NAKAÓKA, Alex. Por Uma Etnografia Multissensorial
NAKAÓKA, Alex. Por Uma Etnografia Multissensorial
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Este trabalho é resultado do paper por mim apresentado no GT Antropoéticas: outras (etno)grafias,
na 31ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 09 e 12 de dezembro de 2018
(Brasília/DF). Uma versão preliminar do presente artigo consta nos anais do evento.
TESSITURAS | Revista de Antropologia e Arqueologia | ISSN 2318-9576 V7 | N2 | JUL-DEZ 2019
Programa de Pós-Graduação em Antropologia | UFPEL Pelotas | RS
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RESUMO
ABSTRACT
This paper is the result of my dialogues with the Honmon Butsuryu-shu commu-
nity, a school of Japanese Buddhism present in Brazil since 1908. From my posi-
tion as a “photographer-anthropologist”, I tried to obliterate a possible dualism
between subject and object at the moment of bring to the ethnographic text my
fieldwork experiences. In this way, the work also seeks to emphasize an instigating
question, related to the verbal domain in anthropological writing, based on some
of the multisensory experiences made in the scope of my PhD in Social Anthro-
pology at Unicamp (2018): two visual notebooks; a verbal-visual glossary; a cover
of the thesis; a QR code; in addition, the verbal-visual texts, in which the texts, the
narratives of the interlocutors and the photographic images act together to make
explicit and give to see the field experiences. Thus, by using concepts such as
“experimentation” and “assembly” (EISENSTEIN, 1926, 1942; WARBURG, 1929), the
intention is to consider the relationships between the formalism/structure and
the ethnographic knowledge..
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PREÂMBULO:
Este trabalho é fruto das minhas interlocuções com a escola Honmon Bu-
tsuryu-shu (entre 2011 e 2018), pertencente ao Budismo Mahayana1 japonês e
presente no Brasil desde 1908, sendo considerado o primeiro segmento a chegar
ao país, com o sacerdote Ibaragui Nissui Shounin. A partir da minha posição de
“fotógrafo-antropólogo” (ELIAS, 2018), busquei me inserir em campo como um
componente vinculado aos demais, procurando obliterar, tanto nas experiências
vivenciadas quanto no próprio texto etnográfico, uma possível dicotomia entre
sujeito e objeto.
A princípio, é necessário discorrer minimamente sobre o termo “fotógra-
fo-antropólogo” acima utilizado. Embora pareça estabelecido ao acaso, a compo-
sição do vocábulo coloca em relevo pelo menos duas questões fundamentais,
que estão intimamente ligadas entre si e com a qualidade e as características das
interlocuções em campo. Em primeiro lugar, estabelecer que sou um “fotógrafo
hífen antropólogo” (fotógrafo-antropólogo) e não um “fotógrafo barra antropólo-
go” (fotógrafo/antropólogo) mostra que aí já reside um importante elo. Ao utilizar
o “hífen”, quero evidenciar que as coisas são colocadas e estabelecidas em relação,
uma e outra. Se utilizasse a “barra”, existiria uma separação ou divisão2 evidente
entre os componentes, fotógrafo ou antropólogo.
Além disso, o posicionamento (ou a ordem) dos termos também é rele-
vante, nesse caso. Existe uma tênue diferença em dizer que sou um “antropólo-
go-fotógrafo” ou um “fotógrafo-antropólogo”. Jean Rouch, por exemplo, era um
reconhecido antropólogo-cineasta, sendo que a sua prática na etnologia foi es-
tabelecida juntamente com as suas experimentações cinematográficas. Rouch foi
mais reconhecido no campo do cinema direto/cinema verdade (no que se con-
venciona chamar de “etnoficção”) do que pelos etnólogos, embora os seus es-
tudos e produções etnográficas e fílmicas sejam essenciais para a Antropologia,
ao questionar a questão da reflexividade na pesquisa de campo ainda nos anos
1950, muito antes dos contemporâneos norte-americanos. No meu caso, ressalto
que não seria possível a composição da etnografia sem a fotografia e o ato de
fotografar. Por constituir-me primeiro como um fotógrafo, até por causa da minha
formação na graduação (fotojornalista), me tornei um antropólogo ao longo do
doutorado, no qual aprendi, simultaneamente, a compor a fotografia etnografi-
camente.
Após essas considerações iniciais, mas importantes, saliento que o presen-
te trabalho parte de pelo menos duas questões instigantes: 1) por que privilegiar
unicamente o verbal na confecção da escrita antropológica? 2) como incorporar
no texto etnográfico as narrativas, grafias e outros elementos culturais importan-
tes relativos ao grupo e/ou comunidade com quem o antropólogo (con)vive? A
partir da elaboração de algumas “experimentações multissensoriais” desenvolvi-
1
As escolas do Budismo Mahayana consistem, juntamente com as das vertentes Theravada e Va-
jrayana, nas principais ramificações budistas.
2
Na aritmética, por exemplo, o símbolo “barra” representa a divisão dos termos.
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EXPERIMENTAÇÕES MULTISSENSORIAIS:
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Nave de um Templo budista.
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Um bálsamo, comumente utilizado na dermatologia para a cicatrização de rachaduras na pele.
Aqui, é utilizado como um fixador do aroma, ao produzir uma espécie de capa protetora no papel,
de coloração levemente marrom.
5
Uma planta da família das fabáceas, usada como medicamento anti-inflamatório e expectorante
peitoral. No composto, é utilizado como um fixador e estabilizador aromático, também com colo-
ração marrom.
6
Falarei mais sobre tal Mantra Sagrado, capitular para a HBS, a seguir.
7
Opto pela utilização do termo composto “leitor-explorador” por causa da associação direta e qua-
se exclusiva entre o vocábulo “leitor” com a linguagem escrita. Como lido, aqui, com fotografias,
acredito que a palavra “explorador” e o conceito que ela engendra acompanham de forma insti-
gante e satisfatória o primeiro termo.
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tanto, é necessário que ele (agora também um ouvinte), instale o aplicativo grá-
tis “QR Code Reader” 8 em seu smartphone, para que possa ler a imagem abaixo,
seguindo estes passos: 1) conecte-se à internet; 2) baixe o aplicativo “QR Code
Reader” através do “Play Store” (sistema Android) ou do “App Store” (iOS) no seu
smartphone; 3) clique no ícone do aplicativo; 4) posicione o celular com a câmera
direcionada ao código a seguir, para que seja lido pelo aplicativo; 5) selecione
a opção “browse website”; 6) clique no ícone “play”( ).
8
“QR Code” ou “Código QR” é um código de barras bidimensional que pode ser escaneado utilizan-
do a maioria dos smartphones equipados com câmera fotográfica. Esse código pode ser conver-
tido em textos, endereços na web, ou, neste caso, em um arquivo de áudio no formato MP3.
9
A partir de agora, utilizarei o termo “Imagem”, com “I” maiúsculo, para designar a escritura sagra-
da da Honmon Butsuryu-shu. O intuito será menos o de criar uma hierarquia de valores do que o
de facilitar o entendimento e evitar possíveis ambiguidades, já que o vocábulo “imagem” é polis-
sêmico. Quando me referir à fotografia, aos desenhos e à escrita, por exemplo, utilizarei o termo
“imagem”, com “i” minúsculo.
10
O Mantra e Oração Namumyouhourenguekyou também consiste em uma “Imagem Sagrada”, visto
que é representado por uma escritura/pintura em kanji (um dos ideogramas japoneses), presente
em todos os altares da HBS.
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uma mistura de bicicleta (ou triciclo, já que tinha três rodas) com biga, na qual um
guia local transportava dois passageiros, chegamos finalmente ao lugar onde se
realizou a cerimônia religiosa.
No caminho, um clima agradável, com uma leve brisa, pequenos lagos e
inúmeras árvores. Também chamava a atenção, nas águas, a presença de belas
flores de lótus que começavam a florescer. Sobre as lagoas, muitas bandeiras bu-
distas (coloridas em azul, amarelo, vermelho, branco e laranja) e do Nepal. Recor-
do-me, agora, dos vários comentários sobre esta última ser a única bandeira no
mundo que não possui a forma quadrada ou retangular, sendo composta por dois
triângulos justapostos, que retratam uma imagem da cosmologia local, ao mos-
trar como a Terra seria vista por uma pessoa se esta estivesse no espaço.
Na segunda imagem do conjunto, estou novamente em busca dos deta-
lhes da fotografia. Novo mergulho, nova escavação. Primeiro, noto a presença, na
parte superior central, de uma torre protegida por uma pequena cerca. Correia
Odoshi11 realiza uma narrativa sobre a construção, e agora sei que se trata do pi-
lar do rei Ashoka, erigida no ano de 249 a.C. e que contém os seguintes dizeres:
“Rei Piyadasi (Ashoka), amado de devas, no ano 20 da coroação, ele próprio fez
uma visita real ao local onde Buda Shakyamuni nasceu e erigiu um pilar de pedra
em honra ao nascimento de Bhagavan (abençoado)”. Esse foi o mesmo imperador
que financiou a estupa (monumento budista) em frente à qual se realizou a ceri-
mônia religiosa.
Desço um pouco o meu olhar e percebo uma máquina fotográfica. Na
verdade, como um fotógrafo compulsivo e quase um adorador de equipamentos
desse tipo, parece que persigo tais elementos.
Depois, procuro notar os objetos religiosos e gestos recorrentes nos ri-
tuais. Os dedos que manejam o Odyuzuu, as mãos justapostas em sinal de ora-
ção, novamente com o terço budista entre elas. A baqueta do mokkin, um dos
instrumentos musicais utilizados para ritmar a oração do Mantra Sagrado, Na-
mumyouhourenguekyou. Relembro do seu som. Vejo o livro litúrgico da HBS, o
Myookooichiza, entreaberto, atrás do sacerdote que segura a Imagem Sagrada
portátil, carregada pelo Correia Odoshi durante toda a peregrinação pela Índia e
pelo Nepal.
Observo com mais cuidado essa imagem portátil que, mesmo tendo um
apoio (pequenos “pés”) para a sua base, teve que ser segurada durante toda a
cerimônia pelo sacerdote srilankês, Dileepa Ryojun. Tento lembrar o “por que” da
necessidade de segurar o Gohonzon e agora quase consigo sentir o intenso vento
do entardecer. Recordo, ainda, que quando a caravana seguia, sempre de ônibus,
pelas estradas acidentadas do norte da Índia rumo à Lumbini, no sul do Nepal
(cidade que fica localizada quase na divisa entre esses dois países), o sacerdote
Dileepa Ryojun teve que se passar por um dos guias do ônibus dos brasileiros (no
qual eu estava), porque não havia emitido o seu visto de entrada no país.
Penso no aglomerado de pessoas, talvez em alguns milhares, na estrada
Mestre budista.
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Origâmi (em japonês, “ori” significa “dobrar” e “kami” significa “papel”) é a tradicional arte nipôni-
ca de dobrar o papel para a criação de representações de determinados seres vivos ou objetos.
Normalmente, as obras compostas por vários origamis são realizadas sem cortar ou colar os
papéis, por meio de encaixes.
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leitor um objeto que poderá ser manuseado, dobrado e desdobrado. Nos termos
de Ingold (2015 [2011]), ao pensar na questão da materialidade, esse objeto seria
entendido como uma “coisa”. Novamente, o conceito de “montagem” reaparece
nesse novo experimento, tendo, agora, como inspiração mais direta a obra “Atlas
Mnemosyne”, elaborada por Warburg (2000 [1929]), na qual o autor relacionava
imagens heterogêneas, de tempos e locais distintos, em grandes pranchas vi-
suais, nas quais os intervalos e as lacunas, assim como os fundos/suportes pretos,
são partes fundamentais da composição, para estabelecer as relações com e entre
as imagens.
Assim, no mapa visual, de uma forma semelhante, as associações são reali-
zadas exclusivamente por meio de elementos imagéticos, sejam eles propriamen-
te associados à ontologia da imagem fotográfica (aspectos de iluminação, cor,
saturação, contraste, elementos formais, etc.), seja por meio de elementos gráfi-
cos (na tese digital, traços coloridos que ligam uma fotografia à outra), linhas de
costura (na tese física, os traços coloridos dão lugar aos fios tecidos com linhas de
costura entrelaçadas, que unem tais imagens), dobraduras de origami, colagens
e encaixes (tese física). A seguir, exponho a exegese do primeiro dos cinco pe-
quenos conjuntos por mim criados a partir de uma desmontagem do mapa, para
facilitar a visualização dos leitores-exploradores:
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Nas análises das fotografias, utilizo o termo “formal” para designar as formas presentes em cada
imagem ou “dentro de” cada fotografia e o termo “composição” para designar as escolhas técni-
cas/estéticas do fotógrafo (ângulo, objetiva, diafragma, iluminação, etc.), embora esteja conscien-
te de que tal diferenciação seja um tanto artificial.
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Contudo, ao analisar essa questão com certo afastamento temporal, acredito que uma imagem
com o Oterá ocupado por fiéis e sacerdotes também seja interessante para pensar no ponto de
vista do fotógrafo-antropólogo e nas suas escolhas éticas e estéticas.
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sacerdotal. Pouco tempo depois, tive a notícia de que ele havia voltado para o
antigo emprego e deixado o monastério.
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Intitulada de “Narrativas verbo-visuais”.
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Termo êmico, utilizado no Brasil.
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Estas fotografias foram, posteriormente, reduzidas para um conjunto de dez e, depois, para as
cinco imagens finais.
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Por fim, é interessante notar que algumas das imagens ocupam um es-
paço físico muito maior do que o texto que as “acompanha”, o que revela, neste
sentido, o fato de que as lacunas em branco que aparecem na diagramação da
tese são propositais. Esse cuidado mostra uma tentativa de evitar privilegiar o
texto ou as fotografias, sendo que a tenção (e a tensão) de tal escolha é colocar
em diálogo e lidar com as duas formas de expressão (fotográfica e escrita) simul-
taneamente, uma e outra. Enquanto no texto o intuito é da ordem de descrever e
analisar o contexto e o momento etnográfico, ao acessar as fotos o desejo é que
o leitor-explorador (re)conheça os interlocutores, os cenários, os rituais, os gestos,
as posturas e as relações.
****************
O segundo caderno de imagens (capítulo 05) também é acompanhado
por dois capítulos “verbo-visuais”, compondo a terceira parte da tese18. Esse con-
junto trata especificamente de elucidar o complexo campo dos rituais religiosos
por mim presenciados e analisados, além de trazer novas questões relativas ao
“encontro etnográfico privilegiado” que mantive com esta escola budista, sempre
mediado pelo Correia Odoshi. Assim, busco à luz da teoria antropológica, dar a
ver as relações encontradas no contexto religioso e sagrado da HBS, a partir dos
diversos rituais19 realizados pela comunidade, que tem como cerne, como já foi
mencionado, o Mantra, Oração e Imagem Sagrada, Namumyouhourenguekyou.
Além disso, procuro conceituar o que defini como “Ritual Fotográfico”, ao
estabelecer as diversas relações encontradas no campo fotográfico, seja entre os
fotografados, entre o fotógrafo e a comunidade retratada, entre o fotógrafo e os
espectadores das imagens e em relação ao acervo imagético produzido, que ser-
virá como fonte de memória compartilhada, tanto para a comunidade HBS do
Brasil, quanto para o fotógrafo-antropólogo. No limite, assumo o risco de tratar o
“ritual”, um tema clássico na Antropologia, a partir das relações estabelecidas no
próprio encontro etnográfico, o que significa dizer que busquei mostrar a posição
dos elementos encontrados na etnografia em relação uns com os outros, me co-
locando, também, como um desses componentes.
Ressalto, ainda, que nesta parte da tese retomo as 80 fotos que foram ini-
cialmente escolhidas (dentro do meu acervo completo) para compor o segundo
caderno visual20. Agora, elas são mostradas ao leitor em preto e branco, com os
textos referentes às narrativas orais dos interlocutores ou aos comentários por
mim realizados em negrito, da mesma maneira e com os mesmos intuitos reflexi-
vos e analíticos das imagens que compuseram a primeira parte do trabalho, po-
rém, em proporções menores, como é possível notar na imagem abaixo:
18
Intitulada “Dupla imagem, duplo ritual”. Existe ainda a segunda parte da tese, denominada “Por
uma metodologia da (des)montagem”, composta exclusivamente pelo Capítulo 04: “Metáforas e
experimentações visuais”.
19
Como o batismo budista, passeatas, cultos matinais, cultos noturnos, catequese budista, orações
fervorosas, casamentos, conversões, cultos póstumos, etc.
20
Após processos de seleção, o número de imagens foi reduzido de 80 para 28.
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DESFECHO:
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realizado e, o glossário, o primeiro. O que fiz neste artigo foi, minimamente, orga-
nizar diacronicamente as experimentações, com o intuito de não aparentar uma
falta de cuidado com o presente trabalho e evitar confundir o leitor-explorador.
Com isso, quero destacar que o processo de criação com as imagens, no
caso, também associadas com outras “grafias” (como os ideogramas, as narrativas
etnobiográficas, a escrita, etc.), não segue uma temporalidade linear, sendo carac-
terizada por um paradigmático anacronismo, ou, em outros termos, constituindo
uma “dialética” na qual estão presentes “tempos heterogêneos” (DIDI-HUBERMAN,
2010). Assim, chamo a atenção para o fato de que o próprio resultado da etno-
grafia, isto é, a tese antropológica, foi pensada como uma grande composição de
elementos distintos, cujo ritmo de elaboração também não foi sincrônico, tam-
pouco linear. Essa consideração demonstra que investir na montagem como uma
metodologia experimental na pesquisa em Antropologia pode render frutos ins-
tigantes para o trabalho etnográfico e o conhecimento por ele gerado.
Reitero, dessa maneira, que a tese foi constituída como uma montagem
composta por narrativas, textos e fotografias, o verbal (falado e escrito) e o ima-
gético, acentuando uma relação de complementaridade entre os dois modos de
expressão, embora respeitando as particularidades dos mesmos. Por consequên-
cia, sugiro que a imagem consistiu em um ponto de ligação fundamental, sem o
qual o meu trabalho não seria viável. Isso porque, em todas as etapas da pesquisa,
seja na inserção no campo etnográfico como “fotógrafo-antropólogo” ou no mo-
mento da confecção do “texto-imagem” (a tese, em si), a fotografia teceu os fios e
as malhas do percurso, ora como facilitadora de acesso ao campo etnográfico, ora
como caminho visual para que o leitor adentrasse no tema e como intervalo entre
os capítulos escritos ou, ainda, levantando importantes questões relativas à or-
dem do visual e de um pensamento e conhecimento antropológico por imagens.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BARTHES, Roland. A câmara clara. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012
(Original publicado em 1984).
_____. A forma do filme. Rio de Janeiro, Brasil: Jorge Zahar Editora, 2002b. (Origi-
nal publicado em 1929).
SAMAIN, Etienne. Para que a antropologia consiga tornar-se visual. In: NETO, An-
tonio Fausto; BRAGA, J. L.; PORTO, S. D. (Orgs.). Brasil. Comunicação, Cultura Po-
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TURNER, Victor. The Forest of Symbols: Aspects of Ndembu Ritual. Cornell Uni-
versity Press, 1967.
AUTOR
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