Erário Mineral - Luis Gomes FERREIRA, PDF
Erário Mineral - Luis Gomes FERREIRA, PDF
Erário Mineral - Luis Gomes FERREIRA, PDF
FURTADO, JF., org., FERREIRA, GF. Erário mineral [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,
2002. 821 p. Mineiriana collection. Clássicos series. ISBN 85-85930-41-1. Vol. 1 e 2. Available from
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Retrato de Luís Gomes Ferreira, pertencente ao acervo familiar.
ERÁRIO
MINERAL
(VOLUME 1)
Detalhe de ex-voto do século XVIII, que retrata o menino Joaquim da Silva Campos acometido de grave doença,
(autoria desconhecida)
Arte e segredo:
o Licenciado Luís Gomes Ferreira
e seu caleidoscópio de imagens
1
DUTRA, F r a n c i s A. T h e p r a c t i c e o f medicine in early modern Portugal, In: KATZ,
Israel J . (Ed.) Libraries, history, diplomacy and the performing arts, p. 1 3 9 .
2
DUTRA, F r a n c i s A. T h e practice o f medicine in early m o d e r n Portugal, In: KATZ,
Israel J . (Ed.) Libraries, history, diplomacy and the performing arts, p. 1 3 5 .
O cirurgião-mor aprovava os cirurgiões, as parreiras e os barbeiros, sendo
que estes últimos, em lugares onde não houvesse a assistência dos primeiros,
podiam também conseguir licença para realizar cirurgias. Os aspirantes à
prática da cirurgia tinham de apresentar certidão de pelo menos quatro anos
de aprendizado com cirurgião reconhecido e depois estagiar por mais dois
anos com cirurgião licenciado. Nessa área ainda vigorava a tradição das
corporações de ofício, nas quais os mestres passavam seu saber secular aos
aprendizes. Por seu caráter mais prático e aprendizado mais empírico, a arte
da cirurgia era considerada menor e periférica ao exercício da medicina.
3
DUTRA, F r a n c i s A. T h e p r a c t i c e o f m e d i c i n e i n early m o d e m Portugal, In: KATZ,
Israel J . (Ed.) Libraries, history, diplomacy and the performing arts, p. 1 5 9 .
4
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM) S e ç ã o Colonial S C . 0 2 . fl. 2 0 0 - 4 v . R e g i m e n t o
q u e devem o b s e r v a r o s c o m i s s á r i o s delegados do Físico Mor do Reino n o E s t a d o do
B r a s i l . V e r t a m b é m : RIBEIRO, Márcia Moisés. A ciênciados trópicos. G R O S S I , R a m o n
F . C o n s i d e r a ç õ e s s o b r e a arte m é d i c a n a C a p i t a n i a d a s M i n a s , LPH, p . 1 1 - 2 6 .
5
FURTADO, J ú n i a Ferreira. Homens de negócio..., p . 2 1 0 .
6
ATAS d a C â m a r a Municipal de Vila Rica. Revista do Arquivo Público Mineiro, a n o
2 5 , v. 2 , p . 1 0 5 , 1 9 3 7 , a p u d FURTADO, J ú n i a Ferreira. Homens de negócio..., p . 2 1 0 .
Em Minas Gerais, as Câmaras também tinham o privilégio de contratar físicos
e cirurgiões pelo prazo máximo de dez anos, pagando-lhes um ordenado
7
para prestarem serviços junto aos pobres e presos. Arrecadava para este
8
fim uma taxa anual. No arraial do Tejuco, havia ainda um hospital para
cuidar dos escravos que trabalhavam nos serviços diamantinos. No período
dos contratadores, os encargos do hospital e da contratação de um médico
recaíam sobre os primeiros. Com a monopolização da exploração dos
diamantes, após 1771, esses custos passaram a ser arcados pela Intendência
9
dos Diamantes. Em virtude da escassez de físicos formados na colônia, os
limites entre o exercício dos médicos e dos cirurgiões-barbeiros eram tênues,
10
estendendo consideravelmente a atuação dos últimos.
7
Os oficiais da Câmara da Vila Real de Sabará [...] tinham feito providenciar o modo
de socorrer as enfermidades dos miseráveis presos daquele termo e ainda as pessoas
pobres, facultando à Câmara a ampla liberdade de dar a um Físico a porção annual
de 150 oitavas de ouro. [Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano 16, p. 2 7 9 , 1 9 1 2 ) .
8
SANTOS FILHO, Licurgo de Castro. História geral da medicina brasileira.
9
A P M . S C . 2 7 0 . f . 6 1 - 3 . a p u d FURTADO, J ú n i a Ferreira. Olivroda capa verde,p.123.
1 0
R I B E I R O , M á r c i a Moisés. A ciência dos trópicos...
1 1
M E N D E S , J o s é Antonio. Governo de mineiros..., p. XIV-XV. NAVA, Pedro. Capítulos
de história da medicina no Brasil, p. 9 8 .
que isso era prerrogativa dos médicos, e a descrever suas fórmulas e métodos
de fabricação, consciente de que isso era privilégio dos boticários. Desculpou-
se dizendo que, nas Minas, tais práticas geralmente eram realizadas por
barbeiros, sem nenhuma formação, e que ao menos os cirurgiões, como ele,
12
eram mais bem preparados.
1 2
M E N D E S , J o s é Antonio. Governo de mineiros..., p. XIV-XV. NAVA, Pedro. Capítulos
de história da medicina no Brasil p. 9 8 .
1 3
Não lhe apliquei outro [remédio] algum por não ter [...] por ir a minha botica adiante.
(EM, v. 2 , p . 5 9 1 )
1 4
M E N D E S , J o s é Antonio. Governo de mineiros..., p. XVII.
Luís Gomes Ferreira chamou a atenção para a importância de não se ater à
tradição e regras dos antigos e condenou aqueles que não davam importância
nem à razão natural, nem ao que estão vendo com os seus olhos. [...] Pois ainda que
todas estas coisas parecem incríveis, e contra a razão, a experiência mostra que todas
são verdadeiras (EM, v. 1, p. 226, 233). Mostrando um desapego à tradição e
valorizando os conhecimentos oriundos da experiência e observação, o
cirurgião-barbeiro se colocava na vanguarda do pensamento científico da
época. A mesma advertência foi feita por Jean de Senebier, quando aconselhava
os filósofos de seu tempo que o dogmatismo era o pior inimigo da observação. No
Ensaio sobre a arte de observar e defazer experiências, afirmou que a dúvida filosófica
deve se estender a tudo que existe sobre o objeto em estudo, desde às idéias dos outros,
15
até a dos grandes homens, cuja autoridade é geralmente irresistível.
1 5
S E N E B I E R , J e a n . Essai surl'artd'observer et de faire des experiences, p. 9 7 , 1 0 1 .
1 6
VASCONCELOS, Ivolino de. Notícia histórica sobre Luís Gomes Ferreira e s u a o b r a
- O "Erário Mineral". In: C O N G R E S S O D E HISTÓRIA DO B R A S I L NO S É C U L O
XVIII. p. 4 0 3 . C O S T A FILHO, Miguel. O "Erário Mineral" de Luís G o m e s Ferreira.
Revista doIHGB,v. 2 3 5 , p . 3 3 1 - 3 4 0 , 1 9 5 7 ; B O X E R Charles, R. A r a r e luso-brazilian
medical t r e a t i s e a n d i t s a u t h o r : Luís G o m e s F e r r e i r a a n d t h i s E r á r i o Mineral o f
1 7 3 5 a n d 1 7 5 5 . Indiana University Bookman, v. 1 0 , p. 4 8 - 7 0 . (Agradeço a Neil
S a i l e r a c ó p i a d o s dois artigos de C h a r l e s B o x e r utilizados.)
do Douro, pouco ao norte da cidade do Porto e pertencia ao Concelho de
Póvoa do Varzim. De lá saiu cedo, indo para Lisboa, onde aprendeu a arte
de cirurgião-barbeiro. Durante esse período em Lisboa, residiu em
Resmolares na casa do licenciado Francisco dos Santos, que era cirurgião da
enfermaria Real de Dom Pedro e que, provavelmente, ministrou-lhe os
primeiros ensinamentos (EM, v. 2, p. 510). Como era comum, completou sua
formação no Hospital Real de Todos-os-Santos em Lisboa, onde era aprendiz
no ano de 1705 e onde também fez observações anatômicas (EM, v. 1, p. 267
e v. 2, p. 582). Nesse hospital, teve como um de seus mestres o licenciado
João Lopes Correa, que lhe ensinou um medicamento para cicatrização (EM,
v. 1, p. 343). Foi então aprovado pelo cirurgião-mor do Reino, cuja carta de
licença carregava sempre consigo (EM, v. 2, p. 632). Também partilhava da
amizade e confiança do boticário do rei Dom Afonso VI, chamado Manoel
Lopes Carameleiro, que lhe ensinou um de seus medicamentos secretos para
limpeza dos dentes (EM, v. 1, p. 325).
Fez questão de apontar que era católico e cristão-velho, pois os judeus e cristãos-
novos estavam tradicionalmente ligados ao comércio e às profissões liberais,
como a medicina e a cirurgia. Foram muitos os licenciados perseguidos pela
Inquisição, como João Tomás de Castro, médico no Rio de Janeiro, que foi
17
queimado em um auto-de-fé, acusado de herege e judaizante.
Luís Gomes Ferreira contou que fora várias vezes à Índia, embarcado como
cirurgião, realizando muitas curas, principalmente do escorbuto, que grassava
1 7
SANTOS FILHO, Licurgo de Castro. História geral da medicina brasileira, p. 3 0 8 - 3 0 9 .
1 8
A B R E U , J o s é Rodrigues. Luz dos cirurgiões embarcadiços...
a bordo (EM, v. 2, p. 689). Como se acreditava à época, o cirurgião imputou
aos escravos trazidos da África a transmissão da doença, por isso conhecida
como mal de Luanda. No Erário Mineral, Gomes Ferreira divulgou pela
primeira vez as descobertas do licenciado João Cardoso de Miranda sobre
um novo medicamento para curar a doença e, voltando da Bahia para o
Reino, foi portador de uma carta de Miranda pedindo ao físico-mor do Reino
que licenciasse sua invenção (EM, v. 2, p. 689-695). Miranda exercia a cirurgia
em Salvador e, mais tarde, registrou seus estudos sobre o escoburto em um
19
livro publicado em 1741, que teve grande repercussão.
Por essa época esteve várias vezes em visita às Minas Gerais. Saiu da cidade
da Bahia até Cachoeira, distante 12 léguas. De lá, o caminho passava pela
aldeia de João Amaro, Tranqueira, onde o caminho se dividia. Ferreira pegou
o caminho da esquerda, mais curto, aberto por João Gonçalves da Costa, que
22
ia para Mathias Cardoso, chegando à barra do Rio das Velhas. Em 1708,
como grande parte dos viajantes, Luís Gomes Ferreira ficou doente no
percurso, permanecendo cinco meses na barra do rio das Velhas, atacado de
febre maligna, sem saber a natureza do mal, mas certo de estar perto da
morte (EM, v. 2, p. 516,647). Nesta confluência com o rio São Francisco ficava
o arraial de Nossa Senhora do Bom Sucesso e Almas da Barra do rio das
Velhas, hoje Guaicuí, onde ficou retido o doente cirurgião. Ali se hospedou
na fazenda do Mestre de Campo Manoel de Queirós (EM, v. 2, p. 647). Nessa
região, ficavam os currais de um dos grandes potentados das Minas, Manoel
23
Nunes Vianna, e seu primo Manoel Rodrigues. Gomes Ferreira registrou
em seu livro que as sezões que infestavam a região do rio São Francisco
eram as piores de que tinha notícia e a maleita acometia a todos que chegavam
de lá (EM, v. 2, p. 516-517). Depois de idas e vindas, resolveu finalmente se
estabelecer na área mineradora, onde grandes possibilidades se abriam aos
homens aventureiros.
Em 1710, Luís Gomes Ferrreira seguiu de novo para as Minas Gerais, disposto
a buscar fortunas nas lavras auríferas da Capitania. Desta feita, não foi pelo
mesmo caminho que margeava o rio São Francisco e entrava nas Minas pela
2 4
VIANNA, Urbino. Bandeiras e sertanistas baianos, p. 1 7 2 . E s t a s informações s ã o
b a s e a d a s n o roteiro de J o a q u i m Q u a r e s m a Delgado.
2 5
Apud FURTADO, J ú n i a Ferreira. Homens de negócio..., p. 1 9 0 .
a caminho das Minas, vindo da Bahia, e não saber se diz Deus seja servido
26
levar-me para si nesta viagem.
Uma vez nas Minas, esses homens não estabeleciam raízes, seguindo o curso
dos novos achados minerais, abandonando as vilas mais ao sul da capitania
e criando novos assentamentos populacionais próximos às lavras recém-
descobertas. Em 1725, por exemplo, em Sabará, trocava-se uma casa por um
freio de cavalo, vendiam-se engenhos e roças para comprar escravos e partir
em busca dos diamantes perto do arraial do Tejuco, mais a noroeste da
capitania. Luís Gomes Ferreira agiu da mesma maneira e, apesar de ter
26
FURTADO, J ú n i a Ferreira. Homens de negócio..., p . 9 8 .
2 7
FURTADO, J ú n i a Ferreira. Homens de negócio..., p . 1 5 2 - 1 5 3 . RAMOS, D o n a l d .
Marriage a n d family in colonial Vila Rica, Hispanic American Historical Review, v.
55, p. 2 0 0 - 2 0 5 , maio 1 9 7 5 .
2 8
FURTADO, J ú n i a Ferreira. Homens de negócio..., p . 1 9 2 .
permanecido vinte anos nas Minas, mudou-se constantemente, em busca de
novas oportunidades e ganhos.
2 9
B O X E R , C h a r l e s R. The golden age of Brazil (1765-1750), p. 9 5 - 1 0 2 .
desviar o leito caudaloso de um rio e, assim, viabilizar a exploração (EM, v.
1, p. 332). Recém-chegado, logo percebeu que a grande riqueza que afluía
dos ribeiros auríferos era muito mais aparente, e a região caracterizava-se
30
pela baixa capitalização dos proprietários. O comércio drenava grande
parte do ouro extraído, pois os produtos eram vendidos a preços altíssimos
e muitos se encontravam endividados. As dificuldades enfrentadas podem
ser atestadas pelo pedido que o oficial de barbeiro e sangrador, Luís Correa
de Souza, dirigiu ao rei. Residia em Mariana, na casa da sogra, e requereu
licença para retornar ao Reino, alegando ser muito pobre e não ser capaz de
31
arcar com as grandes despesas das Minas.
30
Ver: CANO, Wilson. E c o n o m i a do ouro em M i n a s G e r a i s (século XVIII). Contexto,
v. 3 , 1 9 7 7 . MELLO Ε SOUZA, L a u r a de. Desclassificados do ouro... FURTADO,
J ú n i a Ferreira. O livro da capa verde...
3 1
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO D E LISBOA. D o c u m e n t a ç ã o Avulsa de
Minas Gerais. Caixa 0 5 8 . Doc. 4 . 9 6 5 .
de quase todos esses produtos foram transmitidos pelos índios aos bandeirantes
32
paulistas. Gomes Ferreira citou um pó conhecido em Minas Gerais como "Para
tudo" feito da casca grossa de uma árvore, como introduzido por um paulista
sertanejo (EM, v. 1, p. 363). O uso da aguardente para a cura dos resfriados
afirmou que este modo de cura inventaram os carijós do mato e deles passou aos
f
3 4
Correspondência de Francisco Pinheiro, apud LISANTI FILHO, Luís. (Org.) Negócios
coloniais.
O abandono de animais e do lixo e o esgoto que se acumulava nas ruas
contribuíam para que a vida fosse insalubre, o que facilitava a proliferação
de doenças. Com efeito, estas eram recorrentes e se alastravam na forma de
epidemias terríveis, matando um sem-número de pessoas. A varíola era das
doenças mais temidas, pois o índice de mortalidade era altíssimo, mas mesmo
35
a gripe não raro era mortal e se espalhava com enorme rapidez. Gomes
Ferreira assistiu várias epidemias na vila, como uma de pleurises (gripe)
acontecida em 1730 (EM, v. 1, p. 261).
Nas imediações, transitou por várias localidades, como Lavras Velhas (1718),
São Caetano, Itacolomi, Antunes, Lavras Velhas, Guarapiranga, Gualachos,
Camargos, e Lavras Novas (1720) (EM, v. 1, p. 296,458 e v. 2, p. 543-544 ),
sempre atendendo doentes e realizando diversas curas, que aumentavam
sua fama. Em 1719, foi à freguesia de Bom Jesus do Forquim, chamado por
um grande senhor, o coronel Francisco do Amaral Coutinho, para curar seu
cunhado, o sargento-mor Gaspar de Brito Soares, propretário de um engenho
na região (EM, v. 1, p. 293-294).
35
B O S C H I , Caio. As misericórdias e a a s s i s t ê n c i a à pobreza n a s M i n a s S e t e c e n t i s t a s .
Revista de Ciências Históricas, v. XI, p. 2 5 2 , 1 9 9 6 .
ali também se dedicava à mineração, tendo estabelecido, na propriedade
rural, lavras minerais junto às roças e à criação (EM, v. 1, p. 294-295). Essas
atividades eram absorventes e dificultavam seu deslocamento, por isto tratou
alguns doentes a distância. Em virtude das horas passadas dentro do rio,
catando ouro, apareceu-lhe uma inflamação que quase lhe custou a perna,
tendo ele mesmo diagnosticado erisipela (EM, v. 1, p. 331-332). Contou que
durante cinco anos estivera metido com os pés dentro da água, para abrir
uma vala para desviar o rio caudaloso que passava pela propriedade, prova
de que se envolvera diretamente nas atividades de extração, e não apenas
seus escravos. Mas, sempre que possível, prestava seus serviços na região,
aproveitando também para coletar ervas para completar sua botica. Por essa
época, foi a vários arraiais próximos, como Guarapiranga e Gama. Também
estabeleceu relações com outros proprietários de fazendas nas redondezas,
tendo tratado do capitão Domingos Francisco de Oliveira, dono de um
engenho próximo ao seu (EM, v. 1, p. 313). Na vila, frequentava a casa do
vigário local, o padre José Simões (EM, v. 1, p. 241). No arraial de São Caetano,
cuidou de um dos escravos do mestre-de-campo Joseph Rebello Perdigão e
do alferes Gervasio Barbosa (EM, v. 1, p. 344,372).
36
ATAS da Câmara Municipal de Vila Rica. Revista do Arquivo Publico Mineiro, An
2 5 , v. 2 , p. 2 2 - 2 3 , 7 2 , 9 5 , 1 9 3 7 .
estivesse próximo da enorme clientela que se aglomerava na então mais
populosa vila da capitania e suas vizinhanças. Como era de se esperar,
realizou várias curas em Antônio Dias, um dos distritos centrais de Vila Rica,
onde se concentravam os sobrados e as lojas (EM, v. 1, p. 401).
Por essa época, Luís Gomes Ferreira continuou com a política, já bem-sucedida,
de estabelecer relações com os homens importantes locais, tratando de suas
doenças e das doenças de seus escravos. Um deles foi o capitão Thomé Ferreira,
morador no Padre Faria, de quem tratou de um escravo com dores nos quadris
(EM, v. 1, p. 458). Atendeu o irmão do Padre Antônio Brandão, que foi capelão
no arraial da Passagem e depois em Mariana (EM, v. 2, p. 535). Outro foi João
Fernandes de Oliveira, que em Mariana e Vila Rica se envolveu em vários
37
negócios: era fazendeiro, tinha lavras de mineração, foi caixa e administrador
38
do contrato dos dízimos da região e, mais tarde, se tornou o primeiro
contratador dos diamantes no Tejuco. Gomes Ferreira tratou de seus escravos e,
tendo sido bem-sucedido, passou a fazer parte do círculo restrito que freqüentava
a fazenda da Vargem, de sua propriedade, na mesma região de Itacolomi,
próximo a Mariana. No mesmo ano que o cirurgião chegou a Vila Rica, foi
convidado a ouvir missa na capela particular do fazendeiro (EM, v. 1, p. 275).
• • » » » » o» » • mm ·• » « • » » •»
3 7
A R Q U I V O E C L E S I Á S T I C O DA A R Q U I D I O C E S E D E MARIANA. P r o c e s s o
m a t r i m o n i a l de J o ã o F e r n a n d e s de Oliveira e M a r i a de S ã o J o s é , n . 3 . 6 0 8 , 1 7 2 6 .
3 8 o
ARQUIVO DA CASA S E T E C E N T I S T A D E MARIANA. Auto 6 . 1 1 8 . Códice 3 0 0 . 1 .
ofício. f.18v.
3 9
FURTADO, J ú n i a Ferreira. Fidalgos e l a c a i o s . In: Homens de negócio..., c a p . 2 .
4 0
ARQUIVO E C L E S I Á S T I C O DO BISPADO D E DIAMANTINA. C a i x a 2 9 7 . B a t i z a d o s
n o T e j u c o - 1 7 4 5 / 1 7 6 5 . f . 1 6 . ARQUIVOS NACIONAIS DA T O R R E D O T O M B O .
C h a n c e l a r i a de D o m J o ã o V.
Graças a seus remédios secretos e à forma como praticava a sua "arte", sua fama
se espalhava pelas Minas. Quando o ouvidor e provedor da Fazenda Real,
António Bercó del Rio, residente em Vila Rica, a cujo escravo Gomes Ferreira
ministrava um tratamento, perguntou se era cirurgião aprovado, Gomes Ferreira
se dispôs a apresentar sua carta de ofício. Foi com satisfação que ouviu do
importante ministro de Sua Majestade que não era necessário mostrar o
documento, pois jά sabia [que ele] era um grande cirurgião (EM, v. 2, p. 632).
Pouco se sabe sobre sua família. Novamente, foi Luís Gomes Ferreira quem
41
forneceu algumas informações. Era filho de Caetano Gomes Ferreira e tinha
três irmãos: Gabriel Gomes, Alexandre Gomes de Sousa e João Gomes Ferreira,
não se conhecendo o nome de sua mãe. Os dois primeiros vieram para o Brasil,
sendo que Alexandre inicialmente morava em Salvador, onde se hospedou
Luís durante sua estada na cidade. Alexandre acabou por também se estabelecer
na Vila do Carmo (EM, v. 2, p. 537-538). Em 1740, ainda residia na vila e pediu
que seis de suas filhas retornassem ao Reino, onde pretendiam se recolher a
um convento, de livre vontade. Argumentou a impossibilidade de sustentar
tão numerosa prole, e que ficaria apenas com as duas filhas restantes e cinco
42
filhos, os quais pretendia nomear como herdeiros. Gabriel também veio para
o Brasil e visitou-o na fazenda de São Miguel, em Itacolomi, quando foi
acometido de umas pontadas nas juntas (EM, v. 2, p. 533). João Gomes Ferreira
era padre e foi abade em Prondas (EM, v. 2, p. 665).
• »• »• •» • » • » o» m ·»
4 1
VASCONCELOS, Ivolino de. Notícia histórica sobre Luís G o m e s Ferreira e s u a o b r a
- O "Erário Mineral", p. 4 0 3 .
4 2
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO D E LISBOA. D o c u m e n t a ç ã o Avulsa de
Minas Gerais. Caixa 3 9 . Documento 1 1 .
4 3
A R Q U I V O S NACIONAIS DA T O R R E DO T O M B O . C h a n c e l a r i a de D o m J o ã o V.
C a r t a de boticário ( 3 0 / 8 / 1 7 4 0 ) ; C a r t a de cirurgião ( 2 0 / 8 / 1 7 2 3 ) ; C a r t a de m e r c ê
p a r a poder u s a r o ofício de cirurgia ( 6 / 7 / 1 7 2 3 ) .
4 4
A R Q U I V O S NACIONAIS DA T O R R E DO T O M B O . C h a n c e l a r i a de D o m J o ã o V.
Provisão p a r a t e r u m s e r v e n t e n o s e u ofício de e s c r i v ã o do c o n s e r v a t ó r i o d a
Universidade de É v o r a ( 2 0 / 9 / 1 7 4 1 ) .
4 5
ARQUIVO E C L E S I Á S T I C O DO BISPADO D E DIAMANTINA. C a i x a 2 9 7 . B a t i z a d o s
n o T e j u c o , 1 7 4 5 / 1 7 6 5 . f. 1 6 .
José foi cirurgião do hospital do Contrato Diamantino, que depois foi incorporado
à Intendência dos Diamantes, quando da decretação do monopólio régio sobre
a exploração diamantina. Como já foi dito, esse cargo provavelmente foi
conseguido por seu tio Luís Gomes Ferreira, por meio das relações que tecera,
46
em Itacolomi, com seu vizinho e futuro contratador, João Fernandes de Oliveira.
José Gomes Ferreira teve um longo caso com sua escrava Maria parda, a
quem mais tarde também alforriou. Maria parda era conhecida da famosa
47
escrava Chica da Silva e suas vidas se intercruzaram várias v e z e s .
48
Apanhados pela devassa de 1753, cinco anos depois, ainda viviam juntos
49
e tiveram mais três meninas: Rosa, Matilde e Francisca. Em 1774, Maria
Gomes residia no arraial, na rua Padre do Manoel da Costa, em uma casa
alugada separada de José, como era o costume entre os casais não constituídos
50
oficialmente para fugirem dos braços vigilantes da Igreja. José morava na
51
rua de Luís Gomes, acompanhado de seu filho, este, sim, clérico, o qual
provavelmente herdou os bens do tio-avô. O padre era senhorio direto de
umas casas em um lugarejo próximo a Vila da Feira, pertencentes ao morgado
de Salvador da Rocha Tavares. Como os bens de morgadio eram inalienáveis,
o padre teve de pedir a Sua Majestade a sua desintegração do morgado,
para que pudesse dotar o sobrinho de um patrimônio que lhe garantisse
52
renda, pré-requisito necessário para abraçar a carreira eclesiástica.
» » • • » • • » • •» »• »• »« »«» •»
4 6
Quando J o s é foi médico do contrato, e r a s e u administrador n o Tejuco o filho de
J o ã o Fernandes de Oliveira, o desembargador J o ã o Fernandes de Oliveira. Nessa época,
Luís G o m e s Ferreira e o velho J o ã o F e r n a n d e s j á tinham retornado a Lisboa, onde
certamente s e reencontraram.
4 7
FURTADO, J ú n i a Ferreira Chica da Silva e o contratador dos diamantes.
4 8
AEAD. Caixa 5 5 7 . f.96v. Livro de termos do Serro do Frio. 1 7 5 0 - 3 .
4 9
AEAD. Caixa 2 9 7 . f.49, 76v, 96v.Livro de batizados do arraial do Tejuco. 1 7 4 5 / 1 7 6 5 .
5 0
AHU. MAMG. Caixa 1 0 8 . Doc. 9 . V e r t a m b é m : F I G U E I R E D O , L u c i a n o R a p o s o de
Almeida. Barrocas famílias.
5 1
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO D E U S B O A . Documentação avulsa de Minas
Gerais. Caixa 1 0 8 . Doc. 9 .
5 2
ARQUIVOS NACIONAIS DA T O R R E DO T O M B O . Chancelaria de Dom J o ã o V.
Provisão de l i c e n ç a p a r a o p a d r e J o ã o G o m e s fazer patrimônio a o dito s o b r i n h o "
( 1 7 / 3 / 1 7 1 6 ) . (Agradeço a R e n a t o Pinto Venâncio, André Belo e António M a n u e l
H e s p a n h a a s transcrições e sugestões sobre e s t a documentação.)
Não se sabe por que, em 1731, Luís Gomes Ferreira decidiu abandonar tudo
e voltar para Portugal. Retornou pelo mesmo caminho do sertão, que vinte
anos antes lhe abrira as portas das Minas. Provavelmente, como vários de
seus conterrâneos, a região representara apenas um local de passagem, onde
se poderia formar o pecúlio desejado para o desfrute de uma velhice
sossegada no Reino. Luís Gomes Ferreira retornava mais rico do que viera.
Possuía uma fazenda, casa de morada, escravos, datas de mineração, criação
de animais. Certamente vendera tudo antes de sua partida e agora percorria
o caminho de volta com a bolsa cheia de várias oitavas de ouro. No fim do
ano, já estava na Bahia, à esperada frota que ia para o Reino. Capitaneada
pela nau Madre de Deus, os navios arribaram no rio Tejo e chegaram a Lisboa
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em 27 de fevereiro de 1732.
Luís Gomes Ferreira se casou com Maria Ursulina Monteiro da Gama e teve
um filho, Alexandre Gomes Ferreira. Alexandre estudou na Universidade
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de Coimbra. Foi conselheiro de Dona Maria I e recebeu a Ordem de Cristo.
Tudo indica que Alexandre exerceu a arte da cirurgia em Vila Rica, como
seu pai. No inventário do comerciante João Gonçalves Baptista, em Vila Rica,
apareceu o registro de seis livros de cirurgia que deveriam ser entregues a
Alexandre Gomes Ferreira, que os encomendara, pelos quais pagaria dez
55
oitavas. Alexandre casou-se no Brasil com Cândida Florinda de Oliveira
56
Belo e teve três filhos, José, Luís e Maria Angélica.
• — •· ·· »• »« »• •» » »»
5 3
B O X E R , Charles R A rare luso-brazilian medical treatise and its author..., p. 5 3 , 1 9 6 9 .
5 4
V A S C O N C E L O S , Ivolino de. Noticia h i s t ó r i c a sobre L u í s G o m e s Ferreira..., p.
404.
5 5
ARQUIVO HISTÓRICO DO MUSEU DA INCONFIDÊNCIA C a s a do Pilar. Cód. 6 7 . Auto
8 0 2 . Inventário de J o ã o Gonçalves Baptista.
5 6
VASCONCELOS, Ivolino de. Notícia histórica sobre Luís Gomes Ferreira..., p. 4 0 4 - 4 0 5 .
meses desde sua chegada, já tinha ido ao Porto, a Braga, a Barroso e a Coimbra
(EM, v. 1, p. 284). Mostrou o conhecimento que adquirira no além-mar, ao
curar Manoel João de Carvalho que chegara das Minas com umas pontadas
no fígado e Francisco Ribeiro da Costa atacado de escorbuto (EM, v. 1, p. 284
e v . 2, p. 697).
Mas, se no Reino cedo descobriu que seu conhecimento não se aplicava mais às
doenças de sua terra natal, o que restringia a clientela, também se deu conta de
que a experiência acumulada no exercício da medicina no Brasil poderia se
transformar numa mercadoria bem mais valiosa. Agora, pouco lhe valia o
segredo, pois não havia clientes a conquistar. Se fora descuidado em não anotar
criteriosamente os casos que assistira, podia valer-se de sua memória. Assim se
pôs a escrever observações e não autoridades, e também revelo os segredos que tenho
alcançado por minha indústria (EM, v. 1, p. 184). Em poucos meses, o Erário Mineral
estava pronto e foi enviado aos censores (EM, v. 2, p. 645).
57
B O X E R , C h a r l e s R. A rare luso-brazilian medical treatise a n d its a u t h o r ,
p. 4 9 . V A S C O N C E L O S , Ivolino de. Notícia h i s t ó r i c a s o b r e L u í s G o m e s
Ferreira..., p. 4 0 4 - 4 0 5 .
que se seguiram, por concessão régia, Luís Gomes Ferreira teve direito sobre
58
todos os volumes impressos ou vendidos no Reino e em além-mar.
Esperava alcançar com seu livro fama e riqueza, e parece que conseguiu
algum sucesso de vendas em Minas Gerais nos anos que se seguiram. O
capitão Manuel Ribeiro dos Santos, caixa e administrador dos Contratos dos
Dízimos na capitania de Minas Gerais, nos triênios de 1741 a 1750, era também
revendedor de livros. Periodicamente encomendava a seu correspondente
59
em Lisboa, Jerônimo Roiz Airão, exemplares do Erário Mineral. Também
nos poucos registros de livros existentes nos inventários da região de Sabará,
60
ele foi o único livro presente em vários deles.
Na edição de 1 7 3 5 , a s e ç ã o de M i s c e l â n i a s t e r m i n a e m u m remédio p a r a o s q u e s e
s e n t e m m a l a o b e b e r vinho, n a p. 2 2 0 . Na edição de 1 7 5 5 , e s t a s e ç ã o c o n t i n u a a t é
a p. 3 4 4 e lista m a i s s e t e n t a e c i n c o r e c e i t a s e p r e s c r i ç õ e s m é d i c a s . S e g u e - s e e n t ã o
u m a s e ç ã o i n t i t u l a d a "Vários remédios a v u l s o s q u e o b r a m m a r a v i l h o s a m e n t e c o m
s u a virtude", onde s ã o l i s t a d a s m a i s 1 8 remédios e c u r a s . B O X E R , C h a r l e s . A
footnote to Luis G o m e s Ferreira, Erario Mineral o f 1 7 3 5 a n d 1 7 5 5 , p. 9 0 .
5 8
A R Q U I V O S NACIONAIS DA T O R R E D O T O M B O . C h a n c e l a r i a de D o m J o ã o V .
Cód. L 9 1 , n. 8 2 2 . (Agradeço a Renato Pinto Venâncio a transcrição deste documento.)
5 9
DINIS, Sílvio Gabriel. U m livreiro e m Vila R i c a n o m e a d o s do s é c u l o XVIII, p. 1 8 1 .
6 0
HIGGINS, Kathleen J . Licencious liberty, p. 5 5 .
de sua experiência prática, em oposição ao academicismo do Galenismo, como
61
forma primordial de acesso ao conhecimento.
• Η W >* •· •· •· ··· —
6 1
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