos sensato da parte do professor de canto alterar o funcionamento do corpo de seu
aluno, mesmo que em termos técnicos isso seja adequado, sem atentar para a gama de
implicações que daí podem surgir. Um aparelho vocal pode sofrer pressões imperceptíveis
que gradativamente levem a lesões físicas, e um “aparelho emocional” também pode sofrer
pressões que levem a lesões profundas, capazes de comprometer a saúde do indivíduo como
um todo. Por isso, em nossas aulas procuramos criar um elo de confiança com o aluno, para
que ocorra o que consideramos de fundamental importância, que é sua aprendizagem do
reconhecimento corporal.

Os exercícios de alongamento e relaxamento muscular, aplicados no início das


aulas, tiveram origem em nossa experiência acadêmica e profissional em teatro e foram
incorporados às aulas de canto pela necessidade de estimular uma reestruturação postural nos
alunos, favorecer-lhes maior contato com o próprio corpo e aumentar-lhes a capacidade de
concentração. Encontramos, durante nossas pesquisas bibliográficas, uma forte semelhança

66
Lowen , Alexander. Prazer: Uma Abordagem Criativa da Vida. 1984, p. 30
32

com exercícios aplicados na Terapia Bioenergética de Lowen. Um dos exercícios


fundamentais para Lowen é também considerado fundamental em nossa metodologia de aula;
jamais iniciamos uma aula de canto sem ter passado por ele. Lowen o chama de exercício
básico de vibração e “grounding*”67, nós o chamamos de exercício de alongamento da
coluna e reposicionamento do eixo corporal.

Após os exercícios de alongamento e relaxamento da face, pescoço, ombros,


braços, tórax e pernas, passamos ao exercício de alongamento da coluna e reposicionamento
do eixo corporal. O aluno coloca-se de pé, com os pés paralelos, mais ou menos na linha do
quadril, os joelhos levemente flexionados, quadril encaixado e os braços ao longo do corpo.
Pedimos que ele “enrole” a coluna vértebra por vértebra, lentamente, concentrando-se em
cada uma delas e deixando pouco a pouco a cabeça, os ombros e os braços penderem
livremente em direção ao chão. Ao tocarem o chão as mãos não devem ficar apoiadas, mas
simplesmente deixadas relaxadamente sobre ele. Todo o peso do corpo recairá suavemente
sobre a planta dos pés. Pedimos que o aluno respire profundamente, observando a
movimentação da sua pélvis, do abdômen, das costas e costelas, sentindo a mobilidade total
do diafragma nessa posição. Chamamos a atenção para o ponto de sustentação e para as
pernas, que às vezes sofrem retrações musculares. Ao se concentrarem na respiração e na
pélvis os alunos balançam o tronco livremente, de um lado para o outro, os quadris para cima
e para baixo. Após alguns instantes, pedimos que o aluno retorne lentamente, vértebra por
vértebra, à posição anterior, para, então, iniciarmos os exercícios de respiração controlada.

Esse exercício é fundamental para que o aluno encontre estabilidade física e


emocional. Ao respirar plenamente, nessa posição, sentirá o trabalho do diafragma e a
expansão da caixa torácica ocorrerem de uma forma natural. Procuramos chamar a atenção do
aluno durante esse exercício para o foco central de sustentação do seu corpo, onde os pés
estão firmes no chão, as pernas não sofrem nenhum tipo de pressão, e a pélvis é o ponto de
apoio. A maioria dos alunos obtém extremo prazer em ficar nessa posição, sentem-se livres e
descansados. Muitos suspiram prazerosamente, entregando-se às sensações agradáveis de
relaxamento. Quando voltam à posição anterior, muitos bocejam livremente, espreguiçam

67
Lowen, Alexander – Exercícios de Bioenergética – O caminho para uma saúde vibrante, 1985, p. 19
(N.T. * Ground em inglês significa chão, base. Grounding, ter base. Grounded, a pessoa que tem base. O termo é
muito usado em linguagem bioenergética designando o contato com o chão e, a partir desse contato, a
conscientização do corpo embasado. Como não encontramos em português a tradução apropriada do termo,
preferimos manter a expressão usada no original)
33

largamente e têm a face relaxada e descontraída. Podemos dizer que muitos deles apresentam
uma expressão de satisfação infantil em seus rostos. Após alguns instantes, o aluno está mais
concentrado em seu corpo e mais estabilizado emocionalmente. Buscamos que a partir daí as
preocupações do dia-a-dia fiquem do lado de fora e o aluno se entregue completamente à sua
autopercepção.

Entretanto, alguns alunos podem ter dificuldades de realizar esse exercício; ficam
tontos ou sentem-se sufocar. Para esses alunos daremos especial atenção ao trabalho de
reestruturação corporal, porém de uma forma mais gradativa. Trabalharemos esse mesmo
exercício colocando-os encostados em uma parede, para que se sintam menos vulneráveis, ou
trataremos a percepção da musculatura abdominal e pélvica durante a respiração na
horizontal, deitados com as pernas dobradas e os pés apoiados suavemente no chão. Assim
eles poderão sentir sua coluna em contato com o chão, percebendo sensorialmente e
visualmente a movimentação abdominal, intercostal e pélvica simultaneamente. Essa prática
também encontra relação com os exercícios propostos por Lowen68 para a realização da
respiração abdominal, com a diferença que, em nosso caso, estimularemos o controle da
inspiração e da expiração, e Lowen estimulará a respiração mais natural, sem o controle da
expiração.

Observamos que os alunos mais velhos tendem a apresentar maiores dificuldades


nessas áreas – abdominal, intercostal e pélvica. Algumas mulheres de meia-idade não
conseguem sequer acessar a musculatura do baixo ventre. Mesmo aquelas que tiveram filhos
podem apresentar um afrouxamento excessivo ou uma tensão generalizada nas regiões
abdominal e pélvica. Durante os exercícios, descrevem sensações de vazio, paralisia ou
simplesmente afirmam não sentir nada nessa região. Os homens dessa mesma faixa etária, por
sua vez, parecem inicialmente não ter problemas com o trabalho muscular nessas áreas, mas
ao serem perguntados sobre suas sensações, sentem-se, muitas vezes, incapazes de descrevê-
las verbalmente.

Essas características nos levaram a considerar as questões abordadas por Reich,


quando relaciona o descontrole muscular pélvico e abdominal com um processo de educação
baseado na repressão dos impulsos naturais da criança, onde a sensação de prazer, ao ser

68
Op Cit Lowen. 1985, p. 44
34

associada a algo que deve ser retido, como a urina e as fezes, acaba por se reverter em uma
sensação dolorosa. Também acreditamos que os alunos que apresentam essa “paralisia
pélvica” estão diretamente relacionados à questão da “pélvis morta” de Reich.

Em razão disso, consideramos existir um processo emocional limitante subjacente


às tensões ou afrouxamentos musculares excessivos, que, por sua vez, comprometem o
trabalho vocal; assim, devemos ter cuidado e especial atenção ao atingir essas regiões. Essas
questões nos chamaram muito a atenção, de modo que buscamos meios de lidar
gradativamente com essa falta de conexão, sem exigir muito dos alunos de uma só vez.

Nessa etapa, mostra-se necessário o toque e o reposicionamento postural


manualmente pelo professor, não somente exemplificando através do seu próprio corpo como
também tocando o corpo do aluno e recolocando-o no eixo. Sempre, durante o processo de
aprendizado do canto, deverá haver contato físico entre professor e aluno. Esse contato pode
ser difícil, inicialmente, mas também será benéfico, na medida em que, ao se permitir ser
tocado e tocar o corpo do professor, muitas barreiras emocionais poderão ser lentamente
rompidas.

Esse processo é demasiadamente importante para o estabelecimento de uma


relação de confiança e entrega, onde o aluno poderá aprender a sentir seu corpo
gradativamente de uma maneira prazerosa. Ainda assim, ele pode não estar preparado para se
libertar das tensões, e, ao sentir-se incapaz, perder a confiança em si mesmo e no professor.
Muitas vezes, convém trabalhar apenas alongamentos simples na parte superior do tórax
durante a fase inicial, até que o aluno esteja mais adaptado às aulas e tenha adquirido um
pouco mais de consciência e confiança.

A descrição de Lowen do exercício básico de vibração e “grounding” é muito


semelhante ao nosso trabalho, com algumas diferenças apenas no que diz respeito à
respiração. Nosso trabalho, nesse momento, já está voltado para a respiração plena e
controlada, necessária ao canto. A inspiração é feita pelo nariz ou simultaneamente pelo nariz
e pela boca, mas não apenas pela boca, e a expiração é feita de forma controlada, mantendo-
se a expansão da musculatura intercostal e abdominal.
35

Exercício básico de vibração e “grounding”

Fique em pé com os pés separados cerca de 25 cm; artelhos ligeiramente voltados para
dentro de modo a alongar um pouco alguns músculos das nádegas. Incline-se à frente
tocando o chão com os dedos das duas mãos. Os joelhos devem estar ligeiramente
dobrados. Não deve haver peso algum nas mãos; todo o peso deve cair sobre os pés. Deixe
a cabeça pendurada o máximo possível.

Respire vagarosa e profundamente pela boca (esqueça de respirar pelo nariz por enquanto).

Deixe o peso de seu corpo ir para frente, de modo que ele caia no peito do pé. Os
calcanhares podem ficar um pouco erguidos.

Estique os joelhos devagar até que os músculos posteriores das pernas estejam esticados.
Isso não significa, entretanto, que os joelhos devam ficar totalmente esticados ou
trancados.69 - Lowen (1985)

Após os exercícios de alongamento e reestruturação postural são trabalhados os


exercícios de respiração, como uma continuação dos objetivos descritos anteriormente, agora
acrescentando-se o equilíbrio e o controle da respiração. O aluno coloca-se de pé, com os pés
paralelos, o quadril encaixado, a coluna, os ombros e o pescoço alongados, e são iniciados os
exercícios de ampliação e controle da respiração. Durante essa prática, o aluno é orientado a
buscar uma expansão da musculatura intercostal, abdominal e pélvica, objetivando ampliar a
capacidade respiratória.

A manutenção de uma boa postura é fundamental para o bom exercício da


respiração, por isso procuramos manter o aluno atento aos eventuais desvios que forem
surgindo durante a respiração. A inspiração plena e silenciosa é realizada pelo nariz e
direcionada “mentalmente” para a pélvis, o abdômen, as laterais das costelas e as costas. A
expiração controlada é feita em S, em ciclos longos, curtos, fortes e fracos, procurando-se
manter o mesmo padrão nos legattos e stacattos. Esse processo pode ser mais ou menos lento,
de acordo com a disponibilidade física e emocional do aluno; a maioria, no entanto, sente esse
processo como antinatural, inicialmente.

Os exercícios de respiração também levam o aluno à concentração, à criação de


imagens para melhor compreensão das sensações que experimenta; porém, durante todo o
trabalho, consideramos de fundamental importância o esclarecimento acerca das funções
fisiológicas de cada ação. Não é possível uma educação vocal adequada sem que o aluno,
além de sentir o seu corpo, compreenda o seu funcionamento.

69
Op. Cit. Lowen. 1985, p. 19
36

A maioria dos alunos chega às aulas com a respiração restrita à área do peito e da
garganta; isso traz reflexos terríveis em relação à emissão vocal e também ao equilíbrio
emocional. Muitas vezes é extremamente difícil para o aluno libertar-se desses padrões.
Muitos se sentem tontos e desconfortáveis e tentam pular essa parte da aula, mas são levados
a compreender que sem uma boa respiração não é possível uma boa emissão vocal.

Todos os alunos são orientados a realizar alguns exercícios simples de respiração


e reestruturação corporal diariamente em suas casas, preferencialmente ao acordar e antes de
dormir. Essa prática traz efeito positivo para suas vidas de um modo geral, diminuindo
tensões, aumentando a concentração, melhorando o sono e tomando contato com uma série de
ações musculares até então talvez inconscientes e involuntárias. A prática diária fará com que
o processo em sala de aula seja mais prazeroso e rápido, pois, mesmo que o aluno trabalhe
“errado” por uma semana, o contato com seu corpo terá sido modificado. E é
consideravelmente mais fácil acessar uma musculatura viva do que uma musculatura
esquecida, corrigindo-se assim eventuais problemas com maiores chances de sucesso.

Assim como no canto, para Reich e Lowen a respiração tem papel fundamental e
diz muito sobre o indivíduo. Segundo eles, os padrões respiratórios limitados são frutos de
tensões musculares, que podem ser o reflexo físico dos conflitos psicológicos. “As sensações
são determinadas pela respiração e pelos movimentos”.70 A respiração curta, com tensões no
pescoço, nos causa uma impressão de “nó na garganta”, uma espécie de aprisionamento, que
remonta a um princípio primordial de expressão. Ao lidarmos com a respiração plena,
silenciosa e controlada, pode ser que levemos o aluno ao encontro de sensações adormecidas,
que não sabemos como serão vivenciadas no momento atual. Esse processo não nos diz
respeito diretamente, pois, repetimos, nossa função não é a de um terapeuta. Mas, como
educadores, devemos dar a cada indivíduo a condição de se sentir confortável na sala de aula,
a fim de que todo esse processo seja feito naturalmente, sem grande choques.

Em seguida, passamos à etapa de higiene e relaxamento vocal. Os exercícios


aplicados aqui foram trazidos de nossa prática fonoterápica, onde, além de vivenciarmos o
processo da fonoterapia como pacientes, mantemos contato profissional com uma
fonoterapeuta e um otorrino. Os alunos que eventualmente apresentarem questões mais

70
Ibid p. 31
37

específicas, como disfonias ou lesões, são encaminhados para tratamento médico e


fonoterápico, aliados ao trabalho da técnica vocal.

Mantendo-se a mesma postura e o mesmo trabalho respiratório, iniciamos uma


série de exercícios línguo-dentais aplicando o fonema TR, com meia rotação horizontal e
vertical do pescoço, sem ressonância (TRRRRRRRR...). Depois, sem rotação do pescoço,
acrescentando as vogais com uma ressonância única, na região média da voz (TRA, TRÉ,
TRI, TRÓ, TRU + DEGLUTIÇÃO E REPETIÇÃO DA SÉRIE). Com isso visamos o
treinamento do apoio, do controle da expiração, liberando as pregas vocais de eventuais
mucos ou secreções, provocando um relaxamento em toda a musculatura laríngea. Esse
exercício nem sempre é atingido de imediato por alunos que apresentem dificuldades
fonatórias em relação aos fonemas TR, PR, BR, VR. Nesses casos, aplicamos inicialmente
exercícios de adequação a esses fonemas usando palavras que comecem com eles, para que os
alunos pronunciem durante a aula e em casa. Os resultados obtidos são bastante rápidos e
logo o aluno estará executando os exercícios de higiene vocal sem problemas.

Os exercícios de fortalecimento muscular também se encontram nesse grupo,


onde trabalharemos a elevação do palato e a estabilização da laringe, lançando mão de
exercícios mecânicos línguo-dentais e línguo-palatais. Buscando-se o bocejo, por exemplo,
trabalhamos esse mecanismo, suavemente. Existe uma série de exercícios que lidam com a
musculatura laríngea de modo a atingir esses estágios de consciência e mobilidade, que serão
aplicados aos alunos de acordo com suas necessidades.

É muito importante que nesse momento o aluno esteja completamente entregue às


sensações corporais, por isso é necessário manter uma ligação entre todas as etapas de
trabalho. Normalmente, os alunos que apresentam tensões na região do pescoço, ombros e
peito terão mais dificuldade em realizar esses exercícios, pois qualquer pressão, ao executá-
los, poderá acarretar mais prejuízo que benefícios. Buscamos criar, com os alunos, imagens
que ampliem os canais bucais, laríngeos e faríngeos, a elevação dos pilares e do palato, a
estabilização da língua e da laringe. Nesse momento as tensões estratificadas começam a
exigir ainda mais atenção, requerendo, tanto do professor quanto do aluno, uma concentração
em todo o equilíbrio corporal, de modo a evitar deslocamentos compensatórios que desviem
os focos de tensão iniciais para outras regiões ainda não atingidas.
38

Ao iniciarmos as vocalizações o aluno deverá estar confortável em relação ao seu


corpo como um todo, e particularmente em relação ao seu aparelho fonador. Nesse momento
as tensões saltam aos olhos, pois o processo de relação das etapas anteriores leva tempo para
atingir um grau de conexão sensorial satisfatório. Muitos alunos podem ter desempenhado
bem, dentro de suas possibilidades, os exercícios anteriores e não terem o mesmo rendimento
ao vocalizar.

Por estarmos lidando com ressonâncias internas, muitas questões emocionais


poderão ser potencializadas, provocando uma desestabilização corporal que prejudicará o
bom desempenho dos vocalizes. Nesse momento, retomamos o trabalho corporal aliado ao
toque, levando o aluno a sentir, através das mãos do professor, os focos de tensão, e dissolvê-
los, mesmo que momentaneamente. Não temos a ilusão de estabilizar um corpo e uma voz
que vivem dentro de uma série de couraças de tensão num passe de mágica; mas acreditamos
ser possível abrir lentamente os canais obstruídos ao longo dos anos, mentalmente e
corporalmente, pelas emoções estratificadas.

Os vocalizes são aplicados de modo progressivo, numa extensão que se amplia


gradativamente do grave ao agudo, em formações que proporcionem a melhor utilização das
ressonâncias e uma maior flexibilidade vocal. Damos início usando como ponte de ligação
um vocalize com uma tessitura I - II - III - II - I 71. Iniciamos com o fonema línguo-dental TR
mudo; em seguida, aplicamos a mesma forma com o uso de bocca chiusa e a partir de então,
ainda mantendo-se a mesma forma, usando fonemas línguo-labiais, línguo-palatais ou labiais,
de acordo com as necessidades do aluno. Por exemplo, com um aluno que apresentar uma voz
muito metálica, será necessário “arredondar” a voz, trazendo os harmônicos graves.
Inicialmente trabalharemos sobre fonemas labiais compostos pelas vogais orais fechadas Ô, U
e a vogal oral aberta A.

Já com um aluno que apresente uma voz demasiadamente escura, deveremos


“clarear” a voz aplicando vocalizes sobre fonemas línguo-palatais e alveolares, compostos
pelas vogais orais abertas A, É, e a vogal nasal fechada I. Há uma série de possibilidades que
deverão ser aplicadas de acordo com as necessidades de cada aluno e principalmente

71
Decidimos usar como notação dos vocalizes básicos a numeração dos graus da escala, de acordo com o
método de solfejo por graus. Para melhor compreensão, exemplificamos: numa escala de Dó Maior: I = dó, II =
ré, III = mi, IV = fá, V = sol, VI = lá, VII = si , I” = dó.
39

buscando, a partir de uma sensação descrita como confortável, trabalhar a ressonância


adequada. As referências sensoriais são fundamentais para a compreensão das ressonâncias.
De um modo geral, ampliamos gradativamente a extensão dos vocalizes, num padrão básico
que pode ser descrito como:72

I - II - III - II - I
I - II - III - IV - V - IV - III - II - I
I - III - V - III - I
I - III - V - I - V - III - I
I - II - III - IV - V - VI - VII - I” - VII - VI - V - IV - III - II - I

A forma como serão trabalhados esses vocalizes sofrerá variações, aumentando-se


gradativamente o nível de dificuldade ao longo do trabalho vocal, sempre respeitando a
evolução de cada aluno. Porém o aprendizado não dá saltos, e o aprendizado do canto não é
diferente. Muitas vezes, por nos depararmos constantemente com padrões de tensão
decorrentes de questões emocionais, andamos para frente e para trás, submetidos às vontades
de um corpo que se recusa a ser liberto.

Os alunos podem apresentar reações diversas durante as vocalizações. Temos


alunos que ao atingirem uma determinada altura, ou vocalizarem num determinado padrão,
choraram e tiveram uma abertura de memória relativa à infância. Alguns têm muito medo de
projetar a voz, como se estivessem sendo vigiados todo o tempo, ou assustam-se com a
própria voz. Outros adquirem tensões na região do pescoço e relatam muito desconforto, e
não somente físico, nas regiões mais agudas. De um modo geral, todos parecem mais
familiarizados com os graves, como se fossem sons mais adequados ou menos dolorosos.

Por mais que consigamos trazer o aluno a seu ponto de equilíbrio durante o
processo de aprendizado, quando iniciamos a aplicação prática do trabalho vocal podemos ter
surpresas. É muito comum que o aluno consiga alguma estabilização durante a vocalização e
ao cantar retraia-se completamente. Ressurgirão não apenas as tensões detectadas durante os
alongamentos e os exercícios de reposicionamento corporal, mas também posturas
absolutamente contrárias ao que inicialmente se pode perceber de sua personalidade.

72
Reiteramos: numa escala de Dó Maior: I = dó, II = ré, III = mi, IV = fá, V = sol, VI = lá, VII = si , I” = dó.
40

O repertório é definido de acordo com o gosto pessoal dos alunos, e de acordo


com o grau de dificuldade das músicas. O professor poderá sugerir músicas que considere
adequadas ao “momento vocal” do aluno ou que venham a trazer uma ampliação à sua cultura
musical. A cada mês é preparada uma base pré-gravada com uma nova música a ser
trabalhada. Esse intervalo pode se alterar, de acordo com a evolução dos alunos, mas sempre
retomamos as músicas antigas durante todo o processo, de modo que o aluno constrói um
repertório que será cada vez mais trabalhado durante todas as fases de seu aprendizado.

Em se tratando de profissionais, poderemos levar maior ou menor tempo para


iniciar o trabalho de repertório. Muitas vezes passamos mais tempo dedicando-nos às
questões técnicas, para que o aluno trabalhe o repertório com um pouco mais de consciência
vocal. Se o aluno profissional está em atividade, aí então abordaremos as músicas que se
apresentam como “problemáticas”, de modo a auxiliá-lo a não sobrecarregar seu aparelho
vocal durante sua atuação. Os alunos amadores, no entanto, têm necessidade de cantar logo na
primeira aula, pois muitas vezes o trabalho vocal lhes parece enfadonho. Para esses casos,
dispomos de bases pré-gravadas em diversas tonalidades, de modo a poderem ser usadas por
vários alunos.

Por conta de todas as questões emocionais que surgem durante o trabalho, apesar
de considerarmos o estudo aprofundado da técnica vocal fundamental para o bom
desempenho do aluno, na prática, não podemos primeiro esperar conseguir uma estabilidade
corporal e vocal antes de abordarmos o repertório. Os alunos que trazem problemas
relacionados a auto-estima, aceitando rótulos de desafinados ou “voz feia” - o que na maioria
das vezes não é real - necessitam simplesmente do ato de cantar, tanto quanto do trabalho
corporal e vocal. Eles estão em busca de mais do que técnica vocal, muitas vezes, estão em
busca de si mesmos.

Um ponto fundamental para a boa evolução do aprendizado, principalmente


daqueles alunos que apresentam tensões muito sedimentadas, é fazer com que a procura pela
sua sonoridade pessoal, o seu “som primordial”, e a reestruturação corporal, não lhes sejam
uma preocupação. É necessário que o aluno recupere seu “som primordial” com um prazer
que o liberte. “Os sons primordiais são involuntários. Eles são os sons com os quais se
41

nasce”.73 Estes sons são aqueles sons do bebê, que berra e não fica rouco, porque ele não
pensa em como fazê-lo, ele apenas faz.

Ao apresentarem-se questões absolutamente subjetivas, consideramos que este


não é um momento de racionalização, mas sim de tomada de consciência, baseada no prazer
de encontrar-se a si mesmo. Não surtirá efeito algum a tentativa de sedimentar um trabalho
vocal no policiamento e na crítica. Esses alunos, normalmente, possuem um nível crítico
elevado, que os leva a uma sensação de fracasso e incompetência recorrentes. Os bloqueios,
muitas vezes, são a corporalização desse tipo de comportamento.

O professor deve conduzir seu aluno a uma busca da percepção de si mesmo de


uma forma prazerosa. Nada que seja feito por obrigação deverá ser levado à frente; a
disciplina é fundamental, porém deve ser parte de um processo que proporcione prazer,
jamais dúvidas e medo. Ou o aluno poderá se transformar em crítico de si mesmo, e, ao invés
de detectar suas tensões e desativá-las, criará outras, colocando ainda mais em dúvida seus
potenciais.

Durante o processo de descoberta e libertação de sua voz, o aluno necessitará do


professor como mestre, guia e espelho. Nele refletirá suas angústias, seus mecanismos de
rejeição e tudo o mais que o perturbe. Nesse momento, a aula de canto toma um caráter mais
amplo, pois, como educador, o professor de canto deve devolver ao aluno o contrário dessa
projeção. Sua atitude positiva proporcionará exemplos de prazer de lidar com o seu próprio
corpo, segurança de si mesmo e de seu trabalho, auxiliando a dissolução sutil e gradativa dos
sentimentos negativos gerados pela autocrítica exagerada.

As tensões corporais dizem muito sobre quem as carrega, e tornam-se material de


trabalho para a desobstrução da voz. Um corpo aprisionado não vibra, e, se não vibra, não
soa. O som está ali, presente, aguardando o momento certo de libertar-se e atingir sua
plenitude. Essa libertação só ocorrerá se baseada no prazer. Porém, ao pensarmos no prazer
como fonte também de dor, como nos mostraram Reich e Lowen, poderemos compreender
porque certos alunos se transformam tão completamente quando cantam. Porque, em contato

73
Brown, Oren L. – Discover Your Voice: How to Develop Healthy Voice Habits, 1996, p. 01 “Primal sounds
are involuntary. They are the sounds you were born with.”
42

com a possibilidade de mudança de padrões corporais, se afastam das aulas: o reencontro do


prazer que buscavam pode vir a ser muito desconfortável.

Ao longo de nosso trabalho percebemos que não existe, sob o aspecto emocional,
exemplo de bom desempenho técnico que substitua o autoconhecimento. O melhor exemplo
de bom desempenho é o crescimento pessoal, colocando-se no próprio aluno os referenciais
de evolução. Procuramos fazer com que nossos alunos reflitam: “Hoje eu estou melhor do
que na semana passada e semana que vem talvez esteja melhor do que hoje. Mas se não
estiver, tenho a certeza que poderei estar novamente, pois em algum lugar do meu corpo
ainda ressoa essa voz.”

Esse deve ser o pensamento do aluno em relação ao seu desempenho, e isso o


levará longe. Esse também deve ser o objetivo do professor de canto, ao se deparar com
questões que estão além de seu alcance como profissional da voz. Como nos disse a
professora Silvia Sobreira, o professor de canto não é um terapeuta, mas pode fazer alguma
coisa para ajudar. Se olharmos para nossos alunos como algo mais do que órgãos e
músculos, poderemos ter recompensas profissionais surpreendentes.
*
43

Capítulo IV - CASUÍSTICA

4.1 - Caso I
Identificação: 15 anos, sexo feminino, estudante
Autodefinição: Afirmava ter voz feia e ser desafinada.
Questões emocionais: Sofre forte repressão vocal desde a infância,
particularmente por parte da mãe, que se refere à sua voz como um “miado”. Descreve-se
como muito tímida em relação à sua voz. Mantém relacionamentos amorosos positivos, dentro
dos padrões esperados para sua idade.
Histórico vocal: Criada em ambiente pouco ligado à música e às artes em geral.
Objetivos pessoais: Aprender a cantar para provar à mãe que não “mia”.
Anamnese: A aluna apresentava afinação instável, voz nasal de timbre metálico,
respiração alta e pouca projeção vocal. Não apresentava tensões, porém postura muito má,
com os quadris e ombros projetados para trás.

Processo de aprendizado e resultados obtidos

Iniciou suas aulas sob nossa orientação em agosto de 2004 e continua até o
momento. Durante os primeiros seis meses participou de aulas em dupla, o que foi revertido
para seu aprendizado como algo positivo, pois a outra aluna apresentava uma “tendência
natural” para o canto, que os professores de canto bem conhecem: certas vozes que parecem
ter nascido prontas. Apesar de isso algumas vezes provocar sentimentos de inferioridade, neste
caso, visto que ambas se relacionavam muito bem, a aluna mais adiantada servia de exemplo
sonoro e postural, além de estimular e vibrar com as conquistas da colega. Vale dizer que,
hoje, ambas em aulas individuais, continuam uma relação de amizade e “torcida” pelo
processo de evolução vocal uma da outra.

A aluna já fazia aulas de canto há seis meses, portanto, quando começamos as


aulas individuais; porém, não apresentava nenhum controle vocal ou respiratório. A voz
extremamente nasal e a afinação instável eram preocupantes, pois nos parecia não haver
consciência de tais problemas. Foram necessários, durante boa parte do processo, exemplos
44

vocais de nossa parte que a levassem a compreender o que significava uma ressonância
excessivamente nasal em contraste com uma ressonância palatal plena. A afinação também
precisou ser ajustada, primeiramente em relação ao reconhecimento auditivo do som. Muitas
vezes, em situações extremas, após várias tentativas em relação à percepção auditiva,
adotamos a atitude extrema de cantar “dentro do ouvido” da aluna para que ela conseguisse
ajustar sua afinação. Por menos técnico ou pedagógico que essa prática possa parecer, aos
poucos aluna começou a reconhecer quando desafinava e posteriormente obteve o
reconhecimento sensorial da afinação.

Apesar de muito jovem, bonita e aparentemente confiante, pudemos detectar um


padrão de tensão às avessas, ao contrário do esperado. O que repercutia corporalmente,
desestruturando-a, era um afrouxamento generalizado da musculatura. Isso acarretava um
desequilíbrio, que impossibilitava a respiração adequada, e conseqüentemente se refletia na
emissão e na afinação. De alguma forma, a aluna incorporara o “miado”, a que a mãe se
referia, como um padrão postural, antes mesmo de vocal. Era como se todo o seu corpo
“miasse” languidamente, oscilando entre uma sensualidade passiva e uma fragilidade infantil.
Diante disso, iniciamos uma investida corporal direta, estimulando a aluna enquanto cantava.
Balançávamos-lhe os braços, puxávamos-lhe o “rabo-de-cavalo” para alongar a coluna e
direcionar o som, pressionávamos-lhe o diafragma, de modo a gerar uma reação muscular
contra ou a favor, dependendo dos objetivos, às nossas investidas. Na maioria das vezes
nossas tentativas desesperadas acabavam em risos, mas, pouco a pouco, aquele corpo
adormecido começou a despertar.

Após seis meses, a aluna passou a ter aulas individuais e seu aprendizado deu um
grande salto, o que nos surpreendeu particularmente. Apesar da sua extrema disciplina, a mãe
continuava presente em todo o processo de aprendizado; porém agora a aluna não acreditava
mais no seu julgamento. Sua perseverança fez com que cantasse lindamente na apresentação
de final de ano da escola: um belo soprano, de voz cristalina e afinada. O “miado”, antes nasal
e tímido, se transformara numa voz aguda, brilhante, flexível e estável.

Ainda hoje, após quase dois anos de trabalho disciplinado, temos resquícios de
ressonâncias excessivamente nasais, por conta da voz falada com “sotaque de menina carioca
da zona sul”, mas podemos dizer que foram eliminados 90% da nasalização. A afinação,
estável, não representa mais um mistério para a aluna. Quando, por algum motivo, ela não
45

acerta uma nota, imediatamente identifica o erro e consegue corrigi-lo. Paralelamente, tem
demonstrado cada vez mais entusiasmo em relação à música, dedicando-se com prazer ao
estudo de piano e violão, além de revelar-se uma boa compositora. Nos últimos dois meses,
trouxe para a aula duas composições suas muito bem estruturadas.

A mãe continua “presente” nas aulas, fazendo com que, eventualmente, nossa
aluna ainda duvide de sua voz. Em conversas particulares com essa mãe, identificamos um
processo dicotômico de estímulo e repressão vocal, oscilando entre a crítica e o elogio.
Observamos também uma comparação, por parte da mãe, entre nossa aluna e sua irmã mais
nova. As duas estudam piano na mesma escola, e sobre a filha mais nova a mãe tece os mais
“derramados” elogios, enquanto que, para a mais velha, restam-lhe ainda dúvidas de que seja
capaz de obter realmente sucesso em relação à música.

O que podemos afirmar sobre essa jovem estudante de canto é que a libertação de
sua voz tem, em seu desenvolvimento, um valor muito amplo. Durante o trabalho vocal,
quando a voz ressoa, além do extremo prazer que lhe proporciona, e do qual compartilhamos
alegremente, mostra-se uma prova irrefutável da sua capacidade de enfrentar os obstáculos de
maneira emocionalmente sadia, não criando mágoas e não aceitando rótulos que a limitariam.

Consideramos este caso como um ótimo exemplo de luta e de vitória da


reintegração do corpo com a estrutura emocional, tendo como objetivo inicial a superação de
uma limitação vocal. Não podemos afirmar com precisão quando e onde teve início essa
reintegração, pois muitos fatores estiveram atuando conjuntamente para que chegássemos a
esse resultado. Porém observamos com satisfação o amadurecimento vocal que
gradativamente vem se estabelecendo, em harmonia com o amadurecimento corporal e
emocional. Podemos afirmar que, por conta de tudo isso, nossa aluna passou a acreditar em si
mesma, desencadeando todo o processo. Ainda que uma adolescente necessite cumprir os
padrões estabelecidos pela família, o prazer de descobrir o seu som primordial levou-a a
enfrentar bravamente momentos difíceis de auto-aceitação e autoconhecimento, repercutindo
em toda a sua estrutura emocional, e conseqüentemente em sua vida, construindo um ser
integrado e íntegro em relação a si mesmo.
46

4.2 - Caso II
Identificação: 22 anos, sexo masculino, músico e compositor
Autodefinição: Como profissional, reconhecia suas qualidades vocais, como
afinação, improvisação, porém relatava constante fadiga vocal.
Questões emocionais: Sente-se vítima de preconceitos: racial, por ser negro;
social, por morar na Baixada Fluminense; e cultural por tocar em bandas de pagode. Mantém
um relacionamento afetivo estável, porém com relacionamentos paralelos.
Histórico vocal: Canta desde a adolescência e toca diversos instrumentos, como
violão, cavaquinho, instrumentos de percussão em geral.
Objetivos pessoais: Aprender a usar sua voz de modo consciente, obtendo
melhores resultados vocais, liberando-se da fadiga vocal e das tensões que geram um esforço
ao cantar.
Anamnese: Dono de uma belíssima voz, de timbre médio-grave claro e aberto,
apresentava um grande domínio do falsete, sendo extremamente afinado em toda a extensão
vocal, porém, oscilando na região mais grave, por excesso de peso na voz. O domínio pleno
do fraseado rítmico-melódico proporcionava grande facilidade para abertura de vozes e
improvisação. Apesar das qualidades, apresentava uma disfonia na emissão do S, vulgarmente
conhecida como “língua presa” e uma tendência à nasalização do timbre. Identificamos uma
grande tensão na região do maxilar, pescoço, ombros e braços e uma grande retração na região
pélvica.

Processo de aprendizado e resultados obtidos

Esse aluno chegou a nós por conta da produção de seu CD. Sua capacidade vocal
nos surpreendeu, mas ao iniciarmos as aulas pudemos identificar um mau uso da voz, tanto
falada quanto cantada. As tensões corporais estratificadas nos mostraram muito acerca de seus
sentimentos em relação a si mesmo. Apresenta também uma disfonia severa em relação à
pronúncia do S. Para a solução deste problema em particular, atuaremos em conjunto com
uma fonoaudióloga.

Nosso trabalho encontra-se no início; suas aulas ainda não contabilizam dois
meses, mas já fizemos grandes progressos, principalmente em relação ao reconhecimento de
suas tensões. Deve-se a isso o fato de o termos acrescentado a este estudo.
47

Por se tratar de um profissional, com suas características vocais sedimentadas,


nossa abordagem técnica procura não retirar a personalidade vocal adquirida ao longo dos
anos, mas sim encontrar meios de reestruturação corporal. Ao diminuir os padrões de tensão
estabeleceremos uma respiração consciente e controlada, que proporcionará controle sobre as
ressonâncias, liberando a emissão vocal.

Muitos cantores “criam a sua própria técnica vocal” durante a prática profissional,
buscando padrões estéticos que lhes agradem. Em se tratando de música popular, pode até ser
possível que tais profissionais tenham a sorte de, instintivamente, encontrarem sua identidade,
baseando-se em padrões corporais corretos sob o ponto de vista fisiológico. Muitos cantores
populares jamais tiveram problemas em relação à voz. Porém, o mais comum é que esses
problemas surjam e eles tentem adaptar-se, a ponto de mascararem lesões, não percebendo
imediatamente o risco que estão correndo. Isso faz com que o trabalho do professor de canto
seja ainda mais cauteloso e atento a todas as “pistas” que a própria voz evidencie nesse
sentido.

A grande área de tensão que envolve o pescoço e os ombros deste aluno o coloca
numa postura corporal que nos dá a impressão de estar sempre pronto para uma briga, como se
tivesse que se defender constantemente. Efetivamente, esse padrão corporal está de acordo
com sua história: um rapaz negro, de família simples, morador da Baixada Fluminense, que
começou sua carreira cantando em grupos de pagode e sente-se discriminado por tudo isso.
Essa tensão se reflete na emissão vocal baseada na força, pois o aluno realiza um esforço vocal
desnecessário ao falar e cantar. Segundo nos relatou, durante muito tempo ficava
constantemente rouco, mas aos poucos foi se adaptando a isso, e hoje, apesar de tudo, não
sente fadiga vocal ao cantar, apenas ao falar demasiadamente.

Além dessa tensão, apresenta uma imobilidade pélvica que cerceia os movimentos
da musculatura abdominal como um todo. Sua musculatura nessa região está constantemente
contraída, retraída, e a pélvis deslocada para trás, assumindo uma postura também de defesa,
ou, talvez, um reflexo de forte repressão sexual. Esse padrão nos surpreendeu, por se tratar de
um jovem que aparentemente tem uma relação bastante livre com sua sexualidade. Mas, ao
tomarmos contato direto durante os exercícios de relaxamento e reestruturação corporal,
pudemos identificar uma relação entre a “agressividade” do pescoço e dos ombros e a
“repressão” da pélvis. Parece-nos que, de alguma forma, esse aluno tenta controlar seus
48

impulsos sexuais como parte de um comportamento agressivo, diante de um ambiente que ele
sente como hostil. Mas a tensão de defesa dos ombros e do pescoço, ao invés de esconder a
energia agressiva, salienta sua condição de “brigão”, que ele mesmo assume ser; ao passo que
a retração da pélvis tenta bloquear uma grande voracidade sexual, da qual, talvez ao mesmo
tempo, ele se orgulhe e se envergonhe. Ainda não podemos prever como será o processo de
libertação corporal e vocal desse aluno. Mas acreditamos que, por sua disponibilidade ao
trabalho vocal, ele consiga canalizar essas energias contidas para o canto de forma prazerosa,
eliminando os padrões de tensão que impõem uma pressão excessiva à sua voz cantada e
falada.
49

4.3 - Caso III


Identificação: 28 anos, sexo feminino, professora do ensino fundamental
Autodefinição: Afirmava ter voz feia, infantil, ser desafinada e ter problemas
com ritmo.
Questões emocionais: Descreve-se como muito tímida em relação à sua voz,
auto-estima baixa, depressão, forte repressão vocal na infância e histórico de relacionamentos
amorosos frustrados.
Histórico vocal: Cultiva o hábito de ouvir música desde a infância; nenhuma
experiência de musicalização.
Objetivos pessoais: Aprender a cantar para perder a timidez e participar de festas
e acontecimentos onde haja a possibilidade de cantar.
Anamnese: A aluna mostrava uma voz aguda com timbre metálico, tendendo ao
infantil, com uma boa unidade em toda a sua grande extensão vocal. A afinação apresentava-
se instável, mas ao executar os vocalizes com o suporte da professora imediatamente atingia
bons resultados, apesar da pouca projeção vocal. Não apresentava tensões, porém muito má
postura, com os ombros caídos para frente e o abdômen proeminente. A respiração, muito
curta, oscilava entre peitoral e abdominal, demonstrando grande descontrole corporal.

Processo de aprendizado e resultados obtidos

A aluna chegou a nós através da escola de música, com a desculpa de acompanhar


a prima que cantava e fazerem aulas de canto em dupla.74 Salientamos nosso descrédito nesse
tipo de trabalho, que é realizado nos cursos livres de música. Considerando a evolução do
processo de aprendizado, podemos dizer que um dos alunos sempre sai perdendo. As duas
permaneceram nas aulas por oito meses, e saíram alegando problemas com o horário e o
conteúdo das aulas, o que, em absoluto, não nos convenceu.
Nossa aluna apresentava baixa auto-estima, voz com timbre infantil, afinação
muito instável, instabilidade rítmica, desestruturação corporal e fadiga vocal, por conta de sua

74
A prima, que buscava aperfeiçoamento vocal com intenção de profissionalizar-se, não foi selecionada como
objeto deste estudo, pois seu insucesso deve-se à sua indisciplina, no que se refere a péssimos hábitos
alimentares, comportamentais e vocais, que a colocavam semanalmente fora de condições adequadas ao trabalho
vocal. As “farras” noturnas durante o fim de semana ainda estavam presentes na aula segunda-feira à noite,
muitas vezes impossibilitando nosso trabalho. Essas questões falam muito sobre os boicotes que essa jovem
estaria se impondo. Não pudemos realizar um trabalho mínimo, por conta de sua indisciplina e do pouco tempo
que dispúnhamos para trabalhar com duas alunas.
50

profissão. Apesar de jovem, aparentava mais idade, e nos relatou um quadro de depressão
profunda no passado e relacionamentos que a levaram a um processo de autodestruição.
Gostava de cantar em festas, mas sempre recebia críticas pelo seu mau desempenho. Apesar
desse quadro, identificamos uma voz com potencialidade, escondida por baixo das couraças
físicas e emocionais.

As tensões se distribuíam por diversos pontos: olhos, boca, pescoço, ombros


projetados para baixo e para trás, abdômen afrouxado e projetado para a frente e as nádegas
presas para dentro, gerando uma imobilidade na área pélvica, que também apresentava um
afrouxamento muscular. Esse quadro gerava uma imagem de derrota que se refletia também
na respiração, que parecia sempre ser insuficiente e entediada.75

Iniciamos um processo de confrontação física, fazendo com que a aluna aceitasse


se ver refletida no espelho durante os exercícios corporais e vocais. Não foi um processo fácil,
mas insistimos na necessidade de que ela visse seu corpo e relacionasse as sensações à sua
imagem, identificando as tensões e afrouxamentos que comprometiam o trabalho. Ela
mostrava-se sempre entediada em relação a tudo, mas ainda assim conseguia cumprir nossas
orientações. Em pouco tempo, sua voz cantada, antes quase inaudível e trêmula, ganhou três
oitavas de extensão, sua afinação começou a se estabilizar, os padrões rítmicos começaram a
ser absorvidos de modo consciente e a respiração começou a dar mostras de que rapidamente
seria assimilada naturalmente pelo corpo.

Com essa aluna colocamos em prática toda nossa vivência em teatro, estimulando
a reestruturação de seu corpo e de sua voz, através da compreensão de suas emoções e
evidenciando suas qualidades em potencial. Muitas vezes criávamos personagens para que ela
pudesse realizar os exercícios que propúnhamos, num jogo lúdico de faz-de-conta.
Descobrimos nessa jovem uma criança ainda muito presente, que se sentia pouco aceita pelos
pais. Não por acaso, tornara-se professora de pré-escola e demonstrava muita capacidade
profissional e prazer em sua área.

Durante os oito meses em que trabalhamos ela emagreceu, mudou o modo de


vestir-se e pentear-se e arrumou um novo namorado. A essa altura, a voz já dava sinais de

75
Esses pontos de tensão relacionam-se com as couraças descritas por Reich e a postura encontra descrição
semelhante no que Lowen refere como “estar com o rabo entre as pernas”.
51

libertação. Por vezes a aluna se assustava com os agudos que conseguia atingir durante as
vocalizações. Ainda apresentava dificuldades com a afinação e o ritmo quando cantava com a
base pré-gravada, mas consideramos que dentro do quadro inicial obtivemos uma melhora de
70%.

Num dado momento, infelizmente, tivemos problemas de saúde que nos afastaram
de nossas atividades regulares, provocando inconstância nos horários, sanadas com a
reposição das aulas. Esse período antecedeu à desistência das aulas por parte desta aluna.

A melhora no quadro geral da aluna era visível e conseguimos obter, pela primeira
vez durante a aula, um bom resultado ao cantar. A voz repentinamente desabrochou e tivemos
uma experiência muito positiva em relação a todos os bloqueios corporais, que, apesar de
ainda estarem presentes, eram cada vez menos evidentes. Foi uma aula feliz e saímos
satisfeitas, com a promessa de retomar músicas que haviam sido abandonadas anteriormente,
agora que havíamos, enfim, descoberto A Voz.

Na semana seguinte, nenhuma das alunas compareceu, e nós soubemos que nosso
trabalho se encerraria ali. De algum modo, talvez tivéssemos ido longe demais. Havia prazer
demais em nossos encontros para alguém que se acostumara tanto à dor e ao sofrimento. Com
efeito, na semana seguinte fizemos nossa última aula. Nossa aluna, inicialmente passiva,
tomou a frente e declarou estar muito insatisfeita com as aulas, com a inconstância de
horários, e não ver nenhum resultado efetivo que a fizesse continuar. “As aulas são sempre as
mesmas, as músicas são sempre as mesmas, não vejo evolução nenhuma nisso.”

Nesse último encontro, ela vocalizou e cantou com prazer e desenvoltura. Ao


término da nossa escassa hora, conversamos sobre a evolução de nosso trabalho conjunto.
Deixamos claro para a aluna o quanto havíamos nos surpreendido com seu crescimento em
todos os níveis, e o quanto estávamos felizes em compartilhar dessa redescoberta vocal.
Colocamo-nos à disposição, caso ambas quisessem retomar o trabalho. Isso nunca foi feito,
mas mantivemos contato via orkut, e é com satisfação que presenciamos, ainda que
virtualmente, uma mudança profunda naquele corpo que expressava uma derrota interior. Os
olhos brilhantes e o sorriso amplo não parecem vir da mesma pessoa que entrara em nossa sala
“apenas para acompanhar a prima”. Ao que sabemos, nossa aluna saiu da casa dos pais e
52

mantém um relacionamento estável e feliz. Os recados carinhosos que eventualmente


recebemos nos dão a certeza de dever cumprido.

Compreendemos, neste caso, a importância do professor como reflexo das


questões emocionais do aluno. Nossa aluna recebeu, através de nossas aulas, estímulos que a
levaram a um padrão corporal, vocal e emocional, que permitiu uma reintegração íntima e
pessoal. Como sua "criança interior" estava muito presente durante todo o processo, era
natural que, ao receber as informações que julgasse necessárias, ocorresse a revolta contra o
modelo, para que pudesse, então, estabelecer por si mesma sua identidade e tornar-se adulta.
53

4.1 - Caso IV
Identificação: 36 anos, sexo feminino, advogada
Autodefinição: Acreditava ser afinada e “ter boa voz”.
Questões emocionais: Descreve um passado de quadro depressivo profundo, com
tentativas de suicídio, e um histórico de relacionamentos afetivos negativos. Não se recordava
de ter sofrido repressões durante a infância, mas relatava ter recebido uma educação muito
rígida.
Histórico vocal: Participou de corais.
Objetivos pessoais: Cantar com prazer e segurança.
Anamnese: A afinação apresentava-se instável, mas ao executar os vocalizes
com o suporte da professora o problema era solucionado. A voz aguda, porém de extensão
reduzida, com timbre opaco e emissão soprosa, oscilava constantemente, apesar de a aluna
dominar a respiração baixa, por conta da prática regular de tai-chi-chuan e meditação. A
postura mostrava-se bastante estável, por praticar esportes como equitação e esgrima. Ao ser
proposto que cantasse acompanhada de uma base pré-gravada, a afinação mostrou-se ainda
mais imprecisa e a emissão ainda mais insegura, porém não foram identificados problemas
com ritmo.

Processo de aprendizado e resultados obtidos

A aluna buscou o curso livre de música desejando cantar com prazer. Permaneceu
conosco por quatro meses, durante o ano de 2005. Deixou as aulas por incompatibilidade de
horário, mas estava satisfeita com os resultados. Nosso processo de trabalho foi bastante
tranqüilo, pois a aluna demonstrava um bom controle respiratório e postural. O que mais nos
preocupava eram a emissão muito insegura e a afinação muito instável, da qual a aluna não se
dava conta.

Iniciamos uma abordagem corporal, objetivando uma tomada de consciência do


processo de respiração controlada e o “despertamento” do corpo. Apesar da boa postura, a
aluna apresentava um corpo pouco expressivo, seus movimentos eram muito lentos e nos dava
a impressão de estar sempre cansada. Seu histórico de depressões profundas nos levava a crer
que essa apatia estivesse ligada a esse quadro, por isso buscamos estimular a vibração do
corpo como um todo, ampliando seus movimentos. Os exercícios de reestruturação corporal
54

eram realizados simultaneamente aos exercícios de respiração e algumas vezes também aos
vocalizes.

A voz, pouco projetada e de afinação instável, respondeu rapidamente,


principalmente pela sua disciplina e pelo prazer que a aluna obtinha, não apenas durante as
aulas, mas também ao realizar os exercícios de respiração e ressonância em casa. Neste caso
em particular, iniciamos imediatamente os exercícios de higiene vocal e ressonância, pois
consideramos fundamental trazer som ao corpo adormecido, ampliando a consciência auditiva
e vocal.

As bases pré-gravadas foram trabalhadas de modo a ajudarmos a aluna a fixar as


entradas e a pulsação, inicialmente com o nosso suporte vocal. Gradativamente fomos
deixando que ela cantasse sozinha. Cada frase musical era trabalhada corporalmente,
praticávamos exercícios de expansão e alongamento, aliados a técnicas de interpretação a
partir da compreensão do texto, criação de imagens e personagens. O exercício que mais surtiu
efeito era muito simples, consistia na movimentação circular dos braços acompanhando a
curva melódica das frases. Isso gerou gradativamente uma expansão da postura, trazendo uma
imagem mais harmônica e altiva durante o canto. Também a projeção e afinação sofreram
grande melhora.

Este caso nos deu a chance de experimentar mais profundamente a fusão dos jogos
e exercícios teatrais como suporte para o trabalho vocal. Ao trazer mais energia ao corpo, que
já era dono de uma boa estrutura postural, a respiração tornou-se plena e controlada e a
afinação ganhou mais estabilidade.

Este foi um trabalho de muito curta duração; talvez pudéssemos obter melhores
resultados vocais se a aluna tivesse continuado as aulas. De fato, ela ainda estava distante de
obter controle da voz cantada, mas a rapidez com que assimilava os exercícios e a sua
disciplina e alegria em relação ao processo nos faziam esperar bons resultados no futuro.

Vivenciamos uma grande frustração quando a aluna abandonou as aulas, por conta
de seus compromissos profissionais. Mas analisamos o quadro geral e sua evolução durante
aquele curto espaço de tempo e pudemos considerar que apesar do tempo escasso e avanços
55

pequenos em relação à estabilização vocal, os reflexos corporais eram positivos e bastante


visíveis.

No final do ano recebemos um telefonema de nossa, então, ex-aluna. Ela nos


agradecia por lhe termos devolvido a alegria de cantar e de viver.
56

4.5 - Caso V
Identificação: 48 anos, sexo masculino, percussionista, atleta.
Autodefinição: Desafinado e sem rimo para cantar, apesar de ser músico.
Questões emocionais: Afirmava ser muito tímido, mas “aventureiro”. Não trouxe
relatos de repressões, mas uma lembrança da infância, muito pobre, como algo presente em
sua vontade de superar obstáculos.
Histórico vocal: Recebeu estímulo familiar para a música durante a infância e
adolescência, tendo experiência com diversos instrumentos musicais, mas sem ter
desenvolvido um estudo formal nessa época, buscando maior especialização já na fase adulta.
Objetivos pessoais: Percussionista de uma banda de MPB no Canadá, onde mora
parte do ano, começou a ser solicitado como cantor por ser o único brasileiro do grupo, e
sentia-se absolutamente incapaz de cantar em público. Procurou aulas de canto para tentar
superar essa limitação.
Anamnese: O aluno apresentava voz média, de timbre bastante opaco e pobre em
harmônicos; emissão instável e soprosa, tanto no que diz respeito à voz falada quanto cantada.
Ao primeiro contato, por telefone, sua voz era quase inaudível; na entrevista, toda a postura
corporal e vocal indicavam insegurança e timidez excessivas, que contrastavam com seu
modo de vida: um estilo aventureiro, viajando de motocicleta pelo mundo. A respiração alta e
curta acarretava oscilação na afinação (imediatamente identificada pelo aluno). Apresentava
boa compreensão das tensões corporais e grande domínio sobre a musculatura, provavelmente
pela prática constante das mais diversas atividades físicas.

Processo de aprendizado e resultados obtidos

O aluno chegou a nosso estúdio através de um anúncio e permaneceu conosco


durante o ano de 2003, entre idas e vindas dos Estados Unidos, tendo entre duas e três aulas
por semana com duração de 1h e 30min. Ao nos telefonar, sua voz era tão insegura que foi
difícil compreender o que dizia.

No primeiro contato mostrou-se extremamente ansioso e inseguro. Contou-nos que


quando a banda decidiu que ele precisava cantar foi tomado de pânico: nunca havia cantado,
achava que era desafinado e mal conseguia falar com as pessoas, tamanha sua timidez.
Decidiu então voltar ao Brasil e procurar aulas de canto e também de violão, que havia
57

aprendido informalmente quando mais jovem. Considerava necessário, já que teria que cantar,
tocar um instrumento harmônico que lhe proporcionasse uma compreensão e domínio
musicais mais amplos.

Este caso nos surpreendeu muito por suas contradições e pelo curto tempo
demandado para a reabilitação vocal. O homem que chegou ao nosso estúdio não se parecia,
corporalmente, com a voz retraída que ouvíramos ao telefone. O porte atlético e jovem, apesar
dos seus 48 anos, contrastava com sua timidez e simplicidade. As origens humildes não o
haviam afastado da música, por conta do pai ter sido músico. Muito jovem, ganhara o mundo
em busca de trabalho, e já havia feito de tudo, desde lavador de pratos a recepcionista de hotel,
passando por mecânico, cozinheiro, etc. Na época, possuía uma pequena fazenda no norte dos
Estados Unidos, que era administrada pelo irmão e a ex-mulher, com quem tinha um filho
adolescente. Arrimo de família, mantinha a mãe e a irmã num sítio em Campo Grande, no Rio
de Janeiro. Viajava de moto pelo mundo, era triatleta e alpinista. Definitivamente, sua voz e
sua timidez não combinavam com seu estilo de vida.

Apesar do porte atlético, sua postura no início das aulas era muito retraída, a
cabeça baixa, e a respiração peitoral curta. Não apresentava grandes focos de tensão a não ser
na região dos olhos e da boca. A voz falada era soprosa e trêmula e, apesar de ser brasileiro,
falava com sotaque americano. A voz cantada era praticamente inaudível, mas não
apresentava grandes tensões e a afinação era estável.

Era mais um caso de auto-avaliação equivocada. Havia problemas em relação à


emissão vocal e à clareza do timbre, mas nenhum problema em relação à afinação. Diríamos
que, de modo geral, o que podíamos captar de sua estrutura física e vocal nos dava a sensação
de uma desconexão, como se uma parte de seu corpo tivesse seguido em frente e outra tivesse
permanecido ligada ao passado. Nossa busca iniciou-se desse ponto, deveríamos reconectar
sua voz ao seu corpo e para isso teríamos que, literalmente, fazer com que fosse capaz de
erguer a cabeça e respirar plenamente, para que pudesse ampliar seus espaços internos e
permitir que a voz soasse livremente.

A reestruturação corporal foi absorvida rapidamente, por seu condicionamento


físico e sua disciplina. Esse trabalho baseou-se na retomada do eixo, a partir do
reposicionamento do pescoço e do alongamento da coluna. Sua alta capacidade de
58

concentração foi muito importante nos momentos iniciais para que tomasse consciência dos
desvios posturais e das tensões faciais. Os exercícios enfocavam o suporte abdominal, o
alongamento e o relaxamento dos músculos da face. O trabalho respiratório foi rapidamente
absorvido, pois o aluno, que também praticava ioga e meditação, já conhecia a respiração com
apoio diafragmático. Tivemos apenas que acrescentar a isso o controle da expiração, e
propusemos que essa prática respiratória fosse levada para o dia a dia, de modo que se
tornasse natural e instintiva.

O aluno chegou a ter três aulas por semana, e sua dedicação diária ao treinamento
corporal, respiratório e vocal surtiu muito efeito; exercitava-se ao menos três vezes ao dia.
Trazia sempre relatórios minuciosos dessa prática, e a cada passo demonstrava uma alegria
exultante. Nunca tivemos um aluno tão disciplinado. Sua entrega ao nosso trabalho era total, e
sua humildade diante da figura do professor não o impedia de nada: pelo contrário,
estimulava-o a evoluir cada vez mais, correspondendo às nossas expectativas e normalmente
extrapolando-as em muito. Reconhecia suas limitações e estava realmente disposto a superá-
las, confiando plenamente em nossas orientações.

Em aproximadamente quatro meses a voz pequena e frágil, que inicialmente não


atingia uma oitava de extensão, adquiriu peso, enriqueceu o timbre ganhando um colorido
muito particular, e ampliou sua extensão em mais uma oitava. A essa altura o aluno cantava
com as bases pré-gravadas com desenvoltura, mostrando uma musicalidade tão aguçada que
era capaz de improvisar e dividir a música como um autêntico “jazz man”. Seu estilo lembrava
Chet Baker, cantando com muita sutileza e elegância.

Os oito meses seguintes foram interrompidos por suas constantes viagens aos
Estados Unidos; mas voltava sempre em forma, pois não deixava de praticar diariamente.
Iniciamos aulas teóricas, praticando leitura e solfejo. Levara para a viagem um CD com os
vocalizes tocados ao piano e um caderno de música com uma série de exercícios teóricos. Ao
retornar, já havia feito muitos progressos. A conscientização corporal e vocal era realmente
surpreendente: já não havia mais a postura tímida, nem a voz inaudível de antes. Muitas vezes
não nos era possível reconhecer sua voz ao telefone, que se tornara clara e firme. Sua postura
adquiriu nova estrutura, não andava mais de cabeça baixa, olhava de frente com um amplo
sorriso e respirava plenamente, sem nenhum traço de ansiedade.
59

Ao completarmos um ano de trabalho, nosso aluno voltou aos Estados Unidos


sentindo-se pronto para cantar em sua banda. Sua gratidão pelas mudanças em sua vida era
muito grande. Sentia-se mais capaz e evidentemente sua voz agora estava de acordo com seu
estilo de vida.

Acreditamos que casos como este estão ligados diretamente ao trabalho de


reestruturação corporal, que se reflete no padrão vocal. O homem que voltou aos Estados
Unidos havia superado a timidez do menino simples, que tivera que lutar bravamente pela
vida. Podia agora olhar o mundo de frente, pois após ter conquistado o mundo tinha
conseguido conquistar a si mesmo. Podia falar e cantar sem medo nem vergonha. Podia
respirar plenamente, pois havia completado um ciclo. Seu corpo e sua voz estavam em
harmonia: estava livre de dúvidas, e sua voz refletia isso.
60

4.6 - Caso VI
Identificação: 56 anos, sexo feminino, produtora cultural.
Autodefinição: Afirmava gostar muito de cantar, mas não considerava sua voz
bela; não relatou desafinação ou problemas rítmicos, mas dificuldades com a respiração.
Questões emocionais: Apesar de conviver num meio propício às artes em geral,
não pode ser cantora por preconceitos familiares. Contraditoriamente, relata ter muitos artistas
na família, inclusive uma irmã, atriz e cantora. Tem uma relação familiar tensa, e passou a
infância tentando agradar a todos. Saiu de casa cedo, abandonando por completo qualquer
ambição em relação à música, e vive uma realidade profissional muito estressante. Tem um
casamento estável e feliz, fruto de um amor de infância, concretizado após a maturidade.
Histórico vocal: Criada em ambiente ligado à arte e a cultura, conviveu com uma
geração de artistas importantes em diversas áreas; chegou a cantar semiprofissionalmente
durante a juventude. Tocou piano durante a infância e retomou as aulas recentemente.
Objetivos pessoais: Buscou as aulas de canto por sentir necessidade de fazer
alguma coisa para si mesma que lhe proporcionasse prazer.
Anamnese: Apresentava uma voz médio-aguda de grande extensão, um belo
timbre, jovem e claro (apesar de ex-fumante), naturalmente colocada nas ressonâncias
supralaríngeas, com unidade de timbre, porém mais habituada ao registro de peito, tendo forte
tendência a comprimir as notas agudas. A postura apresentava aparentemente boa
estabilidade, talvez por conta de uma elegância natural do corpo. Porém, ao vocalizar,
surgiam padrões de tensão e desvios posturais refletindo diretamente na respiração e gerando
esforço desnecessário para cantar, particularmente nos agudos. Não teve dificuldade em
cantar com as bases pré-gravadas. Dona de grande personalidade vocal, imprime sua “marca”
imediatamente ao que canta.

Processo de aprendizado e resultados obtidos

Este caso nos chama a atenção particularmente pelas contradições que apresenta e
pela velocidade com que as questões emocionais surgiram. A aluna chegou a nós por conta
das aulas de piano, que pratica no mesmo curso de música onde lecionamos. Sua busca foi
assumida como “terapêutica”. Estava à procura de algo que lhe proporcionasse prazer.
Costuma “dar canja” em shows de amigos recebendo elogios. Sabe que é musical e afinada,
mas não tem pretensões profissionais.
61

As aulas com esta aluna estão apenas no segundo mês, mas em pouco tempo
pudemos identificar padrões de tensão, que nos levaram a compreender pontos delicados em
relação à sua auto-estima. Definimos um trabalho muito franco com referência às questões
corporais e emocionais.

A primeira vista, pareceu-nos difícil lidar com suas tensões, muito estratificadas
na região do pescoço e dos ombros, bem como com a respiração curta, que aparentemente
estavam ligadas à sua profissão, que gera muito stress. O afrouxamento do abdômen e a
imobilidade pélvica nos pareceram contraditórios com o relato de suas relações pessoais e
com a sua aparente harmonia corporal. Ao primeiro contato, sua imagem nos remeteu a uma
mulher forte, elegante e bem resolvida sexualmente. Mas, ao lidarmos com seu corpo e sua
voz, toda essa “construção” corporal desapareceu, dando lugar a um corpo retraído,
envelhecido e ao mesmo tempo infantilizado.

Os alongamentos e exercícios de reestruturação corporal têm sido bastante


importantes neste período inicial. Temos conseguido que a aluna identifique seus padrões,
apesar de sentir-se “torta” ao ser recolocada no eixo. Porém, ao iniciarmos as vocalizações, os
padrões retornam, obrigando-nos a pausas para correções constantes em sua postura,
retomando alguns alongamentos e agindo diretamente sobre suas tensões, manipulando a
recolocação corporal. A respiração começou a atingir um padrão satisfatório, mas tivemos que
lançar mão de uma imagem de “inversão torácica”, que trouxe resultados imediatos, porém
pouco duradouros. Muitas vezes temos que retomar a concentração inicial e refazer o quadro
imaginário, para que o padrão respiratório se estabilize novamente. É como se estivéssemos
lidando com um corpo que “desmonta” repetidas vezes, tendo que reiniciar o trabalho
seguidamente durante a aula.

As vocalizações são executadas com facilidade, dentro do esperado para esse


processo inicial, pois, apesar de toda a desestruturação corporal, a voz parece não estar
completamente aprisionada. Não existem falhas na passagem, o timbre apresenta unidade, a
voz apresenta instintivamente uma boa ressonância nas cavidades supralaríngeas, e o aparelho
fonador, apesar da instabilidade corporal e respiratória, parece funcionar em harmonia. Esse
quadro é particularmente surpreendente, pois a voz estabiliza-se apesar do desequilíbrio
corporal, como se houvesse nela uma pré-existência, ou como se uma memória fisiológica
fosse acionada durante a emissão vocal.
62

Iniciamos imediatamente o trabalho com repertório, por conta dos objetivos claros
apresentados pela aluna: a busca por algo que lhe proporcionasse prazer. Sua performance é
muito boa, no que diz respeito à afinação, capacidade musical, percepção rítmica;
principalmente, é dotada de grande personalidade interpretativa. Perguntamo-nos porque uma
pessoa dotada de tantas qualidades vocais e musicais não levou adiante o canto como
profissão, já que durante a juventude houve possibilidade para isso. A resposta veio
naturalmente, sem que precisássemos abordar diretamente essa questão.

Apesar de todo o trabalho corporal, respiratório e vocal e a despeito da boa


performance vocal da aluna durante os vocalizes, quando cantava, surgia novamente o corpo
retraído, a respiração curta, o esforço vocal e os agudos espremidos. Sabemos que estamos no
início do trabalho e isso é absolutamente esperado e natural. Mas um fato nos chamou
particularmente a atenção: ao cantar, a aluna adotava uma postura que lhe conferia um aspecto
envelhecido, mas ao mesmo tempo infantil, torcendo as mãos, comprimindo os dedos e
mexendo nas unhas de uma forma muito ansiosa.

Numa aula, propusemos retomar a música do início, e combinamos com a aluna


que iríamos tocá-la enquanto estivesse cantando, para lhe recolocar o corpo na posição
adequada e que ela responderia relaxando a musculatura. A aluna é muito disponível e não
mostrou nenhum desconforto. Iniciamos nossa intervenção direta e deixamos
propositadamente as mãos para o final.

Ao lhe reposicionarmos a coluna, os ombros, o pescoço, o abdômen, os quadris e


estimularmos a respiração plena, suas mãos foram aumentando o ritmo de movimentação,
tornando-se cada vez mais tensas e ansiosas, apesar de a voz responder positivamente às
intervenções. Quando lhe tomamos as mãos, cessando-lhes o movimento e relaxando os
punhos, as palmas e os dedos, a voz voltou a ser comprimida pela tensão no pescoço.
Imediatamente investimos contra essa tensão sem abandonar a mão direita e nos mantivemos
assim até o final da canção. Desse modo, a voz fluiu sem problemas, atingindo as regiões mais
agudas livremente.

Perguntamos à aluna o que havia sentido durante esse processo, e ela se disse
muito relaxada e satisfeita com o resultado; mas havia em sua expressão algo de dúvida. Ao
impedirmos o movimento incessante das mãos e neutralizarmos a tensão do pescoço o
63

resultado positivo foi visível, como poderia ainda duvidar de sua capacidade? Perguntamos se
ainda duvidava de que fosse capaz de cantar realmente bem. Nesse momento toda a sua
história veio à tona.

Quando nasceu, os pais desejavam um menino, e, por conta disso, sempre foi
colocada de lado em relação às irmãs. Passou a vida tentando agradá-las, sendo “boazinha”
para todos e mantendo-se na retaguarda, sem chamar a atenção. Começou a cantar na
adolescência e encontrou na música o desejaria fazer de sua vida. Estudou e recebia estímulo
dos amigos com quem tocava. Porém os pais separaram-se, a mãe casou novamente e, por não
se relacionar bem com o padrasto, saiu de casa aos dezessete anos. Teve que trabalhar para
sustentar-se. As irmãs continuaram a viver com a mãe e o padrasto. Desistiu de cantar para
não desagradar à família, pois, para eles, cantoras eram prostitutas. Curiosamente, suas irmãs
seguiram carreiras artísticas, sendo, uma, atriz e cantora, e outra, pianista. Ela, porém, não se
afastou da música, trabalhando como produtora cultural.

Esse relato sincero nos explicou todas as contradições que havíamos percebido, e
pudemos relacionar as tensões, as mãos infantis, os bloqueios respiratórios e a desestruturação
corporal com a sua história. Nosso trabalho está apenas começando e ainda temos um longo
caminho pela frente. Mas já propusemos à aluna que pense em “ressuscitar” a cantora. A
rapidez com que obtivemos uma resposta emocional e verbal provenientes da reestruturação e
estimulação corporal e vocal nos encaminha para a certeza de que não é possível trabalhar-se a
voz do aluno sem tocar em questões que vão muito além da técnica vocal. Esperamos
continuar no caminho certo, para que nossa aluna possa reencontrar sua bela voz, abandonada
no passado.
64

4.7 - Caso VII


Identificação: 57 anos, sexo feminino, funcionária pública aposentada.
Autodefinição: Descrevia-se como afinada, bom ritmo, porém não considerava
sua voz bonita, mas potente.
Questões emocionais: Não relatou nenhum quadro de repressão vocal, baixa
auto-estima ou qualquer questão emocional relacionada à busca das aulas de canto. Separada,
com um filho adulto, estudante de bateria; relatou péssimo relacionamento com o ex-marido.
Histórico vocal: Cantava desde a juventude, chegou a tocar um pouco de violão;
participou de um coral durante 7 anos e já fazia aulas de canto havia 6 meses. (?) Bastante
crítica em relação aos demais membros do coral do qual participara, dizia sofrer
discriminação por cantar melhor que os demais.
Objetivos pessoais: Continuar trabalhando a voz com objetivos
semiprofissionais, estimulada pelo namorado, músico, que participava de um grupo de samba
e choro.
Anamnese: Vocalizava com relativa facilidade, com uma postura estável. A
respiração curta e instável, apesar de abdominal. Voz de grande extensão e potência, mais
adaptada na região grave, com ressonância de peito. Quebra de registro na região de passagem
da voz. O timbre escuro e um pouco duro não favorecia a sustentação de notas longas. Ao
cantar com uma base pré-gravada havia uma inversão em toda a sua postura, provocando um
encolhimento do corpo que lhe conferia uma aparência envelhecida. A afinação e a emissão se
tornavam instáveis e a respiração insuficiente. De um modo geral, sua “transformação” era
surpreendente.

Processo de aprendizado e resultados obtidos

A aluna já freqüentava aulas de canto havia seis meses, com outro professor,
quando foi nos foi transferida pelo curso livre de música onde lecionamos. Nosso trabalho foi
de curta duração, três meses apenas.

Este caso nos chamou atenção pelo fato de que a aluna apresentava, de modo
geral, bastante segurança em relação à sua capacidade vocal e corporal. Inicialmente nos
pareceu dotada de controle vocal e respiratório, mas, ao longo dos exercícios iniciais,
identificamos desconexão entre as ações respiratórias e vocais. Não apresentava grandes
65

desvios ou tensões corporais, mas certa dificuldade de concentração durante os exercícios


posturais. Apesar da respiração diafragmática estar compreendida racionalmente e ser
executada isoladamente pela aluna, não era possível observar esse mesmo processo durante a
vocalização. Quando passamos ao trabalho de repertório tivemos uma grande surpresa.
Mesmo tendo obtido um resultado vocal relativamente bom durante a vocalização, ao cantar
com a base pré-gravada toda a sua aparente segurança desaparecia. Sua postura inicialmente
altiva transformava-se numa imagem senhoril e retraída. Mesmo assim a voz mantinha um
padrão razoável de afinação. Esse “envelhecimento” corporal refletia-se na emissão vocal, o
timbre antes aberto e potente agora se mostrava opaco e instável.

Desde o início das aulas adotamos os exercícios de reestruturação corporal como


base de nosso trabalho. Concentrávamos as atenções na região pélvica, buscando o equilíbrio
e a postura adequados. Durante os exercícios a aluna encontrou relação com as contrações do
parto e pudemos retomar a partir daí a consciência do foco de energia e sustentação. Porém,
apesar de reconhecer a musculatura da área pélvica, a aluna não mantinha controle sobre ela e
demonstrava desconforto ao trabalhar a sustentação corporal com esse foco. Quando
direcionávamos o trabalho respiratório de modo a expandir-se da região intercostal e
abdominal para a região pélvica, a aluna alegava tonteiras e sensação de sufocamento. Muitas
vezes não era possível dar continuidade aos exercícios por conta da impaciência, ansiedade e
desconforto demonstrados por ela. Segundo o que nos disse, sofria de hiperventilação, ao que
argumentamos ser uma sensação natural decorrente do trabalho respiratório, mas ela pedia
para sentar-se e vocalizar assim para não passar mal.

Por conta de suas dificuldades, procuramos fazer com que fosse prazerosa a
retomada do contato com o corpo, mas cada vez mais a aluna mostrava-se desconfortável e
descontente com nossos métodos. Procuramos explicar a necessidade de equilíbrio corporal
para obter uma respiração adequada que a auxiliasse no canto, mas ela preferia passar
diretamente para os vocalizes e as músicas, não dando importância sequer aos exercícios de
respiração. Por ter cantado em um coral por sete anos tinha adquirido bastante desenvoltura ao
vocalizar, e acreditava ter um bom domínio respiratório, o que, em absoluto, não era real.

Apesar da resistência da aluna ao trabalho proposto mantínhamos um bom


relacionamento pessoal, as aulas eram divertidas e ela parecia sempre bem humorada, mesmo
diante das dificuldades. Decidimos então mudar nossa abordagem e trabalhar uma intervenção
66

corporal direta, durante a prática do canto com as bases pré-gravadas. Enquanto a aluna
cantava, direcionávamos sua postura, de modo a recolocá-la no eixo, e estimulávamos a sua
respiração a partir da incentivação direta do trabalho muscular adequado. Quando ela adquiria
a postura envelhecida e retraída, alongávamos-lhe os ombros, os braços, o pescoço e o peito,
de modo a obtermos uma movimentação mais ampla e condizente com sua postura natural.

Nossas intervenções não surtiram muito efeito. A aluna perdia a concentração, e,


quando conseguíamos melhorar-lhe a postura, surgiam tensões no pescoço e nos ombros, que
geravam uma grande pressão vocal, ausente até então. Quanto mais estimulávamos a
sustentação da musculatura abdominal e pélvica, mais o abdômen se projetava para frente e os
ombros para baixo e para trás. Se não investíssemos diretamente estimulando a reestruturação
corporal, nos parecia que todos os esforços no sentido de reconectar a voz com o corpo seriam
inúteis. Ao mesmo tempo, o estímulo corporal era desconfortável para ela, e não queríamos
que o processo de trabalho se transformasse em algo desgastante. Nosso objetivo era fazer
com que ela pudesse obter o melhor resultado vocal e reestruturasse seu corpo com prazer.

Após várias tentativas frustradas de fazer a conexão entre os exercícios de


reestruturação corporal, os exercícios de respiração, os vocalizes e a prática do canto, tendo
quase esgotado nosso “repertório”, fizemos uma tentativa mais incisiva. Preparamos uma aula
baseada em exercícios teatrais, que objetivavam a concentração no corpo de um modo mais
profundo; nesse dia não aceitamos “bater papo” antes ou durante as aulas.

A aula foi quase toda realizada no chão, com as luzes apagadas, apenas deixando
entrar a claridade natural pelas pequenas janelas da sala. Isso proporcionou um ambiente mais
tranqüilo e favorável aos nossos objetivos. Buscamos orientar a aluna a voltar os olhos para si
mesma, em etapas que se iniciaram dos pés até a cabeça e do umbigo para dentro do
abdômen, num ritmo que favorecesse a respiração plena, lenta e pausada. Pedimos que
visualizasse uma linha, com desenho elíptico como imagem de unificação da visualização do
ápice do eixo, no alto da cabeça, com sua base localizada no meio das pernas, exatamente no
centro dos órgãos sexuais. Adotamos o mesmo procedimento a partir do umbigo e seu ponto
de reflexo nas costas.
67

Utilizamos como ritmo o próprio ciclo respiratório da aluna, que nesse momento
encontrava-se mais amplo e pausado. Os exercícios vocais foram realizados a meia voz,
alternando-se cada série com um exercício de respiração.

Nossa aluna apenas levantou-se na hora de cantar, quando a pusemos diante do


espelho e fizemos com que se olhasse pausadamente e visse a mulher bela e forte que tinha
diante de si. Quando cantou, todo nosso trabalho desmoronou novamente, e o corpo que
havíamos reposicionando tornou-se retraído e envelhecido. Chamamos sua atenção para esse
fato e perguntamos porque era tão difícil para ela permitir-se ser bela, jovem e sensual.
Orientamo-la para que cantasse novamente, e, enquanto cantava, a provocamos verbalmente
para que se visse, se gostasse e se sentisse atraente e feliz; que buscasse prazer em cantar e
que libertasse qualquer sensação presa. Nossa aluna então cantou como nunca havíamos visto,
sua voz projetou-se plena, a respiração estabilizou-se, sua expressão e seu corpo
apresentavam um imenso prazer de cantar e de se ouvir. No final da aula estávamos ambas
satisfeitas e emocionadas. Tínhamos, enfim vencido o medo. Nós a felicitamos por essa
conquista e ela nos agradeceu muito por tê-la “sacudido”. Fizemos planos para nossa próxima
aula, onde trabalharíamos uma música nova como “prêmio” pelos resultados alcançados.

Na semana seguinte a aluna faltou à aula, e nós percebemos que havíamos


ultrapassado seus limites. Após três semanas de faltas e desculpas tolas, ela encerrou
definitivamente seu trabalho conosco. Algumas vezes nos encontramos por acaso, e ela é
sempre muito agradável. Mas, quando perguntamos se não pensava em retomar as aulas,
surgiram as desculpas tolas e a promessa de “um dia” voltar. Mas nós sabemos que ela não
voltará.
68

4.8 - Caso VIII


Identificação: 63 anos, sexo masculino, empresário.
Autodefinição: Afirmava “não ter voz”, nem ritmo para cantar, não conseguia
cantar sequer junto com um CD.
Questões emocionais: Recebeu uma educação muito rígida, nunca pode exercer
atividades ligadas às artes, que muito o atraíam desde cedo, por serem consideradas pelo pai
como “coisa de mulher”. Muito tímido desde a infância, decidira agora, já avô, por conta
inclusive do relacionamento com a neta, buscar atividades ligadas às artes em geral. Por
indicação de seu terapeuta iniciou aulas de dança de salão, onde encontrou grande satisfação e
fez novo círculo de amizades. Buscou aulas de canto como uma tentativa de auxílio na
questão rítmica. Sentia-se muito pressionado por conta da responsabilidade pela manutenção
da família.
Histórico vocal: Amante da música e das artes em geral, porém criado em
ambiente pouco propício ao seu aprendizado. Sofreu grandes repressões durante a infância e
adolescência em todos os níveis por parte do pai autoritário.
Objetivos pessoais: Aprender a cantar, para melhorar sua performance na prática
da dança de salão, na intenção de melhor se relacionar com seu novo círculo de amizades.
Anamnese: Apresentava voz grave, de pequena extensão, pobre em harmônicos,
de timbre velado e ressonância excessivamente nasal. Grande tensão muscular generalizada,
ansiedade, timidez e insegurança extremas, exigindo esforço para a emissão de qualquer som.
A dificuldade com ritmo mostrou-se evidente, mesmo durante vocalizações simples com o
auxílio da professora; porém a afinação mantinha-se estável, ainda que frágil.

Processo de aprendizado e resultados obtidos

O aluno chegou a nós buscando um apoio para a prática da dança de salão que
iniciara havia um ano. Alegava não ter ritmo e “não ter voz” e acreditava que as aulas de
canto o ajudariam a entender a música, melhorando seu desempenho. Fazia sessões de RGP e
obteve apoio de sua fisioterapeuta e de sua terapeuta para isso. Ambas compreendiam que a
aula de canto poderia auxiliá-lo, a primeira em relação à postura e a respiração e a segunda
em relação à timidez. Ele acreditava também que isso o ajudaria nos relacionamentos
pessoais, e, como gostava muito de música, acreditava que seria uma atividade prazerosa.
69

Nosso trabalho durou aproximadamente oito meses e foi marcado por uma série
de problemas pessoais do aluno. Sua vida familiar e profissional atribulada fazia com que
carregasse grande tensão corporal. Tínhamos que lutar a cada dia para desfazer os focos de
tensão espalhados por todo o corpo. A insegurança e a ansiedade marcavam sua expressão
facial, deixando-o com uma tensão concentrada na área dos olhos e boca. A respiração era
naturalmente abdominal, porém muito tensa e restrita a ciclos curtos. Quando seu estado
emocional mostrava-se mais instável, a respiração tornava-se peitoral e pesada.

Desde o início notamos grande dificuldade de concentração e relaxamento, por


isso os exercícios eram feitos todos no chão. Deitado, nosso aluno alongava-se, respirava e
vocalizava, com as pernas flexionadas e os pés apoiados no chão, a uma distância que
proporcionasse o completo apoio da coluna. Trabalhávamos sempre à meia luz, e
estimulávamos sua concentração a partir de exercícios guiados de conscientização corporal e
respiração. Por vezes o aluno adormecia durante os exercícios, até mesmo durante os
vocalizes.

Sua voz pequena e velada oscilava entre a emissão plena e o falsete, sem muito
controle. Não tinha consciência das sensações corporais de ressonância, nem o discernimento
entre graves e agudos. Mesmo com todas essas restrições, ganhamos mais uma oitava em sua
extensão e o aluno espantava-se com o volume que podia produzir durante os vocalizes. Uma
voz grave, de timbre escuro e cheio começou a surgir. Em pouco tempo ele vocalizava sem o
nosso suporte vocal.

Apesar de todas as dificuldades, a voz respondeu rapidamente aos exercícios


vocais e logo pudemos pô-lo a cantar. Por conta de suas necessidades imediatas de obtenção
de “prazer em cantar” iniciamos o trabalho com as bases simultaneamente aos vocalizes e aos
exercícios de estabilização da afinação. Os problemas em relação à percepção rítmica e
harmônica fizeram-se presentes, e era muito comum que o aluno se perdesse completamente
durante as músicas. Não consideramos adequado cantar junto com ele para não criarmos uma
espécie de bengala, por isso buscamos apoio em sua prática de dança de salão. Ele cantava
dançando, e aos poucos o ritmo tornou-se orgânico. Mas se não dançasse durante a música, lá
ia a percepção rítmica “por água abaixo”.
70

Seu estado emocional era muito irregular, e por vezes não conseguíamos sequer
trabalhar os vocalizes, dedicando mais tempo ao relaxamento e à respiração, bem como ao
canto, incluído como parte do relaxamento. Sua voz começava a embargar, e ele mais de uma
vez chorou durante as aulas. Os exercícios de respiração provocaram esse tipo de reação tanto
quanto os vocalizes.

Durante os exercícios de conscientização e reestruturação corporal pedíamos que


nos descrevesse as sensações, e ele não era capaz de uma palavra sequer sobre sua
musculatura torácica em geral. Apesar de praticar dança e RGP, em relação à respiração
parecia haver um grande vazio em seu tórax. Muitas vezes nos descreveu como se estivesse
oco por dentro. Quando estimulávamos as descrições verbais de nosso trabalho corporal, a
respiração que havia se estabilizado adquiria um padrão reduzidíssimo, que chegava a ser
preocupante. Normalmente retomávamos os exercícios de relaxamento e por vezes o aluno
chorava um pouco. Mas rapidamente se refazia e então cantava e dançava alegremente.

Em algumas aulas ele se lembrava da infância, do quanto amava a música e do


quanto fora reprimido vocal e corporalmente. Devido a todo o seu passado de timidez e
repressão, considerava-se um vitorioso por superar dificuldades tão grandes e arraigadas.
Conversávamos muito, e ele sempre nos agradecia por termos paciência e atenção para com
seus problemas. Mostrava-se muito afetuoso e feliz, apesar de todas as suas dificuldades.

Seus progressos vocais eram duradouros e seu entusiasmo era crescente. Trouxe-
nos uma imensa lista de músicas que gostaria de cantar; a maioria delas estava muito acima de
sua atual condição vocal. Mas consideramos positivos o seu ânimo e sua confiança na escolha
do repertório. Selecionamos duas mais acessíveis, pois era importante um repertório que se
adequasse ao seu momento vocal. Nosso objetivo para um futuro próximo era “Travessia” de
Milton Nascimento. Dissemos que teríamos um longo caminho pela frente e ele concordou
em fazer o possível para atingir esse objetivo. Particularmente, acreditávamos que esse dia
chegaria em breve, pois ele mostrava-se muito disciplinado, dedicando-se diariamente aos
exercícios de respiração, postura e ressonância.

Durante uma grande crise profissional e familiar, o aluno desistiu de sua busca
pelo prazer. Nossa última aula foi marcada por um profundo sentimento de derrota de sua
parte, contra o qual lutamos infrutiferamente. Ele chorou muito e disse saber que não tinha
71

direito ao prazer e a felicidade. Amava profundamente as aulas de canto, mas não conseguia
se permitir ser feliz enquanto tantos problemas aconteciam à sua volta. Perguntamos o que sua
terapeuta pensava em relação ao abandono das aulas de canto e ele nos confessou que
abandonara a dança também. Segundo ele, sua terapeuta partilhava da mesma opinião que
nós: não devia sacrificar-se mais uma vez, pois em toda sua vida carregava esse abandono
constante de tudo que amava.

Insistimos muito para que ele continuasse, oferecemos dar-lhe aulas


gratuitamente, por conta das dificuldades financeiras que estava atravessando. Ele nos
agradeceu e disse não ser exatamente essa a questão. O que o impedia de continuar era a
culpa. Sentia-se culpado de tentar ser feliz. Não podia estar ali cantando e respirando
plenamente enquanto sua família esperava que resolvesse os problemas de trabalho e
mantivesse o padrão de vida a que estavam acostumados. Sentia-se envergonhado e
fracassado. Mais uma vez estava fugindo, ele nos disse, mas não considerava possível ser de
outro modo. Nós nos despedimos, ele nos agradeceu por tudo e nós pedimos que ao menos a
terapia não fosse abandonada e que assim que pudesse retomasse suas aulas de dança. Nunca
mais tivemos contato, embora o tivéssemos procurado em busca de notícias.

Considerações finais

Se levarmos em conta a quantidade de casos com resultados positivos e negativos,


numa proporção de seis para dois, podemos afirmar que o saldo é positivo: 75% dos alunos
atingiram os seus objetivos iniciais, e a maioria deles superou em muito as nossas
expectativas. Porém, se observarmos atentamente as necessidades dos alunos que
abandonaram o processo quando nos aproximávamos do centro das questões corporais,
prestes a “soltar os nós”, nos depararemos com 25% de insucesso. Não é uma porcentagem
muito alta, mas nos leva a pensar mais seriamente nos motivos que os afastaram das aulas.

Existe em todos nós, professores, a esperança de fazer com que os alunos sejam
bem sucedidos em suas descobertas: é isso que nos impulsiona. A perda de um aluno a
caminho de sua redescoberta corporal e vocal é muito frustrante. Temos, porém que manter
nossos propósitos e olhar atentamente para esses desistentes. O processo segue o curso
72

possível dentro da relação estabelecida entre professor e aluno, o que não quer dizer que a
desistência deste signifique para o professor um fracasso profissional.

Talvez esses alunos tenham sido levados pela reorganização corporal e vocal a um
impasse: teriam que se colocar frente a frente com suas limitações, para que fosse possível
superá-las. E será que eles de fato queriam superá-las? Torna-se mais simples abandonar o
processo e voltar aos padrões antigos, que, por serem conhecidos, não oferecem ameaças. Mas
e nós professores, como ficamos diante dessa desistência? Devemos nos sentir culpados por
forçar demais o aluno? Por vezes pensamos que deveríamos ter sido menos exigentes,
deixando que o aluno fizesse tudo à sua maneira, sentindo-se mais confortável. Talvez assim
ele não abandonasse as aulas. A pergunta que fica é: de que adiantaria? Estaríamos fechando
os olhos aos conceitos básicos de nosso trabalho, cujo fundamento é a reestruturação corporal
e vocal.

Fomos surpreendidos, ao longo dos anos, pelas implicações psicológicas


decorrentes dessa abordagem, e hoje podemos afirmar que não fracassamos. Todo o trabalho
desenvolvido durante as aulas, por mais imperceptível que possa parecer, ficou gravado
sensorialmente no corpo, na voz e na mente daqueles alunos. Em algum momento essas
sensações poderão vir à tona novamente. E a cada vez que elas ecoarem em suas memórias,
nós teremos a certeza do dever cumprido.

Um professor de canto não pode ensinar a um aluno a cantar sem antes levá-lo a
reconhecer-se em si mesmo. É do reconhecimento do seu próprio corpo que o aluno parte, em
busca de uma nova imagem, mais equilibrada e harmoniosa, onde a respiração estará plena, o
corpo estará firmemente equilibrado e a voz, enfim, estará liberta.
*
73

CONCLUSÃO

No trabalho do professor de canto a busca de atualização e aprimoramento revela-


se uma necessidade constante. Incluem-se aí possibilidades novas de compreensão do
aparelho fonador, entendido como integrando o corpo de uma forma que abrange mais do que
se pode perceber com os olhos e os ouvidos. Em dez anos de docência, sofremos as
dificuldades decorrentes de lacunas importantes em nossa formação, que tentamos suprir por
meios próprios, recorrendo a outras áreas de conhecimento, como o Teatro e a Psicanálise,
além das vivências pessoais. Essas faltas transformaram nosso aprendizado no que pode ser
definido como uma grande luta solitária. Os casos aqui apresentados, sob uma visão técnica,
fisiológica e psicológica, nos levam à conclusão de que o professor de canto precisa,
atualmente, para o bom desempenho de seu trabalho, talvez de mais ajuda do que os seus
alunos.

A dissociação sistemática entre corpo - voz - emoção, no trabalho relativo à voz


cantada, faz com que certas questões mostrem-se urgentes. Como é que nós, professores de
canto, poderemos lidar com o universo bio-psíquico que trazem nossos alunos? A fim de
melhor entender esse fenômeno tão presente, foi para nós fundamental a contribuição da
Psicanálise, em sua derivada conhecida como Bioenergética, com sua ênfase na história de
vida do indivíduo e no papel, para a constituição da personalidade, dos fenômenos
inconscientes e da repressão sexual ocorrida na infância.

Esse suporte teórico nos auxiliou a melhor equacionar o conjunto inquietante de


indagações que preenchem nosso dia-a-dia. Entre elas: como lidar com as tensões corporais
que se originam em um passado remoto, ao qual na maioria das vezes, nem nós nem nossos
alunos teremos acesso direto, visto tratarem-se de questões inconscientes? Como acessar essas
tensões e liberá-las de modo a realizar um trabalho vocal baseado em um corpo saudável sem
ultrapassar os limites suportáveis para o aluno? O que serão esses limites? Onde
aprenderemos esses processos? Tais processos fazem parte do aprendizado musical, ou dizem
respeito a técnicas terapêuticas, com as quais o professor de canto não deveria se envolver?
Não estaríamos nós, professores de canto, necessitados de maior sedimentação psicológica em
nossa formação, para que pudéssemos atender aos propósitos de reestruturação corporal e
emocional que concorrem para o aprendizado do canto?
74

Pensando nessas questões, tão comuns aos profissionais que se dedicam ao estudo
e ensino da voz cantada, e a partir de experiências ditadas por nossa busca, descrevemos a
metodologia aplicada em sala de aula e os resultados obtidos. Ao trabalhar as ressonâncias e
tensões corporais o professor acaba por colocar o aluno frente a questões delicadas, que
podem ser as origens dessas tensões que “amarram” o canto.

Durante o trabalho, o professor de canto não deve se envolver diretamente com


essas questões, nem mascarar o processo de descoberta íntima pelo qual passa o aluno em
contato com a sua memória corporal. Esse mascaramento acontece quando o professor se
atém exclusivamente ao uso da técnica vocal. Se o aluno consegue superar esse momento de
crise e continuar as aulas, ambos terão a experiência gratificante de um trabalho sedimentado
na confiança e na cumplicidade. Pois, ao lidar com uma linguagem não verbal, o professor
leva o aluno a descobertas pessoais, sem a interferência direta de outro agente externo, o que
lhe confere um sentimento de vitória e aceitação de si mesmo. Essa aceitação libera os nós
que aprisionavam a voz que existe dentro de cada ser como expressão mais ampla e profunda
de sua existência física, mental e emocional. E essa voz carregará consigo os reflexos desse
ser que agora sente mais prazer em estar em seu próprio corpo, seja ele como for.

Entretanto, embora tenhamos obtido resultados positivos em nosso trabalho, no


relacionamento com nossos alunos, baseados nessa visão ampla do ensino do canto, não nos é
possível ainda responder a todas as questões que colocamos. Buscamos a melhor forma de
restabelecer a unidade corporal, vocal e emocional de nossos alunos, e apesar de vivenciarmos
experiências concretas nesse sentido, ainda estamos pesquisando. O principal objetivo deste
trabalho foi exemplificar uma prática que, acreditamos, poderá ser útil ao ensino do canto.
Compartilhamos assim com nossos companheiros de profissão nossas questões e nossas
descobertas, a fim de podermos um dia compreender o “ser cantor” como uma unidade mais
ampla e surpreendente do que hoje o sabemos.

Lembremos do processo pelo qual passam os instrumentos até que estejam


prontos para serem levados às mãos dos músicos que os farão vibrar plenamente. Quando um
instrumento soa, ele revela em seu timbre o trabalho do seu construtor, a qualidade do
material usado e o bom uso que o executante faz dele. E não apenas durante a performance,
mas também no dia-a-dia, refletindo o cuidado que lhe é dispensado durante as horas de
estudos e nos momentos de descanso.
75

Paralelamente, podemos dizer que o cantor, como instrumento único em si


mesmo, soa a sua infância, soa o seu passado, suas alegrias e seus medos, suas tensões
escondidas, suas repressões e suas memórias inconscientes. Esse material imponderável, do
qual o instrumento vocal é forjado, liga-se aos órgãos que trabalham incansavelmente,
resistindo a tudo que lhes é imposto pelo mundo exterior e interior de seu executante, em
busca de uma boa performance. Devemos compreendê-lo não como apenas um instrumento,
mas como vários, como uma orquestra, e seu próprio regente.

Por isso, aquele que decidir dedicar-se ao ensino do canto deve ter em mente que
à sua frente não está um aluno em busca de técnica vocal, mas um ser múltiplo, que deixará
em suas mãos muito mais do que suas cordas vocais, mas toda a sua estrutura individual. E é
somente através da compreensão dessa estrutura que poderemos um dia “entregar a batuta ao
regente” e observá-lo, a “tocar” todo o seu corpo como uma orquestra cuja sonoridade plena,
então poderemos chamar de A VOZ.

***
76

Referências

Imagens:

Figura 1 - aparelho fonador - www.ocorpohumano.com.br - acessado em 10/06/2006

Figura 2 - aparelho fonador - www.zainea.com/voices - acessado em 25/06/2006

Livros:

ABREU, Felipe A questão da técnica vocal ou A busca da harmonia entre música e palavra.
In: MATOS, Claudia; MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elisabeth (Orgs.).
Ao encontro da palavra cantada – poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001,
p.104-112

ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. Rio de Janeiro: Villa Rica Editoras
Reunidas, 1991

BARBOSA-SOARES, Vilma. Etapas do desenvolvimento na teoria de Freud. Apostila de


PDE - Psicologia do Desenvolvimento Rio de Janeiro: UNIRIO

_______________. Observação da Relação Mãe-Bebê - Relatório Final. Teresópolis:


Associação Psicanalítica de Teresópolis, 2006

_______________. Psicodinâmica de Freud: Paralelos entre a teoria psicanalítica e as


interpretações convencionais da aprendizagem. Apostila de PDE - Psicologia do
Desenvolvimento. Rio de Janeiro: UNIRIO

BEHLAU, Mara. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Editora Revinter, 2001, Vol. 1

BROWN, Oren L. Discover your voice: How to develop healthy voice habits. Londres:
Singular Publishing Group, 1996

DINVILLE, Claire. A técnica da voz cantada. Rio de Janeiro: Enelivros, 1993

FREGTMANN, Carlos Daniel. Corpo, Música e Terapia. São Paulo: Editora Cultrix, 1995

FREUD, Sigmund. Cinco lições de psicanálise; A história do movimento psicanalítico;


Esboço de psicanálise; PAVLOV, Ivan Petrovich. Textos escolhidos. 1. ed. São Paulo:
Editora Abril, 1974, Os Pensadores: Vol. XXXIX – Freud e Pavlov

_______________. Obras completas: Fragmento da análise de um caso de histeria; Três


ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. 1. ed. Rio de Janeiro: Imago
Editora, 1972, Vol VII

_______________. Obras completas: Escritores criativos e devaneios. 1. ed. Local: Editora


Imago, ano, Vol III
77

GARDE, Edouard. La Voix. 4. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1970

HARGREAVES, David Jr. The developmental psychology of music. Londres: Cambridge


University Press, 1999

KLEIN, Melanie. Obras Completas: Inveja e gratidão e outros trabalhos. 4. ed. Rio de
Janeiro: Imago Editora, 1991, Vol III

_______________. Obras Completas: O Desmame. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora, ano, Vol III

_______________. Obras Completas: Situações de ansiedade infantil refletidas em uma obra


de arte e no impulso criativo. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora, ano, Vol III

LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf: Caminho para um ensino mais humano. São Paulo:
Smmus Editorial, 1979

LEHMANN, Lilli. How to sing. 4. ed. Nova York: Dover Publications, 1993

LOWEN, Alexander. Exercícios de Bioenergética: O caminho para uma saúde vibrante. São
Paulo: Editora Ágora, 1985

_______________. Prazer: Uma abordagem criativa da vida. São Paulo: Summus Editorial,
1984

McCALLION, Michael. The voice book: For everyone who wants to make the most of their
voice. Londres: Faber and Faber, 1998

MILLER, R. The structure of singing. Nova York: Schirmer Books, 1996

NEWTON, George. Sonority in singing: A historical essay. Nova York: Vantage Press, 1984

REICH, Wilhelm. A função do orgasmo. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988

RUUD, Even. Caminhos da musicoterapia. São Paulo: Summus Editorial, 1990

SIVADON, Paul. Corpo e terapêutica: Uma psicopatologia do corpo. Campinas, SP: Papirus
Editora, 1988

SOBREIRA, Silvia. Desafinação vocal. 2. ed. Rio de Janeiro: Musimed Edições Musicais,
2003

TEIXEIRA, Silvio Bueno. Estudos sobre a voz cantada. São Paulo: A. P. Editora, 1970

VILLELA, Eliphas Chinellato. Fisiologia da voz. São Paulo, 1961

WERBECK-SVÄRDSTRÖM, Valborg. A Escola do Desvendar da Voz: Um caminho para a


redenção na arte do canto 2. ed. São Paulo: Editora Antroposófica, 2004
78

Periódicos:

VITIELLO, Nélson. Um breve histórico do estudo da sexualidade humana. In: RBM –


Ginecologia e Obstetrícia. São Paulo: 1997, Vol VIII, nº 3

Monografias:

LIMA PEDROSO, Maria Ignez de. Técnicas Vocais para os profissionais da voz. Monografia
para conclusão do Curso de Especialização em Voz – CEFAC São Paulo:1997

Dissertações:

DASCAL, Miriam. Eutonia “O saber do corpo”. Dissertação apresentada ao Curso de


Mestrado em Artes ao Instituto de Artes da UNICAMP. Campinas: 2005

Entrevistas:

SARVAT, Marcos - Médico otorrinolaringologista, Cancerologista e Cirurgião de cabeça e


pescoço, Mestre em Otorrinolaringologia pela UFRJ e Doutor em Ciências pela UNIFESP,
ex-presidente da Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz, diretor do Instituto de
Laringologia e Voz do Rio de Janeiro. Em entrevista concedia à autora em 11/06/2006.

Material de Internet:

Textos diversos:

ABORL – CCF. Consenso Nacional sobre Voz Profissional. Rio de Janeiro: 2004 In:
www.rborl.org.br Acessado em: 08/06/2006

ACADEMIA BRASILEIRA DE LARINGOLOGIA E VOZ. A Voz. 8º Campanha Nacional


da Voz. 2006. In: www.ablv.com.br Acessado em: 08/06/2006

_______________. Desenvolvimento de qualidades vocais: exercícios e seus objetivos. 5º


Campanha Nacional da Voz. 2003. In: www.ablv.com.br Acessado em: 08/06/2006

_______________. Voz-Corpo-Linguagem. 5º Campanha Nacional da Voz. 2003. In:


www.ablv.com.br Acessado em: 08/06/2006

_______________. Voz e relação educativa. 5º Campanha Nacional da Voz. 2003. In:


www.ablv.com.br Acessado em: 08/06/2006

WORLD FEDERATION OF MUSIC THERAPY, (WFMT). In: www.musictherapyworld.net


Acessado em: 28/05/2006
79

Entrevistas:

RENNÓ, Adelina. Entrevista. In: www.vencer.com.br Acessado em: 03/05/2006

_______________. Entrevista. In: www.clipmulher.com.br Acessado em: 03/05/2006

Artigos:
ALMEIDA, D. Considerações neuropsicofisiológicas sobre a couraça muscular. In:
Convenção Brasil Latino América, congresso Brasileiro e Encontro Paranaense de
Psicoterapias Corporais. 1., 4., 9., Foz do Iguaçu. Anais... Centro reichiano, 2004 CD-ROM
[ISBN – 85-87691-12-0] In: www. centroreichiano.com.br/artigos.htm Acessado em:
05/06/2006

AZEVEDO, Renata Philadelpho. Um pouco da vida e obra de Alexander Lowen. 1996. In:
www.artesdecura.com.br Acessado em: 25/05/2006

BACRI, A. P.; SOARES, M. V. Influências dos bloqueios corporais na aprendizagem da


criança. In: Convenção Brasil Latino América, congresso Brasileiro e Encontro Paranaense
de Psicoterapias Corporais. 1., 4., 9., Foz do Iguaçu. Anais... Centro reichiano, 2004 CD-
ROM [ISBN – 85-87691-12-0] In: www. centroreichiano.com.br/artigos.htm Acessado em:
05/06/2006

CABRAL ROCHA, Filomena et al, Técnica vocal: guia básico para professores. Instituto
Irene Lisboa, Lisboa (2002) In: www.iil.pt/Ficheiros/TECNICA_VOCAL.doc Acessado em:
12/05/2006

CAMPAGNARO, J. João. Classificação das Vogais. In: www.brazilianportugues.com


Acessado em: 20/06/2006

_______________. Classificação das Consoantes. In: www.brazilianportugues.com Acessado


em: 20/06/2006

GOUVEIA, Lidia Maria de. A Fonoaudiologia e o Canto. Universidade Cruzeiro do Sul, In:
www.geocities.com/Vienna/9177/fonocanto.html. Acessado em: 06/05/2006

GUEDES, Maria Célia. O que é o “Desvendar da Voz” - Voz, arte e consciência. Passa
Quatro: 2005. In: www.michaelis.org.br. Acessado em: 06/05/2006
SAKAI, F. A.; LORENZZETTI, C; ZANCHETTA, C. Musicoterapia corporal. In:
Convenção Brasil Latino América, congresso Brasileiro e Encontro Paranaense de
Psicoterapias Corporais. 1., 4., 9., Foz do Iguaçu. Anais... Centro reichiano, 2004 CD-ROM
[ISBN – 85-87691-12-0] In: www. centroreichiano.com.br/artigos.htm Acessado em:
05/06/2006

VOLPI, Sandra Mara. Psicopedagogia Reichiana. Curitiba: Centro Reichiano, 2003. In:
www. centroreichiano.com.br/artigos.htm Acessado em: 05/06/2006

ZINK, L. Sexualidade - de Reich ao contemporâneo. In: Convenção Brasil Latino América,


congresso Brasileiro e Encontro Paranaense de Psicoterapias Corporais. 1., 4., 9., Foz do
Iguaçu. Anais... Centro reichiano, 2004 CD-ROM [ISBN – 85-87691-12-0] In: www.
centroreichiano.com.br/artigos.htm Acessado em: 05/06/2006

Você também pode gostar