Resolução Facultativa Dos Casos Práticos - Simão Póvoa
Resolução Facultativa Dos Casos Práticos - Simão Póvoa
Resolução Facultativa Dos Casos Práticos - Simão Póvoa
os 5 e 8
Direito Comercial II – Sociedades Comerciais
Simão Pedro Ribeiro Teixeira Pina Póvoa | Subturma 11 | n.º 58524 | 27 de Abril de 2020
Carlos, Daniel e Eduardo resolveram mudar de vida e abrir uma Garrafeira especialista em
castas portuguesas. Adquiriram um espaço, compraram o stock e começaram a
comercialização dos vinhos.
Ora, em primeiro lugar, nesta questão, temos uma situação de sociedade material, esta
regulada pela norma do art. 36º, n.º 1 CSC. A mesma refere-se a situações em que haja uma
sociedade material, sem que haja qualquer acordo entre as partes. Há, então, como no caso
em questão, contribuições feitas por duas ou mais pessoas, para o exercício em comum de
uma determinada atividade económica que transcende a mera fruição e cujo fim é a repartição
de lucros, faltando, apenas, um contrato ou outro título legitimador.
No caso das sociedades materiais, e é isso que as distingue das pré-sociedades antes do
contrato, não existe (definitivamente ou ainda) a intenção de celebração de um contrato de
sociedade pelos sócios. Ora, se o enunciado dissesse que Carlos, Daniel e Eduardo
começaram a atividade, porém, com o futuro objetivo de celebração de um contrato de
sociedade, então já seria essa uma pré-sociedade antes do contrato, aplicando-se, antes, a
norma do art. 36.º, n.º 2 CSC.
Como o negócio corria bem, os três amigos resolveram constituir, em janeiro de 2020, uma
SPQ, que ainda não se encontra registada. No contrato de sociedade ficou expresso que a
sociedade assumia a dívida de € 155.000,00 correspondente ao valor do stock inicial, mas
nada é dito quanto ao imóvel adquirido para a instalação da garrafeira, nem quanto aos €
1.500,00 dos honorários pagos aos advogados no processo de constituição.
Aqui, já existe, isso sim, a celebração de um contrato de sociedade. Aliás, como refere o
enunciado, os três amigos celebraram o contrato de sociedade porque “o negócio corria bem”,
ou seja, a meu ver, a vontade de constituição da sociedade só surgiu após os resultados
positivos, não existindo originalmente, no início da sua atividade, logo, não existiu nunca essa
intenção original de celebração de contrato de sociedade, não se aplicando, assim, a norma do
art. 36.º, n.º 2 CSC, sendo aplicada, mais uma vez, a norma do art. 36.º, n.º 1 CSC.
Assim, como refere o art. 980.º, o «contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais
pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa
atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes
dessa atividade».
Ora, o processo normal de constituição de uma sociedade, para além do próprio contrato de
sociedade, exige o registo da sociedade e a publicação do mesmo contrato. Mais, o contrato de
sociedade, segundo o art. 7.º CSC, trata-se de um contrato formal.
Refira-se que, de forma a que o contrato de sociedade possua eficácia geral, e não apenas
inter partes, exige-se o ato de registo, que será aquele que possibilitará o contrato de
sociedade deter eficácia erga omnes, ou seja, perante novos sócios, perante terceiros, perante
credores, entre outros. Acrescente-se que tal contrato deverá ser interpretado de um ponto de
vista objetivo.
Ora, assinado o contrato de sociedade, porém, não se efetuando o registo, estamos perante
uma situação de pré-sociedade depois do contrato, mas antes do registo, regulada pelo art.
37.º CSC.
Novamente, repita-se, as fases necessárias para a formação de uma sociedade são: o contrato
de sociedade escrito e com assinaturas presencialmente reconhecidas (7.º/1 CSC); o registo
(18.º CSC) e a publicação do ato constituinte (167.º CSC). Porém, poderá haver ainda um
registo prévio, antes do contrato escrito. Tal é possível pois, como refere o Sr. Prof. Januário da
Costa Gomes, existe um roteiro normal, porém, as partes poderão optar por constituir
sociedades de outra forma, por via do art. 18.º CSC, podendo as partes optar por iniciar um
registo prévio.
Neste caso concreto, estamos perante uma situação de sociedade irregular por incompletude,
o que, de acordo com o Sr. Professor. Menezes Cordeiro, corresponde aos casos em que haja
incompletude do processo, como é o caso, seja por ausência do registo, ou por falta da
escritura. Há uma efetiva presença de organização societária em funcionamento, com relações
atuantes, mas não houve a conclusão do processo formativo.
Ora, os contratos de sociedade, como nos dão a indicar os arts. 18.º, n.º 5 CSC e 3.º, n.º 1, al.
a) do Código de Registo Comercial, devem ser inscritos no registo comercial. O registo
comercial tem o efeito de atribuir personalidade jurídica à sociedade constituída naquele ato
constituinte, conforme refere o art. 5.º CSC. Assim, trata-se de um registo de caráter
constitutivo, na medida em que a personalidade jurídica da sociedade só pode ser invocada
após o registo definitivo do ato constituinte.
Porém, destaque-se que, apesar da eficácia constitutiva do registo, a ausência deste não
significa, obrigatoriamente, a inutilidade do ato constituinte, visto que a sociedade existe ainda
antes do registo e há disposições legais de natureza societária que lhe são aplicáveis. Assim,
como refere o art. 19.º CSC, através do registo, há a consequência, para a sociedade, da
assunção de direitos e deveres decorrentes de atos em nome dela realizados antes do registo.
Destaque-se que, na situação em causa, estamos a tratar de uma sociedade por quotas, em
que os sócios são solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no
contrato social, havendo responsabilidade limitada dos sócios, respondendo o património social
para com os credores da divida da sociedade (art. 197.º CSC).
Portanto, relativamente à dívida de stock, no valor de 155.000€, esta corresponde a uma dívida
constituída antes da constituição da sociedade. Assim, refere o art. 19.º, n.º 1, al. c) CSC, essa
dívida será assumida pela sociedade com o regime definitivo do contrato.
Refere ainda o art. 19.º, n.º 3 CSC que a assunção, pela sociedade, do negócio relativo ao
stock inicial, liberará as pessoas indicadas na norma do art. 40.º CSC da responsabilidade aí
prevista. Ou seja, por outras palavras, a responsabilidade ilimitada e solidária de Carlos, Daniel
e Eduardo pela celebração do negócio avaliado em 155.000€ cessa, sendo a mesma
transferida para a esfera da sociedade, com o registo do contrato de sociedade.
Porém, não se sucedeu qualquer registo do contrato, como refere o enunciado. Assim sendo,
prevalece ainda a norma do art. 40.º, n.º 1 CSC, sendo Carlos, Daniel e Eduardo responsáveis,
solidária e ilimitadamente, pela dívida de 155.000€, até que o devido registo definitivo seja
levado a cabo.
No primeiro caso, a ideia inicial era manter o imóvel em compropriedade dos sócios que o
arrendavam à sociedade; quanto aos honorários, nenhum deles se lembrou desta despesa...
Nesta situação, dá-se a celebração de um contrato de fornecimento com outra entidade (TR).
Tal celebração deu-se, novamente, após a celebração do contrato de sociedade e antes do
registo definitivo do mesmo.
Ora, tendo em conta que o contrato entre Carlos e Daniel e a TR foi celebrado antes do registo
da sociedade, aplicar-se-á, novamente, a norma do art. 40.º, n.º 1 CSC.
Assim, este valor de 50.000€ deverá ser assegurado, ilimitada e solidariamente, por Carlos e
Daniel, por terem agido em representação da sociedade no negócio com a TR, até que o
devido registo definitivo seja levado a cabo – pois aqui, através da norma do art. 19.º, n.º 1, al.
c) e n.º 3 CSC, a dívida será assumida pela sociedade.
Eduardo, que, entretanto, chegou de uma viagem de dois meses a França para participar em
diversas feiras de vinhos, ficou chocado com a notícia. Não só nunca teria concordado com o
negócio, como deseja agora que o imóvel da garrafeira se torne propriedade da sociedade...
Por seu lado, Eduardo, não tendo concordado nem participado no negócio com a TR em
representação da sociedade, não deverá, pela norma do art. 40.º, n.º 1 CSC, responder
ilimitada e solidariamente por esta dívida de 50.000€.
Porém, pela compreensão da mesma norma, entendemos, neste caso concreto, que Eduardo
terá que responder até à importância da entrada a que se obrigou, em acréscimo às
importâncias que tenha recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas, caso se tenha
sucedido.
No caso do imóvel, a sua aquisição parece-me tratar-se de uma das situações referidas pela
norma do art. 19.º, n.º 4 CSC. Assim sendo, não me parece que a aquisição do mesmo poderá
ser assumida, ao nível do seu pagamento, pela sociedade, devendo a mesma ser feita pelos
sócios em questão, solidária e ilimitadamente.
Estavam os sócios em animada discussão quando chegou uma carta do Dr. Basílio, dirigida à
sociedade, na qual o ilustre advogado informava que a sociedade acabava de ser registada e
requeria, novamente, o pagamento dos honorários em atraso...
Quid juris?
Ora, à primeira vista, esta despesa não se julgaria pertencente ao objeto social da sociedade
comercial. Assim, pelo art. 19.º, n.º 4 CSC, a sociedade não poderia assumir a mesma
despesa, ficando Carlos, Daniel e Eduardo responsáveis, solidária e ilimitadamente, pela
mesma, segundo a norma do art. 40.º, n.º 1 CSC.
Porém, refere o Sr. Professor Menezes Cordeiro que deverá ser feita uma redução teleológica
desta norma do art. 19.º, n.º 4 CSC, de modo a não se incluir na exclusão de despesas, esta
despesa, na constituição de sociedade, pelos serviços de um advogado. Caso contrário,
existiria, segundo o Sr. Professor, uma situação de enriquecimento sem causa, pois a
sociedade iria beneficiar de serviços pelos quais não despendeu qualquer quantia, algo que
não parece ter nexo, de acordo com a sua perspetiva.
Assim sendo, tendo em conta já se deu o registo definitivo da sociedade em questão – pois tal
é referido pelo advogado – poder-se-á aplicar o art. 19.º, n.º 1, al. a) CSC, assumindo a
sociedade as obrigações em relação ao advogado em questão, o Dr. Basílio.
Caso Prático n.º 8
Emanuel e Marante, sócios da sociedade anónima Clave de Sol, S.A. (“CS”) — mais
conhecida como a Blue Note de Arganil —, decidiram expandir o negócio de agenciamento e
edição musical, e lançar-se no mercado de música ligeira e ligeiro-independente do sul do país.
Para o efeito, em 2015, decidiram aumentar o capital da CS, dando assim sinais de solvência e
musculatura financeira ao mercado. Cada um detém 30% do capital social.
Em primeiro lugar, é importante referir que estamos perante uma sociedade anónima.
No ano de 2014, Emanuel e Marante decidiram aumentar o capital da Clave de Sol. Ora, em
virtude deste dado, considero fulcral falar sobre a temática do aumento de capital.
A regra geral do aumento de capital encontra-se prevista no art. 87.º CSC. No entanto, apesar
da sua generalidade, este dispositivo aplica-se aos aumentos de capital por novas entradas e
não por incorporação de reservas. As modalidades do aumento de capital abrangem: as novas
entradas, seja de sócios ou de terceiros; a incorporação de reservas; e a transformação das
dividas em capital – porém, o Sr. Prof. Menezes Cordeiro refere que esta última se encontra
incorreta, só existindo as restantes duas modalidades.
Nas novas entradas, há novos bens na esfera da sociedade, dinheiro fresco ou outros bens
suscetíveis de penhora. Já no que toca à incorporação de reservas, os montantes que estavam
contabilizados como reserva, passam a valer como capital social.
No que diz respeito a Emanuel, é nítido que estamos perante uma situação de entrada em
espécie, que se traduz na cedência dos direitos de exploração comercial da música. As
entradas serão em espécie quando transfiram, para a sociedade, direitos patrimoniais
suscetíveis de penhora e que não se traduzem em dinheiro (art. 28.º, n.º 1). No entanto, em
bom rigor, a entrada não chega a ser realizada (art. 25.º, n.º 1, 26.º, n.º 2 e 27.º CSC).
Estamos, assim, perante um aumento de capital, na modalidade de novas entradas, em que
Emanuel se obrigou a entrar com 15.000€ em dinheiro.
Não obstante tudo isto, tratar-se-ia de uma entrada em espécie dissimulado, necessitando de
ser avaliada por um revisor oficial de contas, nos termos do art. 28.º CSC, visando o art. 27.º,
n.º 5 CSC acautelar a aplicação do art. 28.º CSC. Ora, refira-se que esta entrada em espécie
dissimulada corresponde à entrada através da aquisição de bens dos acionistas.
Verdade é que não se sucedeu esta avaliação exigida, logo, tal pretensão de Emanuel não
será possível. Emanuel teria, portanto, de efetuar a entrada de 15.000€.
Estamos, assim, perante uma situação de compensação, sendo que o art. 27.º, n.º 5 CSC
proíbe a entrada por compensação, exceto se preenchido o n.º 4 do art. 27.º CSC.
Importa, ainda, nesta situação, distinguir duas vertentes das entradas em crédito: as entradas
com créditos sobre terceiros e as entradas com créditos sobre a própria sociedade.
Urge perceber-se a razão da proibição legal, colocando-se a questão de saber se será ou não
admissível a entrada por compensação de créditos, ou seja, a entrada com créditos detidos
pelo credor, o sócio, sobre a sociedade, que se extingue pela via compensatória, nos termos do
artigo 847.º CC (Código Civil).
Em suma, estamos perante uma entrada em espécie dissimulada, tendo de ser avaliada pelo
revisor oficial de contas, nos termos do art. 28.º CSC, sendo que, numa lógica sistemática, o
art. 27.º, n.º 5 CSC visa acautelar a aplicação do art. 28.º CSC. Então, estamos perante uma
compensação, sendo que o art. 27.º, n.º 5 proíbe a entrada por compensação, exceto se
preenchido o n.º 4 do art. 27.º. Assim, como não houve avaliação, não é possível tal pretensão,
tendo Emanuel de efetuar a entrada de 15.000€.
(ii) Marante foi mais esperto: entregou à sociedade os € 15 000 a que se comprometera
por ocasião do aumento, e promoveu o pagamento pela CS de uma dívida antiga, de €
15.000, resultante da venda de uma mesa de misturas em 2015.
Para além de uma nova entrada, penso que estamos perante um problema de aquisição de
bens a acionistas, previsto no art. 29.º CSC. Este artigo visa acautelar a avaliação do art. 28.º
referente a obrigações de entrada em espécie, permitindo evitar que um acionista que tenha
entrado com dinheiro para a sociedade, venha, posteriormente, ainda na fase embrionária da
sociedade ou na fase posterior a um aumento de capital, vender um bem à sociedade,
sobreavaliando-o em prejuízo desta, não sendo alvo de verificação das entradas em espécie,
consagrada no art. 28.º CSC.
Perante esta situação, então, ou aplicamos o art. 29.º CSC, ou, por outra via, o art. 27.º, n.º 5
CSC.
Nesta situação, não temos uma compensação pois há uma entrada em dinheiro, logo, a sua
obrigação extingue-se por cumprimento, sendo que, dessa forma, não seria aplicável o art.
27.º, n.º 5 CSC.
Porém, coloca-se uma questão: não será uma compensação encapotada? É importante, então,
saber se Marante está a tentar ultrapassar o art. 27.º, n.º 5 CSC. Para entendermos esta
situação, então, possuímos, novamente, duas vias: ou o art. 29.º CSC, ou o art. 27.º, n.º 5
CSC.
Por outro lado, o art. 27.º, n.º 5 CSC possui um problema de proibição de compensação. A
jurisprudência e a doutrina alemãs referem as seguintes situações: o crédito podia e devia ter
entrado na sociedade, por via do aumento do capital (proximidade objetiva); ou a entrada tem
de ser temporalmente próxima do aumento de capital (proximidade temporal – a doutrina alemã
refere, nesta situação, o prazo de seis meses, porém, temos um paralelo sistemático no art.
29.º CSC, que refere um período de dois anos, logo: pergunta-se se devemos aplicar esse
prazo). Mais, acrescente-se que a estas proximidades se junta o critério objetivo e subjetivo.
Assim, a parte, Marante, não tem de ter intenção, bastando apenas a consciência.
Ora, nesta alínea, encontramos outro problema, este relacionado com a questão das
contribuições suplementares.
As prestações suplementares foram fixadas para as sociedades por quotas pelos arts. 210.º a
213.º CSC, sendo que as mesmas se distinguem das prestações acessórias, na medida em
que possuem sempre conteúdo pecuniário (art. 210.º, n.º 2 CSC), possuindo, simultaneamente,
uma dupla fonte: sendo permitidas através do pacto social e deliberadas pelos sócios (de
acordo com o art. 210.º, n.º 1). Já quanto à natureza pecuniária, podemos acrescentar que o
próprio contrato deve conter diversos elementos: o respetivo montante inicial; a identificação
dos sócios que ficam obrigados; e, por fim, o critério de repartição entre eles.
Assim, a indicação do montante global é essencial, visto que, caso contrário, ou seja, na sua
ausência, a clausula será nula, e na falta de indicação dos sócios obrigados, todos ficaram
adstritos a fazê-lo, sendo que, não havendo critério de repartição, este deverá ser proporcional
à quota de cada um, de acordo com o a norma do art. 210.º, n.º 4 CSC.
Não obstante, o Código das Sociedades Comerciais é omisso relativamente às sociedades
anónimas, sendo que o Sr. Professor Menezes Cordeiro considera que as prestações
suplementares não devem ser admitidas quanto às sociedades anónimas, invocando o
argumento relativamente à responsabilidade do tipo societário do art. 271.º, segundo o qual, o
sócio apenas poderá responder pelas ações que subscreva.
Portanto, o Sr. Professor considera que, sem base legal, não será possível enquadrar novas
responsabilidades. Mais, acrescente-se, a possibilidade de a maioria dos sócios vir exigir um
novo esforço financeiro aos acionistas iria desequilibrar o funcionamento da sociedade.
Tendo isto em conta, a meu ver, não será possível exigir, por parte de Emanuel e Marante,
tanto a Marco, como a Paulo, as prestações suplementares que os primeiros desejam.
Ora, em 2017, Emanuel decidiu emprestar cerca de 125.000€ à Sociedade, e, por outro lado,
Marante decidiu vender os direitos de exploração do seu sucesso musical “Som de Cristal”.
Ora, estamos, então, perante uma questão relacionada com os suprimentos.
A figura do contrato de suprimento está prevista no art. 243.º, n.º 1 CSC, definindo-se como o
contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando esta
obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.
O Sr. Professor Mota Pinto, por seu lado, defende uma emancipação do suprimento em relação
ao mútuo, apresentando o suprimento como um contrato autónomo de financiamento, pelo qual
os sócios fornecem à sociedade capital alheio em substituição do necessário capital próprio.
Porém, apesar de eu conseguir identificar, com facilidade, que o empréstimo de Emanuel se
trata de um suprimento, não possuo tanta certeza relativamente a Marante, na medida em que
não se verificam os índices de permanência referidos nos n. os 2 e 3 do art. 243.º CSC, sendo
que o diretor financeiro da CS prometeu pagar-lhe imediatamente.
Considero, então, que se trata de uma aquisição de bens a acionista, esta estipulada e regida
pela norma do art. 29.º, não sendo respeitados os requisitos cumulativos enumerados. Além
disso, os capitais alheios são reembolsáveis, porém, os capitais próprios não. É um
empréstimo de curto prazo.
Porém, a sociedade estava em crise, e nessa situação justifica-se falar em suprimentos. Além
disso, os índices de permanência não são um aspeto essencial, não sendo isto que caracteriza
os suprimentos.
Ora, como mencionado anteriormente, esta sociedade é uma refere-se a uma sociedade
anónima (SA), pelo que se coloca a questão de saber se os contratos de suprimento se
aplicam às SA, já que estão legalmente previstas apenas para as SQ.
Comecemos pelas sociedades em nome coletivo. Segundo o Sr. Prof. Raul Ventura, não, os
contratos de suprimento não se aplicarão às sociedades anónimas, defendendo esta posição
através do regime de responsabilidade ilimitada que não iria justificar a especial proteção dos
credores que as regras sobre suprimentos envolvem.
Ora, segundo o Sr. Prof. Menezes Cordeiro, o argumento atrás referido é improcedente, uma
vez que essa responsabilidade é subsidiária, não equivalendo a certas vantagens imediatas
que o regime dos suprimentos dá aos credores. Desta forma, o Sr. Prof. Menezes Cordeiro
considera que não há razão para não se verificar uma aplicação analógica, ressalvando a
necessidade de verificação do caso concreto.
Agora, relativamente às sociedades anónimas, esta é uma situação que é mais complexa. O
Sr. Prof. Raul Ventura, guiando-se pela doutrina alemã, considera que é necessário distinguir
entre o acionista empresário e o acionista investidor, sendo que apenas no primeiro haveria
que aplicar o regime dos suprimentos. O Sr. Professor Raul Ventura propõe, com base nos
arts. 392.º e 418.º. n.º 1 CSC, a detenção de 10%, posição essa acompanhada pela
jurisprudência – porém, na Alemanha, a jurisprudência fixou 25% do capital social cuja
detenção permitiria concluir por um acionista empresário.
Segundo o Sr. Professor Menezes Cordeiro, o regime dos suprimentos não é excecional, nem
tão pouco se funda em razões privativas das sociedades por quotas. Assim, não é algo
exclusivo, podendo-se aplicar por analogia às sociedades anónimas, referindo, ainda, que o
suprimento é um contrato à disposição de quaisquer interessados, desde que se mostrem
reunidos os elementos naturais, ou seja, os seguintes elementos: quando as partes estipulem
ou quando o pacto social os preveja e regule; e quando se gere um empréstimo que,
materialmente, exerça a função do suprimento.
Mas, o Sr. Professor Menezes Cordeiro salienta que não basta a qualidade de acionista para
que se verifique este último ponto, destacando as vantagens de fixação de percentagem de
detenção de ações no plano da segurança. Este concorda com a percentagem enumerada pelo
Sr. Professor Raul Ventura, argumentado que essas percentagens não podem ser menores, já
que os arts. 392.º e 418.º, n.º 1 consistem em efetivas implicações empresariais, no entanto,
quando existe falta de lei, não visualiza uma forma de impô-la doutrinariamente.
(v) Em 2018, Emanuel alienou o seu crédito de € 125 000 a Romana, que não é sócia da
CS. Em 2019, esta requereu a declaração de insolvência da CS.
Quid juris?
O crédito de suprimentos, de acordo com a norma do art. 577.º, n.º CC é transmissível, porém,
não se transmite automaticamente com a quota. Nesse sentido, o crédito foi transmitido a
Romana, porém, esta não se tornou sócia.
Ora, a não aplicação do regime dos suprimentos poderia levar a uma situação de fraude à lei,
sendo que o regime do reembolso dos suprimentos se apresenta como mais penoso. Mantem-
se, então, a natureza do crédito de suprimento.
De acordo com o art. 2.º. n.º 1, al. e) CIRE, as sociedades comerciais tratam-se de sujeitos
passivos de declaração de insolvência. Resta-nos, então, conhecer quem possui legitimidade
para requerer a insolvência de uma sociedade.
Nos termos do art. 19.º CIRE, a iniciativa de apresentação de insolvência cabe ao órgão social
incumbido da sua administração ou a qualquer um dos seus administradores. Já o art. 20.º
CIRE estabelece outros legitimados, verificando-se alguns dos requisitos enumerados.
Desta forma, a meu ver, penso que Romana não possui legitimidade para requerer a
declaração de insolvência da CS, visto que não se integra na norma do CIRE.
Mais, acrescente-se, para a resolução desta última alínea do caso prático, faço ainda
referência ao art. 245.º, n.º 2 CSC, que refere que os credores por suprimento não podem
requerer a falência da sociedade, sendo igualmente importante verificar a norma da
subordinação dos créditos, presente no n.º 3 do mesmo artigo.
Não tendo sido estipulado um prazo para o reembolso, aplicar-se-á o art. 245.º, n.º 1 CSC.