Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Geologia Medica Brasil PDF

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 219

GEOLOGIA MÉDICA NO BRASIL

EFEITOS DOS MATERIAIS E FATORES GEOLÓGICOS


NA SAÚDE HUMANA E MEIO AMBIENTE

2005 WORKSHOP INTERNACIONAL DE GEOLOGIA MÉDICA


RIO DE JANEIRO, BRASIL

EDITORES

Cassio Roberto da Silva


Geólogo, MSc, Chefe do
Departamento de Gestão Territorial do
Serviço Geológico do Brasil - CPRM/RJ

Bernardino Ribeiro Figueiredo


Geólogo, Professor Dr
do Instituto de Geociências da
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - SP

Eduardo Mello De Capitani


Médico, Professor Dr. da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - SP

Fernanda Gonçalves Cunha


Geóloga, Dra.do Departamento de Geologia do
Serviço Geológico do Brasil - CPRM/RJ

RIO DE JANEIRO, BRASIL

2006
CPRM – Serviço Geológico do Brasil

Rio de Janeiro

Coordenação – DEPAT/DIEDIG

Editoração/Diagramação/Design

550.289 Geologia médica no Brasil: efeitos dos materiais e fatores


geológicos na saúde humana, animal e meio ambiente /
Cássio Roberto da Silva (Ed.)... [et al.]. — Rio de Janeiro :
CPRM - Serviço Geológico do Brasil, 2006.
220 p. ; 28 cm

Textos do 2005 Workshop Internacional de Geologia


Médica.

1. Geologia médica. 2. Geociências. I. Workshop Interna-


nacional de Geologia Médica, 2005, Rio de Janeiro. II. Silva,
Roberto da (Ed.). III. Título.

CDD 550.289
SUMÁRIO

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii

1.Geologia Médica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
Selinus, O.

2. Geologia Médica no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6


Silva, C.R., Figueiredo, B.R., De Capitani, E.M.

3. Epidemiologia e Geologia Médica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15


De Capitani, E.M.

4. Vigilnâcia em Saúde Relacionada a Químicos no Âmbito do Sistema Único de Saúde . . . . . . . . . . . 19


Netto, G.F.

5. Geoquimica Multielementar de Superficie na Delimitação de Riscos e Impactos Ambientais,


Estado do Paraná, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Licht, O.A.B.

6. Geoquímica dos Solos Brasileiros: Situação Atual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36


Pérez, D.V., Manzato, C.V., Alcântara S., Wasserman, M.A.V.

7. Biofortificação como Ferramenta para Combate a Deficiências em Micronutrientes . . . . . . . . . . . . 43


Nutti, M.

8. Evaluación de Riesgo una Herramienta para el Proceso de Gerenciamiento Socioambiental:


Estudio de Caso Región Norte de Mato Grosso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Hacon, S.

9. Riscos à Saúde de Substâncias Orgânicas Naturais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55


Mello, C.S.B. de

10. Arsênio no Brasil e Exposição Humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64


Figueiredo, B.R., Borba, R.P., Angélica, R.S.

11. O Arsênio nas Águas Subterrâneas de Ouro Preto (MG) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71


Gonçalves, J.A.C., Pereira, M.A., Paiva, J.F., Lena, J.C. de

12. Arsênio em Sedimentos Estuarinos do Canal de Acesso à Baia de Antonina, Paraná . . . . . . . . . . . 78


Sá,F., Machado, E.C., Ângulo, J.R.

13. Exposição Humana ao Arsênio no Médio Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . 82
De Capitani, E.M., Sakuma, A.M., Figueiredo, B.R., Paoliello, M.M.B., Okada, I.A., Duran, M.C., Okura, R.I.

– iii –
14. Chumbo e Arsênio nos Sedimentos do rio Ribeira de Iguape, SP/PR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
Lopes Jr., I., Figueiredo, B.R., Enzweiler, J., Vendemiatto, M.A.

15. Diagnóstico Ambiental e de Saúde Humana: Contaminação por Chumbo em Adrianópolis,


no Estado do Paraná, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Cunha, F.C., Figueiredo, B.R., Paoliello, M.M.B., De Capitani, E.M.

16. Estudo da Composição e das Fontes Isotópicas de Pb dos Aerossóis em Brasília (DF) – Brasil Central
Gioia, S.M.C.L., Pimentel, M.M., Kerr, A. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

17. Fluorose Dentária e Anomalias de Flúor na Água Subterrânea no Municipio de


São Francisco – Minas Gerais, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
Velásquez, L.N.M., Fantinel, L.M., Ferreira, E.F., Castillo, L.S., Uhlein, A., Vargas, A.M.D., Aranha, P.R.A.

18. Geoquimica do Flúor em Águas e Sedimentos da Região de Cerro Azul, Estado do Paraná:
Definição de Áreas de Risco para Consumo Humano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
Andreazzini, M.J., Figueiredo, B.R., Licht, O.A.B.

19. Estudo Hidrogeoquímico do Flúor nas Águas Subterrâneas das Bacias


dos Rios Casseribú, Macacú e São João, Estado do Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127
Panagoulias, T.I., Silva Filho, E.V.

20. Mercúrio – Ocorrências Naturais no Estado do Paraná, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130


Plawiak, RR AB, Licht, O.A.B., Vasconcelos, E.M.G., Figueiredo, B.R.

21. Contaminação por Mercúrio Antrópico em Solos e Sedimentos de Corrente de


Lavras do Sul, RS, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Grazia,C.A., Pestana, M.H.D.

22. Implicações de Radioelementos no Meio Ambiente, Agricultura e Saúde Pública em


Lagoa Real,Bahia, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
Oliveira, J.E.

23. Amianto: O que é Também Importante Considerar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157


Scarpelli, W.

24. Crenoterapia das Águas Minerais do Estado do Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161


Martins, A.M., Mansur, K.L., Pimenta, T.S., Caetano, L.C.

25. Avaliação do Nível de Contaminação das Águas Subterrâneas da Cidade de Parintins,


Amazonas, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169
Marmos, J.L., Aguiar, C.J.B.

26. Caracterização Geoquímica das Águas de Sistema de Abastecimento Público da


Amazônia Oriental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174
Macambira, E.M.B., Viglio, E.P.

27. Elementos Químicos em Águas de Abastecimento Público no Estado do Ceará . . . . . . . . . . . . 183


Frizzo, S.J.

28. Avaliação da Contaminação da Água Consumida no Campus da UFRN em Relação à Presença de


Nitratos Provenientes de Fossas Sépticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192
Petta, R.A., Araújo, L.P., Lima, R.F.S., Duarte, C.R.

– iv –
29. Alumínio Dissovido na Água das Cavas de Extração de Areia – Um Estudo das Possíveis
Implicações de sua Toxidade – Município de Seropédica – RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
Eduardo Duarte Marques, E.D., Silva Filho, E.V., Tubbs, D., Santelli, R.E., Sella, S.M.

30. A Influência da Área Superficial das Partículas na Adsorção de Elementos Traço por
Sedimentos de Fundo: Um Estudo de Caso nas Adjacências da Cidade de Macaíba,
Estado do Rio Grande do Norte, Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204
Lima, R.F.S., Guedes, J.A., Brandão, P.R.G., Souza, L.C., Petta, R.A.

–v–
APRESENTAÇÃO

E ste livro tem por objetivos divulgar fundamentos, metodologias e resultados de investigações já reali-
zadas dentro do conceito multidisciplinar da “Geologia Médica”. O conteúdo é composto por artigos relati-
vos às apresentações de pesquisadores brasileiros por ocasião da realização, do Workshop Internacional
de Geologia Médica em junho de 2005, no Rio de Janeiro, nas dependências do Serviço Geológico do Bra-
sil – CPRM. Esta iniciativa não tem a pretensão de abarcar todo o universo de pesquisadores atuantes na
interface Geociências e Saúde, mas apresentar um panorama que reflita, de forma significativa, a situação
atual no Brasil dessa integração de disciplinas no enfrentamento de problemas ambientais de saúde.
São apresentadas no primeiro artigo, escrito pelo Dr. Olle Selinus (IMGA), as noções básicas e a evo-
lução histórica da Geologia Médica no âmbito mundial. Segue uma breve descrição do estado da arte da
Geologia Médica no Brasil, ressaltando-se em capítulo específico a importância da Epidemiologia como
base da avaliação dos agravos à saúde no contexto da Geologia Médica. Também é apresentado o pro-
grama brasileiro de vigilância em saúde relacionadas a substâncias químicas.
Os demais artigos apresentam os resultados de pesquisas realizadas por várias instituições e regiões
do Brasil, abordando temas relacionados ao conceito de Geologia Médica. Nesses trabalhos, dados produ-
zidos pelas disciplinas ligadas à Geologia são correlacionados com os dados de saúde das populações, no
sentido de busca e definição de nexos causais, ou de levantamento de hipóteses de trabalho a serem desen-
volvidas. Finalizando, gostariamos de agradecer a todos os autores pela valiosa contribuição, em especial à
Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, pelo apoio financeiro, ao Serviço
Geológico do Brasil – CPRM, a Sociedade Brasileira de Geoquimica – SBGq, e a International Medical Geo-
logy Association – IMGA pelo incentivo e apoio logístico, certos de que juntos estamos contribuindo para a
divulgação e desenvolvimento da Geologia Médica no Brasil, consequentemente, melhorar a qualidade de
vida de nossa população.

Os Editores

– vii –
Olle Selinus

GEOLOGIA MÉDICA
Olle Selinus
Serviço Geológico da Suécia
Tradução: Fernanda Gonçalves da Cunha
(Serviço Geológico do Brasil-CPRM/RJ)

INTRODUÇÃO trações naturais que são explotados comercialmente.


Quando tais acumulações anômalas acontecem, são fo-
A Geologia Médica é definida como a ciência que cos de estudos de geologia econômica. Os níveis de
estuda a influência de fatores geológicos ambientais re- background dos metais que ocorrem comumente nas
lacionados à distribuição geográfica das doenças hu- rochas, sedimentos e solos são de grande significância
manas e dos animais. no total da quantidade de metais disponíveis no meio
Conseqüentemente, a contribuição interdisciplinar é ambiente. Todos os elementos conhecidos estão pre-
essencial, requer atuação de profissionais de diferentes sentes em algum nível de concentração no ambiente na-
áreas científicas, como geólogos, médicos, odontólo- tural, nos organismos humano e animal, nos vegetais e
gos, veterinários, toxicologistas, biólogos e agrônomos, nos minerais, e seus efeitos benéficos ou maléficos es-
entre outros. tão presentes desde o início da evolução do planeta.
A geologia pode alterar a saúde humana. Entretan-
Por que a geologia é importante para nossa saúde? to, as rochas são fontes naturais de todos os elementos
Nosso ambiente é uma rede de interações geológi- químicos que são encontrados na Terra. Muitos elemen-
cas e biológicas caracterizadas pelas relações entre a tos são essenciais para a saúde das plantas, dos anima-
vida e o planeta Terra. Os elementos químicos formado- is e do homem. A maior parte desses elementos entra no
res das rochas e dos solos podem representar riscos à corpo humano via alimentação e água e através do ar
saúde dos homens, dos vegetais e dos animais. Os teo- que nós respiramos. Através dos processos de intempe-
res desses elementos em nosso ambiente podem estar rismo, as rochas se fragmentam e formam os solos, nos
correlacionados com a deficiência e toxicidade dos quais são cultivados produtos agrícolas e criação de ani-
mesmos nos organismos dos seres vivos. Alguns ele- mais que constituem fonte de alimentação. As águas po-
mentos que ocorrem naturalmente na crosta terrestre táveis permeiam rochas e solos fazendo parte do ciclo
são essenciais para manutenção da nossa saúde, po- hidrológico. Grande quantidade de poeira e gases pre-
rém outros são tóxicos. sentes na atmosfera é resultante dos processos geológi-
Antes de considerar a necessidade de “limpar” ou cos. Portanto, existe um vínculo direto entre a geoquími-
“proteger” uma área contaminada pelo homem, é pru- ca e a saúde devido à ingestão e inalação de elementos
dente conhecer os níveis de background da região para químicos pela alimentação e respiração.
determinar o grau de contaminação. Elementos que Nós precisamos entender a natureza e magnitude
ocorrem naturalmente no meio ambiente podem produ- dessas fontes geológicas para desenvolver pesquisas e
zir efeitos adversos à saúde quando são ingeridos em al- avaliar o risco causado pelos metais no meio ambiente. É
tas concentrações. Os processos geológicos associa- muito importante saber distinguir entre contribuições na-
dos com as atividades humanas podem redistribuir os turais e antropogênicas que afetam o meio ambiente. As
metais de locais onde não são prejudiciais para outros concentrações dos metais podem ter diferentes ordens
locais onde podem afetar, negativamente, à saúde dos de magnitude nas diversas rochas. Por exemplo, as con-
homens e dos animais. centrações do níquel e do cromo são muito mais eleva-
As rochas são fonte de todos os elementos químicos das em basaltos do que em granitos, enquanto que para
que ocorrem naturalmente na superfície terrestre. Os o chumbo ocorre ao contrário. O intemperismo dessas
metais são onipresentes na litosfera onde são distribuí- rochas resulta na mobilização dos elementos no ambien-
dos heterogeneamente e ocorrem em diferentes formas te. Nos sedimentos, os metais pesados tendem a se
químicas. Os depósitos minerais representam concen- concentrar nas frações mais finas e naquelas com maior

–1–
Geologia Médica

teor de matéria orgânica. Xistos pretos, uma rocha de A deficiência de elementos-traço nas culturas agrícolas e
granulação fina, por exemplo, tende - a se enriquecer nos animais são comuns em grandes áreas em várias re-
nesses elementos. giões do mundo e, por essa razão, programas de suple-
O conhecimento dos processos geológicos também mentação mineral são práticas aplicadas na agricultura.
é fundamental para o entendimento de qual metal foi li- Deficiência de elementos-traço pode empobrecer o pas-
berado como resultado da atividade humana. to, dificultar o crescimento animal e causar desordens re-
Vulcanismo e atividades relacionadas à formação produtivas. Esses problemas freqüentemente geram
das rochas ígneas são os principais processos que tra- grande impacto em populações pobres que não podem
zem os elementos para a superfície terrestre. Por exem- gastar com intervenções nutricionais para seus animais.
plo, o vulcão Pinatubo ejetou em dois dias, em junho de
1991, cerca de 10 bilhões de toneladas de magma e 20 Interações, especiação e biodisponibilidade
milhões de toneladas de SO2, o que resultou na influên- Além do entendimento sobre as fontes naturais e an-
cia dos aerossóis no clima global por 3 anos. Somente tropogênicas das substâncias perigosas ao ambiente, é
esse evento introduziu 800.000 toneladas de zinco, também importante considerar a exposição e a biodispo-
600.000 toneladas de cobre e 1.000 toneladas de cád- nibilidade. Exposição é a descrição qualitativa e/ou quan-
mio na superfície terrestre. Além isso, 30.000 toneladas titativa do total da substância química que entra e é assi-
de níquel, 550.000 toneladas de cromo e 800 toneladas milada pelas diversas vias de exposição. Biodisponibili-
de mercúrio foram também adicionadas ao ambiente su- dade é a proporção da substância química disponível
perficial da Terra. Erupções vulcânicas redistribuem al- para entrar no organismo através de uma determinada via
guns elementos tóxicos, como o arsênio, berilo, cádmio, de exposição. A biodisponibilidade influencia diretamen-
mercúrio, chumbo, radônio e urânio, mas a maioria se te na exposição e, portanto, o efeito e risco em relação à
torna elemento remanescente, muitos têm ainda efeitos saúde. Grandes quantidades de substâncias, potencial-
biológicos não determinados. É também importante es- mente prejudiciais à saúde podem estar presentes no
tar consciente que se há uma média de 60 vulcões su- meio ambiente, mas se não estiverem em forma química
baéreos em erupção na superfície terrestre num determi- biodisponível, o risco para a saúde pode ser mínimo. A bi-
nado momento, vários elementos são lançados no ambi- odisponibilidade depende não somente das formas física
ente. Vulcanismo submarino é até mais significante do e química do elemento, mas também de outros fatores
que os das margens continentais e tem sido estimado ambientais, tais como pH, temperatura e condições de
cautelosamente que são no mínimo 3.000 chaminés nas umidade. A biodisponibilidade e a mobilidade de metais
cadeias mesoceânicas. Um fato interessante é que cer- como o zinco, chumbo e cádmio são maiores em condi-
ca de 50% de SO2 é de origem natural, principalmente ções ácidas e tornam-se menos biodisponíveis com o au-
proveniente de vulcões, e somente 50% tem origem nas mento do pH. Também o tipo de solo, o seu conteúdo de
atividades humanas. argila e areia e suas propriedades físicas afetam a migra-
Os elementos que ocorrem naturalmente não são ção dos metais através deles. Os organismos presentes
distribuídos igualmente na superfície terrestre e os pro- nos solos também afetam a solubilidade, o transporte e a
blemas podem surgir quando as concentrações dos ele- biodisponibilidade do metal.
mentos são muito baixas (deficiência) ou muito elevadas Além disso, foi demonstrado no caso de estudo com
(toxicidade). A incapacidade do ambiente prover o ba- o arsênio em Bangladesh, o perigo potencial somente se
lanço químico dos elementos pode levar a sérios proble- torna um problema se existe uma rota de exposição. O
mas de saúde. As interações entre o ambiente e a saúde potencial de dano à saúde, relacionado aos elevados
são particularmente importantes para a sobrevivência teores de arsênio nas águas subterrâneas, existe há mil
das populações que são altamente dependentes do anos, mas somente nos anos recentes, com a necessi-
ambiente local para suprir sua alimentação. Aproxima- dade de perfurar poços de água para consumo da popu-
damente 25 dos elementos que ocorrem naturalmente lação, foi que a via de exposição ficou estabelecida e os
são conhecidos por serem essenciais à vida das plantas efeitos na saúde se manifestaram. Na ausência de expo-
e dos animais, incluindo Ca, Mg, Fe, Co, Cu, Zn, P, N, S, sição, não haveria efeitos adversos.
Se, I e Mo. Por outro lado, o excesso desses elementos As vias de exposição incluem ingestão (alimentos,
pode causar intoxicação. Alguns elementos como o As, água, ingestão acidental ou não de solo), absorção der-
Cd, Pb, Hg e o Al não possuem função biológica ou a mal e inalação. Em termos de ingestão, se dá muita ênfa-
possuem de forma limitada e são geralmente tóxicos se à água pela facilidade de coleta e análise. Contudo,
para o homem. os solos e os alimentos são de grande importância na di-
Muitos desses elementos são conhecidos como ele- eta porque as concentrações das substâncias potencial-
mentos-traço porque eles geralmente ocorrem em pe- mente perigosas nos solos são mais elevadas (ppm) do
quenas concentrações (mg/kg ou ppm) em muitos solos. que na água (ppb). Se a ingestão de solo é

–2–
Olle Selinus

não-intencional ou se é caracterizada pela ingestão deli- potáveis de 50mg/l para 10mg/l. Entre os países com ca-
berada de solo, conhecida como geofagia, essa via de sos estudados e documentados de intoxicação por arsê-
exposição não deve ser subestimada. Por exemplo, es- nio estão Bangladesh, Índia (West Bengal), Taiwan, Chi-
tudos no Kênia têm mostrado que 60-90% de crianças na, México, Chile e Argentina. Os sintomas mais comuns
entre 5 a 14 anos de idade praticam geofagia e cada cri- da toxicidade crônica do arsênio são conjuntivites, mela-
ança consome em média 28g de solos por dia. nomas, despigmentação, queratose e hiperqueratose.
Na discussão da geologia médica é também neces- Como nos casos da Índia e Bangladesh, a relação entre
sário conhecer quais elementos são essenciais para os a exposição excessiva ao arsênio e casos de câncer in-
homens e animais. Os principais elementos são: cálcio, terno e de pele também ocorrem em Taiwan. A fonte do
cloro, magnésio, fósforo, potássio, sódio e enxofre. Os arsênio é natural, o elemento está presente nos minerais
elementos-traço essenciais são: cromo, cobalto, cobre, formadores das rochas, incluindo os óxidos de ferro e as
flúor, ferro, manganês, molibdênio, zinco e selênio. Os argilas, mas principalmente em sulfetos, especialmente
elementos que provavelmente não participam dos pro- em pirita e arsenopirita.
cessos biológicos são chamados elementos O radônio é um gás radioativo que ocorre natural-
não-essenciais e, freqüentemente, apresentam proprie- mente, é incolor, inodoro, e sem paladar, e somente
dades perigosas, por exemplo: arsênio, cádmio, mercú- pode ser detectado com equipamento especial. Ele é
rio e chumbo. Exposição a metais pesados pode resultar produzido por decaimento radioativo do rádio, o qual,
em efeitos negativos. por sua vez, é derivado por decaimento radioativo do
A maior parte dos metais pesados é essencial em urânio. O urânio é encontrado em baixas concentrações
diferentes funções biológicas nos organismos (por em solos e nas rochas, variando de lugar para lugar. O
exemplo, o cobalto, cobre, manganês, molibdênio, zin- radônio, sob forma de partículas radioativas pode entrar
co, níquel e vanádio). Eles são denominados micronutri- no corpo através da inalação, levando ao risco de cân-
entes. Em altas concentrações, no entanto, todos esses cer no trato respiratório, especialmente nos pulmões. O
metais produzem efeitos adversos nos organismos. A in- radônio inalado no ar do interior das casa é responsável
trodução de metais pesados, em larga escala, na socie- por cerca de 20.000 casos de morte ao ano, por câncer
dade – a tecnosfera – e eventualmente na biosfera tem de pulmão, nos Estados Unidos, e 2.000 a 3.000 no Rei-
trazido à tona os efeitos tóxicos nos animais e plantas e no Unido. Somente o cigarro causa mais mortes por cân-
caminhos não-sustentáveis. Cádmio, mercúrio, chumbo, cer de pulmão.
cobre e outros metais têm relação com vários efeitos na A geologia é o fator mais importante para controlar a
vida dos organismos. Destes, o mercúrio e o chumbo fonte e a distribuição do radônio. Os níveis relativamente
não participam de nenhuma função biológica nos orga- altos de emissão de radônio estão associados com um
nismos vivos. determinado tipo de rocha e depósitos inconsolidados,
por exemplo, granitos, rochas fosfáticas e xistos enrique-
Exemplos de geologia médica cidos em matéria orgânica. A liberação do radônio das
O arsênio inorgânico é um dos elementos tóxicos rochas e solos é controlada largamente pelos tipos de
mais conhecidos. Exposição crônica ao arsênio afeta minerais nos quais o urânio e o radônio ocorrem. Somen-
particularmente a pele, membranas mucosas, sistema te o gás radônio é liberado desses minerais, sua migra-
nervoso, medula óssea, fígado e coração. A toxicidade ção para a superfície é controlada pela permeabilidade
do arsênio é altamente dependente de sua forma quími- do leito rochoso e do solo; é carreado através de fluidos,
ca. A essencialidade do arsênio tem sido mostrada em incluindo o gás dióxido de carbono e a água subterrâ-
estudos com animais, mas não com humanos. As emis- nea; e por fatores meteorológicos tais como pressão ba-
sões naturais de arsênio no mundo para a atmosfera na rométrica e chuvas.
década de 80 foram 1,1 a 23,5 toneladas por ano, devi- O radônio dissolvido nas águas subterrâneas pode
das principalmente aos vulcões, partículas de solo leva- migrar por longas distâncias através de fraturas e caver-
das pelo vento, spray marinho e processos biogênicos. nas dependendo da velocidade do fluxo do fluido. O ra-
Apenas a combustão de carvão contribui com 20% das dônio é solúvel em água e pode ser transportado por dis-
emissões atmosféricas, e o arsênio das cinzas do carvão tâncias maiores do que 5km em drenagens subterrâ-
pode ser lixiviado para os solos e para as águas. neas, em calcários. Se emitido diretamente na fase ga-
Está havendo um aumento do conhecimento sobre sosa, pode ocorrer em água potável de mesa (águas
a toxicidade do arsênio devido à exposição a elevadas minerais). A presença de gás como meio de transporte,
concentrações no ambiente geoquímico. Os efeitos na tal como o dióxido de carbono favorece a migração do
saúde humana devidos ao arsênio são reconhecidos radônio. Esse parece ser o caso em certas formações
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem re- carbonáticas, onde as cavernas e fissuras subterrâneas
baixado o nível de segurança para o arsênio em águas possibilitam a rápida transferência da fase gasosa. O ra-

–3–
Geologia Médica

dônio em água para consumo pode resultar em exposi- senciais para os quais a alimentação é a principal fonte, a
ção humana por dois caminhos: por ingestão e por libe- principal fonte do flúor é a água. O flúor em águas superfi-
ração do radônio para o ar durante o banho ou pela chu- ciais e subterrâneas é proveniente de fontes naturais: (a)
va, permitindo que o radônio e seus produtos de decai- lixiviação de rochas enriquecidas em flúor; (b) dissolu-
mento sejam inalados. A presença de radônio nos solos ção de fluoretos dos gases vulcânicos por percolação
sob as casas é a maior fonte de radônio no ar dentro das da água subterrânea através de falhas e juntas em gran-
casas, e apresenta o maior risco para câncer de pulmão de profundidades e em nascentes; (c) água de chuva,
do que o radônio em água potável. Entretanto o radônio onde pode agregar pequena quantidade de fluoretos
em água potável pode ser um problema para as crianças provenientes de aerossóis marinhos e poeira continental
pequenas. contaminada; (d) emissões e efluentes industriais; (e) li-
A ligação entre o bócio e a deficiência de iodo é um xiviação de fertilizantes fosfatados, utilizados ostensiva-
exemplo clássico de geologia médica. A correlação en- mente em plantações em áreas agrícolas.
tre geologia-água-alimentação-doenças pode ser clara- Por exemplo, após a erupção do vulcão Hekla em
mente mostrada para o iodo. O bócio era comum nos po- Iceland em 1693, 1766 e 1845, severos incidentes de flu-
vos antigos da China, Grécia, Egito e entre os Incas, orose foram constatados e descritos. Desde a Segunda
onde os solos e/ou a água são usualmente deficientes Guerra Mundial, o Helka entrou em erupção em 1947,
em iodo, mas foi sucessivamente tratado com alga que 1970 e 1980, e análises para flúor foram executadas. O
contém altos teores de iodo. O iodo é um componente da vulcão liberou grande quantidade de flúor e concentra-
tireóide no hormônio tiroxina, e muito bem conhecido ções de 4.300ppm em gramíneas foram encontradas.
como elemento essencial para os homens e animais ma- No início do século XX ficou conhecido que altos
míferos. A deficiência de iodo resulta numa série de de- teores de flúor podem causar fluorose. A concentração
sordens na saúde, “Iodine Deficiency Disorders (IDD)”, natural de flúor em água potável é normalmente 0,1 a
sendo a mais comum o bócio endêmico. As áreas com 1ppm. Em muitos países, entretanto, a concentração
IDD tendem a ser geograficamente definidas. A mais se- pode ser tão alta quanto 40ppm, o que pode causar fluo-
vera ocorrência do bócio endêmico e o cretinismo ocor- rose severa. A situação é um pouco menos complicada
rem em áreas localizadas no alto de montanhas e re- porque existe o efeito antagônico. O molibdênio e o selê-
giões centrais dos continentes. nio podem reduzir os efeitos das altas concentrações de
O bócio ocorre devido ao crescimento da glândula flúor. Um dos maiores benefícios do flúor é seu antago-
tireóide como tentativa para compensar a insuficiência nismo com o alumínio. Em Ontário, no Canadá, existe um
do iodo. Como exemplo, numa estimativa acerca da po- número menor de casos de doença de Alzheimer onde a
pulação de 17 milhões no Sri Lanka, aproximadamente água potável contém mais flúor.
10 milhões apresentam risco para desenvolver o bócio. Um aspecto totalmente diferente na geologia médi-
A deficiência de iodo em mulheres grávidas pode tam- ca é a geofagia, é o hábito compulsivo de ingerir solo.
bém levar ao cretinismo e prejuízo da função cerebral da Em muitas sociedades rurais antigas a exposição aos
criança. A OMS estima que 1,6 bilhão de pessoas apre- elementos químicos ocorria principalmente através do
sentam risco relacionado à deficiência de iodo e que, hábito compulsivo de ingerir solo, ou de preparações
hoje, é a maior causa de retardamento mental no mundo. medicamentosas derivadas de solo. Tal comportamento
Só a China tem 425 milhões de pessoas com risco de de- é na medicina conhecido como pica ou mais especifica-
senvolver algum tipo de IDD. mente como geofagia. Geofagia é comum entre socieda-
Outro elemento importante é o flúor. A geoquímica des tradicionais e é reconhecida desde o tempo de Aris-
do flúor em água subterrânea e a saúde dental em comu- tóteles como meio de cura para problemas de saúde.
nidades, particularmente aquelas que dependem da Hoje a geofagia é conhecida como uma resposta do
água subterrânea para suprir as necessidades de água subconsciente para dietas tóxicas ou estresse onde se tor-
potável, é um dos maiores exemplos de relação entre a na necessidade a ingestão de solo, podendo se desenvol-
geoquímica e a saúde. Em muitos dos sistemas de supri- ver ao extremo de tornar-se obsessiva ou compulsiva. Essa
mento de água, particularmente em países em desenvol- ânsia ocorre geralmente imediatamente após a chuva. No
vimento, onde a escavação de poços profundos é a mai- Kênia, a quantidade de solo ingerido pelas pessoas pode
or fonte de água, a água contém excesso de flúor e como ser calculada em 20 gramas por dia. Isto representa 400
tal é prejudicial à saúde dental. vezes mais do que a quantidade de solo ingerida através
O flúor é um elemento essencial com recomenda- da atitude de levar as mãos à boca (isto é, 50 miligramas
ção de ingestão diária de 1,5 a 4,0 mg/dia. Problemas de por dia). A ingestão de grande quantidade de solo aumen-
saúde tais como cáries ou dentes manchados ou fluo- ta a exposição aos elementos-traço nutrientes, e promove
rose esquelética podem ocorrer devidos ao excesso ou também um significativo aumento da exposição às patolo-
deficiência de flúor. Ao contrário de outros elementos es- gias biológicas e à potencialidade tóxica dos elemen-

–4–
Olle Selinus

tos-traço, especialmente em áreas associadas com extra- res geológicos para a saúde, a comissão
ção mineral ou ambientes urbanos poluídos. COGEOENVIRONMENT (Comissão das Ciências Geoló-
Poeiras ocorrem naturalmente. A exposição às po- gicas para o Planejamento Ambiental) do IUGS, criou em
eiras minerais pode causar vários problemas respiratóri- 1996 o International Working Group on Medical Geology
os. Os efeitos na saúde à exposição das poeiras minerais coordenado pelo Geological Survey of Sweden, SGU,
foram descritos décadas atrás, sendo os asbestos um com o principal objetivo de aumentar a consciência des-
exemplo clássico. A exposição à poeira pode também sa questão entre os cientistas, especialistas médicos e o
afetar vastas regiões, tais como as poeiras levantadas por público em geral. Em 2000 um novo projeto IGCP foi es-
terremotos nas regiões áridas do sudoeste dos Estados tabelecido pela UNESCO: IGCP#454 Medical Geology.
Unidos e nordeste do México. A exposição às poeiras O International Council of Scientific Unions (ICSU) tam-
pode ter dimensões globais. As cinzas ejetadas pelas bém patrocinou em 2002-2003 mini cursos internaciona-
erupções vulcânicas podem viajar ao redor do mundo e, is com esse objetivo, em cooperação com o SGU, United
imagens de satélite recentes mostraram ventos levando States Geological Survey e o US Armed Forces of Patho-
poeira dos desertos do Saara e de Gobi a distâncias que logy em Washington. Esses cursos têm tido continuidade
cobrem mais da metade do caminho ao redor do mundo. em todo mundo e, mais recentemente, um no Brasil, em
O maior efeito para a saúde humana é a inalação das par- junho de 2005. Em março de 2002, o IUGS anunciou que
tículas finas da poeira. Sob este ponto de vista, trabalho o International Working Group on Medical Geology foi in-
considerável está sendo conduzido para identificar as dicado para operar com o status de Projeto Especial,
partículas das poeiras derivadas de solos, sedimentos e operando diretamente com a IUGS. Olle Selinius é o dire-
de superfícies das rochas intemperizadas. tor em atividade. José Centeno e Bob Finkelman são
co-diretores. A nova associação internacional, Internati-
O futuro da Geologia Médica onal Medical Geology Association – IMGA (www.medi-
Naturalmente ocorrem materiais como rochas, mi- calgeology.org), é agora também estabelecida com um
nerais, poeiras, águas que podem causar efeitos profun- conselheiro no Brasil. No Ano do Planeta Terra, um dos
dos na saúde humana, das plantas e dos animais. O en- principais tópicos é a geologia médica.
tendimento do complexo relacionamento entre o ambi- Os serviços geológicos, universidades e socieda-
ente natural e a saúde dos animais e do homem requer des geológicas deverão dar continuidade e fornecer as
colaboração entre médicos, veterinários, geocientistas e informações geológicas necessárias, relacionadas à
toxicologistas. O campo emergente da geologia médica geologia médica e apoiar o desenvolvimento de grupos
é o elo entre esses campos interdisciplinares. Isto requer de trabalho locais multidisciplinares, de geologia médi-
coordenação entre os países desenvolvidos e os em de- ca. Se necessário, desenvolver estudos de metodologi-
senvolvimento. as para estudar os fatores geológicos na medicina ambi-
A geologia médica é uma ciência interdisciplinar ental e formular recomendações para mitigação dos
com rápido crescimento. Devido a importância dos fato- efeitos danosos naturais e induzidos pelo homem.

–5–
Geologia Médica no Brasil

GEOLOGIA MÉDICA NO
BRASIL
¹Cassio Roberto da Silva, cassio@rj.cprm.gov.br
²Bernardino Ribeiro Figueiredo, berna@ige.unicamp.br
²Eduardo Mello De Capitani, capitani@hc.unicamp.br
¹Serviço Geológico do Brasil – CPRM/RJ
²Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

HISTÓRICO da de 50. A menor prevalência da doença no litoral com-


parado com áreas do Centro-Oeste, onde o índice de
No Brasil, a integração de conhecimentos específi- acometidos chegava a 54% da população chamava a
cos das Ciências da Terra e Ciências da Saúde tem histó- atenção para um fator causal geográfico/geológico
ria antiga e relativamente profícua quanto ao diagnóstico, (Sampaio, 1972).
e propostas de controle, de algumas doenças endêmi- A partir da década de 80, pesquisadores da Universi-
cas. Estudos mais voltados à descrição do clima, hidro- dade Federal da Bahia, estabeleceram uma base de es-
grafia e condições biogeográficas, chamadas à época de tudos de avaliação de contaminação de crianças e adul-
paisagem botânica e zoogeografia, compunham os fun- tos por chumbo e cádmio em Santo Amaro da Purificação
damentos da Geografia Médica, definida como o estudo (BA), onde os rejeitos da metalurgia de minério de chum-
da geografia das doenças ou da patologia à luz dos co- bo contaminaram o solo e o lençol freático do município,
nhecimentos geográficos. Eram sinônimos de Geografia sendo pioneiros na abordagem desse tipo de problema
Médica, a Patologia Geográfica, a Geopatologia ou Medi- no Brasil (Carvalho et al. 1984; Carvalho et al. 1985).
cina Geográfica (Lacaz, 1972). A Geografia Médica era Mais recentemente, Licht (200l), a partir de levanta-
considerada um ramo da Geografia, como a Biogeogra- mento geoquímico de baixa densidade, com amostra-
fia, a Geografia humana e a Geografia física. gens de sedimento, água e solos em todo o estado do
A Geomedicina, definida por Zeiss (apud Lacaz, Paraná, identificou fluorose dentária em crianças na re-
1972) como o ramo da medicina que estuda a influência gião de Itambaracá – PR, associada a águas subterrâ-
das condições climáticas e ambientais sobre a saúde, neas e, brometo e cloreto em solos, possivelmente rela-
foi incluída na Geografia Médica, ampliando os horizon- cionados às doenças cancerigenas que ocorrem na re-
tes desta última. No entanto, a grande maioria dos estu- gião norte do referido estado.
dos de Geografia Médica relacionava-se às doenças in- Pesquisadores da Universidade de Campinas –
fecciosas-parasitárias, dentro de um marco teórico dado UNICAMP, Fundação Estadual de Meio Ambiente de Mi-
pela Medicina Tropical, que sempre valorizou os aspec- nas Gerais – FEAM e outras instituições do estado de Mi-
tos geográficos físicos e climáticos em seus estudos epi- nas Gerais, em colaboração com a Universidade de Frei-
demiológicos, estudando fatores ligados à ecologia de berg da Alemanha (Matschullat, et al. 2000), identifica-
insetos transmissores e animais carreadores de bactéri- ram elevados teores de As em urina de crianças, resi-
as, vírus e protozoários, por exemplo. Nessas situações dentes na proximidade de antigas minerações de Au do
os aspectos geológicos e geoquímicos das regiões estu- Quadrilátero Ferrífero. No Amapá, Santos et al. (2003)
dadas não eram levados em conta, pois o modelo expli- do Instituto Evandro Chagas, pesquisaram exposição ao
cativo da causa das doenças não necessitava desse As em população residente próximo ao rejeito da meta-
tipo de dado para funcionar. Situação atípica nesse con- lurgia de manganês (Mineração ICOMI), analisando
texto da Geografia Médica, que em geral privilegiava do- amostras de cabelo e sangue, sem no entanto identificar
enças infecto-contagiosas, foram os estudos realizados risco significativo para as pessoas.
pelo Instituto de Manguinhos (hoje FIOCRUZ) e pelo De- No período de 1998 a 2003, pesquisadores da
partamento Nacional de Saúde, sobre prevalência de UNICAMP em parceria com instituições da área de saú-
bócio endêmico nas diversas regiões do Brasil, na déca- de identificaram contaminação de chumbo em sangue

–6–
Cassio Roberto da Silva

de crianças e adultos, residentes na proximidade da buco, Ceará, Rio Grande do Norte, Pará, Amazonas e
metalurgia da Plumbum S.A. em Adrianópolis, Paraná Rondônia).
(Paoliello, 2002; Cunha, 2003; Figueiredo, 2005). Na Graças à qualidade e quantidade dos trabalhos
mesma região, em Iporanga, Estado de São Paulo, em- apresentados pelos pesquisadores brasileiros no Work-
bora tenham sido identificadas concentrações anômalas shop Internacional de Geologia Médica no Rio de Janei-
de arsênio em solo e sedimentos, os níveis de exposição ro foi possível editar o presente livro, abordando temas
humana revelaram-se baixos, não representando risco à relativos a As, Hg, F, Pb, amianto, substâncias orgânicas
saúde da população (Sakuma, 2004). e qualidade de águas para abastecimento público.
Diversos trabalhos de avaliação de risco humano à
assimilação de mercúrio em garimpos, principalmente GEOLOGIA MÉDICA
da região amazônica, têm sido realizados por pesquisa-
dores do CETEM, FIOCRUZ, Instituto Evandro Chagas, No Brasil, pesquisadores da área de Geologia Mé-
UFPA, INPA, UFAM e UFRO. Nos sites dessas institui- dica têm recorrido principalmente aos livros e artigos de
ções pode-se encontrar inúmeros trabalhos sobre o refe- Selinus et al., (2005), Skinner & Berger (2003), Cortecci
rido assunto. (2002), Singh (2000), Licht (2001) e Figueiredo (2005b).
A partir de 2002, após o Congresso Brasileiro de Assim, com base nesses autores, a Geologia Médica
Geologia, ocorrido em João Pessoa, Paraíba, um grupo pode ser definida como “o estudo das relações entre os
de pesquisadores de mais de uma dezena de universida- fatores geológicos naturais e a saúde, visando o
des e instituições, decidiram criar um grupo de discus- bem-estar dos seres humanos e outros organismos vi-
são, denominado Rede de Pesquisa em Geoquimica vos”. Outro entendimento mais conciso é de ser “o estudo
Ambiental e Geologia Médica – REGAGEM (rega- do impacto dos materiais e processos geológicos na saú-
gem@ige.unicamp.br), atualmente com 345 membros. O de pública”. De acordo com esta visão, a geologia médi-
objetivo desse grupo foi o de conceber e propor o Pro- ca inclui “a identificação e caracterização das fontes na-
grama Nacional de Pesquisa em Geoquímica Ambiental e turais e antrópicas de materiais nocivos no ambiente, bus-
Geologia Médica – PGAGEM e disponibilizar informações cando prever o movimento e alteração dos agentes quími-
deste programa, links e demais dados relacionados à cos, infecciosos e outros causadores de doenças ao
geologia médica no site www.cprm.gov.br/pgagem. longo do tempo e espaço, bem como compreender como
O primeiro evento de geologia médica ocorrido no as pessoas estão expostas a tais materiais e o que pode
Brasil, o International Workshop on Medical Geology, foi ser feito para minimizar ou evitar tal exposição”.
realizado na UNICAMP, em outubro de 2003, com o mi- A união proporcionada pela Geologia Médica entre
nicurso ministrado pelos pesquisadores Olle Selinus, geólogos e outros cientistas como médicos, odontólo-
Robert Finkelman e José Centeno do IGCP 454 da gos, veterinários e biólogos, num esforço para resolver
IUGS-UNESCO, contando com a participação de 110 local e globalmente as questões de saúde, objetiva forta-
brasileiros, principalmente das áreas de geociências, lecer e integrar pesquisas que possam reduzir as amea-
saúde e química. Um resultado interessante dessa ativi- ças ambientais para a saúde e bem-estar dos humanos
dade na comunidade foi que já no Simpósio de Geologia e animais.
Médica do 32º Congresso Internacional de Geologia, As questões associadas à saúde geralmente se re-
ocorrido em Florença-Itália, em setembro de 2004, do to- ferem a seres humanos e outras criaturas vivas, ao passo
tal de 33 apresentações 4 foram de pesquisadores bra- que o foco da geologia é sobre o inanimado e o passado
sileiros. distante. Assim, embora possam estar em áreas distintas
O segundo workshop ocorreu em junho de 2005 no do conhecimento ou requeiram diferentes abordagens
Rio de Janeiro, nas dependências do Serviço Geológico de investigação, as relações diretas entre estas duas
do Brasil, tendo o minicurso, atualizado, com os mesmos disciplinas não podem ser ignoradas. “A vida desenvol-
pesquisadores internacionais mencionados acima. Nes- ve-se numa matriz de materiais da terra – rochas, mine-
se evento foram feitas apresentações de pesquisas bra- rais, solos, água, ar – cuja disponibilidade exerce um
sileiras que alcançaram a marca surpreendente de 56 profundo controle sobre o que todas as criaturas vivas
trabalhos (12 palestras e 44 painéis). Contou com a parti- ingerem e como elas se desenvolvem biológica e cultu-
cipação de 210 profissionais das áreas das geociências ralmente”, assim, “somos o que comemos e bebemos” .
(48%), saúde (16%), química (4%), outras profissões O ar que respiramos, a água que bebemos e os nu-
(11%) incluindo estudantes de graduação e trientes que consumimos dependem do ambiente geoló-
pós-graduação em geologia (21%). Os participantes gico, que podemos controlar somente de forma parcial.
eram oriundos de vários estados brasileiros (Rio Grande Como lutamos para nos adequar a um mundo de 10 bi-
do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janei- lhões de pessoas, um melhor entendimento acerca dos
ro, Minas gerais, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Pernam- processos pelos quais o ambiente natural influencia a

–7–
Geologia Médica no Brasil

nossa saúde deverá permitir decisões mais apropriadas elementos essenciais costumam ser divididos em macro-
no futuro. É consenso geral que as mudanças globais nutrientes (que necessitam ser absorvidos através da die-
estão relacionadas aos poderosos impactos produzidos ta em grande quantidade) participando da massa corpo-
pelo homem na sua vizinhança. É justamente os efeitos ral em concentrações maiores que 0,1% (Ca, Cl, P, K, Na,
nocivos ou benéficos que por vezes os materiais e pro- S) e micronutrientes, com concentrações corpóreas abai-
cessos geológicos provocam sobre os seres humanos xo de 0,1% (Mg, Si, Fe, F, Zn, Cu, Mn, Sn, I, Se, Ni, Mo, V,
constituem o tema central da Geologia Médica. Cr, Co). Tabela 1.
A combinação dos conhecimentos oriundos das Apesar de não essenciais, muitos elementos são re-
ciências da terra com aqueles provenientes da medicina gularmente absorvidos através da dieta (alimentos e
e das ciências da vida oferece a oportunidade de inúme- água) e inalados junto com o ar respirado. Dessa forma,
ras aplicações e possibilidades para a solução de ques- podem ocorrer quantidades variáveis desses elementos
tões concernentes à saúde. Essa integração de esfor- que se depositam no corpo humano de acordo com suas
ços pode melhorar a definição do problema, auxiliar nas afinidades químicas por determinados tecidos, como
estratégias de abordagem, definir e localizar fontes de por exemplo: alumínio (Al), bário (Ba), cádmio (Cd),
água potável, e desenvolver soluções econômicas base- chumbo (Pb), arsênio (As), mercúrio (Hg), estrôncio (Sr),
adas em princípios geológicos que podem ajudar a mi- urânio (U), prata (Ag) e ouro (Au) (Emsley, 2001).
norar, mas principalmente prevenir sofrimento e doença. Os elementos constituintes das rochas ao serem li-
Há a expectativa de que os geocientistas, juntamen- berados pelo intemperismo podem ser disponibilizados
te com os profissionais da saúde, contribuam significati- no solo para em seguida serem levados para as águas
vamente para a melhoria da qualidade da saúde públi- dos rios e subterrâneas. No solo, podem ser assimilados
ca. Segundo geocientistas europeus, os estudos efetua- pelas raízes de plantas, entrando na cadeia alimentar.
dos nos últimos 15 anos são apenas a ponta de um ice- Também entram na cadeia alimentar quando carreados
berg, uma pequena mostra do espectro da pesquisa que em solução pela drenagem e assimilados por seres
agora se inicia e que transitará no extenso espaço entre aquáticos. Mas, além da dieta, as substâncias químicas
a geologia e a medicina. podem ainda ser também assimiladas pelos seres vivos
A Geologia Médica é uma “ciência” de equipe, exi- por inalação ou pela pele.
gindo bom entrosamento e entendimento com outras De modo geral, o solo, as águas correntes e as plan-
ciências. Em detalhe, estuda variações regionais ou lo- tas refletem a composição das rochas do substrato, essa
cais na distribuição dos elementos, principalmente os relação é muito usada em exploração mineral para a
metálicos e metalóides, seu comportamento geológi- descoberta de depósitos minerais. Ao alimentar-se da
co-geoquímico, as contaminações naturais e artificiais e vegetação, os animais silvestres também refletem o qui-
os danos à saúde humana, animal e vegetal, por exces- mismo da região onde vivem. Essa relação é observada
sos ou deficiências. também com huma-
A vida na terra se desenvolveu na presença de todos nos, havendo casos
os 97 elementos que ocorrem naturalmente, incluindo os clássicos de doen-
que chamamos de essenciais, não essenciais, tóxicos e ças acompanhando
os possivelmente tóxicos (Garret, 2005). O corpo humano faixas geológicas
necessita de 25 elementos reconhecidos até o momento que exibem anomali-
como essenciais ao seu funcionamento adequado. Den- as litológicas ou geo-
tre os elementos que são considerados essenciais o prin- químicas (Figuras 1 e
cipal deles é o carbono (C), sem o qual não haveria qual- 2). Anomalias são re-
quer forma de vida como é conhecida hoje. Cadeias mo- lacionadas a efeitos
leculares de carbono são a base estrutural de milhares de de poluição, porém
diferentes compostos constituintes das células, como as não podem ser igno-
proteínas e o DNA. Como mais de 60% da massa corporal radas contaminações
é constituída de água (H2O), o oxigênio e o hidrogênio naturais como, por
têm uma participação significativa como elementos es- exemplo, as provo-
senciais. O oxigênio supera qualquer outro elemento em cadas pela deposi-
quantidade no corpo humano (61% da massa corpórea) ção de cinzas ejeta-
por sua participação também na estrutura óssea na forma das em erupções
de fosfato de cálcio. Da mesma forma, o nitrogênio (N) faz vulcânicas e pelas Figura 1 – Doença de Kaschin-Beck,
China distúrbio de formação óssea
parte desse grupo seleto dos 4 mais importantes elemen- nuvens de pó gera-
afetando o crescimento e produzindo
tos essenciais (junto com o O, H, e C), pois participa prati- das em áreas desér- deformidades, causados por deficiência
camente de todas as proteínas e do DNA. Os outros 21 ticas. de selênio na água e solos.

–8–
Cassio Roberto da Silva

Tabela 1 – Função de elementos químicos no corpo humano

FUNÇÃO DOS ELEMENTOS CONSIDERADOS ESSENCIAIS AOS HUMANOS


O, H, N Ver discussão sobre estes elementos no texto acima.
eC
Ca É o metal mais abundante no corpo humano na forma de fosfato de cálcio nos ossos e dentes. É essencial na
regulação da atividade de membranas celulares, especialmente na contração muscular e na condução dos
estímulos nervosos. Participa da coagulação sanguínea, divisão celular e liberação de hormônios (Qtdd total
média no corpo = 1.200 g).
Cl Manutenção do equilíbrio hídroeletrolítico e secreções do corpo; digestão dos alimentos como ácido clorídrico
no estômago (Qtdd total no corpo =95 g).
K Manutenção do equilíbrio dos fluidos em nível intracelular (concentra-se dentro das células), participando da
contração muscular e condução nervosa (Qtdd total no corpo =110-140 g).
Mg Atua na manutenção da estrutura dos ossos; regula a passagem de substâncias através das membranas
celulares; participa como co-fator de mais de 100 enzimas e na fabricação de proteínas, sendo
importantíssimo no processo de crescimento e desenvolvimento normal (Qtdd total no corpo =25 g).
Na Manutenção do equilíbrio hídroeletrolítico permanecendo sempre fora das células, participando da contração
muscular e condução nervosa (Qtdd total no corpo = 100 g).
P Constituinte dos ossos e dentes na forma de fosfato de cálcio. É essencial o processo de produção química
de energia através de moléculas orgânicas do tipo ATP (trifosfato de adenosina), além de fazer parte da
molécula de DNA (Qtdd total no corpo = 780 g).
S Faz parte da estrutura da queratina, principal constituinte dos cabelos, unhas e camada externa da pele. Faz
parte de várias enzimas essenciais ao metabolismo normal e da vitamina B1 (Qtdd total no corpo = 140 g).
Co Constituinte da vitamina B12 envolvida na manutenção da integridade do sistema nervoso e na produção de
glóbulos vermelhos.
Cr Essencial para o metabolismo da glicose. Apesar de sua provável relação com desenvolvimento de diabetes
no adulto, casos clínicos de deficiência humana desse elemento não foram ainda descritos.
Cu Constituinte de uma dezena de enzimas importantes no metabolismo humano como a superoxi-dismutase,
envolvida no controle de radicais livres.
F Essencial à manutenção da estrutura sadia de dentes (esmalte) e ossos em doses mínimas.
Fe Componente da hemoglobina é responsável pelo transporte de oxigênio no sangue e reserva desse elemento
nos músculos.
I Essencial ao funcionamento normal da tireóide, pois é constituinte dos hormônios tireoidianos, tiroxina e
triiodotironina. A deficiência nutricional de hormônio é bastante conhecida como produtora de déficit de
crescimento normal e sérios distúrbios mentais cognitivos.
Ni Considerado essencial e ligado ao controle do crescimento, mas pouco conhecido quanto aos seus
mecanismos de ação no metabolismo normal.
Mn Apesar de ser considerado essencial, suas funções específicas são pouco conhecidas; ainda participa de
reações enzimáticas e da atividade da vitamina B1 em quantidades mínimas.
Mo É constituinte de várias enzimas importantes, entre elas a xantina-oxidase, envolvida no metabolismo de
proteínas e a aldeído-oxidase, envolvida na biotransformação do álcool etílico.
Se A definição de essencialidade do selênio é recente, de 1975, quando se descobriu que era constituinte da
molécula da enzima glutationa peroxidase, importantíssima no controle de formação de radicais livres no
metabolismo humano. Em 1991 descobriu-se que tamnbém faz parte da molécula da deiodinase, que
participa da produção dos hormônios tireoidianos.
Si A partir de 1972 foi definido que o silício é essencial e ligado ao processo de crescimento ósseo.
Sn Ainda controverso com relação à sua real essencialidade em humanos. Não são conhecidos efeitos de sua
deficiência. Foi considerado essencial anteriormente por sua suposta participação no hormônio gastrina.
V Está relacionado com a regulação de enzimas envolvidas no equilíbrio do sódio-potássio no sistema nervoso.
Menos de 0,5% do Vanádio ingerido é absorvido na dieta.
Zn Ocorre em todos os tecidos, principalmente em ossos, músculos e pele; atua no sistema imunológico; regula
crescimento corpóreo, proteção ao fígado. Deficiência reduz crescimento corpóreo.

–9–
Geologia Médica no Brasil

· contribuir para o diagnóstico de solos com


deficiências em micro e macronutrientes
para agricultura;
· desenvolver, na sua área de responsabili-
dade e em conjunto com órgãos de saúde
pública, trabalho de educação ambiental
para as populações afetadas.
Figura 2 – Mais de 100 milhões de pessoas no mundo sofrem de fluorose, no
Adicionalmente, o PGAGEM contempla outros
Brasil ocorrem, principalmente em crianças, nas regiões de São Francisco –
MG e Itambaracá - PR. desdobramentos como, por exemplo:

· estabelecer padrões e métodos de amos-


PROGRAMA NACIONAL DE GEOQUÍMICA tragem de campo, bem como de padronização e
AMBIENTAL E GEOLOGIA MÉDICA certificação laboratorial química no desenvolvi-
mento de metodologias analíticas para materiais
O Programa Nacional de Pesquisa em Geoquímica geológicos em estudos ambientais;
Ambiental e Geologia Médica – PGAGEM, sob a coorde- · contribuir para o desenvolvimento da Rede Nacio-
nação do Serviço Geológico do Brasil – CPRM, caracte- nal de Pesquisa em Geoquímica Ambiental e Geo-
riza-se por ser multiinstitucional, interdisciplinar e com logia Médica – REGAGEM, estabelecendo parce-
resultados para multiusos. Foi concebido e elaborado rias com instituições federais, estaduais e munici-
por pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil – pais do setor de saúde pública e meio ambiente,
CPRM, Universidade de Campinas – UNICAMP, Minerais usando as possíveis correlações entre os dados
do Paraná – MINEROPAR, Universidade do Estado de geoquímicos reunidos e os dados de mortalidade
São Paulo – USP, Universidade Federal do Estado do ou de incidência de doenças em humanos e ani-
Pará – UFPA, Universidade Estadual de Londrina – UEL, mais, eventualmente disponíveis no território bra-
Instituto Evandro Chagas, Instituto Adolfo Lutz, Escola sileiro;
Nacional de Saúde Pública – ENSP (FIOCRUZ) e Empre- · incentivar e subsidiar trabalhos de integração de
sa Brasileira de Agropecuária – EMBRAPA (Solos). dados utilizando pesquisas nas áreas de geoquí-
Atualmente conta com parcerias internacionais do mica ambiental, epidemiologia e ecotoxicologia
U.S. Geological Survey (USGS), U.S. Armed Forces Insti- geradas na rede de pesquisa utilizando equipes
tute of Pathologiy (AFIP), Geological Survey of Sweden multidisciplinares;
(SGU), International Union of Geological Sciences · capacitar recursos humanos de nível superior e
(IUGS), International Medical Geology Association médio para serviços de campo, de laboratório e
(IMGA) e Universidade de Freiberg-Alemanha. de tratamento e interpretação de dados geoquími-
cos e geológicos com fins multidisciplinares rela-
Esse programa foi concebido a partir de 2003 com cionados ao meio ambiente e saúde pública, além
os seguintes objetivos específicos: da pesquisa mineral;
· apoiar o fortalecimento da infra-estrutura de labo-
· executar estudos geoquímicos, preferencialmen- ratórios analíticos nas áreas de geoquímica e toxi-
te em parcerias, para identificar e avaliar possí- cologia atuantes no Brasil, incentivando o trabalho
veis fontes de contaminações naturais e antropo- em rede em projetos específicos, testes de profi-
gênicas, integrado-os com as informações de sa- ciência e certificação interlaboratorial;
úde pública, visando apontar quais áreas e co- · constituir um banco de dados referencial de todo
munidades estão expostas aos efeitos adversos o território nacional, com as informações de cam-
relacionados aos elementos e substâncias tóxi- po e laboratório, geradas pela CPRM e entidades
cas; participantes; e, criar uma coleção de materiais
· disponibilizar os resultados analíticos para fins de geológicos (alíquotas de sedimentos, solos e ro-
prospecção mineral; chas) relacionados a estudos ambientais.
· subsidiar estudos com informações geoambientais,
em parceria com órgãos governamentais, universi- Espera-se com esses objetivos que o programa seja
dades e institutos de pesquisa, nas áreas de toxico- útil às instituições e aos programas multidisciplinares
logia e epidemiologia; correlatos das entidades participantes, tais como:
· indicar estratégias e tecnologias na área de geo-
química ambiental para estudos de remediação · planejamento de políticas localizadas de saúde
ambiental; pública em áreas onde forem identificados riscos

– 10 –
Cassio Roberto da Silva

de contaminação da população por elementos São previstas também a coleta de amostras de água
químicos; de consumo doméstico nos municípios onde não haja
· planejamento de atividades, na área de estudos estação de tratamento de água ou este seja deficiente, e
ambientais, do Ministério da Saúde, do Ministério do de solos superficiais (0-25 cm), na quantidade de três
Meio Ambiente e de outros órgãos ambientais, esta- amostras por município, em áreas cultivadas.
duais e municipais, da Agência Nacional de Águas A figura 3 apresenta a programação de amostra-
– ANA, e dos comitês de bacias hidrográficas; gens por regiões, com cerca de 29.700 estações, com a
· identificação de focos superficiais de contamina- coleta de sedimento e água (onde houver), que soma-
ção natural ou antropogênica em áreas urbanas das apontam cerca de 59.400 amostras. Estima-se ainda
ou rurais; a coleta de mais 5.000 amostras de águas para abaste-
· caracterização geoquímico-ambiental das zonas cimento e 10.000 amostras de solos, que totalizariam
de recargas de aqüíferos; 74.400 amostras para todo o programa.
· determinação da extensão da pluma de contami- Mais detalhes sobre os procedimentos metodológi-
nação nas águas superficiais e subterrâneas, no- cos adotados pelo PGAGEM podem ser obtidos na pági-
tadamente aquelas próximas a lixões e aterros; na www.cprm.gov.br/pgagem, Lins (2002).
· elaboração de mapas de vulnerabilidade de solos
e de águas subterrâneas e mapas de riscos;
· geração de informações de geoquímica de solo Norte Nordeste
2
3.800.000 km 1.600.000 km
2

para estudos pedológicos de fertilidade e uso 8.250 estações 7.750 estações


agrícola e pastoril.

Os procedimentos metodológicos assumidos pelo


PGAGEM foram, na medida do possível, adequados aos
padrões geoquímicos estabelecidos pelo projeto IGCP-
259 da UNESCO – IUGS e pelo Working Group on Global
Geochemical Baselines do IUGS – IAGC, para permitir
comparações com estudos similares em outros países.
Exemplos com êxito de mapeamento geoquímico de bai- Centro Oeste
xa densidade com a elaboração de mapas de multiuso 1.614.000 km
2

são o “Environmental Geochemical Atlas of the Central 6.200 estações


Barents Region”- Kola Project (600 estações em 188.000
km² ), o Barents Ecogeochemistry (1.373 estações em Sul
2
1.500.000 km² ), o Atlas Geoquimico do Estado do Para- 580.000 km
2.900 estações
ná (697 estações em 166.000 km² ) e os efetuados pelo
Sudeste
Serviço Geológico do Brasil no estado do Rio de Janeiro 920.000 km
2

(200 estações em 44.000 km²), nas bacias dos rios Mogi Total 4.600 estações
Guaçu e Pardo (99 estações em 21.000 km²), e Vale do 8.514.000 km2
29.700 estações
Rio Ribeira (187 estações em 28.000 km²).
O PGAGEM abrange todo o território brasileiro, fo-
calizando inicialmente regiões e bacias hidrográficas Figura 3 – Distribuição regional das estações de amostragens de
sedimento de corrente (fundo e água de drenagem.
onde existem problemas de saúde que podem estar re-
lacionados com o meio ambiente. Serão também estuda-
das, prioritariamente, as áreas com indícios de altera-
ções na qualidade dos corpos d’água e do solo que po- Resultados Parciais
dem causar efeitos adversos à saúde dos seres vivos. No âmbito do PGAGEM já foram executados vários
A amostragem geoquímica compreende a coleta trabalhos no período de apenas dois anos de 2003 a
de amostras de água superficial (onde houver) e de se- 2005.
dimentos ativos de corrente nas drenagens das bacias Sob a responsabilidade da CPRM e instituições con-
hidrográficas da região estudada com adensamento di- veniadas foram coletadas cerca de 4.041 amostras de
ferenciado. Na região amazônica, devido ao problema água, sedimento de corrente e solos e, destas, cerca de
de acesso, serão amostradas bacias com áreas de 2.960 amostras foram analisadas e os resultados de al-
captação em torno de 2.000 km² (1.000 – 3.000 km2). gumas áreas como, Parintins no Amazonas, NE (parte
Nas demais regiões as bacias selecionadas têm entre oriental) do Estado do Pará, Lagoa Real na Bahia, Vale
100 e 200 km2. do Ribeira-SP/PR, Estado do Ceará e Lavras no Rio

– 11 –
Geologia Médica no Brasil

Grande do Sul, encontram-se neste livro. Os demais re- que acusaram concentrações de urânio no intervalo de
sultados das outras regiões (Rondônia,Estado de Goiás, 0,041 a 0,566 mg/L excedendo o teor máximo admitido
Teresina e Itinga-MG) deverão ser divulgados no ano de de 0,02 mg/L de U em 8 poços tubulares. Destaca ainda,
2006. o excesso de captação de água subterrânea, prevendo
A ilha de Parintins, localizada na margem direita do em curto prazo escassez desse bem mineral.
Rio Amazonas, cerca de 350 km a jusante de Manaus, O Projeto Paisagens Geoquímicas e Ambientais do
hoje um destacado pólo turístico da região, pela tradicio- Vale do Ribeira – Avaliação e Prevenção de Risco para o
nal festa do Boi-Bumbá, vinha apresentando problemas Meio Físico e Saúde Humana Relacionados à Exposição
com a saúde da população, provavelmente associados ao Arsênio e Metais Pesados, executado em parceria
à má qualidade das águas de abastecimento público, por geólogos, químicos, médicos e toxicologistas da
em vista do grande aumento populacional, principal- UNICAMP, Universidade Estadual de Londrina, Instituto
mente na época de festas. As atividades desenvolvidas Adolfo Lutz e Serviço Geológico do Brasil – CPRM, se-
na ilha, por Marmos & Aguiar (2006), incluíram a análise gundo Figueiredo (2005b), contemplou a elaboração do
de 6 amostras de água corrente e 33 de poços tubulares. Atlas Geoambiental (Alto e Médio Vale do Ribeira), do
As primeiras mostraram-se normais, enquanto entre as Atlas Geoquímico de Sedimento do Vale do Ribeira e ge-
amostras de água subterrânea, cerca de 63% apresen- ração de dados inéditos sobre a exposição de Pb e As
taram elevados teores de NO3 (11-49 mg/L), Al (0,3 – 2,0 em ecossistemas e agrupamentos humanos no Alto e
mg/L) e amônia (2,9 mg/L) que foram atribuídos à conta- Médio Vale do Ribeira- SP/PR. Grande parte dos resulta-
minação antrópica, pois somente os poços com profun- dos obtidos nesse projeto consta de outros artigos deste
didades menores que 65 metros apresentaram esses te- livro e no site www.ige.unicamp.br/geomed.
ores elevados. No sul do Brasil, Grazia & Pestana (2006) estudaram
No nordeste do Pará, segundo Macambira & Viglio o distrito aurífero de Lavras do Sul – RS, em vista do pas-
(2006), os resultados da análise de 77 amostras de água sivo ambiental deixado pelas minerações e garimpos
de abastecimento público, abrangendo cerca de 80% desde o final do século XIX. Foram analisadas 43 amos-
da área estudada, revelaram-se excessivos para Al e Pb, tras de sedimento de corrente e 11 de solos. Os solos
respectivamente, 18 e 145 vezes o valor máximo permiti- apresentaram contaminação, principalmente nas áreas
do pelo CONAMA e OMS, seguidos pelos teores de B, próximas às instalações de beneficiamento das minera-
Cd, Fe, Cu, K, Mn, Zn e P. Estes dados de qualidade de doras, em níveis superiores aos de intervenção da
água estão sendo analisados sob o ponto de vista da CETESB (2005) de 5 ppm para Hg. As concentrações
sua correlação ou não com alta prevalência na região de mais elevadas foram encontradas para Hg (10,3 a 18,5
doenças endêmicas como verminoses, doenças no apa- ppm), para As (24,5 – 163 ppm), Cu (124 – 1.469 ppm) e
relho digestivo (câncer), cáries dentárias, anemia e he- Pb (719 – 1.465 ppm). Os autores recomendam a reme-
patite. diação do solo no entorno das instalações de beneficia-
Frizzo (2006) apresenta resultados analíticos obti- mento da CRM, Chiapetta e Cerro Rico, as quais podem
dos em 234 amostras de água de abastecimento público constituir fator de risco à saúde humana.
provenientes de poços tubulares e amazonas, açudes e Os exemplos dados acima revelam que as ativida-
lagos, fontes e rios, no estado do Ceará, numa área de des que vêm se desenvolvendo no âmbito do PGAGEM
146.000 km². Concentrações acima do permitido pelo tendem a atingir um nível significativo embora ainda res-
CONAMA foram detectadas em 43% das amostras, para te muito a ser feito. Normalmente, após a identificação e
os elementos considerados tóxicos: Al (0,11 – 0,80 constatação de valores anômalos de elementos tóxicos
mg/L), As (0,02 mg/L), B (0,63 mg/L), Cd (0,001 – 0,02 que possam causar efeitos adversos à saúde das popu-
mg/L) e Pb (0,01 – 0,46 mg/L) e, para aqueles considera- lações, espera-se que profissionais/instituições da saú-
dos tóxicos e essenciais: Ba (0,71 – 5,59 mg/L), Fe (0,31 de possam viabilizar a aplicação de técnicas de análise
– 12,1 mg/L), Mn (0,11 – 1,21 mg/L), Ni (0,26 mg/L) e Zn dos riscos aos quais as populações estão sujeitas.Os re-
(0,18 – 0,76 mg/L). Estas informações foram repassadas sultados tanto relativos à geoquímica quanto da parte
para o órgão responsável pelo saneamento do estado, o médica devam impreterivelmente ser dados ao conheci-
qual vem procedendo reamostragem da água para ter mento dos órgãos responsáveis pela saúde pública, vi-
uma melhor definição das medidas mitigadoras a serem sando ações coordenadas para que não ocorram alar-
tomadas. des desnecessários.
Em Lagoa Real na Bahia, Oliveira (2006) efetuou É também aconselhável que, de acordo com a área
amostragem em água subterrânea (n=32), solos (n=32) estudada e o tipo de contaminação, sejam desenvolvi-
e sedimento de corrente (n=42), numa área de 1.126 dos em parceria com os órgãos de saúde, programas de
km², onde recomenda especial atenção para o consumo comunicação de risco e de educação ambiental com a
de água na região, em vista dos resultados analíticos população afetada.

– 12 –
Cassio Roberto da Silva

O PGAGEM pode servir de incentivo aos pesquisa- contínuo fortalecimento dessa área, continuarão a ser
dores que compõem a REGAGEM para, através de suas importantes os encontros científicos periódicos e a reali-
instituições, estabelecerem parcerias com o SGB-CPRM zação de minicursos que doravante deverão contar com
ou com outras entidades, com a finalidade de pleitear re- o apoio da Associação Internacional de Geologia Médi-
cursos ante órgãos financiadores de pesquisas (CNPq, ca – IMGA.
FINEP, Fundos de Pesquisa e Setoriais) visando a exe-
cução de novos projetos. Muitos outros projetos em áre- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
as específicas e que exigem maior detalhamento podem
ser propostos para regiões metropolitanas, bacias hidro- CARVALHO F.M.; BARRETO, M.L.; SILVANY NETO,
gráficas, em distritos mineiros e em zonas agrícolas es- A.M.; WALDRON, H.A.; TAVARES, T.M. Multiple cau-
peciais. Estes projetos podem ter a participação ativa de ses of anaemia amongst children living near a lead
entidades de pesquisas federais, estaduais e municipais smelter in Brazil. Sci Total Environ, Amsterdam, v. 35,
e universidades. n. 1, p. 71-84, Apr. 1984.
Convém destacar neste programa de geoquímica a CARVALHO, F.M.; SILVANY-NETO, A.M.; TAVARES,
importância da homogeneização nos procedimentos de T.M.; LIMA, M.E.; WALDRON, H.A. Lead poisoning
coleta e análise das amostras, pelas instituições e pes- among children from Santo Amaro, Brazil. Bull Pan
quisadores, de forma a alimentar o banco de dados de Am Health Organ. Washington, v. 19, n. 2, p.
todo o Brasil, disponível e acessível na internet para toda 165-175, 1985.
a comunidade científica e público em geral. COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMNETO
AMBIENTAL. Decisão de Diretoria No 195/2005. Dis-
CONSIDERAÇÕES FINAIS ponível em:<http://www.cetesb.sp.gov.br>. Acesso
em 01 jun. 2006.
Em paralelo à execução do PGAGEM e consideran- CORTECCI, G. Geologia e Salute. Disponível em:
do que a Geologia Médica ainda é uma atividade inova- <http://www.dst.unipi.it/fist/salute/salute.htm>.
dora e desconhecida no Brasil, os participantes da Acesso em 31 jul. 2006.
REGAGEM têm realizado inúmeras atividades de divul- CUNHA, F.G. Contaminação humana e ambiental por
gação, incluindo a distribuição de impressos, em portu- chumbo no Vale do Ribeira, nos Estados de São Pau-
guês e inglês, realização de palestras, cursos e partici- lo e Paraná, Brasil. 2003.111p. Tese (Doutorado em
pação em mesas-redondas em congressos e simpósios, Ciências)- Instituto de Geociências, Universidade
relacionados a geologia, recursos hídricos, meio ambi- Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
ente e da área médica, assim como em semanas de geo- EMSLEY, J. Nature’s Building Blocks : an A-Z guide to
logia promovidas por graduandos do curso de geologia the elements. Oxford: Oxford University Press,
em diversas universidades do país. 2001.
A Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP FIGUEIREDO, B.R. A contaminação ambiental e humana
e a Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO, por chumbo no Vale do Ribeira (SP-PR). Com ciên-
já incluíram em seus programas de pós-graduação al- cia, Campinas, n. 71, nov. 2005. Disponível em:
guns conteúdos de Geologia Médica. Vislumbra-se para <http://www.comciencia.br>. Acesso em: 31 jul.
o futuro uma inserção crescente da nova disciplina nos 2006.
cursos de graduação e pós-graduação de geologia e de FIGUEIREDO, B. R. Estudo geoquímicos e ecotoxicoló-
medicina, contando-se para isso com a difusão do livro giocos do Vale do Ribeira. [S.l]: FAPESP; UNICAMP;
texto “Essentials of Medical Geology” recém-publicado. IAL; UEL; CPRM, 2005. 1 CDROM. Projeto Paisagens
Recentemente, foram adquiridos exemplares desse livro Geoquímicas e Ambientais do Vale do Ribeira.
e distribuídos entre os profissionais do Serviço Geológi- FRIZZO, S. J. Elementos químicos em águas de abaste-
co do Brasil –CPRM e pesquisadores de diversas institui- cimento público no Estado do Ceará. In:
ções e regiões do país. INTERNATIONAL WORKSHOP ON MEDICAL
Os dados e fatos relatados acima denotam que a GEOLOGY, 2005, Rio de Janeiro. [Trabalhos apre-
Geologia Médica no Brasil vem tendo um acentuado sentados]. Rio de Janeiro: CPRM, 2006.
crescimento a partir de 2003, devido principalmente à GARRET, R.G. Natural distribution and abundance of
criação da rede de discussão REGAGEM, à execução elements. In: SELENIUS, O. (Ed). Essentials of Medi-
do programa nacional de pesquisa PGAGEM e manuten- cal Geology: impact of the natural environment on
ção de website próprio. Partindo de menos de uma de- public health. Amsterdam: Elsevier, 2005. p. 17-41.
zena de pesquisadores em 2000, estima-se que, atual- GRAZIA, C. A.; PESTANA, M.H. D. Contaminação por
mente, devam estar atuando na área de Geologia Médi- Mercurio Antrópico em Solos e Sedimentos de Cor-
ca aproximadamente 80 pesquisadores no Brasil. Para o rente de Lavras do Sul – RS – Brasil.

– 13 –
Geologia Médica no Brasil

In:INTERNATIONAL WORKSHOP ON MEDICAL OLIVEIRA, J.E. Implicações de radioelementos no meio


GEOLOGY, 2005, Rio de Janeiro. [Trabalhos apre- ambiente, agricultura e saúde pública em Lagoa
sentados]. Rio de Janeiro: CPRM, 2005. Real, Bahia, Brasil. In: INTERNATIONAL
LACAZ, C.S. Conceituação: atualidade e interesse do WORKSHOP ON MEDICAL GEOLOGY, 2005, Rio de
tema: súmula histórica. in: In: LACAZ C.S. et al (Eds), Janeiro. [Trabalhos apresentados]. Rio de Janeiro:
Introdução à Geografia Médica do Brasil. São Paulo: CPRM, 2005.
Edgard Blücher; EDUSP, 1972. P.1-22. PAOLIELLO, M.M.B. Exposição humana ao chumbo e
LICHT, O.B. A Geoquímica multielementar na gestão am- cádmio em áreas de mineração, Vale do Ribeira,
biental: identificação e caracterização de províncias Brasil. 2002. 173p. Tese (Doutorado em Saúde Cole-
geoquímicas naturais, alterações antrópicas da pai- tiva)- Faculdade de Ciências Médicas, Universidade
sagem, áreas favoráveis à prospecção mineral e re- Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
giões de risco para a saúde no Estado do Paraná, SAKUMA, A. M. Avaliação da exposição humana ao ar-
Brasil. Curitiba, 2001. 236 p. Tese ( Doutorado em sênio no Alto Vale do Ribeira, Brasil. 2004. 197p.
Geologia Ambiental)-Faculdade de Geologia, Uni- Tese (Doutorado em Saúde Coletiva)- Faculdade de
versidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001. Ciências Médicas, Universidade Estadual de Cam-
LINS, C. A C. 2002. Programa Nacional de Pesquisa em pinas, Campinas, 2004.
Geoquímica Ambiental e Geologia Médica. Disponí- SAMPAIO, A.A. Geografia do bócio endêmico no Brasil.
vel em: <http://www.cprm.gov.br/pgagem>. Acesso In: LACAZ C.S. et al (Eds), Introdução à geografia
em: 31 jul. 2006. médica do Brasil. São Paulo: Edgard Blücher;
MACAMBIRA E. B.; VIGLIO E. P. Caracterização geoquí- EDUSP, 1972. P.477-488.
mica das águas de sistema de abastecimento públi- SANTOS, E.C.O.; JESUS, I.M.; BRABO, E.S.; FAYAL,
co da Amazônia Oriental. In: INTERNATIONAL K.F.; LIMA, M.O. Exposição ao mercúrio e ao arsêni-
WORKSHOP ON MEDICAL GEOLOGY, 2005, Rio de co em Estados da Amazônia: síntese dos estudos do
Janeiro. [Trabalhos apresentados]. Rio de Janeiro: Instituto Evandro Chagas/FUNASA. Revista Brasilei-
CPRM, 2005. ra de Epidemologia, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 171-185,
MARMOS, J.L.; AGUIAR, C.J.B.; Avaliação do nível de jun. 2003.
contaminação das águas subterrâneas da cidade de SELINUS, O.; ALLOWAY, B.; CENTENO, J.A.;
Parintins - AM - Brasil. In: INTERNATIONAL FINKELMAN, R.B.; FUGE, R.; LINDH, U.; SINGH, H.;
WORKSHOP ON MEDICAL GEOLOGY, 2005, Rio de SMEDLEY, P. Essentials of Medical Geology. Amster-
Janeiro. [Trabalhos apresentados]. Rio de Jnaeiro: dam: Elsevier Academic Press, 2005.
CPRM, 2005. SINGH, H. Theoretical Basis for Medical Geology. Dispo-
MATSCHULLAT, J.; BORBA, R.P.; DESCHAMPS, E.; FI- nível em: <http://home.swipnet.se/medicalgeo-
GUEIREDO, B.F.; GABRIO, T.; SCHWENK, M. Hu- logy/PDF/MedGeo.pdf>. Acesso em: 01 ago. 2006.
man and environmental contamination in the Iron Qu- SKINNER, H.C.W.; BERGER, A.R (Ed.). Geology and
adrangle, Brazil. Applied Geochemistry, [Amster- Health: closing the gap. Oxford: Oxford University
dam], v. 15, n. 2, p. 181-190, fev. 2000. Press, 2003.

– 14 –
Eduardo Mello De Capitani

EPIDEMIOLOGIA E
GEOLOGIA MÉDICA
Eduardo Mello De Capitani
Departamento de Clínica Médica
Centro de Controle de Intoxicações
Faculdade de Ciências Médicas
Universidade Estadual de Campinas

INTRODUÇÃO A epidemiologia parte do pressuposto que a do-


ença não ocorre aleatoriamente, ao contrário, sua
A geologia médica é definida por Selinus (2005) ocorrência está ligada a características específicas
como “a ciência que lida com as relações entre fatores daquela população. A definição de uma causa relacio-
geológicos naturais e saúde humana e animal”. Segundo nada a um fator geológico natural, ou ambiental ordi-
esse autor, é também “... a ciência que visa entender a in- nário, como colocam Selinus (2005), passa necessari-
fluência de fatores ambientais ordinários na distribuição amente pelo estudo epidemiológico daquela situação
geográfica de tais problemas de saúde”. A palavra “fator” específica, no qual a hipótese geológica será uma
e a expressão “problemas de saúde” nessa definição nos dentre outras possíveis, num primeiro momento.
levam ao conceito de “causa e efeito”, que por sua vez, na
área de saúde, leva ao conceito de “epidemiologia”. OBJETIVOS DA EPIDEMIOLOGIA
A epidemiologia é a disciplina que “estuda como as
doenças, ou eventos relacionados ao binômio saú- Os estudos epidemiológicos têm por objetivo (Gor-
de-doença, se distribuem nas populações e quais os fato- dis 1996):
res que determinam essa distribuição” (Gordis, 1996). a) identificar a etiologia (ou causa), e os chamados
Assim, a epidemiologia tem por base estudar todos os fa- fatores de risco para a ocorrência da doença em investi-
tores possíveis envolvidos no complexo saúde-doença, gação, tentando definir a forma de transmissão ou a via
tais como, genéticos, infecciosos, relacionados a hábitos de exposição, por exemplo;
de vida (incluindo tipo de alimentação, tabagismo, consu- b) determinar a extensão da doença dentro da co-
mo de álcool, padrão de prática de exercícios físicos, munidade;
etc.), ocupacionais, além dos relacionados com o meio c) estudar a história natural da doença (por exem-
ambiente (incluindo os fatores geológicos naturais, esco- plo, se a apresentação do evento é aguda, subaguda,
po da geologia médica, e os antropogênicos). crônica, qual a duração do problema, qual o prognóstico
São poucas as doenças de causa ambiental que quanto à cura, cronificação, seqüelas, e morte);
são patognomônicas no sentido de que apenas aquela d) estudar a mudança da distribuição das doenças
exposição específica está relacionada àquele grupo de ao longo do tempo, como mudanças no padrão de mor-
sinais e sintomas. Em geral, várias substâncias ou ele- talidade, mudança na incidência da doença com relação
mentos químicos podem produzir o mesmo tipo de sinto- ao sexo e faixas etárias, expectativa de vida, etc.
matologia ou doença. Da mesma forma, são inúmeras as e) avaliar medidas terapêuticas e preventivas;
possibilidades de fatores ocupacionais, genéticos e de f) com os resultados dos estudos, fundamentar políti-
hábitos pessoais causarem os mesmos problemas (Niel- cas públicas e decisões sobre regulação relacionadas a
sen & Jensen, 2005). problemas de contaminações ambientais, por exemplo.
Assim, para qualquer estudo relacionado à geologia
médica, no qual nos defrontaremos com a necessidade ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA
de definir se determinado fator geológico natural está as-
sociado ou não de forma causal com os agravos à saúde Os estudos epidemiológicos se iniciam, em geral,
observados, o concurso da epidemiologia é essencial. descrevendo as situações a partir de dados de incidên-

– 15 –
Epidemiologia e Geologia Médica

cia e prevalência disponíveis, ou coletados especial- Qualquer inferência sobre relação causal entre determi-
mente. nado fator (ambiental, ocupacional, genético, relacio-
Incidência de uma doença ou evento de saúde é de- nado a hábitos alimentares, etc.), que for feita ao final
finida como o número de casos novos sobre o número de de um estudo epidemiológico deverá estar referencia-
pessoas expostas ao risco naquela comunidade (bairro, da à qualidade do dado de morbidade e mortalidade
cidade, estado, país, continente, etc.) por período de inicial.
tempo (em geral por ano, ou durante epidemias, por mês Com relação à definição da etiologia de determina-
ou semana). do agravo à saúde, o investigador deve proceder se-
Prevalência diz respeito ao número de casos acu- guindo duas etapas essenciais ao raciocínio epidemio-
mulados durante certo período de tempo, incluindo os lógico: 1º) determinar se existe uma ASSOCIAÇÃO en-
incidentes, e os que cronificaram ou ainda não se cura- tre um fator (por exemplo, determinada exposição am-
ram. Estes seriam os dados referentes à morbidade. biental) e um agravo à saúde e, 2º) no caso de haver
Morbidade é “um termo genérico usado para desig- uma associação, derivar inferências apropriadas sobre
nar o conjunto de casos de uma dada afecção ou a soma a existência de RELAÇÃO CAUSAL na associação, se-
de agravos à saúde que atingem um grupo de indivídu- guindo critérios de julgamento já bem definidos (ver
os” (Pereira, 2000). As estimativas de morbidade de uma adiante).
dada população são baseadas em diversas fontes de re-
gistro, como dados de prontuários de serviços de saúde; Tipos de estudos (desenhos) epidemiológicos
notificação compulsória de determinadas doenças (em
geral as infecto-contagiosas); registros especiais de do- Os estudos epidemiológicos podem ser divididos
enças como câncer, tuberculose, AIDS, lepra; arquivos didaticamente em observacionais e experimentais (Qua-
de laboratórios de anatomia-patológica; dados de inter- dro 1). Os estudos observacionais são divididos em des-
nações do SUS (Sistema Único de Saúde), e outras fon- critivos, de um lado, e analíticos, de outro.
tes. A qualidade desses dados está sempre relacionada Os estudos experimentais em epidemiologia limi-
ao grau de cobertura desses registros e à qualidade da tam-se basicamente aos chamados ensaios clínicos te-
assistência médica fornecida. rapêuticos controlados, usados para avaliar a eficácia
Dados sobre mortalidade são também extremamen- de novos medicamentos ou tratamentos, nos quais se
te importantes e, dependendo da situação, podem ter tenta controlar todas as variáveis interferentes no pro-
mais relevância epidemiológica que os dados de morbi- cesso de tratamento, selecionando adequadamente os
dade. doentes, definindo critérios de diagnóstico da doença,
Os dados de mortalidade estão baseados em regis- determinando doses de exposição, e estabelecendo o
tros feitos a partir dos atestados ou declarações de óbi- tipo de resultado que se espera de um novo medicamen-
to, padronizadas internacionalmente, nos quais devem to ou tratamento em comparação com o tradicional, ou
constar informações sobre: a) a causa básica da morte mesmo com o tratamento placebo (medicamento sem
(ou seja, a doença ou lesão que desencadeou a série de princípio ativo, por exemplo).
acontecimentos patológicos, e que redundou diretamen-
te na morte); b) complicações eventuais ocorridas; e c)
Quadro 1 – Tipos de estudos epidemiológicos.
outros estados patológicos significativos que não te-
nham tido relação direta com a morte.
A padronização no preenchimento das declara- OBSERVACIONAIS
ções de óbito trouxe grandes benefícios quanto à pos-
1. Descritivos (descrevem a situação e geram hipóteses de
sibilidade de comparação de dados em nível internaci- relação causal)
onal. Ocorre que a qualidade do preenchimento ainda
· Prevalência / incidência
é um grande problema em todo o mundo, sendo de-
pendente do nível de assistência médica local, do trei- · Estudos Transversais (cross sectional)
namento específico dado aos médicos, do interesse · Estudos Ecológicos
pessoal do médico, da padronização dos termos mé-
2. Analíticos (investigam a causa)
dicos, etc.
Assim, frente a dados de morbidade ou mortalida- · Estudos caso-controle (retrospectivos)
de, existe a necessidade de se perguntar, primeiramen- · Estudos de coorte (seguimento prospectivo)
te, se os dados são reais, ou seja, se são representati-
EXPERIMENTAIS
vos da situação de saúde daquela população, e se são
comparáveis com outras regiões (qualidade da coleta, 1. Ensaios clínicos terapêuticos controlados
grau de cobertura de saúde daquela população, etc.). 2. Intervenção na comunidade

– 16 –
Eduardo Mello De Capitani

Dentro da epidemiologia ambiental, os estudos ex- rios epidemiológicos de causação estabelecidos por Hill
perimentais têm apenas um representante, que é o estu- (1965), e discutidos mais adiante.
do de intervenção na comunidade. Tal estudo tem utili- Num estudo analítico de tipo coorte, parte-se da ex-
dade quando se propõe, por exemplo, adicionar deter- posição comum de determinado grupo populacional e
minado suplemento vitamínico, ou elemento químico na busca-se a ocorrência do agravo à saúde ao longo do
dieta ou na água potável de certas populações, baseado tempo, comparando a incidência deste agravo nesse
em estudos preliminares mostrando efeito benéfico des- grupo com um grupo populacional não exposto. Trata-se
sa suplementação (exemplo do iodo no sal, flúor na água de um desenho prospectivo ao longo do tempo. São es-
potável, etc.). Os estudos experimentais, sejam eles clí- tudos trabalhosos e caros, pois envolvem problemas
nicos com novos medicamentos, sejam eles de interven- operacionais de toda ordem relacionados ao seguimen-
ção comunitária, devem levar em conta e respeitar diver- to de grande número de pessoas por prolongados perío-
sos aspectos éticos envolvidos em seu planejamento e dos de tempo (o período de tempo depende do tipo de
execução. agravo, se é de ocorrência aguda, subaguda ou crôni-
Dentro dos estudos observacionais, ou seja, sem ca). Tome-se, por exemplo, o estudo de determinado
intervenção experimental, temos dois tipos básicos, os tipo de câncer e exposição ambiental a um determinado
descritivos e os analíticos. Os estudos descritivos, elemento químico. Como o câncer é doença de ocorrên-
como o nome diz, descrevem as situações e geram hi- cia tardia, com tempos de latência longos, de 20 a 30
pótese de eventuais associações estatísticas ou epide- anos, pode-se ter uma idéia da dificuldade de se manter
miológicas entre determinados fatores e os agravos à populações inteiras sendo acompanhadas ao longo de
saúde em estudo. Investigam a incidência e a prevalên- 30 ou 40 anos. Esse tipo de estudo é bastante poderoso
cia dos problemas em questão e têm, em geral, um ca- no sentido de estabelecimento de relação de nexo cau-
ráter de corte transversal no tempo, ou seja, estudam a sal entre exposição e agravo à saúde.
situação dentro de um limite estreito de tempo, realizan- Ainda dentro dos estudos observacionais temos os
do um retrato estático da situação naquele momento. estudos ecológicos, que comparam dados populacionais,
Investigando os fatores que podem estar relacionados como peso, altura, peso ao nascer, dados nutricionais,
com os agravos de saúde, esses estudos geram hipóte- prevalência de doenças, parâmetros laboratoriais espe-
se de relação causal a partir de associações existentes cíficos, entre duas populações em áreas geográficas di-
entre variáveis. Não têm, no entanto, poder de estabele- ferentes, ou mesmo comparando esses dados na mes-
cer correlações causais na grande maioria das situa- ma população, mas em épocas diferentes. Esse tipo de
ções epidemiológicas. estudo tem muito de descritivo, gerando hipóteses de re-
Inferências de tipo causal são mais fáceis de serem lação causal que deverão ser testadas usando-se outros
feitas utilizando desenho de tipo analítico. Num estudo desenhos mais apropriados. A diferença com os estudos
de tipo analítico, testa-se a hipótese de associação cau- descritivos básicos é que não coleta dados individuais.
sal gerada pelo estudo descritivo. Para isso, dispõe-se São bastante úteis na avaliação de impacto de medidas
de três subtipos básicos de estudos, que serão utiliza- de intervenções populacionais, como programas de sa-
dos dependendo das características do agravo à saúde úde, por exemplo (Kleinbaum et al, 1982).
que se está estudando, e do tipo e características da ex-
posição em questão. CRITÉRIOS DE ASSOCIAÇÃO CAUSAL
Num estudo observacional analítico de tipo ca-
so-controle, o pesquisador parte do agravo diagnostica- Frente a uma associação estatisticamente signifi-
do (uma doença específica, um sintoma, um resultado cante entre uma variável (fator estudado) e a doença ou
de exame complementar, etc.) e tenta definir que tipo de agravo à saúde (questão), a decisão se ela é causal ou
fator está associado causalmente com ele de forma re- não, passa por uma série de considerações lógicas, que
trospectiva. O desenho básico desse tipo de estudo en- devem ser estudadas com cuidado. Para facilitar, e até
volve o agrupamento de vários indivíduos com o mesmo mesmo padronizar esse raciocínio, Hill estabeleceu uma
problema (“casos”) que será comparado com outro lista de critérios de causação (pouco modificados ao
agrupamento de indivíduos com um tipo de problema di- longo dos anos) que devem ser preenchidos para se
ferente (“controles”). Nos dois grupos serão pesquisa- considerar uma associação entre variáveis como de
dos os mesmos fatores (variáveis relacionadas à alimen- nexo causal (Hill, 1965; Gordis, 1996). O Quadro 2 expõe
tação, ocupações passadas, hobbies, uso de medica- esses critérios e seus significados de forma didática.
mentos, hábitos, procedência geográfica, etnia, etc.). O Para detalhamento e exemplificação de cada um deles,
fator ou variável que predominar de forma significante no remeto o leitor à bibliografia citada no final deste texto.
grupo de estudo (“casos”) poderá ser imputado como Esses critérios permanecem basicamente os mesmos
provável fator causal, caso preencha a maioria dos crité- até hoje, apesar de modificados por outros autores no

– 17 –
Epidemiologia e Geologia Médica

Quadro 2 – Critérios de julgamento da associação causal em estudos epidemiológicos

Relação Temporal Especificidade


· a causa deve sempre preceder o efeito · o efeito observado não deve ocorrer sem a exposi-
ção à causa presumida (o não preenchimento
deste critério não deve negar a relação de causa e
efeito definida pelos outros critérios)
Força da Associação Coerência com o conhecimento atual
· quanto maior o risco relativo (RR) ou a razão de chance (OR), maior a · a associação causal não deve conflitar com fatos já
força da associação causal estabelecidos
Relação de Dose-Resposta Consideração de Explicações Alternativas
· o risco de adoecer deve aumentar com o aumento da dose de exposi- · interpretação de uma associação causal deve pas-
ção (numa mesma população, o grupo de pessoas mais exposto deve sar pela discussão de todos os possíveis fatores de
ter a maior incidência de agravos à saúde) confundimento envolvidos
Consistência (replicação dos achados) Cessação da Exposição
· a relação causal observada neste estudo deve ser replicada em outros · se um fator é causa de uma doença, espera-se que
estudos o afastamento desse fator reduza ou elimine a ocor-
rência dessa doença
Plausibilidade Biológica Analogia
· a relação causal deve estar baseada em mecanismos biológicos reco- · semelhança com outra associação causal aceita
nhecidos anteriormente

sentido de dar melhor clareza. O não cumprimento de to- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


dos os critérios não necessariamente exclui a possibili-
dade de nexo causal, mas enfraquece, mais ou menos, a GORDIS, L. Epidemiology. Philadelphia: W.B. Saunders,
inferência causal possível na situação. 1996.
Este texto não tem a intenção de substituir a busca HILL, A.B. The environment and disease: association or
de informações mais aprofundadas em inúmeros livros causation? Proc. R. Soc. Med., [S.l], v. 58, p. 295,
textos de epidemiologia existentes. Ele tem apenas a in- 1965.
tenção de levantar a discussão sobre a complexidade KLEINBAUM, D.G.; KUPPER, L.L.; MORGENSTERN, H.
da epidemiologia envolvida em estudos de geologia Epidemilogic Research: principles and quantitative
médica que por ventura venham a ser desenvolvidos methods. New York: John Wiley and Sons, 1982.
em nosso meio. Além dos aspectos metodológicos e lo- NIELSEN, J.B.; JENSEN, T.K. Environmental epidemio-
gísticos envolvidos no planejamento e execução de es- logy. In: SELINUS, O. (Ed). Essentials of Medical Ge-
tudos epidemiológicos, deve-se sempre levar em conta ology: impacts of the natural environment on public
os aspectos éticos que qualquer tipo de estudo possa health. Amsterdam: Elsevier Academic Press, 2005.
acarretar nas populações envolvidas. Não foi motivo p.529-540.
deste texto levantar essa discussão, mas ela deve estar PEREIRA, M.G. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de
presente sempre que se planeje estudos desse tipo, Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.
que devem passar obrigatoriamente pela avaliação dos SELINUS, O. (Ed). Essentials of Medical Geology: im-
comitês de ética das instituições de pesquisa envolvi- pacts of the natural environment on public health.
das. Amsterdam: Elsevier Academic Press, 2005.

– 18 –
Guilherme Franco Netto

VIGILÂNCIA EM SAÚDE
RELACIONADA A
QUÍMICOS NO ÂMBITO DO
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
Guilherme Franco Netto, Médico, Ph.D.
Coordenador Geral de Vigilância em Saúde Ambiental
Secretaria de Vigilância em Saúde
Ministério da Saúde

A Constituição Federal do Brasil, promulgada em temente, a Estratégia Global de Segurança Química, vi-
1988, estabelece um conjunto de deveres e direitos fun- sam reduzir os riscos à saúde e ao ambiente, por meio
damentais à melhoria da qualidade de vida da popula- de mecanismos de controle das substâncias químicas
ção brasileira. ao longo de seus ciclos de vida.
O Capítulo da Saúde, posteriormente estabelecido e No Brasil, a Comissão Nacional de Segurança Quí-
ampliado na Lei nº 8080, conhecida como a Lei do Siste- mica, CONASQ, presidida pelo Ministério do Meio Ambi-
ma Único de Saúde – SUS, determina que a saúde é um ente, da qual o Ministério da Saúde é integrante, expres-
direito da cidadania e um dever do Estado, baseado em sa as preocupações e iniciativas do governo e da socie-
princípios que assegurem o universal acesso da popula- dade brasileira nesse tema.
ção a serviços de promoção, prevenção, atenção e re- O Ministério da Saúde vem se estruturando e organi-
cuperação da saúde. zando serviços na direção de colaborar com a estratégia
A complexidade da vida contemporânea, em que da segurança química. Dentre estes, destaca-se o Pro-
coexistem o desenvolvimento e a aplicação de ciência e grama Nacional de Vigilância em Saúde Relacionada a
tecnologia em larga escala e profunda iniqüidade eco- Substâncias Químicas – VIGIQUIM, que está em fase de
nômica e social, traduz-se em múltiplos novos riscos à estruturação.
saúde, seja nos ambientes formais e informais de traba- O VIGIQUIM consiste na detecção, conhecimento,
lho, seja nos ambientes domésticos, bem como nos am- mapeamento e no monitoramento de populações expos-
bientes públicos e comunitários. tas a substâncias químicas de reconhecido interesse à
Nesse contexto, a exposição humana a substâncias saúde em razão de seus efeitos prejudiciais. Na presen-
químicas é cada vez maior, e decorre de diversas ativi- te fase, foram eleitos cinco (5) contaminantes prioritári-
dades e fontes: produtos e serviços que os contém; ativi- os: amianto; agrotóxicos; benzeno; chumbo e mercúrio.
dades laborais que os produzem e manipulam (extração Outra iniciativa é o Programa Nacional de Vigilân-
mineral, processamento e transformação industrial); dis- cia em Saúde de Populações Expostas a Áreas com So-
posição inadequada de resíduos; contaminação ambi- los Contaminados – VIGISOLO, o qual consiste na de-
ental de corpos d’água, atmosfera e solos, entre outros. tecção, conhecimento, mapeamento e monitoramento
Iniciativas internacionais, no âmbito das Nações de populações expostas a áreas com solos contami-
Unidas, têm demonstrado a importância de que o tema nados. A análise dos dados obtidos pelo Ministério da
da segurança química seja adequadamente tratado. Saúde, informa que existem pelo menos 689 áreas que
Assim, protocolos e compromissos tais como o Fórum exigem a aplicação de metodologia de avaliação de ris-
Internacional de Segurança Química, o banimento de co à saúde.
Produtos Orgânicos Persistentes, o Informe Prévio de Os padrões de controle do risco à saúde relaciona-
Comercialização de Químicos, a Regulação Internacio- do à contaminação da água por químicos são regulados
nal do Transporte de Resíduos Perigosos, e mais recen- pela Portaria MS nº 518. A sua aplicação e monitoramen-

– 19 –
Vigilância em Saúde Relacionada a Químicos no Âmbito do Sistema Único de Saúde

to é exercida pelo Programa Nacional de Vigilância em nistérios, está efetivamente contribuindo com a constru-
Saúde Relacionado à Qualidade da Água Para Consumo ção de uma forte agenda de segurança química no Bra-
Humano – VIGIÁGUA. sil, voltada a assegurar com que a defesa da saúde e do
Com essas iniciativas, dentre outras já existentes, o meio ambiente sejam consideradas no desenvolvimento
Ministério da Saúde, em cooperação com diversos mi- econômico.

– 20 –
Otávio Augusto B. Licht

GEOQUÍMICA
MULTIELEMENTAR DE
SUPERFÍCIE NA
DELIMITAÇÃO DE RISCOS
E IMPACTOS AMBIENTAIS,
ESTADO DO PARANÁ,
BRASIL
Otávio.A.B Licht, otavio@pr.gov.br
Minerais do Paraná S.A. - MINEROPAR

INTRODUÇÃO das a esse propósito, já que identificam a fração do con-


teúdo total do elemento, capaz de ser absorvida pela
Um correto diagnóstico ambiental passa, necessari- cadeia alimentar. A comparação dos mapas geoquími-
amente, pelo conhecimento adequado do quimismo do cos de alguns elementos determinados em amostras de
meio físico. Essas características são identificadas por água e de sedimentos de fundo, bem demonstra esse
meio de levantamentos baseados na coleta de amostras conceito e assim como as diferenças notáveis entre as
de diversos meios, como água e sedimentos de fundo de espécies químicas em ambos meios amostrais (Figuras
bacias hidrográficas e solos. Mapas geoquímicos apre- 7, 8, 9 e 10). A determinação da maior quantidade possí-
sentam a distribuição dos elementos e compostos quími- vel de variáveis analíticas (parâmetros físico-químicos,
cos em amostras de materiais naturais representando o íons, elementos e óxidos) com os mais baixos limites de
somatório dos efeitos de fontes naturais ou antrópicas. detecção possíveis, possibilitará constituir uma podero-
Por esse motivo, têm sido considerados como instru- sa base de dados para a confecção de mapas de distri-
mentos básicos para investigações ambientais mul- buição dessas variáveis. Com isso, as mais variadas in-
tipropósito, incluindo geomedicina, geologia médica e a terpretações são possíveis e relações de causa-efeito
ecotoxicologia. A compilação de dados geoquímicos são obtidas quando os dados geoquímicos são compa-
produzidos por projetos de exploração mineral e a ela- rados com a distribuição espacial de parâmetros de
boração de mapas geoquímicos integrados pode ser a mortalidade humana e animal, fertilidade agrícola, fontes
primeira abordagem para indicação de áreas de risco à pontuais e dispersas de poluição, entre outros. Dessa
saúde. Entretanto, a aplicação correta dos mapas geo- forma, essas interpretações multi e transdisciplinares
químicos na investigação das correlações entre a geo- têm como resultado, desde a delimitação de áreas com
química ambiental e doenças endêmicas será atingida potencial para a prospecção mineral até a delimitação
apenas se os dados analíticos forem produzidos e inter- de áreas de risco à saúde. A associação do flúor com a
pretados considerando a biodisponibilidade dos ele- ocorrência de fluorose dentária bem como cloretos e
mentos e compostos químicos. Extrações fracas em brometos como indicadores de áreas de risco para cân-
amostras de sedimentos ativos de drenagem e determi- cer de fígado são relações já definidas no Estado do Pa-
nação de íons em amostra de água filtrada são adequa- raná. Outras investigações tornam-se necessárias para

– 21 –
Geoquímica Multielementar de Superfície na Delimitação de Riscos e Impactos Ambientais, Estado do Paraná, Brasil

estabelecer o real significado sanitário de algumas áreas Branco do Sul, Almirante Tamandaré, Colombo, Piraqua-
de risco indicadas pelo bário, potássio, cálcio, alumínio ra, Pinhais e São José dos Pinhais (Figura 2).
em águas, chumbo, lantânio, cádmio e mercúrio em se-
dimentos ativos de drenagem e nos solos. OS LEVANTAMENTOS GEOQUÍMICOS

LOCALIZAÇÃO Levantamentos geoquímicos têm sido aplicados ex-


tensivamente desde a década de 30, direcionados à
O Estado do Paraná situa-se na região sul do Brasil prospecção mineral, sendo inúmeros os casos de suces-
e ocupa uma superfície de 199.575 km2 (ITCF, 1987 so em todas as regiões e ambientes do planeta. No Esta-
apud Licht, 2001a). Ao Norte, limita-se com o Estado de do do Paraná, levantamentos geoquímicos têm sido em-
São Paulo, a Leste com o Oceano Atlântico, ao Sul com o pregados desde a década de 70, por diversas organiza-
Estado de Santa Catarina, a Sudoeste com a República ções estatais e privadas, possibilitando a descoberta de
da Argentina, a Oeste com a República do Paraguai e a diversas ocorrências e mineralizações, como a jazida de
Noroeste com o Estado de Mato Grosso do Sul (Figura fluorita de Volta Grande e os graisens mineralizados a
1). A Folha Curitiba (SG-22-X-D-I, 1:100.000) está locali- W-Sn do Cantagalo. Em 1995, por iniciativa da Minerais
zada na região metropolitana de Curitiba, e abrange a do Paraná S.A. – MINEROPAR, foi iniciado o Levanta-
metade norte da área urbana, além das cidades de Rio mento Geoquímico Multielementar de Baixa Densidade
do Estado do Paraná, baseado na coleta de 696 amos-
tras de água e de sedimentos ativos de drenagem de ba-
cias hidrográficas planejadas de forma a cobrir comple-
tamente os 200.0000 km2 do território estadual. Em 2002,
foi realizada a segunda fase do levantamento, com a co-
leta de 307 amostras do horizonte B – dos solos em ma-
lha regular. O projeto obedece aos critérios e padrões do
Mapa Geoquímico do Mundo, estabelecidos pelos pro-
jetos IGCP-259 e IGCP-360 (Darnley, 1995). Seguindo
essas recomendações, a partir das amostras originais
foram produzidas 43 amostras compostas, cada qual re-
presentando uma célula de 80 x 80 km da malha denomi-
nada GGRN (Global Geochemical Reference Network)
Figura 1 – Localização do Estado do Paraná. (Figuras 3 e 4).

Figura 2 – Limites e principais centros urbanos do Estado do Paraná.

– 22 –
Otávio Augusto B. Licht

Figura 3 – As células GGRN no Estado do Paraná e as bacias e


estações de coleta de sedimentos ativos de drenagem (Licht, 2001

Figura 5 – Principais concentrações urbanas e rede viária da Folha


Curitiba (SG-22-X-D-I) .

Figura 4 – As células GGRN no Estado do Paraná e as estações de


coleta de solos – horizonte B, (Licht e Plawiak, 2005).

Já a campanha de amostragem geoquímica da Fo-


lha Curitiba, foi planejada e executada em 1995 em con-
junto com a Companhia de Pesquisa de Recursos Mine-
rais - CPRM, sendo coletadas 392 amostras de sedimen-
tos ativos de drenagem em bacias hidrográficas que in-
cluíram a zona densamente urbanizada de Curitiba e
cidades limítrofes (Figuras 5 e 6).

AS BASES DE DADOS GEOQUÍMICOS

Água de bacias hidrográficas do Estado do Para-


ná – As 696 amostras originais foram analisadas no La-
boratório de Análises Minerais – LAMIN/CPRM com de-
terminação de Al3+ , Ba2+ , Br- , Ca2+ , Cl- , F- , Fe3+ , K+ ,
Mg2+ , Mn2+ , Na+ , NO2- , NO3- , PO42- , SO43- , Sr2+ , pH e
condutividade (Licht, 2001b).
Sedimentos de fundo de bacias hidrográficas do
Estado do Paraná – As 696 amostras originais foram
analisadas no LAMIN/CPRM com determinação de Co,
Cu, Cr, Fe, Li, Mn, Mo, Ni, Pb, V, Zn (Licht, 2001b). As 43
amostras GGRN foram analisadas no Laboratório do
Institute of Geophysical and Geochemical Exploration – Figura 6 – Rede hidrográfica (azul) e as 392 microbacias (vermelho)
IGGE, localizado em Lanfang, R.P, China, com determi- da Folha Curitiba (SG-22-X-D-I).

– 23 –
Geoquímica Multielementar de Superfície na Delimitação de Riscos e Impactos Ambientais, Estado do Paraná, Brasil

nação de Ag, Al2O3, As, Au, B, Ba, Be, Bi, Br, CaO, Cd,
Ce, Cl, Co, Cr, Cs, Cu, Dy, Er, Eu, F, Fe2O3, Ga, Gd, Ge,
Hg, Ho, I, K2O, La, Li, Lu, MgO, Mn, Mo, Na2O, Nb, Nd,
Ni, P, Pb, Pd, Pr, Pt, Rb, S, Sb, Sc, Se, SiO2, Sm, Sn, Sr,
Tb, Te, Th, Ti, Tl, Tm, U, V, W, Y, Yb, Zn, Zr, com limites de
detecção analíticos mais baixos que o Clarke respectivo
(Licht, 2001a).
Horizonte B – solos do Estado do Paraná - As
amostras GGRN foram analisadas no IGGE, sendo de-
terminados Ag, Al2O3, As, Au, B, Ba, Be, Bi, Br, CaO,
Cd, Ce, Cl, Co, Corgânico, Cr, Cs, Ctotal, Cu, Dy, Er, Eu, F,
Fe2O3, Ga, Gd, Ge, Hf, Hg, Ho, I, In, K2O, La, Li, Lu,
MgO, Mn, Mo, N, Na2O, Nb, Nd, Ni, P, Pb, Pd, Pr, Pt, Rb,
S, Sb, Sc, Se, SiO2, Sm, Sn, Sr, Ta, Tb, Th, Ti, Tl, Tm, U,
V, W, Y, Yb, Zn e Zr com limites de detecção analíticos
mais baixos que o Clarke respectivo. Além disso, foram Figura 8 – Superfície geoquímica do F em 39 amostras GGRN
(compostas de 698 amostras de sedimentos ativos de drenagem).
determinados U, K, Th e contagem total por gamaes-
pectrometria e susceptibilidade magnética, pelo Labo-
ratório de Pesquisas Geofísicas Aplicadas - LPGA da
Universidade Federal do Paraná - UFPR. Finalmente, no
Laboratório de Solos e Tecidos Vegetais do Instituto
Agronômico do Paraná – IAPAR, foram determinados os
parâmetros de química agrícola: pH, Altrocável, Caassimilá-
+ 3+
vel, Mgassimilável, Passimilável, Kassimilável, C, H +Al , Cuextraí -
vel, Znextraível, Feextraível, Mnextraível, Sextraível, Bextraível, Al%,
V% (Saturação de bases), T (Soma das cargas positivas
trocáveis) e S (Somas das bases trocáveis) (Licht & Pla-
wiak, 2005).
Sedimentos de fundo de bacias hidrográficas
da Folha Curitiba – As 392 amostras foram analisadas
no LAMIN/CPRM e em laboratório comercial, com de-
terminação de Hg, Nb, F, Zr com extrações fortes e P,
Cr, Li, W, As, V, Sc, Ni, K, Sr, La, Mg, Mn, Na, Y, Co, Pb,
Cu, Ca, Zn, Al, Ba e Fe com extrações fracas (Licht, 2+
Figura 9 – Superfície geoquímica do Ba em 696 amostras de águas
2001c). de bacias hidrográficas.

-
Figura 7 – Superfície geoquímica do F em 696 amostras de águas de Figura 10 – Superfície geoquímica do Ba em 39 amostras GGRN
bacias hidrográficas. (compostas de 698 amostras de sedimentos ativos de drenagem).

– 24 –
Otávio Augusto B. Licht

RESULTADOS OBTIDOS epidemiológicos, como é o caso do mercúrio em sedi-


mentos de drenagem e solos. Outros estão ainda à espe-
As interpretações realizadas até o momento com a ra de investigações mais detalhadas, como é o caso do
base de dados geoquímicos produzida pelos levanta- lantânio, mercúrio e chumbo na região de Curitiba.
mentos anteriormente descritos associados a dados sani- Fluoretos e fluorose dentária – é um exemplo con-
tários e epidemiológicos, permitiram delinear com clareza creto das relações de causa-efeito entre geologia e saú-
as relações de causa – efeito em algumas áreas de risco à de humana. Sua comprovação foi baseada em duas in-
saúde. Referência especial deve ser feita para os fluore- vestigações epidemiológicas realizadas na região
tos na água e a prevalência de fluorose dentária, e para flúor-anômala, previamente delimitada pelo levantamen-
os cloretos e brometos nas águas como indicadores de to geoquímico (Tabela 1).
áreas de risco da prevalência e elevação das taxas de A anomalia de aproximadamente 10.000 km2, locali-
mortalidade por neoplasias hepáticas. Outros resultados zada no norte do Estado do Paraná (Figura 11) abrange
estão sendo estudados buscando a delimitação mais pre- 47 municípios e uma população de aproximadamente
cisa da área de risco que servirá de base para estudos 700.000 habitantes. É uma região onde a captação de

Tabela 1 – Prevalência e severidade de fluorose dentária em crianças em idade escolar na vila de São Joaquim do Pontal, mu-
nicípio de Itambaracá, Paraná.

N = 135 pacientes (Morita et al, 1998) N = 1129 pacientes (Cardoso et al, 2001)
Muito Muito
Normal Duvidosa Suave Moderada Normal Duvidosa Suave Moderada Severa
suave suave
52 5 31 38 9 410 30 478 165 41 5
38,52% 3,7% 22,96% 28,15% 6,67% 36,3% 2,7% 42,3% 14,6% 3,6% 0,4%

Figura 11 – Mapa geoquímico do F- (mg/L) nas águas de bacias hidrográficas. A área flúor-anômala localizada no norte do estado é a origem
da elevada incidência de fluorose dentária em crianças.

– 25 –
Geoquímica Multielementar de Superfície na Delimitação de Riscos e Impactos Ambientais, Estado do Paraná, Brasil

água para consumo humano é freqüentemente feita por Brometos, cloretos e neoplasias hepáticas - A re-
meio de poços tubulares profundos com teores elevados gião norte do Paraná, é produtora tradicional de café e
em fluoretos, atingindo 2,2 mg/L F-, causando sérios pro- de algodão (Figuras 13 e 14). Por muito tempo, até sua
blemas sanitários com características endêmicas (Figu- proibição legal, pesticidas clorados e bromados foram li-
ra 12). A água das bacias hidrográficas também contém vremente aplicados no controle de pragas dessas cultu-
teores elevados, como foi identificado pelo Levantamen- ras, formando um estoque / passivo ambiental de dimen-
to Geoquímico alcançando 0,9 mg/L F-. sões desconhecidas. Marzochi et al. (1976) já haviam
identificado não só a prevalência mas também as eleva-
das taxas de óbito por neoplasias hepáticas (câncer de
fígado) na região. Relacionaram esse problema de saú-
de com a aplicação de agrotóxicos, especialmente os
clorados e os bromados.
O Levantamento Geoquímico identificou a existência
de uma elevação do teor de fundo em cloretos e brometos
nas águas de bacias hidrográficas (Figuras 15 e 16).
Com base nesses resultados e no Banco de Dados
de Mortalidade do Ministério da Saúde - DATASUS, Licht
(2001a) estabeleceu o relacionamento espacial entre as
taxas de mortalidade, culturas e anomalias geoquími-
cas, considerando cloretos e brometos nas águas de su-
perfície como indicadores geoquímicos para esse pro-
blema sanitário de características endêmicas.
A prevalência das neoplasias hepáticas bem como
Figura 12 – Os dentes da arcada superior estão corroídos pela da elevação das taxas de mortalidade está realmente
ingestão continuada de água com doses elevadas de fluoretos. associada com a aplicação de agrotóxicos clorados e

Figura 13 – Área (em hectares) plantada com algodão na safra de 1995.

– 26 –
Otávio Augusto B. Licht

Figura 14 – Área (em hectares) plantada com café na safra de 1995.

Figura 15 – Mapa da distribuição do Cl- (mg/L) nas águas de 696 bacias hidrográficas.

– 27 –
Geoquímica Multielementar de Superfície na Delimitação de Riscos e Impactos Ambientais, Estado do Paraná, Brasil

bromados e as anomalias geoquímicas de Cl- e Br- à de-


gradação ambiental ativos acumulada por décadas nas
áreas das culturas de café e algodão (Figuras 17,18 e
19).
As taxas de mortalidade por neoplasias hepáticas
crescem, no Brasil, da Região Norte (2,14/100.000) em
direção à Sul (3,64/100.000) (Figura 20) acompanhando
a tradição e a intensidade da atividade agrícola. As taxas
de óbito nos dez municípios paranaenses com os valo-
res mais altos (de 7,47/100.000 a 9,29/100.000) (Figura
21) chegam a ser duas a três vezes mais elevadas que
as da região sul do Brasil (Figura 20).
Os dez municípios com as mais altas taxas de mor-
talidade estão incluídos na grande mancha anômala de
cloretos e brometos. Figura 19 – Taxas de óbito por neoplasias hepáticas (período
Bário - O bário não apresenta função biológica co- 1980-1997) contra a área plantada com algodão na safra de 1995.
nhecida (Winter, 1998 apud Licht & Plawiak, 2005). Os
compostos insolúveis não são perigosos à saúde e por

Norte
2,14

Nordeste
2,49

Centro-Oeste
2,64

Sudeste
3,23

Sul
3,64

Figura 17 – Taxas de óbito por neoplasias hepáticas (período


-
1980-1997) contra Cl (mg/L) nas águas de 696 bacias hidrográficas.

Figura 20 – As cinco regiões do Brasil com as respectivas taxas de


óbito por neoplasias hepáticas. Média dos óbitos/100.000,
no período 1980-1997.

isso são utilizados pela medicina como meio de contras-


te aos raios-X. Entretanto, os compostos de Ba muito so-
lúveis em água podem agravar a saúde humana, já que
o bário, quando na forma iônica, é altamente tóxico (Kol-
jonen et al., 1992 apud Licht & Plawiak, 2005). A ingestão
de altos níveis de Ba pode produzir problemas no au-
mento da pressão sanguínea, dificuldades respiratórias,
mudanças no ritmo cardíaco, irritações no estômago, fla-
cidez muscular e danos ao coração, fígado, rins e outros
órgãos (ATSDR, 1999 apud Licht & Plawiak, 2005).
Os dados obtidos pelo Levantamento Regional de
Baixa Densidade com amostras de água de 696 bacias
Figura 18 – Taxas de óbito por neoplasias hepáticas (período hidrográficas (Figura 22), delimitaram uma grande ano-
-
1980-1997) contra Br (mg/L) nas águas de 696 bacias hidrográficas. malia positiva, situada na região noroeste do Paraná e

– 28 –
Otávio Augusto B. Licht

Figura 21 – Os dez municípios do Paraná com as mais altas taxas de óbito por câncer (em vermelho) e os com as
menores (em azul). Média dos óbitos/100.000, no período 1980-1997.

Figura 22 – Mapa geoquímico do Ba (mg/L) nas águas de 696 bacias hidrográficas do Paraná. A grande anomalia positiva a noroeste coincide
com os arenitos dos grupos Bauru e Caiuá.

– 29 –
Geoquímica Multielementar de Superfície na Delimitação de Riscos e Impactos Ambientais, Estado do Paraná, Brasil

coincidente com a área de exposição das rochas sedi- acontece com o mercúrio, os compostos inorgânicos de
mentares cretácicas dos grupos Bauru e Caiuá. Estes As são mais tóxicos que os orgânicos. Muitos estudos têm
siltitos, arenitos e arenitos conglomeráticos foram depo- mostrado que o As na forma inorgânica pode aumentar os
sitados em ambiente desértico, com sedimentos quími- riscos de câncer de pele, pulmões, bexiga, fígado, rins e
cos associados, o que justificaria a existência da ano- próstata (ATSDR, 1999 apud Licht & Plawiak, 2005).
malia hidrogeoquímica com teores de até 0,3 mg/L Ba2+. O mapa geoquímico do As na Folha Curitiba (Figura
Nessa região o abastecimento público é feito principal- 23), caracteriza uma anomalia regional de orientação
mente por meio de poços tubulares com entradas SW – NE coincidente com o sistema transcorrente da Fa-
d’água localizadas nessa seqüência sedimentar. O Valor lha da Lancinha, bem como com os flancos do antiforme
Máximo Permitido - VMP estabelecido na Portaria nº 518 Setuva. Os teores nas águas obtidas no aqüífero karst
do Ministério da Saúde é de 0,7 mg/L Ba2+ mas em al- por meio de poços tubulares profundos pela Companhia
guns desses poços, os teores de Ba2+ atingiram 1,3 de Saneamento do Paraná, estão abaixo dos VMP de
mg/L, com entradas d’água localizadas a cerca de 30 0,01 mg/L As (SANEPAR, com. pessoal, 2005).
metros de profundidade. A Companhia de Saneamento Mercúrio - A toxidez do mercúrio é reconhecida, es-
do Paraná - SANEPAR, solucionou o problema com selo pecialmente na forma de vapor e por seus compostos or-
de cimento em locais específicos e entradas d’água gânicos. O metil-mercúrio é produzido pela ação bacte-
mais rasas (SANEPAR, com. pessoal, 2005). riana sobre mercúrio metálico, especialmente em condi-
Arsênio - Concentrações maiores que 10 µg/L As na ções redutoras.
água potável são consideradas como fator de risco para a Os mapas de distribuição do mercúrio tanto em se-
saúde humana e animal. Diversas moléstias endêmicas dimentos ativos de drenagem (Figura 24) quanto nos so-
têm sido relatadas em regiões com teores elevados de ar- los (Figura 25), mostram grandes anomalias regionais. A
sênio, especialmente lesões de pele e mucosas, hiper- anomalia localizada no vale do rio Ribeira (Figura 25) na
pigmentação, queratose, câncer de pele e de pulmão, região nordeste do Paraná, está relacionada com as mi-
desordens vasculares periféricas, danos nos sistemas neralizações de Pb-Zn-Ba com teores que atingem
nervoso central, respiratório e circulatório (Varsányi et al., 14.000 ppb Hg (Daitx, E.C. com. pessoal, 2005). Já as
1991 apud Licht & Plawiak, 2005). Ao contrário do que anomalias localizadas na porção central do estado, esta-

Figura 23 – Mapa geoquímico do As (ppm) na Folha Curitiba. A grande anomalia positiva com orientação SW-NE, está relacionada
com a Zona de Falha da Lancinha e antiforme Setuva.

– 30 –
Otávio Augusto B. Licht

Figura 24 – Mapa geoquímico do Hg (mg/Kg) nas células GGRN (compostas de 696 amostras de sedimentos ativos de drenagem).

Figura 25 – Mapa geoquímico do Hg (mg/Kg) nas células GGRN (compostas de 307 amostras de solo – horizonte B).

– 31 –
Geoquímica Multielementar de Superfície na Delimitação de Riscos e Impactos Ambientais, Estado do Paraná, Brasil

riam relacionadas com concentrações de Hg em rochas seja nos sedimentos de fundo das baías de Antonina e
sedimentares ricas em matéria carbonosa e carvão, que Paranaguá. Já a anomalia localizada e coincidente com
teria sido mobilizado pela ação de águas termais. Sua a região urbana de Curitiba, está apontando para o so-
migração ocorreria ao longo de falhas profundas até a matório dos impactos de diversas atividades desde ga-
superfície onde seria depositado pela queda brusca de binetes odontológicos até lâmpadas de vapor de mercú-
temperatura (Plawiak et al., 2005). Mesmo que essa mi- rio para iluminação pública (Figura 26).
gração ocorra em baixos teores, expressos na faixa de Chumbo – As fontes industriais de chumbo estão
40 a 80 ppb, haverá transporte do metal pelas águas su- principalmente relacionadas com baterias e acumulado-
perficiais e deposição em corpos d’água como barra- res de energia (50 - 70% do consumo total), revestimento
gens para geração de energia. Assim, essas anomalias de cabos elétricos (3-4%), tubos e barras, ligas, pigmen-
estão delimitando áreas de risco à saúde, constituindo to de tinta (vermelho e branco) e como escudo an-
alvos evidentes para investigações epidemiológicas e ti-radiação. Seu uso como aditivos antidetonantes (5%)
toxicológicas. na gasolina está caindo rapidamente devido aos impac-
A região litorânea, no extremo-leste do Paraná, tam- tos ambientais (Koljonen et al., 1992 apud Licht & Plawi-
bém merece investigações da mesma natureza, pois a ak, 2005). Apesar de sua virtual eliminação como agente
ocupação do território paranaense pelo colonizador eu- antidetonante nos combustíveis (gasolina e óleo diesel),
ropeu iniciou-se pelo litoral já no século XVI, a partir da os impactos do uso dessa forma de chumbo são eviden-
vila de Cananéia, em São Paulo, com expedição enviada tes no mapa construído com os dados de Pbtrocável nos
por Martim Afonso de Souza em busca de ouro aluvionar sedimentos de fundo de bacias hidrográficas da Folha
(Carneiro, 1962; Martins, 1969 apud Licht & Plawiak, Curitiba (Figura 27). Uma elevação geral dos teores de
2005). Nessa região, de grande fragilidade ambiental, fundo com fortes anomalias positivas, coincide com as
ocorreram os primeiros garimpos do país, com uso fre- concentrações urbanas bem como com os traços das
qüente de mercúrio para recuperação do ouro e conse- principais rodovias, que abrigam um maior volume e trá-
qüente geração de passivo ambiental seja em terra firme fego de veículos.

Figura 26 – Mapa geoquímico do Hg (ppb) na Folha Curitiba. A anomalia situada na porção centro -sul, coincide
com a área densamente urbanizada.

– 32 –
Otávio Augusto B. Licht

Figura 27 – Mapa geoquímico do Pbtrocável (ppm) na Folha Curitiba. A anomalia situada na porção centro-sul,
coincide com a área densamente urbanizada.

Cálcio - A região situada a noroeste de Curitiba, tuba, na Bacia de Curitiba, são conhecidas as ocorrênci-
englobando os municípios de Almirante Tamandaré, as do carbonato duplo de La e Nd (Nd-lantanita) que sob
Rio Branco do Sul e Colombo, é uma tradicional área de condições supergênicas deposita-se na forma de ci-
lavra de calcário calcítico e dolomítico usados no fabri- mento e venulações e filonetes em horizontes e lentes de
co de cimento, cal e corretivos agrícolas. A atividade de arenitos arcosianos (Licht, 2001a). Até o momento, não
um grande número de empresas mineradoras e de são conhecidas investigações de cunho epidemiológico
transformação dessas matérias-primas, geram um im- sobre o tema, apesar de a área anômala (Figura 29) se
pacto ambiental na forma de poeira em suspensão que, localizar próxima da área urbana de Curitiba e com ocu-
por ação dos ventos dominantes, se dissemina e depo- pação humana relativamente densa.
sita-se sobre uma grande área. O mapa geoquímico do
Catrocável na Folha Curitiba (Figura 28) delimita com CONCLUSÕES
grande precisão o traço da rodovia PR-092, conhecida
como Rodovia dos minérios, às margens da qual se A cartografia geoquímica tem provado sua grande
concentra a atividade mineradora e de beneficiamento utilidade como instrumento de diagnóstico e caracteriza-
de rochas calcárias. Os agravos à saúde humana, po- ção territorial. Levantamentos geoquímicos com baixa
rém, estão mais relacionados com a inalação dos parti- densidade de amostragem têm a capacidade de delinear
culados sólidos em suspensão, especialmente nas pro- as grandes estruturas que serão o objeto de investiga-
ximidades de estações de britagem e moagem, do que ções posteriores visando detalhar e aprofundar o conhe-
com impactos geoquímicos. cimento de suas características bem como sua origem e
Lantânio - O lantânio não desempenha papel conhe- eventuais reflexos na cadeia trófica. As técnicas tradicio-
cido na fisiologia animal ou vegetal. Todos os compostos nais de exploração geoquímica, acompanhadas por aná-
de La devem ser tratados como altamente tóxicos já que lises multielementares com baixos limites de detecção
os sais de lantânio podem agredir e prejudicar o funciona- analíticos são imperativas para o sucesso desse tipo de
mento do fígado (Winter, 1998 apud Licht & Plawiak, pesquisa. Os resultados obtidos com levantamentos geo-
2005). Nos sedimentos terciários da Formação Guabiro- químicos de superfície são ferramentas fundamentais na

– 33 –
Geoquímica Multielementar de Superfície na Delimitação de Riscos e Impactos Ambientais, Estado do Paraná, Brasil

Figura 28 – Mapa geoquímico do Catrocável na Folha Curitiba. A grande anomalia na porção noroeste coincide com a região de lavra
de calcário e produção de cal e cimento.

Figura 29 – Mapa geoquímico do La na Folha Curitiba. A mancha a cinzentada na porção centro -sul,
representa a região densamente urbanizada.

– 34 –
Otávio Augusto B. Licht

delimitação de áreas de risco à saúde, necessitando LICHT, O. A. B. A Geoquímica multielementar na gestão


equipes multidisciplinares para que as interpretações ambiental: identificação e caracterização de provín-
sejam confiáveis. cias geoquímicas naturais, alterações antrópicas da
paisagem, áreas favoráveis à prospecção mineral e
AGRADECIMENTOS regiões de risco para a saúde no Estado do Paraná,
Brasil. Curitiba, 2001. 236 p. Tese (Ddoutorado em
Ao Presidente da MINEROPAR Dr. Eduardo Salamu- Geologia Ambiental)-Faculdade de Geologia, Univer-
ni e ao Diretor Técnico Rogério da Silva Felipe pela auto- sidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001.
rização em divulgar dados da empresa. À Companhia LICHT, O. A. B. 2001 b . Atlas geoquímico do Estado
de Saneamento do Paraná – SANEPAR pelo fornecimen- do Paraná. Curitiba : MINEROPAR, 2001. Escalas
to de dados de química de águas de mananciais e po- variam.
ços tubulares perfurados pela empresa e autorização LICHT, O. A. B. Atlas geoquímico da Folha Curitiba. Cu-
para sua divulgação. Ao Dr. João Bosco Strozzi – Pontifí- ritiba : MINEROPAR, 2001.
cia Universidade Católica do Paraná, Dr. Luiz Antônio LICHT, O.A.B.; PLAWIAK R.A.B. Projeto Geoquímica de
Negrão Dias – Hospital Erasto Gaertner – Liga Paranaen- Solos, Horizonte B: levantamento geoquímico multie-
se de Combate ao Câncer e Dra. Maria Celeste Morita – lementar do Estado do Paraná: relatório final. Curiti-
Dep. Odontologia – Universidade Estadual de Londrina, ba: MINEROPAR, 2005. 2 v.
ficam registrados os agradecimentos do autor. MARZOCHI, M.C.A.; COELHO, R.B.; SOARES, D.A.;
ZEITUNE, J.M.R.; MUARREK, F.J.; CECCHINI, R.;
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PASSOS, E.M. Carcinogênese hepática no norte do
Paraná e uso indiscriminado de defensivos agríco-
CARDOSO L. MORITA, M.C., LICHT, O.A.B., ALVES, J.C. las. Ciência e Cultura, São Paulo, v. 28, n. 8, p.
Anomalia hidrogeoquímica e a ocorrência de fluoro- 893-901, 1976.
se dentária em Itambaracá - PR. In: CONGRESSO MORITA M.C; CARRILHO, A.; LICHT, O.A.B. Use of geo-
BRASILEIRO DE GEOQUÍMICA, 8., 2001, Curitiba; chemistry data in the identification of endemic fluoro-
SIMPÓSIO DE GEOQUÍMICA DOS PAÍSES DO sis areas. In: WORLD CONGRESS OF HEALTH IN
MERCOSUL, 1., 2001, Curitiba. Anais. Curitiba: URBAN ENVIRONMENT, 1., 1998, Madrid. Procee-
SBGq, 2001. 1 CD-ROM. dings. Madrid: [s.n.], 1998.
CARNEIRO, D. Formas estruturais da economia do Para- PLAWIAK R.A.B.; LICHT, O.A.B.; VASCONCELLOS,
ná. Curitiba: Ed. da UFPR, 1962. E.M.G. 2005. Mercury: natural occurrences in the
DARNLEY, A. et al. Global geochemical database for en- State of Paraná, Brazil. In: WORKSHP
vironmental and resource management: recommen- INTERNACIONAL DE GEOLOGIA MÉDICA, 2005,
dations for international geochemical mapping: final Rio de Janeiro. [Trabalhos apresentados]. Rio de Ja-
report of IGCP Project 259. Paris : UNESCO, 1995. neiro: CPRM, 2005.

– 35 –
Geoquímica dos Solos Brasileiros: Situação Atual

GEOQUÍMICA DOS SOLOS


BRASILEIROS: SITUAÇÃO
ATUAL
1
Daniel Vidal Pérez, daniel@cnps.embrapa.br
1
Celso Vainer Manzatto, manzatto@cnps.embrapa.br.
2
Sarai de Alcântara, sarai@iq.ufrj.br
3
Maria Angélica Vergara Wasserman, angelica@ird.gov.br
1
Embrapa-Solos, Rio de Janeiro (RJ)
2
Instituto de Química, UFRJ.
3
Instituto de Radioproteção e Dosimetria/CNEN,Rio de Janeiro (RJ)

RESUMO bre gênese de solo apresentadas de modo difuso, à


época, apresentou, pela primeira vez, uma equação
A análise geoquímica de solos é muito utilizada para para expressar, matematicamente, a relação entre as
identificar áreas com alta e baixa concentração de ele- propriedades e variáveis do solo:
mentos-traço, além de ser um excelente critério para jul-
gar a extensão de acumulação de um determinado metal S = f ( Cl, O, R, M.O., T)
no solo, o que pode orientar os estudos da potencialida-
de de ocorrência de problemas nutricionais (em plantas Desta forma, entende-se que qualquer propriedade
e animais), de saúde humana e ambientais. do solo (S) é função do clima (Cl), dos organismos vivos
As informações referentes à composição química (O), do relevo (R), do material de origem (M.O.) e do tem-
dos solos brasileiros são escassas e encontram-se con- po (T). Vale ressaltar que McBratney et al. (2003) ainda
centradas em algumas regiões do país, notadamente em incluíram a questão da espacialização, como será visto
São Paulo, e para alguns elementos, geralmente micro- mais adiante, fator fundamental nas questões de mapea-
nutrientes. mento digital.
O objetivo do presente trabalho é apresentar um Nesse sentido, a geologia, notadamente, através do
quadro atualizado dos estudos em geoquímica de solos estudo do material de origem pela petrologia e pela geo-
no Brasil e algumas sugestões para incrementar traba- química, causou forte influência nos trabalhos, então reali-
lhos que visem ao estabelecimento de valores de refe- zados, já que o estudo da gênese e classificação dos so-
rência para metais-traço importantes para a saúde hu- los teve seu desenvolvimento dependente, dentre outros,
mana. do estágio das ciências básicas correlatas (Moniz, et al.,
1972). Considerando que a Escola Americana é uma das
INTRODUÇÃO que mais influencia os estudos de geologia e solo no mun-
do, maior evidência será dada ao seu desenvolvimento.
A Pedologia (ciência que estuda o solo) consoli- Shacklette & Boerngen (1984) reportam que o uso
dou-se como ciência a partir de 1883, quando o pesqui- da análise de solo em prospecção mineral, nos Estados
sador russo Dokuchaev percebeu que o solo era, na ver- Unidos, iniciou-se a partir da década de 40. Porém, ha-
dade, um corpo natural e dinâmico, fruto de entidades via grandes empecilhos nas análises de elementos-traço
diferenciadas e organizadas e não um mero amontoado em função da falta de equipamentos com um melhor limi-
de partículas minerais e com matéria orgânica na super- te de detecção. Tal quadro só viria a ser alterado a partir
fície (Moniz, et al., 1972). Hans Jenny, em seu livro “Fac- da década de 60, com a introdução do primeiro equipa-
tors of Soil Formation” de 1941, com base nas idéias so- mento comercial de espectroscopia atômica. Contudo,

– 36 –
Daniel Vidal Pérez

só a partir da década de 70 é que ocorreu uma melhoria No Brasil, a exemplo do que ocorreu nos EUA, a
substancial dos limites de detecção dos elemen- maioria dos estudos geoquímicos de solos, inicialmente,
tos-traço em função de uma série de novos desenvolvi- seguiu a tendência internacional de dar suporte à pros-
mentos na área de instrumentação dos espectrofotôme- pecção mineral e de entender a gênese de solo (Melfi &
tros de absorção e emissão atômica (Cienfuegos & Va- Pedro, 1977; Melfi & Pedro, 1978). Com a melhoria das
itsman, 2000). São dessa época, os primeiros trabalhos técnicas analíticas, novos estudos foram dirigidos no
que tentam relacionar problemas de saúde humana com sentido de correlacionar quantidades de elemen-
a distribuição geográfica de metais em solos (Shacklette tos-traço com a formação de solos e sua classificação
& Boerngen,1984). Com o desenvolvimento de novos es- (Araujo, 1994; Horbe, 1995; Ker, 1995; Oliveira, 1996;
tudos, verificou-se, então, que o material de origem Castro, 1998; Lacerda, 1999). Em função desses estu-
constituia-se na fonte primária dos elementos-traço no dos, Ker (1995) e Lacerda (1998), por exemplo, citam vá-
solo (Alloway, 1995; Kabata-Pendias & Pendias, 2001). rios autores que destacam que certos óxidos de ferro no
Nessa ótica, esperar-se-ia que solos originados de ro- solo seriam importantes fontes de reserva de elementos-
chas básicas apresentassem maiores teores de Zn, Cu, traço, particularmente, Zn, Cu, Co e Ni. Estudos com o
Ni, Mn, entre outros, do que aqueles provenientes de objetivo específico de caracterizar os solos brasileiros
granitos, gnaisses, calcários e arenitos. Entretanto, vári- com respeito às concentrações dos vários metais (mi-
os trabalhos, dos quais destaca-se o de Chen et al. cronutrientes, tóxicos ou traço) foram pouco desenvolvi-
(1993), indicaram que, além do material de origem, ou- dos, sendo que a maioria, no princípio, se concentrou no
tros fatores pedogenéticos também exerciam papel fun- Estado de São Paulo (Valadares, 1975; Valadares & Cata-
damental na distribuição de elementos-traço no solo. ni, 1975; Furlani et al., 1977; Valadares & Camargo, 1983).
Nos últimos 20 anos, o enfoque da análise geoquímica Com base na mesma preocupação internacional, alguns
de solos tem sido o estabelecimento de valores de refe- grupos brasileiros começaram a buscar valores de “back-
rência para metais tóxicos com vistas ao estabelecimen- ground” de solos nacionais para vários elementos. Pérez
to de uma legislação que regule o uso do solo como via et al. (1997) analisaram 30 amostras (horizonte A e B diag-
alternativa para aplicação de resíduos domésticos/in- nóstico) de 15 perfis de solos brasileiros e para vários ele-
dustriais na agricultura (USEPA 40 CFR Part 503 and mentos (Co, Cr, Cu, Mo, Pb, Zn, Mn, Fe, Cd, Sr, Zr, Ba, Rb,
Council Directive 86/278/EEC). É interessante observar U, Th, La, Ce, Pr, Nd, Sm, Eu, Gd, Tb, Dy, Ho, Er, Tm, Yb,
que a maioria dos países europeus se decidiu pelo esta- Lu). Marques (2000), apesar de desenvolver uma tese de
belecimento de limites máximos permissíveis em solos cunho pedogenético, também produziu dados inéditos
(Tabela 1) dos principais elementos tóxicos, ou seja, Cd, sobre uma série de elementos-traço em solos, no caso,
Zn, Cu, Cr, Hg, Ni e Pb. Alguns países, como a Espanha, de Minas Gerais. Contudo, foi a Cetesb (2001), com base
Portugal e o Reino Unido, ainda estabeleceram esses em metodologia holandesa, quem definiu valores de refe-
valores variáveis com o pH do solo. Outros poucos, a rência de qualidade de solo com base em amostragens
exemplo dos EUA, contudo, têm mantido, ao longo dos específicas. A partir de 13 tipos diferentes e representati-
anos, uma rotina de análise de solos de forma a montar vos de solos de São Paulo, foram coletadas 84 amostras
um banco de dados que possa indicar, com um pouco compostas, representando as profundidades de 0-20 e
mais de precisão, os valores médios de metais-traço em 80-100 cm, e realizadas análises de alumínio, antimônio,
solos “naturais” e solos alterados pelo homem (Shacklet- arsênio, bário, cádmio, chumbo, cobalto, cobre, cromo,
te & Boerngen,1984; Holmgren et al., 1993; Burt et al., ferro, manganês, mercúrio, molibdênio, níquel, prata, se-
2000; Burt et al., 2003). Apesar disso, o estabelecimento lênio, vanádio, zinco. Por fim, Fadigas et al. (2002), anali-
de valores limites ainda é arbitrário, com base, normal- sando um conjunto de 256 amostras de solos brasileiros,
mente, no 95% percentil. separadas em 7 grupamentos com base em similaridade

Tabela1. Valor limite de concentração de metais pesados (mg/kg) em solos de países europeus.

Cd Cr Cu Hg Ni Pb Zn
EU Directive 86/2781 1-3 ——- 50-140 1-1.5 30-75 50-300 150-300
2
França 2 150 100 1 50 100 300
2
Alemanha 1,5 100 60 1 50 100 200
2
Itália 1,5 ——- 100 1 75 100 300
2
Holanda 0,8 100 36 0,3 35 85 140
2
Suécia 0,4 60 40 0,3 30 40 100-150

1. Long (2001); 2. Europa (2005)

– 37 –
Geoquímica dos Solos Brasileiros: Situação Atual

de outras propriedades dos solos, determinaram valores em alguns tipos de solos brasileiros e com base em da-
de referência para Cd, Co, Cr, Cu, Ni, Pb e Zn. dos internacionais. A grande diferença encontrada é fru-
to de processos físico-químicos que ocorrem, tipicamen-
OBTENÇÃO DE VALORES DE REFERÊNCIA OU DE te, em solos tropicais e que pouca influência têm em
“BACKGROUND” solos do hemisfério Norte. No Brasil, os métodos mais usa-
dos, tanto para extração de micronutrientes “disponíveis”,
Se não há o conhecimento de qual é o nível conside- como para extração de metais tóxicos “disponíveis”, são
rado “natural” de um determinado elemento no solo, as soluções de DTPA e de Mehlich 1 (Cantarella et al.,
como saber se ele foi, antropicamente, contaminado ou 2001; Mattiazo et al., 2001). Estão em andamento alguns
se ele possui um deficit considerável que pode afetar a estudos que visam utilizar esse tipo de resultado na de-
nutrição dos seres vivos? terminação de valores de referência para certos elemen-
A base de dados nacional, como se viu, é pequena tos tóxicos em solos. Por fim, existem, ainda, alguns es-
e concentrada, para certos elementos no Estado de São tudos que, baseados na complexidade das possíveis re-
Paulo. Além disso, as metodologias de coleta, preparo e ações do solo, utilizam extrações seqüenciais para ten-
extração de solos são, normalmente, diferentes e não tar identificar o compartimento em que se localiza dado
correlacionáveis. No entanto, há formas de planejar o elemento químico (Ure, 1991; Das et al., 1995; Hayes &
trabalho de coleta de amostras de forma a se obter fun- Traina, 1998). A maioria dos estudos ambientais que en-
ções matemáticas que, por meio de correlação com ou- volve essa técnica contempla, em geral, as seguintes fa-
tras propriedades do solo (“Pedotransfer”), permitam ses (McLean & Bledsoe, 1992; Das et al., 1995; Morrow
predizer os dados em regiões não amostradas. Fadigas et al., 1996):
et al. (2002), por exemplo, propuseram um modelo para • Solúvel em água
obtenção dos teores “naturais” de Cd, Co, Cr, Cu, Ni, Pb • Trocável
e Zn em solos a partir dos teores de silte, argila, Mn, Fe e • Ligado a carbonatos
CTC. Assim mesmo, a espacialização dos dados, que já • Ligado a oxi-hidróxidos de Fe/Mn
entraria no campo do mapeamento digital (McBratney et • Ligado à matéria orgânica
al., 2003), seria muito importante, fato que, usualmente, • Residual
não é observado na maioria dos trabalhos citados. Isso
seria de grande valia para facilitar a validação dos “pe- Vários são os problemas relativos às técnicas de ex-
dotransfers” e reorientar novas amostragens. tração propriamente ditas (Ross, 1994; Hayes & Traina,
Com respeito aos métodos analíticos, extrações e 1998; Kot & Namiesnik, 2000): i) falta de seletividade dos
análises consideradas “Totais” produzem poucas infor- extratores; ii) readsorção e redistribuição do elemento
mações úteis, já que os efeitos ecotoxicológicos de um durante o processo de extração; iii) influência da relação
elemento químico, assim como o seu comportamento solo:solução extratora na distribuição do elemento de in-
ambiental (transporte, reatividade, mobilidade, etc.), de- teresse; iv) mudança da solubilidade dos compostos mi-
pendem totalmente da sua forma química (Allen, 1993; nerais e orgânicos durante o curso das extrações. Mes-
Tack & Verloo, 1995; Hani, 1996; Quevauviller, 1998; Kot mo assim, pelo fato de permitir a comparação de frações
& Namiesnik, 2000; Abreu et al. 2001). Métodos conside- quimicamente similares, a extração seqüencial tem sido
rados “Pseudo-Totais” permitem determinar a influência preferida nos estudos de especiação da fase sólida do
antropogênica e, por isso, podem ser usados no monito- solo, por permitir determinar o potencial de mobilidade e
ramento ambiental (Alloway, 1995; Walter & Cuevas, biodisponibilidade ambiental de vários metais e radionu-
1999; Scancar et al., 2000). Contudo, se não for eleita clídeos (Candelaria & Chang, 1997; Dean et al., 1998;
uma só metodologia analítica, voltar-se-a à questão da Quevauviller, 1998; Wasserman et al., 2002). A Figura 2,
consolidação do banco de dados, já que a maioria das extraída de Mavropoulos et al. (2005), serve para ilustrar
metodologias não possui capacidade de extração simi- isso. Nota-se que, apesar do teor total de Pb permanecer
lar (Mattiazo et al., 2001). Outrossim, existem métodos inalterado nos dois solos (7,0g/kg), houve uma migração
que avaliam o potencial de transferência de determinado diferencial do elemento para fases distintas, represen-
elemento para a planta (“disponível”). Neste caso, entre- tando um potencial de risco de mobilidade e biodisponi-
tanto, deve-se tomar a precaução de não usar métodos bilidade bem diferentes.
que, apesar de serem internacionalmente reconhecidos,
não foram desenvolvidos para nossas condições e, por EXCESSO X DEFICIÊNCIA
isso, não permitem interpretações adequadas. Exemplo
disso encontra-se na Figura 1, extraído de Wasserman O objetivo principal no estabelecimento de valores
(1997), que apresenta fatores de transferência do solo de referência em solos sempre esteve ligado à preocu-
para a planta do Cs (absorção pela planta similar ao K) pação com a sua poluição. Contudo, é fato que, em fun-

– 38 –
Daniel Vidal Pérez

3.5 Radish
Carrot
3 Soybeans
Transfer Factor for Cs-137

Beans
2.5 Cassava

1.5

0.5

0
Ferralsol Tropical soil Nitisol Goiânia soil Goiânia IUR
artificially artificially recommended
contaminated contaminated values

Figura 1– Fatores de transferência de Cs137 para as culturas de rabanete, cenoura, soja, feijão e mandioca em alguns solos brasileiros
confrontados com dados internacionais gerados em clima temperado (IUR).

al., 2001). Além disso, o mau uso de certas práticas agrí-


100
% colas, principalmente a calagem (correção do pH do
80 Res solo com calcário), pode levar à indisponibilidade de mi-
% MO cronutrientes que, naturalmente, são bem disponíveis
2+
60 FeMn
% em solos brasileiros, como é o caso do Fe e Mn (Figura
%
P Carb
b 40 3). Daí, corroborando observações anteriores, vê-se que
% Troc
20 H2O
mais importante que saber o teor total de um elemento, é
% imprescindível saber as condições do solo em que ele
0 ocorre, como forma de predizer sua disponibilidade.
% T0R T0L T1R T1L T2R T2L T3R T3L
J V J V J V J V
Tratamentos
os

Figura 2 – Percentual de participação do Pb obtido de dois solos (RJ é


um Argissolo-Vermelho Amarelo, LV é um Latossolo Vermelho)
contaminados com 7,0g/kg e submetidos a três tratamentos de
remediação (T1, T2, T3) nas 6 fases extraíveis em água (H O), trocável 2

(Troc), em carbonatos (Carb), em óxidos de Fe e Mn (FeMn), na


matéria orgânica (MO) e residual (Res). T0 é a amostra controle.

ção do incremento da agricultura tecnificada, ocorre


uma forte tendência de se encontrar deficiência de cer-
tos micronutrientes pela baixa capacidade de reposição
dos solos, pelo baixo uso de insumos baseados nesses
elementos e pela baixa eficiência de utilização dos mi-
cronutrientes em fertilizantes (Yamada & Lopes, 1998;
White & Zasoski, 1999; Welch & Graham, 2005). No Bra-
sil, por exemplo, é farta a literatura que comenta sobre a Figura 3 – Disponibilidade de vários elementos em função do pH do
carência natural de Zn e Cu em nossos solos (Abreu et solo (Nascimento, 1995).

– 39 –
Geoquímica dos Solos Brasileiros: Situação Atual

Vale, ainda, ressaltar que, em casos de poluição do ABREU, C.A. de; FERREIRA, M.E.; BORKERT, C.M.
solo por metais, existem mecanismos de “defesa” da 2001. Disponibilidade e avaliação de elementos
planta que garantem a baixa transferência desses ele- catiônicos: zinco e cobre. In: FERREIRA, M.E.;
mentos para os diversos orgãos vegetais, notadamente CRUZ, M.C.P. da; van RAIJ, B.; ABREU, C.A. De.
os que se localizam nas partes aéreas (Shaw, 1989). Micronutrientes e elementos tóxicos na agricultura.
Entretanto, se há deficit no solo de um dado micronutri- Jaboticabal: CNPq; FAPESP; POTAFOS, 2001.
ente, a planta dificilmente conseguirá absorvê-lo em p.125-150.
quantidades suficientes para sua nutrição, embora, em ALLEN, H.E. The significance of trace metal speciation
muitos casos, não seja percebido nenhum sintoma visual for water, sediment and soil quality criteria and stan-
de deficiência (“fome oculta”). Neste sentido, essa ca- dards. The Science of the Total Environment, Amster-
rência afetará a nutrição dos animais e dos seres huma- dam, Supplement Part 1, p.23-45, 1993.
nos que dependerem dessa planta em sua alimentação ALLOWAY, B.J. Heavy metals in soils. 2nd ed. Glasgow,
(Welch & Graham, 2005). UK: Blackie, 1995. 368p.
ARAUJO, E.S. Geoquímica multielementar de crostas e so-
COMENTÁRIOS FINAIS los lateríticos da amazônia oriental. 1994. 278 p.Tese
(Doutorado)-Universidade Federal do Pará, Belém,
Reconhecida a necessidade de estabelecer valores 1994.
de referência para os metais-traço, sejam eles micronu- BURT, R.; WILSON, M.A.; MAYS, M.D.; KECK, T.J.;
trientes ou potencialmente tóxicos, é fundamental unifor- FILLMORE, M.; RODMAN, A.W.; ALEXANDER, E.B.;
mizar as metodologias de coleta, preparo de amostra e HERNANDEZ, L. Trace and major elemental analysis
análise de solo, que devem ser estabelecidos com base applications in the U.S. cooperative soil survey pro-
em um grupo de trabalho nacional. Todavia, em razão da gram. New York, Commun. soil sci. plant anal., v.31,
extensa área a ser coberta, torna-se evidente que deve p.1757-1771, 2000.
ser realizado um trabalho em nível regional, porém, com BURT, R.; WILSON, M.A.; MAYS, M.D.; LEE, C.W. Major
vistas a compor um banco de dados nacional espaciali- and trace elements of selected pedons in the USA.
zado. Existem alguns esforços estaduais para buscar os Journal of Environmental Quality, Madison, Wis., v.
valores de referência regionais, porém, a maioria deles 32, n. 6, p.2109-2121, nov. 2003.
esbarra na falta de verbas. Com isso, é imprescindível CANDELARIA, L.M.; CHANG, A.C. Cadmium activity
sensibilizar as autoridades competentes para que os or- solution speciation and solid phase distribution of
gãos de fomento de Ciência & Tecnologia estaduais e fe- Cd in cadmium nitrate and sewage sludge treated
derais possam criar linhas de pesquisa específicas para soil systems. Soil Sci., v.162, n.10, p.722-732,
subsidiar esse trabalho. 1997.
Por fim, para aqueles que tencionam se aprofundar CANTARELLA, H.; WIETHOLTHER, S.; BERNARDI,
sobre o tema das implicações do solo na saúde humana, A.C.C.; VITTI, G.C.; CANTARUTTI, R.B.; MUNIZ,
existem algumas revisões internacionais que merecem A.S.; OLIVEIRA, M.H. Programas de avaliação de
ser consultadas, a saber: Oliver (1997); Dissanayake & qualidade das análises de solo e de planta no Brasil.
Chandrajith (1999); Abrahams (2002); Deckers & Stein- Boletim Informativo Sociedade Brasileira Ciência do
nes (2004). Solo, v.26, n.1, p.20-24, 2001.
CASTRO, A.C.J. de. Uma abordagem geoquímica e am-
AGRADECIMENTOS biental sobre os efeitos das queimadas da floresta
sobre os solos nos bordos sul da Amazônia Legal.
Ao CNPq pela concessão de bolsa de produtividade 1998. 355 p. Tese (Doutorado)-Universidade Federal
ao primeiro autor e ao CNPq, FUJB e FAPERJ pelo apoio do Rio de Janeiro. 355p., Rio de Janeiro, 1998.
financeiro às pesquisas realizadas pelos autores. Às CHEN, J.S.; DENG, B.S.; PAN, M.; WANG, X.J.; ZENG,
Dras. Neli do Amaral Meneguelli e Maria de Lourdes Men- S.Q.; HE, Q. Geographical tendencies of trace ele-
donça pela revisão técnica do texto. À bibliotecária Maria ment contents in soil derived from granite, basalt and
da Penha Delaia pelo incansável esforço na obtenção da limestone of Eastern China. Pedosphere, Beijing, v.
maioria do material bibliográfico empregado no texto. 3, p.45-55, 1993.
CIENFUEGOS, F.; VAITSMAN, D. Análise Instrumental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Rio de Janeiro: Interciências, 2000. 606p.
COMPANHIA DE TECNOLOGIA E SANEAMENTO
ABRAHAMS, P.W. Soils: their implications to human he- AMBIENTAL. Relatório de estabelecimento de valo-
alth. The Science of the Total Environment, Amster- res orientadores para solos e águas subterrâneas.
dam, v. 291, n. 1, p.1-32, maio 2002. São Paulo, 2001. 1 CD-ROM.

– 40 –
Daniel Vidal Pérez

DAS, A.K.; CHAKRABORTY, R.; CERVERA, M.L.; DE LA KOT, A.; NAMIESNIK, J. 2000. The role of speciation in
GUARDIA, M. Metal speciation in solid matrices. Ta- analytical chemistry. Trends in Analytical Chemistry,
lanta, Amsterdam, v. 42, n. 8, p.1007-1030, ago. Amsterdam, v. 19, n. 2-3, p. 69-79, 2000.
1995. LACERDA, M.P.C. Correlação geopedológica em solos
DEAN, J.R.; BUTLER, O.; FISHER, A.; GARDEN, L.M.; B texturais na região de Lavras, MG. 1998. 300 p.
CRESSER, M.S.; WATKINS, P.; CAVE, M. Atomic Tese (Doutorado em Geociências)-Universidade Fe-
spectrometry update: environmental analysis. J. deral de Lavras, Lavras, 1998.
anal. at. spectrom., London, v. 13, p. 1R-56R, 1998. LONG, K. 2001. The use of biosolids (sewage sludge) as
DECKERS, J.; STEINNES, E. State of the art on soil- rela- a fertilizer/soil conditioner on dairy pastures. Victoria,
ted geo-medical issues in the world. Advances in Australia: DFSV, 2001. 41p.
Agronomy, San Diego, v. 84, p. 1-35, 2004. MARQUES, J.J.G. de S. M. Trace element distributions in
DISSANAYAKE, C.B.; CHANDRAJITH, R. Medical geo- brazilian cerrado soils at the landscape and micro-
chemistry of tropical environments. Earth-Science meter scales. 2000. 172 p. Tese (Doutorado)-Purdue
Reviews, Amsterdam, v .47, n. 3-4, p. 219-258, 1999. University, West Lafayette, 2000.
EUROPA. 2005. Disponível em: <http://euro- MATTIAZO, M.E.; BERTON, R.S.; CRUZ, M.C.P. da.
pa.eu.int/comm/environment/waste/sludge/slud- 2001. Disponibilidade de metais pesados potencial-
ge_disposal2a.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2005. mente tóxicos. In: FERREIRA, M.E.; CRUZ, M.C.P.
FADIGAS, F. de S.; AMARAL SOBRINHO, N.M. B. do; da; VAN RAIJ, B.; ABREU, C.A. de. Micronutrientes e
MAZUR, N.; BEHLING, M. Proposição de valores de elementos tóxicos na agricultura. Jaboticabal:
referência para a concentração de Cd, Co, Cr, Cu, CNPq; FAPESP; POTAFOS, 2001. p. 213-234.
Ni, Pb e Zn em solos brasileiros. In: REUNIÃO MAVROPOULOS, E.; KEDE, M.L.; ROCHA, N.; PEREZ,
BRASILEIRA DE FERTILIDADE DO SOLO E D.V.; BERTOLINO, L.C.; MOREIRA, J.; ROSSI, A.
NUTRIÇÃO DE PLANTAS, 25., 2002, Rio de Janeiro. 2005. Lead immobilization by Brazilian phosphate
Resumos expandidos ... Rio de Janeiro: SBCS, 2002. rock. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON HEAVY
1 CD-ROM. METALS IN THE ENVIRONMENT, 13., 2005, Rio de
FURLANI, P.R.; BATAGLIA, O.C.; VALADARES, J.M.A.S. Janeiro. Proceedings… Rio de Janeiro: [s.n.], 2005.
Cobalto em solos do Estado de São Paulo. Revista MCBRATNEY, A.B.; MENDONÇA-SANTOS, M.L.
Brasileira de Ciência do Solo, Campinas, v. 1, MINASNY, B.O. On digital soil mapping. Geoderma,
p.65-67, 1977. Amsterdam, v. 117, n. 1-2, p. 3-52, nov. 2003.
HANI, H. Soil analysis as a tool to predict effects on the MCLEAN, J.E.; BLEDSOE, B.E. 1992. Behaviour of me-
environment. Commun. soil sci. plant anal., v. 27, n. tals in soils. Washington: EPA. 1992. 25 p.
3-4, p. 289-306, 1996. MELFI, A.J.; PEDRO, G. Estudo geoquímico dos solos e
HAYES, K.F.; TRAINA, S.J. Metal ion speciation and its formações superficiais do Brasil. Parte 1. Caracteri-
significance in ecosystem health. In: SOIL zação e repartição dos principais tipos de evolução
CHEMISTRY AND ECOSYSTEMS HEALTH. St. Louis, pedogeoquímica. Revista Brasileira de Geociênci-
1998. Proceedings. Madison: SSSA. p.45-84. 1998. as, São Paulo, v. 7, p. 271-286, 1997.
Special Publication, 52. MELFI, A.J.; PEDRO, G. Estudo geoquímico dos solos e
HOLMGREN, G.G.S.; MEYER, M.W.; CHANEY, R.L.; formações superficiais do Brasil. Parte 2. Considera-
DANIELS, R.B. Cadmium, lead, zinc, copper, and ções sobre os mecanismos geoquímicos envolvidos
nickel in agricultural soils of the United States of Ame- na alteração superficial e sua repartição no Brasil.
rica. Journal of Environmental Quality, Madison, Revista Brasileira de Geociências, São Paulo, v. 8,
Wis., v. 22, p.335-348, 1993. p.11-22, 1978.
HORBE, A.M.C. 1995. Evolução mineralógica e geoquí- MONIZ, A.C.et al. Elementos de pedologia. São Paulo:
mica multielementar de perfis de solo sobre lateritos Polígono; EDUSP, 1972. 459p.
e gossans na Amazonia. 1995. 213 p. Tese ( Douto- MORROW, D.A.; GINTAUTAS, P.A.; WEISS, A.D.;
rado em Geologia e Geoquímica)-Universidade Fe- PIWONI, M.D.; BRICKA, R.M. Metals speciation in so-
deral do Pará. Belém, 1995. ils: a review. Vicksburg: U.S. Army Corps of Engineer,
KABATA-PENDIAS, A.; PENDIAS, H. Trace elements in 1996. 108 p. (Technical report, IRRP-96-5).
soils and plants. 3rd ed. Boca Raton, FA: CRC Press, NASCIMENTO, R.A.M. Fundamentos da ciência do solo
2001. 413p. (IA-305):gráficos, desenhos, tabelas. Itaguaí:
KER, J.C. Mineralogia, sorção e dessorção de fosfato, UFRRJ, 1995. 112p.
magnetização e elementos-traços de latossolos do OLIVER, M.A. Soil and human health: a review. European
Brasil. 1995. 212 p. Tese (Doutorado em Geociênci- Journal of Soil Science, Oxford, v. 48, p. 573-592,
as)- Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 1995. 1997.

– 41 –
Geoquímica dos Solos Brasileiros: Situação Atual

OLIVEIRA, T.S. de. 1996. Metais pesados como indica- VALADARES, J.M.A.S. Cobre em solos do Estado de São
dores de materiais de origem de solos. 1996. 135 p. Paulo: 1: cobre total. Bragantia, Campinas, v.34, n.1,
Tese (Doutorado)-Universidade Federal de Viçosa, p.125-132, 1975.
Viçosa, 1996. VALADARES, J.M.A.S.; CATANI, R.A. Zinco em solos do
PÉREZ, D.V.; SALDANHA, M.F.C.; MENEGUELLI, N. do Estado de São Paulo. Bragantia, Campinas, v. 34,
A.; MOREIRA, J. da C.; VAITSMAN, D.S. Geoquímica n.1, p. 133-139, 1975.
de alguns solos brasileiros. Rio de Janeiro: VALADARES, J.M.A.S.; CAMARGO, O.A. de. Manganês
EMBRAPA-CNPS, 1997. 14p. (EMBRAPA-CNPS. em solos do Estado de São Paulo. Revista Brasileira
Pesquisa em andamento, 4). de Ciência de Solo, Campinas, v. 7, n. 2,p. 123-130,
QUEVAUVILLER, P. Operationally defined extraction 1983.
procedures for soil and sediment analysis I. Standar- WALTER, I.; CUEVAS, G. Chemical fractionation of he-
dization. Trends in Analytical Chemistry, Amsterdam, avy metals in a soil amended with repeated sewage
v.17, n. 5, p.289-298, maio 1998. sludge application. The Science of the Total Envi-
ROSS, S.M. Retention, transformation and mobility of to- ronment, Amsterdam, v. 226, n. 2-3, p.113-119, fev.
xic metals in soils. In:______ . Toxic metals in so- 1999.
il-plant systems. Chichester: John Wiley and Sons, WASSERMAN, M.A. Soil-to-plant transfer of Cs in tropi-
137

1994. P.63-152. cal areas. In: IAEA. Transfer of radionuclides from air,
SCANCAR, J.; MILACIC, R.; STRAZAR, M.; BURICA, O. soil and freshwater to the food-chain of man in tropi-
Total metal concentrations and partioning of Cd, Cr, cal and subtropical environments: report of a final re-
Cu, Fe, Ni and Zn in sewage sludge. The Science of search co-ordination meeting. Viena: IAEA, 1997.
the Total Environment, Amsterdam, v. 250, n. 1, p. p.128-137.
9-19, abr. 2000. WASSERMAN, M.A.; PEREZ, D.V.; BARTOLY, F. Biogeo-
SHACKLETTE, H.T.; BOERNGEN, J.G. Element concen- chemical behavior of Cs and Co in tropical soils. Ra-
137 60

trations in soils and other surficial materials of the dioprotection – Colloques, [S.l.], v. 37, C1,
conterminous United States. Alexandria VA: U.S. Ge- p.227-282, 2002.
ological Survey, 1984. 105p. (Geological Survey Pro- WELCH, R.M.; GRAHAM, R.D. 2005. Agriculture: the
fessional Paper, 1270). real nexus for enhancing bioavailable micronutri-
SHAW, A.J. Heavy metal tolerance in plants: evolutionary ents in food crops. Journal of Trace Elements in
aspects. Boca Raton, FA: CRC Press, 1989. 355p. Medicine and Biology, v. 18, n. 4, p. 299-307,
TACK, F.M.G.; VERLOO, M.G. Chemical speciation and 2005.
fractionation in soil and sediment heavy metal analy- WHITE, J.G.; ZASOSKI, R.J. 1999. Mapping soil micronu-
sis: a review. Int. J. Environ. Anal. Chem., v. 59, p. trients. Field Crops Research, Amsterdam, v. 60, n. 1,
225-238, 1995. p. 11-26, jan. 1999.
URE, A.M. Trace element speciation in soils, soil extracts YAMADA, T.; LOPES, A.S. 1998. Balanço de nutrientes
and solutions. Mikrochimica Acta, Viena, v. 2, p. na agricultura brasileira. Informações Agronômicas,
49-57, 1991. n. 84, Encarte Técnico, 1998. 8p.

– 42 –
Marília Nutti

A BIOFORTIFICAÇÃO COMO
FERRAMENTA PARA
COMBATE A DEFICIÊNCIAS
EM MICRONUTRIENTES
Marilia Nutti; marilia@ctaa.embrapa.br
José Luiz V. Carvalho; jlvc@ctaa.embrapa.br
Edson Watanabe; edswat@ctaa.embrapa.br
Embrapa Agroindústria de Alimentos

INTRODUÇÃO de processamento, como tempo de armazenamento,


temperatura, método de preservação, preparação do ali-
Dietas com escassez de ferro e zinco podem ocasi- mento.
onar anemia, redução da capacidade de trabalho, pro- Ressalte-se ainda a importância do cálcio, cuja in-
blemas no sistema imunológico, retardo no desenvolvi- gestão alimentar em nosso país varia de 300 mg a 500
mento e até a morte. A anemia ferropriva é, provavelmen- mg por dia, quando a recomendação sugerida pelas
te, o mais importante problema nutricional no Brasil, com DRIs (Dietary Reference Intake) para a população dos
prevalências da ordem de 30 até 80% em grupos de cri- USA e Canadá, é de 1.000 mg a 1.200 mg para a popula-
anças menores de cinco anos de idade. Ressalte-se que ção adulta. Mesmo considerando ser o Brasil um país
esta deficiência ocorre independentemente da classe tropical, onde a população teria quantidades suficientes
social ou da distribuição geográfica. As fontes mais im- de vitamina D, e, portanto, maior eficiência de absorção
portantes de ferro para a população brasileira são o fei- e de utilização do cálcio, deve-se observar que atual-
jão (32%) e carnes (20%), sendo que o potencial de ab- mente, com os riscos de câncer de pele, a população
sorção deste mineral em dietas é da ordem de 1 a 7%. está cada vez mais preocupada em se proteger dos rai-
Embora a deficiência de zinco não seja tão estuda- os UV, com a utilização de filtros solares que certamente
da como aquela do ferro, certamente, considerando que diminuirão a síntese desta vitamina pelo organismo. Os
os alimentos fonte destes nutrientes são os mesmos, é efeitos desta conduta somente poderão ser avaliados
de se esperar que também ocorra alta incidência desta em longo prazo, com a possibilidade de aumento da in-
deficiência. Dados bioquímicos obtidos de grupos de cidência de raquitismo, osteomalácia e osteoporose.
nossa população associados à ingestão deste nutriente Outro elemento importante na área de nutrição é o
em dietas têm evidenciado esta probabilidade, e, por- selênio, não apenas pela sua importante ação no siste-
tanto, não devemos considerá-la de menor importância. ma de defesa antioxidante, mas também pela sua prová-
O zinco participa em mais de 300 enzimas, com ação no vel ação na diminuição do risco de câncer, ainda sob
sistema imune, na expressão gênica, dentre inúmeras avaliação. No Brasil, o conteúdo de selênio nos alimen-
outras funções. Pouco se conhece sobre a deficiência tos varia em função do solo, e neste sentido os alimentos
de zinco nos países em desenvolvimento, porém sa- obtidos das regiões de São Paulo e Mato Grosso apre-
be-se que usualmente, fontes ricas em ferro biodisponí- sentam menor teor deste elemento, enquanto aqueles
vel também são ricas em zinco biodisponível. provenientes do Ceará e do Amazonas apresentam valo-
A variação no teor de micronutrientes nos alimentos res mais elevados. Observa-se ainda que a deficiência de
pode ser atribuída a: 1) características da planta, tais selênio correlaciona-se com o estado nutricional do indiví-
como a idade da planta, maturação, espécie, varieda- duo em relação ao iodo, uma vez que para transformar T4
de, cultivar, dieta; 2) características do meio ambiente, em T3 (forma ativa do hormônio da tireóide), há necessi-
como clima, solo, chuvas, estação do ano, e 3) fatores dade de uma deiodinase dependente de selênio.

– 43 –
A Biofortificação como Ferramenta para Combate a Deficiências em Micronutrientes

A vitamina A é um micronutriente essencial para o A FORTIFICAÇÃO DE ALIMENTOS COMO POLÍTICA


bom funcionamento visual e imunológico da saúde hu- PÚBLICA NO BRASIL
mana. Estima-se que a deficiência de vitamina A tem um
efeito significativo na saúde de crianças em idade esco- Os países que vêm adotando políticas públicas
lar em cerca de 80 países em todo o mundo. A deficiên- para solução dos problemas de deficiência de micronu-
cia de Vitamina A é um sério problema nos países em de- trientes, têm obtido sucesso com programas de fortifica-
senvolvimento, provocando cegueira em milhares de cri- ção de alimentos e/ou suplementação medicamentosa.
anças no mundo. O aumento da ingestão de No Brasil, medidas neste sentido foram iniciadas com a
pró-vitamina A ou carotenóides é uma das formas preco- fortificação do sal de cozinha com iodo, a fluoretação da
nizadas para combater essa deficiência. água de abastecimento em algumas regiões e, mais re-
centemente, com a obrigatoriedade da fortificação das
INGESTÃO DE NUTRIENTES NO BRASIL farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico, visando
diminuir os altos índices de anemia e o defeito do tubo
Dados da literatura indicam que no Brasil: a inges- neural, respectivamente.
tão de alguns elementos (ferro, cálcio, zinco, selênio) en- A fortificação de alimentos com vitamina A e ferro,
contra-se abaixo do recomendado ou possuem baixa bi- bem como a distribuição de suplementos destes micro-
odisponibilidade nas dietas; havendo a indicação que nutriente para a população alvo, têm sido as estratégias
os parâmetros bioquímicos estão abaixo dos valores de mais utilizadas na maioria dos países em desenvolvi-
referência em grupos de risco da população, compro- mento, para combater a hipovitaminose A e anemia fer-
vando, portanto, a necessidade da intervenção. Acredi- ropriva. Pesquisas recentes têm demonstrado que o de-
ta-se que a ação conjunta da comunidade científica, in- senvolvimento de plantas com maiores teores de vitami-
dustrial e governo, seja uma solução viável para minimi- na A e outros minerais pode ajudar a melhorar a dieta hu-
zar este problema, buscando alternativas para sua im- mana, sendo este o objetivo deste projeto de pesquisa,
plementação. que vem sendo desenvolvido pela EMBRAPA.
Mais de 840 milhões de pessoas não consomem O trabalho que se realiza atualmente para combater
alimentos em quantidades suficientes para suprir suas a desnutrição nos países em desenvolvimento tem como
necessidades diárias básicas de energia. Uma popula- enfoque o fornecimento de suplementos de vitaminas e
ção muito maior – estimada em três bilhões de pessoas minerais para mulheres grávidas e crianças pequenas,
– sofre os efeitos traiçoeiros da deficiência de micronu- além da fortificação de alimentos com esses nutrientes
trientes porque não têm condições financeiras para através de processos pós-colheita. Muitos resultados já
comprar carne vermelha, frango, peixe, frutas, legumes foram alcançados com esta estratégia. Em regiões com
e hortaliças em quantidades suficientes. Mulheres e cri- infra-estrutura adequada e que dispõem de mercados
anças da África Subsaariana, da Ásia Meridional, do bem estabelecidos para a distribuição de alimentos pro-
Sudeste Asiático, da América Latina e do Caribe são cessados, como sal, açúcar e farinhas de cereais, a forti-
aqueles que apresentam maior risco de contrair doen- ficação de alimentos pode melhorar enormemente o
ças, de morte prematura e de deterioração de sua ca- consumo de micronutrientes por parte das populações
pacidade cognitiva por consumirem dietas pobres em vulneráveis.
micronutrientes essenciais – particularmente ferro, vita-
mina a, iodo e zinco. A BIOFORTIFICAÇÃO – UMA FERRAMENTA PARA
Dados da Organização Mundial de Saúde sobre de- MELHORAR A SAÚDE HUMANA
ficiência de micronutrientes têm mostrado que este não
é um problema apenas dos países em desenvolvimento, Entretanto, há limites para a fortificação e o forneci-
mas também de países desenvolvidos. A deficiência de mento de suplementos comerciais. É possível que ali-
minerais e vitaminas pode interferir em todo desenvolvi- mentos fortificados não alcancem uma grande parte da
mento do indivíduo, com conseqüências tanto do ponto população necessitada devido à insuficiente in-
de vista físico como social e econômico, interferindo fra-estrutura de distribuição. Do mesmo modo, a suple-
mesmo no próprio desenvolvimento do país. Dentre os mentação depende de um sistema de saúde com in-
micronutrientes mais estudados, o ferro, a vitamina A e o fra-estrutura altamente funcional, raramente encontrada
iodo continuam sendo apontados como os de maior pro- em países em desenvolvimento. Assim, considerando
blema de saúde pública, tanto no Brasil como em nível que novos enfoques são necessários para complemen-
mundial; observa-se ainda que o cálcio, o zinco, o selê- tar as intervenções já em andamento, surge a proposta
nio, o cobre, dentre outros elementos essenciais, são de da Biofortificação, como um novo paradigma para a
extrema importância para uma nutrição adequada e o agricultura e uma ferramenta para melhorar a saúde hu-
perfeito desenvolvimento do indivíduo. mana.

– 44 –
Marília Nutti

A introdução de produtos agrícolas biofortificados – grande diversidade de ambientes agrícolas; e caracte-


variedades melhoradas que apresentam um conteúdo rísticas de alto conteúdo de nutrientes podem ser combi-
maior de minerais e vitaminas – complementará as inter- nadas com características agronômicas de qualidade
venções em nutrição existentes e proporcionará uma superior e com características de alto rendimento.
maneira sustentável e de baixo custo para alcançar as O Centro Internacional de Agricultura Tropical
populações com limitado acesso aos sistemas formais (CIAT) e o Instituto Internacional de Pesquisa sobre Polí-
de mercado e de saúde. Uma vez que o investimento é ticas Alimentares (IFPRI) coordenam as atividades de fi-
feito no desenvolvimento de variedades nutricionalmen- tomelhoramento, nutrição humana, difusão, análise de
te melhoradas em instalações centralizadas de pesqui- políticas e avaliação de impacto, que serão realizadas
sa, as sementes obtidas poderão ser adaptadas às con- em centros internacionais de pesquisa e de extensão
dições de crescimento de inúmeros países. Variedades agrícola e em departamentos de ciência vegetal e nutri-
biofortificadas apresentam o potencial de fornecer bene- ção humana em universidades de países desenvolvidos
fícios contínuos, ano após ano, nos país em desenvolvi- e em desenvolvimento. Organizações não governamen-
mento, a um custo recorrente inferior ao da suplementa- tais (ONGs) de países desenvolvidos e em desenvolvi-
ção e da fortificação pós-colheita. mento, organizações de agricultores e parcerias do se-
A solução definitiva para a erradicação da desnutri- tor público-privado fortalecerão esta aliança e promove-
ção nos países em desenvolvimento é aumentar subs- rão o vínculo com os consumidores. Os trabalhos iniciais
tancialmente, por parte da população carente, o consu- de biofortificação se concentrarão em seis produtos
mo de carne vermelha, frango, peixe, frutas, legumes e agrícolas de primeira necessidade, para os quais estu-
hortaliças, o que pode demorar várias décadas e custar dos de pré-viabilidade de melhoramento já foram con-
bilhões de dólares. Entretanto, a biofortificação faz senti- cluídos: feijão, mandioca, milho, arroz, batata-doce e tri-
do como parte de um enfoque que considere um sistema go. O programa também estudará o potencial de me-
alimentar integrado para reduzir a desnutrição. A biofor- lhoramento do teor de nutrientes em outros 10 produtos,
tificação ataca a raiz do problema da desnutrição, tem que são componentes importantes das dietas das popu-
como alvo a população mais necessitada, utiliza meca- lações que sofrem de deficiência de micronutrientes: ba-
nismos de distribuição incorporados, é cientificamente nana, cevada, feijão caupi ou feijão de corda, amendoim,
viável e efetiva em termos de custos, além de comple- lentilha, milheto, feijão guandu , batata, sorgo e inhame.
mentar outras intervenções em andamento para o con- O HarvestPlus é uma iniciativa do Grupo Consultivo
trole da deficiência em micronutrientes. É, em suma, um sobre Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), envol-
primeiro passo essencial que possibilitará que famílias vendo não só diversos centros de pesquisa deste grupo
carentes melhorem, de uma maneira sustentável, sua como o Centro Internacional de Agricultura Tropical
nutrição e saúde. (CIAT), Centro Internacional de Melhoramento de Milho e
Trigo (CIMMYT), Centro Internacional de Batata (CIP),
Programa Desafio em Biofortificação HarvestPlus Centro Internacional de Pesquisa Agrícola em Zonas Ári-
O Programa Desafio em Biofortificação HarvestPlus das (ICARDA), Instituto Internacional de Pesquisa de
foi elaborado com o objetivo de melhorar a qualidade nu- Produtos Agrícolas para o Trópico Semi-Árido
tricional das principais culturas alimentares, adaptadas (ICRISAT), Instituto Internacional de Pesquisa sobre Polí-
a zonas marginais do mundo, idealizado para assegurar ticas Alimentares (IFPRI), Instituto Internacional de Agri-
que os avanços da ciência e tecnologia sejam aplicados cultura Tropical (IITA); Instituto Internacional de Pesqui-
para enriquecer a dieta alimentar das populações mais sa em Arroz (IRRI), além de diversas instituições parcei-
pobres do mundo, que praticam agricultura de subsis- ras colaboradoras como os Sistemas Nacionais de Pes-
tência e vivem nas zonas marginais dos trópicos. quisa Agrícola (SNPA) em países em desenvolvimento;
O enfoque da biofortificação tem como base princí- departamentos de nutrição humana em universidades
pios científicos sólidos. Pesquisas preliminares analisa- em países desenvolvidos e em desenvolvimento; ONGs;
ram a viabilidade do emprego do melhoramento de plan- Adelaide University; Freiburg University; Michigan State
tas, para aumentar o conteúdo de micronutrientes de University; US Plant, Soil, and Nutrition Laboratory, De-
produtos agrícolas de primeira necessidade; identifican- partamento de Agricultura dos Estados Unidos; Serviço
do as seguintes premissas: existe uma considerável e de Investigação Agrícola (USDA-ARS); Childrens’s Nutri-
útil variação genética em produtos agrícolas básicos; os tion Research Center, Baylor College of Medicine,
programas de melhoramento podem facilmente manejar USDA-ARS.
características de qualidade nutricional, uma vez que O Programa Desafio em Biofortificação Harvest-
estas, em alguns produtos agrícolas, são herdadas em Plus foi concebido para um período de 10 anos e conta
alta proporção e fáceis de serem selecionadas; caracte- com apoio financeiro da Fundação Bill e Melinda Ga-
rísticas desejáveis são suficientemente estáveis em uma tes, Agência Dinamarquesa para o Desenvolvimento

– 45 –
A Biofortificação como Ferramenta para Combate a Deficiências em Micronutrientes

Internacional (DANIDA), Agência Suíça para o Desen- • Iniciar produção e distribuição.


volvimento Internacional (SIDA), Agência Americana
para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e Banco De 8 a 10 anos:
Mundial. • Aumentar a escala de produção e de distribuição
das variedades melhoradas.
Os objetivos do HarvestPlus são: • Determinar a eficácia nutricional do programa e
De 1 a 4 anos: identificar fatores que afetam a adoção dos ali-
• Determinar objetivos de melhoramento que sejam mentos biofortificados, o impacto nos recursos
nutricionalmente ótimos. das famílias carentes e os efeitos na saúde dos in-
• Selecionar germoplasma do CGIAR quanto a níveis divíduos.
altos de ferro, zinco e beta-caroteno. Iniciar cruza-
mentos do germoplasma selecionado que possua O HarvestPlus no Brasil
adaptação e alto rendimento. No Brasil, o principal componente do HarvestPlus
• Fazer levantamento sobre práticas de cultivo e até a presente data, é o Projeto Biofortificação de Produ-
processamento de alimentos, determinando seu tos Agrícolas para Nutrição Humana. Este projeto tem
efeito no conteúdo e biodisponibilidade de micro- como objetivo a definição de populações segregantes
nutrientes. de mandioca, feijão e milho com potencial agronômico e
• Estudar a genética relacionada aos altos níveis de maior valor nutricional (teores mais elevados de ferro,
micronutrientes e identificar os marcadores dispo- zinco e pró-vitamina A), o que poderá melhorar a saúde
níveis para facilitar a transferência de característi- da população e promover o desenvolvimento sustentá-
cas através de melhoramento convencional e de vel, maior igualdade social e maior uso desses produtos
novas técnicas de melhoramento. no mercado internacional.
• Conduzir estudos in vitro e com animais para de- Até o momento fazem parte da rede de pesquisa
terminar a biodisponibilidade dos altos conteúdos deste projeto a Embrapa Agroindústria de Alimentos,
de micronutrientes em linhagens promissoras. Embrapa Arroz e Feijão, Embrapa Mandioca e Fruticultu-
• Iniciar estudos de bioeficácia em humanos para ra, Embrapa Milho e Sorgo, Embrapa Recursos Genéti-
determinar o efeito biológico dos produtos bioforti- cos e Biotecnologia, Embrapa Meio Norte e Unicamp,
ficados nos níveis de micronutrientes na nutrição. tendo sido proposto a inclusão da Embrapa Solos, para
• Iniciar estudos de identificação de tendências – e o fornecimento de dados referentes à composição de
fatores que as determinam – na qualidade da die- micronutrientes nos solos brasileiros.
ta de populações carentes. Os alimentos contemplados no programa Harvest-
• Conduzir análise de custo-benefício do melhora- Plus já são largamente produzidos e consumidos em
mento de plantas e de outras intervenções relacio- nosso país, o que significa que agricultores e consumi-
nadas à alimentação para controlar a deficiência dores não têm que mudar seus hábitos alimentares para
de micronutrientes. se beneficiar da biofortificação. Além do mais, o trabalho
de melhoramento para aumentar o conteúdo de minerais
De 5 a 7 anos: não deve necessariamente alterar a aparência, o sabor,
• Continuar os estudos de bioeficácia. a textura ou a qualidade culinária do alimento.
• Iniciar o trabalho de melhoramento com a partici- Nos casos em que um alto teor de micronutrientes
pação dos agricultores. puder ser combinando com um alto rendimento, a ado-
• Adaptar linhagens de alto rendimento, convencio- ção por agricultores e mercados dos produtos melhora-
nalmente melhoradas e com altos teores de micro- dos está praticamente garantida. Na verdade, pesqui-
nutrientes, para as regiões selecionadas. sas que demonstram que altos níveis de minerais em se-
• Disponibilizar aos agricultores novas variedades mentes também contribuem para a nutrição da própria
biofortificadas convencionalmente melhoradas. planta têm alimentado as expectativas quanto ao au-
• Identificar sistemas de genes com potencial para mento da produtividade de linhagens biofortificadas.
aumentar o valor nutricional além do conseguido Uma forma de se assegurar que os agricultores te-
com métodos de melhoramento convencional. nham interesse pelas novas variedades é permitir que
• Produzir linhagens transgênicas em nível experi- eles opinem sobre quais características devem ser me-
mental e selecioná-las quanto ao seu conteúdo de lhoradas nas plantas. Durante o processo de melhora-
micronutrientes. Testá-las quanto ao atendimento mento de plantas, os cientistas levam em consideração
às normas de biossegurança. as perspectivas e preferências dos agricultores, sendo
• Desenvolver e implementar estratégia de marke- mais efetivo em termos de custos, do que confinar o me-
ting para promover as variedades melhoradas. lhoramento às estações de pesquisa.

– 46 –
Marília Nutti

Um problema comum em muitos países em desen- sementes desempenharão um papel crucial na tarefa de
volvimento é a falta de um sistema de entrega e distribui- fazer chegar às mãos dos agricultores as variedades ri-
ção de produtos – sejam eles insumos para a saúde ou cas em micronutrientes.
produtos agrícolas – às populações mais carentes. O
HarvestPlus está superando esta limitação mediante o RESULTADOS JÁ ALCANÇADOS E
uso de tecnologias que têm como base a semente, pró- CONSIDERAÇÕES FINAIS
prias ao enfoque da biofortificação. Quando alimentos ri-
cos em micronutrientes são cultivados em propriedades No primeiro ano do projeto, foram selecionados e
familiares, o sistema de distribuição de micronutrientes é multiplicados cerca de 3.000 variedades de mandioca,
incorporado ao processo existente de produção e mer- feijão e milho, aproximadamente 1.000 de cada cultivo,
cado. Uma vez que os agricultores tenham adotado a que serão avaliados quanto aos teores de ferro, zinco, ca-
nova semente, pouca intervenção ou investimento é ne- rotenóides totais e beta-caroteno. As variedades promis-
cessário. Além do mais, sementes ricas em micronutrien- soras serão trabalhadas pelos melhoristas, em atividades
tes podem ser facilmente guardadas ou compartilhadas de melhoramento participativo, para o desenvolvimento
até mesmo pelas famílias mais pobres. de variedades biofortificadas. Espera-se ainda durante o
Os centros da EMBRAPA possuem experiência vali- ano de 2005 realizar os estudos de retenção de be-
osa na criação e promoção de sistemas locais de distri- ta-caroteno em mandioca e ferro e zinco em feijão, em va-
buição de sementes, graças ao trabalho que atualmente riedades convencionais, para estimativas das perdas
desenvolvem com os sistemas de produção de semen- destes nutrientes no processamento e na estocagem.
tes e à sua contribuição aos programas que prestam au- Este projeto prevê ainda interessante integração en-
xílio durante os desastres naturais. Esses sistemas, já es- tre os paises da América Latina e Caribe, África e Sudes-
tabelecidos, oferecem uma via natural para a dissemina- te Asiático, com a expectativa que o Brasil irá desenvol-
ção de sementes biofortificadas. Em particular, os comi- ver e transferir não só os cultivos biofortificados, mas
tês agrícolas locais e as pequenas empresas de também tecnologia pós-colheita para estes cultivos.

– 47 –
Evaluación de Riesgo Una Herramienta Para El Proceso de Gerenciamiento Socioambiental: Estudio de caso en La Región Norte de Mato Grosso

EVALUACIÓN DE RIESGO
UNA HERRAMIENTA PARA
EL PROCESO DE
GERENCIAMIENTO
SOCIOAMBIENTAL:
ESTUDIO DE CASO EN LA
REGIÓN NORTE DE MATO
GROSSO
1
Sandra Hacon, shacon@ensp.fiocruz.br
2
Renato Farias
3
Reinaldo Calixto de Campos
4
Julio C. Wasserman
1
Fundação Oswaldo Cruz, ENSP
2
Universidade Estadual de São Paulo - UNESP
3
Pontíficie Universidade Católica – PUC/RJ
4
Universidade Federal Fluminense– UFF

INTRODUCCIÓN región, tanto rural como urbana (Hacon 1996). De acu-


erdo con Farias et al (2001), la comercialización actual
El descubrimiento de oro en la región norte del estimada para el oro en la localidad de Alta Floresta se
Mato Grosso, en el Brasil, tuvo lugar en 1978, y fue se- ubica en unos 800 kg/año; gran parte de este oro provi-
guida de dos décadas de intensa actividad minera. La ene del vecino estado de Pará. A pesar de la acentuada
región norte del estado del Mato Grosso llegó a ser el caída de la actividad minera en la actualidad, los pes-
segundo centro de minería más importante de la cuen- cados piscívoros de la región continúan con elevadas
2
ca Amazónica; un área de 1.878 km fue explotada por concentraciones de mercurio, lo que refleja un proceso
la minería de oro en la década de 80 y hasta mediados de biomagnificación de gran escala en la región norte
de los años 90. Durante este período, la producción de del Mato Grosso. En 1994, se iniciaron algunos proyec-
oro en la región alcanzó un volumen de entre 200 y 300 tos de piscicultura en esta región, como una nueva
toneladas (Hacon et al. 2003). La minería de oro se con- perspectiva socioeconómica. Las áreas contaminadas
vertía en la mayor fuente de ingresos en la región, al por la acción minera, se transformaron en extensos pa-
mismo tiempo en que el mercurio – utilizado en el proce- sivos ambientales, donde los primeros proyectos de
so de amalgamado – se convertía en el principal factor piscicultura fueron implantados sin una previa evalua-
de riesgo para el medio ambiente y para la salud huma- ción de riesgo de contaminación con mercurio. Durante
na. Como consecuencia directa de este panorama el período de 1999 a 2001, la producción de pescado
hubo un cambio en el perfil socioeconómico y de las re- de piscicultura estimada para la región fue de 100 tone-
laciones entre salud y ambiente para la población de la ladas/año, menos del 30% de este volumen total se co-

– 48 –
Sandra Hacon

mercializa en la propia región, el resto es destinado a oro. Paranaíta y Matupá fueron importantes áreas de ex-
otros centros de comercialización del país (Hacon et al. plotación minera, teniendo como base la cuenca del río
2003). Las principales especies de pescado cultivadas Teles Pires, la que, por su parte, fue marcada por la
en las pisciculturas son: Tambaqui (Colossoma macro- contaminación extensiva e intensiva con mercurio en la
pomum); el híbrido de Tambacú (Colossoma macropo- década de 80, lo que transformó este sistema ambiental
mum) con Pacú (Piaractus mesopotamicus), todos el- en un camino potencial de exposición al metilmercurio,
los, no piscívoros El Pintado (Pseudoplastystoma corr- debido a los procesos bióticos que interactúan con el
ruscans) y el Jundiá (Leiarius marmoratus), ambos piscí- ciclo biogeoquímico del mercurio en la región (Hacon et
voros, ya comenzaron a ser cultivados en algunas al 1995).
pisciculturas de la región. Actualmente, Paranaíta tiene una población de
10.250, Matupá 11.300, Nova Monte Verde 6.500 e Nova
2 REGIÓN DE ESTUDIO Y METODOLOGÍA Bandeirante 9.535 de habitantes (IBGE 2000). Durante
el período de la “fiebre del oro”, al final de la década de
La región estudiada se ubica entre la latitud 7º 37’ a 70 hasta mediados de 90, el crecimiento demográfico en
11º 00` Sur y longitud 52º 31’ a 58º 13’ Oeste. Abarca 5 la región llegó a ser de 12% anual. La figura 2 ilustra la
municipios que fueron seleccionados considerando las relación entre la producción de oro y el contingente de-
áreas degradadas por la minería, la producción y co- mográfico durante el período de la “fiebre del oro” en la
mercialización de oro en la región, la localización de los región norte del Mato Grosso (Farias 2002). Para el pre-
proyectos de piscicultura y las especies de los pesca- sente estudio fueron seleccionadas dos áreas de refe-
dos cultivados y consumidos en la región. En la figura 1 rencia en la región: Nova Monte Verde y Nova Bandei-
se presenta la región estudiada. El área urbana de Alta rantes, como localidades para comparación de la conta-
Floresta, con una población de 46.982 habitantes (IBGE minación mercurial. Estas áreas nunca tuvieron activi-
2000) fue el principal centro de comercialización de dad minera.

South America

Venezuela
Paranaita Matupa
Colombia
Nova Bandeirantes
Amazonia Legal
Para
Peru Amazonas
Maranhao
Nova Monte Verde
Alta Floresta
Paranaíta
Tocantins
Rondonia
Mato
Grosso
Boliv ia
Mato Grosso
Rio
Tele

LEGEND
sP

Fish Farming
ires
Rio

Rivers
S.
To

Study Area

Apiacas no
Rio São Benedito tali
Cris
vo
Iriri
Rio Jurue

Rio
No

Paranaita
Rio

i
Irir

#
Guaranta
u

##
Rio

ng

##
# #
#
Novo do Norte
Xi

## ## ##
###
# ## ## ## ## #
na

Rio

#### # ## ## ###
Mundo#
o

# ## # # #
cas

Ri

#### ####
# # # ## ## ####
## ##
### #### ##
Par

# # #
Nova ## ###
### #####
#######
####
##
# ####
# #
Peixoto
Rio Apia

# ##
## ## # ##
####
#
ana

Bandeirantes #
# ####### ####
Matupa de Azevedo
## #
Alta Carlinda #
#
íta

##
Nova Floresta
#

Monte #
Nova # #

Verde Rio Peixoto de Azevedo


Canaa ###
do Norte
Pires
Rio Teles

N
100 0 100 200 Kilometers

Figura1 – Localización de la región Norte del Mato Grosso.

– 49 –
Evaluación de Riesgo Una Herramienta Para El Proceso de Gerenciamiento Socioambiental: Estudio de caso en La Región Norte de Mato Grosso

160 30

140
25

120

Producción de oro ( kg x 1000)


20
Población 1000 hab

100

80 15

60
10

40

5
20

0 0
1976 1978 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998
Año
Problación x 1.000 habitantes Producción de oro (kg. X mil)

Figura 2 – Relación entre la producción de oro y el contingente demográfico durante el período de la “fiebre del oro” en la región
norte del Mato Grosso (Farias 2002).

La investigación fue realizada permitiendo que los de minería y áreas degradadas por la actividad minera
representantes de las cooperativas y de las asociacio- en los municipios con el objetivo de caracterizar a las
nes de piscicultores, así como también el poder público pisciculturas de la región. Un total de 254 muestras de
y la Universidad local integrasen el estudio desde los pri- pescados en los principales ríos y pisciculturas de la re-
meros pasos. Aproximadamente 180 pisciculturas en 5 gión fueron recogidas y analizadas en el período com-
municipios fueron analizadas aunque solamente 36 fue- prendido entre septiembre de 2000 y abril de 2002. To-
ron seleccionadas de acuerdo con los criterios estable- dos los pescados fueron pesados y medidos. La identifi-
cidos: producción de pescado para consumo propio y/o cación de las especies fue realizada por investigadores
para comercialización regional y/o nacional; período de de la Universidad Estadual del Mato Grosso (UNEMAT).
desarrollo de las actividades, condiciones de cultivo. El análisis del mercurio total fue realizado por la Pontificia
Con el objetivo de caracterizar la reciente actividad de Universidad Católica de Río de Janeiro (PUC-Rio) utili-
piscicultura en la región norte del Mato Grosso, se reali- zando el método de Espectrofotometría de vapor frío
zaron entrevistas con los trabajadores directos e indirec- descrito por Campos & Curtis (1990). La calidad analíti-
tos de las pisciculturas analizadas a través de la aplica- ca fue determinada a través del control de los blancos
ción de cuestionarios con preguntas cualitativas y cuan- del análisis por duplicado, y comparada con el resultado
titativas. Este cuestionario incluía variables relacionadas anl de referencia. Un banco de datos con todas las infor-
con hábitos sociales e alimenticios dando énfasis al con- maciones recolectadas a través de las entrevistas fue
sumo y la origen de los pescados, la calidad del agua en construido y analizado. Todos los datos fueron georefe-
la represa, pisciculturas localizadas en antiguas áreas renciados, garantizando la localización espacial de los

– 50 –
Sandra Hacon

componentes del estudio. Todos los datos fueron anali- 2003). Sin embargo, la actividad informal de minería de
zados utilizando los programas estadísticos SPSS ver- oro y su asociación con el uso de grandes cantidades de
sión 8.0 y Epinfo versión 6.0. La estadística descriptiva mercurio metálico para amalgamarlo aún es una realidad
fue utilizada para analizar la magnitud del mercurio en en la región amazónica. La actividad minera de oro infor-
los pescados, así como también, las demás variables mal presenta actualmente una escala mucho más baja
que componen el modelo de exposición. Comparacio- que la observada hace veinte años. En la actualidad,
nes de medias utilizando ensayos paramétricos y no ésta representa solamente el 3-5% del oro producido en
paramétricos acompañaron los análisis. Los análisis de la Amazonia Legal, aún así, continua siendo la principal
los escenarios de exposición y las de incertidumbre fue- fuente antrópica de mercurio y aún son encontradas ele-
ron cuantificados utilizando el programa Cristal Ball ver- vadas concentraciones de metilmercurio en pescados
sión 2000. La evaluación de la exposición fue estimada a piscívoros en los ríos de la cuenca amazónica. Estos ni-
partir de la ingestión diaria de pescado por parte de la veles elevados de mercurio encontrados en los pesca-
población adulta de cada municipio a través de la ecua- dos de la cuenca amazónica representan un riesgo para
ción general para calcular la evolución de la exposición la sustentación de la actividad de piscicultura en algu-
crónica. nas áreas de la región norte del Mato Grosso. En este es-
tudio se midieron los niveles de mercurio en 19 especies
Ecuación general para la estimativa de los escenarios de pescados consumidos por las comunidades locales
de exposición: en las 5 áreas estudiadas. La tabla 2 muestra los resulta-
dos de los niveles de mercurio en pescados tanto de ríos
Ingestión de Hg diaria (mg/kg/d) = Concentración de Hg en el pescado como de pisciculturas consumidos en estas comunida-
(mg/kg) x tasa de ingreso de pescado consumido diariamente (kg/d) /
peso corporal del individuo expuesto (8,9) des.
La tabla 2 pone en evidencia que las áreas de Para-
RESULTADOS Y DISCUSIÓN naíta y Alta Floresta en la región norte del Mato Grosso
presentan las concentraciones de mercurio más eleva-
En la región norte del Mato Grosso, la actividad de la das en la ejemplares de la especie Brachyplatystoma
piscicultura surgió como una asociación entre la Prefec- spp (Piraíba) pescados en el río Apiacás, con una con-
tura de Alta Floresta y la Universidad Estadual del Mato centración media de 2.02 mg/kg (DP ± 1.04) y una varia-
Grosso. A partir de esta asociación fue estructurado, en ción media de 1.2 a 3.5 mg/kg y en ejemplares de la es-
1994, el Proyecto “Peixe” (pescado), con la intención de pecie Paulicea lutkeni (Jaú) pescados en el río Paranaí-
fortalecer la actividad económica en la región. El estudio ta, con un valor medio de 1.3 mg/kg (DP ± 0.4) y una vari-
realizado para caracterizar las pisciculturas reveló que la ación de 0.5 a 1.7 mg/kg. Ambos ríos fueron
mayoría del cultivo es de tipo extensivo, es decir, con un intensamente afectados por la actividad minera en las úl-
mínimo control de las condiciones de cultivo y de los pa- timas décadas. El análisis estadístico de estos datos
rámetros fisicoquímicos del agua, resultando en una puso en evidencia, a través del test de Kruskal-Wallis,
baja producción y en niveles alterados de contaminantes una diferencia significativa (p< 0.001) entre las especies
ambientales tal como se observa en la tabla 1. piscívoras y no piscívoras de ríos y pisciculturas. El nivel
En la actualidad, son varias las discusiones y las in- de mercurio encontrado en los pescados piscívoros de
certidumbres asociadas a las fuentes y a la naturaleza los ríos corresponde al doble del medido en el mismo
del mercurio en la Amazonia Legal (Wasserman et al tipo de pescados en las pisciculturas.

Tablea1 – Caracterización de las pisciculturas de la región norte del Mato Grosso.

Municípios Alta Floresta Matupá Nova Monte Nova


Paranaíta
Variáveis Verde Bandeirantes

Área total do Município IBGE 1998 (km2) 9310 7213 4898,2 9172 4857,3

N.º de pisciculturas levantadas 71 16 55 16 22

N.º de Pisciculturas selecionadas 15 3 4 4 10

Produção média de peixes (t/2001) 30 5 2 1,5 32

Área degradada pelo garimpo (km2) 19 50 0 0 60

Tempo de actividad del cultivo (año) 7 4,2 3,1 4 2,6

N.º de pisciculturas em área de garimpo 3 14 0 0 9

N.º de pisciculturas com controle na qualidade da água 5 7 1 0 5

– 51 –
Evaluación de Riesgo Una Herramienta Para El Proceso de Gerenciamiento Socioambiental: Estudio de caso en La Región Norte de Mato Grosso

Tabela 2 – Niveles de mercurio en pescados de la región norte del Mato Grosso.

Municipio Nivel trófico Media mg/kg ± SD Hg Variación Hg


(n) (w.w)
Alta Floresta P* (27) 0,541 0,658 0,020 - 2,700
NP** (56) 0,002 0,001 0,015 - 0,110
Paranaíta P (53) 0,674 0,627 0,086 - 3,500
NP (30) 0,003 0,002 0,010 - 0,100
Matupá P (13) 0,359 0,123 0,230 - 0,640
NP (5) 0,156 0,005 0,090 - 0,210
Nova Monte Verde P (7) 0,564 0,412 0,073 - 1,100
NP (24) 0,003 0,002 0,015 - 0,097
Nova Bandeirantes P (25) 0,457 0,346 0,140 - 1,800
NP (14) 0,005 0,003 0,15 - 0,110
* P= Piscívoros
** NP = No Piscívoros

Hay varias maneras de explicar las diferencias en en los pescados piscívoros y no piscívoros oriundos de
los niveles medidos en los pescados de la cuenca del los ríos y pisciculturas.
río Teles Pires y en las pisciculturas. Entre ellas, desta- La especie migratoria Tucunaré, también conocida
camos: el tamaño, el peso y la edad de los pescados como especie invasora, presentó un valor medio de 0.33
piscívoros, el nivel trófico, la disponibilidad de alimento, mg/kg (SD ± 0.16) de mercurio y una variación de 0.06 a
tiempo de exposición, la influencia de las característi- 0.66 mg/kg en pescados de piscicultura de Alta Floresta
cas del ecosistema acuático, etc. Las concentraciones y Paranaíta. Esta especie, dependiendo del alimento dis-
medias de mercurio en los pescados piscívoros (n = ponible, puede alcanzar los 5 kilogramos y puede con-
125 muestras) es de 0,6 mg/kg (DP ± 0,54) y en los no vertirse en una amenaza para las pisciculturas de la re-
piscívoros (n=129 muestras) es de 0,03 mg/kg (DP ± gión debido a su rápido crecimiento y a su capacidad de
0,03). Los niveles de mercurio medidos en los pesca- biomagnificación del mercurio. Muchos estudios mues-
dos piscívoros fueron estadísticamente significativos tran una correlación relevante entre los niveles de mer-
(p< 0.001). El municipio de Matupá fue el que presentó curio, el peso y el crecimiento en los pescados piscívo-
los niveles más altos de mercurio en los pescados culti- ros (Farias 2002, Wasserman et al 2003). Un análisis
vados en pisciculturas, el Tambacú y el Tambaqui, am-
bos no piscívoros, llegaron a valores superiores a 0,1
mg/kg. Estos resultados no eran esperados para estas
especies. En las pisciculturas de Matupá, estas especi-
es presentaron una leve tendencia a la bioacumulación
del mercurio. En las áreas de referencia Nova Monte
Verde y Nova Bandeirante (n=70) los niveles de mercu-
rio en los pescados no piscívoros (n=38) presentó una
media de 0,04 mg/kg (DP ± 0,02) y una variación de
0,01 a 0,11 mg/kg. En los piscívoros (n=32), la media
fue de 0,48 mg/kg ( DP ± 0,36) y una variación de 0,73
a 1,10 mg/kg. Estos resultados se mostraron estadísti-
camente significativos con relación a los niveles tróficos
(p= < 0,001). La figura 3 presenta los valores de la me-
diana 5%, 25%, 75% e 95% de los niveles de mercurio
en especies piscívoras y no piscívoras oriundas de ríos
y de pisciculturas consumidas por la población de las
áreas estudiadas. Los valores extremos fueron retira-
dos del cuadro para una mejor representación de la
magnitud actual de la exposición en la región. La figura
Figura 3 – Distribución de los niveles de mercurio en pescados de
resalta la diferencia en las concentraciones de mercurio ríos y de pisciculturas en la región norte del Mato Grosso.

– 52 –
Sandra Hacon

estadístico de correlación de Pearson, entre las varia- 0,09 mg/kg/d, lo que significa que los pescados de la re-
bles: nivel de mercurio, longitud estándar y peso de gión pueden ser consumidos sin que representen un ri-
ejemplares de la especie Tucunaré pescados en el río esgo para la comunidad. Las demás localidades presen-
Teles Pires o en las pisciculturas de la región evidencia- tan poca variación media entre los valores de dosis de
ron resultados significativos (p < 0.01) con los coefici- exposición. Matupá presentó la mayor dosis de exposi-
entes de correlación 0.95 y 0.51, respectivamente. A ción (0,5 mg/kg/d) y Paranaíta la mayor variabilidad de
pesar de que las especies no piscívoras de piscicultura dosis (0,03 – 3,9 mg/kg/d). Los principales factores que
hayan presentado niveles más altos de mercurio que explican esta variabilidad de las dosis son: las tasas de
los del río, estos resultados no fueron estadísticamente consumo; la preferencia de determinadas especies de
significativos. pescado por parte de la población rural y urbana; y el ni-
La tabla 3 presenta una comparación de los nive- vel de mercurio de los pescados consumidos en las dife-
les de mercurio en pescados de pisciculturas en la re- rentes comunidades evaluadas. Se constató que el 70%
gión norte de Mato Grosso consumido por las comuni- de la población rural de la región consume pescado
dades de estas áreas. Comparando los resultados se- como la principal fuente de proteínas de su dieta.
gún el lugar de origen del pescado, se observa que Estos resultados ponen en evidencia que el consu-
37% de los pescados de río están por encima del valor mo de pescado de la región continúa influenciando la di-
máximo para consumo humano recomendado por la eta local y, consecuentemente, representando un riesgo
OMS, mientras que solamente el 6% de los pescados potencial de contaminación mercurial para las comuni-
de piscicultura presentan valores superiores al reco- dades estudiadas. Con excepción de la localidad de
mendado. Estos resultados indican un riesgo potenci- Matupá, todas las demás áreas mostraron que los pes-
al en el consumo de pescado de río de la región, prin- cados no piscívoros Tambaqui y Tambacú pueden ser
cipalmente los provenientes de los ríos Teles Pires, consumidos sin representar riesgos a la salud humana.
Apiacás e Paranaíta. El gerenciamiento de la exposición al consumo de pes-
cados contaminados con niveles de mercurio superiores
Tabla 3 – Comparación del nivel de mercurio en los a 0,5 mg/kg debe ser una prioridad para el poder público
pescados de pisciculturas y ríos de la región norte del Mato de la región. Esta investigación contribuyó a legitimar la
Grosso. importancia del proceso de evaluación de riesgo como
herramienta de planificación y gerenciamiento sociambi-
Origem del <0,3mg/kg 0,3 - 0,5mg/kg >0,5mg/kg ental para el desarrollo de proyectos sustentables. Estos
pescado resultados permiten orientar a los órganos reguladores,
Pisciculturas 67,5% (NP) 12% (P) 6% (P) a las comunidades y a las ONGs con relación al gerenci-
n = 219 14,5% (P) amiento del riesgo que la contaminación mercurial repre-
senta para la región norte de Mato Grosso.
Ríos n = 106 27% (NP) 22,5% (P) 37% (P)
13% (P)
CONCLUSIONES
P= Piscívoros NP= No Piscívoros
Los resultados del presente estudio muestran que el
La tabla 4 presenta la variación de las dosis de ex- pasivo ambiental de la contaminación mercurial en la re-
posición en las cinco localidades estudiadas. La loca- gión norte del Mato Grosso está presente en varios luga-
lidad de Nova Bandeirante presentó la menor dosis res, incluyendo ríos, áreas con y sin historia de minería lo

Tabla 4 – Dosis potencial (mg/kg/d) de exposición al mercurio en la región norte de Mato Grosso.

Localidades Dosis media ± d.p Variación de la dosis Limite de confianza


(min – max) (95%)

Paranaíta 0,36 0,31 0,03 – 3,9 1,2

Matupá 0,5 0,24 0,13 – 1,3 0,9

Alta Floresta 0,4 0,07 0,19 – 0,7 0,5

Nova Bandeirante 0,09 0,11 0,01 – 0,9 0,3

Nova Monte Verde 0,4 0,28 0,09 – 1,8 1,0

– 53 –
Evaluación de Riesgo Una Herramienta Para El Proceso de Gerenciamiento Socioambiental: Estudio de caso en La Región Norte de Mato Grosso

que evidencia un extenso transporte de mercurio en la 1996. 182 p. Tese (Doutorado em Geoquímica
región. El consumo de grandes cantidades de pescado Ambiental)- Universidade Federal Fluminense, Nite-
piscívoro, es decir, 700 gramos de pescado por sema- rói, 1996.
na puede representar un riesgo para las comunidades HACON, S. S.; FARIAS, R. A.; CAMPOS R. C.;
expuestas. Entre los pescados de mayor riesgo para el ARGENTO, R.C.; ROSSI, A. P.; VALENTE, J.;
consumo humano – debido a su bajo precio y, por lo WASSERMAN, J. The new human exposure scenari-
tanto, su mayor accesibilidad para las comunidades os to mercury in the North region of Mato Grosso -
más pobres – aparece el Jaú, muy consumido por este Amazon Basin. Environmental Science, [S.l.], v. 10,
sector de la población. La dosis diaria de mercurio para n. 2, p. 121-134, 2003.
la población adulta no debe exceder los 0,3 µg/kg/d. IBGE. Censo 2000: resultado do universo. Disponivel
Esta dosis se encuentra en un límite de exposición em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em 03 ago.
aceptable. 2006.
SECRETARIA MUNICIPAL DE AGRICULTURA DE ALTA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FLORESTA. Relatório de Finanças. Alta Floresta,
2000-2001.
FARIAS, R.A.; HACON, S.; CAIRES, S.M.; ROSSI, A.P.; U.S. ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. Mer-
CAMPOS, R.; ARGENTO, R.; CASTRO, S.E. Evalu- cury study report to Congress: health effects of mer-
ation of Contamination by Mercury in Fish Farming cury and mercury compounds. Cincinnati: National
in Garimpo Mining Area in the Northern Region of Center for Environmental Assessment; Office of Re-
Mato Grosso, Brazil. In: INTERNATIONAL search and Development., 1996. (EPA) 452/ R-96-
CONFERENCE ON MERCURY AS A GLOBAL U.S. ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY. Expo-
POLLUTANT, 6., 2001, Minamata, Japan. Book of sure Assessment In: ______ . Risk Assessment Gui-
abstracts. [S.l.: s.n.], 2001. p. 214. dance for Superfund: 600/8/89/043. 157. [S.l.], 1989.
FARIAS.R. A. Piscicultura na região norte Matogrossen- WASSERMAN.J.C.; HACON.S.; WASSERMAN.M. A. Bio-
se: criação de peixes em cavas de antigos garimpos, geochemistry of Mercury in the Amazon Environ-
com ênfase na avaliação os níveis de mercúrio. ment. Ambio, Estocolmo, v. 32, n. 5, ago. 2003. ISSN
2002. 224 p. Dissertação (Mestrado)-Instituto de Sa- 0044-747.
úde Coleta, Cuiabá, 2002. WORDL HEALTH ORGANIZATION (WHO). Environmen-
HACON, S. S. Avaliação do Risco Potencial para a Saú- tal Health Criteria for Methylmercury. International
de Humana da exposição ao mercúrio na área urba- Programme on Chemical Safety. Geneva, 1990, p.
na de Alta Floresta. MT - Bacia Amazônica – Brasil. 144.

– 54 –
Carlos Siqueira Bandeira de Mello

RISCOS À SAÚDE DE
SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS
Carlos Siqueira Bandeira de Mello, carlosbandeira@petrobras.com.br
Dennis James Miller, miller@petrobras.com.br
COPPE/GEOQ/CENPES/PETROBRAS,

INTRODUÇÃO tratados, cúpulas e pactos, resultaram em tomadas de


posições em fóruns que incluíram a Unesco e outros ór-
O século passado foi palco de grandes mudanças gãos internacionais. Dentre os assuntos considerados
para a humanidade, como os grandes conflitos interna- vitais destacaram-se: o meio ambiente, os limites de
cionais ocorridos no período de 1914 a 1918 e 1939 a crescimento, o perigo de extinção de espécies selva-
1945, seguido do pungente crescimento da indústria e gens, a destruição da camada de ozônio, o desenvolvi-
populacional que, por um lado trouxe grandes esperan- mento sustentável, as mudanças climáticas, a conven-
ças e melhoria de vida e por outro acarretou grandes de- ção sobre armas químicas, o combate à desertificação,
gradações ambientais. Os primeiros livros a abordar tais a proibição dos testes nucleares, a implementação da
fatos de forma preocupante, surgiram na segunda meta- Agenda 21 entre outros (UNEP, 2002).
de do século XX, a exemplo do Silent Spring de Carson Neste período de quebra de paradigmas e de gran-
(1962) suscitando necessidades de ações que contro- de impacto ambiental, causado pelas atividades indus-
lassem os efeitos das degradações ambientais mostran- triais, acreditava-se que os agentes contaminantes ti-
do a estreita ligação entre o binômio causa-efeito, saúde nham origem essencialmente antrópica.
e ambiente. Digno de nota também é o clássico livro de- Entretanto, com a evolução dos estudos, verifi-
nominado The Tragedy of the Commons em que o escri- cou-se que também substancias de origem natural tais
tor Hardin (1968) alertava sobre os perigos e as conse- como asbestos, radônio, mercúrio, arsênio e sílica crista-
qüências de uma futura guerra nuclear para o meio am- lina, eram danosas ao ser humano quando usadas sem
biente e a humanidade. critérios de segurança (Geotimes Staff, 2001). Adicional-
Apesar deste início de despertamento para as ques- mente, as estatísticas populacionais indicavam haver al-
tões ambientais, o mundo assistiu perplexo a acidentes tas correlações entre áreas endêmicas e condiciona-
monumentais tais como o que ocorreu em Minamata, Ja- mentos geológicos específicos tais como zonas mineiras
pão (Allchin, 2002), relacionado aos efeitos deletérios do e determinadas tipologias litoestruturais. Os resultados
mercúrio, bem como o vazamento químico de metil isoci- indicavam, por exemplo, incidências de câncer de pele
anato e outros gases letais que ceifaram a vida de milha- relacionado tanto ao arsênio das zonas carboníferas da
res de pessoas em Bhopal na Índia (Greenpace, 2002). China, bem como de zonas piritosas de Bangladesh (Fa-
Adicionalmente, importantes acidentes ambientais zal & Kuwushi, 2001). No Brasil ocorre incidência de fluo-
aconteceram ainda em diversas regiões do mundo, rose em zonas influenciadas por abastecimentos de
como a liberação de dioxina em Saveso na Itália, o de- águas subterrâneas ricas em flúor no estado do Paraná
sastre nuclear de Chernobyl na União Soviética, o derra- (Licht, 2001). No final do século XX, muitas nações, prin-
me de 50 milhões de litros de petróleo no Alasca pelo na- cipalmente as mais desenvolvidas, tais como a Inglater-
vio Exxon Valdez , o incêndio de poços petrolíferos pro- ra, Finlândia e a França iniciaram o mapeando de seus
positalmente provocados durante a guerra do Golfo. Tra- territórios no intuito de conhecer o real potencial dos ele-
gédias deste tipo deixavam claro a toda a humanidade mentos naturais como subsídio na avaliação dos efeitos
que ações urgentes deveriam ser tomadas em relação em organismos vivos.
ao meio ambiente. Foi assim que, a partir da década de O levantamento das substâncias e elementos que afe-
70, uma série de eventos tais como: relatórios, protoco- tam a pública e os processos responsáveis pelos seus
los, convenções, resoluções, conferências, conselhos, comportamentos e distribuições, incluindo o gerenciamen-

– 55 –
Riscos à Saúde de Substâncias Orgânicas

to ambiental, é atualmente atribuição da Geologia Médica, cos, químicos e biológicos (Figura 1). A geosfera é a
nascida no século passado e em pleno desenvolvimento fonte original de toda a matéria existente no planeta, à
no século XXI. A ação da Geologia Médica se dá principal- exceção da massa oriunda do espaço, seja na forma de
mente através do conhecimento das fontes de riscos natu- meteoros ou de poeira cósmica. A partir da geosfera
rais para a saúde e o bem-estar humano, colaborando as- ocorrem trocas com os domínios da hidrosfera, biosfera
sim para que se possam prevenir doenças acarretadas por e atmosfera, bem como as relações entre elas. Interli-
excessos ou carências de determinadas substâncias e gando a geosfera e a atmosfera. A contribuição dos
elementos presentes no meio geológico (Moeller, 1997, compostos orgânicos advém principalmente das ema-
Cunha et al.,1997). Em síntese, pode-se dizer que a Geolo- nações de aerossóis, gases vulcânicos que incluem
gia Médica ocupa-se com a compreensão do interrelacio- aqueles oriundos de vulcões propriamente ditos e vul-
namento de processos geológicos, físicos e biológicos do cões de lamas, além dos hidrocarbonetos gasosos e
sistema Terra, incluindo suas interações geológi- vapores oriundos de bacias sedimentares através de
cas-fisicas e biológicas (Sigh, 2000). seeps naturais, e de tempestades de poeiras interconti-
nentais. Da geosfera para a hidrosfera existem os pro-
O ENFOQUE DAS SUBSTÂNCIAS ORGÂNICAS NA dutos orgânicos oriundos do intemperismo químico de
GEOLOGIA MÉDICA substâncias minerais tais como fenóis de carvões e os
hidrocarbonetos sólidos, líquidos e ainda gasosos.
Embora o enfoque atual da Geologia Médica con- O relacionamento entre a hidrosfera e a biosfera
temple os elementos e substâncias inorgânicas em fun- ocorre a partir do consumo e da excreção de produtos
ção de efeitos danosos provocados nos seres vivos, a orgânicos por animais e vegetais que vivem em meio
exemplo do mercúrio, arsênio, chumbo, flúor, selênio, aquoso. Esses produtos incluem as comunidades quimi-
zinco, alumínio, cádmio, asbestos, sílica e outros (Olivei- ossintéticas encontradas em seeps nas zonas batiais ri-
ra et al., 2002, Pinese et al., 2002), as substâncias orgâ- cas em hidrocarbonetos gasosos, advindos de bacias
nicas naturais têm sido apontadas como responsáveis produtoras de petróleo da geosfera (Mbari, 2005, Duna-
por muitos males que assolam os seres vivos (ATSDR, way, 2005).
2001, WHO, 2000). Muitas dessas substâncias, tais A biosfera e a atmosfera relacionam-se através da
como benzeno, benzo[a]pireno, hidrocarbonetos policí- queima da biomassa, dos aerossóis biogênicos, com hi-
clicos aromáticos em geral (PCA’s) incluindo o ben- drocarbonetos biogênicos. A hidrosfera e a atmosfera in-
zo(b)fluoranteno, juntamente com alguns dos inorgâni- terligam-se através de aerossóis marinhos, chuvas e tam-
cos acima mencionados, fazem parte da lista das vinte bém através de hidrocarbonetos gasosos e vapores que
substâncias mais tóxicas segundo a Agency for Toxic se desprendem de zonas enriquecidas em hidrocarbone-
Substances and Disease Registry – ATSDR. As contami- tos. Na realidade a atmosfera é o caminho de muitos nutri-
nações orgânicas naturais como de águas ricas em entes como nitratos, amônia, compostos orgânicos de ni-
BTEX (benzeno, tolueno, etil-benzeno e xilenos) encon- trogênio e de outros elementos bioativos (Solas, 2004).
tradas em lençóis freáticos em campos de petróleo, ex-
sudações de óleos e gases existentes em abundância EFEITOS DOS PRODUTOS ORGÂNICOS E SUAS
na região do Golfo do México entre outros, águas ricas ORIGENS
em fenóis encontradas em minas de carvão, hidrocarbo-
netos expelidos por vulcões de lama, contaminações or- A lista dos produtos orgânicos antrópicos prejudici-
gânicas carreadas por tempestades de areia interconti- ais aos seres vivos é imensa e a cada dia são fabricados
nentais, são exemplos significativos para estudo no novos produtos. No entanto, neste trabalho enfocou-se
campo da Geologia Médica (Bandeira et al., 2004, Ban- apenas as principais substâncias orgânicas relaciona-
deira & Françolin, 2003). Por fim, convém lembrar que das às fontes geológicas. A ação destas substâncias
muitas substâncias orgânicas são responsáveis por pro- pode ocorrer de forma paulatina como os hidratos de
cessos de asfixia, toxicidade, ataques ao sistema respi- gás, aerossóis, e seeps de hidrocarbonetos, ou então de
ratório, câncer e até morte. maneira catastrófica e muitas vezes letal, como no caso
das tempestades de areia, vulcões e vulcões de lama. A
ENTENDENDO O INTER-RELACIONAMENTO ENTRE tabela 1 mostra os principais efeitos causados nos seres
AS DIFERENTES ESFERAS NO PLANETA TERRA vivos e respectivos produtos orgânicos naturais.

O planeta Terra pode ser dividido em quatro princi- Aerossóis


pais esferas de domínio, a saber: geosfera, hidrosfera, Os aerossóis globais são compostos por múltiplos
atmosfera e biosfera (Larocque & Rasmussen, 1998). componentes tais como poeiras devidas a ventanias
Esses domínios se interligam através de processos físi- (elementos crustais); fumaças de biomassas (orgâni-

– 56 –
Carlos Siqueira Bandeira de Mello

Figura 1 - Interrelacionamento entre as diversas esferas de domínio no planeta Terra

Tabela 1 - Efeitos causados por substâncias orgânicas e respectivas fontes naturais.

Produto Efeitos Fontes naturais Referência

BENZENO Tontura, sonolência, perda de Sistemas petrolíferos em ASTDR (2001)


consciência. Longas geral. http://www.atsdr.cdc.gov/tfacts3.html
exposições provocam efeitos (Bacia de Uinta – USA).
na medula óssea e anemia e
leucemia. Morte.
BTEX (benzeno, Efeitos sobre fígado, rins,
tolueno, coração e pulmão. Toxicidade
etil-benzeno, aguda para a vida aquática.
xilenos) Irritação da pele e depressão
do sistema nervoso.
DIÓXIDO DE Asfixiante. Vulcões e vulcões de ASTDR (2001)
CARBONO Efeito estufa. lama. http://www.atsdr.cdc.gov/tfacts67.html
FENÓIS Danos ao fígado, diarréia, Minas de carvão
anemia hemolítica.
METANO (C1) Asfixiante. Efeito estufa. Combustível fóssil em NIOSH – National Institute for Occupational
Tem a capacidade de geral (petróleo, gás e Safety and Health
acumular 21 vezes mais calor carvão). Seeps, vulcões, Http://www.skcinc.com/nioshdbs/
por molécula que o CO2. vulcões de lama. rtecs/pa16bc50.htm#W-
NAFTALENOS Destruição ou danos a células Combustível fóssil ASTDR (2001)
vermelhas do sangue. (petróleo, gás e carvão). http://www.atsdr.cdc.gov/tfacts115.html
POLICÍCLICOS Alguns são carcinogênicos ao Vulcões, partículas de ASTDR (2001)
AROMÁTICOS serem inalados. poeiras, sistemas http://www.atsdr.cdc.gov/tfacts69.html
(PAHS) petrolíferos,
tempestades de areia

– 57 –
Riscos à Saúde de Substâncias Orgânicas

cos); sais marinhos (NaCl); biogênicos (sulfatos e orgâ- ra e contaminantes de um continente a outro. Em 2001
nicos); vulcânicos (ácido sulfúrico e gases diversos) e ocorreu outra tempestade semelhante àquela de 1988.
neblinas urbanas industriais (Husar et al., 2001). Cada O rastreamento da nuvem de poeira permitiu observar
componente de aerossol tem fontes e propriedades es- que a tempestade, embora tenha passado pela China e
pecíficas, ocorrendo sobre uma região particular e num Mongólia, na realidade era originária da Sibéria. Através
estrato preferencial. Alguns aerossóis ocorrem de forma de satélites observou-se que nos dias 6 a 9 de abril fo-
natural a partir de tempestades de areia, vulcões, quei- ram carregadas milhões de toneladas de poeira do de-
madas e sprays oceânicos (NASA, 2001). serto de Takla Makan da China e de Gobi na Mongólia.
No dia 7 de abril de 2001 as ruas de Baicheng na provín-
Tempestades de Areia cia de Jilin a norte da China, foram tomadas por uma
A maior parte dos sedimentos carreados por tem- densa nuvem de poeiras (NASA, 2001).
pestades de “areia” estão, na realidade, sob a granulo- Em 2004, cientistas de universidades chinesas e de
metria de silte. Afetam cultivos, povos, vilas, climas e po- Hong Kong estudaram dezoito amostras de três episódios
dem ter caráter intercontinental. Em 1971 o planeta Mar- de tempestades de areia na localidade de Qingdao -
te foi inteiramente coberto por uma tempestade de areia. China ocorridas em 2002. As análises químicas revela-
Esse fenômeno se repetiu em 2001 tendo sido observa- ram que, além de elementos originários da crosta terres-
do e fotografado através do telescópio Hubble (NASA, tre, foram detectados também compostos orgânicos tais
2001). Observou-se que as temperaturas atmosféricas como fenantreno, fluoranteno, pireno, benzo[a]pireno,
são afetadas durante tais tempestades tanto através da benzo[a]fluoranteno, perileno, antraceno e coroneno.
absorção como pela reflexão da radiação solar pelas Através do índice de preferência de carbono (CPI) e ou-
partículas. A influência sobre o clima se dá através dos tras análises, Guo et al., (2004), concluíram tratar-se de
produtos primários marinhos com conseqüências sobre resíduos de petróleo oriundos de contribuições antrópi-
as atividades de convecção das nuvens geradas. Quan- cas que incluíam policíclicos aromáticos, ácidos graxos,
do uma tempestade de areia é originada em uma região bem como hidrocarbonetos advindos de veículos. De-
de lagos secos gera um ambiente de alta salinidade. As tectaram também produtos orgânicos relacionados a
partículas resultantes são prejudiciais aos pulmões. A plantas cerosas provavelmente originados da abrasão
alta incidência de doenças respiratórias na área recente- do particulado presente na tempestade em contato com
mente exposta do mar de Aral pode estar ligada a tem- a folhagem dos vegetais.
pestades de areia deste tipo. No Oriente Médio as tempestades de areia do de-
Para Meskhidze (2005) as tempestades de areia serto ocorrem com maior freqüência entre os meses de
nem sempre são fonte de poluentes podendo também abril e maio. Em 26 de abril de 2005 a base aérea de Al
contribuir para a formação de nutrientes em zonas oceâ- Asad, no Iraque, foi atingida por uma forte tempestade
nicas. O processo ocorre quando uma tempestade de de areia. A frente da nuvem de poeira avançou a uma
areia, contendo poeiras ricas em óxidos de ferro, passa velocidade estimada de 60 milhas por hora. Em maio de
sobre uma área industrializada. Em circunstâncias espe- 2005, as nuvens de poeira provenientes do Saara atin-
ciais pode ocorrer a captura de dióxido de enxofre e giram as Ilhas Canárias e áreas mais distantes situadas
diversos tipos de ácidos. A prosseguir por sobre uma na Europa e na Região Amazônica. Nesta última esti-
área oceânica, o ferro pode sofrer redução a partir de mou-se que, anualmente, o total de poeira oriunda do
reações químicas e ser transformado em ferro solúvel e Saara situava-se entre 20 e 50 kg por hectare (Artaxo
auxiliar na formação de micronutrientes para o fito- et al., 2004).
plancton marinho. Além das possíveis conseqüências para olhos e pul-
Atualmente, se estudam os possíveis tipos de rea- mões acarretadas pelo particulado, as tempestades de
ções que ocorrem na trajetória de tempestades de areia areia propiciam meios para disseminação de microorga-
que, em muitos casos, podem ultrapassar a milhares de nismos. Na África Subsaariana, observou-se que as bac-
quilômetros. Em abril de 1988, uma tempestade de areia térias da meningite meningocócica (inflamação da medu-
retirou sedimentos finos do deserto de Gobi na Mongólia la espinhal ou no cérebro) desenvolvem-se mais em cer-
e da área industrial poluída da China e, após ter atraves- tas épocas do ano em que ocorrem tempestades de areia
sado o oceano Pacífico, cobriu 25% da América do Norte que são coincidentes com a estação de pouca chuva e
- Canadá e Estados Unidos (Guo et al., 2004). O fenôme- baixa umidade (FAPESP, 2005). Em face desta realidade,
no ocorreu de novo em 2001 quando os satélites da médicos vêm pesquisando, através de satélites da Agên-
NASA detectaram uma nuvem de poeira maior que 2.000 cia Espacial Européia (ESA), as grandes nuvens de poei-
km saindo da China, cobrindo o Japão e Coréia do Nor- ra que saindo do deserto do Saara atingem vários países
te, atravessando o oceano Pacífico e atingindo a Améri- africanos. Este monitoramento semanal, busca descobrir
ca do Norte, desde o Alasca até a Flórida, levando poei- eventuais relações entre o pó e as epidemias.

– 58 –
Carlos Siqueira Bandeira de Mello

Até pouco tempo atrás se supunha que os raios ul- Em junho de 1991 o vulcão Pinatubo, situado nas Filipi-
travioleta seriam letais aos microorganismos encontra- nas, ejetou 42 milhões de toneladas de gás carbônico,
dos nas tempestades de areia. Entretanto, as observa- grandes quantidades de rochas, água, sulfatos, bem
ções têm mostrado que tal hipótese não corresponde à como volumes menores, porém significativos, de clore-
realidade. Na Inglaterra foi observado haver uma estreita tos e metais pesados como zinco, cobre, cromo, chum-
ligação entre as tempestades de areia e a doença viral bo, níquel, cádmio e mercúrio (Terrence et al., 1996). Os
foot-and-mouth (pés e boca) que ocorre entre animais aerossóis oriundos desta explosão afetaram o clima glo-
de criação, que algumas vezes foi confundida com a do- bal por três anos (Gerlach, 1996; Selinus, 2004).
ença da vaca louca (Mckie, 2001). Descobriu-se tam- A explosão de um vulcão pode elevar grandes
bém que a doença encontrada nos corais do mar das quantidades de fragmentos, poeiras e gases a grandes
Caraíbas é acarretada por fungos comumente encontra- altitudes. Em 1º de outubro de 1994 os satélites da NASA
dos em solos, a saber: o Aspergillus sydo-wii. Como este detectaram a erupção do vulcão Klyuchevskaya, situado
fungo não se multiplica nas águas do mar, a origem de- a 4.750 metros acima do nível do mar, na Rússia. A plu-
pende de uma fonte fresca em espalhamento contínuo ma de contaminação elevou-se a uma altitude entre 10 e
de solos que ocorre através de tempestades de areia 14 km (NASA, 2005). A erupção do vulcão Tambora, em
como a que vem ocorrendo na região (Pohl, 2003 e Gou- 1815 na ilha de Sumbawa na Indonésia, ejetou para a at-
3
die et al., 2004). mosfera, aproximadamente, 100 km de rochas. A tem-
Nas regiões áridas dos Estados Unidos no Valley peratura média da parte central da Inglaterra decresceu
Fever e também no México ocorre uma doença causada cerca de 4.5° F. No vulcão Etna situado na Itália, a princi-
pelo cocciodioidomicose, um fungo que compromete, pal emissão é de gás carbônico, mas estão presentes
freqüentemente com infecção, o sistema respiratório de também grandes emissões de metano (Veschetti et al,
pessoas, gado, cães, cavalos, lhamas e, em alguns ca- 1999 e Pecoraino & Giammanco, 1998). Há vulcões que
sos, gatos (Finkelman, 2001, Deaner & Einswtein, 1999). emitem gás sulfídrico e provocam graves efeitos na saú-
A doença apresenta uma forma granulomatosa no apa- de humana. Adicionalmente há relatos sobre os perigos
relho respiratório e secundariamente é disseminativa no para a saúde causados por poluição vulcânica no Havaí
organismo em geral, atingindo preferencialmente pele, onde existe uma relação entre as taxas de mortalidade e
ossos, articulações e as meninges (Costa, 2003). A fase as distâncias das erupções e dos gases (Grattan et al.,
vegetativa de vida dos fungos apresenta dois tipos de 2002, 2003).
micélios que ao atingirem os pulmões transformam-se
em esferas espongiais ou coccidiais (Kuhl, et al., 1995). Vulcões de Lama
Muitos endósporos são desenvolvidos, e as esferas são Os vulcões de lama são originados em zonas de pe-
capazes de produzir novas esférulas que constituem a tróleo e gás. Formam estruturas de dezenas de metros
fase saprofítica da doença. A disseminação e os casos de altura e de diâmetro, com expulsão de material sólido
mais graves da doença costumam ocorrer por ocasião e gasoso, ocasionando a deposição de brechas e provo-
de terremotos, quando os solos removidos sob a forma cando a ignição de gases. Em cada erupção são lança-
de poeira são levados pelo vento, atingindo grandes dis- das centenas de toneladas de lama e milhões de metros
tâncias, a exemplo do que aconteceu em Northridge no cúbicos de gases que, geralmente, são lançados ao ar
ano de 1994. Em algumas situações a doença pode ser sob a forma de imensos cogumelos em chamas (Tabela
mortal (Williams et al., 1979). Na América do Sul esta do- 2). Tais explosões vêm sendo registradas desde 1882. A
ença foi detectada na Venezuela, Colômbia, Bolívia e última grande explosão ocorreu em 2001. Após o evento
norte da Argentina. Este tipo de fungo foi também encon- explosivo, o vulcão entra em um estágio de dormência
trado na região de Oeiras no Piauí em solos escavados relativa que pode durar dezenas de anos. Durante esse
por tatus (Costa, 2003 e Kuhl, et al., 1995). estágio continua extravasando lama, gases e petróleo
Assim, as tempestades de areia têm a capacidade em estruturas chamadas de grifons que se localizam
de transportar tanto as contaminações orgânicas versus dentro e /ou próximas da cratera principal. Em alguns
inorgânicas naturalmente encontradas na natureza, bem vulcões ocorrem também estruturas circulares que ex-
como as de origem antrópica. A rota destas tempesta- pelem água salgada e gás, sendo denominadas de sal-
des tem sido alvo de estudos preocupantes por parte de sas. No mundo existem mais de 700 vulcões de lama dis-
órgãos governamentais de diversas nações. tribuídos em 25 países, sendo a maioria no Azerbaijão
(país do fogo na linguagem Azeri) e adjacências que in-
Vulcões clui a região do Mar Cáspio (Françolin, 2002). A queima
Os vulcões em geral ocorrem sob a forma explosiva. dos hidrocarbonetos pode durar vários dias e envolver
O vulcanismo espalha na superfície da Terra produtos volumes colossais de gases, gerando chamas que atin-
químicos e substâncias oriundas do interior do planeta. gem centenas de metros de altura. Em 1947, cerca de

– 59 –
Riscos à Saúde de Substâncias Orgânicas

500 milhões de metros cúbicos de gás foram lançados pende da composição do gás e da pressão em que se
na atmosfera durante a erupção do vulcão de lama Tou- encontra. O metano, por exemplo, em presença de água
rogay. Neste período de quietude o total de gás emitido a 600 psia forma hidratos a 5° C. Nesta mesma pressão,
pelos vulcões de lama Charagan e Dashgil correspon- se a composição possuir 1% de propano, consegue for-
3 3
deu, respectivamente, a 44 mil m /ano e 165,000 m /ano mar hidrato de gás a 10°C. Outros fatores como a salini-
(Akper, 2003). Os maiores acidentes ocorridos com pes- dade também podem influenciar os hidratos (Edmonds
soas e animais devem-se tanto à chama incolor do meta- et al., 1996). De acordo com Kvenvolden (1993), a quan-
no como à combustão espontânea que acontece de ma- tidade de gás contido em um metro cúbico de hidrato, ao
neira repentina. ser dissociado na atmosfera, em condições normais de
3
O mar Cáspio, nas cercanias de Baku, capital do temperatura e pressão, pode formar 164 m de gás natu-
3
Azerbaijão, costuma ter uma película de hidrocarbo- ral, além de 0,8 m de água.
netos na superfície e deve-se tanto aos vulcões de O metano é um dos seis gases listados no protocolo
lama como de tubulações utilizadas para exploração de Kyoto como causadores do efeito estufa. A ação de
de óleo e gás na região, hoje abandonadas (Françolin, um gás para formação do efeito estufa depende de sua
2002). natureza e do respectivo tempo de vida na atmosfera.
Assim, o potencial de aquecimento global para 20 anos
Hidratos de Gás (GWP20) do metano é 62 vezes mais potente que o CO2.
São também conhecidos como clatratos (do latim – Já no potencial de aquecimento global para 100 anos
gaiola) assemelham-se a neve compactada ou gelo e (GWP100) é de apenas 23 vezes (UKERC, 2004). Na rea-
são, na realidade, uma estrutura cristalina composta por lidade o metano tem a capacidade de acumular 21 ve-
46 moléculas de água e 8 moléculas de gás, com predo- zes mais calor por molécula que o CO2, embora propor-
mínio de metano (REDQ, 2002), ou outros gases de bai- cionalmente ocorra em quantidades menores que o gás
xo peso molecular como o etano, propano e também dió- carbônico. Na Inglaterra, no ano de 2002, o metano per-
xido de carbono (Sloan, 1998 e Clennell, 2000). O meta- centualmente bem menor que o gás carbônico foi res-
no pode originar-se tanto termogenicamente como bio- ponsável por 7% do efeito estufa, contra 84 % do CO2
genicamente. No caso biogênico, procede (UKERC, 2004).
principalmente dos estágios iniciais da diagênese da A quantidade de energia proveniente do metano
matéria orgânica, e pode fazer parte dos hidratos encon- existente nos hidratos em todo o mundo, longe de ser
trados em sedimentos da plataforma continental. Há ga- desprezível, equivale ao dobro do total dos combustíveis
ses biogênicos que procedem também da degradação fósseis encontradas até hoje (Clennell, 2000). Somente
bacteriana, oriundos de reservatórios de petróleo. No nos Estados Unidos o United States Geologic Survey -
3
caso termogênico, o metano relaciona-se a campos de USGS estimou existir 600 trilhões de m de metano que
gás situados em bacias sedimentares. Geologicamente daria para abastecer a nação em 2000 anos (REDQ,
os gases de hidratos podem ocorrer em duas situações 2002). A detecção de hidratos costuma ser feita através
distintas, a saber: em sedimentos de plataforma mari- de perfilagem sísmica, de geoquímica e sondagens. Os
nha, de distribuição mundial, ou em regiões polares maiores depósitos de hidratos situam-se no Alasca, no
on-shore, situadas abaixo da camada de gelo polar (per- delta do Mackenzie e no arquipélago do Canadá, na ba-
mafrost). Sob a pressão apropriada, os hidratos podem cia siberiana e bacia Vilyuy na Rússia. No Brasil são re-
existir em temperaturas significativamente acima do portados hidratos nas bacias de Pelotas e Amazônica
ponto de congelamento da água. Por outro lado, a tem- (Clenell, 2000).
peratura máxima para existência de hidrato do gás de-
Seeps de Hidrocarbonetos
Os seeps são escapes naturais de hidrocarbone-
Tabela 2 – Média dos gases oriundos de diversos vulcões tos para a superfície oriundos de campos de gás e óleo
do Azerbaijão (Akper, F., 2003). existentes em bacias sedimentares. Podem ocorrer tan-
to no mar como no continente. Somente na costa da Ca-
lifórnia existem mais de 2.000 seeps naturais, sendo o
Gases

(Metano) (Nitrogênio) (gás carbônico) (Etano)


C1 N2 CO2 C2 maior situado no município de Santa Bárbara, onde são
recolhidos diariamente 100 barris de óleo e dois mi-
lhões de metros cúbicos de gás (WSPA, 2001). No seep
Percentual

chamado Coal Oil Point, próximo a Santa Barbara (Ta-


3
84,0 9,0 5,0 2,0 bela 3), são produzidos 16.400 m diários de hidrocar-
bonetos dominantemente de metano (Washburn, 1998).
A zona de coleta do metano situa-se numa lamina

– 60 –
Carlos Siqueira Bandeira de Mello

d’água de 70 metros de profundidade e é a principal AKPER, F. Geological Conditions and Peculiarities of the
fonte de poluição atmosférica do citado município cali- Mud Volcanoes Formation. In: AAPG ANNUAL
forniano. Os hidrocarbonetos ali encontrados contêm CONVENTION, 2003, Salt Lake City, Utah. [Traba-
gases orgânicos reativos (ROGs), que são os precurso- lhos apresentados]. [Slat Lake City]: AAPG, 2003.
res do ozônio. Os seeps de óleo trazem para a superfí- ARTAXO, P.; PAULIQUEVIS, T.M.; RIZZO, L. V.; LARA,
cie contaminações de benzeno, tolueno, etil-benzeno e L.L. Environmental implications of aerosol particles in
xilenos (BTEX) e podem comprometer a biota marinha. the Amazonian atmosphere: results from the LBA ex-
Por outro lado, os seeps gasosos trazem gases que periment. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON
contribuem para o efeito estufa. ENVIRONMENTAL GEOCHEMISTRY IN TROPICAL
COUNTRIES, 4., 2004, Buzios, RJ. Abstract. Rio de
CONCLUSÕES Janeiro: [s.n.], 2004.
BANDEIRA, C.S.; FRANCOLIN, J. B. L. Study of oil spills
Os produtos orgânicos de origem não antrópica po- and seeps using geological profiles in a river from the
dem também afetar a saúde dos organismos vivos, influ- Negro basin, Amazon rain forest, Brazil. In:
enciar no clima, contribuir para o efeito estufa e afetar as INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON ENVIRONMENT
concentrações de ozônio no planeta. 2010: situation and perspectives for the European
A quantidade de produtos orgânicos naturais gera- Union, 2003, Porto, Portugal. [Trabalhos apresenta-
dos em atividades geológicas no meio ambiente através dos]. [S.l.: s.n.], 2003.
aerossóis, tempestades de areia, vulcões, vulcões de BANDEIRA, C.S.; GRACIANO, J.; MENEZES, R. M. 4. The
lama, hidratos e seeps precisam ser considerados como importance of the inclusion of natural organic subs-
assuntos importantes a serem estudados, cuidadosa- tances in geomedicine. In: INTERNATIONAL
mente, pela comunidade científica e especialmente atra- SYMPOSIUM ON ENVIRONMENTAL
vés da Geologia Médica. GEOCHEMISTRY IN TROPICAL COUNTRIES, 4.,
2004, Buzios, RJ. [Trabalhos apresentados]. Rio de
Tabela 3 - Composição dos gases do seep de Coal Oil Point Janeiro: [s.n.], 2004.
(Washburn, 1998) BHOPAL: o desastre continua (1984-2002). Disponível
Componentes gasosos Porcentagem
em: <http://www.greenpeace.org.br/toxicos/pdf/ bho-
pal_desastrecont.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2006.
(metano) C1 87.5 CARSON, R. Silent Spring. Boston: Houghton Mifflin,
(etano) C2 5.1 1962.
(propano) C3 3.1
CLENNELL, M. B. Hidrato de gás submarino: natureza,
ocorrência e perspectivas para exploração na mar-
(butano) C4 1.3 gem continental brasileira. Revista Brasileira de Geo-
(gás carbônico) CO2 1.3 física, São Paulo, v. 18, n. 3, 2000. Disponível em:
(nitrogênio) N2 0.8
<http://http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-261X2000000300013>. Acesso
(pentano) C5 0.5 em: 04 ago. 2006.
(hexano) C6 +
0.3 COSTA, A.B. Fungo pode comprometer saúde de quem
(oxigênio) O2 0.1
trabalha com o solo. Com Ciência, Campinas,
out./2003. Disponível em: <http://www.comcien-
cia.br/200412/busca/ framebusca.htm>. Acesso em:
jul. 2006.
AGRADECIMENTOS CUNHA, F. G.; BANDEIRA, C.S.; MACHADO, G. J. The
application of geochemical data to environmental
Somos gratos ao Dr. Luiz Antonio F. Trindade, ge- concern in the Minas Gerais State, Brazl.
rente da geoquímica do CENPES / Petrobras, pelo incen- INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON
tivo, e à colega Joelma P. Lopes da COPPE / UFRJ, pelas ENVIRONMENTAL GEOCHEMISTRY, 4., 1997, Vail,
importantes correções e sugestões. Colorado. [Proceedings]. [S.l.: s.n.], 1997.
DEANER, R.M.; EINSTEIN, H. Valley fever: a primer for
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS non-medical people. Disponível em: < http://
www.valleyfever.com/primer.htm>. Acesso em: 04
ALLCHIN, D. The Poisoning of Minamata. [Minneapolis]: ago. 2006.
Ships Resource Center University of Minnesota, DILLON, W. Gas (Methane) Hydrates: a new frontier.
2002. (Ethics & Environment). (U.S. Geological Survey. Marine and Coastal Geo-

– 61 –
Riscos à Saúde de Substâncias Orgânicas

logy Program). Disponível em: <http://mari- GRATTAN, J.P.; DURAND, M. Distant volcanic eruptions,
ne.usgs.gov/fact- sheets/gas-hydrates/title.html>. human health and morality. In: RAYNAL, J.P.;
Acesso em: 04 ago. 2006. ALBORE-LIVADIE, C.; PIPERNO, M. (Ed.). Humans
DUNAWAY, M. E. Biological communities near natural oil and volcanoes. [S.l.]: Arhéo-Logis/CDERAD; Gou-
and gas seeps. Disponível em: <http://www.mms. det, 2002. p. 15-22. ISBN 2-9517138-2-7.
gov/omm/pacific/enviro/seeps2.html>. Acesso em: GRATTAN, J.P.; DURAND, M.; TAYLOR, S. Illness and
04 ago.2006. elevated human mortality coincident with volcanic
EARTH materials and public health. Geotimes, Alexan- eruptions. In: OPPENHEIMER, C.; PYLE, D.M.;
dria, Va, nov. 2001. Disponível em: <http://www.agi- BARCLAY, J. (Ed.). Volcanic degassing. London:
web.org/geotimes/nov01/feature_earthsubst.html>. Geological Society, 2003. P. 401-414. (GSL Special
Acesso em: 04 ago. 2006.5 Publications, 213).
EDMONDS, B.; MOORWOOD R.; SZCZEPANKSKY, R. . GOUDIE, A., S.; LANCASTER, N.; VANCE, R. E.;
A practical model for the effect of salinity on gas BROOKS, N.; TAYLOR, G. Dust transport: geoindica-
hydrate formation: SPE Paper 35569. [S.l.]: Society of tor. Disponível em: <http://www.lgt.lt/geoin/doc.
Petroleum Engineers, 1996. php?did=cl_dustra>. Acesso em: 04 ago. 2004.
ENVIRONMENTAL Health Indicators: development of a GUO, Z. G.; FENG, J. L.; FANG, M.; CHEN, H. Y. L.; LAU,
methodology for the WHO - World Health Organizati- K. H. The elemental and organic characteristics of
on, European Region, Interim Report, Euro Publicati- PM2.5 in Asian dust episodes in Qingdao, China,
on EUR/00/ 5026344. [S.l.]: WHO, 2000. 2002. Atmospheric Environment, Oxford, v. 38, n. 6,
ESTADOS UNIDOS. Agency for Toxic Substances and p. 909-919, Feb. 2004.
Desease Registry. Top 20 hazardous substances HARDIN, G. The tragedy of the commons. Science, [S.l.],
from the CERCLA priority list of hazardous substan- v. 162, n. 3859, p. 1243-1248, Dec. 1968. Disponível
ces for 2001. Atlanta, GA, 2001. em: <http://www.sciencemag.org/cgi/content/full/
ESTADOS UNIDOS. Agency for Toxic Substances and 162/3859/1243> Acesso em: 07 aogo. 2006.
Desease Registry. Phenol. Atlanta, GA, 2001. HIDRATOS de metano: o combustível do fututro ou uma
ESTADOS UNIDOS. Agency for Toxic Substances and ameaça à humanidade? QMCWEB Revista Eletrôni-
Desease Registry. Naphthalene. Atlanta, GA, 2001. ca do Departamento de Química - UFSC, Florianópo-
FAZAL, A.; KAWACHI, T. Extend and severity of lis, n. 26, 20 abr. 2000. Disponível em: <http:/quark.
groundwater arsenic contamination in Bangladesh. qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/hidratos_meta-
Water International, Urbana, IL, v. 25, n. 3, p. no.html>. Acesso em 07 ago. 2006.
370-379, Sep. 2001. Disponível em: <http://www HUSAR, et al. Asian dust evens of April 1998, J. Ge-
.sos-arsenic. net/english/contamin/>. Acesso em: ophys. Res., Richmond, Va., v. 106, 2001.
04 ago. 2006. INTEGRAÇÃO entre o meio ambiente e o desenvolvi-
FINKELMAN, R. B.;SKINNER, C. W.; PLUMLEE, G. S.; mento: 1972- 2002: capítulo 1. Disponível em:
BUNNELL, J. E. Medical Geology. Geotimes, Alexan- <http://www2.Ibama.gov.br/~geobr/geo3-port/geo3
dria, Va, nov. 2001. port/capitulo1.pdf>. Acesso em: 07 ago. 2006.
FRANÇOLIN, J. B. L. Relatório de viagem ao Azerbaijão: IMGA – International Medical Geology Association, 2004.
relatório interno. Rio de Janeiro: CENPES/ Disponível em: <http://www.medicalgeology.org/>.
PETROBRAS RVGE 005/02, 2002. 27 p. Acesso em: 07 ago. 2006.
GAS hydrates and cold sweeps. [S.l.]: MBARI, 2005. Dis- KUHL, I. A.; KUHL, G.; LONDERO, A.; DIÓGENES, M. J.
ponível em: <http://www.mbari.org/volcanism/Mar- N.; FERREIRA, M. F. Coccidioidomycosis laríngea:
gin/Marg-Hydrates.htm>. Acesso em: 07 ago. 2006. relato de caso. Revista Brasileira de Otorrinolaringo-
GERLACH, T.M.; WESTRICH, H.R.; SYMONDS, R.B. logia – RBORL, [S.l.], v. 62, ed. 1, p. 48-52, jan./fev.
Pre-eruption vapor in magma of the climatic Mount 1996. ISSN 1806-9312. Disponível em: <http://rborl.
Pinatubo eruption: source of the giant stratospheric org.br/acervo/acervo.asp?id=2159>. Acesso em: 07
sulfur dioxide cloud. Disponível em: <http://vul- ago. 2006.
can.wr.usgs.gov/Projects/Emissions/Reports/Pinatu- KVENVOLDEN, K. A. Gas hydrate as a potential energy
bo/pinatubo_abs.html>. Acesso em: 07 ago. 2006. resource: a review of their methane content. In: D. G.
GIAMMANCO, S.; OTTAVIANI, M.; VALENZA, M.; Howell (Ed). The future of energy gases. Washington:
VESCHETTI, E.; PRINCIPIO, E.; GIAMMANCO, G.; United States Government Printing Office, 1993. p.
PIGNATO, S. Major and trace elements geochemistry 555-561. (U.S. Geological Survey Professional Paper
in the ground waters of a volcanic area: Mount Etna 1570).
(Sicily, Italy). Water Research, Oxford, v. 32, n. 1, p. KVENVOLDEN, K. A. A primer on as hydrates. In: D.G.
19-30, 1998. Howell (Ed). The future of energy gases. Washing-

– 62 –
Carlos Siqueira Bandeira de Mello

ton: United States Government Printing Office, 1993. POHL, O. Disease dustup: dust clouds may carry infecti-
P.279-291. (U.S. Geological Survey Propfessional ous organisms across oceans. [S.l.], Scientific Ameri-
Paper 1570). can, jul. 2003. Disponível em: <http://www.sciam.
LAROCQUE, A. C. L.; RASMUSSEN, P. E. Environmental com/article.cfm?articleID=000ECFD9-15AB-1EE1-A2D18
Geology , Berlin, v. 33, n.2-3, Feb. 1998. 09EC5880000>.
LICHT, O. A. B. A geoquímica multielementar na gestão SINGH, H. Theoretical basis for medical geology. Dispo-
ambiental. 2001. 236 p. Tese (Doutorado em Geolo- nível em: <http://home.swipnet.se/medicalgeo-
gia Ambiental)-Faculdade de Geologia, Universida- logy/PDF/MedGeo.pdf>. Acesso em: 07 ago. 2006.
de do Paraná, Curitiba, 2001. SLOAN, E.D. Clathrate hydrates of natural gas. 2nd ed.
MCKIE, R., 2001. Deadly dust ‘brought foot and mouth he- New York: Marcel Dekker, 1998. 436 p.
re’: viruses were carried to Britain in a storm from the THE PERFECT dust storm strikes Mars. [S.l.]: Science
Sahara, claim scientists: special report foot and mouth NASA, 2001. Disponível em: <http://science.nasa.
disease. Disponível em: <http://www.guardian.co. gov/headlines/y2001/ast11oct_2.htm>. Acesso em:
uk/footandmouth/story/0,7369,%20549041,00.html>. 07 ago. 2006.
Acesso em: 07 ago. 2006. The Observer. Sunday Sep- THE REGISTRY of toxic effects of chemical substances, met-
tember 9. hane: RTECS#:PA1490000, CAS# 74-82-8. [S.l.]: Natio-
MESKHIDZE, N. Pollution can convert airborne iron into nal Institute for Occupational Safety and Health, 2000.
soluble form required for phytoplankton growth. Sci- Disponível em: <http://www.skcinc.com/nioshdbs/ rtecs/
ence Daily. [S.l.], 2005. Disponível e: <http://www. pa16bc50.htm>. Aceso em: 07 ago. 2006.
sciencedaily.com/releaes/2005/02/050213130304. US SOLAS Working Group 4 report: atmosphere impacts
htm>. Acesso em: 07 ago. 2006. on marine biogeochemical processes. [S.l.], 2004.
MOELLER, D.W. 1997. Environmental health. Cambrid- Disponível em: <http://www.google.com.br/search?
ge, Mass.: Harvard University Press, 1997. hl=pt-BR&q=solas+The+atmosphere+is+a+sour-
NATURAL hazards: eruption of Klyuchevskaya volcano. ce+or+a+transport+path+for+many+different+nu-
[S.l.]: Earth Observatory NASA, 2005. Disponível em: trients+&btnG= Pesquisar&meta=>. Acesso em: 07
<http://earthobservatory.nasa.gov/NaturalHa- ago. 2006.
zards/natural_hazards_v2.php3?img_id=12754>. UK ENERGY RESEARCH CENTRE (UKERK) SEMINAR:
Acesso em: 07 ago. 2006. ”Workable metrics for the EU emissions trading sche-
OLIVEIRA, S. M. B.; LARIZZATI, J. H.; FAVARO, D. I. T. me”, 2004, Oxford. Proceedings. Disponível em:
Comportamento do mercúrio e outros elemen- <http://www.Eci.ox.ac.uk//pdfdownload/energy/wor-
tos-traço em solos lateríticos da província aurífera do ka blemetricsproceedings.pdf>. Acesso em: 07 ago.
Tapajós. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE 2006.
GEOLOGIA, 41.: a geologia e o homem, 2002, João VESCHETTI, E.; FERRARI, C.; MINELLI, L.; OTTAVIANI,
Pessoa. Anais. João Pessoa: Sociedade Brasileira de M.; GIAMMANCO, S.; VALENZA, M.; GIAMMANCO,
Geologia, 2002. G.; PIGNATO, S. Monitoraggio della qualità delle ac-
PERIGOSAS nuvens de pó. In: AGÊNCIA FAPESP. que sotterranee del Monte Etna: risultati preliminari.
2006.Disponível em: <http://www.fapesp.br/agen- Acqua & Aria, Milano, n. 5, p. 77-86, 1999.
cia/boletim_dentro.php?data[id_materia_bole- WILLIAMS PL, SABLE DL, MENDEZ P, SMYTH LT., 1979.
tim]=3713>. Acesso em: 04 ago. 2006. Symptomatic coccidioidomycosis following a severe
PINESE, J. P. P.; ALVES, J. C.; LICHT, O. A. B.; PIRES, E. natural dust storm. An outbreak at the Naval Air Stati-
O.; MARAFON, E. Características geoquímicas natu- on, Lemoore, Calif. Chest. 1979 Nov.76 (5):566-70.
rais da água de abastecimento público da porção http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd
extremo norte do Estado do Paraná, Brasil. In: =Retrieve&db=PubMed&list_uids=498830&dopt=
CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 41.: a Abstract.
geologia e o homem. Anais. João Pessoa: Sociedade WSPA, 2001. Natural Oil and gas seeps on the Central
Brasileira de Geologia, 2002. Coast. http://www.wspa.org/cra_naturalseeps.htm.

– 63 –
Arsênio no Brasil e Exposição Humana

ARSÊNIO NO BRASIL E
EXPOSIÇÃO HUMANA
1
Bernardino Ribeiro Figueiredo, berna@ige.unicam.br
2
Ricardo Perobelli Borba, borba@iac.sp.gov.br
3
Rômulo Simões Angélica, rsa@ige.unicamp.br
1
Instituto de Geociências/UNICAMP
2
Instituto Agronômico de Campinas
3
Centro de Geociências/UFPA

INTRODUÇÃO incluindo hiperqueratose, câncer de pele, câncer pulmo-


nar, distúrbios do sistema nervoso, aumento da freqüên-
O interesse de cientistas e da opinião pública sobre cia de abortos espontâneos e outras doenças graves
contaminação humana por arsênio vem crescendo após (Abernathy et al., 1997).
a divulgação das tragédias de Bengala Ocidental, Ban- Os casos de intoxicação mais graves por arsênio
gladesh, México e outros países do mundo. Nos inventá- ocorreram em Bengala Ocidental, Bangladesh e, na
rios publicados sobre exposição ambiental e humana ao América Latina, no México, Chile e Argentina. Esses ca-
arsênio dificilmente é encontrada referência ao Brasil de- sos graves foram causados, em geral, por consumo de
vido à carência de pesquisas sobre o tema no país. água subterrânea contaminada, extraída de aqüíferos
O arsênio é um metalóide de baixa concentração em formações geológicas arseníferas de grandes exten-
média na Crosta (1,8 ppm) e ocorre numa variedade de sões (Smedley & Kinniburgh, 2002).
tipos de depósitos minerais, principalmente na forma de Até o momento, estudos integrados do ambiente e
arsenopirita (FeAsS) e pirita arsenífera. Essas fases mi- exposição humana ao arsênio foram realizados apenas
nerais podem alterar-se a arsenatos e sulfoarsenatos em em três áreas no Brasil. Na Figura 1 estão indicadas es-
superfície, o arsênio pode ser parcialmente liberado sas áreas: (i) o Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais, onde
para as águas e ainda imobilizado via adsorção em óxi- uma grande quantidade de arsênio foi liberada para dre-
dos-hidróxidos de ferro, alumínio e manganês ou em mi- nagens, solos e atmosfera como resultado da mineração
nerais de argila. secular de ouro; (ii) o Vale do Ribeira, Paraná e São Pau-
Nas águas, as formas mais comuns são oxiânions de lo, onde a liberação de arsênio para o ambiente ocorreu
As(V), em condições de Eh alto a moderado, e de As(III) devida à atividade de mineração e refino de metais no
em condições mais redutoras. A concentração de As em Alto Vale, e também naturalmente, a partir do intemperis-
água potável, segundo a Organização Mundial da Saúde, mo de rochas e formação de solos ricos em As, no Médio
não deve exceder 10 mg/L, valor adotado também pelo Vale; e (iii) Santana, Amapá, onde o arsênio esteve asso-
Ministério do Meio Ambiente do Brasil para água superfi- ciado ao minério de manganês que foi lavrado nos últi-
cial propícia a tratamento para consumo humano, confor- mos 50 anos na Serra do Navio.
me estabelece a Resolução 357 do CONAMA de 17 de Nessas três áreas foram realizados estudos de ava-
março de 2005 (http://www.mma.gov.br/port/conama/res/ liação de exposição humana incluindo análises de con-
res05/res35705.pdf). centrações de As em urina de crianças e adultos em
O arsênio é uma substância carcinogênica sendo a cinco municípios do Vale do Ribeira e duas cidades no
forma inorgânica a mais nociva ao homem. A toxicidade Quadrilátero Ferrífero, além de determinações de As em
das espécies de As(III) é considerada várias vezes su- cabelo e sangue de residentes em Santana.
perior à das espécies de As(V). A via mais comum de ex- Por outro lado, estudos integrados de fontes não
posição humana é através do consumo de água conta- pontuais de arsênio, como formações geológicas ou
minada, porém a inalação de gases e ingestão de pó po- grandes aqüíferos rasos, descritos em outras partes do
dem ser também importantes. A exposição crônica ao As mundo (Smedley & Kinniburgh, 2002) ainda não foram
pode causar sérios problemas metabólicos às pessoas, realizados no Brasil.

– 64 –
Bernardino Ribeiro Figueiredo

Figura 1 – Mapa de localização das áreas de estudo e unidades geológico-tectônicas do Brasil.

O objetivo deste trabalho é o de reunir a informação ano e os parâmetros físico-químicos de qualidade de


disponível sobre essas três áreas contaminadas e outros água foram medidos in situ. As concentrações de As fo-
dados sobre ocorrências de As, colhidos da literatura, e ram determinadas por HG-AAS e as composições totais
contribuir para a discussão dos processos geoquímicos (cátions e ânions) por ICP-OES e cromatografia iônica.
superficiais que parecem favorecer a mitigação e atenu- Procedimentos similares foram efetuados para amostras
ação dos riscos de exposição da população ao arsênio de águas de fontes naturais, drenagens de minas e água
em regiões tropicais e subtropicais. de torneira das residências.
As amostras de sedimentos e solos foram secadas
MATERIAIS E MÉTODOS naturalmente, homogeneizadas e peneiradas em tela de
nylon. Os sedimentos foram analisados na fração granu-
Nas três áreas enfocadas neste trabalho foram estu- lométrica <63 mm e os solos na fração <177 mm por FRX
dadas as composições de águas superficiais e sedimen- e, no caso dos teores de As em sedimentos de Santana,
tos de corrente amostrados em diferentes períodos de também por HG-AAS. As exatidões analíticas foram con-
1998 a 2003. As amostras de água filtrada (millipore 0,45 troladas mediante análise simultânea de materiais de re-
mm) foram coletadas em pelo menos duas ocasiões por ferência certificados.

– 65 –
Arsênio no Brasil e Exposição Humana

Amostras de primeira urina da manhã, coletadas en- que amostras coletadas nas proximidades de minas e de-
tre residentes no Vale do Ribeira, foram analisadas (Sa- pósitos de rejeitos podem apresentar até 350 µg/L As e
3+ 5+
kuma, 2004) para As (As + As + MMA + DMAA) por amostras de águas de minas, até 3.000 µg/L As.
geração de hidreto acoplado a absorção atômica por Em 1998, uma campanha de monitoramento humano
sistema de injeção de fluxo, no Instituto Adolfo Lutz (São foi realizada em populações de crianças em idade esco-
Paulo), segundo procedimento recomendado por Guo et lar (7-12 anos) nos municípios de Santa Bárbara e Nova
al. (1997) e utilizando material de referência certificado Lima, utilizando arsênio em urina como bioindicador
NIST 2670 (0.06 mg/mL As). (Matschullat et al., 2000). A concentração média de As em
As concentrações de As em amostras de urina, co- urina de 126 amostras foi 25,7 µg/L As e 20% das crian-
letadas no Quadrilátero Ferrífero, referem-se a As inorgâ- ças examinadas apresentaram mais de 40 µg de As inor-
nico total, determinado por HG-AAS (Matschullat et al., gânico total por litro de urina, limiar, acima do qual, efeitos
2000). No Instituto Evandro Chagas, amostras de san- adversos à saúde em longo prazo não podem ser excluí-
gue e cabelo, provenientes de Santana, foram analisa- dos. A via de exposição ao arsênio mais provável teria
das em forno de grafite utilizando-se correção de back- sido o contato com solo e poeira, visto que as concentra-
ground Zeemann (Santos et al., 2003). ções de As em água potável revelaram-se bem inferiores
a 10 µg/L (limites estabelecidos pelo Ministério da Saúde
RESULTADOS e Organização Mundial da Saúde para água potável).
Campanhas de monitoramento levadas a efeito nas
Nas três áreas onde foram realizados estudos inte- mesmas escolas nos anos subseqüentes revelaram va-
grados de geoquímica ambiental e exposição humana lores médios inferiores aos de 1998 sendo que a porcen-
ao arsênio podem ser identificados processos induzidos tagem de crianças com concentrações acima de 40 µg/L
por atividades de mineração e metalurgia. Porém, no As em urina não excederam 5% da população amostra-
Vale do Ribeira, além dos impactos provocados pelas da em 2002 (Matschullat, 2004, comunicação oral).
atividades industriais no Alto Vale, também é considera-
da a ocorrência da anomalia geoquímica de As, corres- Arsênio no Vale do Ribeira (PR-SP)
pondente à associação de rochas e solos da Unidade Pi- O Vale do Ribeira estende-se desde o nordeste do
ririca (Grupo Açungui) caracterizada em estudos anteri- Paraná até o litoral sul do estado de São Paulo abrigando
ores da CPRM (1982) e Perrota (1996). grande parte da Mata Atlântica remanescente e um im-
portante reservatório de água doce da Região Sudeste
Arsênio no Quadrilátero Ferrífero (MG) do país.
O Quadrilátero Ferrífero é a província aurífera mais Durante o século 20, a região do Alto Vale abrigou
importante do Brasil, respondendo por uma produção de várias minas de Pb-Zn-Ag em operação, bem como uma
ouro de cerca de 600 t nos últimos 300 anos. O minério de planta de refino de chumbo (Plumbum), instalada no mu-
ouro contém arsênio em minerais como arsenopirita e löl- nicípio de Adrianópolis (PR), em operação no período de
lingita ou como impureza em pirita. As litologias compre- 1945-1995. As mineralizações principais da região conti-
endem metabasaltos, formações ferríferas bandadas me- nham quantidades significativas de arsênio (arsenopirita
tamorfizadas, xistos e granitóides que apresentam altera- e tennantita), em especial nas jazidas filonares de Pane-
ção carbonática importante nas proximidades dos depó- las e Furnas, hospedadas em calcários dolomíticos de
sitos. Esses terrenos de idade arqueana e paleopro- idade mesoproterozóica.
terozoica representam uma importante anomalia geoquí- No Médio Vale, entre as cidades de Iporanga e Ita-
mica de As na porção sul do Cráton São Francisco. A con- peúna, estende-se a Unidade Piririca, de idade meso-
tribuição das atividades de mineração e metalurgia aos proterozóica, constituída de xistos e rochas metabási-
processos de liberação de As para o ambiente vem sen- cas, hospedeiras de filões de quartzo, ouro e sulfetos (in-
do estudada por vários autores como Oliveira et al. cluindo arsenopirita). Concentrações elevadas de As em
(1979), Borba et al. (2000), Deschamps et al. (2002), Bor- sedimentos de corrente e solos delimitam uma faixa de
ba et al., (2003) e Borba & Figueiredo (2004), entre outros. direção NE (CPRM, 1982; Perrota, 1996), que representa
Em toda a região, as concentrações de As nos sedi- uma anomalia natural de arsênio, visto que na área a mi-
mentos de corrente (<63 µm) são elevadas, podendo atin- neração moderna não chegou a ser implantada.
gir até 4.000 mg/kg As nas proximidades das minas, en- Campanhas de monitoramento humano para arsênio
quanto que as águas superficiais raramente apresentam foram realizadas em cinco municípios, distribuídos nas re-
concentrações superiores a 50 µg/L As, na época o limite giões do Alto Vale (1999-2001) e do Médio Vale (2001-
estabelecido pela legislação para águas não tratadas. 2003). Foram determinadas as concentrações de As em
Poucas amostras de águas de fontes naturais também urina, coletada no início da manhã, entre crianças e adul-
apresentam baixas concentrações de arsênio, enquanto tos (Sakuma, 2004). A população da cidade de Cerro Azul

– 66 –
Bernardino Ribeiro Figueiredo

(PR), localizada fora da área sob a influência da minera- caram teores de até 345 mg/kg As em sedimento de cor-
ção e distante da anomalia natural de arsênio, foi escolhi- rente (Toujague, 1999). Solos ricos em arsênio e metais
da como grupo de referência. Entre as comunidades resi- pesados também ocorrem na Faixa Piririca, resultantes
dentes na área de mineração do Alto Vale, aquela que do intenso intemperismo químico que afetou rochas e
apresentou as medianas mais altas de As em urina (8,94 mineralizações arseníferas. Abreu & Figueiredo (2004)
mg/L As em crianças, n=89, e 8,54 mg/L As em adultos, encontraram concentrações de 25 a 754 mg/kg As em
n=86) foi a do Bairro da Serra, município de Iporanga, lo- solo superficial (profundidade 0-30 cm) na área.
calizado nas proximidades da mina Furnas e do Ribeirão
Betari, conhecido pelas altas concentrações de arsênio e Arsênio em Santana (AP)
chumbo em sedimentos à época da mineração. No Amapá, o arsênio ocorre em arsenopirita associa-
No Médio Vale foram monitoradas seis comunidades da a formações manganesíferas, de idade pré-cambria-
residentes e as concentrações médias de As em urina de na, lavradas por mais de 50 anos na famosa mina de Ser-
crianças e adultos variaram entre 2,24 e 11,35 mg/L As ra do Navio. A fonte de arsênio não se localiza na mina,
como indicado na Tabela 1 onde constam também as me- mas no município de Santana, 350 km distante, às mar-
dianas de Cerro Azul e do Bairro da Serra para efeito de gens do Rio Amazonas, onde o minério de manganês era
comparação (Sakuma, 2004 e De Capitani et al., 2005). processado e embarcado. Nessa localidade, minérios e
Embora as concentrações de arsênio em urina não rejeitos expostos ao ar livre podem conter até 0,17% As e
possam ser consideradas elevadas, observa-se que al- água subterrânea coletada em poços de monitoramento
guns teores médios guardam diferença estatisticamente próximos a esses depósitos exibem concentrações altas
significante com os resultados obtidos para o grupo de de arsênio de até 2.000mg/L.
referência de Cerro Azul (3,60 mg/L As em crianças, Estudos geoquímicos, levados a efeito na área
n=73 e 3,87mg/L As em adultos, n=83). No Médio Vale, (Lima, 2003), revelaram concentrações de As em águas
as medianas mais altas foram obtidas para as popula- superficiais entre 5 e 231mg/L As (2001-2002) mas a mai-
ções de Galvão, São Pedro, Ivaporunduva e Castelha- oria dos valores abaixo de 50 e 10mg/L As. Amostras de
nos, coincidentemente, as localizadas mais próximas da sedimento fluvial e material de suspensão apresentaram
anomalia de arsênio do Piririca, enquanto que as media- teores variando de 1.600 a 696 mg/kg As. Por outro lado,
nas mais baixas foram obtidas para as comunidades as concentrações em águas de torneira das residências
mais afastadas da anomalia geoquímica. não ultrapassaram 0,5mg/L As.
A qualidade das águas superficiais do Rio Ribeira e A população local, cerca de 2.000 pessoas, foi ava-
tributários na região do Médio Vale foi monitorada no pe- liada para exposição ao arsênio utilizando-se análises
ríodo de 2001-2003 em cinco campanhas de amostra- de sangue e cabelo (Santos et al., 2003). Arsênio inorgâ-
gem. As concentrações de As variaram de 1 a 9mg/L, nico tem especial afinidade com cabelo e outros tecidos
sendo as concentrações mais altas encontradas no cór- ricos em queratina, podendo o teor de As nesses tecidos
rego Piririca que drena rochas hospedeiras de filões au- ser usado como bioindicador de exposição. Concentra-
ríferos e solos ricos em arsênio(Takamori & Figueiredo, ções de até 1 ppm de arsênio em cabelo e unha podem
2002). Também nesse córrego, estudos anteriores indi- ser consideradas normais, segundo Choucair & Ajax
(1988) e Franzblau & Lilis (1989), limiar também usado
pela ASTDR (2000).
Tabela 1 – Concentração de arsênio em urina de crianças e Para uma população de 512 pessoas analisadas em
adultos no Médio Vale do Ribeira (2002-2003), Santana foi obtida uma mediana de 0,20mg/g As em ca-
Cerro Azul e Bairro da Serra (Iporanga). belo (Tabela 2). De acordo com resultados obtidos em
Mediana Min Max outros países (Granero et al., 1998; Pazirandeh et al.,
Localidade n
mg/L As mg/L As mg/L As 1998; Saad & Hassanien, 2001, entre outros), os níveis
Cerro Azul 156 3,86 1 34,12 de exposição ao arsênio da comunidade de Santana não
Bairro da Serra -
175 8,90 1 62,54
Iporanga
Iporanga 112 8,14 1 33,49 Tabela 2 – Concentração de arsênio (ìg/g As )em cabelo –
Pilões 73 3,97 1 68,92 Santana, Estado do Amapá (2001-2002).
Castelhanos 58 9,48 1 60,32 Mediana Min. Max.
População n
Galvão 35 15,02 2,36 55,69 mg/g As mg/g As mg/g As
São Pedro 51 11,35 1 76,19 Homens 182 0.200 0.074 1.936
Ivaporunduva 30 10,02 1,77 34,57 Mulheres 330 0.200 0.063 1.855
Nhungara 22 5,84 1 25,95 Total 512 0.200 0.063 1.936
Fonte: Sakuma (2004) e De Capitani et al. (2005) Fonte: Santos et al. (2003)

– 67 –
Arsênio no Brasil e Exposição Humana

podem ser considerados elevados, embora dados com- dos em outras localidades do país. Informações mais
plementares de arsênio urinário ainda se façam neces- sistemáticas sobre a ocorrência de arsênio em água
sários na área. subterrânea, em especial naquelas regiões onde a po-
pulação e a atividade econômica são dependentes de
Outras ocorrências de arsênio no Brasil aqüíferos rasos, ainda são escassas. Também não são
Estudos integrados de geoquímica ambiental e ava- encontradas informações sobre a liberação de arsênio
liação de exposição humana foram realizados apenas para o ambiente a proveniente de atividades agrícolas
nas três áreas descritas acima. Os três casos se referem (uso intensivo de pesticidas).
a impactos no ambiente provocados por atividades de
beneficiamento e refino mineral, representados por des- CONCLUSÕES
cartes de minas e pilhas rejeitos expostos e contamina-
ção de drenagens superficiais e de solos. Nas três áreas No Brasil, como nos demais países em desenvolvi-
as fontes de poluição podem ser consideradas pontuais, mento, a exposição a substâncias tóxicas afeta, prefe-
embora na Faixa Piririca, no Médio Vale do Ribeira, os rencialmente, a população de baixa renda e sujeita à de-
solos ricos em arsênio apresentem grande extensão. ficiência alimentar. Nas regiões norte e sudeste, referi-
Outras fontes pontuais de poluição de arsênio po- das neste trabalho, a população tem acesso à abundan-
dem ser identificadas nos distritos auríferos do greensto- te água superficial, em áreas de elevada precipitação
ne belt do Rio Itapicuru (BA), Crixás (GO) e Paracatu pluviométrica, o que configura uma situação diferente
(MG), onde foram ou são lavrados minérios auríferos, ri- daquela vivenciada nas regiões de incidência grave de
cos em arsenopirita, como o descrito no Quadrilátero intoxicação por As, onde as populações são dependen-
Ferrífero, com a diferença de que, nessas localidades, tes de consumo de água subterrânea.
as atividades de mineração não são tão antigas como O clima tropical favorece também a predominância
em Minas Gerais. de processos de intemperismo químico das rochas, do
Na Região Sul também é reconhecida a presença qual resultam perfis profundos de solos, enriquecidos
de arsênio associado aos depósitos de carvão. A mine- em ferro e alumínio, bem como sedimentos finos, que
ração de carvão nos estados de Santa Catarina e Rio funcionam como barreiras geoquímicas prevenindo a li-
Grande do Sul produziram impactos ambientais signifi- beração de As para as águas. Estes processos explicari-
cativos hoje representados pelos gigantes depósitos de am o porquê das baixas concentrações de As em águas
resíduos e lagoas sulfurosas. superficiais e, em alguns casos, em águas de nascen-
Uma revisão mais extensa da literatura e documen- tes, encontradas nas áreas estudadas, em contraste
tação geológica no Brasil ainda está por ser feita com o com as elevadas concentrações de As em solos e sedi-
objetivo de identificar fontes não pontuais de arsênio. mentos.
No banco de dados geoquímicos do Serviço Geológico Nas três áreas descritas neste trabalho observa-se
do Brasil (Lins, 2004, comunicação oral) podem ser en- que, independentemente da atividade industrial, elas
contradas até 18.670 análises de amostras de sedimen- apresentam anomalias naturais de arsênio. Aos proces-
to de corrente e solo para arsênio. Aproximadamente sos derivados da geodisponibilidade de arsênio se super-
20% das amostras apresentaram teores de arsênio su- pôs significativa liberação de As para o ambiente, decor-
periores a 100 ppm. As concentrações mais altas em rente das atividades de beneficiamento e refino mineral.
sedimento e solo foram encontradas no Vale do Ribeira Não obstante, afortunadamente, os baixos níveis de expo-
(Faixa Piririca), nas áreas dos prospectos de ouro em sição humana ao elemento tóxico, nas condições atuais,
terrenos greenstone no Amapá e Quadrilátero Ferrífero, ainda representam uma situação de risco controlável e re-
e em certas localidades na região nordeste do Estado versível. Percebe-se, além disso, que, para uma adequa-
de Rondônia. da avaliação de risco, são necessários estudos comple-
Inferências sobre prováveis fontes não pontuais de mentares de especiação de As em água e da disponibili-
As podem ser feitas a partir do mapeamento geoquímico dade de As em solos e sedimentos, não sendo suficientes
de baixa densidade do estado do Paraná. Licht (2001) apenas as determinações de concentrações totais de As
descreveu uma anomalia positiva de As associada à nos diferentes compartimentos geoquímicos.
ocorrência de folhelhos betuminosos e formações car- Até o momento, formações geológicas arseníferas
boníferas paleozóicas da Bacia do Paraná, bem como a e aqüíferos contaminados, como os indicados em ou-
ocorrência de arsênio associado à formação carbonífera tras regiões do mundo por Smedley & Kinniburgh
e uranífera na região de Figueira, no Estado do Paraná. (2002), não foram descritos no Brasil. Um inventário
No que diz respeito às águas superficiais em re- mais completo das ocorrências de arsênio no Brasil ain-
giões tropicais úmidas, os dados de concentração de As da constitui um desafio para as Geociências a ser en-
apresentados neste trabalho são coerentes com os obti- frentado no futuro.

– 68 –
Bernardino Ribeiro Figueiredo

AGRADECIMENTOS zil: the case of arsenic. Journal of Soils and Sedi-


ments, [S.l.], v. 2, n. 4, p.216 – 222, 2002.
Este trabalho é baseado em comunicação realizada FRANZBLAU, A.; LILIS, R. Acute arsenic intoxication from
no Simpósio de Geologia Médica, realizado durante o environmental arsenic exposure. Arch. Environ. He-
o
32 Congresso Internacional de Geologia, Florença, Itá- alth, Washington, D.C., v. 44, n. 6, p. 385-390, 1989.
lia 2004, e no trabalho a ser publicado no periódico Envi- GRANERO, S.; LLOBET, J.M.; SCHUHMACHER, M.;
ronmental Geochemistry & Health (Special Issue, 2006). CORBELLA, J.; DOMINGO, J.L. Biological monitoring
Estes estudos foram parcialmente financiados pela of environmental pollution and human exposure to me-
FAPESP (Proc. no. 2002/00271-0) e CNPq. tals in Tarragona, Spain: I.levels in hair of school chil-
dren. Trace Elements and Electrolytes, Berlin, v. 15, p.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 39-43, 1998.
GUO, T.; BAASER, J.; TSALEV, D.L. Fast automated de-
ABERNATHY, C.O.; CALDERON, R.L.; CHAPPELL, W.R. termination of toxicologically relevant arsenic in urine
(Eds.). Arsenic exposure and health effects. by flow injection-hydride generation atomic absorpti-
[S.l.]:Chapman & Hall, 1997. 429 p. on spectrometry. Anal. Chim. Acta, Amsterdam, v.
ABREU, M.C.; FIGUEIREDO, B.R. Mapeamento geoquí- 349, n. 1-3, p. 313-318, 1997.
mico de arsênio e metais pesados em solo da unida- LICHT, O.B. 2001. A Geoquímica multielementar na ges-
de Piririca, Vale do Ribeira (SP). In: CONGRESSO tão ambiental: identificação e caracterização de pro-
BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 42., 2004, Araxá, MG. víncias geoquímicas naturais, alterações antrópicas
[Anais]. Araxá: SBG, 2004. 1 CD-Rom. da paisagem, áreas favoráveis à prospecção mineral
AGENCY FOR TOXIC SUBSTANCES AND DISEASE e regiões de risco para a saúde no Estado do Para-
REGISTRY (ASTDR). Toxicological profile for arsenic. ná, Brasil. 2001. 236 p. Tese (Doutorado em Geolo-
Atlanta, GA: U.S. Department of Health and Human gia Ambiental)-Faculdade de Geologia, Universida-
Services, 2000. de Federal do Paraná, Curitiba, 2001.
BORBA, R. P.; FIGUEIREDO, B. R.; MATSCHULLAT, J. LIMA, M.O. Caracterização geoquímica de arsênio total
Geochemical distribution of arsenic in waters, sedi- em águas e sedimentos em áreas de rejeitos de mi-
ments and weathered gold mineralized rocks from nérios de manganês no Município de Santana - Esta-
Iron Quadrangle, Brazil. Environmental Geology, do do Amapá. 2003. 85 f. Dissertação (Mestrado em
Berlin, v. 44, n.1, p. 39-52, 2003. Geoquímica)-Centro de Geociências, Universidade
BORBA, R.P.; FIGUEIREDO, B.R. A influência das condi- Federal do Pará, Belém, 2003.
ções geoquímicas na oxidação da arsenopirita e na MATSCHULLAT, J.; BORBA, R.P.; DESCHAMPS, E.; FI-
mobilidade do arsênio em ambientes superficiais tro- GUEIREDO, B.F.; GABRIO, T.; SCHWENK, M. Hu-
picais. Revista Brasileira de Geociências, São Paulo, man and environmental contamination in the Iron Qu-
v. 34, n. 4, p. 489-500, 2004. adrangle, Brazil. Applied Geochemistry, Oxford, v.
BORBA, R.P.; FIGUEIREDO, B.R.; RAWLLINS, B.G.; MAT- 15, n. 2, p. 181-190, Feb. 2000.
CHULLAT, J. Arsenic in water and sediment in the Iron OLIVEIRA, J.J.C.; RIBEIRO, J.H.; SOUZA OKI, S.; BAR-
Quadrangle, Minas Gerais state, Brazil. Revista Brasi- ROS, J.R.R. Projeto Geoquímica do Quadrilátero Fer-
leira de Geociências, São Paulo, v. 30, n. 3, rífero: levantamento orientativo e regional: relatório fi-
p.554-557, 2000. nal. Belo Horizonte: CPRM, 1979. 133 p.
CHOUCAIR, A.K.; AJAX, E.T. Hair and nails in arsenical PAZIRANDEH, A.; BRATI, A.H.; MARAGEH, M.G. Deter-
neuropathy. Ann. Neurol., Boston, v. 23, n.6, p. mination of arsenic in hair using neutron activation.
628-629, 1988. Appl. Radiat. Isotopes, Oxford, v. 49, p. 753-759,
COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS MINERAIS. 1998.
Projeto Eldorado: relatório iIntegrado final de pesqui- PERROTA, M.M. Potencial aurífero de uma região no
sa. São Paulo, 1982. 200 p. Vale do Ribeira, São Paulo, estimado por modela-
DE CAPITANI, E.M.; SAKUMA, A.M.; PAOLIELLO, gem de dados geológicos, geoquímicos, geofísicos
M.M.B.; FIGUEIREDO, B.R.; OKADA, I.A.; DURAN, e de sensores remotos num sistema de informações
M.C.; OKURA, R.I. Exposição humana ao arsênio no geográficas. 1996. 149 p. Tese (Doutorado em Geo-
Médio Vale do Ribeira, São Paulo. Disponível em: ciências)-Instituto de Geociências, Universidade de
<http://www.cprm.gov.br/pgagem/workshop/pai- São Paulo, São Paulo, 1996.
neis/Painel01.pdf>. Acesso em: 08 ago. 2006. SAAD, A.; HASSANIEN, M.A. Assessment of arsenic le-
DESCHAMPS, E.; CIMINELLI, V.S.T.; LANGE, F.T.; vel in the hair of the no occupational Egyptian popu-
MATSCHULLAT, J.; RAUE, B.; SCHMIDT, H. Soil and lation: pilot study. Environment International, New
sediment geochemistry of the Iron Quadrangle, Bra- York, v. 27, n. 6, p. 471-478, Dec. 2001.

– 69 –
Arsênio no Brasil e Exposição Humana

SAKUMA, A.M.A. Avaliação da exposição humana ao tural waters. Applied Geochemistry, Oxford, v. 17,
arsênio no Alto Vale do Ribeira, Brasil. 2004.196 p. n. 5, p. 517–568, may 2002.
Tese (Doutorado em Saúde Coletiva)-Faculdade de TAKAMORI, A.Y.; FIGUEIREDO, B.R. Monitoramento da
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campi- qualidade de água do rio Ribeira de Iguape para ar-
nas, Campinas, 2004. sênio e metais pesados. In: CONGRESSO
SANTOS, E.C.O.; JESUS, I.M.; BRABO, E.S.; FAYAL, BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 41., 2002, João Pes-
K.F.; LIMA, M.O. Exposição ao mercúrio e ao arsênio soa. Anais. João Pessoa: SBG Núcleo Nordeste,
em estados da Amazônia: síntese dos estudos do 2002. p. 255.
Instituto Evandro Chagas/FUNASA. Revista Brasilei- TOUJAGUE, R. R. Arsênio e metais associados na região
ra de Epidemiologia, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 171-185, Aurífera do Piririca, Vale do Ribeira, São Paulo, Bra-
2003. sil. 1999. 56 f. Dissertação (Mestradoem Geociênci-
SMEDLEY, P.L.; KINNIBURGH, D.G. A review of the as)-Instituto de Geociências, Universidade Estadual
source, behaviour and distribution of arsenic in na- de Campinas, Campinas, 1999

– 70 –
José Augusto Costa Gonçalves

O ARSÊNIO NAS ÁGUAS


SUBTERRÂNEAS DE OURO
PRETO (MG)

José Augusto Costa Gonçalves, costa@degeo.ufop.br


Margarete Aparecida Pereira, margaret@degeo.ufop.br
José Fernando Paiva
Jorge Carvalho de Lena
Universidade Federal de Ouro Preto-UFOP

INTRODUÇÃO Geograficamente, o As se distribui nas rochas do


Quadrilátero Ferrífero, numa restrita associação com as
Águas utilizadas para consumo humano com con- rochas auríferas sulfetadas. A origem do As nas águas,
centrações de As (arsênio) acima dos limites estabeleci- solos e sedimentos, se deve a uma anomalia natural des-
dos pelos órgãos de controle ambiental são considera- se elemento. Essa anomalia está relacionada com a gê-
das perigosas para a saúde humana (Hopemhayn-Rich nese dos depósitos auríferos. Naturalmente, o intempe-
et al., 1996; National Research Council, 1999). rismo das rochas com teores anômalos de As promove a
O As é encontrado na constituição de uma longa lis- liberação destes, para o ambiente.
ta de minerais, em que os sulfetos, arsenetos e sulfoarse- Nesse trabalho é realizado um estudo hidrogeo-
netos são os mais comuns. Em águas naturais, o As químico das águas servidas à população de Ouro Pre-
ocorre em compostos inorgânicos e orgânicos. Em solu- to, através do comportamento temporal do As, monito-
ção, os compostos inorgânicos encontrados nas águas rado periodicamente entre janeiro de 2003 e janeiro de
em condições de Eh alto a moderado são H3AsO4, 2004.
- 2- 3-
H2AsO4 , HAsO4 , AsO4 e em condições redutoras o
H3AsO3, onde o As se apresenta nos estados de oxida- CARACTERÍSTICAS GERAIS DA ÁREA ESTUDADA
ção 3+ e 5+ (Thornton & Farago, 1997).
O As é um elemento tóxico e carcinogênico. As princi- A área em estudo está inserta regionalmente na por-
pais patologias provocadas pela intoxicação aguda e crô- ção sudeste do Quadrilátero Ferrífero. O Quadrilátero
2
nica de As são problemas no metabolismo, tumores cutâ- Ferrífero compreende uma área de 7.200 km , localizada
neos, úlceras, gastrites, diarréias, arritmias cardíacas, cân- na porção centro-sul do estado de Minas Gerais. A cons-
cer do pâncreas e pulmão, maior freqüência de abortos es- tituição geológica da cidade de Ouro Preto (Figura 1),
pontâneos, fetos com baixo peso, dores de cabeça, compreende um conjunto de rochas metassedimentares
confusão mental e anemias (Hutton, 1987; Morton & Dun- e metavulcânicas pertencentes aos Supergrupos Minas
nette, 1994; Chen & Lin, 1994; USEPA, 2000; WHO, 2001). e Rio das Velhas.
No município de Ouro Preto, o abastecimento públi- O clima de Ouro Preto, de acordo com Rodri-
co domiciliar, bem como as fontes e chafarizes existen- gues (1966), adotando a classificação internacional
tes nas ruas e praças, é feito através da captação de de KOPPEN, é do tipo Cwb (tropical de altitude), ou
água superficial, de nascentes e também de águas sub- seja, mesotérmico úmido, com inverno seco e verão
terrâneas provenientes de poços tubulares e de antigas brando.
minas de ouro. A possibilidade da ocorrência de conta- Na cidade de Ouro Preto, grande parte da área ur-
minação dessas águas por As, em função das litotipos bana está localizada em um vale formado entre a Serra
constituintes dos aqüíferos, as tornariam impróprias para do Itacolomi e a Serra de Ouro Preto, tendo suas cotas
o consumo humano. variando entre 1.060 e 1.420 m de altitude.

– 71 –
O Arsênio nas Águas Subterrâneas de Ouro Preto (MG)

Minas Gerais

CG CANGA
N GT GRUPO ITACOLOMI
GI FS
FORMAÇÃO SABARÁ
GI GC
SÃO SEBASTIÃO FT
FORMAÇÃO TABÕES
GC
GN A` FF FORMAÇÃO FECHO DO FUNIL
VELOSO FC FORMAÇÃO CERCADINHO
FC
GI GI GRUPO ITABIRA
GN GN GC
LAJES GC
GRUPO CARAÇA
SANTANA GI
GC GG GN GRUPO NOVA LIMA
FC GC GG GG GN
FC
GI
PIEDADE A A’ PERFIL GEOLÓGICO
As As FALHA
FT CENTRO
FS GI GI FALHA DE EMPURRÃO
FC
FT A
RUAS
FS PADRE FARIA
As FC E.F. (ESTRADA DE FERRO)
As FC
As ARSÊNIO
FS
FS
L
NI

GG FT
FU

E.F. MORRO DO
CRUZEIRO
DO
FF
FT FF
IRÃO
RIBE SARAMENHA FT

NOSSA SENHORA
DO CARMO
GT
FS FS

Figura 1 – Esboço Geológico da cidade de Ouro Preto, modificado


de Barbosa (1969) e Quade (1982).

HIDROGEOLOGIA - OS SISTEMAS AQÜÍFEROS: (C.A.), nos meses de janeiro, março, maio, julho, setem-
DESCRIÇÕES E CARACTERIZAÇÕES bro e novembro. Em cada ponto de coleta foram medi-
dos in situ o pH, Eh, temperatura, sólidos totais dissolvi-
Foram identificados três categorias de sistemas dos e condutividade elétrica.
aqüíferos: um meio granular, caracterizado por mantos O método de análise de especiação de As utilizado,
de alteração e coberturas detríticas indiferenciadas, um foi por voltametria de onda quadrada (Gonçalves et al.,
meio granular-fissurado, constituído pelas rochas itabirí- 2004). Os experimentos voltamétricos foram realizados
ticas, e um meio fissural, representado pelas rochas xis- em um polarógrafo Metrohm, modelo 757 VA Computra-
tosas e quartzíticas (Quadro1). ce, dotado de um eletrodo de trabalho de gota pendente
de mercúrio, um eletrodo de referência Ag/AgCl/KCl
-1
MATERIAIS DE MÉTODOS 3mol.L e um eletrodo auxiliar de platina.

Dentre as várias captações de água subterrânea e RESULTADOS E DISCUSSÕES


superficial utilizadas pela população da cidade de Ouro
Preto, foram selecionados 17 pontos de amostragem Dos 17 pontos estudados (Tabela 1), em 13 não foi
(P.A.), para estudo. As amostras de água natural subter- encontrada a presença de As. Entretanto, em quatro lo-
rânea e superficial (Tabela 1) foram coletadas ao longo calidades, o As(V) foi detectado em concentrações que
-1
do ano de 2003, em seis campanhas de amostragem variaram entre 9 e 224 µg.L . Do total de amostras de

– 72 –
José Augusto Costa Gonçalves

água analisadas, os valores das concentrações de As 1 – o declínio dos níveis de água após as estações
de 75% das amostras estavam acima dos valores com- chuvosas propiciam o início dos processos de oxidação
-1
patíveis ao consumo humano, que é de 10 µg.L de As nos sistemas aqüíferos;
(FUNASA, 2001). Em todas as amostras de água estuda- 2 – nos períodos chuvosos, os sais formados nas zo-
das, não foi detectada a presença do As(III), espécie nas de oxidação, durante o período seco, são solubiliza-
mais tóxica de As. dos e transportados.
As amostras de água que apresentaram concentra- Somados às condições climáticas, e atuando de
ções de As impróprias para o consumo humano foram forma concomitante, os caminhos das precipitações at-
encontradas nos pontos de amostragem P.A. 14 (Mina mosféricas, tanto pelo escoamento superficial, como pe-
do Chiquinho), PA 15 (Chafariz – Rua do Barão), PA 16 las águas infiltradas, encontram na geomorfologia e no
(Piedade-Tassara) e P.A. 17 (Biquinha da Rua Santa Rita relevo abrupto da área, condições propícias para fluxos
– Mina Velha). rápidos, facilitando as interações água-rocha, a solubili-
A direta e estreita relação entre a sazonalidade do cli- zação e o transporte de quantidades maiores de subs-
ma e os valores das concentrações de As, encontrada tâncias e elementos.
nas águas de alguns pontos estudados (P.A. 14, P.A. 15, Os sistemas aqüíferos existentes, também contri-
P.A. 16, P.A. 17), é evidenciada na Figura 2. Em todos es- buem de forma relevante na solubilização e liberação
ses pontos as curvas representativas dos índices de chu- do As para o ambiente. Tanto os filitos e quatzitos fer-
va e dos valores das concentrações de As, mostram a ruginosos, rochas da Formação Cercadinho (aqüífero
mesma tendência, ou seja, os períodos de maior incidên- fissural), como principalmente os itabiritos e itabiritos
cia de chuva são também os que apresentam os maiores dolomíticos, Formação Cauê, filitos dolomíticos e for-
valores nos teores de As nas águas analisadas. Períodos mações ferríferas dolomíticas da Formação Gandare-
estes compreendidos entre os meses de dezembro e la, rochas xistosas (aqüífero granular-fissural), apre-
março. sentam boas condições de porosidade e permeabili-
Por outro lado, na estação mais seca, entre os me- dade, densa malha de fraturas, microfraturas e planos
ses de junho e setembro, os valores das concentrações de foliação. Nessas formações, onde se localizam os
de As nas águas apresentaram os menores valores, sen- pontos em que ocorrem As em águas subterrâneas,
do que para os pontos (P.A 14 e P.A 16), nesses meses, são observadas, as presenças de minerais sulfetados
o As não foi detectado. Para todos os pontos com pre- oxidados e minerais secundários, expostos superfici-
sença de As nas águas, os valores máximo e mínimo, almente.
dos teores de As, coincidem com os valores máximo e A oxidação dos corpos minerais sulfetados, tem iní-
mínimo dos índices pluviométricos. cio com a redução do aporte de águas no fim do período
Duas condições hidrogeoquímicas podem levar chuvoso, estendendo-se por todo o período seco, poden-
às variações da qualidade das águas (Rose et al., do produzir considerável quantidade de sais solúveis.
1991): Essas condições ocorrem inicialmente e principalmente

Quadro 1 – Os sistemas aqüíferos, litologias predominantes e unidades geológicas associadas (Modificado de IGA, 1995)

Sistemas Aqüíferos Litologia Predominante e Unidades Geológicas

Meio Granular
Aqüíferos em Manto de alteração e Coberturas detríticas Saprólitos, colúvios, areias finas, capas lateríticas e formações de
indiferenciadas canga

Meio Granular – Fissurado

Aqüífero Itabirítico Itabirito e itabirito dolomítico da Formação Cauê / Filito dolomítico e


formações ferríferas dolomíticas da Formação Gandarela

Meio Fissurado

Aqüífero Xistoso Xisto, clorita-filito e xisto, quartzo-clorita e quartzo-clorita-sericita


xisto do Grupo Nova Lima / Filito dolomítico, filito e siltito da
Formação Fecho do Funil / Mica e clorita-xisto, quartzito da
Formação Sabará

Aqüífero Quatzítico Quartzito, quartzito ferruginoso, filito da Formação Cercadinho /


Quartzito conglomerático do Grupo Itacolomi

– 73 –
O Arsênio nas Águas Subterrâneas de Ouro Preto (MG)

Tabela 1 – Localização dos Pontos de Amostragem (P.A.) e composição química das amostras de água subterrânea

PA01 Rua Tomé Vasconcelos – 438 / Bairro São Cristóvão—————Tipo de Captação: Antiga mina de ouro—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA02 Travessa Sargento Francisco Lopes-1—————Tipo de Captação: Nascente—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA03 Travessa Sargento Francisco Lopes-2—————Tipo de Captação: Antiga Mina de Ouro—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA04 Jardim Botânico—————Tipo de Captação: Superficial—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA05 Água Limpa – Caixa 4 (Quadra de Futebol)————Tipo de Captação: Nascente————Não foi detectado As ao longo do ano

PA06 Água Limpa – Caixa 5 (Banheira)—————Tipo de Captação: Nascente—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA07 Nossa Senhora do Carmo—————Tipo de Captação: Superficial—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA08 Saramenha de Cima—————Tipo de Captação: Superficial—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA09 Morro São Sebastião—————Tipo de Captação: Poço Tubular—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA010 Estação de Tratamento do Itacolomi—————Tipo de Captação: Superficial—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA011 Biquinha – Rua 13 de Maio (Frente ao número 160)—————Tipo de Captação: Antiga Mina de Ouro—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA012 Mina do Bem Querer—————Tipo de Captação: Antiga Mina de Ouro—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA013 Morro São João—————Tipo de Captação: Poço Tubular—————Não foi detectado As ao longo do ano

PA014 Mina do Chiquinho Tipo de Captação: Antiga Mina de Ouro

Ph Temp STD CE Eh As III As V Na Mg Al K Ca Mn Fe Ba

CA1 7,43 19,7 14,12 21,38 0,397 <5 27,0 1,06 0,26 < LQ 0,94 1,35 58,80 < LQ 7,87

CA 2 6,62 19,0 16,38 25,15 0,433 <5 14,8 1,80 0,40 < LQ 1,03 1,35 127,90 < LQ 6,27

CA 3 6,57 17,5 17,39 25,99 0,488 <5 <5 1,78 0,50 < LQ 1,03 1,23 124,40 < LQ 5,96

CA 4 6,37 18,3 16,63 25,90 0,398 <5 <5 1,58 0,49 < LQ 1,00 1,20 53,10 < LQ 26,87

CA 5 6,30 20,0 16,50 25,35 0,383 <5 <5 1,61 0,48 < LQ 1,04 1,22 7,58 < LQ 14,13

CA 6 6,59 20,6 15,13 22,63 0,387 <5 <5 1,68 0,44 < LQ 0,88 1,23 18,05 < LQ 4,75

PA 15 Chafariz – Rua do Barão-30 (Vicentão) Tipo de Captação: Nascente

pH Temp STD CE Eh As III As V Na Mg Al K Ca Mn Fe Ba

CA 1 7,16 19,6 54,21 80,85 0,399 <5 71,0 7,15 1,12 < LQ 2,80 4,28 10,34 < LQ 9,03

CA 2 6,24 19,4 48,24 73,33 0,497 <5 62,9 7,32 1,02 < LQ 2,62 2,97 15,51 < L.Q. 7,42

CA 3 6,28 18,6 48,23 71,49 0,469 <5 48,0 7,00 1,10 1,76 2,53 2,45 14,95 4,33 7,59

CA 4 6,67 18,2 49,03 75,45 0,335 <5 25,0 6,90 1,08 < LQ 2,60 2,43 15,04 < L.Q. 39,61

CA 5 7,82 19,5 49,25 74,65 0,412 <5 25,0 7,14 1,02 3,13 2,64 2,46 15,38 5,05 28,50

CA 6 7,31 20,7 49,95 73,90 0,365 <5 26,5 1,26 0,44 38,20 0,35 1,22 9,49 12,30 4,72

PA16 Piedade Tipo de Captação: Antiga Mina de Ouro

pH Temp STD CE Eh As III As V Na Mg Al K Ca Mn Fe Ba

CA 1 7,21 18,7 46,70 69,50 0,420 <5 29,0 5,65 0,93 3,35 2,30 3,63 29,60 < L.Q. 13,61

CA 2 6,65 18,6 48,43 73,55 0,488 <5 22,8 6,70 1,00 7,97 3,17 3,38 31,54 < L.Q. 12,95

CA 3 6,61 18,4 47,15 69,83 0,517 <5 <5 6,23 1,07 5,83 2,92 2,75 32,38 < L.Q. 12,13

CA 4 6,55 18,1 49,22 75,75 0,414 <5 <5 5,65 1,04 < LQ 2,78 2,73 27,19 < L.Q. 25,25

CA 5 6,53 19,0 42,87 64,88 0,400 <5 15,2 5,46 0,99 3,83 2,72 2,73 31,63 < L.Q. 22,16

CA 6 6,73 20,4 41,47 61,13 0,408 <5 9,0 6,60 1,12 4,49 2,93 3,58 30,26 < L.Q. 13,20

PA 17 Biquinha da rua Santa Rita (Mina Velha) Tipo de Captação: Antiga Mina de Ouro

pH Temp STD CE Eh As III As V Na Mg Al K Ca Mn Fe Ba

CA 1 7,00 19,2 90,74 135,70 0,420 <5 224,0 8,36 2,02 30,40 3,86 11,96 20,53 < L.Q. 12,73

CA 2 6,92 19,2 82,05 125,00 0,495 <5 125,9 8,97 1,74 27,76 3,60 9,53 38,60 < L.Q. 11,51

CA 3 6,42 18,6 82,88 123,01 0,532 <5 68,0 9,39 1,84 7,41 3,75 6,79 57,30 < L.Q. 14,61

CA 4 5,93 18,4 82,00 126,50 0,408 <5 17,0 9,47 1,85 < LQ 3,90 6,30 68,00 < L.Q. 33,64

CA 5 6,56 18,6 80,90 122,70 0,388 <5 <5 9,93 1,74 11,53 3,97 6,09 71,10 < L.Q. 25,86

CA 6 6,87 19,1 85,94 127,10 0,397 <5 27,0 9,44 2,03 25,33 3,37 10,73 30,18 < L.Q. 11,30
-1 -1 1 1 -1 1 1 -1 -1 -1
Limite do Quadrilátero (LQ) (5µgL ) (5µgL ) (0,15mgL- ) (0,01mgL- ) (4µgL ) (0,05mgL- ) (0,01mgL- ) (4µgL ) (9µgL ) (0,2µgL )

– 74 –
José Augusto Costa Gonçalves

550 30 550 75
70
500 500
65
450 25 450
60
400 Ponto 14 400 Ponto 15 55
Mina do Chiquinho Chafariz do Barão
Precipitação (mm)

Precipitação (mm)
350 350 50
20

As V (µg/L)

As V (µg/L)
45
300 300
40
250 250
35
15
200 200 30

150 15 0 25

10 20
100 10 0
15
50 50
10
0 5 0 5
4

04
04
03

4
04

04

4
4

04

04
4

4
03

4
04

04

4
4
4
l/0

/0
/0
r/0

t/0
t/0

l/0
/0

/0
/0
r/0

t/0
t/0
/0
v/
n/
n/

v/
z/

o/

v/
o

n/

v/
ai

z/
ar

n
ju

ai
ou

ar
ab

ju
no
se
de

fe

ag
ju

ou
ja

ab

no
se
de

fe

ag
ju
m

ja

m
m

m
Período considerado Período considerado

550 35 550 255

500 500 230

450 Ponto 16 30 450 Ponto 17 205


400
Piedade 400
Mina Velha
18 0
25
Precipitação (mm)
Precipitação (mm)

350 350
15 5

As V (µg/L)
As V (µg/L)

300 300
20 13 0
250 250
10 5
200 200
15
80
15 0 15 0

10 0 55
10 10 0

50 50 30

0 5 0 5
4

04

04
4
03

4
04

04

04

04
4

04
03

4
4

04

04
4

4
4
4
l/0
/0
/0

l/0
r/0

t/0
t/0

/0
/0

r/0

t/0
t/0
/0
o/

v/
n/

v/

o/

v/
n/
z/

n/

v/
n

z/
ai
ar

ai
ju

ar
ou

ju
ab

no
se

ou
de

fe

ag
ju

ab

no
ja

se
de

fe

ag
ju
ja
m

m
m

Período considerado Período considerado

Legenda : Curva representativa dos valores de chuva no período considerado

Curva representativa dos valores de As V nos pontos estudados

Figura 2 – Representação gráfica da relação entre as precipitações atmosféricas e as concentrações de As V, no período de dezembro de 2003
a novembro de 2004 em pontos de captação de água para uso doméstico.

nas áreas de recarga da águas subterrâneas e encos- Armienta et al. (2001), relatam a contaminação de águas
tas, onde os processos intempéricos na zona não satura- subterrânea por As, proveniente de processos de oxida-
da, rica em O2 livre, provocam a oxidação dos minerais ção da arsenopirita e da dissolução da escorodita, origi-
sulfetados, como principalmente a arsenopirita. A rea- nárias de mineralizações sulfetadas encaixadas em ro-
ção de oxidação da arsenopirita, segundo Plumlee chas carbonáticas.
2+ +
(1999) é: FeAsS + 3.25O2 + 1.5H2O = Fe + 2H +
2- 2-
HAsO4 + SO4 . ESTUDO DA PRESENÇA DO AS NAS RESIDÊNCIAS
Sob essas condições ácidas, o As possui alta mobi- DO BAIRRO PADRE FARIA
lidade, Mok et al. (1988), se liberando das rochas mine-
ralizadas através de processos inorgânicos ou bióticos, O Bairro Padre Faria é abastecido por águas de vári-
Nordstron & Southam (1997). as captações. Amostras de água foram coletadas em 42
Borba (2002), credita principalmente a esse mineral residências de algumas ruas desse bairro (Tabela 2),
e à sua dissolução incongruente, em decorrência da ele- previamente sorteadas para garantir a aleatoriedade
vação do pH do meio, a presença de As em águas sub- dos pontos de amostragem. As residências foram seleci-
terrâneas de algumas minas de Ouro Preto e na mina de onadas por amostragem sistemática, sendo selecionada
Passagem em Mariana. No Vale de Zimapám, no México, uma a cada dez existentes na rua.

– 75 –
O Arsênio nas Águas Subterrâneas de Ouro Preto (MG)

Tabela 2 – Concentrações de As Total em algumas de água nos aqüíferos, favorece a oxidação dos minerais
residências do Bairro Padre Faria sulfetados. Na estação chuvosa, ocorrerá a dissolução
desses minerais, mobilizando e lixiviando o As (Banks et
AMOSTRA As mg/L AMOSTRA As mg/L al., 1997; Freeze & Cherry, 1994) para o ambiente, au-
PF 01 < L.Q. PF 22 189,00 mentando as concentrações desse elemento nas águas
PF 02 < L.Q. PF 23 9,88 subterrâneas, ao mesmo tempo em que podem diluir as
PF 03 8,66 PF 24 10,76 concentrações originais. Os valores das concentrações
PF 04 8,57 PF 25 7,47 de As determinadas nas amostras de água, são repre-
PF 05 8,82 PF 26 55,52 sentativas do momento da amostragem e da estação do
PF 06 8,54 PF 27 16,11 ano, podendo sofrer variações em seus valores, para
PF 07 < L.Q. PF 28 9,74 mais ou para menos, ao longo do tempo.
PF 08 9,23 PF 29 10,91 Em decorrência da existência de As nas águas
PF 09 9,62 PF 30 < L.Q. subterrâneas utilizadas pela população de alguns bair-
PF10 11,51 PF 31 < L.Q. ros da cidade de Ouro Preto, providências dos órgãos
PF 11 9,90 PF 32 < L.Q. municipais responsáveis pela distribuição de água se fa-
PF 12 10,14 PF 33 < L.Q. zem necessárias. A constituição de um eficaz e eficiente
PF 13 < L.Q. PF 34 < L.Q. sistema de abastecimento de água que contemple a
PF 14 < L.Q. PF 35 7,47 identificação e caracterização das áreas contaminadas,
PF 15 8,90 PF 36 < L.Q. um inventário de todas as captações de água, elabora-
PF 16 8,42 PF 37 < L.Q. ção de um plano de controle e monitoramento constante
PF 17 8,04 PF 38 < L.Q. dessas águas.
PF 18 8,17 PF 39 < L.Q.
PF 19 < L.Q. PF 40 < L.Q.
PF 20 127,00 PF 41 < L.Q. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PF 21 13,46 PF 42 < L.Q.
PF – Padre Faria ARMIENTA, M.A.; VILLASENÕR, G.; RODRIGUES, R.;
L.Q. – Limite de Quantificação ONGLEY, L.K.; MANGO, H. The role of arse-
nic-bering rocks in groundwater pollution at Zimapan
CONCLUSÕES Valley, Mexico. Environmental Geology, Berlin, v. 40,
n. 4-5, p. 571 – 581, Feb. 2001.
Na metodologia utilizada, as espécies inorgânicas BANKS, D.; YOUNGER, P.; ARSENEN, R.; IVERSEN, E.;
As(III) e As(V) podem ser quantificadas em águas natu- BANKS, S. Mine-water chemistry: the good, the bad
rais, com custo relativamente baixo, resposta rápida e and the ugly. Environmental Geology, Berlin, v. 32, n.
-1
sensibilidade elevada. Teores acima de 5 µgL podem 3, p. 157 – 174, Oct. 1997.
ser facilmente determinados, cobrindo-se uma faixa ex- BARBOSA, A . L. M. Geologic map of the Ouro Preto, Ma-
tensa de concentrações. As respostas para as análises riana, Antonio Pereira e São Bartolomeu quadran-
das amostras reais são perfeitamente similares às dos gles, Minas Gerais, Brazil. Washington,
padrões, não havendo, portanto, interferências prejudi- DNPM/USGS, 1969. U.S. Geological Survey Professi-
ciais das matrizes. onal Paper, 641; plates 7,8,9,10.
Uma característica de áreas em que as águas sub- BORBA, R.P. Arsênio em ambiente superficial: proces-
terrâneas apresentam elevados teores de As, com rela- sos geoquímicos naturais e antropogênicos em uma
ção aos valores permissíveis para o consumo humano, é área de mineração aurífera. 2002. 202 p. Tese (Dou-
o grau de variabilidade espacial em concentrações de torado em eociências)-Instituto de Geociências, Uni-
As, (Smedley et al., 2002). Assim, pode ser difícil ou im- versidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002.
possível predizer a concentração de As, em uma nascen- BRASIL.Fundação Nacional de Saúde. Portaria nº
0

te, poço ou mina, tendo por base os resultados de nas- 1469/2000, de 29 de dezembro de 2000 : aprova o
centes ou poços vizinhos. Aqüíferos afetados por As, po- controle e vigilância da qualidade da água para con-
dem ser restritos a certos ambientes, apresentando um sumo humano e seu padrão de potabilidade. Brasí-
comportamento espacial errático, e parecerem ser exce- lia: FUNASA, 2001. 32 p.
ção à regra. CHEN, C.; LIN, L. Human carcinogenity and atherogeni-
As variações das concentrações de As nas águas city induced by chronic exposure to inorganic arse-
subterrâneas da área pesquisada, ao longo do período nic. In: Nriagu, J. O. (Ed.). Arsenic in environmental:
de um ano estão relacionadas à sazonalidade climática. part II: human health and ecosystem effects. New
Na estação de déficit pluviométrico, a redução do nível York: John Wiley & Sons, 1994. P. 109 – 132.

– 76 –
José Augusto Costa Gonçalves

FREEZE, A. R.; CHERRY, J.A. Groundwater. Englewood NATIONAL primary drinking water regulations: arsenic
Cliffs, NY: Prentice Hall, 1994. and clarifications to compliance and new source
GONÇALVES, J.A .C.; PAIVA, J. F.; TEÓFILO, R. F.; contaminants monitoring: proposed rule. Federal Re-
LENA, J.C.; NALINI JR, H.A. 2004. Determinação das gister, Washington, DC, v. 65, n 121, p. 38888 –
0

espécies de arsênio em águas naturais utilizando 38983, Jun. 22, 2000.


voltametria de onda quadrada. In: CONGRESSO NORDSTRON, D.K.; SOUTHAM, G. Geomicrobiology of
BRASILEIRO DE GEOQUÍMICA, 9., Belém. Anais.... sulfide mineral oxidation. In: Banfield, J.F.; Nealson, K.
Belém: Sociedade Brasileira de Geoquímica, 2003. (Ed.). Geomicrobiology–interactions between micro-
P. 304 – 305. bes and minerals. Reviews in Mineralogy and Geo-
HOPENHAYN-RICH, C.; M.L. BIGGS; SMITH, A.H.; chemistry, Washington, DC, v.35, p. 361 – 390, 1997.
KALMAN, D.A.; MOORE, L.E. Methylation study in a PLUMLEE, G. S. The environmental geology of mineral
population environmentally exposed to high arsenic deposits. In: Plumlee, G.S.; Logsdon, M.J. (Ed.). The
drinking water. Environmental Health Perspectives, environmental geochemistry of mineral deposits: part
[S.l.], v. 104, n. 6, p. 620-8. A: processes, techniques, and health issues. Revi-
HUTTON, M. Human health concercns of lead, mercury, ews in Economic Geology, Chelsea, MI, v. 6A, p. 71 –
cadmium and arsenic. In: Hutchinson, T. C.; Meema, 116, 1999.
K. M. (Ed.). Lead, mercury, cadmium and arsenic in QUADE, H.W. Mapa Geológico da Região de Ouro Pre-
the environment. New York: John Wiley & Sons, 1987. to. [Ouro Preto]: Universidade Federal de Ouro Preto,
p. 53 – 68. [19-]. 1 mapa. Escala 1:10.000.
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS APLICADAS (IGA). De- RODRIGUES, D.M.S. Condições Climáticas de Minas
senvolvimento Ambiental de Ouro Preto: microbacia Gerais. Boletim Mineiro de Geografia, Belo Horizon-
do Ribeirão do Funil. Belo Horizonte, 1995. te, ano 7, n. 12, 1966.
MOK, W. M.; RILEG, J.; WAI, C. M. Mobilization of arsenic SMEDLEY, P. L.; KINNIBURGH, D. G. A review of the
in contaminated rivers waters. Water Resources, source, behaviour and distribution of arsenic in natu-
New York, v. 22, p. 769 – 774, 1988. ral waters. Applied Geochemistry, Oxford, v. 17, n. 5,
MORTON, W. E.; DUNNETTE, D. A . Health effects envi- p. 517 – 568, may 2002.
ronmental arsenic. In: Nriagu, J. O. (Ed.) Arsenic in THORNTON, I.; FARAGO, M. The geochemistry of arse-
environment: part II: human health and ecosystem nic. In: ABERNATHY, C.O.; CALDERON, R.L.;
effects. New York: John Wiley & Sons, 1994. p. 17 – CHAPPELL, W. R. (Ed.). Arsenic exposure and health
34. effects. New York: Chapman & Hall, 1997. p. 1 – 16.
NATIONAL RESEARCH CONCIL (NRC). Arsenic in drin- WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). United Nati-
king water. Washington, DC: National Academic ons synthesis report on arsenic in drinking water. Ge-
Press, 1999. 310 p. neva, 2001.

– 77 –
Arsênio em Sedimentos Estuarinos do Canal de Acesso à Baía de Antonina, Paraná

ARSÊNIO EM SEDIMENTOS
ESTUARINOS DO CANAL DE
ACESSO À BAÍA DE
ANTONINA, PARANÁ.
1
Fabian Sá, fabianbgm@ufpr.br
1
E. C. Machado,
2
J. R. Ângulo,
1
Centro de Estudos do Mar – UFPR
2
Departamento de Geologia – UFPR

INTRODUÇÃO

O complexo estuarino da Baía de


Paranaguá, situado na costa sul do Bra-
sil, entre 2516’ e 2534’ S e 4817’ e 4842’
W, é formado pelas baías de Paranaguá
propriamente dita, incluindo a região de
Antonina, e das Laranjeiras (Figura 1).
Este sistema é de extrema importân-
cia para o ecossistema costeiro e no de-
senvolvimento econômico e social do
estado do Paraná, uma vez que constitui
um espaço geográfico propício a instala-
ções portuárias, industriais, atividades
pesqueiras (local de reprodução e cres-
cimento de espécies de interesse comer-
cial) e turísticas. A região da baía de
Antonina, situada na porção mais interna
do complexo estuarino da Baía de Para-
naguá, vem sofrendo reativação de insta-
lações portuárias através do crecimento
destas atividades na região, sendo ne-
cessário o aumento do calado dos canais Figura 1 – Mapa do eixo L – O do complexo estuarino da Baía de Paranaguá.
de acesso aos portos de Paranaguá e
Antonina, havendo necessidade de dra-
gagens periódicas para a manutenção do calado. MÉTODOS
Na região do complexo estuarino da Baía de Para-
naguá coexistem atividades urbanas, portuárias, indus- Em maio de 2001 foram coletadas amostras de sedi-
triais (fertilizantes, estocagem de produtos químicos, mentos superficiais, em 9 pontos, dispostos em 3 seções
granéis), dragagens, atividades pesqueiras, entre mui- ao longo dos 12 km compreendidos entre a Ponta do Fé-
tas outras (Figura 2). lix e o terminal da Petrobrás (Figura 3).

– 78 –
Fabian Sá

(a) (c)

(b)
Figura 2 - Atividades urbanas/industriais e portuárias que ocorrem concomitantemente na região: (a) depósito de resíduos sem planejamento;
(b) atividades de dragagens; (c) emissários de esgoto doméstico/industrial.

Canal de acesso
25° 25' S

Pontos de coleta
25° 26'

Baí a de An tonina

25° 27'

7
8
9 25° 28'

Baí a de Paranagu á
4
5 25° 29'

6 1
2
3 25° 30'

Paranaguá 25° 31'

25° 32'

1 0 5 km

48° 42' 48° 39' 48° 36' W 48° 33' 48° 30'

Figura 3 – Mapa dos pontos de coleta e delimitação do canal de acesso ao Terminal Portuário Ponta do Félix
e o porto Barão de Teffé, Antonina.

– 79 –
Arsênio em Sedimentos Estuarinos do Canal de Acesso à Baía de Antonina, Paraná

Foi realizada extração forte utilizando HF e HNO3 Tabela 1


com aquecimento, afim de obter a dissolução completa
de toda a estrutura cristalina dos grãos presentes no se- Estação
Cd Pb Cr Cu Ni Hg
dimento, liberando os elementos metálicos tanto naturais (ppm) (ppm) (ppm) (ppm) (ppm) (ppm)
quanto os resultantes das atividades antrópicas. O ele- 1 2,075 24,750 57,250 15,250 30,922 0,400
mento arsênio foi determinado pelo método de espectro-
2 1,394 21,663 48,805 13,197 21,499 0,930
fotometria de absorção atômica (AAS) no Laboratório de
Oceanografia Geológica da Fundação Universidade Fe- 3 2,225 23,250 52,000 9,250 20,982 0,247
deral do Rio Grande (FURG). 4 2,488 19,652 28,358 5,224 14,112 0,262
5 1,990 18,657 27,363 4,478 18780 0,094
FATORES FÍSICOS
6 2,498 25,475 48,202 15,734 19,986 0,091
Marone & Jamiyanaa (1997) classificam a maré do 7 2,714 19,173 34,114 5,976 7,900 0,076
Complexo Estuarino da Baía de Paranaguá como micro-
8 2,545 19,212 44,162 10,978 19,795 0,299
maré, predominantemente semidiurna com desigualda-
des diurnas, sendo a amplitude média de 1,4 m em situa- 9 2,679 21,825 29,018 5,456 9,006 0,047
ção de quadratura e 1,7 m em períodos de sizígia. Knop-
pers et al. (1987) interpretou que o setor L – O do Com-
plexo Estuarino de Paranaguá pode ser classificado
como um estuário parcialmente misturado tipo 2, no dia-
Arsênio
grama Estratificação – Circulação de Hansen & Rattray
(1965).
35,0
Segundo Noernberg (2001), este setor sofre maior
30,0
influência do aporte de água doce de sua bacia de dre- 25,0
[ ] ppm

nagem em relação ao eixo N – S, apresentando respos- 20,0 Arsênio (ppm)


15,0
ta mais rápida e intensa aos processos relacionados à 10,0
estratificação da coluna d’água, intrusão salina, aporte 5,0
de sedimentos fluviais e formação da zona de máxima 0,0
turbidez. Este autor delimitou a presença de uma zona 1 2 3 4 5 6 7 8 9
de máxima turbidez (ZMT) neste setor, ocorrendo entre Pontos de coleta
as Ilhas Gererês e o Porto de Paranaguá, e acrescentou
ainda que a ocorrência desta zona está diretamente re-
Figura 4 – Concentrações de arsênio nas amostras coletadas.
lacionada à geometria do corpo estuarino, intensidade
das correntes de maré e à estratificação da coluna
d’água.
Outro aspecto importante para este tipo de siste-
ma é a presença de uma grande diversidade de itens
RESULTADOS E DISCUSSÃO de pescado, o que amplia o número de vias de acesso
dos elementos metálicos em suas águas e sedimentos
As concentrações de arsênio determinadas para às populações humanas, principalmente em núcleos
as amostras de sedimento superficial variaram entre 7,9 urbanos onde a dieta alimentar é constituída basica-
e 30,9 ppm (Figura 4). Analisando a distribuição das mente de pescado. A população destes locais geral-
concentrações de arsênio nos sedimentos superficiais mente apresenta diferentes fontes alimentares, como
no eixo L – O do complexo estuarino observou-se um peixes e alguns invertebrados: mariscos, sururu
acréscimo significativo em direção à cidade de Parana- (Mytella guyanensis), ostras em geral, caranguejos e
guá (Figura 5), demonstrando a influência da zona de siris (Callinectes danae). Kolm et al. (2002) realizaram
máxima turbidez na retirada deste elemento da coluna análises de elementos metálicos em fígado de Catho-
d’água e concordando com Sá (2003), que também en- rops spixii (Ariidae), provenientes da Baía de Antoni-
controu concentrações elevadas neste mesmo local na. Os resultados mostraram concentrações de até
para diversos outros elementos metálicos (Tabela 1). 518,69 µg/kg para arsênio demonstrando a ocorrência
Este autor ainda alerta para a existência de uma fonte dos processos de bioacumulação e biomagnificação
potencial no município de Paranaguá, pois as concen- neste ambiente, sugerindo que uma quantidade ainda
trações de arsênio são ainda mais elevadas ao redor desconhecida deste elemento encontra-se em alguma
desta cidade. forma biodisponível.

– 80 –
Fa bi an Sá

25° 27
'

Antonin a
7
Ar sê nio p
( pm)
8 2
14
9 26 25° 28
'

38

4
50 (a)
5 25° 29
'

6 1
2
3
25° 30
'

Paranagu á
25° 2 9' 45"
25° 31
'

1 0 4 km
48° 40
' 48
° 39' 48° 38' 4 8° 37' 48° 36' 4 8°35' 48° 34
' 48° 33'

Ar sê ni o (ppm ) 9
10
(b) 25° 3 0' 00"

2 7
8
14
26
38 6 5
50 25° 3 0' 15"

2 3
25° 3 0' 30"

1
C anal do An haia
25° 3 0' 45"

100 0 500
m

48°33' 30" 48°3 3' 1 5" 48 °33' 00" 4 8°32' 45" 48° 32' 30" 48°32' 15" 48°3 2' 00" 48° 31' 45" 48° 31' 30"

Fi gu ra 5 – Mapa de pro por ci o na li da de das con cen tra ções de ar sê nio no se di men to super fi ci al, em des ta que o Ter mi nal Por tuá rio da Pon ta do
Fé lix e as ilhas Ge re rês pró xi mo ao mu ni cí pio de Pa ra na guá.

De vi do à gama de in for ma ções ge o quí mi cas ain da physi cal and che mi cal cha rac te ris tics. Nerítica, Cu ri-
inexistentes para a região do complexo estuarino da ti ba, v. 2, n. 1, p. 1-36, 1987.
Baía de Pa ra na guá os es tu dos atu a is es tão sen do en fo- KOLM, H.E. Et al. Avaliação dos im pac tos de cor ren tes
ca dos na ge ra ção de co nhe ci men to so bre a es pe ci a ção da cons tru ção de um píer pela FOSPAR – Fer ti li zan-
de diferentes elementos nos sedimentos superficiais, tes Fos fa ta dos do Pa ra ná S.A.: re la tó rio téc ni co. Pon-
determinação dos níveis de referência ( background) e tal do Pa ra ná: UFPR-CEM-FOSPAR, 2002. 184 p.
as con cen tra ções pre sen tes na co lu na d’água. Estes es- MARONE, E.; JAMIYANAA, D. Ti dal cha rac te ris tics and a
tu dos ser vi rão, não só para fu tu ros tra ba lhos de ca rá ter variable boun dary nu me ri cal mo del for the M2 tide for
ci en tí fi co, como para o ge ren ci a men to das ati vi da des de the Estu a ri ne Com plex of the Bay of Pa ra na guá, PR,
dragagem, dando suporte para tomadas de decisões. Bra zil.Nerítica, Cu ri ti ba, v. 11, n. 1-2, p. 95-107, 1997.
Como por exem plo, qual o me lhor des ti no para o ma te ri al NOERNBERG, M. A. Processos morfodinâmicos no
dra ga do e as prin ci pa is en tra das des tes ele men tos para Complexo Estuarino de Paranaguá: um es tu do uti li-
o sis te ma. zando dados Land sat-TM e me di ções in situ . 2001.
118 f. Dis ser ta ção (Dou to ra do em Ge o lo gia Ambi en-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS tal)-Departamento de Ge o lo gia, Univer si da de Fe de-
ral do Pa ra ná, Cu ri ti ba, 2001.
HANSEN, D. V.; RATTARAY JÚNIOR, M. Gra vi ta ti o nal cir- SÁ, F. Distribuição e fracionamento de contaminantes
culation in straits and es tu a ri es. J. Mar. Res., New nos sedimentos su per fi ci a is e atividades de dra ga-
Ha ven, v. 23, p. 104-122, 1965. gem no Com ple xo Estu a ri no da Baía de Pa ra na guá,
KNOPPERS, B. A.; BRANDINI, F. P.; THAMM, C. A.). Eco- PR. 2003. 92 p. Dissertação (Mestrado em Ge o lo-
logical studies in the Bay of Paranaguá: II: some gia)-Uni ver si da de Fe de ral do Pa ra ná, Cu ri ti ba, 2003.

– 81–
Expo si ção Hu ma na ao Arsê nio no Mé dio Vale do Ri be i ra, São Pa u lo, Bra sil

EXPOSIÇÃO HUMANA AO
ARSÊNIO NO MÉDIO VALE
DO RIBEIRA, SÃO PAULO,
BRASIL
1
Edu ar do Mel lo De Ca pi ta ni,ca pi ta ni@fcm.uni camp.br
2
Sa ku ma, Ali ce M., ali ce@ial.sp.gov.br
3
Bernardino Ri be i ro Fi gue i re do, ber na@ige.uni camp.br
4
Mo ni ca M. Bas tos Pa o li el lo, mo ni bas@ser con tel.com.br
2
Isa u ra A.Oka da
2
Ma ria Cris ti na Du ran
2
Ro ber ta I. Oku ra
1
Faculdade de Ciên ci as Mé di cas, UNICAMP
2
Insti tu to Adol fo Lutz
3
Insti tu to de Ge o ciên ci as, UNICAMP
4
Uni ver si da de Esta du al de Lon dri na

INTRODUÇÃO in tem pe ris mo de ro chas hos pe de i ras de fi lões au rí fe ros


com sul fe tos e ar se no pi ri ta (Tou ja gue, 1999; Bra ga & Fi-
A bacia hidrográfica do Rio Ribeira de Iguap e gue i re do, 2002). A exis tên cia de agru pa men tos po pu la-
abran ge as re giões do su des te do Esta do de São Pa u lo cionais re si din do nes sa área jus ti fi cou a re a li za ção de
e les te do Pa ra ná. As ati vi da des de mi ne ra ção e me ta lur- ava li a ção de ex po si ção. A po pu la ção que vive nos ba ir-
gia na região foram poluidoras e contribuíram para a ros e quilombos do Médio Vale do Ribeira é forma da
con ta mi na ção de dre na gens e so los no en tor no da re fi- principalmente por remanescentes dos escra vos que
naria lo ca li za da no mu ni cí pio de Adri a nó po lis (PR). trabalhavam na mi ne ra ção até o fi nal do sé cu lo XIX, e
O grau de ex po si ção ao ar sê nio de cri an ças e adul- con ser vam até hoje an ti gas tra di ções de uso dos re cur-
tos re si den tes no Alto Vale do Rio Ri be i ra foi ava li a do sos naturais locais, sobrevivendo principalmente da
por Sa ku ma (2004), em es tu do epi de mi o ló gi co an te ri or. agri cul tu ra fa mi li ar.
Na que le es tu do, a po pu la ção in ves ti ga da in clu iu mo ra- A ex po si ção am bi en tal a ní ve is ele va dos de ar sê-
do res da área ur ba na dos mu ni cí pi os de Ri be i ra (SP) e nio (formas inorgânicas trivalentes e pentavalentes)
de Adrianópolis (PR), inclu in do pequenas vilas rura is pode acar re tar do en ças vas cu la res e de pele, além de
(Vila Mota e Ca pe li nha) lo ca li za das a 500 e a 1.000 me- câncer de pulmão, fígado, bexiga e pele. A absorção
tros da an ti ga re fi na ria Plum bum (Adri a nó po lis), de sa ti- de arsênio de pende de vários fatores como o esta do
vada em 1995, e Ba ir ro da Ser ra, lo ca li za do na área ru- nutricional do indivíduo, a dose ingerida e o tem po de
ral do município de Iporan ga (SP), próximo à anti ga exposição (Sa ku ma et al., 2003; ATSDR, 2000). Os
mina de Furnas. Na quele e neste estudo foi utilizada com pos tos ar se ni a is me ti la dos (for mas or gâ ni cas) re a-
como população de referência controle, não exposta, gem me nos com os te ci dos e são ex cre ta dos mais ra pi-
os re si den tes em Cer ro Azul (PR), mu ni cí pio lo ca li za do damente que as formas inorgânicas, apresentando,
a mon tan te das áre as con ta mi na das, fora das áre as de por tan to, me nor to xi ci da de.
mi ne ra ção e re fi no. O presente estudo teve como objetivo ava liar o
No Mé dio Vale ocor rem ro chas e so los ri cos em As, grau de exposição ao As na po pu la ção de cri an ças e
em es pe ci al, ao lon go da Fa i xa Pi ri ri ca, lo ca li za da en tre adul tos do Mé dio Vale do Ri be i ra (MV), es pe ci al men te
os municípios de Iporanga e Eldorado. Nes sa fa ixa na re gião que so fre in fluên cia da ano ma lia na tu ral com
ocor rem so los com até 2.000 mg/kg As, re sul tan tes do As (Fa i xa Pi ri ri ca), por meio da de ter mi na ção dos ní ve is

– 82 –
Edu ar do Mel lo De Ca pi ta ni

de ar sê nio uri ná rio. O estudo bus cou tam bém iden ti fi- Os re sul ta dos re fe ren tes ao gru po con tro le (Cer ro
car os fa to res so ci o de mo grá fi cos que in flu en ci a ram no Azul) fo ram ob ti dos em 156 pes so as an te ri or men te es tu-
grau de ex po si ção. da das por Sa ku ma (2004).
Um ques ti o ná rio foi apli ca do aos par ti ci pan tes, para
POPULAÇÃO DE ESTUDO reunir informações sobre condições socioeconômicas,
há bi tos ali men ta res, ati vi da des ocu pa ci o na is, hob bi es e
A po pu la ção de es tu do do Mé dio Vale foi cons ti tu í da lazer.
por 378 cri an ças e adul tos mo ra do res de oito lo ca is dis- O ter mo de con sen ti men to li vre e es cla re ci do, apro-
tin tos, agru pa dos se gun do as ca rac te rís ti cas ge o ló gi cas vado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências
dos lo ca is de mo ra dia (den tro da Fa i xa Pi ri ri ca ou fora Mé di cas da UNICAMP, foi lido e as si na do pe los par ti ci-
dela (Fi gu ra 1). pan tes, pais ou res pon sá ve is.
O gru po po pu la ci o nal 1 es tu da do na pre sen te pes -
quisa foi formado por 112 participantes re sidentes na MATERIAL E MÉTODO
área ur ba na do mu ni cí pio de Ipo ran ga (SP), fora da Fa i-
xa Piririca, mas com pro vá vel in fluên cia das ati vi da des Entre abril de 2003 e mar ço de 2004, fo ram co le ta-
mineradoras de Fur nas. O gru po 2, por 192 re si den tes das amos tras da pri me i ra uri na da ma nhã, em fras cos de
nos Ba ir ros de Nhun gua ra e de Cas te lha nos, e nos Qu i- polietilenopreviamente des con ta mi na dos com áci do ní-
lom bos de São Pe dro, Gal vão e Iva po run du va, re giões tri co, sem adi ção de con ser van tes, e man ti das re fri ge ra-
ru ra is lo ca li za das dentro da extensão da Faixa Piririca. das até o re ce bi men to do la bo ra tó rio.
Os re si den tes nos Qu i lom bos de Pi lões e Ma ria Rosa, lo- Os com postos arseniais fo ram de terminados por
calizados em uma re gião mais dis tan te, fora da Fa i xa Pi- HG-AAS. Foi utilizado um espectrômetro de absorção
ri ri ca, for ma ram o gru po 3 des te es tu do com, 74 par ti ci- atô mi ca, Per kin-Elmer, mo de lo Analyst 100, com ge ra-
pantes. dor de hidretos e sistema de injeção de fluxo Per -
kin-Elmer, mo de lo FIAS 400. Foi
usado o método analítico des -
cri to por Guo et al. (1997), ba se-
ado na complexação dos com-
postos arseniais toxicologica-
mente importantes (As(III) +
As(V) + áci do mo no me ti lar sô nio
(MMA) + ácido di metilarsínico
(DMA ) com cis te í na. O mé to do
analítico foi validado previ a -
men te, usan do ma te ri al de re fe-
rência certi fi ca do (NIST 2670),
com valor certificado de 60 µg
L-1. O limite de quantificação
do mé to do foi de 0,4 µgL-1 nas
amostras di luídas cinco vezes,
cor res pon den do a 2,0 µg L-1 de
ar sê nio na amostra.
As aná li ses es ta tís ti cas fo-
ram fei tas com o programa
FAIXA PIRIRICA SPSS 10.0 for win dows (Sta tis ti-
cal Package for Soci al Scien -
ce). Para os re sul ta dos de ar sê-
nio na uri na (As-u) aba i xo do li-
mi te de detecção (LD) foi atri-
bu í do o va lor de 1,0 µg L-1, que
cor res pon de à me ta de do li mi te
de de tec ção do mé to do ana lí ti-
co. Não foi fe i to ne nhum ajus te
em re la ção à creatinina uriná -
Fi gu ra 1 – Lo ca li za ção do Vale do Ri be i ra e da Fa i xa Pi ri ri ca ria.

– 83 –
Expo si ção Hu ma na ao Arsê nio no Mé dio Vale do Ri be i ra, São Pa u lo, Bra sil

RESULTADOS As concentrações medianas de arsênio urinário


para os gru pos 1 (8,07 µg L-1 ) e 2 (11,04 µg L-1 ) fo ram
A fi gu ra 2 mos tra osBoxplot dos re sul ta dos de con- estatisticamente di fe ren tes quan do com pa ra das com o
cen tra ção me di a na de As-u (µg L-1) na população con- gru po con tro le (3,86 µg L-1 ) (r < 0,0001). Já a con cen-
tro le (Cer ro Azul) com pa ra da com os gru pos 1, 2 e 3. tra ção me di a na do gru po 3 (3,62 µg L-1), fora da Fa i xa
A ta be la 1 apre sen ta a aná li se des cri ti va da con cen- Pi ri ri ca, não foi es ta tis ti ca men te di fe ren te da me di a na do
tra ção de As-u para cada um dos gru pos es tu da dos. gru po con tro le (r = 0,92). É pos sí vel ob ser var que a ex-

Conc entração d e As-u


80

60

40

20

0
N= 156 11 2 192 74

Cont role 1 2 3

Gru po

Fi gu ra 2 – Box plots da con cen tra ção de As-u (µg.L-1) da po pu la ção con tro le (Cer ro Azul) e po pu la ção dos gru pos 1, 2 e 3.

Ta be la 1 – Con cen tra ção de ar sê nio uri ná rio nos gru pos po pu la ci o na is es tu da dos
As urinário ( µg.L-1 ) N(%) N(%)
Grupo Área / local Idade N
mediana mínimo máximo > 40 µg.L < LD
Controle nascente do Rio Ribeira de Iguape criança* 73 3,60 1,00 34,12 0 (0%)
Cerro Azul – PR (pop. controle) adulto 83 3,87 1,00 16,00 0 (0%)
total 156 3,86 1,00 34,12 0 (0%) 51 (32,9%)
1 Iporanga ( área urbana) criança 82 8,35 1,00 33,49 0 (0%)
fora da Faixa Piririca adulto 29 7,42 1,00 27,55 0 (0%)
total 111 8,07 1,00 33,49 0 (0%) 13 (11,6%)
2 Faixa Piririca criança 67 9,85 1,00 55,69 3 (4,5%)
Nhunguara, Castelhanos, Galvão, adulto 123 11,68 1,00 76,19 7 (5,7%)
São Pedro, Ivaporunduva total 190 11,04 1,00 76,19 10 (5,3%) 20 (10,4%)
3 Fora da Faixa Piririca criança 28 3,64 1,00 31,28 0 (0%)
Pilões, Maria Rosa adulto 46 3,11 1,00 68,92 2 (4,3%)
total 74 3,62 1,00 68,92 2 (2,7%) 29 (39,2%)
Total Médio Vale criança 177 7,99 1,00 55,69 3 (0,8%)
adulto 198 9,09 1,00 76,19 9 (2,4%)
*
total 375 8,21 1,00 76,19 11 (2,9%) 62 (16,4%)
-1
* 7 a 14 anos ** Li mi te de de tec ção ( 2,00 µg.L )

– 84 –
Edu ar do Mel lo De Ca pi ta ni

posição ao As é ma i or na po pu la ção re si den te na área verduras cultivadas nos quintais das moradias. Para
da Fa i xa Pi ri ri ca, onde ocor re a pre sen ça na tu ral do As. fins de avaliação es ta tís ti ca com re lação ao consumo
Comparando-se as medianas de As-u en tre cri an- de car ne bo vi na e fran go, a po pu la ção foi di vi di da em:
ças e adul tos nos três gru pos, ob ser vou-se au sên cia de “con so me uma vez ou me nos” e “mais que uma vez por
diferenças significativas apresentando (r = 0,707; r = semana”. Com relação aos outros alimentos, foi feita
0,544 e r = 0,811, para os grupos 1, 2 e 3, respectiva - uma avaliação qualitativa do tipo “consome” ou “não
mente). con so me”.
Do to tal das amos tras ana li sa das, 11,6%, 10,4% e Con si de ran do ape nas a po pu la ção de cri an ças, ob-
39,2% dos in di ví du os, res pec ti va men te nos gru pos 1, 2 ser vou-se que as que têm o há bi to de brin car em con ta to
e 3, apresentaram con cen tra ções de ar sê nio in fe ri o res com o solo não apre sen ta ram me di a na de As-u, es ta tís ti-
ao li mi te de de tec ção do mé to do (2,00 µg.L-1). Por sua ca men te di fe ren te da que las que não pos su em esse há-
vez, o gru po con tro le (Cer ro Azul) apre sen tou 32,9% de bi to.
ca sos aba i xo do li mi te de de tec ção. A ta be la 2 mos tra que não exis te di fe ren ça sig ni fi-
Não houve di ferença estatisticamente significante can te en tre as me di a nas de As-u de quem con so me e de
en tre as me di a nas com re la ção ao sexo, tan to en tre as quem não con so me pe i xe, car ne bo vi na ou fran go, pelo
cri an ças quan to en tre os adul tos. me nos uma vez por se ma na. No en tan to, as pes so as dos
Nes te es tu do, fo ram ava li a das ou tras va riá ve is que grupos 1 e 3 que não con so mem le i te e de ri va dos têm
poderiam in flu en ci ar os ní ve is de ar sê nio uri ná rio, tais ma i or con cen tra ção me di a na de As-u.
como: con su mo de le i te, car ne, fran go, pe i xe, ver du ras Utilizando modelo de regressão logística múltipla
e frutas localmente produzidas, além do consumo de observou-se que as variáveis que juntas melhor ex pli-
água (Whi te & Sab bi o ni, 1998), pois o es ta do nu tri ci o nal cam as con cen tra ções de As-u fo ram: lo cal de mo ra dia
influencia diretamente a ab sor ção do ar sê nio (Man dal (variável “grupo populacional”), número de vezes que
et al., 1998). Foi per gun ta do aos mo ra do res qual o con- consome carne por semana, e número de vezes que
sumo semanal de car ne, frango, peixe, le ite, frutas e con so me fru tas e ve ge ta is (r < 0,10) (Ta be la 3).

Ta be la 2 – Con cen tra ção de As-u me di a na se gun do o con su mo de ali men tos na po pu la ç ão de cri an ças e de adul tos dos três
gru pos po pu la ci o na is do Mé dio Vale
Valores de ρ
Consumo de carne bovina Consumo de frango Consumo de leite e derivados
Grupo (uma ou mais vezes por semana) (uma ou mais vezes por semana)
Adultos Crianças Total Adultos Crianças Total Adultos Crianças Total
1 1,000 0,117 0,141 – 0,964 1,000 0,054 0,223 0,027
2 0,914 1,000 0,953 1,000 0,240 0,612 0,838 0,723 0,856
3 0,549 0,678 1,000 0,749 0,678 0,445 0,412 0,041 0,027

Ta be la 3 – Aná li se de re gres são lo gís ti ca múl ti pla das va riá ve is ex pli ca ti vas re fe ren tes à po pu la ção do Mé dio Vale
pré-selecionadas (Mo de lo fi nal: As > 3,86 µg.L-1 [me di a na de As-u do gru po con tro le])

Regressão Logística Múltipla ( As > 3,86 µg.L-1 / Grupo controle)

Razão de chances (OR)


Variável β ρ
Estimativa ICI (95%) ICS (95%)
Constante 0,728 0,040 2,071
Carne Consumo semanal de carne -0,181 0,024 0,835 0,714 0,976
Vegetais e frutas Consumo semanal de frutas e verduras
produzidas na moradia -0,130 0,042 0,878 0,774 0,995
Local de moradia Grupo 3 ( Pilões; Maria Rosa) 0,000
Grupo 1 ( Iporanga , área urbana) 1,417 0,000 4,126 1,903 8,945
Grupo 2 ( Nhunguara; Castelhanos;
São Pedro; Galvão; Ivaporunduva ) 1,596 0,000 4,934 2,680 9,082

– 85 –
Expo si ção Hu ma na ao Arsê nio no Mé dio Vale do Ri be i ra, São Pa u lo, Bra sil

DISCUSSÃO tanto, alertam para a necessidade de se buscar so lu-


ções para o de sen vol vi men to eco nô mi co da re gião, que
O va lor de 40 µg L -1 para As-u é con si de ra do crí ti co con tem plem a pre ser va ção da co ber tu ra na tu ral lo cal e
para ex po si ções a lon go pra zo, pois efe i tos ad ver sos à que evi tem o des flo res ta men to e a ero são, sob ris co de
saúde podem ocorrer aci ma desse limite (Trepka, ex por o solo na tu ral men te con ta mi na do com ar sê nio.
1996) . O va lor mé dio de As-u ob ti do por Mats chul lat et
al. (2000) foi de 27,7 ± 19,2 µg L-1 , na re gião de mi ne ra- AGRADECIMENTOS
ção, em Nova Lima e San ta Bár ba ra, su des te do Esta do
de Mi nas Ge ra is, ten do sido ob ser va do que 19,2% das Nos sos agra de ci men tos aos moradores dos lo ca is
-1
crianças apresentaram níveis aci ma de 40 µg L . No estudados, através de seus líderes comunitários, aos
presente es tudo, essa percentagem foi igual a 0%, pro fis si o na is e au to ri da des lo ca is, aos pro fes so res e di-
5,2% e 2,7%, respectivamente, nos gru pos 1, 2 e 3. O re to res das es co las pelo apo io, e aos pais das cri an ças
gru po con tro le não apre sen tou re sul ta dos aci ma des se que co la bo ra ram par ti ci pan do vo lun ta ri a men te des te es-
limite. tu do.
No es tu do de Sa ku ma (2004), cri an ças mo ra do ras À FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa d o
próximo à mina de Furnas (bair ro Serra de Iporanga) Estado de São Paulo, Projeto 2002/0271-0, ao IAL –
-1
apresentaram me di a na de de As-u de 8,94 µg L (in ter- Insti tu to Adol fo Lutz, São Pa u lo e à UNICAMP – Uni ver-
va lo de 1,00 – 63,0), en quan to cri anç las mo ra do ras pró- si da de de Cam pi nas, São Pa u lo pelo apo io fi nan ce i ro e
xi mo à re fi na ria de chum bo que pro ces sa va mi né rio con- logístico.
ten do ar sê nio, apre sen ta ram me di a na de 6,40µg L -1 (in-
ter va lo de 1,00 – 50,0). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Em nosso estudo observou-se que as popu la ções
per ten cen tes ao gru po 1 (Ipo ran ga, zona ur ba na, fora da ATSDR. Agency for To xic Subs tan ces and Di se a se Re-
Faixa Pi rir ca, mas com pro vá vel in fluên cia am bi en tal da gistry. To xi co lo gi cal pro fi le for ar se nic. Atlan ta, GA :
mina de Fur nas, em fun ção da pro xi mi da de ge o grá fi ca) US. De partment of Health and Human Services,
e ao gru po 2 (mo ra do res na Fai xa Pi ri ri ca), apresentam 2000.
4,126 e 4,934 vezes mais chance (OR), de apresentar BRAGA, P. S.; FIGUEIREDO, B. R. Comportamento de
concentrações de ar sê nio su pe ri o res a 3,86 µg.L -1 (me- me ta is pe sa dos em so los na re gião do Vale do Ri be -i
di a na de As-u en con tra da na po pu la ção con tro le), res- ra (SP). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
pec ti va men te, quan do com pa ra das às pes so as do gru- GEOLOGIA, 41., 2002, João Pessoa, PB. Anais.. .
po 3 (mo ra do res fora da Fa i xa Pi ri ri ca). João Pes soa : SBG. Nú cleo Nor des te, 2002. p: 231.
A prin ci pal via de ex po si ção ao ar sê nio em si tu a ção GUO, T.; BAASER, J.; TSALEV, D.L. Fast au to ma ted de-
não ocu pa ci o nal é atra vés da in ges tão de água ou ali- ter mi na ti on of to xi co lo gi cally re le vant ar se nic in uri ne
men tos. A in ges tão diá ria to tal de As de pen de do há bi to by flow in jec ti on-hydride ge ne ra ti on ato mic ab sorp ti-
alimentar. Takamori & Figueiredo (2002), avaliaram as on spec tro metry. Anal. Chim Acta, v. 349, p. 313-8,
águas su per fi ci a is da Fa i xa Pi ri ri ca, ana li sa das em cin co 1997.
oca siões no pe río do en tre 2001 e 2003. Ne nhu ma amos- MANDAL, B.K.; CHOWDHURY, T.R.; SAMANTA, G.;
tra apre sen tou con cen tra ções de As ex ce den do 10 mg MUKHERJEE, D.P.; CHANDA, C.R.; SAHA, K,C.;
L- 1. Tam bém não fo ram en con tra dos po ços de abas te ci- CHAKRABORT, D. Impact of safe water for drinking
mento das populações que indicassem consumo de and co o king on five ar se nic-affected fa mi li es for 2 ye-
água subterrânea. ars in West Ben gal, India. Sci en ce To tal Envi ron men-
Investigando as pro vá ve is fon tes ali men ta res de As tal, v. 218, p. 185-201, 1998.
em nosso es tudo, verificou-se que o au mento de uma MATSCHULLAT, J.; BORBA, R. P.; DESCHAMPS, E.;
uni da de no con su mo se ma nal de car ne e de fru tas e ver- FIGUEIREDO, B.R.; GABRIO, T.E.; SCHWENK, M.
du ras pro te ge a po pu la ção de al can çar con cen tra ções Human and en vi ron men tal con ta mi na ti on in the iron
de ar sê nio na uri na ma i o res que 3,86 µg . L-1. quadrangle, Bra zil. Applied Ge o che mistry, v.15, p.
No Mé dio Vale do Ri be i ra, a pre sen ça na tu ral de ar- 181-90, 2000.
sênio nas ro chas e so los da Fa i xa Pi ri ri ca, pa re ce ser a SAKUMA, A.M. Avaliação da exposição hu ma na ao ar -
fonte pro vá vel das concentrações de As-u en con tra das sênio no Alto Vale do Ribeira, Brasil. 2004. 197 p.
nas po pu la ções ali re si den tes. A mag ni tu de das con cen- Tese (Dou to ra do), Fa cul da de de Ciên ci as Mé di cas,
tra ções uri ná ri as en con tra das, no en tan to, (me di a nas de Universidade Estadual de Cam pinas, Campinas,
-1 -1
8,07 µg.L em Ipo ran ga-zona ur ba na, e 11,04µg.L nos 2004l.
mo ra do res na Fa i xa Pi ri ri ca), não apon tam para si tu a ção SAKUMA, A. M.; CAPITANI, E.M.; TIGLEA, P. Arsê nio. In:
de ris co ele va do à sa ú de hu ma na. Os re sul ta dos, no en- AZEVEDO, F.A.; CHASIN, A.A.M. Metais ge rencia-

– 86 –
Edu ar do Mel lo De Ca pi ta ni

mento da toxicidade, São Paulo : Atheneu, 2003. ociências, Universidade Estadual de Campinas,
p.203-38. Cam pi nas, 1999.
TAKAMORI, A. Y.; FIGUEIREDO, B. R. Monitoramento da TREPKA, M.J. et al. Arse nic bur den among chil dren in in-
qualidade de água do rio Ribeira de Igua pe para ar sê- dustrial areas of eastern Germany. Science To tal
nio e metais pesados. In: CONGRESSO BRASILEIRO Environmental, v. 180, p.95-105, 1996.
DE GEOLOGIA, 41., 2002, João Pessoa, PB. Anais. WHITE, M.A.; SABBIONI, E. Tra ce ele ment re fe ren ce va-
João Pes soa, PB : SBG. Nú cleo Nor des te, 2002. p: 255. lu es in tis su es from inha bi tants of the Eu ro pe an Uni-
TOUJAGUE, R. Arsê nio e me ta is as so ci a dos na re gião on. X. A study of 13 ele ments in blo od and uri ne of a
au rí fe ra do Pi ri ri ca, Vale do Ri be i ra, São Pa u lo, Bra sil. United Kingdom po pu la ti on. Science Total Envi ron-
1999. 94 p. Dis ser ta ção (Mes tra do) - Insti tu to de Ge- mental, v. 216, p. 253-70, 1998.

– 87 –
Chumbo e Arsênio nos Sedimentos do Rio Ribeira de Iguape, SP/PR

CHUMBO E ARSÊNIO NOS


SEDIMENTOS DO RIO
RIBEIRA DE IGUAPE, SP/PR
1
Idio Lopes Jr.; idiojr@sp.cprm.gov.br
2
Bernardino R. Figueiredo; berna@ige.unicamp.br
2
Jacinta Enzweiler; jacinta@ige.unicamp.br
2
Maria Aparecida Vendemiatto; aparecida@ige.unicamp.br
1
Serviço Geológico do Brasil, CPRM/SP
2
Instituto de Geociências, UNICAMP

INTRODUÇÃO da do Ribeira, onde se localizam as antigas frentes de


lavra da mina de Furnas. Um pouco mais para jusante,
A bacia hidrográfica do rio Ribeira de Iguape pos- nas regiões dos bairros Castelhanos, Nhunguara e des-
sui uma área aproximada de 28.000 km² e localiza-se tacadamente nas áreas dos quilombos de São Pedro e
no extremo-nordeste do Estado do Paraná e sudeste do Ivaporunduva, as margens dos rios dos mesmos nomes
Estado de São Paulo (Figura 1). Possui mais de dois mi- (margem esquerda do Ribeira), ocorrem antigas (co-
lhões de hectares de floresta equivalente a aproxima- nhecidas desde o início da colonização portuguesa)
damente 21% dos remanescentes de Mata Atlântica do mineralizações de ouro associadas ao arsênio das ar-
País. O rio Ribeira tem uma extensão de 470 km, sendo senopiritas. Essa região, onde a litologia predominante
120 km em terras paranaenses e 350 km em território são metapelitos intercalados com rochas metabási-
paulista. cas/ultrabásicas é conhecida geologicamente como
O Alto Vale do Ribeira foi palco, durante décadas, Faixa Piririca. Todos esses fatos motivaram o Instituto
de uma intensa atividade de mineração voltada para a de Geociências da UNICAMP junto com o Serviço Geo-
produção de chumbo, zinco e prata. Até 1996 quando lógico do Brasil – CPRM/SP, Instituto Adolfo Lutz, Facul-
as últimas minas foram fechadas, produziram-se danos dade de Ciências Médicas da UNICAMP e a Universi-
à vegetação e à paisagem, especialmente nas lavras a dade Estadual de Londrina a elaborar e executar o pre-
céu aberto. Com o beneficiamento de minério (minas do sente estudo que recebeu apoio financeiro da FAPESP
Rocha e Panelas) e refino de metais, foram produzidas e com escopo de se diagnosticar o impacto do arsênio
pilhas de rejeitos que se encontram ainda expostas e e do chumbo na saúde dos habitantes e no meio ambi-
sujeitas a inundações periódicas. Na planta da Plum- ente. Foi executado o Mapeamento Geoquímico Multie-
bum, junto à margem direita do rio Ribeira, município de lementar de Baixa Densidade utilizando-se amostras
Adrianópolis, moradores das vilas vizinhas continuam dos sedimentos dos leitos ativos das drenagens da Ba-
expostos a intoxicação por chumbo, mesmo após o fe- cia do Ribeira para se observar como esses elementos
chamento da indústria. Na região da mina de Furnas, estão distribuídos ou, em outras palavras, suas paisa-
trabalhos realizados em 2003, com peixes do Ribeirão gens geoquímicas.
Furnas, mostraram que duas espécies de bagres e cas-
cudos achavam-se contaminadas com chumbo. Essas MATERIAIS E MÉTODOS
espécies de peixes de fundo procuram seus alimentos
nos sedimentos argilosos e sofrem forte impacto, pois O mapeamento geoquímico consistiu na coleta ma-
nessas frações o chumbo está mais concentrado. Na nual de 187 amostras de sedimentos de corrente abran-
mina de Furnas o chumbo ocorre associado ao arsênio. gendo toda a bacia hidrográfica do Rio Ribeira de Igua-
Aliás, o arsênio passa a apresentar concentrações anô- pe. Além dessas, foram coletadas 25 amostras de “over-
malas a partir do rio Betari, afluente da margem esquer- bank” com o objetivo de se observar as paleopaisagens

– 88 –
Chumbo e Arsênio nos Sedimentos do Rio Ribeira de Iguape, Sp/Pr

Figura 1 – Localização da bacia hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape com as divisões municipais, o contorno da bacia
e os remanescentes da Mata Atlântica.

e compará-las com as atuais. As coletas foram realiza- Pb, Rb, S, Sb, Sn, Sr, Th, U, V, Y, Zn, Zr). Como no Brasil
das durante os períodos das estações secas, para que o e em outros países, os mapeamentos geoquímicos de
material amostrado fosse o mais representativo possível sedimentos de corrente contemplam a análise da fra-
da bacia a montante da estação de coleta, evitando-se ção menor do que 180mm, e considerando que em mui-
dessa forma contribuições laterais que sempre ocorrem tos estudos de Geologia Médica/Geoquímica Ambien-
durante o período de chuvas torrenciais. Antes de cada tal é muito comum que seja analisada a fração menor
coleta, com equipamentos apropriados, foram obtidos do que 63mm, no presente estudo foi tomada a decisão
parâmetros físico-químicos das águas fluviais tais como: de analisar as duas frações granulométricas. Verifi-
pH, Eh, OD (oxigênio dissolvido), condutividade, turbi- cou-se posteriormente que as respostas das duas fra-
dez e temperatura. As amostras de “overbank” foram co- ções, do ponto de vista da identificação das anomalias
letadas nos primeiros 30 cm de “top soil” de paleoalu- geoquímicas, são muito semelhantes. Todos os resulta-
viões. dos obtidos foram reunidos no Atlas Geoquímico do
Nos laboratórios do IG-UNICAMP essas amostras Vale do Ribeira (2005).
de sedimentos foram secadas, peneiradas e analisa-
das por fluorescência de raios X, nas frações menores ARSÊNIO
do que 180mm (80#) e 63mm (230#), para 10 óxidos
(SiO2, TiO2, Al2O3, Fe2O3, MgO, CaO, Na2O0, K2O, P2O5) e O arsênio (As) pode ocorrer em quatro estados de
21 elementos-traço (As, Ba, Co, Cr, Cu, Ga, Mo, Nb, Ni, oxidação: arsenato (+5), arsenito (+3), arsina (-3) e o me-

– 89 –
Chumbo e Arsênio nos Sedimentos do Rio Ribeira de Iguape, SP/PR

tal (0). As espécies solúveis, geralmente, estão nos esta- CHUMBO


dos de oxidação +3 e +5. Raramente ocorre na forma li-
vre, ordinariamente encontra-se ligado ao enxofre, oxi- O chumbo (Pb) é um elemento de ocorrência natu-
gênio e ferro (sulfetos). Os compostos do arsênio apre- ral, encontrado com relativa abundância na crosta ter-
sentam diferentes toxidades dependendo da forma restre, quase sempre como sulfeto de chumbo (galena)
química. Assim as espécies de As (III) são dezenas de e geralmente está associado a outros elementos como
vezes mais tóxicas que as de As (V). Nas monitorizações zinco, cobre, cádmio, prata e ouro. Em sistemas aquáti-
ambientais ou biológicas é importante conhecer as es- cos contaminados, a maior parte do metal encontra-se
pécies químicas presentes, e por isso os ensaios de es- fortemente ligada aos sedimentos de fundo. Em organis-
peciação nos estudos geoquímicos do arsênio são muito mos aquáticos, o acúmulo do chumbo em sedimentos é
importantes. influenciado por vários fatores ambientais como tempe-
O arsênio possui mobilidade média, um pouco ratura, pH, Eh, salinidade, além do conteúdo de ácidos
mais alta do que a do chumbo, tanto em ambiente áci- húmicos. Na forma de sais, o chumbo apresenta alta to-
do quanto alcalino, e com isso não se distancia muito xidade para invertebrados aquáticos, em concentrações
da fonte que lhe deu origem, como podemos observar acima de 0,1 mg/L para organismos de água doce, e 2,5
nos mapas geoquímicos (Figuras 2 e 3). Como não mg/L para organismos marinhos. Altos níveis de metais
houve, ao contrário do chumbo, uma exploração inten- no solo podem levar à captura pelas plantas e escoa-
siva de ouro cujo principal hospedeiro é a arsenopirita, mento para as águas superficiais e subterrâneas. No
também não ocorreu uma poluição de As ao longo do Estado de São Paulo, a CETESB estabeleceu valores ori-
rio Ribeira. entadores para solo e água subterrânea (D.D. Nº
Nos mapas, os sedimentos das sub-bacias enrique- 195-2005-E, de 23/11/2005). Para o chumbo nos solos, o
cidas (Figuras 2 e 3) em As ou muito enriquecidas refle- valor de intervenção agrícola é de 180 ppm e no residen-
tem com fidelidade a presença, na área da bacia de cap- cial é de 300 ppm. Considerando a grande quantidade
tação, das antigas minas de chumbo fortemente associa- de anomalias geoquímicas nos sedimentos de corrente
do ao arsênio (minas do Rocha, Panelas, Laranjal e Fur- do Vale do Ribeira e sabendo que as concentrações são
nas), bem como as zonas com mineralizações de ouro bem mais diluídas em relação às correspondentes ano-
associado a sulfetos de arsênio, zinco e cobre (Faixa Piri- malias de solo, pode-se alertar que vários núcleos popu-
rica-São Pedro, com destaque para o rio Ivaporunduva, lacionais do vale estão sob constante exposição ao
representado pela sub-bacia do ponto de coleta 132 e chumbo e sua toxidade.
pelas cabeceiras do rio Pedro Cubas a montante do pon- A exploração de chumbo no Vale do Ribeira, até
to de coleta 140). As sub-bacias que contêm o rio Ribeira, meados dos anos 90, ficou bem retratada nos mapas
cujos sedimentos estão enriquecidos em As no trecho da geoquímicos do chumbo (Figuras 4 e 5). Os rejeitos de
Faixa Piririca, refletem um aporte de dispersão geoquími- minério jogados dentro das drenagens e estocados nas
ca daquelas zonas mineralizadas, bem como a presença suas margens, associados a fortes desníveis topográfi-
de veios mineralizados que cortam o rio Ribeira no trecho cos e a freqüentes chuvas torrenciais, foram os respon-
do Bairro dos Castelhanos. Destaca-se que os valores en- sáveis pelo enriquecimento dos sedimentos do Rio Ri-
contrados nos sedimentos de corrente são sempre meno- beira desde a mina do Rocha no Paraná até sua foz no
res do que os valores encontrados sobre os solos que de- complexo estuarino de Iguape – Cananéia, no litoral Sul
ram origem às anomalias geoquímicas. Pela D.D. nº Paulista.
195-2005 de 23/11/2005 da CETESB, o valor de interven- A mina de Panelas que pertencia à empresa Plum-
ção (acima do qual existem riscos potenciais, diretos ou bum, no município de Adrianópolis-PR, pode ser consi-
indiretos à saúde humana, considerando um cenário de derada como uma das principais responsáveis pelo
exposição genérico) para solos agrícolas para o As é de chumbo no leito do Rio Ribeira. Esta empresa, localizada
35 ppm e de 55 ppm para solos residenciais. à sua margem direita, beneficiava o minério (predomi-
Durante a realização deste projeto, de caráter multi- nantemente galena) e, além de jogar resíduos e efluen-
disciplinar, as populações expostas a estas anomalias tes diretamente no leito do rio, empilhava rejeito e esco-
geoquímicas de arsênio foram estudadas através da ria do refino junto à sua margem, como pôde ser obser-
análise do arsênio urinário em adultos e crianças. Ape- vado até recentemente. Parte do material contaminado
sar do monitoramento das águas fluviais terem mostrado também alcançou ruas e quintais das vilas operárias
um enriquecimento em arsênio nos rios que drenam as (Vila Mota e Capelinha) adjacentes à mina. Estudos ante-
zonas mineralizadas, suas concentrações são inferiores riores desenvolvidos nessa região, com crianças de 7 a
ao limite estabelecido pelo CONAMA (Conselho Nacio- 14 anos, mostraram concentrações médias de
nal de Meio Ambiente) e pela OMS (Organização Mundi- 11,89mg/dL de Pb no sangue (para os órgãos de controle
al de Saúde) que é de 10 mg / L . de saúde o índice máximo para criança é de 10mg/dl)

– 90 –
Chumbo e Arsênio nos Sedimentos do Rio Ribeira de Iguape, Sp/Pr

Figura 2 – Paisagem geoquímica do arsênio na fração < 180 ìm. As amostras das sub-bacias de cor azul possuem valores menores do que 2,3 ppm; cor verde entre 2,3 e 11,9 ppm possuem
os valores de “background” regional; cor laranja entre 12 e 34 ppm e na cor vermelha com valores acima de 34 ppm.

– 91 –
Idio Lopes Jr.

Figura 3 – Paisagem geoquímica do arsênio na fração < 63 ìm. As amostras das sub-bacias de cor azul possuem valores menores do que 3 ppm; cor verde entre 3 e 12,3 ppm possuem os
valores de “background” regional; cor laranja entre 12,4 e 29,6 ppm e na cor vermelha com valores acima de 29,7 ppm.

– 92 –
Chumbo e Arsênio nos Sedimentos do Rio Ribeira de Iguape, Sp/Pr

Figura 4 – Paisagem geoquímica do chumbo na fração < 180 ìm. As amostras das sub-bacias de cor azul possuem valores menores do que 14 ppm; cor verde entre 14 e 36,9 ppm possuem
os valores de “background” regional; cor laranja entre 37 e 124 ppm e na cor vermelha com valores acima de 124 ppm.

– 93 –
Idio Lopes Jr.

Figura 5 – Paisagem geoquímica do chumbo na fração < 63 ìm. As amostras das sub-bacias de cor azul possuem valores menores do que 18 ppm; cor verde entre 18 e 49,9 ppm possuem
os valores de “background” regional; cor laranja entre 50 e 123 ppm e na cor vermelha com valores acima de 123 ppm.

– 94 –
Idio Lopes Jr.

chegando-se a registrar até 37,8mg/dl em algumas de- nor relação comprimento/peso, baixa capacidade de
las, em Vila Mota e Capelinha. reprodução e conseqüentemente um número menor
O chumbo é um elemento que possui baixa mobili- de peixes (75% menos) por área em comparação com
dade em qualquer ambiente (oxidante, redutor, ácido e outros riachos de porte similar não contaminados da
alcalino) e co-precipita facilmente com óxidos de região.
Fe-Mn; assim os sedimentos de corrente perdem con-
teúdo de Pb rapidamente a partir de uma ocorrência REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ou um depósito mineral. O SGB/CPRM desenvolveu
durante muitos anos pesquisa de ouro na faixa Piriri- AZEVEDO, F. A.; CHASIN, A. A. M. Metais: gerenciamen-
ca-São Pedro e acabou por descobrir um depósito de to da toxidade. São Paulo: Atheneu, 2003. 554 p.
ouro associado a sulfetos de arsênio, chumbo, zinco e COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO
cobre. Este depósito fica localizado no divisor de AMBIENTAL – CETESB. Decisão de Diretoria Nº 195-
águas do Rio São Pedro (nas figuras 4 e 5 é uma drena- 2005-E: de 23 de novembro de 2005. São Paulo:
gem da margem esquerda do rio Pilões, um pouco a [s.n.], 2005. 4 p.
montante do ponto de coleta 133, próximo à barra do CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE –
rio Pilões com o Ribeira) e do rio Ivaporunduva CONAMA. Resolução nº357: de 17 de março de
(sub-bacia do ponto 132). Nesse local, as anomalias 2005. 23 p.
de chumbo no solo alcançaram valores acima de 500 CUNHA, F. G. Contaminação humana e ambiental por
ppm e, no entanto, nos pontos de coleta dos sedimen- chumbo no Vale do Ribeira nos Estados de São Pa-
tos de corrente, não tão distantes, não se apresenta- ulo e Paraná. 2003. 111p. Tese (Doutorado) - Uni-
ram anômalos (ponto 133) ou não passaram de 124 versidade Estadual de Campinas, Instituto de Geo-
ppm (ponto 132). ciências, Campinas, 2003.
Destaca-se desta forma a diferença da dispersão FIGUEIREDO, B. R. Minérios e ambiente. Campinas:
iônica do chumbo, na Faixa Piririca-São Pedro, da dis- Editora da Unicamp, 2000. 401 p.
persão predominantemente clástica (particulado de GREENWOOD, N. N.; EARNSHAW, A. Chemistry of the
minério e escória) no leito do Rio Ribeira, única possi- elements. 2.ed. [S.l.]: Elsevier Science, 1997. 1305 p.
bilidade de seus sedimentos ainda mostrarem valores HOWARTH, R. J.; THORNTON, I. Regional geochemical
anômalos a centenas de quilômetros a jusante da últi- mapping and its applications to environmental
ma fonte de chumbo, mesmo com a retirada diária de studies. In: APPLIED environmental geochemistry.
dezenas de toneladas de areia para a construção civil London: Academic Press, 1983. p. 41-78.
da calha do Ribeira nas proximidades da cidade de LEVINSON, A. A. Introduction to exploration geoche-
Registro. mistry. Ottawa: Applied Publishing Academic Press,
Embora ausente das águas do rio Ribeira e de 1974. 612 p.
seus principais afluentes entre as cidades de Iporanga LICHT, O. A. B. et al. Levantamento geoquímico multiele-
e Eldorado, como foi constatado pelo monitoramento mentar de baixa densidade no Estado do Paraná: hi-
realizado durante a execução do projeto, e dessa for- drogeoquímica - resultados preliminares. A Terra em
ma sem causar nenhum dano às populações e ao meio Revista, Belo Horizonte, v. 3, n.3, p. 34-46, 1997.
ambiente, o mesmo não se pode dizer dos sedimentos LOPES JR., I. Atlas geoquímico do Vale do Ribeira. [S.l.] :
da calha do Ribeira e dos afluentes que possuem mi- FAPESP; CPRM-SGB, 2005. 77 p.
nas de chumbo nas suas bacias de captação. Em um LOPES JR., I. et al. A prospecção geoquímica desco-
trabalho que consistiu no estudo de peixes do Ribeirão brindo novas mineralizações auríferas no Vale do Ri-
Furnas, coletados entre 1998 e 2000, por uma equipe beira. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
da Universidade de Tecnologia Chalmers de Gotem- GEOLOGIA, 38.,1994, Balneário de Camboriú. Ana-
burgo, Suécia, foi demonstrado duas espécies de ba- is. Balneário de Camboriú : SBG, 1994. 3v. v. 3., p.
gres e cascudos que apresentaram atividade 50% me- 170-171.
nor da enzima ALAD (enzima relacionada à síntese de LOPES JR., I.; VASCONCELOS, C. S. de; WILDNER, W.
glóbulos vermelhos no sangue e, normalmente, utiliza- ; SILVA, L. A. C. Geoquímica das Folhas Jacupi-
da como indicador da presença de chumbo no ambi- ranga e Rio Guaraú (1:50.000). In: SIMPÓSIO DE
ente), em relação aos da mesma espécie, de rios não GEOLOGIA DO SUDESTE, 6., 1999, São Pedro, SP.
contaminados. Essas espécies de peixes de fundo são Boletim de Resumos. São Paulo : SBG, Núcleos
afetadas pela poluição porque procuram seus alimen- São Paulo/Rio de Janeiro/ Espirito Santo, 1999. p.
tos nos sedimentos argilosos nos quais o chumbo está 38.
fortemente concentrado. Foram observadas altas con- LOPES JR., I. 2001. Projeto Mogi-Guaçu / Pardo. Levan-
centrações de Pb nos tecidos desses peixes, uma me- tamento Geoquímico das Bacias dos Rios Mo-

– 95 –
Chumbo e Arsênio nos Sedimentos do Rio Ribeira de Iguape, SP/PR

gi-Guaçu e Pardo, SP. São Paulo: CPRM - Serviço man and Ecological Risk Assessment, v. 9, n. 1, p.
Geológico do Brasil ; Secretaria de Estado do Meio 149-169, 2003.
Ambiente de São Paulo, 2001. 77 p. ROSE, A. W.; HAWKES, H. E.; WEBB, J. S. Geochemistry
MINERAIS DO PARANÁ S. A. – MINEROPAR . Atlas in Mineral Exploration. 2.ed. New York : Academic
Geoquímico do Estado do Paraná. Curitiba, 2001. Press, 1979. 657 p.
80 p. THORNTON, I. Applied Environmental Geochemistry.
MORAES, R.; GERHARD, P.; ANDERSSON, L.; STURWE, London : Academic Press, 1983. 501 p.
J.; RAUGH, S.; SVERKER M. Establishing causality WRIGHT, J. Environmental Chemistry. London: Routled-
between exposure to metals and effects on fish. Hu- ge, 2003. 409 p.

– 96 –
Fernanda Gonçalves da Cunha

DIAGNÓSTICO AMBIENTAL
E DE SAÚDE HUMANA:
CONTAMINAÇÃO POR
CHUMBO EM
ADRIANÓPOLIS, NO
ESTADO DO PARANÁ,
BRASIL
1
Fernanda Gonçalves da Cunha , fcunha@rj.cprm.gov.br
2
Bernardino Ribeiro de Figueiredo, berna@ige.unicamp.br
3
Mônica Maria Bastos Paoliello, monibas@sercomtel.com.br
4
Eduardo Mello De Capitani, capitani@hc.unicamp.br
1
Serviço Geológico do Brasil/CPRM/RJ;
2
Instituto de Geociências/UNICAMP;
3
Universidade Estadual de Londrina;
4
Faculdade de Ciências Médicas/UNICAMP;

INTRODUÇÂO ções residentes em áreas próximas às minas e à Plum-


bum: Ribeira e Iporanga (Bairro da Serra) no Estado de
Durante várias décadas o Alto Vale do Ribeira este- São Paulo e Adrianópolis (Vila Mota, Capelinha e Porto
ve sob influência das atividades de mineração de chum- Novo), no Estado do Paraná. Este estudo envolveu ainda
bo e de uma usina de refino e beneficiamento dos minéri- a população de Cerro Azul, a montante da região minei-
os que eram produzidos nas minas da região, a Plum- ra, no Paraná.
bum. A partir de 1996, todas essas atividades cessaram, O principal objetivo deste trabalho foi investigar a
mas deixaram às margens do rio Ribeira, pilhas de rejei- possibilidade da contaminação ambiental causada pe-
to e de escória provenientes das atividades da refinaria. las atividades de mineração de chumbo estar atingindo
Durante o período de funcionamento da Plumbum, por as populações residentes no Alto Vale do Ribeira.
50 anos consecutivos, foi lançada na atmosfera grande
quantidade de material particulado enriquecido em ASPECTOS FISIOGRÁFICOS
chumbo, que se depositou na superfície dos solos cir-
cunvizinhos. A população da região utilizou, também, o A área estudada localiza-se no Vale do Ribeira , ao
material da pilha de escória para calçamento das ruas sul do Estado de São Paulo e a leste do Estado do Para-
em Vila Mota e Capelinha, áreas rurais do município de ná, delimitada pelas coordenadas 25o 00’ - 25o 30’ de la-
Adrianópolis, próximas à Plumbum, no Paraná. titude sul e 48o 30’ - 49o 30’ de longitude oeste de Green-
Durante o período entre 1999 e 2001, foi desenvolvi- wich (Figura 1).
do um estudo ambiental associado a um monitoramento A bacia hidrográfica do rio Ribeira de Iguape com-
humano, na região do Alto Vale do Ribeira, com popula- preende a área abrangida pelo rio Ribeira e seus princi-

– 97 –
Diagnóstico Ambiental e de Saúde Humana: Contaminação por Chumbo em Adrianópolis, no Estado do Paraná, Brasil

pais tributários, englobando uma superfície de aproxi- são preservadas sob forma de florestas primitivas. Essas
madamente 25.000 km2, sendo 61% no Estado de São áreas constituem reservas e parques estaduais. As flo-
Paulo. O rio Ribeira atravessa 120 km do seu percurso restas secundárias já ocupam área bem maior que as
inicial em terras paranaenses, atua como limite entre os primárias e tendem a crescer ainda mais, em conse-
dois Estados num trecho de cerca de 90 km, e após re- qüência da insuficiência de demarcação e fiscalização
ceber a contribuição do rio Pardo, estende-se por mais dos parques. Completando o quadro da cobertura vege-
260 km em terras paulistas, até alcançar a sua foz, no im- tal, cerca de 30% são áreas com cultura de banana e de
portante complexo lagunar-estuarino de Igua- chá, de capoeiras e de pastagens.
pe-Cananéia, no litoral sul do Estado de São Paulo.
O clima da região é subtropical úmido. As temperatu- ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS
ras médias anuais oscilam em torno de 20oC. Na faixa lito-
rânea, os meses de dezembro, janeiro e fevereiro são os O Vale do Ribeira de Iguape foi, no passado, uma
mais quentes, com médias de 25oC, e os meses de maio a das maiores Províncias Metalogenéticas de chumbo no
agosto, os mais frios, com médias de 18oC. Nos meses de Brasil e teve como atividade paralela à mineração uma
junho e julho são comuns temperaturas mínimas diárias usina de refino, a Plumbum, instalada na embocadura da
de 0oC, muitas vezes ocorrendo geada. As médias de mina Panelas de Brejaúva, em Vila Mota, no município de
precipitação pluviométrica anual da região ficam em torno Adrianópolis, para processar os minérios produzidos na
de 1.500 a 2.500 mm. A faixa litorânea e as partes serra- região. Atualmente a produção de bens minerais no Vale
nas recebem mais chuvas. Os dias com chuvas fortes do Ribeira se resume na exploração de não-metálicos,
acontecem nos meses de outubro a março. Segundo o como o calcário, argila, rocha ornamental e fluorita.
Instituto Nacional de Meteorologia, os ventos predomi- As atividades de mineração foram responsáveis por
nantes na área do Alto Vale são oeste-sudoeste (WSW). um período transitório de prosperidade nos municípios
A elevada precipitação pluviométrica regional con- do Alto Vale do Ribeira e o seu declínio representou tam-
tribui para a exuberância da Floresta Subcaducifólia Tro- bém a queda do nível de renda e emprego para a popu-
pical que ainda cobre extensas faixas na região e que lação local. Os índices de desenvolvimento humano

Rio Juquiá
BRASIL SETE BARRAS JUQUIÁ

APIAÍ
í
tar
Be

ELDORADO
ão

REGISTRO
eir

Rio R
Rib

Serra
Rio Ribeira
ibeir

Furnas
IPORANGA
ITAPEÚNAS
a de

RIBEIRA ITAÓCA
ADRIANÓPOLIS a
ng Iguape
ra
pi
Vila Mota cu
Capelinha Ja IGUAPE
Porto Novo o
Panelas e Ri
24°45’ refinaria Plumbum
a
eir Rocha
Rib
Rio

Canoas N
CERRO AZUL

Perau

o OCEANO
Pa
rd SÃO PAULO
CANANÉIA
PARANÁ Ri
o ATLANTICO

0 15 30Km

o
25 00´
49°00 48°00
Cidade
Mina
Divisa interestadual

Figura 1 – Localização do Vale do Ribeira.

– 98 –
Fernanda Gonçalves da Cunha

(IDH-M) desses municípios, de acordo com o PNUD, são As crianças são consideradas grupo de alto risco,
os mais baixos do Vale do Ribeira e bem inferiores às porque absorvem e retêm maior quantidade do chumbo
médias dos estados de São Paulo e Paraná. Os diferen- ingerido do que os adultos.
tes indicadores sociais, como nível de renda, emprego, O CDC (1991) recomendou para limite de ação,
investimentos industriais, educação, mortalidade infantil configurando risco de exposição a altas doses de chum-
e saúde pública convergem para a caracterização do bo e conseqüente ocorrência de efeitos adversos em
Vale do Ribeira como relativamente pobre, embora apre- longo prazo, o valor 10mg de chumbo/dL de sangue em
sente maior dinamismo econômico em algumas áreas crianças. Exposições crônicas em níveis acima deste va-
mais vocacionadas para agricultura de banana, comér- lor podem levar à ocorrência de efeitos adversos à saú-
cio e turismo. de comprometendo o sistema nervoso central, com efei-
tos irreversíveis, também causando anemia, alterações
GEOLOGIA renais e alteração do metabolismo da vitamina D.
Adultos com teores de 40 a 60 mg/dL de chumbo no
A região do Vale do Ribeira, sob o ponto de vista sangue podem apresentar sintomas neurocomporta-
geotectônico, insere-se na Faixa de Dobramento Ribe- mentais como distúrbios de humor e neuropatias periféri-
ira, caracterizada por grande número de falhas longi- cas, além de sintomas gerais como cansaço, sonolên-
tudinais subverticais que representam zonas de cisa- cia, irritabilidade, tonturas, dores nos músculos e proble-
lhamento. Essas falhas afetam tanto o embasamento mas gastrointestinais. Níveis acima de 60 mg/dL podem
quanto as seqüências metassedimentares que defi- produzir sintomas de alterações mentais e neurológicas
nem um corredor com aproximadamente 100 km de importantes, além de cólicas abdominais típicas.
largura e 1.000 km de comprimento, denominado Fai-
xa de Dobramento Apiaí-São Roque, com estruturação POPULAÇÃO E MÉTODOS
geral NE-SW, alternando conjuntos de metamorfitos de
baixo e/ou médio grau, complexos graníticos e com- Para a realização do monitoramento humano, foi ne-
plexos gnáissico-graníticos e/ou gnáissi- cessário submeter o projeto ao Comitê de Ética da Facul-
co-migmatítico/granulítico (Daitx, 1996; Dardenne & dade de Ciências Médicas da UNICAMP, realizar reu-
Schobbenhaus, 2001). niões com os prefeitos e secretários de saúde dos muni-
Regionalmente predominam gnaisses e migmatitos cípios abrangidos pelo estudo e, em seguida, reuniões
de idade arqueana, que têm sido descritos como emba- com os diretores, professores, pais e responsáveis pelas
samento (Complexo Cristalino), sobre os quais dis- crianças, nas escolas públicas de cada município, para
põem-se seqüências supracrustais do Grupo Açungui, esclarecimento dos objetivos e autorização na participa-
depositadas no Proterozóico Médio-Superior. O Grupo ção voluntária no estudo.
Açungui está subdividido em formações: Setuva (basal), Foram coletadas amostras de sangue de 335 crian-
Capiru, Itaiacoca, Votuverava e Água Clara, Subgrupo ças na faixa etária entre 7 e 14 anos e de 350 adultos
Lageado, Complexo Perau e a Seqüência Turvo-Cajati. com idade entre 15 e 70 anos, nos municípios de Ribeira
As unidades litoestratigráficas (rochas de composição e Iporanga (Serra) no Estado de São Paulo e Adrianópo-
carbonáticas) que se apresentam mineralizadas (Pb-Zn) lis (Capelinha, Vila Mota e Porto Novo) e Cerro Azul, no
estão no Complexo Perau e no Subgrupo Lageado. Estado do Paraná.
No momento da coleta de sangue foram aplicados
CHUMBO: CONTAMINAÇÃO HUMANA questionários sobre informações dos hábitos alimenta-
res, saúde, ocupação dos pais, tempo de residência, en-
Tanto as crianças quanto os adultos são suscetíveis tre outras questões, necessárias à interpretação final
aos efeitos na saúde por exposição ao chumbo, entre- dos dados.
tanto as vias de exposição e os efeitos podem ser bas- O chumbo nas amostras de sangue foi analisado
tante diferentes. As crianças estão mais expostas em re- por espectrofotometria de absorção atômica acoplado a
giões apresentando contaminação ambiental, devido ao forno de grafite, no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo.
seu comportamento e fisiologia, enquanto os adultos es- Para a verificação da contaminação ambiental, fo-
tão mais expostos nas atividades de trabalho, como in- ram coletadas 13 amostras de água utilizada para con-
dústrias e refinarias. sumo doméstico, de torneiras, de algumas residências
O chumbo absorvido pelo trato gastrointestinal nas nas áreas estudadas, e 21 amostras de solos superficia-
crianças mais velhas e nos adultos é proveniente princi- is (0-20cm de profundidade), numa distância de até
palmente da ingestão de alimentos e água, enquanto 9,5km da Plumbum, incluindo 4 amostras de solos de
nas crianças mais novas, é da inalação de poeiras e da hortas domésticas. Foram coletadas ainda amostras das
ingestão de pequenas partículas de solo (Who, 1995). pilhas de rejeito e da escória.

– 99 –
Diagnóstico Ambiental e de Saúde Humana: Contaminação por Chumbo em Adrianópolis, no Estado do Paraná, Brasil

A água que abastece as residências das


populações que residem nas áreas urbanas 12,00
11,8 9

de Adrianópolis e de Cerro Azul é fornecida


10,00
pela SANEPAR - Companhia de Saneamento
do Paraná, e aquela que abastece as casas 8,00
6,06
das populações que moram na área urbana de

PbS (ug/dL)
5,40 5 ,3 6
6,00
Ribeira e em Iporanga é fornecida pela 4,17

SABESP - Companhia de Saneamento Básico 4,00 2 ,3 7

do Estado de São Paulo. As residências das


2,00
populações que moram nas áreas rurais de
Vila Mota, Capelinha e Porto Novo não rece- 0,00
Ribe ira Adria nó po lis Vila Mo ta e P o rto No v o S e rra
Ce rro
Azul
bem água tratada. As famílias utilizam água de Ca pe linha

várias fontes naturais (olhos d’água) e direta-


mente do rio Ribeira. Figura 2 – Médias aritméticas das concentrações de chumbo no sangue das
A escolha das residências foi aleatória, crianças.
mas procurou-se coletar no mínimo uma amos-
tra em cada área estudada, e nas diversas fon- de chumbo Panelas, num raio aproximadamente 2km,
tes utilizadas pelas famílias. em Vila Mota e Capelinha, na área rural de Adrianópolis.
As amostras de água foram filtradas em membranas Em Vila Mota ocorreu o maior valor de PbS, valor corres-
de acetato de celulose de 0,45mm e armazenadas em tu- pondente a quase quatro vezes o valor sugerido pelo
bos esterilizados de polietileno, tipo centrífuga, de 50mL, CDC (1991) e WHO (1995) como limite para manutenção
e logo depois, aciduladas com 1mL de ácido nítrico 1:1, da saúde das crianças (10mg/dL). Por outro lado, a mé-
mantendo o pH @ 2, com a finalidade de preservar a dia aritmética encontrada na população de crianças re-
amostra até o momento da análise. sidentes na cidade de Cerro Azul (2,37mg/dL) é duas a
Para análise das concentrações de chumbo nos so- três vezes menor do que a das outras populações estu-
los foi utilizada a fração granulométrica menor do que dadas. Cerro Azul está localizada a montante das mi-
177mm (areia fina a argila muito fina), considerando que nas de chumbo do Alto Vale e não sofreu influência das
a contaminação de solos por este metal através de fon- atividades de mineração, então o valor de 2,37mg/dL
tes atmosféricas (emissões da refinaria) tende a se dis- pode ser considerado como valor de referência ou
persar como partículas finas. É nessa fração mais fina background para chumbo no sangue de crianças resi-
que o chumbo tende a se acumular. dentes na região do Alto Vale do Ribeira.
Os teores de chumbo na água, nos solos e nas Foram significantes as diferenças entre as médias
amostras do rejeito e da escória foram analisados por es- das concentrações de chumbo no sangue em meninos e
pectrometria de absorção atômica com fonte de plasma meninas em todas as populações estudadas. Os meni-
(ICP/AES), no Laboratório de Análises Minerais - LAMIN, nos apresentaram valores mais elevados do que as me-
do SGB, no Rio de Janeiro. ninas (Figura 3).

RESULTADOS
11,8 9
Contaminação humana 12 ,0 0

10 ,0 0
Crianças
A média aritmética dos teores de chum- 8 ,0 0
6 ,0 6
PbS (ug/dL)

bo nas amostras de sangue (PbS) das crian- 5 ,4 0 5 ,3 6


6 ,0 0
ças que participaram do estudo foi de 4 ,17

7,40mg/dL, variando no intervalo entre con- 4 ,0 0 2 ,3 7


centrações menores do que 1,8mg/dL a
37,8mg/dL. A figura 2 mostra as médias arit- 2 ,0 0

méticas dos teores de chumbo no sangue 0 ,0 0 Ce rro


das populações de crianças, de acordo com Ribe ira Adria nó po lis Vila Mo ta e
Ca pe linha
P o rt o N o v o S e rra
Azul
as localidades amostradas.
Observa-se que a maior média aritméti-
ca foi na população de crianças que reside Figura 3 – Médias aritméticas das concentrações de chumbo no sangue nas
mais próximo da refinaria Plumbum e da mina populações de crianças, segundo o sexo.

– 100 –
Fernanda Gonçalves da Cunha

Na avaliação dos dados dos questionários,


constatou-se que as crianças que se alimentam C o n s o m e m v e rd u ra s
14
de verduras e legumes cultivados nas hortas re- N ão c o n s o m e m v e rd u ra s

sidenciais mostraram teores de Pb S mais ele- 12

vados do que as que se alimentam de outras


10
fontes, o que pode indicar que a alimentação
pode ser uma das vias da entrada de chumbo

PbS (ug/dL)
8
nos organismos infantis (Figura 4).
Os resultados mostraram que todas as po- 6

pulações que participaram deste estudo, exceto 4


a de Cerro Azul, apresentaram crianças com Pb
S acima de 10mg/dL, o que pode caracterizar, 2

em longo prazo, risco à saúde, segundo o CDC


0
(1991). Porém, ficou bem evidente que 59,6% R ib e ira A d ria n ó p o lis Vila M o t a e P o rt o N o v o S e rra C e rro A z u l
das crianças residentes em Vila Mota e Capeli- C a p e lin h a
nha, no entorno da refinaria Plumbum, apresen-
taram teores de chumbo mais elevados, necessi- Figura 4 – Médias aritméticas das concentrações de chumbo no sangue das
tando de exames médicos periódicos para populações das crianças, de acordo com o consumo de verduras e legumes das
acompanhamento, enquanto 12 crianças mos- hortas domésticas.
traram teores de chumbo no sangue acima de
20mg/dL, já precisando de intervenção médica. sentar problemas de saúde, como por exemplo, diminui-
ção das funções cognitivas.
Adultos
Os resultados mostraram que os adultos moradores Contaminação Ambiental
no entorno da refinaria Plumbum, em Vila Mota e Capeli-
nha, apresentaram os níveis de chumbo no sangue mais Água de consumo
elevados do que os das outras populações (Paoliello et As concentrações de chumbo nas águas das tornei-
al, 2003), semelhante aos dados analíticos encontrados ras residenciais foram muito baixas (<0,005 a
para as crianças (Figura 5). 0,008mg/L), mostrando que a água consumida pela po-
Segundo os dados dos questionários, os adultos pulação não está contaminada por chumbo, indepen-
que apresentaram os maiores teores de chumbo no san- dentemente da origem, em relação ao valor permitido
gue foram do sexo masculino e trabalharam na usina de para chumbo em água potável da Portaria 518/2004, do
refino de chumbo, significando que parte do chumbo en- Ministério da Saúde (Brasil, 2005).
contrado nas amostras de sangue pode ser residual.
Estudos recentes mostraram que o homem adulto mes- Solos superficiais, material das pilhas de escória e de
mo quando exposto a baixas concentrações pode apre- rejeito
As concentrações de chumbo nas amos-
tras de solos variaram de 21 a 916mg/g, sendo
ppoo ppuulala ç ão e xp xpoo ss ttaa::áre
áreaa que os teores mais elevados ocorreram nos lo-
ppró
róxim
xim a a P lu lummbbuum m
ppoo ppuulala ç ão e xp xpoo ss ttaa::áre
áreaa cais mais próximos à usina de refino Plumbum
aaffaass ttaa dd aa d
d aa PP lu
lummbbuumm
8,8
8,8 ppoo ppuulala çç ão
ão nnãoão eexpxpoosst taa (Tabela 1). Na escória foi encontrado 2,5% e no
rejeito 0,7% de chumbo. Esses valores são ele-
99
vadíssimos, principalmente em se tratando de
88
lugares onde as crianças brincam diariamente.
77
Segundo a CETESB (2001) os solos com
PbS (ug/dL)
(ug/dL)

66
55
teores de chumbo acima de 100mg/g podem
2,8
2,8
44 indicar alteração na qualidade em relação ao
PbS

1,8
1,8
33 risco potencial à saúde humana, e com teores
22 acima de 350mg/g já necessitam de estudos
11 ambientais de remediação. Seguindo, então,
00 essa proposição, os solos mais próximos da
Plumbum podem ser considerados contami-
Figura 5 – Médias aritméticas das concentrações de chumbo no sangue das nados por chumbo, apresentando risco à saú-
populações de adultos.
de das populações que ali habitam. Esses re-

– 101 –
Diagnóstico Ambiental e de Saúde Humana: Contaminação por Chumbo em Adrianópolis, no Estado do Paraná, Brasil

Tabela 1 – Concentrações de chumbo nas amostras de solo como a ocupação paterna na refinaria, mas a moradia
superficial próxima à refinaria foi o mais importante, onde os solos
Número da Teor de chumbo pH Distância da apresentaram elevadas concentrações de chumbo. Os
amostra (ug g-1) Plumbum hábitos das crianças de levarem suas mãos e brinque-
dos sujos à boca possibilitam a ingestão de partículas de
1 175 6,6 5km
solo, caracterizando uma via de entrada do metal no or-
2 432 6,6 2,5km ganismo infantil.
3 343 7,9 1,2km Os resultados das análises das amostras de sangue
das populações adultas mostraram que aquelas resi-
4 63 6,2 1km
dentes no entorno da refinaria Plumbum apresentaram
5 672 6,7 1km os níveis de chumbo mais elevados do que das outras
6* 904 6,5 300m populações, semelhante aos dados analíticos encontra-
dos para as crianças. Os adultos que apresentaram os
7 397 6,5 500m
maiores teores de chumbo no sangue (48mg/dL) foram
8 916 6,3 900m do sexo masculino e trabalharam na usina de refino de
9* 802 5,5 900m chumbo. Segundo a WHO (1995) esses teores de chum-
bo em adultos não apresentam risco à saúde, porém es-
10 76 5,0 1km
tudos mais recentes já apontam risco à saúde até em
11 117 6,7 1,4km concentrações mais baixas.
12 245 5,9 1,5km A dispersão do chumbo contido no material particu-
lado emitido pela chaminé da refinaria e sua deposição
13* 217 7,2 1,7km
na superfície dos solos adjacentes (contaminação resi-
14* 293 6,3 1,8km dual) possibilitou que ainda hoje as crianças moradoras
15 37 5,9 2km de Vila Mota e Capelinha continuem expostas ao chum-
bo, e conseqüentemente apresentem os teores de
16 52 5,6 3,5km
chumbo no sangue mais elevados.
17 76 5,9 3,6km Esses resultados mostram a necessidade de estu-
18 58 5,8 4,5km dos ambientais para reabilitação da área e atendimento
médico, com monitoramento humano, principalmente
19 21 5,6 6,5km
nas populações infantis que residem próximo à refinaria
20 37 5,8 6,0km Plumbum.
21 26 5,5 9,5km
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
* solos de horta

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria ms nº 528/2004.


Brasilia, DF, 2001. 28p. Disponível em <http://por-
sultados incluem os solos das hortas residenciais, que tal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/pota-
necessitam de investigação em relação aos teores de ria_518_2004.pdf. Acesso em: 04 maio 2005.
chumbo nos alimentos ali cultivados. CDC – CENTERS OF DISEASE CONTROL AND
PREVENTION. U.S.Department of Health and Human
CONSIDERAÇÕES FINAIS Services, Atlanta. Preventing lead poisoning in young
children. 1991. Disponível em: <http://www.
Os resultados encontrados para chumbo no sangue astdr.cdc. gov/lead5.htm>. Acesso em: 03 julho
nos habitantes do Alto Vale do Ribeira e nas amostras de 2001.
solos indicam que as atividades decorrentes dos pro- COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO
cessos de refino dos minérios de chumbo pela Plumbum AMBIENTAL - CETESB. Relatório de estabelecimen-
afetaram todas as populações estudadas, com exceção to de valores orientadores para solos e águas subter-
da população de referência (Cerro Azul). râneas no Estado de São Paulo. São Paulo, 1996.
Porém, as populações de crianças que residem em 73p.
Vila Mota e Capelinha foram as que apresentaram maior DAITX, E.C. Origem e evolução dos depósitos sulfeta-
número de amostras de sangue com valores de chumbo dos Tipo-Perau (Pb-Zn-Ag), com base nas jazidas
acima de 10mg/dL (aproximadamente 60%) em relação Canoas e Perau (Vale do Ribeira, PR). 1996. 453p.
às outras populações (aproximadamente 8%). Vários fa- Tese (Doutorado em Geociências)-Universidade
tores podem ter contribuído para esses resultados, tal Estadual Paulista, Rio Claro, SP, 1996.

– 102 –
Fernanda Gonçalves da Cunha

DARDENNE, M.A.; SCHOBBENHAUS, C. Metalogênese in an adult population from a mining area in Brazil.
do Brasil. Brasília: Ed. UNB, 2001. Cap. 3, p. Journal de Physique IV, [S.l.], v. 107. P. 127, may
232-238. 2003.
PAOLIELLO,M.M.B.; CAPITANI,E.M.; CUNHA,F.G.; WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). International
CARVALHO,M.F.; MATSUO,T.; SAKUMA,A.; Programme on Chemical Safety. Environmental He-
FIGUEIREDO, B.R. Determinants of blood lead levels alth Criteria 165. Inorganic lead. Geneva, 1995. 300 p.

– 103 –
Estudo da Composição e das Fontes Isotópicas de Pb dos Aerossóis em Brasília (DF) – Brasil Central

ESTUDO DA COMPOSIÇÃO
E DAS FONTES ISOTÓPICAS
DE Pb DOS AEROSSÓIS EM
BRASÍLIA (DF) – BRASIL
CENTRAL
1
Simone M.C.L.Gioia, sgioia@unb.br
2
Márcio.M.,Pimentel,
3
Américo Kerr,
1
Instituto de Geociências,Universidade de São Paulo
2
LInstituto de Geociências,Universidade de Brasília,
3
Instituto de Física, Universidade de São Paulo,

RESUMO (i) fontes antropogênicas, tais como exaustão de veícu-


los (combustão) (ii) emissões industriais e (iii) rochas e
Este trabalho reportou os primeiros dados do Brasil solos, os quais representam as fontes naturais.
sobre a composição de aerossóis, obtidos pela combi-
nação do TIMS, para determinar as concentrações e INTRODUÇÃO
composições isotópicas de Pb, com PIXE, para obter-se
concentrações químicas multielementares. O material A composição química e isotópica do material parti-
particulado foi coletado em Brasília, na Universidade de culado atmosférico e aerossóis têm sido extensivamente
Brasília, e em uma área remota para caracterizar a com- utilizadas como uma ferramenta confiável para traçar as
posição background. O particulado atmosférico foi se- fontes de poluição no mundo todo (Chow et al., 1975;
parado em duas frações de diâmetro aerodinâmico mé- Rosman et al., 2000). No Brasil, são raros os estudos
dio de (f) - 2.5 µm<f<10 µm (grosso ou PM10-2.5) e deste tipo mais detalhados (e.g., Aily, 2001). Em vista
f<2.5 µm (fino ou PM2.5), com 12h de amostragem (dia e disso, no presente estudo realizamos uma investigação
noite). Dois períodos de campanha, um no inverno e ou- detalhada da composição isotópica e química dos ae-
tro no verão, possibilitaram a investigação das peculiari- rossóis em Brasília.
dades desses períodos. O objetivo deste projeto foi in- A construção de Brasília, Capital Federal do Brasil,
vestigar o impacto decorrente do aumento das ativida- começou em 1956, no Planalto Central Brasileiro. O cli-
des antropogênicas nesta área e identificar as principais ma é muito seco e temperado, no inverno, e, durante o
fontes locais de poluição do ar. verão, úmido e quente. Em 2000, a população do “Plano
Houve contribuição dos elementos maiores em am- Piloto” e de algumas áreas adjacentes chegou a 272.000
bas as frações, mostrando que a contribuição geogêni- habitantes. O progressivo aumento da infra-estrutura
ca foi muito significativa durante o inverno. A presença das áreas ao redor da cidade, introduziu muitas mudan-
de elementos antrópicos na fração PM2.5 (como Pb e S) ças ambientais expressivas em grande parte da região,
representou, principalmente, a combustão de combustí- como o tráfego de 733.000 veículos (IBGE, 2005;
veis fósseis, embora possa também ser atribuída a um http://www.ibge.gov.br). A qualidade do ar tem, em ge-
aumento da atividade humana e das queimadas no cer- ral, sido considerada excelente, entretanto, o crescimen-
rado. As composições isotópicas de Pb definiram um to urbano intenso sugere o estabelecimento de um con-
diagrama de mistura ternária, indicando contribuição de: trole rotineiro da qualidade do ar.

– 104 –
Simone M.C.L. Gioia

As partículas atmosféricas foram coletadas em duas razões isotópicas de Pb foram medidas por espectrome-
estações (uma urbana e outra remota), em duas frações tria de massa com fonte sólida termoiônica (TIMS), usan-
de diâmetro aerodinâmico médio de PM10-2.5 e PM2.5, du- do-se Finnigan MAT 262 multi-coletor, no laboratório de
rante períodos de 12h (dia e noite), no verão e no inver- Geocronologia da Universidade de Brasília. O branco
no. Foram investigados nos aerossóis a concentração e analítico de Pb para o procedimento total foi =120 pg.
composição isotópica de Pb, elementos químicos e mas-
sa total, associando com a variabilidade sazonal e a lo- Procedimento Analítico PIXE
calização das fontes. Dois métodos foram utilizados na As análises foram realizadas segundo o procedi-
análise dos aerossóis: 1) Particle Induced X-ray Emission mento analítico montado no LAMFI (Laboratório de análi-
(PIXE), para determinar os elementos químicos com nú- ses de matéria por feixe de íons), do Instituto de Física da
mero atômico maior do que 12; 2) Isotopic Diluti- Universidade de São Paulo. A redução dos dados foi fei-
on-Thermal Ionization Mass Spectrometry (ID-TIMS) para ta usando-se o programa Axil (Espen et al., 1991), tendo
determinar a concentração e as composições isotópicas o ajuste do espectro apresentado c2 menor que 2,0.
de Pb (204Pb, 206Pb, 207Pb e 208Pb).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
EXPERIMENTAL
Isótopos de Pb
Geologia Local Os aerossóis urbanos (UNB) mostraram razões
206
A geologia local (Figura 1) é caracterizada pelas ro- Pb/207Pb e 208Pb/206Pb variando de 1,1219 a 1,2062 e
chas metamórficas de baixo grau do Meso- ao Neoprote- 2,0094 a 2,1337, respectivamente, formando um trend li-
rozóico, representadas por pelitos, metassedimentos near (Figura 2).
psamíticos e carbonáticos, pertencentes aos Grupos A maioria das amostras compreende razões
206
Canastra, Paranoá, Araxá e Bambuí. Pb/207Pb no intervalo entre 1,150 e 1,200, aproximada-
mente, e concentrações entre 10,7 a 0,07 ng/m3, durante
Amostragem o verão, assim como 25,4 a 0,04 ng/m3, durante o inverno
A Tabela 1 fornece informações sobre a coleta das (Figura 3a). Na área remota (CIAB) o intervalo das razões
206
amostras nas estações urbana e remota em Brasília (Fi- Pb/207Pb são muito similares ao obtido na estação da
gura1). A área remota está a, aproximadamente, 40 km a UnB, embora com concentrações baixas de Pb (Figura
sudoeste da estação de coleta da UNB. Amostras de 3b). Em geral, as composições do particulado são muito
combustível, filtros contendo material particulado de homogêneas, sendo, entretanto, mais radiogênica e ten-
emissões industriais e solos de lixão foram analisadas e dem a apresentar baixas concentrações durante o inver-
apresentam-se como as principais fontes antropogêni- no e verão à noite; elevadas concentrações de Pb ocor-
cas de poluição. As amostras de rochas e solos foram rem durante o inverno, de dia. Isto indica uma importante
analisadas a fim de caracterizar a composição isotópica contribuição antrópica durante o dia, quando a atividade
de Pb geogênico na região. humana é elevada, sendo, principalmente, o tráfego de
veículos mais intenso. Composições menos radiogêni-
Procedimento Analítico TIMS cas foram observadas principalmente na fração PM2.5
As amostras de solo, rochas e material particulado durante o dia.
foram tratados com uma mistura de ácidos de HF, HNO3 Comparando-se os dados de aerossol em Brasília
e HCl para a decomposição total. O procedimento com- com as composições isotópicas de Pb nos combustíveis
pleto para as análises de material particulado, combustí- (206Pb/207Pb = 1,1298-1,192) e filtros industriais coleta-
veis, rochas e solo estão detalhados em Gioia (2004). As dos na estação central de ônibus de Brasília (206Pb/207Pb

Tabela 1 – Estações de amostragem (Brasília, verão e inverno de 2003)

Estações Amostras (12h, dia e noite)

Ident. Local Verão Inverno

Período Amostras Período Amostras

UNB Urbana – Campus da Universidade de Brasília (UNB) 01/16-23 07/14-20


47 56
01/28-02/21 07/28-08/23

CIAB Remota – Centro de Instrução e Adestramento de Brasília, em


01/29-02/08 10 08/12-08/23 12
área preservada

– 105 –
Estudo da Composição e das Fontes Isotópicas de Pb dos Aerossóis em Brasília (DF) – Brasil Central

Figure 1 – Mapa geológico esquemático do Distrito Federal (modificado de Freitas-Silva & Campos 1998)
e localização das amostras (rochas e solos).

Figure 2 – Relação entre as razões Pb/ Pb and Pb/ Pb dos Figura 3a – Relação entre a razão Pb/ Pb e a concentração de Pb
208 206 206 207 206 207

resultados obtidos neste trabalho. para o inverno e verão nas estação UnB.

– 106 –
Simone M.C.L. Gioia

fontes antrópicas. Eles estão presentes nas partícu-


las finas e grossas, mas o S é rico na fração PM 2.5, que
representa a queima de combustíveis fósseis, a qual
identifica o aumento da atividade humana e das quei-
madas naturais, muito comuns no inverno. Os resulta-
dos isotópicos mostraram que as fontes antrópicas
são comuns à exaustão dos veículos (combustão de
combustíveis fósseis) e emissões industriais de ci-
mento, enquanto que as fontes naturais são as rochas
e solos.
Embora Brasília tenha uma boa qualidade de ar, as
concentrações de particulado inalável são menores que
24,1±7,2 mg/m3 (inverno) e 11,0±4,3 mg/m3 (verão), mos-
trando uma evidente influência da urbanização. Na área
da cidade, as concentrações são maiores que na área
Figura 3b – Relação entre a razão Pb/ Pb e a concentração de Pb
206 207

para o inverno e verao nas estação CIAB.


remota – 19,7±5,3 mg/m3 (inverno) e 10,1±3,9 mg/m3 (ve-
rão) – quando comparados ao mesmo período da amos-
tragem.
= 1,1682) e em indústrias (206Pb/207Pb = 1,2240-1,2569
ao norte e 1,1740 ao sul), fica claro que a exaustão veicu- CONCLUSÃO
lar representa o principal contribuinte na poluição do ar,
ambos na área remota (CIAB) e na UnB, cujas composi- A contribuição dos elementos maiores na fração
ções isotópicas de Pb se encontram no intervalo das PM2,5-10 é muito significativa durante o inverno, mostran-
amostras de particulado atmosférico. do uma elevada contribuição geogênica. Pb e S estavam
No entanto, não se pode descartar que as fontes presentes nas frações finas e grossas, indicando tanto
geogênicas também contribuam com Pb nos aerossóis, ação antrópica quanto geogênica. Pb foi mais abundan-
que é demonstrado pelas composições isotópicas das te durante o inverno na fração grossa, de acordo com os
rochas e solos da região (Figura 4). As rochas apresen- dados isotópicos.
taram razões de 206Pb/207Pb variando entre 1,1643 a As composições isotópicas de Pb definem um dia-
1,5993 e as razões mais radiogênicas foram obtidas nas grama ternário de mistura, indicando a contribuição a
amostras da unidade PPC do Grupo Paranoá, carbona- partir: (i) fontes antropogênicas, como exaustão de veí-
tos, localizados ao norte de Brasília. Os solos apresenta- culos (combustão), (ii) emissão industrial e (iii) rochas e
ram um intervalo para a razão 206Pb/207Pb de solos do Grupo Paranoá, Bambuí e Canastra, represen-
1,1762-1,2569; no entanto os solos que foram lixiviados tando as fontes naturais. Houve um grupo de amostras
com ataque de ácido fraco, apresentaram as composi- menos abundante com composições isotópicas menos
ções isotópicas menos radiogênicas que o obtido com radiogênicas e torogênicas similares ao álcool e aos de-
ataque total: para lixiado (206Pb/207Pb = 1,1762-1,2228) e pósitos de galena da Faixa Brasília (Morro do Ouro, Mor-
total (206Pb/207Pb = 1,1976-1,2569). ro Agudo, Paracatu e Vazante). Provavelmente, o tempo
Comparando os dados de aerossol em Brasília de residência desse material foi elevado na atmosfera
com a composição de combustíveis (gasolina, álcool, para transportar o Pb por longas distâncias, depositan-
diesel, querosene) e filtros indústriais coletados na es- do-o, principalmente, nos filtros finos.
tação central de ônibus de Brasília e em industrias, fica A diferença sazonal entre as concentrações de
claro que a exaustão veicular representa o principal PM10-2.5 e PM2.5 tem uma correlação importante com a
contribuinte na poluição do ar, ambos na área remota estação de inverno em Brasília, caracterizada por um
(CIAB) e na UnB, cujas composições isotópicas de Pb período extremamente seco. A presença de elementos
se encontram no intervalo das amostras de particulado antrópicos (Pb and S) na fração PM2.5 representa, em
atmosférico (Figura 4). especial, a queima de combustíveis fósseis, embora
possa também ser atribuída ao aumento da atividade
Análises Multielementares por PIXE humana e queimadas do cerrado. Baixas concentra-
Contribuições significativas dos elementos Al, K, ções de Ca podem ser atribuídas às indústrias de ci-
Si, Ti e Fe (Figura 5a) foram observadas durante o inver- mento presentes ao norte da cidade. Brasília é total-
no e verão, na fração grossa, que é típica da contribui- mente distinta das cidades industrializadas, com uma
ção geogênica. Em ambientes urbanos, os elementos elevada contribuição de material geogênico e baixa
Pb e S (Figura 5b) estão, normalmente, associados às ação antrópica.

– 107 –
Estudo da Composição e das Fontes Isotópicas de Pb dos Aerossóis em Brasília (DF) – Brasil Central

Figure 4 – Resultado das análises de PIXE de elementos maiores, no inverno e verão nas estações UnB e CIAB.

Figure 5 – Resultado das análises de PIXE de elementos-traço, no inverno e verão nas estações UnB e CIAB.

– 108 –
Simone M.C.L. Gioia

Estudos adicionais serão necessários para avaliar a CHOW, T.J.; SNYDER, C.; EARL, J. Isotope ratios of lead
influência do tráfego, assim como de outras fontes antro- as pollutant source indicators. Proceedings of the
pogências, as quais, provavelmente, aumentarão com a IAEA-SM-191/14, Vienna, 1975. p. 95-108.
expansão populacional. ESPEN, P.V.; JASSENS, SWENTER, S, 1AXIL X-Ray
Analysis software: users manual. Bebelux : Packard,
AGRADECIMENTOS 1991. 72 p.
GIOIA, S.M.C.L. Caracterização da assinatura isotópica
Os autores agradecem ao engenheiro da Shell Adair de Pb atual na atmosfera e no sistema lacustre do
Narazeth Santos Júnior, que forneceu algumas das Distrito Federal e pré-antropogênica em Lagoa Feia
amostras de combustíveis, à técnica Ana e ao Dr. Man- – GO. 2004. Tese (Doutorado) - Instituto de Geociên-
fredo, do Instituto de Física da Universidade de São Pau- cias, Universidade de Brasília, Brasília, 2004.
lo, e à Dra. Maria de Fátima Andrade, do Instituto Astro- ROSMAN, K.J.R.; LY, C.; VAN DE VELDE, K.; BOUR-
nômico e Geofísico da Universidade de São Paulo, e à TRON, C.F. A two century record of lead isotopes in
meteorologista Maria Cristina G. Costa, do INMET. high altitude Alpine snow and ice. Earth and Plane-
tary Science Letters, v. 176, p. 413-424, 2000.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS VERGARA, M.C. Caracterizações isotópicas e percen-
tuais de material particulado respirável e de matéri-
AILY, C. Caracterização Isotópica de Pb na atmosfera: um as fontes afins da cidade de Santiago do Chile
exemplo da cidade de São Paulo. 2001. Dissertação usando Pb Sr e Nd como traçadores naturais.
(Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.Tese (Doutorado) - Universidade de São Pau-
2001. lo, São Paulo. 2001.

– 109 –
Fluorose Dentária e Anomalias de Flúor na Água Subterrânea no Município de São Francisco, Minas Gerais, Brasil

FLUOROSE DENTÁRIA E
ANOMALIAS DE FLÚOR NA
ÁGUA SUBTERRÂNEA NO
MUNICÍPIO DE SÃO
FRANCISCO, MINAS
GERAIS, BRASIL
1
Leila Nunes Menegasse Velásquez; menegase@netuno.lcc.ufmg.br
1
Lúcia Maria Fantinel; fantinel@ufmg.br
2
Efigênia Ferreira e Ferreira; efigenia@uai.com.br
2
Lia Silva de Castillo; liacastilho@ig.com.br
1
Alexandre Uhlein, uhlein@dedalus.lcc.ufmg.br
2
Andréia Maria Duarte Vargas; vargasnt@task.com.br
1
Paulo R. Antunes Aranha; aranha@igc.ufmg.br
1
Departamento de Geologia, Universidade Federal de Minas Gerais
2
Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO Nesses quatro distritos, a água consumida pela popula-


ção provém do aqüífero carbonático e apresenta concen-
A principal fonte de água para o abastecimento da trações de flúor superiores a 1,18 mg/L.
população rural do município de São Francisco, no Norte
de Minas Gerais, é o aqüífero cárstico nas rochas carbo- INTRODUÇÃO
náticas do Grupo Bambuí. Estudos geológico-hidrogeoló-
gicos e epidemiológicos constataram anomalias de fluo- Propostas de gestão integrada dos recursos hídri-
reto nessas águas e estabeleceram a relação dessas cos pressupõem a avaliação da qualidade das águas
anomalias com a incidência de fluorose dentária na área. superficiais e subterrâneas, em especial daquelas desti-
Minerais com flúor ocorrem disseminados nas rochas do nadas ao consumo humano. Nos domínios cársticos de
Grupo Bambuí e, especialmente, a fluorita ocorre dissemi- províncias carbonáticas, esse pressuposto torna-se re-
nada em fraturas e veios calcíticos nos calcários. Existe quisito tanto para a gestão e o aproveitamento sustentá-
notável correspondência entre a estratigrafia, os sistemas veis dos recursos hídricos como para a prevenção e
de fraturas das rochas, as vazões dos poços e as concen- controle de endemias de veiculação hídrica. As áreas
trações de flúor nas águas subterrâneas. O estudo hidro- cársticas localizadas nas bacias hidrográficas do médio
geoquímico de 78 poços tubulares revelou variação de rio São Francisco, no Norte do Estado de Minas Gerais,
fluoreto de zero a 3,9 mg/L e background de 0,45 mg/L. servem de exemplo. Essas áreas, em que a precipitação
Em 16,7% dos poços, as concentrações de fluoreto supe- pluviométrica é concentrada em poucos meses do ano e
raram o limite de potabilidade local (0,8 mg/L). Os estu- o substrato carbonático propicia a infiltração e a circula-
dos epidemiológicos e clínicos da população com idade ção da água no domínio das estruturas cársticas de sub-
entre 6 anos e 22 anos indicaram um índice de prevalên- superfície, caracterizam-se por elevada disponibilidade
cia de fluorose dentária de 81,5% a 97,7% em quatro dis- hídrica subterrânea em detrimento dos mananciais hídri-
tritos, com 30% dos dentes em estágio severo de agravo. cos de superfície. Os aqüíferos nas rochas carbonáticas

– 110 –
Leila Nunes Menegasse Velásquez;

constituem, por conseguinte, as principais fontes de ausência de planejamento integrado dos recursos hídri-
água para o abastecimento humano e animal e para as cos do município que, aliada ao quadro socioeconômico
atividades agrícolas e industriais. com expressivos índices de pobreza, contribui para a
Nesses domínios, diversas substâncias químicas ocorrência de doenças de veiculação hídrica.
inorgânicas, presentes como fases minerais nos calcári- A limitada disponibilidade de mananciais superficia-
os e rochas associadas, são naturalmente incorporadas is de água resulta da conjugação de dois fatores princi-
às águas subterrâneas pela dissolução/alteração das ro- pais: a precipitação pluviométrica de 1.132,9 mm/ano
chas. Muitas dessas substâncias minerais são funda- concentrada em quatro meses seguidos de um longo
mentais para a saúde humana, mas o tipo de efeito pro- período de estiagem e a elevada infiltração da água no
vocado no organismo depende, entre outros fatores, dos domínio cárstico das rochas calcárias fraturadas do Gru-
teores ingeridos pelo indivíduo. Um exemplo paradigmá- po Bambuí. Todavia, contrastando com esse cenário, há
tico dessa relação diz respeito ao flúor e à fluorose. importantes mananciais de água subterrânea que, no
A assimilação de flúor em doses adequadas é bené- meio rural, representam a única disponibilidade hídrica
fica à saúde, pois promove o aumento da resistência da durante todo o ano.
matriz mineral dos dentes e dos ossos. Todavia, a assi- O abastecimento de água para a população resi-
milação contínua de teores acima do máximo recomen- dente na sede do município, localizada às margens do
dado pode provocar deformações no esmalte dentário rio São Francisco, é realizado pela Companhia de Sane-
(a fluorose dentária), e até mesmo nos ossos (a fluorose amento de Minas Gerais (COPASA MG) por meio, princi-
esqueletal ou osteofluorose). palmente, da captação e tratamento de água desse rio.
A fluorose dentária é uma anomalia do desenvolvi- Diferentemente da sede, na zona rural, o abastecimento
mento dos dentes ligada a deformações do esmalte em de água é de responsabilidade da Prefeitura Municipal
conseqüência da ingestão prolongada de flúor em quan- sendo realizado, principalmente, por meio da captação
tidades excessivas na faixa etária em que o esmalte está de água subterrânea por poços tubulares. Esses poços
em formação, ou seja, até os cinco anos de idade. A do- são os principais responsáveis pelo abastecimento de
ença caracteriza-se pelo aumento da porosidade do es- comunidades rurais geograficamente dispersas e locali-
malte, que adquire aspecto opaco e manchado de bran- zadas, muitas vezes, em áreas onde os recursos hídri-
co e até de marrom ou preto. O teor máximo de fluoreto cos superficiais perenes são escassos ou inexistentes e
na água para consumo humano depende das condições os mananciais hídricos subterrâneos são os únicos dis-
climáticas locais, sendo estabelecido pela Organização poníveis durante todo o ano. A partir do final da década
Mundial da Saúde-OMS (1999) de acordo com os valo- de 1970 foram executados vários poços tubulares na
res de temperaturas médias máximas do ar da região, zona rural na tentativa de minimizar o grave problema de
pois esses valores têm relação com o volume de água abastecimento de água. De maneira geral, os primeiros
consumida pela respectiva população. Em São Francis- poços começaram a funcionar na década de 1980.
co, em função da média de temperatura máxima do ar de O poço de abastecimento público de Mocambo,
32,3oC, o limite máximo recomendado para a concentra- distrito a cerca de 14 km a sul de São Francisco, foi aber-
ção de fluoreto na água para consumo humano é de 0,8 to em 1979. Quinze anos depois, a comunidade e os ci-
mg/L, de acordo com a Portaria 1469/00 do Ministério da rurgiões-dentistas da região diagnosticaram a natureza
Saúde (Brasil, 2000). das manchas nos dentes permanentes das crianças. Em
No município de São Francisco, a fluorose dentária 1995, por solicitação da Prefeitura de São Francisco, a
atinge principalmente crianças e jovens residentes na FUNASA analisou a água do poço tubular de Mocambo,
zona rural. A doença, que é de caráter permanente, de- encontrando 3,2 mg/L de fluoreto, quatro vezes o limite
manda tratamento corretivo e de restauração dos den- máximo recomendado para a região. Entre 1995 e 1997,
tes, geralmente inacessível às populações afetadas. dois outros poços foram construídos em Mocambo, mas
Esse tratamento consiste em lixar o esmalte poroso ex- não entraram em produção devido aos elevados teores
terno até que seja removida a mancha provocada pela de flúor de suas águas.
impregnação do esmalte poroso por pigmentos da ali- Em 2002 e 2003, cinco dos autores deste trabalho
mentação. Em casos graves, torna-se necessário im- desenvolveram pesquisa com o objetivo de caracterizar
plantar coroas ou facetas dentárias. a endemia nas localidades já notificadas, determinar a
O município de São Francisco está localizado na ma- origem dos elevados teores de flúor na água subterrâ-
crorregião Norte de Minas Gerais, na bacia hidrográfica nea do município e caracterizar os sistemas aqüíferos lo-
do médio rio São Francisco, distante cerca de 578 km de cais quanto à geometria, modo de circulação e proprie-
Belo Horizonte. Sua população soma 52.639 habitantes dades hidrogeoquímicas. A equipe pautou-se pelo de-
(IBGE, 2003), sendo 46% residente da zona rural. Muitas senvolvimento de metodologias interdisciplinares e pela
das dificuldades enfrentadas pela população derivam da busca das inter-relações dos dados epidemiológicos

– 111 –
Fluorose Dentária e Anomalias de Flúor na Água Subterrânea no Município de São Francisco, Minas Gerais, Brasil

com os dados derivados da investigação geológi- (1998). Os parâmetros mais importantes analisados fo-
co-hidrogeológica (http://www.odonto.ufmg.br/odon- ram: pH, CE, T, STD, alcalinidade (total, bicarbonato,
to/geologia_saude.html). carbonatos e hidróxidos), Dureza total, íons maiores e F-.
Os estudos identificaram, como causa da fluorose As análises estatísticas foram realizadas no programa
dentária, o consumo de água subterrânea naturalmente computacional SSPS - Statistical Package for the Social
contaminada por flúor e constataram a associação das Science – SPSS e os mapas de isovalores foram elabora-
concentrações de fluoreto com as estruturas rúpteis, com dos no programa computacional Surfer32.
a estratigrafia e com os parâmetros hidráulicos dos po-
ços. Os resultados da pesquisa possibilitam a indicação Métodos no Campo da Saúde
das áreas de maior vulnerabilidade de contaminação das Para os estudos epidemiológicos e clínicos foram
águas subterrâneas por flúor e o estabelecimento de cri- selecionados quatro distritos da zona rural de São Fran-
térios técnicos para a locação de novos poços tubulares cisco, para os quais a Prefeitura tinha conhecimento pré-
em terrenos de menor vulnerabilidade. No presente, a vio da manifestação da doença (Mocambo, Vaqueta,
pesquisa se expande metodológica e geograficamente, Alto São João, Novo Horizonte) e um distrito como área
dirigindo-se para 24 municípios situados a Norte de São controle (Retiro), cujo abastecimento de água é de res-
Francisco que apresentam similar contexto geológico e ponsabilidade da COPASA MG.
registros isolados de casos de fluorose dentária. Para o inquérito epidemiológico, foram examinados
288 indivíduos, entre 6 e 22 anos de idade, em função da
A PESQUISA INTERDISCIPLINAR DA FLUOROSE presença de dentes permanentes e tempo de consumo
DENTÁRIA EM SÃO FRANCISCO da água. Os exames clínicos foram realizados por um
único examinador, paramentado, sob luz natural, após
Métodos do Campo das Geociências escovação e utilizando gaze estéril para secagem dos
A pesquisa geológica compreendeu o mapeamento dentes. Incluiu-se um inquérito sobre dados de escova-
geológico, a definição da seqüência estratigráfica, a ca- ção com dentifrício e outros métodos de aplicação de
racterização petrográfica macro e microscópica e a ca- flúor, informações sobre a residência no local desde o
racterização das estruturas deformacionais e das fei- nascimento e procedência da água consumida. No estu-
ções de dissolução cársticas associadas. do, foram empregados os índices CPO-d (dentes caria-
O mapeamento geológico regional foi realizado na dos perdidos e obturados) segundo critérios da OMS
escala 1:250.000 em toda a porção meridional do muni- (WHO, 1997) e índice TF-Thylstrup e Fejerskov (Fejers-
cípio de São Francisco. Em função da representativida- kov et al., 1994). O banco de dados foi desenvolvido no
de das unidades regionais, da ocorrência de fluorita e da programa EPI INFO da OMS. A coleta de dados foi reali-
elevada prevalência de fluorose dentária no distrito de zada após autorização da Prefeitura do município, depo-
Mocambo, foi executado mapeamento na escala is de enviadas informações por escrito aos pais ou res-
1:60.000 da sub-bacia do riacho Mocambo e 1:25.000 ponsáveis dos alunos a serem examinados, juntamente
de duas áreas-chaves, visando ao detalhamento das as- com o consentimento pós-informado.
sociações faciológicas e à elucidação do controle litoló- Com o objetivo de conhecer a percepção dos mora-
gico/estratigráfico das ocorrências de fluorita. dores do local com relação à fluorose, foram realizadas
O estudo hidrogeológico compreendeu a caracteri- entrevistas com indivíduos afetados e com professores
zação física dos aqüíferos, a elaboração do modelo hi- nas quatro comunidades que apresentavam consumo
drodinâmico de funcionamento dos mesmos, a determi- excessivo de flúor. A metodologia empregada no estudo
nação das características da recarga e da circulação da qualitativo foi a de entrevistas abertas e se-
água subterrânea e, por fim, o estudo hidroquímico. A mi-estruturadas com roteiros e com a produção de resul-
partir de um cadastramento dos poços profundos proce- tados pela análise de conteúdo baseada em Bardin
deu-se à amostragem e realização de análises hidroquí- (1977). No caso dos adolescentes, os roteiros foram divi-
micas, visando a caracterização hidrogeoquímica pro- didos nas seguintes unidades de contexto: saúde bucal,
priamente dita, sobretudo com relação ao flúor, a verifi- percepção da fluorose e expectativas. A amostra foi
cação das associações entre o flúor e os demais parâ- constituída por 17 jovens de 12 a 22 anos de idade que
metros hidroquímicos e a definição do background do apresentavam manchamento por fluorose de graus entre
fluoreto. Considerou-se contaminada a amostra cuja 1 e 9 pelo Índice TF.
concentração se encontrasse acima de 0,8 mg/L, valor
máximo recomendado para a região. CONTEXTO GEOLÓGICO
Os procedimentos de coleta, preservação e análi-
ses da água foram realizados segundo o Standard Met- O município de São Francisco está inserto no com-
hods for the Examination of water and wastewater, 20th partimento central da Bacia do São Francisco, na área

– 112 –
Leila Nunes Menegasse Velásquez;

de coberturas neoproterozóicas pouco deformadas da mento dextral N50°-70°E e de cisalhamento sinistral


porção centro-sul do cráton do São Francisco. Predomi- N30°-50°W.
nam rochas com atitude horizontal a suborizontal, repre- No município de São Francisco, as altitudes variam
sentadas, da base para o topo, por uma seqüência car- de 455m até 815m, predominando as áreas aplainadas e
bonática e pelítica neoproterozóica do Grupo Bambuí; dissecadas, desenvolvidas em sua maior parte sobre os
por arenitos, folhelhos e siltitos cretácicos do Grupo Are- metassedimentos do Grupo Bambuí. Patamares exten-
ado; por sedimentos elúvio-coluvionares cenozóicos, sos e tabulares, situados nas cotas mais elevadas, prin-
provavelmente tércio-quaternários e, por fim, por sedi- cipalmente na porção sul do município, correspondem
mentos aluvionares quaternários (Figura 1). aos arenitos cretácicos depositados sobre os metasse-
Os litotipos calcários do Grupo Bambuí consistem dimentos do Grupo Bambuí.
principalmente em rochas aloquímicas, predominando
calcarenitos e calcilutitos. Entre os componentes alo- HIDROGEOLOGIA
químicos, são mais comuns os pelóides, intraclastos,
oóides e microfitólitos. Constituem os grãos dispersos A alternância de rochas carbonáticas e pelíticas do
em matriz de lama carbonática fina ou o arcabouço de Grupo Bambuí e os sedimentos arenosos das coberturas
calcarenitos e calcirruditos com matriz micrítica ou com cenozóicas e do Grupo Areado definem dois sistemas
cimento espático. Localmente, ocorrem termos dolomí- aqüíferos hidraulicamente conectados: o inferior, cársti-
ticos. Os litotipos terrígenos são predominantemente co-fissural e o imediatamente superior, granular.
pelíticos, principalmente metaargilitos e metarenitos O sistema cárstico-fissural é constituído pela se-
muito finos. As características faciológicas registram qüência de rochas carbonáticas e pelíticas do Grupo
condições paleoambientais de planície de marés, pla- Bambuí (75% da área) dispostas suborizontalmente, e
taforma interna e barras de plataforma com ciclos de com espessura aflorante estimada de 170m. As unida-
sedimentação marcados por recorrências de eventos des carbonáticas sofreram um intenso processo de cars-
de tempestade. tificação e fraturamento. As melhores possibilidades de
Cristais de fluorita roxa a rosa com 0,3mm-2cm de armazenamento correspondem às zonas de maior inci-
aresta ocorrem em pequena proporção, disseminados dência de fraturamentos nas unidades carbonáticas e
preferencialmente em vênulas de calcita branca recris- pelíticas e/ou às zonas de feições de dissolução cárstica
talizada, associadas a fraturas subparalelas ao acama- nas unidades carbonáticas.
mento de calcarenitos. As ocorrências de fluorita res- Em geral, o domínio cárstico-fissural é livre, com
pondem em parte pelas concentrações anômalas de profundidade do nível de água de 14m em média, mas
flúor nas águas subterrâneas do município, mas outros os pelitos funcionam localmente como aqüicludes en-
minerais portadores de flúor, não identificáveis macros- gendrando condições de artesianismo nos aqüíferos
copicamente e por microscopia óptica convencional, cársticos.
podem estar presentes. As direções e o gradiente dos fluxos são extrema-
O Grupo Areado está representado por uma fácies mente complexos nos meios anisotrópicos tais como os
basal pelítica e uma fácies psamítica mais espessa do fissurais e cárstico-fissurais, que são determinados pe-
que a anterior e com maior extensão em área. A fácies las permeabilidades condicionadas, por sua vez, às
pelítica é constituída por argilitos e folhelhos finamente descontinuidades das rochas. Assim, em função das
laminados e a fácies psamítica, com espessura de até permeabilidades, nos aqüíferos pelíticos predominam
40m, consiste em arenitos quartzosos texturalmente ma- gradientes hidráulicos com forte componente vertical,
turos. enquanto nos aqüíferos cársticos-fissurais predominam
Os sedimentos cenozóicos geralmente apresentam as componentes horizontais.
pequena espessura e reduzida extensão em área. Os A recarga nos aqüíferos cársticos se processa de
depósitos eluviais de maior extensão correspondem às três formas: i) através dos arenitos do Grupo Areado so-
coberturas arenosas desenvolvidas a partir dos arenitos brepostos ao Grupo Bambuí (porções leste e sudeste do
cretácicos que se distribuem nas elevações tabulares de município) e das coberturas tércio-quaternárias; ii) por
cotas superiores a 700 metros. Geralmente, interdigi- drenança através das unidades pelíticas; iii) diretamente
tam-se com sedimentos coluvionares e de regressão pela infiltração pluviométrica nas áreas de afloramento
das formas de relevo tabular, formando depósitos elú- dos calcários, através das fraturas abertas e das feições
vio-coluvionares. Nas cotas mais baixas, interdigitam-se cársticas.
com depósitos aluvionares. As direções das descontinuidades das rochas do
O padrão de fraturamento definido por fotolinea- Grupo Bambuí (fraturas e dutos de dissolução cárstica)
mento e no campo define os sistemas distensivo representativas das principais direções de fluxo são:
N70°-90°W; de descompressão N0°-30°E, de cisalha- N70°-90°W, N0°-30°E, N30°-50°W, N50°-70°E.

– 113 –
Marília Nutti

MAPA GEOLÓGICO DA PORÇÃO MERIDIONAL DO MUNICÍPIO DE SÃO


Legenda
FRANCISCO N
Neoproterozóico Cretáceo Cenozóico

Sedimentos aluvionares de cascalhos, areias mal selecionadas e argilas


Rio São Francisco
Sedimentos elúvio-coluvionares com cascalho e areno-silto-argilosos

Grupo Areado: arenitos finos a médios com níveis


conglomeráticos, siltitos e folhelhos

Grupo Bambuí: seqüência pelito-carbonatada, pouco ou não


deformada de dolomitos, calcários aloquímicos, calcários
impuros e margas, siltitos e argilitos

Simbolos Estruturais
Vaqueta

+ Acamamento horizontal
x 560
Direção e mergulho de acamamento +
Fotolineamentos x
640

Simbolos Diversos

Localidades com casos de fluorose dentária

Área urbana: Sede de São Francisco


15 x 720
Drenagem

Ocorrências Novo Horizonte +


de fluorita
700
Ponto cotado
+
X
Alto São João

520 Mocambo
x
Retiro

760
x

+ 640 x
66
Escala
x 600
0 2 4 6 Km

Figura 1 – Mapa geológico da porção meridional do município de São Francisco.

– 114 –
Leila Nunes Menegasse Velásquez;

As vazões extremamente variáveis, desde poucos João, 61,5% em Mocambo, 72,3% em Vaqueta e 82,2%
m3/h alcançando 260 m3/h, refletem o elevado grau de em Novo Horizonte (Tabela 2). Tal número é indiscutivel-
anisotropia desse sistema aqüífero e a necessidade de mente alarmante e mostra um típico problema de saúde
conhecimento geológico para obter sucesso na produção pública, relacionado ao meio ambiente. Nas quatro loca-
dos poços. Esse sistema aqüífero é a mais importante fon- lidades em que ocorre fluorose dentária, a água consu-
te de abastecimento de água para a população rural. mida provém do aqüífero carbonático, com concentra-
O sistema aqüífero granular é constituído pelas se- ções de flúor superiores a 1,18 mg/L. Na localidade de
guintes unidades: sedimentos do Grupo Areado sobre- Retiro, área controle, não ocorre a fluorose, o que é expli-
postos ao sistema aqüífero cárstico-fissural, coberturas cado pela baixa concentração de flúor nessa localidade
tércio-quaternárias e aluviões/colúvios recentes. A re- (0,2 mg/L).
carga do sistema granular ocorre pela precipitação dire-
ta. Além de serem explorados por meio de poços profun- Tabela 1. Prevalência de indivíduos com fluorose (TF), por
dos (Grupo Areado) e por poços escavados (cobertu- distrito, 2002 (em percentual)
ras), esses aqüíferos possuem a importante função de
restituírem os recursos às drenagens que nascem no sis- Novo Alto São
Idade Mocambo Vaqueta Retiro
tema granular. Horizonte João
O fluxo subterrâneo regional ocorre no sentido da 7a9 57,8 95,5 100 88,0 0
calha do rio São Francisco situada a oeste da área, que 10 a 12 87,0 100 100 75,0 0
corresponde ao nível de base regional. Contudo, fluxos 13 a 15 92,8 100 100 91,6 7,7
locais certamente ocorrem nas demais direções consta- 16 a 22 100 60,0 83,3 100 0
tadas, como é típico de terrenos cársticos. Total 81,5 93,6 97,7 87,7 0,3

RESULTADOS Tabela 2. Prevalência de indivíduos com fluorose de grau


igual ou superior a 4 (TF), por distrito, 2002 (em percentual)
Epidemiologia
O estudo epidemiológico da fluorose dentária evi- Novo Alto São
Idade Mocambo Vaqueta Retiro
Horizonte João
denciou um índice de prevalência de 81,5% a 97,7%, com
7a9 21,0 63,6 86,6 28,0 0
30% dos dentes em estágio severo de agravo (Figura 2).
10 a 12 65,2 81,2 76,9 33,3 0
13 a 15 92,8 100 81,8 83,3 0
16 a 22 88,8 60,0 83,3 62,5 0
Total 61,5 72,3 82,2 45,6 0

As entrevistas mostraram que às lesões nos dentes


associam-se dificuldades de socialização e de partici-
pação dos jovens em atividades coletivas escolares,
além de embaraço e sentimento de vergonha. Os jovens
acometidos relacionam a causa da fluorose principal-
mente à ingestão de água calcária e se preocupam com
o fato de que as manchas fluoróticas possam ser confun-
didas com “falta de higiene”. Os indivíduos que apresen-
tam fluorose na região labial anterior tendem a esconder
sistematicamente o sorriso (colocando a mão na boca,
sorrindo com os lábios fechados), evitam tirar fotografi-
as, acreditam que as manchas de fluorose podem atra-
Figura 2 – Fluorose dentária em criança. em Mocambo – TF: 7 (Foto: palhar o seu futuro profissional e, por fim, acreditam que
E.F Ferreira, 2002).
as manchas de fluorose podem atrapalhar relaciona-
mentos afetivos com o sexo oposto.
As características (explicitamente citadas nas entre-
A prevalência da fluorose excedeu os 80% em todos vistas) relacionadas ao estado atual dos dentes e do sor-
os distritos acometidos (Tabela 1). Considerando-se o riso da população estudada são: feio, sujo, amarelos,
TF igual ou superior a 4 (maior gravidade do comprome- cor de rapadura e enferrujados. Os adolescentes rela-
timento estético e/ou funcional do dente), a prevalência tam se sentir envergonhados, tristes e sem liberdade, e
de fluorose foi de 45,6% dos examinados em Alto São esses fatos são confirmados pelos professores.

– 115 –
Fluorose Dentária e Anomalias de Flúor na Água Subterrânea no Município de São Francisco, Minas Gerais, Brasil

Hidroquímica do flúor nas águas subterrâneas dos aqüíferos. Ocorrem poços secos até poços com va-
Anomalias de fluoreto em águas subterrâneas nas zões de 264 m3/h; a maioria (56%), contudo, possui va-
localidades endêmicas epidemiologicamente estuda- zões de até 20 m3/h.
das apontam ser esta a principal fonte de ingestão de Com base nas observações de campo, constata-
flúor e a causa da endemia de fluorose dentária. ram-se, duas direções de carstificação mais desenvolvi-
Estudo hidrogeoquímico de 78 poços tubulares indi- da: N70°-90°W (sistema distensivo) e N0°-30°E (sistema
cou uma variação de fluoreto de zero a 3,9 mg/L e back- de alívio ou de descompressão). Outros dois sistemas
ground de 0,45 mg/L. Em 16,7% as concentrações supe- identificados são os de cisalhamento N50°-70°E (dex-
raram o limite de potabilidade local (0,8 mg/L). Essas tral) e o N30°-50°W (sinistral). As vazões muito elevadas
amostras correspondem a poços mais novos. (em torno de 100 m3/h) a excepcionais (260 m3/h) indi-
O pH mostrou variação de 7,0 a 8,8, com mediana cam condições de alto grau de carstificação e de artesi-
de 7,5. Os Sólidos Totais Dissolvidos variou de (STD) de anismo. Relacionando-se as vazões dos poços aos sis-
43,3 mg/L a 517 mg/L com mediana de 407,5 e média de temas de fraturamentos, constatam-se produções muito
370,2 mg/L. A alcalinidade de bicarbonatos variou de 94 elevadas nos sistemas N70°-90°W, N30°-50°W e
mg/L CaCO3 a 481,3 mg/L CaCO3 com mediana de 39,3 N0°-30°E, o que permite inferir que a carstificação ocorre
mg/L CaCO3. em todos os sistemas. As vazões mais elevadas (acima
As fácies hidroquímicas constatadas no diagrama de 100 m3/h) associam-se principalmente ao sistema
de Piper (Figura 3) revelaram três tipos hidroquímicos distensivo N70°-90°W.
principais: bicarbonatada cálcica (32,3%); bicarbonata- As concentrações de F- são maiores nos sistemas de
da sódica, sódica-cálcica a cálcica-sódica (21,5%) e bi- menor produtividade, ou seja, no de cisalhamento des-
carbonatada cálcica-magnesiana (15,4%). É nítida a as- compressivo e sinistral. A concentração média de fluoreto
sociação direta do flúor com o sódio, dada a elevada so- nos poços não associados a lineamentos é próxima do
lubilidade deste. background - 0,40 mg/L, ao passo que, no sistema disten-
sivo, a concentração média é de 0,54 mg/L, no sistema de
cisalhamento (sinistral) é de 0,73 mg/L e no sistema des-
compressivo, 0,8 mg/L. Assim, dentre os cinco poços lo-
diâmetro proporcional ao teor de F
cados no sistema distensivo (de maior produção) e que
possuem concentrações acima de 0,8 mg/L de F-, quatro
possuem baixas vazões, entre 2,5 e 10,56 m3/h.
A correlação das concentrações de fluoreto com a al-
timetria das entradas d’água dos poços na área estudada
corrobora a associação do flúor com o pacote de calcare-
nitos das porções inferiores a médias do Grupo Bambuí
na área, onde cerca de 45,8% dos poços com fluoreto
acima de 0,8mg/L estão em altitudes entre 480 e 600 m.
Foram observadas nove outras localidades cujas
águas de abastecimento por meio de poços mais novos
encontram-se contaminadas com relação ao fluoreto,
entretanto, nenhuma medida vem sendo tomada para
prevenir a população atualmente exposta.
Figura 3 – Diagrama de Piper (dimensão dos pontos proporcional à
concentração de Flúor).
CONCLUSÕES

A metodologia interdisciplinar aplicada na pesquisa


As áreas de maior vulnerabilidade natural ao risco foi fundamental para o conhecimento dos processos
de contaminação (>0,8mg/L) distribuem-se segundo ali- geoambientais e das características da endemia de fluo-
nhamento N40°E, paralelo à direção principal do rio São rose dentária no município de São Francisco.
Francisco, nas porções central e sudeste da área estu- O estudo epidemiológico da fluorose dentária com-
dada. Nesta, o fluoreto encontra-se nos calcários sob os provou haver um quadro endêmico preocupante, que re-
sedimentos do Grupo Areado. quer ações imediatas no sentido de possibilitar ações
corretivas das lesões já desenvolvidas e de prevenir no-
Relações do fluoreto com fatores geológicos vos casos. As lesões de fluorose provocam grande em-
Os poços possuem uma grande variação de produ- baraço para os jovens acometidos, dificultando, em al-
ção, refletindo a grande heterogeneidade e anisotropia guns casos, o seu convívio social. Ações que proporcio-

– 116 –
Leila Nunes Menegasse Velásquez;

nem a correção dos teores de fluoretos dos poços tubu- dação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais –
lares e ações odontológicas que possibilitem a saúde FAPEMIG, órgão financiador do projeto (Processo CRA
bucal, incluindo ações informativas sobre a origem das 294/99), Instituto de Geociências da UFMG, Fundação
lesões, necessitam ser empreendidas para a completa Nacional de Saúde Coordenação Minas Gerais –
promoção de saúde dos moradores afetados. FUNASA, Prefeitura Municipal de São Francisco, Com-
Anomalias de fluoreto na água de poços tubulares panhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA MG,
nas localidades estudadas indicam ser a água subterrâ- Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francis-
nea a principal fonte de ingestão de flúor e causa princi- co – CODEVASF, Centro de Desenvolvimento da Tecno-
pal da fluorose. A fluorita em cristais disseminados em logia Nuclear - CDTN/CNEN, e à população de São Fran-
veios calcíticos dos calcarenitos do Grupo Bambuí, cisco que autorizou a realização dos exames clínicos
constitui mineral-fonte da contaminação natural das odontológicos.
águas subterrâneas, mas outros minerais com flúor po-
dem estar presentes nas fácies carbonáticas e nas fáci- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
es pelíticas do Grupo Bambuí, contribuindo para a con-
taminação das águas subterrâneas. BARDIN, L. 1977. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições
As concentrações de fluoreto nas águas subterrâne- 70, 1977. 228 p.
as atingem um máximo de 3,9 mg/L. A associação das BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1469 de 29 de
concentrações de F- com as estruturas rúpteis, com a es- dezembro de 2000. Controle e vigilância da qualida-
tratigrafia e com os parâmetros hidráulicos dos poços de da água para consumo humano e seu padrão de
permite a adoção de critérios técnicos para a locação de qualidade.
novos poços tubulares em terrenos de menor vulnerabili- FANTINEL, L.M. et al. Fluorose dentária e anomalias de
dade à contaminação por flúor, citando-se como mais flúor nos aquíferos do Grupo Bambuí em São Francis-
importantes: evitar as direções N0°-30°E e N30°-50°W; co, MG. Disponível em: <http://www.odonto.ufmg.br/
priorizar a direção N70°-90°W, que é também a mais pro- odonto/site%2004/geologia_saude.html>. Acesso
missora em produção; priorizar profundidades de entra- em: 18 maio 2005.
da d’água em cotas acima de 600 m. FEJERSKOV, O. et. al. Fluorose dentária: um manual
Foram constatadas nove outras localidades no mu- para profissionais de saúde. São Paulo: Ed. Santos,
nicípio cujas águas de abastecimento por meio de po- 1994.
ços mais novos encontram-se contaminadas com rela- FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
ção ao fluoreto. Esse é um dado preocupante, pois ne- E ESTATÍSTICA – IBGE. Disponível em: <http://www.
nhuma medida vem sendo adotada para prevenir a po- ibge.gov.br.> Acesso em 2003.
pulação atualmente exposta. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Manual de le-
vantamento epidemiológico em saúde bucal. São
AGRADECIMENTOS Paulo: Ed. Santos, 1999.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Oral health survey:
Os autores expressam seus agradecimentos às ins- basic methods. 4th ed. Geneva: WHO, 1997. p.
tituições que apoiaram a pesquisa, especialmente: Fun- 35-36, 41-46.

– 117 –
Geoquímica do Flúor em Águas e Sedimentos Fluviais da Região de Cerro Azul, Estado do Paraná: Definição de Áreas de Risco para Consumo Humano

GEOQUÍMICA DO FLÚOR
EM ÁGUAS E SEDIMENTOS
FLUVIAIS DA REGIÃO DE
CERRO AZUL, ESTADO DO
PARANÁ: DEFINIÇÃO DE
ÁREAS DE RISCO PARA
CONSUMO HUMANO
¹Maria Jimena Andreazzini, jimena@ige.unicamp.br
¹Bernardino R. Figueiredo, berna@ige.unicamp.br
²Otávio A. B. Licht, otavio@pr.gov.br
¹Universidade de Campinas-UNICAMP
²Minerais do Paraná-MINEROPAR

INTRODUÇÃO consumo das populações da região, e tentar definir as


fases minerais que aportam flúor às águas e sedimentos.
O flúor é principalmente ingerido através do consu-
mo de água, sendo considerado um elemento essencial GEOQUÍMICA DO FLÚOR
para a saúde do homem, embora a ingestão em excesso
deste elemento possa causar problemas nos dentes e A ocorrência do flúor está relacionada comumente
ossos, doença conhecida como fluorose. aos processos ígneos (Bell, 1998). Durante a evolução
Na região do Vale do Ribeira, nas proximidades magmática, o flúor ocorre geralmente como um compo-
das cidades de Cerro Azul e Adrianópolis, Estado do nente da fase volátil, concentrando-se nas fases finais da
Paraná, existem grandes reservas de fluorita (CaF2), evolução em rochas alcalinas, carbonatitos, depósitos hi-
atualmente com a mina de Mato Preto em operação (Fi- drotermais, zonas de alteração e pegmatitos (Dardenne
gura 1). Estes depósitos coincidem com áreas anôma- et al., 1997), geralmente como fluorita e fluorapatita.
las para flúor, identificadas a partir de estudos anterio- Liberado pelo intemperismo dos minerais, o flúor
res de geoquímica de sedimentos fluviais, concentra- passa às soluções aquosas supergênicas na forma do íon
dos de bateia, e solos (Biondi et al., 1985, Martini, 1985, fluoreto livre dissolvido (F-), com alta mobilidade. Em pH
Mattos, 1989, Licht et al., 1996a, Licht et al. 1996b, Licht baixos, pode ser estável a espécie HF (Bell, 1998). A con-
et al. 1997, Licht 2001). A atuação dos processos do in- centração média de flúor na água do mar é 1-1,3 mg/L F-.
temperismo sobre estes solos e rochas pode levar a um Nas águas subterrâneas, pode variar desde menos que 1
enriquecimento de flúor nas águas, tanto superficiais a mais de 35 mg/L F-, enquanto em águas de rios e lagos
como subterrâneas. geralmente as concentrações são baixas (0,01-0,3 mg/L)
Este trabalho teve como objetivo determinar a quali- (UNICEF, 2003). Entre os fatores que controlam a concen-
dade da água superficial na região dos depósitos de fluo- tração de fluoreto nas águas naturais estão a temperatu-
rita Volta Grande (VG) e Mato Preto (MP), definindo zo- ra, pH, presença de íons e colóides complexantes, solubi-
nas de risco de exposição. Também analisar a água de lidade dos minerais que contêm flúor, capacidade de tro-

– 118 –
Maria Jimena Andreazzini

ca iônica dos materiais do aqüífero (OH- por F-), tamanho de bases (Ca2+ e Mg2+ por Na+), promovendo a progressi-
e tipo de formações geológicas percoladas pelas águas, va elevação do pH a valores alcalinos (pH 9-10,5) (Apam-
e tempo que as águas estão em contacto com uma forma- bire et al., 1997). Deste modo, a diminuição de Ca2+ nas
ção particular (Ampabire et al., 1997). águas favorece concentrações de fluoreto mais elevadas.
O flúor é encontrado nos constituintes de rochas sili-
cáticas, onde a apatita, Ca10(PO4)6F2, é um dos minerais FLÚOR E SAÚDE HUMANA
mais ricos em flúor. O flúor é componente essencial só na
fluorita (CaF2) e no topázio (Al2SiO4(OH,F)2). Também A população pode estar exposta ao fluoreto através
pode ser fixado em hidroxi-silicatos e hidroxi-alumino-sili- do ar, dos alimentos, de solos contaminados e pelo consu-
catos complexos, nos quais os íons hidroxilas (OH)- po- mo de água, sendo esta última a principal via de intoxica-
dem ser substituídos extensivamente por F-, como é o ção. O teor máximo de F- em água potável, recomendado
caso dos anfibólios e minerais do grupo das micas (biotita pela Organização Mundial da Saúde (Who, 1996) é de 1,5
e muscovita) (Goldschmidt, 1970). Allmann & Koritning mg/L, com variações admitidas principalmente em função
(1972) comentam pesquisas feitas sobre troca-adsorção da temperatura média anual da região (18°C = 1,2 mg/L;
do F-/OH- em minerais de argila, onde as concentrações e 19-26°C = 0,9 mg/L; 27°C ou mais = 0,7 mg/L F-). No Brasil,
o pH das soluções circulantes têm uma grande influência a Resolução CONAMA 020/86 estabelece um teor máximo
sobre a lixiviação e adsorção do F. aceitável de 1,4 mg/L F-, e a Portaria N° 518 da Agência
Na maioria dos ambientes, a fluorita é o principal mi- Nacional de Vigilância Sanitária de 1,5 mg/L F- (ANVISA,
neral que controla a geoquímica do fluoreto nas águas. A 2004). Para o estado de São Paulo, a Resolução SS-293/96
concentração de F- na água está limitada pela solubilida- estabelece critérios de classificação da água distribuída
de da fluorita. Seu baixo produto de solubilidade (a 20°C, pelos Sistemas de Abastecimento Público, e considera um
é 3.9x10-11), implica que águas com baixo conteúdo em conteúdo adequado de F- entre 0,6 e 0,8 mg/L.
cálcio poderiam ter altas concentrações de flúor (Bell, A afinidade dos tecidos calcificados pelo flúor deter-
1998). A quantidade de F liberado pela dissolução de mina sua retenção persistente e acumulativa nos ossos,
fluorita em águas com baixa força iônica está na ordem sendo maior nos organismos em crescimento (Ortiz Ruiz,
de 8-10 ppm, mas a concentração de Ca2+, Na+, OH-, e 1997). Águas potáveis que contêm cerca de 1 mg/L F-
certos íons complexantes, tais como Fe, Al, B, Si, Mg e H, promovem uma redução significativa das cáries em crian-
podem alterar este intervalo de concentração de F- ças (ATSDR 2001). O flúor desempenha uma função remi-
(Apambire et al., 1997). neralizadora, através de reações químicas na região su-
A troca iônica (OH- por F-) envolvendo vários tipos perficial do esmalte. Se um nível razoável de F- está pre-
de argilas é um processo que pode explicar concentra- sente na dieta durante a fase de crescimento dos dentes,
ções muito altas de F- nas águas (valores acima de 30 uma quantidade significativa de fluorapatita (Ca10
mg/L). Este processo de troca iônica inclui também a troca (PO4)6F2) é incorporada ao esmalte no lugar da hidroxia-
patita (Ca10(PO4)6(OH)2). A fluorapatita é menos solúvel
nos ácidos do ambiente bucal, fazendo os dentes menos
N susceptíveis às cáries. O flúor também desempenha uma
função bacteriostática, já que quando presente no ambi-
ente bucal inibe o sistema enzimático das bactérias, im-
MATO
DENTRO
pedindo o desdobramento dos açúcares e a conseqüen-
te formação de ácidos que atuam sobre o esmalte.
gudo

RIBEIRA

a
No entanto, quando o flúor é ingerido em excesso,
rro A

Ri
oI Rio Ribeir ADRIANOPOLIS
tap BARRA DE
ira
a Mo

ITAPIRAPUA
durante o período de formação dos dentes, pode ocorrer
pu SETE
a ira
Ribe BARRAS
AREA nto
ame
Falh

DE
ESTUDO
Line
uma intoxicação crônica e originar a fluorose dentária,
uma patologia que se manifesta por meio de manchas
ao

zul BRAZ
sti

rro A
a Ce
ba
de

VOLTA
Se

Falh MATO
esbranquiçadas a amarronzadas na superfície do es-
ran

ao

GRANDE PRETO
oS
oG

Ri

a
eira

nh
ci malte dentário ou, até mesmo, por perdas em sua estru-
Rib

CERRO n
La
Rio

AZUL
Fa
l ha
tura (Cardoso et al. 2001, UNICEF 2003). Já a fluorose
esqueletal desenvolve endurecimento ou aumento anor-
49 24’

0 10 Km
24 52’
LEGENDA mal da densidade óssea em pessoas que ingerem, de
Rochas intrusivas cretáceas Grupos Setuva e Açungui indiferenciados
Granitóide pós-tectônico
(Proterozóico) forma continuada, teores maiores que 3 ou 4 mg/L F-. Os
Depósitos de fluorita
Granitóide sintectônico Cidades máximos efeitos adversos são detectados nas articula-
ções do pescoço, costas, joelho, pélvis e ombros, e tam-
Figura 1 – Localização da área de estudo e contexto geológico bém são afetadas articulações das mãos e dos pés
regional (Ronchi et al. 1995). (Gupta & Deshpande 1998).

– 119 –
Geoquímica do Flúor em Águas e Sedimentos Fluviais da Região de Cerro Azul, Estado do Paraná: Definição de Áreas de Risco para Consumo Humano

A fluorose é endêmica ao menos em 25 países no intrusões alcalino-carbonatíticas, às vezes mineraliza-


mundo, entre eles destacam-se China (onde mais de 100 das a Fe, F, P e ETR. As formações sedimentares fanero-
milhões de pessoas sofrem de fluorose), México (com cin- zóicas da Bacia do Paraná, protegeram o cinturão móvel
co milhões de pessoas afetadas por flúor em águas sub- proterozóico até o levantamento terciário, quando os
terrâneas), Índia (UNICEF, 2003), e Argentina (Bonorino et processos erosivos expuseram as rochas do embasa-
al. 2002, Warren et al. 2002, Blarasín et al. 2003). mento (Ronchi et al. 1995).
Cangussu et al. (2002) observaram grande variabili- No depósito de VG a fluorita está encaixada em en-
dade na prevalência da fluorose no Brasil, de acordo claves de rochas carbonáticas dentro do granito Três
com as regiões, e constataram que, mesmo com altas Córregos. As rochas carbonáticas foram afetadas por
prevalências, a proporção de indivíduos que apresen- processos de substituição por fluorita e sílica (Ronchi et
tam as formas moderada e severa ainda é pequena, só al. 1987). O depósito está formado por três corpos princi-
aumentando nos locais onde a fluorose é endêmica devi- pais que somam 460 m de comprimento, variam entre 5 e
do ao alto teor de fluoreto nas fontes naturais de água. 20 m de espessura e chegam a atingir até 120 m de pro-
Nas localidades de Mocambo e Boca do Mato, mu- fundidade (Ronchi et al. 1995). As reservas estão estima-
nicípio de São Francisco, norte de Minas Gerais, os teo- das em 1,1 Mt de minério, com 35-40 % de CaF2. O miné-
res na água subterrânea de algumas áreas variam entre rio é essencialmente composto por fluorita e quartzo, po-
1,17 e 5,2 mg/L F- (Meneasse et al., 2002). Nesse municí- dendo conter ainda calcita, dolomita, pirita e micas
pio desenvolveram-se trabalhos prospectivos para fluo- (muscovita e biotita), sendo comum a presença de barita
rita e galena em áreas de ocorrência de rochas carboná- e adulária (Dardenne et al. 1997).
ticas do Grupo Bambuí. O complexo alcalino-carbonatítico de MP locali-
Diversos artigos (Licht et al. 1996b, Licht et al., 1997; za-se às margens dos rios Pinheirinho e Mato Preto, aflu-
Licht 2001) baseados no Levantamento Geoquímico entes do rio Ribeira. Apresenta uma reserva de 2,16 Mt
Multielementar de Baixa Densidade do Paraná, delimita- de minério com teor médio de 60% de CaF2 (Jenkins
ram uma grande área fluoranômala na região do Norte 1987). O complexo forma um pequeno stock e situa-se
Pioneiro do estado do Paraná, onde foram determinados ao longo da Zona de Falha de Morro Agudo, a qual mar-
teores de até 1,9 mg/L de F- em amostras de água. Na lo- ca o contato entre as rochas metassedimentares do Gru-
calidade de São Joaquim do Pontal, município de Itam- po Açungui e o Granito Três Córregos. Várias fases de
baracá, a prevalência de fluorose dental encontrada na magmatismo alcalino se alternaram na formação do
população em idade escolar foi de 72 %, sendo 61 % complexo, e fenômenos tardimagmáticos foram respon-
com níveis 4 e 5 de severidade (Cardoso et al. 2001). sáveis por processos de silicificação e enriquecimento
Uma outra forma de exposição ao flúor ocorre pela em fluorita. As rochas alcalinas são de idade Cretácea,
via inalatória. Finkelman et al. (1999) descrevem proble- representadas principalmente por carbonatitos, sienitos
mas de saúde por excesso de flúor, causados pelo uso nefelínicos e fonólitos (Mattos 1989). Na parte central no-
de estufas para secar alimentos e aquecer as casas, que roeste do complexo existe o maior volume de carbonati-
utilizam carvão e argilas com altos teores de flúor. tos, com enriquecimento local em fluorita e sulfetos (Lou-
reiro & Tavares 1983). A fluorita ocorre em quatro corpos
CONTEXTO GEOLÓGICO DA ÁREA DE ESTUDO lenticulares subparalelos de direção N 50-60° E. As len-
tes medem aproximadamente 250 m de comprimento e
As unidades litológicas do Vale do Ribeira fazem 80 m de espessura, sendo atingidas por sondagens até
parte de um cinturão móvel proterozóico de direção NE, cerca de 120 m de profundidade (Jenkins 1987). A ativi-
constituído por um domínio Leste (Complexo Costeiro), dade geradora da fase carbonatítica promove, além da
formado por gnaisses arqueanos, migmatitos e granuli- fluorita, a concentração de elementos e/ou áreas enri-
tos retrabalhados no Proterozóico Superior, e um domí- quecidas em magnetita, apatita, pirita, bornita, e elemen-
nio Oeste (cinturão dobrado Apiaí) que inclui seqüências tos tais como terras-raras, nióbio, tório, zircônio, titânio e
vulcano-sedimentares proterozóicas metamórficas de urânio (Loureiro & Tavares 1983).
baixo a médio grau, e um pequeno domínio de rochas ar-
queanas. A culminação metamórfica ocorreu entre os MATERIAIS E MÉTODOS
600 e 700 Ma e ambos domínios foram intrudidos por
granitóides (Três Córregos e Itaóca) durante o ciclo oro- Amostras de água superficial foram coletadas em
gênico Brasiliano (450-700 Ma) (Ronchi et al. 1995). Du- 18 estações em duas campanhas (julho/2003 e mar-
rante o Mesozóico, intenso vulcanismo fissural básico, ço/2004), e duas amostras de água subterrânea foram
relacionado aos derrames da bacia do Paraná, manifes- coletadas nas proximidades da cidade de Cerro Azul.
ta-se como diques de diabásio do Jurássico, de direção Também foi coletada água fornecida pela SANEPAR
geral N45°E, e no Cretáceo ocorre o posicionamento de para consumo na cidade de Cerro Azul, e de uma

– 120 –
Maria Jimena Andreazzini

nascente que abastece o povoado de Mato Preto. Os separação dos minerais densos utilizando bromofórmio,
parâmetros físico-químicos (pH, Eh, condutividade, oxi- e foi feita novamente a análise difratométrica da fração
gênio dissolvido, temperatura, turbidez, SDT) foram me- de minerais densos, e em outras também foi analisada a
didos in situ. No mesmo dia da coleta foram realizadas fração argila (amostra orientada, glicolada e aquecida).
as análises de alcalinidade em amostras não filtradas, Observações complementares foram feitas utilizando
pelo método de titulação, utilizando 4 gotas de corante microscópio eletrônico de varredura (MEV).
azul de bromocresol e H2SO4 0,16 N. As amostras para
análises de cátions foram acidificadas com 4 gotas de RESULTADOS E DISCUSSÃO
HNO3 concentrado em 50 ml de amostra. As amostras de
água filtrada (Millipore <0,45µm) foram analisadas no Qualidade das Águas
Laboratório de Analises Minerais (LAMIN), os ânions Cl-, O diagrama de Piper permite observar que as águas
NO2-, Br-, NO3-, PO4-3 e SO4-2 por cromatografia iônica e exibem composições do tipo bicarbonatadas cálcicas.
os cátions Al, As, B, Ba, Be, Ca, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, Li, Só a amostra 24 (água subterrânea) caiu no limite entre
Mg, Mn, Mo, Ni, Pb, Sc, Se, Si, Sn, Sr, Ti, V, W e Zn, por os campos de águas bicarbonatadas cálcicas e bicar-
ICP-OES. Na e K foram analisados por espectrofotome- bonatadas sódicas (Figura 2).
tria de absorção atômica. Os parâmetros físico-químicos e os diferentes íons
Os conteúdos de F- foram determinados no Instituto analisados para as águas, entre eles, elementos que re-
de Geociências da Unicamp em um eletrodo de íon seleti- presentam risco para a saúde, foram comparados com
vo (EIS) marca Orion, modelo 96-09. A
curva para a calibração do eletrodo foi
100
realizada a partir de três soluções de re-
ferência, cada uma delas preparada
com 5 ml de solução TISAB III, e 50 ml -
de soluções padrão de 0,1, 1 e 10 mg/L l

Ca
+C
Águas

2+
de F-, respectivamente. Para determinar
2-

sulfatadas

+M
ou cloretadas
4
SO

o F-, foram colocados 50 ml da amostra cálcicas ou

g
2+
magnesianas
de água filtrada e 5 ml de solução
TISAB III, sempre utilizando copos bé- Águas Águas
quer de plástico. bicarbonatadas
cálcicas ou
sulfatadas
0 ou cloretadas 0
Nas mesmas campanhas de magnesianas sódicas
campo foram coletadas 14 amostras
2+ 2-
de sedimentos de corrente (12 em ju- Mg SO4
lho e 2 em março), as quais foram ana- 100 0
Águas
100 0
lisadas para 30 elementos nas frações bicarbonatadas
sódicas
granulométricas <177 mm e <63 mm,
por FRX no IG da Unicamp, usando Águas Águas
magnesianas sulfetadas
pastilhas de pó prensado. O teor de F
foi determinado seguindo o procedi- Águas
mento proposto por Hopkins (1977), mistas 100 Águas
mistas
que consiste na fusão da amostra com Águas
Águas
sódicas Águas
uma mistura de Na2CO3 e K2CO3, se- Águas bicarbonatadas cloretadas
cálcicas
guida de adição de ácido cítrico e de 0 100 0 100
CATIONS ANIONS
uma solução tampão de citrato de só- 100 0 100 0
dio, e, finalmente, medição do F- atra- Ca
2+ +
Na + K
+ 2-
CO3 + HCO3
-
Cl
-

vés do EIS. Foram utilizados dois ma-


teriais de referência para controle das
análises do flúor, obtendo-se resulta- LEGENDA
EXPLANATION
dos dentro dos limites aceitáveis. Águas superficiais de cursos não influenciados pelas mineralizações. Coleta julho/03
A composição mineralógica dos Águas superficiais de cursos não influenciados pelas mineralizações. Coleta março/04
sedimentos foi determinada a partir de Águas superficiais de cursos próximos aos depósitos de fluorita. Coleta julho/03
análises por DRX no Laboratório de Águas superficiais de cursos próximos aos depósitos de fluorita. Coleta março/04
Raios X do Centro de Geociências da Águas subterrânea
Universidade Federal do Pará. Em al-
gumas das amostras foi realizada a Figura 2 – Diagrama de Piper de classificação das águas.

– 121 –
Geoquímica do Flúor em Águas e Sedimentos Fluviais da Região de Cerro Azul, Estado do Paraná: Definição de Áreas de Risco para Consumo Humano

os valores máximos permitidos pela Portaria N° 518 da tras de água subterrânea (ambas localizadas dentro do
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, ambiente granítico) foram determinados teores de 1,13 e
2004). A maior parte das águas analisadas encon- 0,33 mg/L F-.
tram-se dentro dos padrões de potabilidade após trata- A captação de água realizada pela empresa
mento convencional. SANEPAR para posterior tratamento e distribuição à po-
Os valores de pH estiveram entre 7,3 e 8 na coleta pulação de Cerro Azul, está localizada no arroio Três
de julho/03, e entre 7,7 e 8,3 na de março/04. Os demais Barras, onde foi coletada a amostra 12 que apresentou
parâmetros de qualidade de água apresentaram varia- 0,12 e 0,14 mg/L F- nas coletas de julho e março, respec-
ções, respectivamente nas duas ocasiões de coleta, tivamente. Os teores de F- obtidos nas amostras de água
como segue: Eh nos intervalos 452-532 mV e 444-502 já tratada para consumo foram de 0,84 e 1,02 mg/L F-
mV; condutividade elétrica 0,06-0,21 mS/m e 0,10-0,34 para a cidade de Cerro Azul, em julho e março, respecti-
mS/m; OD 8,1-10,3 mg/L e 7,8-10,1 mg/L; temperatura vamente, e de 0,23 mg/L F- para o povoado de Mato Pre-
14,7-18,5 °C e 21,1-27,8 °C. Durante a coleta de março, to em março.
as concentrações totais de sólidos dissolvidos (TSD) va-
riaram de 0,06 a 0,22 g/L, e os valores de turbidez entre 2 Análise dos Sedimentos de Drenagem
e 45 UTN. As amostras de sedimentos apresentaram teores de
As concentrações de Be, Cd, Co, Cr, Cu, Ni, Pb, Sc, F entre 330 e 1.300 mg/g. Em geral, as concentrações de
Se, Sn, Ti, W e V estiveram abaixo dos respectivos limites F na fração <63 mm foram mais altas que na fração <177
de detecção em todas as amostras. mm, à exceção das amostras próximas da mina Mato
Teores de flúor superiores aos limites permitidos fo- Preto (15a e 15b), dada sua proximidade da fonte e a
ram detectados nas drenagens próximas à mina de MP. menor distância de transporte a que foram submetidas
As concentrações de F- em água superficial variaram (Figuras 4 e 5). Destaca-se também que para algumas
de 0,07 até 2,54 mg/L F-, correspondendo os valores amostras a diferença entre os teores determinados para
mais elevados às amostras localizadas em cursos influ- as duas frações encontra-se dentro do erro analítico do
enciados pelas duas mineralizações (Figura 3). Cabe método.
destacar aqui que na
amostragem de julho/03,
planejada para represen-
tar o período seco, ocorre-
ram intensas chuvas no
dia anterior à coleta, o que
gerou a diluição das
amostras de água. Portan-
to, não foi possível deter-
minar os máximos teores
de F- nas águas da região,
ficando a possibilidade de
que algum outro curso de
água exceda o limite per-
mitido, por exemplo o rio
Pinheirinho, onde a con-
centração de F- esteve
próxima desse limite.
Para ambas coletas,
aquelas amostras com ma-
iores teores de F- apresen-
taram também concentra-
ções mais elevadas de
Ca2+, Sr2+ e Ba2+, elemen-
tos com afinidade geoquí-
mica, enquanto os teores
mais altos de F- nem sem-
pre coincidiram com os
maiores de Si+4. Nas amos- Figura 3 – Mapa de teores de fluoreto em água superficial.

– 122 –
Maria Jimena Andreazzini

Destas fases minerais, as que possivelmente apor-


tam o flúor aos sedimentos seriam hornblenda, illita e es-
mectita. Nos difratogramas das amostras próximas às
áreas mineralizadas não foram identificados os picos da
fluorita, o que deve ser devido ao fato de que, nas condi-
ções experimentais da análise de difração não são de-
tectadas as fases com concentração menor do 1-2 % em
peso. Por este motivo, estas amostras foram também ob-
servadas ao MEV, tendo sido constatada a presença da
fluorita mediante a realização de mapeamento de ele-
mentos por meio de imagens de elétrons re-
troespalhados. Outras fases minerais identificadas fo-
ram apatita (provavelmente fluorapatita), barita, biotita,
Figura 4 – Teores de flúor nas duas frações granulométricas dos zircão, rutilo, ilmenita, quartzo, feldspatos e óxidos de
sedimentos fluviais. ferro.

Figura 5 – Mapa de teores de flúor em sedimentos de corrente (fração <177mm).

– 123 –
Geoquímica do Flúor em Águas e Sedimentos Fluviais da Região de Cerro Azul, Estado do Paraná: Definição de Áreas de Risco para Consumo Humano

CONCLUSÕES dade Federal do Pará, à Companhia de Saneamento do


Paraná (SANEPAR), e aos técnicos Dailto Silva e Apare-
Com relação à qualidade das águas superficiais da cida Vendemiatto do IG da Unicamp.
região de Cerro Azul, este estudo revelou uma área de
risco, localizada nas proximidades da jazida Mato Preto, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
cujas águas não são adequadas para consumo humano
devido às altas concentrações de fluoreto. Por outra par- ALLMANN, R.; KORITNING, S. Fluorine. In: WEDEPOHL,
te, foi constatado que os teores de F- nas águas distribuí- K.H. (Ed.). Handbook of Geochemistry. Berlin: Sprin-
das para consumo na cidade de Cerro Azul e no povoa- ger-Verlag, 1972. Cap 9, 66 pp.
do de Mato Preto foram inferiores ao estabelecido pela APAMBIRE, W.B.; BOYLE, D.R.; MICHEL, F.A. Geoche-
legislação. mistry, genesis, and health implications of fluoriferous
No caso dos sedimentos de corrente, a fração < 63 groundwaters in the upper regions of Ghana. Environ-
mm caracterizou-se por apresentar, em geral, teores mental Geology, Berlin, v. 33, n. 1, p. 13-24, 1997.
mais elevados de F do que a < 177 mm, podendo se ex- AGENCY FOR TOXIC SUBSTANCES AND DISEASE
plicar isto pela retenção de flúor em minerais de argila (il- REGISTRY. Toxicológical profil for fluorides, hydro-
lita e esmectita principalmente) que estão contidas nesta gen fluoride and fluorine. Disponível em:<http://www.
fração granulométrica, além da fluorita, que, dada sua Atsdr.cdc.gov/tfacts11.html>. Acesso: mar. 2005.
fragilidade, é mais concentrada na fração mais fina. De BELL, F.G. Environmental geology: principles and practi-
acordo com a composição mineralógica das rochas da ce. [Oxford]: Blackwell Science, 1998. 594 p.
região e dos sedimentos fluviais, as possíveis fontes do F BLARASÍN, M.; CABRERA, A.; PARIS, M.; MATTEODA, E.
nos sedimentos seriam fluorita e apatita (provavelmente Aplicación del análisis factorial y cluster al tratamiento
fluorapatita) provenientes das áreas mineralizadas, de datos hidrogeoquímicos en la hoja Río Cuarto, Cór-
hornblenda e biotita (e acessórios como apatita e titani- doba: memorias del III Congreso Argentino de Hidro-
ta) das rochas graníticas, e illita e esmectita resultantes geología y I Seminario Hispano-Latinoamericano so-
da alteração dos diferentes minerais e a partir dos me- bre temas actuales de la hidrología subterránea. Ro-
tassedimentos síltico-argilosos do Grupo Açungui. sario, Argentina: [s.n.], 2003. V.2, p. 309-318.
Se bem os resultados mostram que o risco de expo- BIONDI, J.C.; FELIPE, R.S.; FUZIKAWA, K. Jazida de flu-
sição da população ao fluoreto a partir das águas super- orita da Volta Grande, Cerro Azul, Paraná (BR): rela-
ficiais é baixo, suspeita-se que os teores de fluoreto nas tório interno. [Curitiba]: MINEROPAR; NUCLEBRÁS,
águas subterrâneas sejam maiores, dado o maior tempo 1985. 16 p.
de interação das águas com as formações rochosas. A BONORINO, A.G.; ALBOUY, R.; BUNDSCHUH, J. Geo-
amostra de água de poço (23), pertencente ao ambiente química y origen del flúor en el acuífero de la vertien-
granítico, apresentou um teor próximo a 1 mg/L F-. Espe- te suroccidental de las Sierras Australes. In:
cial interesse merecem as águas dos aqüíferos localiza- INTERNATIONAL ASSOCIATION OF
dos nas rochas carbonáticas e alcalino-carbonatíticas, HYDROGEOLOGISTS CONGRESS: ground water
visto que nelas foram registrados os maiores teores de F- and human development, 32.; ALHSUD CONGRESS,
em águas superficiais. Portanto, no caso da existência 6., 2002, Mar del Plata, Argentina. [Trabajos expues-
de pessoas que possam estar bebendo água subterrâ- tos]. [S.l.: s.n.], 2002. p. 126.
nea de poços particulares, recomenda-se a análise pré- BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Porta-
via dessas águas para F- e a avaliação de risco. Resulta ria N° 518, de 25 de março de 2004. Controle e vigi-
de interesse também a determinação dos conteúdos de lância da qualidade da água para consumo humano
flúor nos solos, e em alguns cultivos da região, os quais e seu padrão de potabilidade. Ministério da Saúde,
podem estar constituindo outra fonte de ingestão de flúor Brasília, 2004. 15 p.
via alimentação, e aumentando o risco de fluorose nes- BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolu-
sas populações. ção CONAMA N° 020/86. Disponível em:
<http://www.lei.adv.br/020-86.htm>. Acesso: abril/
AGRADECIMENTOS 2005.
CANGUSSU, M.C.T.; NARVAI, P.C.; FERNANDEZ, R.C.;
Ao Conselho Nacional de Pesquisa CNPq e Fapesp DJEHIZIAN, V. A fluorose dentária no Brasil: uma re-
pelo financiamento desta pesquisa. Aos diretores da em- visão crítica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Ja-
presa Mineração Nossa Sra. do Carmo Ltda., à neiro, v. 18, n. 1, p. 7-15, 2002.
MINEROPAR, ao Geol. Ídio Lopes Jr (CPRM-SP) e cola- CARDOSO, L.; MORITA, M.C.; ALVES, J.C.; LICHT,
boradores, ao Lab. de Análises Minerais (LAMIN), ao O.A.B. Anomalia hidrogeoquímica e ocorrência de flu-
Lab. de Raios X do Centro de Geociências da Universi- orose dentária em Itambaracá-Pr. In: CONGRESSO

– 124 –
Maria Jimena Andreazzini

BRASILEIRO DE GEOQUÍMICA, 8., 2001, Curitiba. geoquímica – resultados preliminares). A terra em re-
Resumos... Curitiba: SBGq, 2001. 1 CD-ROM. vista, Belo Horizonte, v. 3, n. 3, p. 34-46, 1997.
COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO LOUREIRO, F.E.L.; TAVARES, J.R. Duas novas ocorrênci-
DE SÂO PAULO SABESP. Resolução SS 293/96 - Qu- as de carbonatitos: Mato Preto e Barra do Rio Itapira-
alidade da água. Disponível em:<www.sa- puã. Revista Brasileira de Geociências, São Paulo, v.
besp.com.br/legislacao/PDF/RSS29396.PDF>. 13, n. 1, p. 7-11, 1983.
Acesso:01 abr. 2005. MARTINI, S.L. Fluorita de Volta Grande: retrospecto e
DARDENNE, M. A.; RONCHI, L. H.; BASTOSNETO, A. C.; nova programação: relatório interno. Curitiba:
TOURAY, J.C. Geologia da fluorita. In: SCHOB- MINEROPAR, 1985. 12 p.
BENHAUS, C.; QUEIROZ, E. Texeira de; COELHO, MATOS, L.H. Jazidas de fluorita no Vale do Ribeira. Curi-
C.E. Silva (Ed.). Principais Depósitos Minerais do tiba: DNPM, 1989.
Brasil. [S.l.]: DNPM; CPRM, 1997. v. 4, parte B, p. MENEASSE, LN.; FANTINEL, L.M.; KNAUER, L.G.;
479-506. HORN, A.H.; DUPONT, H.S.J.B.; CASTRO, R.E.L.;
FINKELMAN, R.B.; BELKIN, H.E.; ZHENG, B. Health im- FREIRA, A.P.S.; EFIGÊNIA, F.; PAIXÃO, H.H.;
pacts of domestic coal use in China. Proc. Natl. CASTILHO, L.; BAZZOLI, N.; SANTOS, C.V.N.;
Acad. Sci. USA., Washington, DC, v. 96, n. 7, p. SOUZA, C.A.S.; LÚCIO, P.S. Flúor na água subterrâ-
3427-3431, mar. 1999. nea e fluorose dental no município de São Francisco,
GOLDSCHMIDT, V.T. 1970. Fluorine. In: MUIR, A. (Ed.). Minas Gerais. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
Geochemistry. Oxford: [Clarendon Press], 1970. p: GEOLOGIA, 41., 2002, João Pessoa. Anais. João
568-583. Pessoa: SBG Núcleo Nordeste, 2002, p. 554.
GUPTA, S.K.; DESHPANDE, R.D. Depleting Groundwa- ORTIZ, Ruiz P. Efectos deletéreos de la administración
ter levels and increasing fluoride concentration in vil- oral de flúor. Revista de Medicina Interna Concep-
lages of Mehsana District, Gujarat, India: cost to eco- ción. Concepción, Chile, v. 1, n. 2, 1997.
nomy and health. Disponível em: <www.globe- RONCHI, L.H.; FELIPE, R.S.; DARDENNE, M.A. O depó-
net.org/preceup/pages/ang/chapie/capitali/cas/ind- sito de fluorita de Volta Grande: tipos de minério e su-
mehs.htm>. Acesso: 01 mar. 2005. cessão mineral. In: SIMPÓSIO SUL-BRASILEIRO DE
HOPKINS, D.M. An improved ion-selective electrode GEOLOGIA, 3., 1987, Curitiba. Atas...Curitiba: [s.n.],
method for the rapid determination of fluorine in rocks 1987. v.2, p. 615-622.
and soils. Journal Research U.S. Geol. Survey, v. 5, RONCHI, L.H; TOURAY, J.C.; DARDENNE, M.A. 1995.
n. 5, p. 589-593, 1977. Complex hydrothermal history of a roof pen-
JENKINS, R.E. Geology of the Clugger-Fluorite Deposit, dant-hosted fluorite deposit at Volta Grande, Paraná
Mato Preto, Parana, Brazil. Revista Brasileira de Geo- (Southern Brazil). Economic Geology, Montpellier,
ciências, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 288-294, 1987. VT, v. 90, p. 948-955, 1995.
LICHT, O.A.B. A geoquímica multielementar na gestão SANTOS, R.V.; DARDENNE, M.A. Fluorita de Mato Preto:
ambiental: identificação e caracterização de provín- um caso particular de mineralização de fluorita associ-
cias geoquímicas naturais, alterações antrópicas da ada a complexo alcalino carbonatítico. In:
paisagem, áreas favoráveis à prospecção mineral e CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 35., 1988,
regiões de risco para a saúde no estado do Paraná, Belém. Anais... Belém: SBG, 1988. v. 3, p. 1251-1261.
Brasil. 2001. 236 p. Tese (Doutorado em Geologia UNICEF. UNICEF´s position on water fluoridation. Dis-
Ambiental)-Faculdade de Geologia, Universidade ponível em: <www.nofluoride.com/Unicef_fluor.
Federal do Paraná, Curitiba, 2001. htm>. Acesso: 01 mar. 2005.
LICHT, O.A.B.; MORITA, M.C.; TARVAINEN, T. A utiliza- WARREN, C.; BURGESS, W.; GARCIA, M.G. Arsenic and
ção de dados de prospecção geoquímica de fluorita fluoride in quaternary loess and alluvial aquifers at
no primeiro planalto paranaense, na identificação de Los Pereyra, Tucumán, Argentina.: aguas subterrá-
áreas de interesse para a saúde pública: uma abor- neas y desarrollo humano. In: IAH, 32. & ALHSUD, 6.
dagem preliminar. Geochimica Brasiliensis, Rio de CONGRESS: groundwater and human development.
Janeiro, v. 10, p. 57-69, 1996. 2002, Mar del Plata. [Trabajos expuestos]. Mar del
LICHT, O.A.B.; ARIOLI, E.E.; PIERKARZ, G.F. The mul- Plata: [s.n.], 2002. p. 91.
ti-level geochemical survey in Paraná State, Brazil. In: WORLD HEALTH ORGANIZATION. Fluoride in drin-
INTERNATIONAL GEOLOGICAL CONGRESS, 30., king-water: background document for development
Beijing. Documents. Beijing: [s.n.], 1996 1 CD-ROM. of WHO guidelines for drinking-water quality. Dispo-
LICHT, O.A.B.; PIEKARZ, G.F.; SILVA, J.C.C.DA; LOPES nível em: <http://www.who. int/water_sanitation_
JUNIOR, I. Levantamento geoquímico multielemen- helth/dwq/chemicals/fluoride. pdf>. Acesso: 01 abr.
tar de baixa densidade no Estado do Paraná (hidro- 2005.

– 125 –
Estudo Hidrogeoquímico do Flúor nas Águas Subterrâneas das Bacias dos Rios Casseribú, Macacú e São João, Estado do Rio de Janeiro

ESTUDO
HIDROGEOQUÍMICO DO
FLÚOR NAS ÁGUAS
SUBTERRÂNEAS DAS
BACIAS DOS RIOS
CASSERIBÚ, MACACÚ E
SÃO JOÃO, ESTADO DO
RIO DE JANEIRO
1
Theodoros I. Panagoulias, geotheo@uol.com.br
1
Emmanoel V. da Silva Filho, geoemma@vm.uff.br
1
Universidade Federal Fluminense - UFF

INTRODUÇÃO ries dentárias, mas o consumo em altas doses do ele-


mento (> 4 mg/l) pode resultar em problemas de saúde
A região estudada (Figura 1) vem experimentando pública (indo desde a fluorose dentária até deformações
um rápido crescimento demográfico, o que tem resulta- no esqueleto do indivíduo) (Moller, 1982), além de pro-
do numa crescente demanda pelo consumo dos recur-
sos hídricos. Devido, falta e/ou custo de abastecimento
público (recentemente começou a construção de uma
rede de distribuição de água pela CEDAE), as águas
subterrâneas vêm sendo crescentemente exploradas
através de poços, sejam rasos ou profundos, com o ob-
jetivo de suprir a demanda populacional e de atividades
econômicas locais.
Em se tratando de uma área com ocorrências de ve-
ios de fluorita (mineral composto de cálcio e flúor), de ori-
gem hidrotermal e encaixados em falhas normais ou di-
recionais, com 1 a 2m de espessura e dezenas de me-
tros de comprimento, as águas subterrâneas dessa re-
gião podem apresentar anomalias nas concentrações
de certos elementos químicos, entre eles o flúor.
O flúor é um elemento químico cujo principal meio
de ingestão humana é pela água potável (mais de 70%)
(Bowell et al., 1997 e Plant et al., 2001). Em baixas con- Figura 1 – Mapa do estado do Rio de Janeiro e a área de estudo
centrações (1mg/L) o fluoreto previne ocorrências de ca- delineada.

– 126 –
Theodoros I. Panagoulias

blemas para o uso do recurso hídrico para outros fins Numerosos são os possíveis fatores contaminantes
(como irrigação e dessedentação de animais). A relação de águas subterrâneas (Geraghty & Miller, 1972). Na re-
entre a ocorrência do flúor com problemas de saúde pú- gião em questão, possíveis fontes de contaminação seri-
blica é bem documentada em áreas de litologia vulcâni- am ocorrências de veios de mineral rico em Flúor (Fluori-
ca alcalina, como em partes da Índia, Sri Lanka, China e ta), ganga e emissão atmosférica de olarias e de minera-
África Oriental (Dissanayake, 1996), pouco se conhece doras e o esgoto doméstico e/ou industrial.
em áreas onde o flúor é de ocorrência hidrotermal (Ferra- Em estudos recentes (Maddock & Dias, 1988 e Mad-
ri et al., 1982; Maddock e Dias, 1989). dock & Dias, 1989) na região, detectaram anomalias na
Portanto essa região, por suas características geo- concentração de fluoreto em água superficial da ordem
lógicas, por seus aspectos de ocupação do solo, e pela de 12,5 mg/L de fluoreto.
ocorrência de fluorose humana e em animais exige um O flúor, quando ingerido em baixas concentrações
estudo da ocorrência, distribuição espacial e comporta- (1 a 3 mg/dia) é recomendado como profilático dentário
mento geoquímico desse elemento com vistas a melhor e para o desenvolvimento apropriado dos ossos. Para ter
gestão para utilização da água subterrânea. uma ação eficaz, quase todo o flúor (>90%) deve estar
dissolvido em água sob a forma mais abundante: fluore-
BASE TEÓRICA to. A ingestão de elevadas doses (>40 mg/dia) pode
acarretar perda de brilho dos dentes, podendo chegar,
Água subterrânea é a água que infiltra nas rochas e em alguns casos, na deficiência esquelética, resultando
solos, caminhando até o nível hidrostático. Como a cap- em dores reumáticas e/ou artrites nos indivíduos
tação em mananciais superficiais (com nível de qualida- (OMS/WHO, 1970).
de aceitável) encontra-se cada vez mais distante (ex.: a As concentrações do flúor na natureza variam des-
central CEDAE de Imunana, em Magé, para o abasteci- de as concentrações-traço, podendo chegar a concen-
mento da ETA de Laranjal para a população de São Gon- trações elevadas de até 2.800 mg/L, como na África Ori-
çalo e Niterói), assim como o tratamento de águas de ental (Gaciri & Davies, 1993). A concentração do flúor
qualidade excessivamente degradada, ou o reuso des- nas águas naturais vai depender de um conjunto de fato-
tas, apresentam crescentes limitações técnicas e econô- res, tais como: temperatura, pH, presença ou não de
micas, a utilização das águas subterrâneas constitui a al- complexos minerais, íons precipitados e colóides, solu-
ternativa técnico-econômica mais promissora (Da Silva, bilidade de minerais, capacidade de troca iônica de mi-
1984). nerais, a granulometria e o tipo da litologia e o tempo de
A água subterrânea é um recurso natural renovável, residência das águas (Apambire et al., 1997).
logo a sua exploração em longo prazo deve ser equili- Minerais que influenciam na variação da concentra-
brada e baseada na recarga natural disponível. ção hidrogeoquímica do fluoreto são: fluorita, apatita,
Águas subterrâneas poluídas são definidas como mica , anfibólio, certos tipos de argilas e a vermiculita. A
águas subterrâneas em que o total de dissolvidos e sus- fluorita é o principal mineral controlador da concentra-
pensos, causados diretamente ou indiretamente pelo ção do fluoreto em águas. O total de fluoreto liberado em
homem, é maior que as concentrações máximas permiti- águas de baixa força iônica pela dissolução de fluorita é
das relativo aos limites dos padrões nacionais (como as da ordem de 8 a 10 mg/L (Boyle, 1976). Contudo, as con-
Resoluções do CONAMA) e internacionais (OMS) para centrações de Ca, Na, hidroxilas e certos complexos iô-
água potável ou para uso em determinadas atividades nicos podem alterar essa taxa de dissolução. Estudos
econômicas. têm indicado uma alta correlação negativa entre as con-
Como a água subterrânea natural, não afetada pelo centrações de Ca e de F em águas com concentrações
homem, pode ter concentrações de alguns elementos de Ca acima do necessário para a solubilidade do F
que excedam tais limites, a contaminação neste caso (Boyle 1976, 1992). Voroshelov (1966) demonstrou que
pode ser definida por valores que excedam as médias águas com teores altos de Ca condicionam a dissolução
naturais globais dos constituintes envolvidos em deter- de flúor.
minado manancial (Matthes, 1982). O sódio é o elemento que normalmente apresenta
Partindo desta premissa, deduz-se ser indispen- uma correlação positiva com o fluoreto em vários tipos
sável conhecer a qualidade dos aqüíferos dessa re- de águas subterrâneas, especialmente as com baixas
gião, para que se possa definir a extensão da variação concentrações de Ca. Altas concentrações de Na au-
dos constituintes de origem natural, os mecanismos mentam a solubilidade do fluoreto nas águas (Apambire,
geoquímicos de mobilização desses elementos nas 1997). Tal processo resultará em altas concentrações de
águas, custo/beneficio para utilização pela população fluoreto nas águas (>30mg/L), porém é pouco compre-
e sua viabilidade de uso para atividades econômicas endido quando ocorrem argilas pois o processo envolve
específicas. uma troca de bases (Ca e Mg por Na) fazendo com que o

– 127 –
Estudo Hidrogeoquímico do Flúor nas Águas Subterrâneas das Bacias dos Rios Casseribú, Macacú e São João, Estado do Rio de Janeiro

pH seja progressivamente deslocado para o campo das acima do necessário para a solubilidade do F (Boyle
águas alcalinas, ocorrendo em bacias sedimentares 1976, 1992). Voroshelov (1966) demonstrou que águas
(Boyle, 1992). com teores altos de Ca condicionam a dissolução de
Estudos recentes têm demonstrado que o flúor for- flúor. Analisando as correlações entre F e Na, elemento
ma mono e difluor complexos com ETR e que esse me- que normalmente apresenta uma correlação positiva com
canismo liberador de flúor em águas não está totalmente o fluoreto em vários tipos de águas subterrâneas, especi-
compreendido (Sallet et al., 2000 e Schijf & Birne, 1999). almente as com baixas concentrações de Ca, observa-se
A fluorita é um mineral que comumente apresenta con- que as concentrações de Na aumentam a solubilidade do
centrações de ETR e Y. Certas ocorrências com concen- fluoreto nas águas (Apambire, 1997). Tal processo é pou-
trações elevadas (acima de 13% do peso total de Y e co compreendido quando envolve diversas litologias pois
14,1% do peso total de Ce) já foram citadas na literatura. o processo envolve uma troca de bases (Ca e Mg por Na)
Os ETR tendem a substituir o Ca na estrutura do mineral, fazendo com que o pH seja progressivamente deslocado
indicando que um enriquecimento das concentrações para o campo das águas alcalinas. Baseando-se nos re-
tanto os ETR pesados como leves, pode ocorrer. Rochas sultados da distribuição espacial das concentrações, po-
em depósitos hidrotermais demonstram concentrações de-se observar que as águas de poços da região encon-
de toda a série de ETR e estudos têm demonstrado que tram-se impróprias para o consumo devido às altas con-
razões de ETR, como Tb/Ca vs Tb/La, podem demons- centrações de flúor presente.
trar se o depósito de fluorita é de origem hidrotermal ou
de processos de sedimentação, em virtude do fraciona-
mento de ETR em fluorita (Henderson, 1984). Já em apa-
titas, minerais secundários na litologia da região, alguns
membros do grupo possuem relativa concentração de
ETR, mas as fluorapatitas, em geral, possuem baixas con-
centrações, porém significativas, que variam de 0,01% a
12%(rochas alcalinas). Os ETR substituem o Ca na estru-
tura das apatitas, formando complexos de Ce e Y (Hen-
derson, 1984). Além disso, o comportamento e comple-
xação dos ETR em águas relacionado com a acidez ou
basicidade das águas, principalmente para minerais
como a apatita (Johannesson et al., 1996 e Fleet & Pan,
1997) e/ou minerais fosfatados com conteúdo de flúor
não está significativamente explicado.
Figura 2 – Distribuição das concentrações de flúor em água
Em virtude disso, a necessidade da realização de subterrânea na região estudada.
análises hidrogeoquímicas de ETR na região se faz im-
portante para que se consiga definir os mecanismos hi-
drogeoquímicos que disponibilizam o flúor no meio.

RESULTADOS PARCIAIS E DISCUSSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

As concentrações obtidas foram plotadas num AMPABIRE, W.B. et al. Geochemistry, genesis, and he-
mapa de isolinhas para análise da distribuição espacial alth implications of fluoriferous groundwaters in the
das concentrações do elemento (Figura 2). Observa-se upper regions of Ghana. Environmental Geology,
no mapa que as maiores concentrações (>6mg.L-1) fo- Berlin, v. 33, n. 1, p. 13-24, 1997.
ram obtidas entre os municípios de Tanguá e Rio Bonito, BOWELL, R.J. et al. Improving water quality assesment
região com ocorrências de veios de Fluorita, especial- and supply. In: WEDC CONFERENCE: “Water and
mente para poços profundos. Poços rasos apresenta- Sanitation for All”, 23., 1997, Durban. [Proceedings].
ram baixas concentrações do elemento, sugerindo dilui- Durban: [s.n.], 1997. p. 146-149.
ção dessas águas por infiltração de águas de chuva e/ou BOYLE, D.R. Effects of base exchange softening on fluo-
superficial nesses poços. Observa-se que as maiores ride uptake in groundwaters of the Moncton
concentrações obtidas estão dentro dos padrões máxi- Sub-Basin, New Brunkswick, Canada. In: KHARAKA,
mos estabelecidos de potabilidade pela OMS e MS e, Y.K.; MAEST, A.S. (Ed.). INTERNATIONAL
analisando as correlações entre elementos, observa-se SYMPOSIUM ON WATER ROCK INTERACTION, 7.,
uma correlação próxima à negativa entre as concentra- 1992, Rotterdam. Proceedings...Rotterdam: [s.n.],
ções de Ca e de F em águas com concentrações de Ca 1992. p. 771-774.

– 128 –
Theodoros I. Panagoulias

BOYLE, D.R. The geochemistry of fluorine and its appli- MADDOCK, J.E.L.; DIAS, R.B. Prospecção hidrogeoquí-
cation in mineral exploration. 1976. 370 p. Tese (Dou- mica para fluorita, no Estado do Rio de Janeiro. In:
torado PhD)-Imperial College of Science and Tech- SIMPÓSIO BRASILEIRO DE GEOQUÍMICA, 3., 1985,
nology, University of London, London, 1976. Ouro Preto. Anais...Ouro Preto: Revista da Escola de
CHERNET, T. et al. Mechanism of degradation of the Minas, ano LII, v. XLI, n. 1-4, p. 174-188, 1989.
quality of natural water in the lakes region of the Ethio- MAGALHÃES, M. Levantamento de poluição com Flúor
pian Rift Valley. Wat. Res., [S.l], v. 35, n. 12, p. em pastagens de gado nas vizinhanças de olaria –
2819-2832, 2001. Município de Itaboraí- RJ. 1982. 60 p. Dissertação
DISSANAYAKE, C.B. Water quality and dental health in (Mestrado em Geoquímica)-Universidade Federal
the dry zone of Sri Lanka. In: APPLETON, J.D.; FUGE, Fluminense, Niterói, 1982.
R.; MCCALL, G.J.H. (Ed.). Environmental geoche- MATTHES, G. The Properties of groundwater. New York:
mistry and health. London: The Geological Society, John Wiley & Sons, 1982. 406p.
1996. p. 131-140. ( GSL Special Publications, 113). MOLLER, I. Fluoride and fluorosis. International Dental
FERRARI, A.L. et al. O pré-cambriano das folhas Itaboraí, Journal, London, v. 32, p. 135-147, 1982.
Maricá, Saquarema e Baía de Guanabara. In: PLANT, J. et al. Environmental geochemistry at the global
CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA, 32., scale. Applied Geochemistry, Oxford, v. 16, n.
1982, Salvador. Anais. Salvador: SBG Núcleo Bahia, 11-12, p. 1291-1308, Sep. 2001.
1982. v. 1, p. 103-114. RIO DE JANEIRO (Estado). Departamento de Recursos
FLEET, M.E.; PAN, Y. Rare Earth elements in apatite: up- Minerais. Fluorita de Tanguà. Boletim Técnico nº 01.
take from H 0-bearing phosphate-fluoride melts and
2
Niterói, 1982.
the role of volatile components. Geochimica et Cos- SALLET, R. et al. Fluorite Sr/ Sr and REE constraints on
87 86

mochimica Acta, Oxford, v. 61, n. 22, p. 4745-4760, fluid-melt relations, crystallization time span and bulk
nov. 1997. D of evolved high-silica granites: Tabuleiro granites,
Sr

FLUORIDES and human health. Geneva: World Health Santa Catarina, Brazil. Chemical geology, Amster-
Organization, 1970. (WHO Monograph Series, n. 59). dam, v. 164, n. 1-2, p. 81-92, mar. 2000.
GACIRI S.J.; DAVIES, T.C. The occurrence and geoche- SCHIJF, J.; BYRNE, R.H. Determination of stability cons-
mistry of fluoride in some natural waters of Kenya. J. tants for the mono- and difluoro-complexes of Y and
Hydrol. Amsterdam, v. 143, n. 3-4, p. 395-412, mar. the REE, using a cation-exchange resin and ICP-MS.
1993.. Polyhedron, Oxford, v. 18, n. 22, p. 2839-2844, Sep.
GERAGHTY, J.J.; MILLER, D.W. Groundwater contami- 1999.
nation: an explanation of its causes and effects: a SERRANO, M.J.G. et al. REE speciation in
special report. New York: Gerghty & Miller Inc., 1972. low-temperature acidic waters and the competitive
15 p. effects on aluminum. Chemical Geology, Amster-
HENDERSON, P (Ed.). Rare Earth geochemistry. dam, v. 165, n. 3-4, p. 167-180, Apr. 2000.
Oxford: Elsevier, 1984. SILVA, A.B. da. Evolução Química das Águas Subterrâ-
JOHANNESSON, K.H. et al. Rare earth element comple- neas. Revista Águas Subterrâneas, São Paulo, v. 8,
xation behavior in circumneutral pH groundwaters: p. 5-12, 1985.
assessing the role of carbonate and phosphate ions. STANDARD methods for the examination of water and
Earth and Planet Science Letters, Amsterdam, v. wastewater. 16 ed. Washington: American Public
139, n. 1-2, p. 305-319, mar. 1996. Health Association; American Water Works Associ-
MADDOCK, J.E.L.; DIAS, R.B. Hydrogeochemical pros- ation; Water Pollution Control Federation, 1985.
pecting for fluorite in the Serra do Mar, Brazil.In: 1134 p.
CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOQUÍMICA, 2., VOROSHELOV, Y.V. Geochemical behaviour of flourine
1989, Rio de Janeiro. Anais . Rio de Janeiro: SBGq; in the groundwaters of the Moscow Region. Geo-
CPRM; DNPM, 1989. p. 61-68. . chem. Int., Silver Spring, MD, v. 2, p. 261, 1966.

– 129 –
Mercúrio – Ocorrências Naturais no Estado do Paraná, Brasil

MERCÚRIO – OCORRÊNCIAS
NATURAIS NO ESTADO DO
PARANÁ, BRASIL

¹’²Rafael A.B. Plawiak, rafaelbp@geologist.com


¹Otávio.A.B. Licht, otavio@pr.gov.br
²Eleonora M.G. Vasconcellos, eleonora@ufpr.br
³Bernardino.R. Figueiredo, berna@ige.unicamp.br
¹Minerais do Paraná S.A. - MINEROPAR
²Universidade Federal do Paraná – UFPR
³Universidade de Campinas - UNICAMP

INTRODUÇÃO OBJETIVOS

Os levantamentos geoquímicos regionais realizados Os objetivos principais da fase atual da pesquisa fo-
no Estado do Paraná, Brasil setentrional, indicaram algu- ram compilar os dados disponíveis sobre a presença de
mas extensas anomalias positivas de mercúrio. Uma de- mercúrio no Estado do Paraná (Figura 1), relacionado
las, identificada no levantamento geoquímico de sedi- com condicionamentos geológicos diversos, que pos-
mentos ativos de drenagem (SAD), mostrou uma boa sam justificar e dar o suporte necessário às hipóteses
concordância geográfica com algumas estruturas tectô- genéticas das anomalias geoquímicas na superfície e
nicas profundas que cortam as rochas ígneas da Bacia em escala regional (levantamento geoquímico por sedi-
do Paraná (Grupo São Bento - Mesozóico) que ainda mentos ativos de drenagem – SAD, e levantamento geo-
apresentam muitas fontes e surgências de águas terma- químico de solos – horizonte B – SOLO) e também em es-
is. Por outro lado, o levantamento geoquímico de solos – cala de detalhe (região do Salto do Itararé – SOLO (Figu-
horizonte B (SOLO) mostrou uma anomalia regional bem ra 2) e região de Palmeira – SAD (Figuras 3).
ajustada com horizontes ricos em carbono e carvão da
seqüência de rochas sedimentares da Bacia do Paraná
(Grupos Paraná, Itararé e Passa Dois - Paleozóico). Em
outro contexto geológico relacionado com o Proterozói-
co, ambos os levantamentos, mas principalmente SOLO,
mostraram que os conhecidos depósitos e mineraliza-
ções de Pb-Zn do vale do rio Ribeira podem ser respon-
sáveis por essa anomalia geoquímica.
Essas concordâncias geológico–geoquímicas per-
mitiram aos autores construir as seguintes hipóteses de
trabalhos: (a) mobilização do metal contido em horizon- Paraná
tes favoráveis da seqüência sedimentar da Bacia do Pa-
raná por meio de águas termais migrando através de fa-
lhas profundas, seguido pela deposição do metal na su-
perfície e (b) associação aos processos mineralizadores
de Pb-Zn-Ba do vale do rio Ribeira. Figura 1 – Localização do Estado do Paraná.

– 130 –
Plawiak, R.A.B

um olho d’água e mais abaixo encontram-se algumas pe-


dras soltas entre as quaes em tempo de secca colhe-se o
dito mineral com facilidade. Assevera o Barão de Tibagy
que um naturalista que alli tocou, dissera-lhe que a mina
era muito rica, e já alli em outra occasião obtivera-se com
facilidade, a pedido delle Barão, meia libra de azougue.”
O mesmo autor refere mais adiante “ Sobre a existência
de minas de mercúrio na Província é impossível ter hoje a
menor duvida. Já se tem enviado amostras do celebre
metal fluido a várias Exposições. Os Engenheiros alle-
mães Kellers, pai e filho, examinaram a mina, que fica a 13
kilometros de Palmeira.” Finalmente, o autor faz a seguin-
te referência “Manoel de Assis Drumond e Bernardo Pinto
de Oliveira – Decreto nº 6246 de 12 de Julho de 1876 –
Concede-lhes permissão para explorar azougue na Villa
Figura 2 – Localização da area do Salto do Itararé no Estado do Paraná. da Palmeira. Esta concessão foi prorogada (sic) pelo De-
creto nº 6876 de 20 de Julho de 1878, e depois ainda pelo
de nº 7392 de 31 de Julho de 1879.”
Na Coleção de Leis do Império do Brasil - 1876,
Actos do Poder Executivo encontra-se o Decreto nº 6246
de 12 de Julho de 1876 no qual a Princesa Imperial Re-
gente concede à Manoel de Assis Drumond e Bernardo
Pinto de Oliveira a autorização para explorarem minas
de azougue na Província do Paraná. Já o Decreto nº
6976 de 20 de Julho de 1878, prorroga essa concessão
por um ano (Figura 5).
Oliveira (1927) revela que nas investigações feitas
no vale do rio Ivai, foram encontrados grãos de cinábrio
(HgS) nas marmitas escavadas pela água no leito do rio
constituído de arenitos do Grupo Itararé (Paleozóico). A
transcrição é a seguinte “A presença de mercúrio fgoi
assignalada no córrego dos Castelhanos, affluente da
margem direita do rio Iguassú, no município de Palmeira. A
Figura 3 – Localização da área de Palmeira no Estado do Paraná. primeira notícia appareceu no relatório dos engenheiros

HISTÓRICO

A pesquisa realizada mostrou que, desde o começo


do século XIX, são muitas as referências feitas ao mercú-
rio em diversas localidades do Estado do Paraná.
Ferreira (1885) refere-se a uma “mina de mercúrio”
que em 1842 foi encontrada na região de Palmeira, próxi-
mo do rio Castelhanos, um afluente da margem direita do
rio Iguaçu (Figura 4). “Palmeira – Freguezia do município
de Ponta Grossa, na Comarca deste nome. No rio Caste-
lhano, distante 13 kilometros da Freguezia, existe uma
mina de azougue, a qual tendo sido descoberta em 1842,
foi mais tarde examinada pelos engenheiros Kellers, Pai e
Filho, que acharam-na importante. A respeito de seme-
lhante assumpto, eis o que informa o Dr. Paulo José
d’Oliveira nas sua memória (sic) publicada em outro lo-
gar: ‘O córrego em cujo leito foi encontrado o azougue em
Figura 4 – Capa do “Diccionario Geographico das Minas do Brazil”
questão, tem sua nascente em um banhado formado por (Ferreira, 1885).

– 131 –
Mercúrio – Ocorrências Naturais no Estado do Paraná, Brasil

solo (horizonte B) (MINEROPAR, inédito, apud Plawiak et


al., 2004). A fração < 0,177mm (<80 #) das amostras de
solo foi analisada em laboratório comercial pela técnica de
Espectrofotometria de Absorção Atômica com vapor frio.
Em 2003, no município de Palmeira, 70 km a oeste de
Curitiba, foram coletadas 17 amostras de sedimentos ati-
vos de drenagem nas bacias que compõem as cabeceiras
dos rios Tibagi e Iguaçu (MINEROPAR e Instituto Evandro
Chagas – ECI, inédito, apud Plawiak et al., 2004). A área
2
das bacias variou entre 10 e 60 km . As amostras foram
analisadas pelo Laboratório de Toxicologia, Secção de
Meio Ambiente do ECI, em duas frações granulométricas
<0,104mm (< 150 #) e < 0,062 mm (< 230 #), pela técnica
de Espectrofotometria de Absorção Atômica com vapor
frio.
A distribuição do mercúrio em escala regional, foi
identificada por dois levantamentos de densidade ul-
tra-baixa, que obedeceram aos padrões estabelecidos
para o Global Geochemical Reference Network – GGRN.
O primeiro Levantamento Geoquímico Multielementar de
Baixa Densidade (Licht, 2001), foi baseado na coleta de
696 amostras de sedimentos ativos de drenagem repre-
sentando praticamente todas as bacias hidrográficas do
Paraná, a partir das quais foram produzidas 39 amostras
compostas representando as células GGRN (Figura 6).
Figura 5 – Decreto Imperial nº 6246 - 12 de Julho de 1876, para O segundo Levantamento Geoquímico Multielementar
exploração de mercúrio na “Villa de Palmeira” (Arquivo Nacional).
de Baixa Densidade foi baseado na coleta de 307 amos-
tras do horizonte B dos solos (Licht & Plawiak, 2005), re-
Keller sobre a exploração do rio Ivahy. Levados por obser- presentativas de todo o território do Paraná, a partir das
vações mal-feitas fizeram a descripção da jazida. Gottas quais foram compostas 43 amostras representando as
do metal foram encontradas em caldeirões abertos em are- 43 células GGRN (Figura 7).
nito da série Itararé. Em 1902, os Drs. F. de Paula Oliveira e Os dados geoquímicos de Hg de ambos levanta-
Eugenio Elmo fizeram o exame bastante minucioso dessa mentos regionais, foram obtidos pela técnica de Espec-
região, tendo estudado quase todos os arroios, quer da trofotometria de Fluorescência Atômica com vapor frio
Restinga Secca ao Porto Amazonas no Iguassu. As investi- no Laboratório do Institute of Geophysical and Geoche-
gações foram negativas, porém o Dr. Elmo asseverou-me mical Exploration - IGGE, Langfang, Hebei, China.
que havia encontrado alguns grãos de um mineral que de- Os mapas geoquímicos foram superpostos ao Mo-
pois de analysado revelou sulfureto de mercúrio-cinábrio. delo Digital do Terreno - MDT do Paraná, construído com
Quanto ao mercúrio nativo nada envcontraram.” cerca de 900.000 pontos de altitude digitalizados das
O Departamento Nacional de Produção Mineral – cartas planialtimétricas em escala 1:250.000 publicadas
DNPM concedeu em 1935, o Manifesto de Mina nº 3127 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
para mercúrio na região do Salto do Itararé. O documen- O MDT foi projetado com azimute 345°, inclinação de
to original não foi encontrado nos arquivos do DNPM. 45°, fonte luminosa com ângulo horizontal de 135° e ver-
tical 45°. Foi usado o sistema de coordenadas UTM, com
MATERIAIS E MÉTODOS o datum horizontal SAD69 e meridiano central 51°.
Para explicar a distribuição do mercúrio à superfí-
Buscando confirmar essas referências históricas so- cie, permitindo correlações geográficas com a geologia
bre a ocorrência de mercúrio no Estado do Paraná, alguns e com os principais lineamentos tectônicos, foi construí-
levantamentos geoquímicos foram realizados pela Minera- do um Sistema de Informações Geográficas – SIG, com
is do Paraná S.A. - MINEROPAR em diferentes épocas. diversos temas como o mapa geológico simplificado do
Em 1984, na margem direita do rio Paranapanema, Paraná (Figura 8) (MINEROPAR, 1986), os principais li-
município de Salto do Itararé, em malha regular com linha neamentos tectônicos do estado (Figura 9) (simplificado
base orientada N75E, transversais espaçadas de 110 m e de Zalán et al., 1987) e os dados obtidos pelos levanta-
amostras a cada 45 m, foram coletadas 75 amostras de mentos geoquímicos regionais e de detalhe. Subsidiaria-

– 132 –
Plawiak, R.A.B

Figura 6 – As células GGRN, as 696 amostras de sedimentos ativos de drenagem e respectivas bacias hidrográficas (modif. Licht, 2001).

Figura 7 – As células GGRN e as 307 amostras de solo – horizonte B (Licht and & Plawiak, 2005).

– 133 –
Mercúrio – Ocorrências Naturais no Estado do Paraná, Brasil

Figura 8 – Mapa geológico simplificado do Estado do Paraná (modif. MINEROPAR, 1986).

Figura 9 – Os principais lineamentos tectônicos do Estado do Paraná (modif. Zalán et al., 1987).

– 134 –
Plawiak, R.A.B

altos teores de mercúrio no minério de Pb-Zn (14.000


mg/kg Hg) e na ganga de barita.
Nos levantamentos geoquímicos regionais, os teo-
res médios de mercúrio sobre as rochas ígneas da Bacia
do Paraná (Formação Serra Geral) estão entre 42,73 e
49,47 mg/kg Hg nas amostras GGRN-SAD e entre 69,04
e 80,91 mg/kg Hg nas amostras GGRN-SOLO e, grosso
modo, têm controle estrutural, já que coincidem com as
falhas de Guaxupê e Jacutinga (N60E).

Figura 10 – Secção esquemática NW-SE da Bacia do Paraná CONCLUSÕES


(Bizzi et al., 2001).
As grandes estruturas geoquímicas regionais po-
dem ser entendidas como sendo a expressão, em super-
mente foi usada a secção geológica esquemática NW-SE fície, da interação de diversos fatores geológicos e geo-
da Bacia do Paraná (Figura 10) (Bizzi et al., 2001). químicos. Algumas hipóteses devem ser investigadas
para estabelecer a veracidade das relações de cau-
RESULTADOS sa-efeito do mercúrio com a geologia e com as estrutu-
ras tectônicas.
Diversas anomalias de mercúrio podem ser obser- Uma importante linha de pesquisa diz respeito à
vadas nos mapas geoquímicos (regionais ou de detalhe) mobilização do Hg contido nos horizontes ricos em car-
que cobrem o território paranaense. bono da seqüência sedimentar da Bacia do Paraná. As
Teores relativamente elevados de mercúrio ocorrem unidades litoestratigráficas que contém rochas geoqui-
em ambas as frações granulométricas das amostras co- micamente favoráveis à acumulação de Hg são especi-
letadas na região de Palmeira (N=17) nas cabeceiras do almente: a) Formação Ponta Grossa, Grupo Paraná; b)
rio Tibagi. O teor médio na fração < 150 # é 30 mg/kg Hg Membro Siderópolis, Formação Rio Bonito, Grupo Gua-
com valores mais elevados entre 41 e 62 mg/kg Hg (Fi- tá; c) Formação Irati, Grupo Passa Dois. A mobilização
gura 11). Na fração < 230 #, o teor médio é 27 mg/kg Hg, do mercúrio a temperaturas relativamente baixas (apro-
com os valores mais elevados entre 29 e 67 mg/kg Hg ximadamente 40°C) pode ocorrer por atividade hidro-
(Figura 12). termal remanescente e residual, ao longo das zonas de
A média dos valores significativos (mais elevados falha Caçador (NW), Guaxupé (NE) e Jacutinga (NE),
que o limite de detecção) (N = 10) das amostras de solos que cortam essas unidades sedimentares em profundi-
de Salto do Itararé é de 56 mg/kg Hg com o valor mais dade.
elevado de 80 mg/kg Hg na porção centro-oeste da ma- Muitas fontes e surgências de água termal são co-
lha de amostragem (Figura 13). As outras amostras (N = nhecidas no sudoeste do Paraná, o que reforça a possi-
65) mostraram teores de mercúrio menores que o limite bilidade de migração de fluidos de regiões profundas
de detecção de 5 mg/kg Hg. da Bacia do Paraná, com temperaturas capazes de mo-
O teor médio das amostras GGRN-SAD é de 33,34 bilizar e transportar Hg para a superfície, onde o metal
mg/kg Hg. Os teores mais elevados, entre 49,47 e 53,08 seria precipitado pela queda abrupta de temperatura.
mg/kg Hg, estão localizados na região sudoeste do esta- Conclusões similares acerca da presença de Hg em
do do Paraná e alinhados segundo a direção N53W, pra- fontes de água termal foram obtidas por Bingqiu & Hui
ticamente restritos ao vale do rio Iguaçu e coincidentes (1995).
com a zona de falha de Caçador (Figura 14). Na região do Salto do Itararé, as falhas de Guaxupé
A média dos teores de mercúrio nas amostras e Jacutinga podem ser as estruturas responsáveis pela
GGRN-SOLO é de 60,90 mg/kg Hg. A grande estrutura mobilização do Hg. Na região de Palmeira, a anomalia
geoquímica regional alinhada com a Falha de Caçador, geoquímica na superfície deve ter algum relacionamento
evidente no mapa geoquímico de GGRN-SAD, não é com a intersecção da zona de falha de Cândido de
mais observada com tanta clareza devido a elevação Abreu/Campo Mourão com a zona de falha da Lanci-
geral dos teores de fundo (entre 80,91 e 167,5 mg/kg Hg) nha/Cubatão.
(Figura 15). Essa elevação da média regional dos teores Caso se confirme essa hipótese, podem ser espera-
de Hg é em grande parte causada pelo efeito dos pro- das remobilizações de Hg por águas quentes a partir da
cessos mineralizadores (Pb-Zn-Ba) que ocorreram no seqüência sedimentar paleozóica da Bacia do Paraná,
vale do rio Ribeira, fato já identificado por Daitx (com. particularmante nos horizontes ricos em carbono, folhe-
pes. Elias C. Daitx, 2004) que foram acompanhados de lhos com óleo e depósitos de carvão, por meio das zonas

– 135 –
Mercúrio – Ocorrências Naturais no Estado do Paraná, Brasil

Figura 11 – Mapa geoquímico do Hg na fração < 150 # de amostras de sedimentos ativos de drenagem da região de Palmeira.

Figura 12 – Mapa geoquímico do Hg na fração < 230 # em amostras de sedimentos ativos de drenagem da região de Palmeira.

– 136 –
Plawiak, R.A.B

Figura 13 – Mapa geoquímico do Hg na fração < 150 # de amostras de solo da região de Salto do Itararé.

Figura 14 – Mapa geoquímico do Hg (mg/kg) nas células GGRN – SAD.

– 137 –
Mercúrio – Ocorrências Naturais no Estado do Paraná, Brasil

Figura 15 – Mapa geoquímico do Hg (mg/Kg) nas células GGRN - SOLO (horizonte B).

de falha de Caçador, falhas de Guaxupé e Jacutinga e a À Sra. Kátia Borges e ao Sr. Antonio Carlos G. Valé-
intersecção da zona de falha de Cândido de rio, do Arquivo Nacional, pela pesquisa e localização de
Abreu/Campo Mourão com a zona de falha da Lancinha documentos do século XIX.
/Cubatão. Ao Dr. Paulo Roberto Amorim dos Santos Lima pela
Finalmente, as relações de causa-efeito, entre as gentileza em enviar cópia do Diccionario Geographico
grandes áreas anômalas da região do vale do rio Ribeira das Minas do Brazil (Ferreira, 1885) de sua biblioteca
e os processos mineralizadores a Pb-Zn-Ba devem me- particular.
recer atenção especial, particularmente considerando o
risco à saúde da população nas vizinhanças da área da REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
antiga usina de beneficiamento de minério e fundição de
concentrado de Adrianópolis. BINGQIU, Z.; HUI, Y. The use of geochemical indica-
tor elements in the exploration for hot water sources
AGRADECIMENTOS within geothermal fields. Journal of Geochemical
Exploration, Amsterdam, v. 55, n. 1-3, p. 125-136,
Ao Presidente Dr. Eduardo Salamuni e Diretor Técni- 1995.
co Rogério da Silva Felipe, pela autorização na divulga- BIZZI, L.A.; SCHOBBENHAUS, C.; GONÇALVES, J.H.;
ção de dados do acervo da MINEROPAR. BAARS F.J.; DELGADO, I.M.; ABRAM, M.B.; LEÃO
Ao Dr. Edilson da Silva Brabo, Instituto Evandro Cha- NETO, R.; MATOS, G.M.M.; SANTOS, J.O.S. Geolo-
gas, pelas determinações de mercúrio realizadas nas gia, tectônica e recursos minerais do Brasil: sistema
amostras de sedimentos ativos de drenagem da região de informações geográficas - SIG e mapas na escala
de Palmeira. 1:2.500.000. Brasília: CPRM, 2001. 4 CD-ROMs.

– 138 –
Plawiak, R.A.B

FERREIRA F.I. Diccionario Geographico das Minas do MINERAIS DO PARANÁ S.A. - MINEROPAR. Mapa
Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1885. Geológico do Estado do Paraná. Curitiba, 1986. 1
450 p. mapa. Escala 1:1.400.000.
GOLDEN SOFTWARE, INC. Surfer - Surface Mapping OLIVEIRA, E.P. Geologia e Recursos Mineraes do Esta-
System. Golden, CO, 2002. v.. 8. do do Paraná. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultu-
LICHT O. A. B. A Geoquímica multielementar na ges- ra, Indústria e Comércio. Serviço Geológico e Mine-
tão ambiental: identificação e caracterização de ralógico do Brasil, 1927. 172 p.
províncias geoquímicas naturais, alterações an- PLAWIAK, R.A.B.; LICHT,O.A.B.; VASCONCELLOS,
trópicas da paisagem, áreas favoráveis à pros- E.M.G. Indícios da ocorrência natural de mercúrio no
pecção mineral e regiões de risco para a saúde no Estado do Paraná. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
Estado do Paraná, Brasil. 2001. 236 p. Tese (Dou- GEOLOGIA, 42., 2004, Araxá, MG. Anais... Araxá, MG :
torado em Geologia Ambiental)-Faculdade de Ge- SBG. Núcleo Minas Gerais, 2004. 1 CD-ROM, S18:69.
ologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, ZALÁN, P.V.; WOLFF, S.; CONCEIÇÃO, J.C.J.; ASTOLFI,
2001. M.A.M.; VIEIRA, I.S.; APPI, V.T.; ZANOTTO, O.A. Tec-
LICHT O.A.B.; PLAWIAK R.A.B. Projeto Geoquímica de tônica e Sedimentação da Bacia do Paraná. In:
Solos, Horizonte B: levantamento geoquímico multie- SIMPÓSIO SULBRASILEIRO DE GEOLOGIA, 3.,
lementar do Estado do Paraná: relatório final. Curiti- 1987. Atas. Curitiba : SBG. Núcleo Paraná/Santa Ca-
ba: MINEROPAR, 2005. 2 v. tarina e Rio Grande do Sul, 1987. v.1, p. 441-477.

– 139 –
Contaminação por Mercúrio Antrópico em Solos e Sedimentos de Corrente de Lavras do Sul, RS, Brasil

CONTAMINAÇÃO POR
MERCÚRIO ANTRÓPICO EM
SOLOS E SEDIMENTOS DE
CORRENTE DE LAVRAS DO
SUL, RS, BRASIL
¹Carlos Antonio Grazia : grazia@pa.cprm.gov.br
²Maria Heloisa Degrazia Pestana, mariahdp@fepam.rs.gov.br
¹Serviço Geológico do Brasil-CPRM/SUREG-PA
²Fundação Estadual de Proteção Ambiental-FEPAM

INTRODUÇÃO no final da década de 1980, pela Companhia Rio Gran-


dense de Mineração (CRM). A resultante contaminação
Este trabalho é parte do Projeto “Mercúrio Antrópico residual por Hg na vizinhança de algumas dessas unida-
em Drenagens Associadas às Minerações Auríferas de des de beneficiamento foi comprovada por Pestana &
Lavras do Sul”, que está sendo executado em convênio Formoso (2003) em amostras de solos coletadas na área
entre o Serviço Geológico do Brasil - CPRM e a Funda-
ção Estadual de Proteção Ambiental do Estado do Rio
Grande do Sul - FEPAM. O Projeto citado integra o Pro-
grama Nacional de Pesquisa em Geoquímica Ambiental
e Geologia Médica - PGAGEM, coordenado pela CPRM.
A mineração de ouro no distrito aurífero de Lavras
do Sul - RS (Figura 1) data oficialmente do final do século
XIX. As mineralizações produtos de hidrotermalismo
constituem-se de veios de quartzo auríferos com algum
sulfeto de Fe, Cu e/ou Pb, com direção L-W. As rochas
encaixantes dos veios são formadas por andesitos e vul-
canoclásticas associadas, pertencentes à Formação Hi-
lário, e por granitos intrudidos nessa Formação, perten-
centes ao Complexo Intrusivo Lavras do Sul, descrito por
Gastal (1997).
Os teores de ouro das mineralizações eram baixos,
em média 5g/t (Calógeras, 1938). A maioria do minério
extraído das diversas minas da região era transportado
para um dos três moinhos de beneficiamento, conheci-
dos por Chiapetta, Paredão e Cerro Rico, que funciona-
ram em períodos distintos até a primeira metade do sé-
culo XX. A amalgamação por mercúrio foi realizada na
região, por esses moinhos, também por faiscadores, e, Figura 1 – Localização da área de trabalho.

– 140 –
Carlos Antonio Grazia

da CRM e do Moinho Chiapetta, e por Pestana et al. As amostras de solos são do horizonte A. Foram pe-
(2000) em uma amostra de sedimento coletada na lagoa neiradas por via úmida para obtenção da fração < 230
de tratamento do moinho Cerro Rico. mesh, com peneiras de PVC e malha de nailon e, posteri-
ormente secas à temperatura ambiente. As amostras de
OBJETIVOS DESTE TRABALHO sedimentos de corrente também foram secas à tempera-
tura ambiente, desagregadas em almofariz de ágata e
- Confirmar a existência de contaminação por Hg nos separadas as frações < 120 mesh, com peneiras de PVC
solos próximos às unidades de beneficiamento e verifi- e malha de nailon. As frações granulométricas < 230
cá-la em locais afastados dessas; mesh e < 120 mesh das amostras de solos e sedimentos
- Verificar o grau de dispersão do Hg dos solos contami- de corrente, respectivamente, foram abertas com
nados nas drenagens, através de análises de sedi- água-régia (6 ml para 1 g de amostra), a 95°C durante 1
mentos de corrente; hora para determinações de 51 elementos por ICP-MS,
- Estabelecer os limiares (ou thresholds) e valores médi- nos ACME Laboratórios (Canadá). As concentrações de
os de backgrounds para Au, Fe, Mn e para elementos As, Au, Cd, Cu, Fe, Hg, Mn, Pb e Zn são avaliadas neste
de interesse ambiental, como As, Cd, Cu, Hg, Pb e Zn, trabalho. No lote enviado para análise, foi incluída uma
em sedimentos de corrente sobre granitos e andesitos, amostra de material de referência certificado para Hg
e estabelecer os valores médios desses mesmos ele- (NIST-8407), cujo resultado mostrou erro de exatidão <
mentos para solos; 7% para o método analítico utilizado.
- Comparar os limiares obtidos com os atuais guidelines
brasileiros (CONAMA e CETESB). RESULTADOS E DISCUSSÃO

METODOLOGIA Solos
Os valores de concentração dos elementos anali-
Foram coletadas 8 amostras de solos sobre andesi- sados em amostras de solos distantes das áreas de be-
tos, sendo uma junto à área de beneficiamento da CRM, neficiamento de ouro foram extraídos de Grazia & Pes-
outra junto à área de beneficiamento do Cerro Rico e as tana (2005a) e estão mostrados na tabela 1. Os valores
restantes seis amostras em locais afastados de áreas de médios (VM) de concentração para as 5 amostras de
beneficiamento. Sobre os granitos, foram coletadas: solos sobre andesitos e os valores referentes a uma
uma amostra no interior da área de beneficiamento do amostra coletada sobre granito foram usados como re-
moinho Chiapetta; outra coletada na parte externa da ferência para calcular as taxas de contaminação das
mesma área e uma terceira amostra, utilizada como refe- amostras coletadas nas áreas de beneficiamento.
rência de solo não contaminado, longe de área de bene- A comparação dos VM de solos sobre andesitos,
ficiamento. Sobre a área granítica, se situam 24 amos- com valores orientadores para solos, conforme CETESB
tras de sedimentos de corrente, e sobre a área andesíti- (2001), descritos no rodapé da tabela 1, mostrou back-
ca, 19 amostras. grounds naturalmente elevados para As, Cu e Pb nessa

Tabela 1 – Concentração de elementos em solos não contaminados sobre andesitos e granito


Fração < 230 mesh Abertura: Água-régia Leitura: ICP-MS
Amostra Rocha As (µg/g) Au (ng/g) Cd (µg/g) Cu (µg/g) Fe (%) Hg (ng/g) Mn (µg/g) Pb (µg/g) Zn (µg/g)
2 Andesito 23,10 35,70 0,03 57 1,91 39 384 29,40 44,60
3 Andesito 13,70 40,90 0,03 108,20 4,16 44 901 26,30 74,70
4 Vulcanoclástica 10,20 11,30 0,04 11 2,62 57 334 24,10 60,50
5 Andesito 6,10 6,10 0,06 62,70 3,23 25 369 13,20 46
6 Andesito 8,50 3,90 0,04 33,90 2,09 16 410 12,10 48,90
11 Andesito 8,70 26,50 0,09 60,90 2,71 58 350 32,70 57,20
8 Granito 8,20 6 0,03 10,30 1,84 54 131 18,90 38,70
VM Andesito 12,30 19,60 0,04 54,60 2,80 36,20 480 21,00 54,90
1
Valor de Referência 3,5 nr <0,5 35 nr 50 nr 17 60
1
Valor de Alerta 15 nr 3 60 nr 500 nr 100 300

> ou = ao valor de referência > ou = ao valor de alerta


VM foi calculado com as amostras 2 a 6. A amostra 11 foi excluída do cálculo da VM por ter sido coletada junto a veio de quartzo sulfetado.
1
nr = elemento não referenciado pelo CETESB (2001). Valores orientadores em solo em amostra total da CETESB (2001)

– 141 –
Contaminação por Mercúrio Antrópico em Solos e Sedimentos de Corrente de Lavras do Sul, RS, Brasil

Tabela 2 - Teores em solos junto às instalações de beneficiamento de ouro e respectivas taxas de contaminação
Fração < 230 mesh Abertura: Água-régia Leitura: ICP-MS

As Au Cd Cu Fe Hg Mn Pb Zn
Amostra Substrato
µg/g ng/g µg/g µg/g % ng/g µg/g µg/g µg/g
7 Andesito CRM 24,5 688 0,20 270 3,03 18508 626 79 113
(2) (35) (6,8) (4,9) (1,1) (511) (1,3) (3,8) (2,0)
9 Granito Chiapetta 127 13173 1,34 270 4,86 43497 418 1465 661
Interior (15) (2195) (44) (26) (2,7) (805) (3,2) (77) (17)
10 Granito Chiapetta 59,3 2870 1,63 124 2,84 11021 566 1100 500
Exterior (7,23) (478) (54) (12) (1,5) (219) (4,3) (58) (13)
12 Andesito Cerro Rico 163 1533 0,29 1469 5,68 10379 1029 719 250
Exterior (13,2) (78) (7,2) (27) (2) (287) (2,1) (13) (4,5)
1
Valor de Referência 3,5 nr <0,5 35 nr 50 nr 17 60
1
Valor de Alerta 15 nr 3 60 nr 500 nr 100 300
1
Valor Intervenção Agrícola 25 nr 10 100 nr 2500 nr 200 500
1
Valor Intervenção Residencial 50 nr 15 500 nr 5000 nr 350 1000

> ou = ao valor de referência > ou = ao valor de alerta > ou = ao valor de intervenção agrícola
1
Valores orientadores em solo em amostra total da CETESB (2001) - Taxas de contaminação ( ) nr = não referenciado pela CETESB

litologia vulcânica. Os valores de referência também fo- Cu superaram os respectivos valores de intervenção
ram ultrapassados para As, Hg e Pb na amostra 08 cole- para solos de uso agrícola em 100% das amostras, e as
tada sobre granito. de As e Pb, em 75% delas, indicando risco potencial à
As concentrações doos elementos obtidas nas saúde humana. O Zn superou o valor de intervenção
amostras de solos em áreas de beneficiamento, bem agrícola em 50% das amostras coletadas em áreas de
como as respectivas taxas de contaminação, encon- beneficiamento do minério, mais especificamente em
tram-se na tabela 2. Estas taxas foram calculadas como ambas as amostras coletadas no moinho Chiapetta. De-
o quociente entre a concentração na amostra e o respec- ve-se ressaltar, entretanto, que as concentrações dos
tivo valor médio (VM) retirado da tabela 1, que, para gra- elementos analisados nos solos de Lavras do Sul foram
nitos, refere-se ao valor da amostra 08. Na tabela 2 tam- determinadas na fração silto-argilosa, enquanto o relató-
bém foram incluídos os valores orientadores, conforme rio da CETESB (2001) não especifica a fração granulo-
CETESB (2001), exceto os de intervenção industrial. métrica, o que leva a crer que se trate de amostra total.
Considerando a manutenção da multifuncionalida- Recentemente a CETESB disponibilizou na Internet a
de do solo na gestão ambiental, utilizamos preferencial- sua Decisão de Diretoria No 195-2005, datada de
mente os valores de intervenção para uso agrícola como 23/11/2005, que revê os valores orientadores de 2001.
referência na avaliação dos dados apresentados, por Conforme os novos valores, os solos contaminados do mo-
serem mais restritivos do que os de uso residencial. Ou- inho Chiapetta estariam superando também o valor de pre-
tro motivo para a preferência por esses valores é o fato venção para Cd (1,3 mg/g), que é mais restritivo do que o
dos locais amostrados estarem situados em área predo- valor de alerta anterior (3,0 mg/g). Entretanto, com relação
minantemente rural. ao Hg, a nova decisão é muito mais permissiva, tendo os
O Hg mostrou as maiores taxas de contaminação, valores de intervenção residencial passado de 5.000 mg/g
seguido por Pb, Cu e As. Os solos mais contaminados em 2001 para 36.000 mg/g em 2005; e os de intervenção
por Hg e Au foram coletados no interior do moinho Chia- agrícola, de 2.500 mg/g em 2001, para 12.000 mg/g em
petta e na área da CRM, mostrando clara associação 2005. Com isso, somente as amostras coletadas no interior
com perdas no processo de amalgamação. As amostras do moinho Chiapetta e na área da CRM permaneceriam na
mais contaminadas por As, Cd, Pb e Zn foram as locali- mesma categoria. As demais seriam classificadas, quanto
zadas no moinho Chiapetta (interior e exterior), e por Cu, às concentrações de Hg, como superiores ao valor de pre-
no moinho Cerro Rico. Os elementos Fe e Mn, com fraca venção, que nesse caso, coincide com o antigo valor de
ou nenhuma associação com a mineralização sulfetada, alerta. Para os demais elementos analisados, não haveria
apresentaram as menores taxas de contaminação. alterações quanto à avaliação apresentada nas tabelas 1 e
A comparação dos dados obtidos em solos conta- 2. Neste trabalho continuaremos a adotar os valores orien-
minados com valores de orientação adotados pela tadores de 2001, pois não temos conhecimento do emba-
CETESB (2001) mostrou que as concentrações de Hg e samento técnico que levou às alterações de 2005.

– 142 –
Carlos Antonio Grazia

SEDIMENTOS DE CORRENTE dade de efeitos adversos à biota; o nível 2, acima do


qual prevê-se um provável efeito adverso à biota. Po-
A interpretação dos dados analíticos de sedimentos rém, os sedimentos subaquosos cujas concentrações
de corrente constou de tratamento estatístico básico de As, Cd, Hg ou Pb estiverem acima do nível 1, devem
(software NCSS Statistical System for Windows), que au- ser submetidos a ensaios ecotoxicológicos (Art. 7 da
xiliou no estabelecimento de parâmetros estatísticos mesma RC).
para cada elemento, como os valores médios de back- As concentrações dos elementos analisados, os va-
ground, seus desvios padrões e os valores de limiar (li- lores médios da faixa de backgound e seus limiares fo-
mite superior da faixa de background). ram calculados para as amostras de sedimentos de cor-
Ressalvadas as peculiaridades da metodologia rente das áreas granítica e andesítica e são mostrados
empregada na preparação e na abertura das amos- nas tabelas 3 e 4, respectivamente, bem como os valo-
tras, a avaliação ambiental dos dados foi feita com res dos níveis 1 e 2 da RC. Limiares acima do nível 1 fo-
base na recentemente instituída Resolução Nº ram encontrados para As em sedimentos da área de lito-
344/2004 do CONAMA (aqui abreviada para RC), que logia granítica, e para As, Cu e Pb, na área andesítica.
estabelece dois níveis de qualidade para o material a Essas observações estão em concordância com os valo-
ser dragado em águas jurisdicionais brasileiras. Esses res de background naturalmente elevados, verificados
são: o nível 1, abaixo do qual prevê-se baixa probabili- para os três elementos, nos solos da litologia vulcânica.

Tabela 3 – Concentracão de elementos em sedimentos de corrente sobre granitos


Fração < 120 mesh Abertura: Água-régia Leitura: ICP-MS
Amostra UTM N UTM L As Au Cd Cu Fe Hg Mn Pb Zn
(µg/g) (ng/g) (µg/g) (µg/g) (%) (ng/g) (µg/g) (µg/g) (µg/g)
OC-01 6594158 225352 7,80 7 0,04 25,11 1,84 20 404 20,47 32
OC-02 6592775 225263 7,20 8,80 0,03 23,06 1,67 19 321 12,53 35,40
OC-03 6594516 224244 16,20 40,70 0,04 56,18 2,09 195 331 68,59 39,20
OC-04 6585911 225975 4,90 85,30 0,04 7,67 1,39 38 270 21,07 30
OC-05 6585591 226953 5,40 4,70 0,05 5,59 1,11 40 151 22,44 32,20
OC-06 6585477 227337 3,70 36,20 0,03 5,16 0,78 39 169 14,06 22,20
OC-07 6596230 221950 3,70 7,20 0,04 11,85 1,94 13 563 17,57 39,30
OC-10 6584020 228044 48,10 5518,20 0,16 306,27 2,33 112 455 57,39 62
OC-15 6585317 224966 5,80 6 0,02 8,47 1,44 25 229 15,30 32,20
OC-18 6585720 224663 2,20 17,40 0,01 3,16 0,65 13 105 7,94 12,90
OC-19 6584948 219677 3,30 107,80 0,02 5,99 1,50 21 191 16,18 38,40
OC-20 6586709 224088 9,90 47,90 0,12 16,71 1,89 145 807 32,69 65,70
OC-21 6584989 222577 3,10 13,80 0,02 2,85 0,85 17 189 9,67 18,40
OC-32 6592436 228758 12,70 77,30 0,05 27,34 1,94 31 415 21,55 36,50
OC-34 6590920 228193 13,70 18,80 0,06 37,03 2,27 31 483 28,70 47
OC-35 6587961 223424 9,40 92,30 0,03 3,56 1,03 72 318 19,27 20,90
OC-36 6587482 220938 4,30 140,80 0,03 6,64 0,92 42 202 30,78 32
OC-37 6586794 220119 4 63,40 0,03 3,51 1,03 24 235 17,28 25,60
OC-38 6586622 220269 3,20 51,70 0,04 9,84 1,45 19 737 13,23 33,10
OC-39 6588862 218307 3 34,70 0,03 4,26 0,89 20 250 15,13 20,90
OC-40 6589096 218428 2,70 14 0,04 4,89 0,85 22 103 15,70 42
OC-41 6588172 222058 3,50 6,50 0,02 2,12 0,66 19 124 8,26 11,60
OC-42 6587523 224320 6,10 15,30 0,02 4,89 1,11 48 222 12,79 23,50
OC-43 6584672 217343 5,30 6 0,03 3,77 1,20 27 581 14,10 18,30
1
Valor médio do background 6,13 28,10 0,03 10 1,30 28 286 17,50 30,60
1
Limiar 12 35 0,05 24 2 56 572 31 56
2 1
CONAMA Nível 5,90 nr 0,60 35,70 nr 170 nr 35 123
2 2
CONAMA Nível 17 nr 3,50 197 nr 486 nr 91,3 315
1 2
Este trabalho Resolução Nº 344/04 - A resolução CONAMA Nº 344/04 restringe-se aos elementos As, Cd, Cu, Hg, Ni (não avaliado neste
trabalho), Pb e Zn nr = elemento não referenciado pelo CONAMA.

– 143 –
Contaminação por Mercúrio Antrópico em Solos e Sedimentos de Corrente de Lavras do Sul, RS, Brasil

Tabela 4 – Concentracão de elementos em sedimentos de corrente sobre andesitos


Fração < 120 mesh Abertura: Água-régia Leitura: ICP-MS
Amostra UTM N UTM L As(µg/g) Au(ng/g) Cd(µg/g) Cu(µg/g) Fe (%) Hg (ng/g) Mn (µg/g) Pb(µg/g) Zn (µg/g)
OC-08 6584931 229021 5 28,50 0,03 8,75 1,04 63 322 16,13 27
OC-09 6584504 228739 19,80 6,40 0,06 40,24 2,59 18 444 25,13 64,80
OC-11 6585068 232706 8,10 30,30 0,07 17,08 1,85 62 614 22,89 49,50
OC-12 6584941 232789 14,80 11 0,08 26,84 3,83 24 1119 16,60 64,60
OC-13 6585932 234374 21,10 13,50 0,10 19,46 3,25 27 731 20,73 70,30
OC-14 6586710 236173 24,60 7,50 0,13 20,50 2,84 92 951 27,62 79
OC-16 6586455 232551 24 22,90 0,22 28,09 2,55 64 845 134,14 104,80
OC-17 6589066 234283 22,40 1,40 0,07 18,66 3,16 89 929 36,92 80,90
OC-22 6585425 231162 17,40 37,50 0,07 65,53 3,32 46 1039 28,58 71,70
OC-23 6585169 231050 7 12,50 0,04 19,05 1,64 55 465 18,45 42,20
OC-24 6586142 230366 16,90 5,90 0,07 59,72 3,72 50 1012 29,94 80,30
OC-25 6585819 230231 23,30 11 0,05 119,11 4,60 41 1152 29,86 73,60
OC-26 6589451 231218 73,90 1,60 0,08 41,53 3,24 82 914 44,54 66,50
OC-27 6589303 230534 50,60 2760,90 0,09 238,23 3,96 958 1165 94,52 76,30
OC-28 6589482 230360 29,40 9 0,06 49,76 2,72 61 723 30,62 54,60
OC-29 6593372 231887 21,80 10,60 0,08 33,08 2,52 77 1393 22,56 47,70
OC-30 6592326 231879 12,50 1,40 0,04 32,23 2,59 37 634 18,59 51,70
OC-31 6593355 230599 12,40 320,60 0,05 35,63 2,29 34 695 25,02 55,10
OC-33 6592090 228972 17,90 4,50 0,09 37,28 3,13 38 876 27,71 55,50
Valor médio do background 17,50 12,50 0,07 32 2,90 53 843 26 64
1

1
Limiar 31 25 0,12 66 4,60 88 1397 40,70 99
2 1
CONAMA Nível 5,90 nr 0,60 35,70 nr 170 nr 35 123
2 2
CONAMA Nível 17 nr 3,50 197,0 nr 486 nr 91,30 315
1 2
Este trabalho Resolução Nº 344/04 - A resolução CONAMA Nº 344/04 restringe-se aos elementos As, Cd, Cu, Hg, Ni (não avaliado neste
trabalho), Pb e Zn nr = elemento não referenciado pelo CONAMA.

Nesta última, o limiar de 31mg/g de As para sedimentos pectivos valores do nível 2. Nessa amostra, a concentra-
de corrente ultrapassou até mesmo o nível 2 da RC. ção de Hg (958 mg/g) é de origem antrópica, devida à
Em amostras isoladas, o nível 2 da RC é ultrapassa- proximidade com o moinho Cerro Rico, situado a mon-
do para Cu na amostra 27 da área andesítica e para As e tante, fato que explica o seu elevado valor, o único maior
Cu na amostra 10 da área granítica. Na primeira, as con- que o nível 2 da RC para o Hg. Entretanto, uma contribui-
centrações de As, Hg e Pb também superaram os res- ção natural de Hg também é possível, pois, a análise de

Figura 2 – Detalhe de grão de cinábrio no MEV – Análise qualitativa no MEV - EDS do Microscópio Eletrônico de Varredura.
cinábrio em concentrados de bateia.

– 144 –
Carlos Antonio Grazia

especiação em amostra de sedimento da represa de Tabela 5 – Classificação das contaminações em solos


água utilizada no moinho Cerro Rico (Pestana et al., 2000) segundo valores orientadores (CETESB, 2001) e o grau de
mostrou a presença de sulfeto de Hg em percentual supe- dispersão de Hg nas drenagens próximas
rior ao de Hg metálico. Além disso, Toniolo et al. (2005) ci-
Local Alerta Intervenção para Diapersão de Hg
tam a ocorrência de cinábrio (Figura 2) em concentrado
para nas drenagens
de bateia, coletado a leste da amostra 27, no mesmo con-
texto geológico. CRM As Hg Sem dispersão
Na amostra 10, as elevadas concentrações de As, Chiapetta Cu e Zn As, Hg e Pb Discreta dispersão
Au, Cu e Pb, esta última superior ao nível 1 da RC, são
Chiapetta Cu e Zn As, Hg e Pb Discreta dispersão
explicadas pela proximidade com a mina Valdo Teixeira.
Também as concentrações maiores que os limiares para Cerro Rico Nenhum As, Cu, Hg e Pb Notável dispersão
Cd, Fe, Hg e Zn sugerem contribuição antrópica mineira
de sedimentos de corrente contaminados por rejeitos da
referida mina.
Já a concentração de 195 mg/g de Hg da amostra CONCLUSÕES
03 (área granítica), superior ao limiar e ao nível 1 da RC
para esse elemento, relaciona-se provavelmente às Solos
mineralizações presentes na área, pois além do Hg, - Valores de background naturalmente elevados para
também as concentrações de Au, Fe, As, Cu e Pb na As (12,3 ìg/g), Cu (54,6 ìg/g) e Pb (21,0 ìg/g) foram
referida amostra superaram os respectivos limiares, encontrados em amostras de solos sobre os andesi-
sendo que as dos três últimos elementos foram maio- tos.
res que o nível 1 da RC. Essa amostra, entretanto, pa- - Os maiores fatores de enriquecimento foram os de Hg,
rece não ter contribuições de rejeitos mineiros por es- na área interna do moinho Chiapetta e na área da
tar afastada das áreas mineradas ao sul e pelo teor de CRM;
Au não ser elevado como nas áreas com rejeitos minei- - Os solos próximos às três instalações de beneficia-
ros conhecidos. mento CRM, Chiapetta e Cerro Rico estão antropica-
Por fim, a amostra 20 da área granítica, com 145 mente contaminados por As, Cu, Hg, Pb e Zn.
mg/g de Hg e valores superiores aos limiares para Cd, Pb - A contaminação atingiu, conforme CETESB (2001): va-
e Zn, representa uma mistura de contaminações antrópi- lores de intervenção agrícola para Cu e Hg junto aos
cas, tanto por beneficiamento mineiro como por efluen- três locais de beneficiamento, para As e Pb nos moi-
tes urbanos, devida à sua localização a jusante do moi- nhos Chiapetta e Cerro Rico e para Zn no Moinho Chia-
nho Chiapetta e da área urbana de Lavras do Sul. petta;
As concentrações de Hg em solos e sedimentos de - valores de intervenção residencial para Hg junto aos
corrente encontradas em Lavras do Sul estão sintetiza- três locais de beneficiamento, para As e Pb nos moi-
das no Mapa de Distribuição de Mercúrio (Figura 3). A nhos Chiapetta e Cerro Rico, e para Cu somente no in-
escolha do mercúrio se deve ao fato de ser esse elemen- terior do Moinho Chiapetta;.
to de alta toxicidade potencial à saúde humana, cujas - valor de alerta para As na área da CRM.
concentrações mostraram os maiores fatores de enri-
quecimento antrópico nas amostras de solos. Sedimentos de corrente
A figura 3 permite visualizar o contato entre granitos - Os sedimentos de corrente andesíticos apresentaram
e andesitos (Porcher & Lopes, 2000) e as relações de limiares elevados para As (31 ìg/g), Cu (66 ìg/g) e Pb
proximidade dos resultados obtidos com a localização (40 ìg/g), cujos valores, comparados com a RC, supe-
de antigas minas e instalações de beneficiamento de raram o nível 1 para Cu e Pb, e até o nível 2 para As;
ouro. Ainda na figura 3 são salientados os valores de - Os limiares de Hg inferiores ao nível 1 da RC em sedi-
concentração de mercúrio que mereceram destaque, mentos de corrente de granitos (50 mg/g) e de andesi-
conforme os critérios apresentados e discutidos neste tos (88 mg/g) realçam a concentração de 958 mg/g de
trabalho, permitindo inferir os graus de dispersão das Hg, superior ao nível 2 da RC, encontrada em sedi-
elevadas concentrações encontradas em solos contami- mento de corrente a jusante do Moinho Cerro Rico;
nados em relação aos sedimentos de corrente próximos. - Três tipos de contaminação antrópica foram evidencia-
Com base nos resultados obtidos, a avaliação dos da- dos: a) beneficiamento de minério, a jusante do moinho
dos frente aos valores de orientação (alerta e de inter- Cerro Rico; b) desmonte mineiro, a jusante da mina Val-
venção agrícola) para solos (CETESB, 2001), bem como, do Teixeira; e c) mista de beneficiamento mineiro e de
os graus de dispersão nas drenagens próximas estão efluentes urbanos, a jusante do moinho Chiapetta e da
sintetizados na tabela 5. área urbana de Lavras do Sul;

– 145 –
Contaminação por Mercúrio Antrópico em Solos e Sedimentos de Corrente de Lavras do Sul, RS, Brasil

Figura 3 – Mapa de distribuição de mercúrio.

– 146 –
Carlos Antonio Grazia

- Contaminação natural associada à provável minerali- COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO


zação foi identificada em amostra com 195 mg/g de AMBIENYAL - CETESB. Decisão de Diretoria No
Hg, na parte nordeste da área granítica; 195-2005. Disponível em: <http://www.ce-
- Notável dispersão da contaminação por Hg de solos tesb.sp.gov.br.> Acesso em: agosto 2006.
para sedimentos de corrente ficou evidenciada unica- GRAZIA, C. A.; PESTANA, M. H. D. Mercury contaminated
mente para o Moinho Cerro Rico. soils in gold mining areas of Lavras do Sul, RS, Brazil. In:
INTERNATIONAL CONFERENCE OF HEAVY METALS
RECOMENDAÇÕES IN THE ENVIRONMENT, 13., 2005, Rio de Janeiro.
Abstracts. Rio de Janeiro : CETEM, 2005. 1 CD-ROM, p.
1) Remediação das áreas de solos próximas às ins- 504-507 Contaminated Sites.
talações de beneficiamento, por estarem contaminadas GRAZIA, C.A.; PESTANA, M.H.D. Contaminações por
em níveis superiores aos de intervenção para Hg e/ou mercúrio antrópico em solos e sedimentos de cor-
As, Pb, e Cu, representando risco potencial à saúde hu- rente de Lavras do Sul, RS, Brasil. In: WORKSHOP
mana; INTERNACIONAL DE GEOLOGIA MÉDICA, 2., 2005,
2) Avaliação detalhada da extensão das contamina- Rio de Janeiro. Relação de painéis, palestras e mi-
ções verificadas, incluindo análises de risco e levanta- ni-curso internacional... Rio de Janeiro : CPRM,
mentos junto às pessoas potencialmente mais expostas 2005. 1 CD-ROM, painel 7/7.
à contaminação por esses elementos. PESTANA, M.H.D.; LECHLER, P.; FORMOSO, M.L.L.;
MILLER, J. Mercury in sediments from gold and cop-
AGRADECIMENTOS per exploitation areas in the Camaquã River Basin,
southern Brazil. Journal of South American Earth Sci-
Pela colaboração nos trabalhos de campo e escritório: ences, n. 13, p. 537-547, 2000.
ao técnico em mineração Odilon Corrêa, e ao prospector PESTANA, M.H.D.; FORMOSO, M.L.L. Mercury contami-
Floro de Menezes Filho Graduando em Engenharia Carto- nation in Lavras do Sul, south Brazil: a legacy from
gráfica Álvaro Belotto Perini. past and recent gold mining. The Science of the To-
tal Environment, n. 305, p.125-140, 2003.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PORCHER, C.A.; LOPES, R. da C. Folha SH.22-Y-A - Ca-
choeira do Sul, Estado do Rio Grande do Sul, escala
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução 1: 250.000 : Programa de Levantamentos Geológi-
CONAMA nº 344/2004. Brasília, 2004 cos Básicos do Brasil. Rio de Janeiro : CPRM, 2000.
CALOGERAS, P. As minas do Brasil e sua legislação: 1 CD-ROM.
geologia econômica do Brasil. 2.ed. São Paulo: TONIOLO, J.A.; GIL, C.A.A.; SANDER, A.; DIAS, A. de
Companhia Editora Nacional, 1938. Tomo 3. 507 p. A.; REMUS, M.V.D. Modelos exploratórios de meta-
(Biblioteca Pedagógica Brasileira, v. 134). is-base e preciosos na Bacia do Camaquã: síntese e
COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO avanços no conhecimento : parte I Histórico. In:
AMBIENTAL - CETESB. Relatório de Estabelecimen- SIMPÓSIO BRASILEIRO DE METALOGENIA, 1.,
to de Valores Orientadores para Solos e Águas Sub- 2005, Gramado. Resumos expandidos. Gramado:
terrâneas . São Paulo, 2001. 245 p. CPGq-IG/ UFRGS, 2005. 1 CD-Rom.

– 147 –
Implicações de Radioelementos no Meio Ambiente, Agricultura e Saúde Pública em Lagoa Real, Bahia, Brasil

IMPLICAÇÕES DE
RADIOELEMENTOS NO
MEIO AMBIENTE,
AGRICULTURA E SAÚDE
PÚBLICA EM LAGOA REAL,
BAHIA, BRASIL
José Erasmo de Oliveira; erasmo@sa.cprm.gov.br
Serviço Geológico do Brasil – CPRM/SA

INTRODUÇÃO
o
50 45
o
40
o o
O presente trabalho integra o Progra-
35
o
ma Nacional de Pesquisa em Geoquímica 5 o
5
Ambiental e Geologia Médica – PGAGEM,
desenvolvido pela CPRM em parceria com
universidades e outras instituições gover-
namentais. A área estudada está localizada PIAUÍ PERNAMBUCO
na região centro-sul do Estado da Bahia, o
entre os paralelos de 13°45’30” e 10 ALAGOAS
TOCANTINS 10
o
14°07’30”S e os meridianos de 42°07’30” e BAHIA SERGIPE
42°22’30”W.Gr, no município de Lagoa
Real, no Estado da Bahia, e abrange uma
área de 1.126 km2 (Figura 1).
O

SALVADOR
C

A região é conhecida como Província GOIÁS


TI

o
Uranífera Lagoa Real. A exploração minei- 15
N
LA

o
ra, realizada pela INB (Indústrias Nucleares 15
AT

do Brasil S.A.), foi iniciada em 2000 como MINAS GERAIS


O

um empreendimento mínero-industrial, con-


N

cebido com a finalidade de promover o


EA

aproveitamento das reservas estimadas em


C
O

o
100 mil toneladas de U3O8. 20 ESPIRÍTO SANTO
O processo de beneficiamento do mi- o
o 20
nério de urânio é o de lixiviação em pilhas 50 45
o o
(estática), onde o mineral é britado. Depois
40 o
35
de britado, o minério é disposto em pilhas e
irrigado com solução de ácido sulfúrico
para a retirada do urânio nele contido. A Figura 1 – Localização da área do Projeto Lagoa Real.

– 148 –
José Erasmo de Oliveira

concentração do urânio é realizada pelo processo de ex- A maior abundância de urânio em zonas mineraliza-
tração por solventes orgânicos, seguida da separação das e a dispersão aumentada desse elemento no ambi-
por precipitação, secagem e acondicionamento do con- ente, através de atividades como a mineração, podem
centrado (yellow cake) em tambores especiais, que obe- levar a problemas de toxicidade. Nesses casos, um en-
decem normas determinadas pela Comissão Nacional de tendimento dos processos geoquímicos é importante
Energia Nuclear – CNEN (www.inb.gov.br). O yellow cake para compreender as trajetórias de migração e rotas de
(diuranato de amônia) é transportado para Salvador (BA) exposição do urânio em relação às plantas, animais e às
por via terrestre. Esse material precisa ser transformado populações humanas.
em gás hexafluoreto de urânio e enriquecido na Alema- Mesmo fora da área de mineração, os teores natu-
nha, Holanda ou Inglaterra, para ser utilizado no Brasil rais de urânio nas águas e nos solos podem ser tóxicos
como combustível nas usinas nucleares Angra I e II. e causar efeitos adversos à saúde humana. Nos últimos
A INB tem procurado assegurar a realização de cinco anos a INB construiu poços para satisfazer as de-
operações de controle e remediação dos impactos am- mandas geradas pelas atividades de mineração e pela
bientais. Com relação ao trabalhador, cada um recebe população local e evitar o consumo das águas super-
um crachá com um dosímetro que mede a dose de radia- ficiais. Infelizmente as características geoquímicas da
ção que está recebendo. No caso do meio ambiente é água desses aqüíferos não foram consideradas e, em-
feito um monitoramento do ar, do solo, das águas de bora os solos e os sedimentos do aqüífero não estejam
chuva e subterrânea, dos animais e das plantas. A INB mineralizados, as concentrações desse elemento são
mantém contato freqüente com a Comissão Nacional de elevadas e suficientes para causar sérios problemas de
Energia Nuclear (CNEN), com o IBAMA e com o Centro saúde, a exemplo dos elevados teores de urânio na fa-
de Recursos Ambientais (CRA) do Governo do Estado zenda Juazeiro.
da Bahia. O radônio 222 é gás natural formado durante a
Este estudo visa contribuir para a identificação de transformação radioativa de urânio em chumbo. Embora
problemas ambientais que podem estar correlacionados tenha vida média muito curta, de apenas 3,8 dias, por
com a saúde pública, principalmente os relacionados ser gás é muito móvel, sendo facilmente inalado em am-
com a exposição ao urânio, assim como para o gerencia- bientes fechados, podendo provocar câncer no pulmão.
mento de microbacias e com dados e parâmetros geo- Determinações de Ra222 fazem parte das operações de
químicos para os programas de monitoramento da Pro- controle e remediação dos impactos ambientais pela
víncia Uranífera Lagoa Real. INB.

GEOLOGIA E MEIO AMBIENTE GEOQUÍMICA E AGRICULTURA

A região de Lagoa Real está situada na porção cen- O uso da água na região inclui principalmente o
tro-sul do Cráton São Francisco. A província uranífera si- consumo por animais domésticos e a utilização para irri-
tua-se no contexto dos ortognaisses Lagoa Real, perten- gação. Uma classificação das águas para agricultura
centes à suíte intrusiva homônima, que ocorre no Corre- em função do RAS e da condutividade elétrica é propos-
dor de Deformação do Paramirim. Esses ortognaisses ta pelo United States Salinity Laboratory – U.S.S.L (1954)
graníticos mesoproterozóicos apresentam faixas cata- na qual são estabelecidas 16 classes. Na região foram
clásticas, metassomatizadas a albita-oligoclásio (albiti- distinguidas 5 classes (Figura 2 e Tabela 1).
tos), por vezes mineralizados em urânio. O controle das A produção agrícola na região está restrita ao plan-
mineralizações é litotectônico, havendo distribuição pre- tio de abacaxi, cana-de-açúcar, feijão, mamona, mandi-
ferencial segundo a lineação. A uraninita é o principal mi- oca e sorgo. Como culturas permanentes, cultiva-se ba-
neral-minério, seguido de pechblenda finamente disper- nana, caqui, laranja e manga.
sa nas bandas máficas. Nos solos podzólicos da região, comumente, as raí-
As extensões mineralizadas variam, desde alguns zes têm certa dificuldade em atravessar o horizonte A.
metros até centenas de metros, enquanto a espessura é Naturalmente este fenômeno torna as culturas muito sen-
variável de centímetros até dezenas de metros; a conti- síveis à seca, e a água de profundidade se torna inapro-
nuidade em profundidade foi constatada por sondagens veitável. Isto poderia explicar, em parte, o enriquecimen-
até a ordem de 700 metros. to relativo dos elementos químicos no horizonte. A (Figu-
Os minerais secundários de urânio (uranofano e au- ra 2). No que concerne ao urânio existe a possibilidade
tunita) estão restritos às zonas de alteração intempérica, de toxicidade, mas os efeitos relacionados à fitotoxidade
condicionadas principalmente pelo sistema de fraturas. ainda não foram estudados.
Predominam na região os processos morfogenéticos as- A escassez de água na região restringe a aplicação
sociados ao intemperismo químico e ao entalhe fluvial. sistemática da geoquímica de águas superficiais.

– 149 –
Implicações de Radioelementos no Meio Ambiente, Agricultura e Saúde Pública em Lagoa Real, Bahia, Brasil

CONCENTRAÇÃO TOTAL DE CÁTIONS EM MILIEQUIVALENTES POR LITRO


1,5 2 3 4 5 6 7 8 9 10 15 20 30 40 50 60 70 80 100 150 200
MUITO
FORTE
S4
30 30
++
Ca +Mg
+
Na

28
C1 S4 C2 S4 28
2
++

DRENAGEM
PARA
26 26
FORTE

S3

RAS =

24 C3 S4 24

SOMENTE
22 22

C1 C4
SÓDIO

S3 S4

COM EXELENTE
20 20
DE SÓDIO

18 18
C2 C5 S4

UTILIZÁVEIS
S3
MÉDIO

DO
S2

16 16
ADSORÇÃO

14 14
C3
PERIGO

S3
C1 S2

PALMEIRAS
12 12
C2

ÁGUAS
S2 C4
10 S3 10
EF-73
DE

8 C3 S2 8
EF-72
C5 S3
BAIXO

S1

RAZÃO

6 6
C2 S1 C4 S2
4
C1 S1 EF-65 4
EF-58 C3 S1 C5 S2
2 2
EF-62
EF-48 EF-43 AN C4 S1 C5 S1
EF-67 EF-34
C 100 250 750 2250 5000 10000
L
A
S CONDUTIVIDADE ELÉTRICA EM MICROMHOS / CM A 250C
S
E
C1 C2 C3 C4 C5
B A I XO MÉDIO ALTO MUITO ALTO EXCEPCIONALMENTE ALTO
PERIGO DE
RISCO DE SALINIDADE
SALINIDADE

0 64 164 480 1444 3400 12800


TOTAL APROXIMATIVO DE SAIS DISSOLVIDOS EM mg/l

o
Fonte: Figura 25 adaptada, do manual n 60, do Departamento de Agricultura do United States,1954.

Figura 2 – Diagrama para classificação das águas de irrigação.

Tabela 1 – Classificação das águas para irrigação na área do PGAGEM Lagoa Real

Classe Freqüência Salinidade Teor em sódio Irrigação Potabilidade

Pode ser usada para a irrigação na Dentro dos padrões de


C1-S1 1 Baixa Baixo
maioria dos solos e culturas potabilidade

Só deve ser usada em solos bem Alguns dos seus constituintes


drenados e em culturas com certa acima dos padrões de
C2-S1 17 Média Baixo
tolerância ao sal potabilidade (cloretos, resíduo
total, etc).

C3-S1 8 Alta Baixo

C3-S2 4 Alta Médio Não é adequada para irrigação

– 150 –
José Erasmo de Oliveira

GEOQUÍMICA E SAÚDE PÚBLICA mortalidade por neoplasias (tumores), registra somente


oito casos (www.datasus.gov.br).
A geoquímica no seu sentido restrito é o estudo da
química dos materiais geológicos e, à primeira vista, pa- MATERIAIS E MÉTODOS
rece existir pouca ligação entre a composição destes
materiais e a saúde humana. Contudo, os vários tipos de Neste projeto foi realizado um levantamento geoquí-
materiais geológicos contêm 92 dos elementos químicos mico de baixa densidade, caracterizado por ser um estu-
naturalmente encontrados na superfície da terra. Aproxi- do de geoquímica multielementar, possibilitando que os
madamente 25 dos elementos ocorrentes são essenciais resultados analíticos sejam utilizados para diversos fins.
ou tóxicos à vida vegetal ou animal. Para os homens são Esse modelo é embasado nas padronizações do Inter-
essenciais como macronutrientes Ca, Cl, Mg, P, K, Na, S, national Geochemical Mapping-IGCP 259 (Danrley et al.
e H e como micronutrientes Co, Cr, Cu, F, I, Fe, Mn, Mo, 1995) e Foregs Geochemical Mapping (Salminen et al.
Se, V e Zn. Alguns elementos não têm função biológica 1998).
ou a tem limitadamente e são geralmente tóxicos: As, Para se estabelecer as bases para um modelo geo-
Cd, Pb, Hg e Al. Estes, incluem também o elemento ra- químico, pressupõe-se diferentes migrações e concen-
dioativo urânio. trações de elementos químicos na interface so-
O urânio é cancerígeno e letal. A contaminação da lo-rocha-água-sedimento de corrente (Figura 3). Com
água pode ser considerada a forma mais séria de prejuí- esse objetivo coletou-se 32 amostras de água subterrâ-
zo ambiental associada à lavra e ao processamento do nea em poços tubulares, 32 amostras de solos, 30 amos-
minério de urânio. Os parâmetros de qualidade de eflu- tras de afloramentos de rocha coletadas nas proximida-
entes podem ser alterados de diversas formas, principal- des dos poços tubulares e 42 amostras de sedimento de
mente por substâncias químicas adicionadas durante o corrente, na fração granulométrica menor que 230 mesh
processamento do minério. (silte e argila), objetivando alcançar uma quantificação
Entre 20 e 23 de abril de 2000 ocorreu em Lagoa dos baselines geoquímicos, enfocando o monitoramento
Real um vazamento de 5.000m3 do licor uranífero na Ba- ambiental.
cia de Deposição e Reciclagem de Efluentes Líquidos As amostras de solo, importantes para o monitora-
provenientes da lixiviação ácida, por solução de ácido mento de elementos radioativos, foram coletadas no ho-
sulfúrico, da pilha de minério. O vazamento não atingiu o rizonte A, no intervalo de 5 a 25 cm de profundidade.
lençol freático, nem os rios, e nenhum funcionário da em- As amostras de água subterrânea, coletadas nos
presa foi contaminado. Porém é difícil estimar a extensão poços tubulares, foram armazenadas em tubos de polie-
do vazamento e o quanto o solo ficou contaminado. tileno graduados com capacidade de 50 ml, após serem
A contaminação de água potável por lavra de urânio filtradas em filtro micropore 0,45 mm, para a análise de
tem ocorrido em outras minerações de urânio no mundo. cátions. Para a preservação de cátions solúveis nas
A mais recente ocorreu em março de 2001 quando a mina amostras foi adicionado 1 ml de HNO3 1:1, mantendo
de urânio Ranger (Austrália) foi fechada devido à conta- pH<2. Para as análises dos parâmetros físico-químicos
minação da água. Trabalhadores em Ranger beberam e foram armazenados 2 litros de amostra de água que per-
se banharam em água contaminada com minério de urâ- maneceram refrigerados até o momento da análise.
nio, de níveis 400 vezes superiores ao padrão máximo de As análises químicas das amostras de sedimento de
segurança daquele país. Como resultado 28 trabalhado- corrente, solos e de rochas foram realizadas no laborató-
res ficaram doentes. A Empresa de Recursos Energéticos rio Acme Analytical Laboratories, no Canadá, para um
da Austrália Ltda. (ERA) suspendeu temporariamente as pacote de 51 elementos (Ag, Al, As, Au, B, Ba, Be, Bi, Ca,
operações para fazer melhoramentos na segurança da Cd, Ce, Co, Cr, Cs, Cu, Fe, Ga, Ge, Hf, Hg, In, K, La, Li,
mina. A mina tem uma história conturbada com 120 vaza- Mg, Mn, Mo, Na, Nd, Ni, P, Pb, Rb, Re, S, Sb, Sc, Se, Sn,
mentos, derramamentos e falhas operacionais desde sua Sr, Ta, Te, Th, Ti, Tl, U, V, W, Y, Zn e Zr) por ICP-MS.
abertura em 1981. Os trabalhadores sofreram dores de Para a determinação de 72 elementos nas amostras
cabeça, náuseas, vômitos e irritação da pele como resul- de água dos poços tubulares foram acrescidos ao paco-
tado do incidente. Os operários que foram afetados pela te supracitado, 21 elementos (Br, Cl, Dy, Er, Eu, Gd, Ho,
contaminação precisaram fazer check-ups de sangue Ir, Lu, Nd, Os, Pd, Pr, Pt, Rb, Ru, Si, Sm, Tb, Tm, e Yb).
para controle da exposição ocorrida. Essas análises químicas também foram realizadas no la-
Em Lagoa Real os estudos não mostram um relacio- boratório Acme por ICP-MS. As determinações dos parâ-
namento claro entre a radiação devida ao urânio e o cân- metros físico-químicos foram realizadas no DNOCS (De-
cer. Entre 1999 (fase pré-operacional da mineralização partamento Nacional de Obras Contra as Secas).
de urânio) e 2002 (mina de urânio Cachoeira em ativida- Os dados analíticos individuais e médios das amos-
de) o Sistema de Informações do DATASUS, sobre a tras de solos, rochas e sedimentos foram normalizados

– 151 –
Implicações de Radioelementos no Meio Ambiente, Agricultura e Saúde Pública em Lagoa Real, Bahia, Brasil

Amostra de solo Amostra de rocha

Amostra de água subterrânea


( poço tubular ) Amostra de sedimento de corrente

Ao HORIZONTE DE MÁXIMA ATIVIDADE BIOLÓGICA, ELÚVIOS ( REMOÇÃO DO MA-


TERIAL SUSPENSO, DISSOLVIDO NA ÁGUA OU AMBOS ). PARCIALMENTE
DECOMPOSTO COM FRAGMENTOS ORGÂNICOS E ZONA DE HUMOS

A1 HORIZONTE DE ILUVIAÇÃO ( ACUMULAÇÃO DE MATERIAL POR DEPOSIÇÃO OU


PRECIPITAÇÃO POR PERCOLAÇÃO DA ÁGUA ). O HORIZONTE G DOS SOLOS
HIDROMÓRFICOS PODE APARECER DIRETAMENTE ABAIXO DO HORIZONTE A1.

C ZONA DE INTEMPERISMO DO EMBASAMENTO GRANITO - GNÁISSICO

Nível Estático

R EMBASAMENTO GRANITO - GNÁISSICO

Figura 3 - Representação esquemática de um perfil de solo podzólico , mostrando os principais horizontes e os sítios de amostragem.

pelos valores de Clarke, parâmetro importante na defini- (xi/c>1) nos sedimentos de corrente, solo e rocha. Nesta
ção de assinaturas geoquímicas da litologia e do meio perspectiva foram destacados: Se (13,78x), Bi (5,50x),
secundário. Ce (4,61x), La (4,48x), Th (2,84x), Y (2,42x), Mo (1,82x),
Para as análises químicas de água foram utilizados U (1,43x), Pb (1,28x) e Sn (1,14x). Os outros 41 elemen-
os valores publicados por Levinson (1980) para águas tos analisados, restantes, foram considerados empobre-
naturais (ppb). Para os níveis considerados perigosos cidos (xi/c<1) ou depletados (Figura 4).
para a saúde dos seres vivos, foram usados os limites Na amostragem de rocha evitou-se a zona minerali-
para rios de classe II, da Resolução nº 357/2005, do zada portadora de teores aberrantes (outliers). O enri-
Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA. quecimento dos litotipos é localizado, com uma média
igual a 1,920ppm U, ligeiramente depletados (0,83x).
RESULTADOS A predominância, na região, dos processos morfo-
genéticos associados ao intemperismo químico e ao en-
Embasado nas concentrações e dispersões dos 51 talhe fluvial, favorece aos elevados teores médios de
elementos químicos analisados na interface ro- 4,480ppm U e 3,480ppm U, equivalendo a enriqueci-
cha-solo-água e sedimento de corrente na área de estu- mentos de 1,94x e 1,51x em solo e sedimento de corren-
do, estimou-se, hipoteticamente, que cerca de 10% dos te, respectivamente.
elementos, em média, permanecem no ambiente primá- Para o urânio registrou-se um padrão de distribuição
rio (rocha). Dos 90% dos elementos que migram do am- associável ao Th e ETRL (La e Ce), com comportamento
biente primário para o secundário, aproximadamente geoquímico caracterizado pela abundância dos HFS (High
54% ficam retidos no solo e 36% dispersam-se pela rede Field Strenght), em conformidade com Oliveira (2004).
de drenagem (sedimento de corrente). Menos de 0,1% Destacaram-se oito poços de água subterrânea
dos elementos químicos são solubilizados. Este cenário considerados como poluídos por elemento radioativo
deverá sofrer modificações após a inclusão, no sistema, (urânio). Todos os outros 71 elementos analisados não
do ciclo vegetal-animal-homem. apresentam, a priori, importância significativa à poluição
O urânio surgiu como um dos dez elementos enri- radioativa dos aqüíferos. O risco de contaminação de
quecidos em relação ao teor médio na crosta terrestre água por radiação foi definido pela probabilidade de a

– 152 –
José Erasmo de Oliveira

SELÊNIO BISMUTO CÉRIO LANTÂNIO TÓRIO ÍTRIO MOLIBDÊNIO URÂNIO CHUMBO ESTANHO
Se Bi Ce La Th Y Mo U Pb Sn
14 21x

13

12

11
Xi/C (TEOR MÉDIO/CLARKE)

10

ELEMENTOS

Teor Médio (xi)

Sedimento de Corrente Solo Rocha Sedimento de Corrente + Solo + Rocha


Figura 4 – Assinaturas Geoquímicas em sedimento de corrente, solo e rocha.

contaminação dos poços alcançar teores acima dos pa- encerra a mina Cachoeira, em atividade desde 2000,
drões de qualidade do CONAMA (2005) para águas de com reservas superiores a 20.400 t de U3O8, e uma pro-
abastecimento para consumo humano após tratamento dução anual estimada em 300t de yellow cake.
convencional (0,02 mg/L U). Para as outras duas áreas selecionadas nesta pes-
A conversão do risco numa ameaça de contamina- quisa, recomenda-se o monitoramento ambiental e, se
ção do solo e rocha (pó) foi de 3,0 ppmU. necessário, programas relacionados à saúde pública. A
Com base nos resultados obtidos, foram seleciona- área nº2 foi demarcada na região da fazenda Juazeiro
das áreas-alvo para estudos posteriores, em escala de com elevados teores de urânio em água subterrânea
detalhe. (85ppb U e 93ppb U) e que inclui a jazida Engenho, pon-
to de coleta de amostra de solo com 8,3 ppm U e, com
Áreas - alvo selecionadas reserva total estimada de 27.600 t de U3O8,. A área nº 3
Foram selecionadas três áreas-alvo para propostas foi delimitada a partir de baselines geoquímicas (≥5,0
de estudos detalhados com monitoramento ambiental e ppm U), alcançados em amostras de sedimento de cor-
humano, em parceria com profissionais da área da saú- rente, na região da jazida Monsenhor Bastos, com reser-
de (Figura 5). va total estimada em 2.200t de U3O8.
Na a área nº1 (12 km2), onde o complexo mine- Os poços de água subterrânea situados em São Ti-
ro-industrial da INB de Lagoa Real está situado, reco- móteo, fazenda Muquila e Lagoa Grande são também re-
menda-se o controle/monitoramento permanente do comendados para estudos complementares em geoquí-
meio ambiente e dos trabalhadores da mineradora que mica ambiental e geologia médica (Figura 5 e Tabela 2).

– 153 –
Implicações de Radioelementos no Meio Ambiente, Agricultura e Saúde Pública em Lagoa Real, Bahia, Brasil

Figura 5 – Amostras e áreas selecionadas para estudos complementares do PGAGEM Lagoa Real.

– 154 –
José Erasmo de Oliveira

Tabela 2 – Áreas-alvo e amostras selecionadas para estudos complementares do PGAGEM Lagoa Real
ÁREA ALVO (Nº) MATERIAL
ESTAÇÃO DE
AMOSTRA AMOSTRADO LONGITUDE UTMmE LATITUDE UTMmE
AMOSTRAGEM
INDIVIDUAL (*) (TEOR DE URÂNIO)
EF-S-035 (1) S (5,2ppm) 796.109 8.469.380
EF-S-041 (1) S (14,9ppm) 793.170 8.470.054
EF-S-042 (1) S (6,3ppm) 791.503 8.468.748
EST-043 (1) A (29,89ppb) 92.554 8.469.283
R (9,9ppm), S (8,7ppm)
R (9,9ppm), S (8,7ppm)
EST-045 (1) L (13,1ppm) 792.554 8.469.283
EST-047 (1) A (158,79ppb) 796.258 8.468.982
EST-048 (1) A (41,39ppb) 796.349 8.468.982
EST-058 (1) A (42,11ppb) 795.749 8.469.438
EF-S-030 (2) S (5,0ppm) 797.341 8.465.425
EST-072 (2) A (566,85ppb) 799.705 8.465.694
EST-073 (2) A (105,93ppb) 799.993 8.465.635
EST-074 (2) L (8,2ppm) 793.075 8.463.199
EF-S-001 (3) S (5,2ppm) 807.105 8.439.738
EF-S-002 (3) S (5,2ppm) 805.444 8.438.631
EF-S-005 (3) S (5,8ppm) 799.481 8.439.462
EF-S-009 (3) S (5,0ppm) 794.461 8.439.563
EF-S-015 (3) S (6,3ppm) 791.835 8.440.462
EST-062 (*) L (10,7ppm) 788.513 8.457.279
EST-065 (*) A (21,03ppb) 809.690 8.451.388
EST-067 (*) A (98,48ppb) 806.517 8.467.984

MATERIAL AMOSTRADO: A (água), L (solo), R (rocha) e S (sedimento de corrente

(1) Área-alvo do Complexo Minero Industrial da INB (2) Área-alvo fazenda Juazeiro (3) Área-alvo Monsenhor Bastos
(*) Poços tubulares recomendados para serviços complementares de geoquímica ambiental e geologia médica

CONCLUSÕES 1) O método utilizado permitiu descrever assinatu-


ras geoquímicas e hidrogeoquímicas compatíveis com
Geocientistas de todo mundo têm investigado as os padrões obtidos através dos resultados analíticos das
correlações entre geoquímica e saúde nos últimos 50 rochas e solos coletados no mesmo sítio de amostra-
anos. Mas, no Brasil, esse tema se tornou de importância gem, e evidenciaram oito poços de água subterrânea
crescente somente nos últimos 5 anos. Grupos de traba- como poluída ou, particularmente, contaminada por po-
lho formados por geocientistas, médicos, biólogos, geó- luente radioativo (urânio).
grafos, químicos e outros profissionais de diferentes áre- 2) Em Lagoa Real, nos últimos anos tem se dado
as do conhecimento científico, de várias instituições go- maior ênfase ao risco à saúde humana relacionado à
vernamentais e universidades, têm colaborado para o contaminação das águas subterrâneas do que aos
desenvolvimento dessa nova ciência - geologia médica, problemas intrínsecos à exploração da mina de urânio
no Brasil. O Programa Nacional de Pesquisa em Geoquí- Cachoeira, uma vez que a renovação da água do aqüí-
mica Ambiental e Geologia Médica – PGAGEM agrega fero, predominantemente tipo fissural, é lenta, dificul-
esses pesquisadores através de uma rede na internet tando a recuperação de suas características qualitati-
(regagem@ige.unicamp.br). vas.
Da aplicação metodológica, avaliação, interpreta- 3) A maioria dos poços poluídos pelo urânio, corres-
ção e integração dos dados do estudo na região de La- ponde a aqüíferos com média a alta salinidade e tam-
goa Real foram obtidas as seguintes conclusões: bém com expressivos teores em selênio, significando

– 155 –
Implicações de Radioelementos no Meio Ambiente, Agricultura e Saúde Pública em Lagoa Real, Bahia, Brasil

água imprópria para consumo humano e até mesmo AGRADECIMENTOS


para outras atividades como dessedentação de gado e
irrigação. O autor agradece ao biólogo José Jorge Souza de
4) Tratando-se de uma zona rural, deve-se estudar Carvalho, chefe do Laboratório de Solos e Água de Sal-
amostras de solos agrícolas, considerando que alguns vador (DNOCS) e ao geólogo Evandro Carele de Matos,
deles podem estar sendo irrigados com água poluída ou Coordenador de Desenvolvimento de Jazidas-CDEJA,
contaminada. da INB, pelo incentivo e apoio à execução deste estudo,
5) A dependência exclusiva da população local e da o PGAGEM Lagoa Real.
mineradora INB quanto ao aporte de água subterrânea,
conduz a possíveis conflitos de uso, que poderá levar à REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
insustentabilidade do recurso hídrico, principalmente no
caso de contaminação de lençol freático. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução
6) Apesar da situação atual da produção/demanda CONAMA nº 357/ 17 de março/ 2005. Disponível em:
o

da água da mineradora ser considerada satisfatória, tal <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res05/res


condição pode ser revertida considerando que vários 35705.pdf>. Acesso em janeiro 2006.
poços da região estão se exaurindo. DARNLEY, A.G et al. A global geochemical database: for
7) O urânio, por ser uma substância radioativa e environmental and resource management. Canadá:
letal, apesar dos avanços tecnológicos, os riscos de UNESCO, 1995. 122p. il. (Earth Sciences, 19).
contaminação são sempre elevados, sendo assim, são LEVINSON, A.A. Introduction to exploration geoche-
indispensáveis constantes monitoramentos ambiental mistry. 2.ed. Wilmette, USA : Applied Publishing,
e humano. A indústria de produção do concentrado de 1980. p. 615-924. Suplemento.
urânio (yellow cake), de Lagoa Real, faz parte da pri- OLIVEIRA, J.E. Correlação geológica-geoquímica- geofísi-
meira etapa do beneficiamento no ciclo de combustí- ca de Lagoa Real-BA para aplicação em geologia mé-
vel nuclear, e a técnica de lixiviação em pilhas elimina dica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEOLOGIA,
muitas fases do processo industrial, o que significa 42., 2004, Araxá, MG. Anais... Araxá, MG : SBG. Nú-
menor risco ao meio ambiente, à agricultura e à saúde cleo Minas Gerais, 2004. 1 CD ROM. Simultaneamnte
pública. EXPOGEO 2004.
8) Embora o número de casos com mortes por cân- RICHARDS, L.A. (Ed.). Diagnosis and improvement of
cer nos últimos anos em Lagoa Real seja estatisticamen- saline and alkalis soils. Washington : U.S. Govern-
te muito pequeno, os resultados desse estudo enfatizam ment Printing Office, 1954. (USDA Handbook, n.60).
a necessidade de pesquisas complementares sobre a SALMINEM, R. et al. Foregs geochemical mapping field
correlação entre o urânio e o câncer na área da Província manual. Espoo: Geological Survey of Finland, 1998.
Uranífera Lagoa Real. 39 p.il.

– 156 –
Wilson Scarpelli

AMIANTO: O QUE É
IMPORTANTE CONSIDERAR
Wilson Scarpelli, wiscar@attglobal.6net

INTRODUÇÃO rais, todos contendo ferro: a actinolita, a antofilita, a cro-


cidolita, a cummingtonita e a tremolita. Além de conte-
Ao leigo, amianto ou asbesto é um mineral que deve rem ferro, elemento que não ocorre na crisotila, as fibras
ser evitado a toda a prova, devido ao seu poder cancerí- dos anfibólios são menos flexíveis e mais rígidas que as
geno. Sem dúvida, existem tantos casos comprovados fibras de crisotila. A figura 1 apresenta detalhes desses
de câncer devidos ao amianto que é plenamente justifi- minerais utilizáveis como amianto.
cável procurar conhecer bem o assunto e tomar todas as
providências cabíveis para banir ou controlar seu uso AMIANTO E A SAÚDE
quando nocivo.
No entanto, é necessário considerar que há um Inspiração pelos pulmões de material particulado
grande número de minerais que apresentam proprieda- O corpo humano tem, nas narinas, formas para de-
des físicas de amianto e que podem ser usados como ter e remover pequenos fragmentos inspirados pela res-
amianto. Esses minerais têm composições químicas di- piração, evitando que alcancem os pulmões. Mesmo as-
ferentes e comportamento físico também algo diferente sim, muitos fragmentos, geralmente menores que 10 mi-
entre si. Em conseqüência, têm diferentes potencialida- cras, chegam aos pulmões. Nos pulmões esses frag-
des de serem cancerígenos. mentos são envolvidos por células macrofágicas,
formando-se pequenas massas que são expelidas com
DEFINIÇÃO DE AMIANTO (ASBESTO) pequenas tossidas.

O “Glossary of Geology”, do American Geological Asbestose


Institute (1980), apresenta clara definição de amianto, Abestose e outras formas de câncer no pulmão
nesta tradução para a língua portuguesa: “Asbestos - ocorrem quando fibras desses minerais, aspiradas pelo
Um termo comercial usado para um grupo de minerais pulmão juntamente com outras partículas aspiradas com
silicáticos que se partem em fibras finas e fortes, que são o pó de cada dia, não são expiradas e ficam retidas no
flexíveis, resistentes ao calor e quimicamente inatacáve- pulmão, eventualmente causando inflamações e cresci-
is, sendo usadas (em papel, pinturas, pastilhas de frena- mentos celulares anormais. Esse processo não é eficien-
gem, cerâmicas, isolantes de calor, cimento, enchimen- te com partículas prismáticas longas e rígidas, que são
tos e filtros) onde é necessário empregar material não mais difíceis de serem envolvidas, e, principalmente, se
combustível, de baixa condutibilidade elétrica e resis- contiverem ferro. Detalhes e fotos são apresentados na
tente a ataques químicos.” São essas excepcionais ca- figura 2.
racterísticas físicas e químicas que levam às vantagens
industrias do uso do material. Influência do hábito de fumar na incidência de
asbestose
MINERAIS USADOS COMO AMIANTO Fator muito importante a considerar é que a incidên-
cia de asbestose é expressivamente maior em fumantes
Minerais asbestiformes, de hábito acicular e usáveis que não fumantes. A imensa maioria das pessoas com
como amianto, são encontrados em dois grupos minera- asbestose é fumante. Embora o fumo tenha em sua com-
is, entre as serpentinas e entre os anfibólios. Entre as ser- posição muitos componentes cancerígenos, que por si
pentinas há apenas um mineral, a crisotila, um silicato hi- só podem causar câncer, há que considerar que o ar
dratado de magnésio. Entre os anfibólios há cinco mine- aquecido inspirado aos pulmões pelos fumantes pode

– 157 –
Ami an to: O que é Impor tan te Con si de rar

ser agen te ace le ra dor das re a ções quí mi cas que le vam dos. O mi né rio con tém pe que nas quan ti da des de tre-
à oxi da ção das fi bras com fer ro. molita as bes ti for me e sua lavra e moagem le va ram ao
Também aqui há si mi la ri da de com o que ocor re na aparecimento de gran de nú me ro de ca sos de cân cer
in tem pe ri za ção das ro chas, onde o ca lor é im por tan te fa- por as bes to se em Libby e, tam bém, em ou tras lo ca li da-
tor na in ten si da de das re a ções quí mi cas que al te ram as des para onde a ver mi cu li ta con ten do tre mo li ta foi en vi-
rochas. a da, para usos em cons tru ções e adi ções ao solo.

Asbes to se em tra ba lha do res de pe dra-sabão CONSIDERAÇÕES GEOLÓGICAS SOBRE A CAUSA


Ca sos de cân cer de vi do a an fi bó li os pre sen tes em DE ASBESTOSE
pe dra-sabão têm sido des cri tos na literatura, ocorrendo
prin ci pal men te nas re giões onde a pe dra-sabão é cor ta- Ao en vol ver as fi bras con ten do fer ro, as cé lu las ma-
da e po li da na produção de peças de arte, de cons tru- crofágicas podem reagir com elas, oxidando o fer ro bi-
ção e de ar qui te tu ra. Be zer raet al.(2003), pes qui san do a valente para trivalente, causando for ma ção de hi dró xi-
si tu a ção de tra ba lha do res de pe dra-sabão em Ouro Pre- dos de fer ro, como go et hi ta ou li mo ni ta, os qua is po dem
to, Mi nas Ge ra is, con clu em que “O es tu do da com po si- ade rir à pa re de do pul mão e im pe dir a re mo ção do mi ne-
ção da poeira re ve lou a pre sen ça de fi bras res pi rá ve is ral. Esta al te ra ção não ocor re com a cri so ti la, mi ne ral que
de as bes to do gru po dos anfibólios(tremolita-actinolita). não con tém fer ro. Caso as cé lu las ma cro fá gi cas ve nham
Esses resultados sugerem a ocorrência de tal- a reagir quimicamente com a crisotila, as fibras se rão
co-asbestose en tre os ar te sãos em pe dra-sabão.” Cha- des tru í das, pois não há for ma ção de mi ne ral se cun dá rio
mar tais formas de cân cer de “tal co se” não pa re ce ser de mag né sio.
cor re to, vis to que os mi ne ra is ca u sa do res são an fi bó li os Este processo de alteração é mu i to si mi lar ao que
asbestiformes. ocor re du ran te a in tem pe ri za ção das ro chas com es ses
minerais. São poucos os afloramentos de rochas com
Asbestose em outros depósitos com anfibólios anfibólio que apre sen tam es ses mi ne ra is sem al te ra ção
asbestiformes à superfície. Em comparação, a serpentina crisotila é
Um dos casos mais emblemáticos de asbes to se mu i to re sis ten te ao in tem pe ris mo, nor mal men te aflo ran-
de vi da a an fi bó li os é o que re sul tou da la vra de um de- do “fres ca” nas ul tra má fi cas ser pen ti ni za das e ser pen ti-
pó si to de ver mi cu li ta em Libby, Mon ta na, Esta dos Uni- ni tos que a con tém.

Gru po Mi ne ral das Ser pen ti nas Gru po Mi ne ral dos Anfi bó li os

Mi ne ra is mi cá ce os ou fi bro sos, pro du tos de al- Mi ne ra is fi bro sos, cons ti tu in tes pri má ri os de ro chas íg ne as me ta mór fi cas.
te ra ção de oli vi nas e pi ro xê ni os.

Em ser pen ti ni tos e ul tramáficas ser pen ti ni sa- Em ro chas íg ne as áci das, in ter me diá ri as, bá si cas e al ca li nas e em ro chas me ta mór f i cas (gna is-
das. ses, an fi bo li tos e xis tos).
Cri so ti la - Mg 3S i2O5(OH)4

Crisotila asbestiforme Antofilita asbestiforme Tremolita asbestiforme

Figura 1 – Relação e composição química dos minerais usados como amianto.

– 158 –
WilsonScarpelli

“Fibras de amianto nos pulmões. A maior parte das


fibras é expelida, mas algumas podem ser retidas,

podendo causar inflamações. Afetação por amianto

ocorre quando se é exposto a altas concentrações,


por longos períodos de tempo. Fibras longas e mais

duráveis, como as de anfibólio, são piores. Fumar

aumenta muito o risco de câncer nos pulmões.”

ASTDR (2005)

“Fibras de amianto em fluido bronquioalveolar,


retirado com lavagem de pulmão de homem com

forte exposição a amianto. Células macrofágicas

aderem à fibra maior. Abaixo, à direita, uma fibra

menor está envolvida por um grupo de células


macrofágicas.”

(Agius, 2005)

“Fibra de asbesto, em grande aumento, envolvida

por células macrofágicas. A fibra está coberta por

hidróxido de ferro e proteínas. Há pequenas

inclusões escuras em muitas das células

macrofágicas, provavelmente resultantes de

fumo.”

(Agius, 2005)

Fi gu ra 2 – Fi bras de ami an to no pul mão.

– 159 –
Amianto: O que é Importante Considerar

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAPELOZZI, V.L. Asbesto, asbestose e câncer: critérios


diagnósticos. Jornal de Pneumologia, v. 27, n. 4, p.
AGIUS, R. “Asbestos and Disease”. Disponível em:< 206-218, 2001.
http://www.agius.com/hew/resource/asbes- U.S. Agency for Toxic Substances and Disease Registry -
tos.htm>. Acesso em: 07 ago. 2006. ASTDR. Asbestos, Asbestos Exposure and Your He-
BEZERRA, O.M.P.A.; DIAS, E.C.; GALVÃO, M.A.M.; alth. Disponível em: <http://www.atsdr.cdc. Gov./as-
CARNEIRO, A.P.S. Talcose entre artesãos em pe- bestos/index.html>. Acesso em: 07 ago. 2006.
dra-sabão em uma localidade rual do Município de U.S. Environmental Protection Agency - EPA. Pollution
Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. Cadernos Saúde Report Libby Asbestos; Ref. 8EPR-ER. Disponível
Pública, Rio de Janeiro, v.19, n.6, p. 1751-1759, em: <http://www.epa.gov/region8/superfund/pdfs/
2003. LibbyPol2.pdf> Acesso em: 07 ago. 2006.

– 160 –
Aderson Marques Martins

CRENOTERAPIA DAS
ÁGUAS MINERAIS DO
ESTADO DO RIO DE
JANEIRO

¹Aderson Marques Martins, admarques@drm.rj.gov.br


¹Kátia Leite Mansur, kmansur@drm.rj.gov.br
¹Thaís Salgado Pimenta, thais@drm.rj.gov.br
²Lucio Carramillo Caetano, carramillo@gmail.com
¹Departamento de Recursos Minerais – DRM-RJ
²Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM

INTRODUÇÃO des pagãs dos lugares tutelares das fontes pelos santos
e santas da Igreja Católica.
As águas minerais constituem um dos meios mais A documentação científica sobre o assunto come-
antigos de que os homens dispuseram para finalidades çou a aparecer em 1604, quando é promulgada a primei-
de tratamento da saúde. Através de provas clínicas mile- ra legislação de águas minerais na França, por Henrique
nares, elas se consagraram ao longo da História pelo IV. No século XVIII, a Hidrologia se consolidou com os re-
uso generalizado e eficaz nos mais variados tipos de en- sultados de um trabalho de mais de duas mil observa-
fermidades em diferentes épocas e em todas as partes ções realizadas em Baréges, por Teófilo de Bordeu, e
do mundo. com várias publicações da Sociedade Real de Medicina
Na mais remota antigüidade as virtudes das fontes da França (Duhot & Fontain, 1963). No período entre as
hidrominerais foram consideradas como manifestações duas guerras mundiais, se dá o nascimento da moderna
sobrenaturais e fenômenos religiosos. Deuses, ninfas e indústria de águas engarrafadas.
outros simbolismos, foram os primeiros protetores das No Brasil, o Imperador D. Pedro II criou em 1848, a
fontes, enquanto sacerdotes e curandeiros, os primeiros estação hidromineral de Caldas da Imperatriz, em Santa
hidroterapeutas. Na Grécia Antiga, Aristóteles procla- Catarina, dando início à utilização de águas minerais em
mou a virtude dos vapores emanados das fontes termais, balneários no país. Nas primeiras décadas do século XX
enquanto Platão discutiu a origem das águas minerais. começam a aparecer estudos sobre as nossas águas
Heródoto, um dos maiores pensadores romanos, esbo- minerais, principalmente após 1930, com a criação do
çou os princípios da Crenoterapia (do grego Crenos = Departamento Nacional da Produção Mineral - DNPM.
Fonte). Daí em diante, a indústria de águas minerais, tanto de
Fatos relacionados à utilização de águas minerais balneários como de envasamento se consolida no país,
são freqüentes nos documentos históricos. Consta na Bí- notadamente com as descobertas das fontes do Sul do
blia, que no tanque de Bethsaida, em Jerusalém, reuni- país e de Minas Gerais (São Lourenço, Caxambu, Lam-
am-se multidões de enfermos em busca da cura. Na Eu- bari, Araxá, Poços de Caldas, Cambuquira, etc.) e de
ropa, antes da ocupação Romana, os gauleses já utiliza- São Paulo (Lindóia, etc.). Em 1945, entra em vigor o Có-
vam algumas das suas numerosas fontes termais. Con- digo de Águas Minerais (Decreto-Lei nº 7.841, publicado
tudo, a organização das estâncias foi iniciada com Júlio no DOU de 20 de agosto de 1945) que define e classifica
César, época em que tiveram um período de apogeu. nossas águas minerais, regulamentando sua pesquisa,
Durante a Idade Média, foram substituídas as divinda- exploração, industrialização e comercialização.

– 161 –
Crenoterapia das Águas Minerais do Estado do Rio de Janeiro

O Estado do Rio de Janeiro teve sua primeira fonte hi- priedades físicas, químicas ou físico-químicas distintas
dromineral descoberta em 1887, no município de Paraíba das demais águas, fenômeno muita vezes observado e
do Sul. A água dessa fonte, hoje paralisada, foi classifica- confirmado por provas clínicas. Tal evidência é atribuída
da como Bicarbonatada-Sódica Alcalina, era conhecida a concentrações infinitesimais (ppb) de elementos ou
como salutar, vindo daí sua marca “Salutaris”, sob a qual substâncias químicas, denominadas genericamente de
era envasada desde 1898. Em 1941, foi construído um ho- oligoelementos, responsáveis por suas propriedades me-
tel e uma área de lazer, que lá estão até os dias de hoje, dicinais. Essas águas são denominadas oligominerais ou
quando passou a denominar-se “Parque de Águas Salu- oligometálicas. No Brasil, essas águas são classificadas
táris”, constituindo-se na primeira Estância Hidromineral pelo Código de Águas Minerais como oligominerais.
do Estado do Rio de Janeiro. Em 1972, em Viena, a FAO - Organização para a Ali-
Um ano após o descobrimento da Água Salutáris, foi mentação e a Agricultura, e a OMS - Organização Mundi-
descoberta a Água Mineral Santa Cruz, pelo escravo re- al de Saúde, ambos organismos das Nações Unidas,
cém-alforriado Domingo Camões, conhecido pela alcu- promoveram um encontro de vários países visando um
nha de “Beiçola”. A partir de 1909, esse ex-escravo inici- Código Mundial de Águas Minerais, onde o ponto de ma-
ou o engarrafamento artesanal dessa água, então deno- ior controvérsia foi exatamente o conceito de “proprieda-
minada de Água Santa, em embalagens de vinho de 5 li- des favoráveis à saúde”, não se havendo chegado a um
tros, entregues de porta em porta, transportadas em acordo nessa questão.
lombo de burros. Só em 1914, surgiu a empresa de Segundo o Código de Águas Minerais brasileiro,
Águas Santa Cruz Ltda., que se mantém até os dias atua- uma água pode ser considerada mineral (Caetano &
is, no bairro Água Santa, que perpetua o nome da fonte, Yoshinaga, 2003; Caetano, 2005) de acordo com:
no subúrbio carioca.
Atualmente existem 34 empresas envasadoras de a Sua composição química (Tabela 1) - quando for
água mineral operando comercialmente no Estado do predominante a presença de um determinado ele-
Rio de Janeiro, distribuídas por todo o seu território. mento ou substância;
b Quando possuírem comprovada ação medicamen-
CONCEITUAÇÃO tosa constatada e aprovada pela Comissão Perma-
nente de Crenologia, vinculada ao DNPM (oligomi-
Denominam-se águas minerais as “águas provenien- nerais); e
tes de fontes naturais ou artificialmente captadas, que c Suas características físico-químicas na fonte:
possuam composição química ou propriedades físicas ou • quando houver uma vazão gasosa de radônio en-
físico-químicas distintas das águas comuns, com carac- tre 5 e 50 unidades Mache (radioativas);
terísticas que lhes confiram uma ação medicamentosa” • quando houver uma vazão gasosa de tório igual a
(DNPM, 1966). Esta conceituação, do Código de Águas 2 unidades Mache (toriativas);
Minerais do Brasil, é a mais aceita, embora existam outras • quando possuírem desprendimento definido de
definições baseadas em tipos de águas minerais que não gás sulfídrico (sulfurosas) e;
se enquadrem completamente no critério acima. • frias, hipotermais, mesotermais, isotermais e hi-
Para a escola francesa, por exemplo, água mineral é pertermais: quando a temperatura for respectiva-
qualquer água natural de fonte dotada de propriedades mente inferior a 25°C, entre 25 a 33°C, entre 33 e
terapêuticas, mesmo que não possua as citadas pro- 36°C, entre 36 e 38°C e acima de 38°C.

Tabela 1 – Características das Águas Minerais (modificado de Caetano & Yoshinaga, 2003; Caetano, 2005)

Classificação Características
Radíferas Substâncias que lhe dêem radioatividade permanente
Alcalina Bicarbonatada Bicarbonato de sódio = ou > 200mg/L
Alcalino Terrosas Carbonato de cálcio = ou > 120mg/L
Alcalino Terrosas Cálcicas Cálcio = ou > 48mg/L como bicarbonato de cálcio
Alcalino Terrosas Magnesianas Mg = ou > 30mg/L como bicarbonato de magnésio
Sulfatadas Sulfatos de Na, K, e ou Mg = ou > 100 mg/L
Nitratadas Nitratos de origem mineral = ou > 100 mg/L
Cloretadas Cloreto de sódio = ou > 500mg/L
Ferruginosas Ferro = ou > 5mg/L (Ex.: Salutaris - RJ)
Carbogasosas Gás carbônico livre dissolvido = ou > 200 mg/L
Elemento Predominante (> 0,01mg/l) Iodetada; Litinada; Fluoretada; Brometada; Vanádica, etc.

– 162 –
Aderson Marques Martins

Atualmente, a OMS, através do Codex Alimentarius Além das águas minerais propriamente ditas, o Có-
define as águas minerais naturais tão somente como digo de Águas Minerais define as águas potáveis de
aquelas que se caracterizam pela concentração de cer- mesa como “águas de composição normal, provenien-
tos sais minerais, pela presença de oligoelementos ou ou- tes de fontes naturais ou artificialmente captadas, que
tros constituintes. Nos Estados Unidos da América o ór- preencham tão somente as condições de potabilidade
gão responsável pelo setor, a Food and Drug Administra- para a região“. Estas águas são denominadas águas na-
tion (FDA), exige um mínimo de 250 mg/L de sólidos totais turais pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária –
dissolvidos para classificação da água como mineral. ANVISA, vinculada ao Ministério da Saúde.
De acordo com a Comunidade Econômica Européia A ANVISA também permite o envasamento das
- CEE (Directiva 80/777/CEE/1980), as águas minerais se águas purificadas, adicionadas de sais como águas de
distinguem das demais águas por sua natureza e é ca- diversas origens, mineralizadas artificialmente ou ozoni-
racterizada pela concentração de minerais, oligoele- zadas.
mentos ou outros constituintes e, caso contrário, por cer-
tos efeitos e por sua pureza original, com uma e outra ca- A ATUALIDADE DO CONSUMO DAS ÁGUAS
racterística conservada intacta, em razão da sua origem MINERAIS
subterrânea, protegidas de qualquer risco de poluição.
Antes da legislação da CEE, era exigida a apresenta- Algumas razões podem explicar o crescente consu-
ção de um mínimo de sólidos totais dissolvidos (STD) mo de água mineral. O afastamento humano da natureza
igual ou superior a 1.000 mg/L ou 250 mg/L de CO2 livre produzido pelo progresso tecnológico gera uma resistên-
para o enquadramento da água como mineral natural. A cia no inconsciente coletivo da humanidade, que buscan-
classificação atual de água mineral natural na Comunida- do uma alternativa entre o artificialismo da água tratada
de Européia segue os padrões constantes na tabela 2 . das redes públicas e a água contaminada pela poluição
Na França a implantação de uma indústria de enva- crescente dos mananciais, encontrou uma saída na água
se de água mineral depende do Serviço das Minas (Mi- mineral que, além de tudo, é favorável à saúde. Assim,
nistério da Indústria, Direções Gerais da Indústria, da surgiu um mercado de água mineral, usada como bebida
Pesquisa e do Meio Ambiente) e do Ministério da Saúde, ou complemento alimentar, em constante expansão.
após a obtenção por parte do interessado do laudo da Além da disseminação do consumo de água enva-
Academia de Medicina sobre as propriedades terapêuti- sada, as estâncias hidrominerais também continuam em
cas da água. alta. Em certos países da Europa, como na França, se
Observa-se, portanto, uma crescente preocupação mantém a tradição de célebres estações como Vichy e
em torno da definição de critérios para a classificação das Aix-les-Bains, que, pelo seu potencial turístico, são uma
águas como minerais e que a tendência é pela adoção de perene fonte de riqueza. No Brasil, também as famosas
limites mínimos de teores de sais minerais. A reforma do estâncias como as de Caxambu, São Lourenço e Poços
Código de Águas Minerais do Brasil é uma demanda sen- de Caldas, em Minas Gerais, e Águas de Lindóia e Serra
tida no meio da comunidade profissional e científica. Negra, em São Paulo, recebem grande afluxo de turistas
Duas tentativas de alteração do Código de Águas não só do país como de além-fronteiras.
Minerais foram feitas respectivamente pela Presidência Hoje, depois de um relativo declínio da medicina
da República, em 2002,e pelo DNPM, em 2003, que envi- crenológica, observa-se uma retomada do uso da água
ou um texto para consulta pública. O texto propunha que mineral, com o surgimento de novas especializações da
qualquer água subterrânea, desde que potável e captada medicina, a exemplo da medicina ortomolecular. Esta
de forma a não permitir contaminação, fosse considerada nova tendência surge na busca de um modelo de vida
uma água mineral de baixa, média ou alta mineralização. alternativo ao artificialismo, presente principalmente na
Com esses critérios tão abrangentes, a legislação brasi- alimentação industrializada dos dias atuais, coadjuvado
leira se afastaria ainda mais das bases européia e ameri- pela poluição e pela vida sedentária. Segundo a medici-
cana de definição de água mineral. Após receber diver- na ortomolecular, hoje ingerimos uma série de toxinas e
sas contribuições , entretanto, a iniciativa não foi avante produtos nocivos à saúde, incluindo aditivos alimentares
e a reforma ainda não se concretizou. sintéticos, agrotóxicos e metais pesados, alimentos irra-

Tabela 2 – Classificação da Água Mineral pela CEE . (modificada de Caetano & Yoshinaga, 2003; Caetano, 2005)
Classificação Exigência
Mineralização Muito Baixa <ou = 50mg/L de STD
Mineralização Baixa (Oligominerais) entre 50mg/L e 500mg/L de STD
Mineralização Elevada > 1.500mg/L de STD

– 163 –
Crenoterapia das Águas Minerais do Estado do Rio de Janeiro

diados e transgênicos (cujos efeitos ainda não estão por gases e vapores nelas presentes, essas águas emer-
bem esclarecidos) que interferem no nosso metabolis- gem a superfície sob a forma de fontes (Figura 1).
mo, levando ao enfraquecimento biológico e energético A formação da água mineral começa na atmosfera
e, assim, a uma grande quantidade de doenças. Nesse onde, sob a forma de chuva, absorve alguns elemen-
quadro, a água mineral figura entre o arsenal de recur- tos do ar. Ao penetrar o solo recebe a influência da
sos terapêuticos que não se limitam apenas a combater zona não saturada até penetrar nas rochas onde sofre-
sintomas, mas a agir de forma mais global. Assim a água rá a última etapa de sua mineralização. O tempo entre
mineral é tida como fonte de sais minerais e micronutri- a infiltração e a descarga depende da extensão per-
entes de que o organismo se tornou empobrecido (Bon- corrida, podendo variar de dezenas a milhares de
tempo, 2002). anos. A composição química reflete a percolação em
camadas geológicas, isto é, em seu percurso descen-
ASPECTOS GEOLÓGICOS dente, a água fica submetida a temperaturas e
pressões elevadas, solubilizando rochas e minerais
Com os conhecimentos modernos sobre o ciclo hi- (Martins et al., 2002). Esta teoria tem base no gradiente
drológico e a distribuição da água no planeta, sabe-se geotérmico, que prevê um aumento de 1°C para cada
que as águas minerais têm origem, como toda água sub- 30 metros de profundidade.
terrânea, na precipitação pluviométrica e na infiltração a A teoria de origem magmática tem como argumento
grandes profundidades na crosta terrestre. as fontes termais e gasosas e as águas ricas em elemen-
Dessa forma, água mineral é um tipo particular de tos pouco encontrados nas camadas superiores da Ter-
água subterrânea cuja formação resulta da ressurgência ra. Embora esta teoria esteja hoje ultrapassada, é admis-
das águas das chuvas infiltradas a grandes profundida- sível uma origem mista, em que as águas meteóricas, in-
des através de fraturas e falhas, em velocidade muito filtradas a grandes profundidades, receberiam em seu
lenta. Ao defrontar-se com descontinuidades de estrutu- percurso a contribuição de água juvenil proveniente de
ras geológicas (falhas, diques, etc.), impulsionadas pelo um veio hidrotermal ou outro evento magmático, como
peso da coluna de água superposta e, em certos casos, vulcanismo ou plutonismo (Figura 2).

Figura 1 – Origem das águas minerais.

– 164 –
Aderson Marques Martins

As águas minerais no
Estado do Rio de Janeiro
ocorrem em geral sob a forma
de fontes naturais. Na sua
maior parte tiveram sua des-
coberta a partir da observa-
ção popular sobre seus efei-
tos medicinais, o que levou à
realização de análises das
suas águas. Este foi o caso
da Água Iodetada de Pádua e
da Água Mineral Raposo.
O Mapa Geológico Sim-
plificado do Estado do Rio de
Janeiro, apresentado na figu-
ra 3, mostra a distribuição das
águas minerais conhecidas,
agrupadas de acordo com a
composição predominante.

INDICAÇÕES
TERAPÊUTICAS DAS
ÁGUAS MINERAIS DO
ESTADO DO RIO DE
JANEIRO

O tratamento crenoterá-
pico deve ser efetuado no lo-
cal, já que as águas só têm
plena atividade nas fontes, e
Figura 2 – Origem mista das águas minerais dirigido e controlado por um
médico crenologista, que fará
exames periódicos indispen-
sáveis.
Andrade Júnior (1937), um dos primeiros pesquisa- Em geral há dois tipos de tratamento: o interno
dores sobre a origem das águas minerais brasileiras, (água introduzida no organismo como medicamento) e o
partindo da distribuição geográfica das nossas principa- externo. No tratamento interno, além da ingestão pura e
is fontes, verificou que elas se encontram ao longo de fai- simples via oral, há também as injeções subcutâneas in-
xas de direção geral NE/SW cobrindo de Norte a Sul o tramusculares e intravenosas que se praticam com algu-
país, coincidindo essas faixas com as das nossas gran- mas águas isotônicas ou isotonizadas. No externo, as
des cadeias de montanhas. A interpretação geológica técnicas terapêuticas vão desde simples banhos em du-
deste fato levou-o a concluir que as nossas fontes hidro- chas e banheiras, saunas e aerossóis, até aplicações lo-
minerais estão relacionadas com o magma alcalino e a cais como compressas, etc.
um sistema de fraturas geológicas profundas, que cor- Apesar das inúmeras propriedades terapêuticas
tam o país de Norte a Sul, na direção geral NE/SW. Essa apresentadas na tabela 3 (apenas é apresentado o uso
opinião é compartilhada por Frangipani (1995), que, sem hidropínico, ou seja, pela ingestão), o consumo das
entrar no mérito das relações com o magma alcalino, re- águas minerais deve ser orientado por um médico especi-
laciona essas fontes com as faixas de dobramentos e fa- alizado, uma vez que existem contra-indicações de acor-
lhamentos, nas bordas das áreas cratônicas e das baci- do com o tipo de água e das características de cada pes-
as sedimentares e, também, nas áreas onde o embasa- soa. Este é o caso das águas com alto teor em sais que
mento foi afetado por tectonismo. Essas regiões apre- não devem ser ingeridas continuadamente por hiperten-
sentam estruturas que permitem a circulação de águas a sos. Da mesma forma, águas com elevada concentração
grande profundidade e seu retorno à superfície, em for- de cálcio não são indicadas para pessoas com tendência
ma de fontes. a desenvolver cálculos renais ou vesiculares.

– 165 –
Crenoterapia das Águas Minerais do Estado do Rio de Janeiro

Em relação às águas radioativas, há controvérsia so- CAETANO, L.C. A Política de Água Mineral: uma pro-
bre os seus efeitos benéficos ou não para a saúde, de- posta de integração para o Estado do Rio de Janeiro.
pendendo da linha seguida pelos médicos. Os ortomole- 2005. 329 p. Tese (Doutorado em Ciências) - Instituto
culares e crenologistas fazem sua defesa desde que utili- de Geociências, Universidade Estadual de Campi-
zada devidamente supervisionada, enquanto os alopatas nas, Campinas, 2005.
mostram precaução em relação aos efeitos da radiação. DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO
Segundo Mourão (1992), renomado médico crenolo- MINERAL - DNPM. Código de Águas Minerais: De-
gista, em seu livro “Medicina Hidrológica”, o Estado do Rio creto-Lei nº 1.985, de 29-1-1940. 3.ed. Rio de Janei-
de Janeiro apresenta três categorias principais de fontes ro, 1966.
hidrominerais incluídas no Código Brasileiro de Águas Mi- DUHOT, E.; FONTAN, M. Le Thermalisme. Paris : Presses
nerais: (a) radioativas; (b) alcalino-terrosas bicarbonata- Universitaires de France, 1963. 126 p.
das; e (c) carbogasosas. Uma menção especial é feita FALCÃO, H., 1978. Perfil analítico de Águas Minerais. Rio
para a Água Iodetada de Pádua, considerada uma água de Janeiro : DNPM, 1978. v. 2 (Boletim DNPM, 49).
rara por conter Iodo em concentração que permite o seu FRANGIPANI, A. Origem das Águas Minero-Medicinais.
emprego terapêutico em doenças do aparelho circulatório, In: TERMALISMO no Brasil. [S.l.]:Sociedade Brasilei-
especialmente arteriosclerose e hipotireoidismo. ra de Termalismo- Minas Gerais, 1995.
HIDROMINAS. As estâncias hidrominerais do Estado de
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Minas Gerais: divisão e considerações gerais. Belo
Horizonte, 1969.
ANDRADE JUNIOR, J. F. Águas minerais brasileiras. Mi- LOPES, R. S. Águas minerais do Brasil: composição, va-
neração Metalurgia, Rio de Janeiro, v. 2, n. 9, 1937 . lor e indicações terapêuticas. 2.ed. Rio de Janeiro :
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE ÁGUAS Serviço de Informação Agrícola, 1956. 148 p.
MINERAIS - ABINAM. Tipos e características de MARTINS, A. M.; MANSUR, K. L.; ERTHAL, F.;
águas minerais. INFORME ABINAM, v. 2, n 18, 1996. MAURÍCIO, R. C.; PEREIRA FILHO, J. C.; CAETANO,
o

Manchete Saúde. L. C. Águas Minerais do Estado do Rio de Janeiro. Ni-


BONTEMPO, M. Guia das águas: manual prático para terói : DRM-RJ, 2002. 121 p.
o uso correto das águas minerais medicinais do sul MOURÃO, B. M. Medicina hidrológica: moderna tera-
de Minas Gerais. São Lourenço,MG: Arco Íris, pêutica das águas minerais e estações de cura.
2002. Poços de Caldas : Prefeitura Municipal, 1992. 732 p.
CAETANO, L. C.; YOSHINAGA, S. Águas Minerais e ROCHE, M. Effets théraupeutiques des eaux minérales.
Águas Subterrâneas: conceitos e Legislação Brasile- Ann. Mines, Paris, 1975. p.39-46.
ira (Estudo de Caso no Estado do Rio de Janeiro). In: UNTURA FILHO, M. Uso Terapêutico das Águas Mine-
SIMPÓSIO DE HIDROGEOLOGIA DO SUDESTE, 1., rais. In: TERMALISMO no Brasil. [S.l.] : Sociedade
2003, Petrópolis. Anais... Rio de Janeiro: ABAS, Brasileira de Termalismo - Minas Gerais, 1995. p.
2003. 75-83

– 166 –
Aderson Marques Martins

Figura 3 – Mapa geológico do Estado do Rio de Janeiro e a localização das principais fontes de águas minerais

– 167 –
Crenoterapia das Águas Minerais do Estado do Rio de Janeiro

Tabela 3 – Propriedades terapêuticas de algumas águas minerais(Lopes, 1956; Untura Filho, 1995; ABINAM, 1996).

INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS PARA AS DISFUNÇÕES


ÁGUAS MINERAIS
Gástri- Hepá- Dermatol Metabó- Intesti- Nervo- Dentes e
Marcas Classificação Renais
cas ticas ógicas licas nais sas Ossos
Aqua Fresh Fluoretada X
Acqua Natura Fluoretada e Fracamente Radioativa na Fonte X X
Águas Claras/Vale do
Fracamente Radioativa na Fonte X
Amanhecer
Águas do Porto Fluoretada e Fracamente Radioativa na Fonte X X
Avahy Carbogasosa X
Belieny Alcalina Bicarbonatada X X X X X
Calita Alcalino-Terrosa Cálcica Fluoretada X X X
Cascataí Fracamente Radioativa na Fonte X
Claris Litinada e Fluoretada X X
Corcovado Fracamente Radioativa na Fonte X
Costa Dágua Fluoretada X
Costa Verde Fluoretada e Fracamente Radioativa na Fonte X X
Cristalina Alcalino-Terrosa Fluoretada X X X
Cristina Fluoretada X
Da Montanha Fluoretada e Radioativa na Fonte X X
Dedo de Deus Fluoretada e Radioativa na Fonte X X
Farol Hipotermal na Fonte
Federal Oligomineral
Fênix/Donna Natureza Fluoretada e Radioativa na Fonte X X
Fontana Radioativa na Fonte X X
Hidratta Fluoretada e Radioativa na Fonte X
Ibitira Potável de Mesa
Imbaíba Fracamente Radioativa na Fonte X
Indaiá Fluoretada e Fracamente Radioativa na Fonte X
Ingá Potável de Mesa
Iodetada, Litinada, Brometada, Alcalina,
Iodetada de Pádua X X X X X X X
Bicarbonatada e Fluoretada
L’Aqua Fluoretada X
Las Vegas Carbogasosa X X X X
Leve Sul Fluoretada e Fracamente Radioativa na Fonte X X
Milneral/Soft Fluoretada e Litinada X X
Nazareth Fluoretada e Hipotermal X
Nova Friburgo/Lumiar Fluoretada e Fracamente Radioativa na Fonte X X
Ouro Branco Alcalino-Terrosa Fluoretada Litinada X X X X X
Pagé Litinada X
Passa Três Radioativa na Fonte X
Pedra Bonita Fracamente Radioativa na Fonte X
Pedra Branca Fluoretada e Radioativa na Fonte X X
Petrópolis/Levíssima Radioativa na Fonte X
Pindó Fluoretada e Fracamente Radioativa na Fonte X X
Raposo/Raposo Levíssima Carbogasosa Fluoretada X X X
Recanto das Águas/Millenium Fluoretada e Radioativa na Fonte X
Rica Nitratada
Rio Bonito Radioativa na Fonte X
Sagrada Fluoretada e Hipotermal na Fonte X
Salutaris Alcalino-Terrosa e Ferruginosa X X X
Santa Cruz Fluoretada e Hipotermal na Fonte X
São Gonçalo Alcalino-Terrosa Carbonatada X X X X

– 168 –
José Luiz Marmos

AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE
CONTAMINAÇÃO DAS
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS DA
CIDADE DE PARINTINS,
AMAZONAS, BRASIL
José Luiz Marmos, joseluiz@ma.cprm.gov.br
Carlos José Bezerra de Aguiar, carlos_aguiar@ma.cprm.gov.br
Serviço Geológico do Brasil – CPRM/MA

INTRODUÇÃO restritas matas ciliares que acompanham braços do


Lago Macurany (Figura 1).
O município de Parintins, situado na porção leste do Todo o fornecimento público de água para consumo
Estado do Amazonas, fronteira com o Pará, possui uma humano provém de captação subterrânea, por meio de
2
extensão de 6.100 km . Sua sede, a ilha de Parintins, lo- poços tubulares, distribuídos em três estações de abas-
caliza-se na margem direita do rio Amazonas, abrange tecimento (Paraíba, SHAM e Itaúna), sob a responsabili-
2
uma superfície de 45 km e conta com uma população dade do SAAE – Sistema Autônomo de Água e Esgoto
estimada em 70.000 pessoas. Dista cerca de 350 km de Municipal.
Manaus e se destaca como o principal pólo turístico do Relatos de moradores e análises químicas locais,
interior do Estado, devido à sua tradicional festa do promovidas pelo laboratório do SAAE, indicam que a
Boi-Bumbá. qualidade dessa água encontra-se comprometida, com
A ilha possui um relevo bastante plano, com as me- contaminação química ligada provavelmente à precarie-
nores cotas, em torno de 15 metros, sendo registradas dade do saneamento básico. Análises químicas de
nas proximidades do Lago da Francesa e da Estação de águas coletadas de poços de abastecimento público, no
Bombeamento Paraíba (extremo NE), e as maiores, cer- âmbito do PGAGEM – Programa Nacional de Geoquími-
ca de 30 metros, observadas na parte central, nas adja- ca Ambiental e Geologia Médica, coordenado pela
cências do Bosque da Seringueira. A drenagem interna CPRM, confirmaram o problema, registrando-se teores
resume-se ao Lago da Francesa e a diversos pequenos de nitrato e alumínio bem acima dos valores máximos
tributários que deságuam no Lago do Macurany. permitidos pela legislação (BRASIL, 2004).
Geologicamente, está assentada sobre rochas sedi- Pesquisas recentes sugerem que altas concentra-
mentares arenosas cretáceas da Formação Alter do ções de alumínio na água podem desencadear em seres
Chão, as quais, devido ao intenso grau de alteração in- humanos, após períodos prolongados de consumo, pro-
tempérica, não afloram na região estudada. A decompo- blemas renais e de coordenação motora, além de defi-
sição local desses sedimentos deu origem predominan- ciências no sistema imunológico (Centeno, com. pesso-
temente a espessos latossolos amarelos, argi- al). O íon nitrato, embora seja pouco tóxico, pode ser re-
lo-arenosos, e secundariamente a solos muito arenosos duzido no organismo humano a íons nitritos, deletérios
(areais), prováveis neossolos flúvicos. A cobertura vege- para a saúde por induzir à metemoglobinemia, doença
tal nativa já foi quase toda suprimida para dar local à ins- que conduz à hipoxigenação do sangue em crianças,
talação de núcleos habitacionais, comunidades e fazen- podendo causar a morte. Além disso, os nitritos podem
das. Observam-se apenas algumas manchas de campi- reagir, no corpo humano, com as aminas, produzindo as
narana (vegetação arbusiva) sobre os solos arenosos e nitrosaminas no estômago, substâncias reconhecidas,

– 169 –
Avaliação do Nível de Contaminação das Águas Subterrâneas da Cidade de Parintins, Amazonas, Brasil

por estudos de laboratório, como agentes cancerígenos 0,3 mg/L e cloreto 1,2 mg/L. O que contribui efetivamen-
potenciais (Cortecci, 2003; Freitas et al., 2001). te para essa homogeneidade é o período do ano em que
Por meio do estudo das características físicas de di- se procedeu à coleta, período de cheias na região,
versos poços, públicos e particulares, aliado a análises quando as águas do canal principal do rio Amazonas in-
químicas e medidas instantâneas de parâmetros físi- vadem todas as zonas rebaixadas e se misturam com as
co-químicos (pH e condutividade elétrica) de amostras águas dos lagos, furos e paranás da ilha e seu entorno,
de água superficial e subterrânea, foi avaliada a intensi- diluindo eventuais contaminações superficiais localiza-
dade da contaminação e propostas soluções para a ate- das.
nuação do problema. Com relação às águas subterrâneas, foram amos-
trados 33 poços tubulares, sendo 28 na zona urbana e 5
MATERIAIS E MÉTODOS na zona rural (Figura 1). Os resultados revelam que dos
18 poços do sistema público apenas dois apresentam
Os trabalhos de campo e laboratório, desenvolvidos águas com teores de alumínio (<0,2 mg/L), nitrato (<10
entre abril e maio de 2005, constaram basicamente das mg/L) e amônia (<1,5 mg/L) que obedecem ao estabele-
seguintes atividades: cido pela legislação (BRASIL, 2004). Os demais mos-
· Reconhecimento fluvial ao longo de todo o perí- tram concentrações de nitrato variando de 11 a 49 mg/L,
metro da ilha, objetivando caracterizar as feições alumínio de 0,3 a 2,0 mg/L e amônia até 2,9 mg/L. Tam-
naturais e antrópicas mais marcantes da orla, bém registram teores elevados de nitrato e alumínio três
como: geologia, declividade dos barrancos, tipo poços de órgãos públicos e dois particulares.
de solo, vegetação, intensidade da ocupação an- Foi possível separar os poços amostrados na zona
trópica, etc. urbana em duas categorias, de acordo com suas profun-
· Cadastramento dos principais poços tubulares e didades: maiores e menores que 65 metros; os primeiros
cacimbas existentes nas zonas urbana e rural, re- revelam teores de nitrato e/ou Al sempre de acordo com
gistrando-se os seguintes parâmetros: cota da a legislação, enquanto que nos demais a situação é inver-
boca do poço; profundidade; nível estático das sa. Portanto, essa contaminação está fortemente associa-
águas; nível dinâmico; vazão; posição dos filtros, da com a profundidade dos poços. Também se nota que
perfil litológico, etc. as águas dos poços mais rasos são sempre mais ácidas
· Coleta de amostras de água subterrânea e de su- que as dos mais profundos (Figura 2), o que sugere uma
perfície para envio a laboratórios onde foram de- correlação inversa entre os valores de pH e os teores de
terminados os seguintes elementos/íons: nitrato, que se torna evidente quando se leva em conta so-
- As, Al, Ba, Bi, Ca, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, K, Li, Mg, mente os poços contaminados (Figura 3).
Mn, Na, Ni, Pb, Sb, Se, Sn, V, Zn, analisados no A correlação da acidez das águas com o nitrato é
laboratório da Universidade Católica de Brasí- explicada pela própria origem desse íon, que representa
lia, por ICP-MS; o estágio final da oxidação da matéria orgânica. Os resí-
- cloreto, amônio, nitrato, nitrito, sulfato e sílica, duos de produtos provenientes de esgotos são ricos em
analisados no laboratório do Instituto Nacional nitrogênio e se degradam em nitratos na presença de
de Pesquisas da Amazônia – INPA. oxigênio, de acordo com o ciclo nitrogênio orgânico >
· Medição instantânea, por meio de um kit de sen- amônia > nitrito > nitrato:
+ - +
sores digitais, de parâmetros que caracterizam NH4 + 3/2 O2 ? NO2 + H2O + 2H e
- -
preliminarmente a água amostrada: pH, condutivi- NO2 + 1/2 O2 ? NO3 ; ou, simplificadamente:
+ - +
dade elétrica e temperatura. NH4 + 3/2 O2 ? NO3 + 4H (a produção de nitrato
· Perfurações a trado, em terrenos de órgãos públi- gera elevação da acidez)
cos, próximo a poços, para a coleta de amostras A causa dos altos teores de nitrato nos poços mais
de solos em profundidade e determinação do ní- rasos da zona urbana de Parintins está ligada à falta de
vel estático das águas. um sistema de captação e tratamento dos esgotos na ci-
dade, o que leva à infiltração dos resíduos líquidos des-
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ses esgotos, despejados em fossas ou a céu-aberto, até
os níveis superiores do aqüífero, contaminando-o. Um
Distribuídas ao redor e no interior da ilha de Parintins exemplo marcante desse fato pode ser observado na
foram coletadas seis amostras de águas correntes. Os Estação de Bombeamento Paraíba, cujo terreno, onde
resultados obtidos indicam boa homogeneidade nas ca- se situam diversos poços, além de ser rebaixado, é lade-
racterísticas físico-químicas dessas águas: pH entre 6,1 ado por um sistema de palafitas, em que os moradores
e 6,5; condutividade elétrica entre 41 e 50 µS/cm; teores despejam todos seus dejetos diretamente em um canal
de nitrato e Al abaixo de 0,1 mg/L; amônia em torno de superficial que se comunica com o Lago da Francesa

– 170 –
José Luiz Marmos

Figura 1 – Imagem de satélite com localização da ilha de Parintins, dos poços cadastrados e das amostras de água coletadas.

– 171 –
Avaliação do Nível de Contaminação das Águas Subterrâneas da Cidade de Parintins, Amazonas, Brasil

4,4 250 25

4,3

Condut. Elétrica (uS/cm)


200 20

Teor de Nitrato (mg/L)


4,2

4,1 150 15
pH

4 100 10

3,9
50 5
3,8

3,7 0 0
Menos que 65m Mais que 65m Menos que 65m Mais que 65m Menos que 65m Mais que 65m
Prof. dos poços Prof. dos poços Prof. dos poços

Figura 2 – Comparação entre os valores médios de pH, condutividade, e teores de nitrato para os dois níveis de profundidade definidos para os
poços amostrados na zona urbana.

r = -0.80
4,15
por desencadear a contaminação por alumínio. Sabe-se
4,10 que este metal é um elemento muito pouco móvel na faixa
4,05 de pH de 4,0 a 8,0, típica dos ambientes naturais. Portan-
4,00
to, dificilmente é liberado, como espécie iônica, para o
meio aquoso, ficando retido na fase sólida, sob a forma de
3,95
argilominerais. Porém em águas com pH abaixo de 4,0,
como ocorre em diversos poços amostrados, e com altas
pH

3,90

3,85 concentrações de ácidos orgânicos, o alumínio pode ser


3,80
liberado para o meio aquoso, pela complexação, com o
metal migrando da fase sólida e se ligando a compostos
3,75
orgânicos, formando íons complexos (Carvalho, 1995). A
3,70
forte correlação dos teores de nitrato com os teores de
3,65
5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55
alumínio reforça a hipótese acima (Figura 5).
teor de nitrato (mg/L)

Figura 3 – Forte correlação inversa entre os valores de pH e os


teores de nitrato nas águas dos poços contaminados em Parintins.

(Figura 4). Toda essa poluição orgânica adjacente aos


poços, aliada à carência de esgotamento sanitário na ci-
dade, é a grande fonte da contaminação das águas sub-
terrâneas por nitrato.
O mapa de distribuição do nitrato nas águas subter-
râneas de Parintins, elaborado a partir dos resultados
analíticos, mostra claramente que esse contaminante
está mais concentrado na faixa que se estende da Esta-
ção SHAM até as “cabeceiras” do Lago da Francesa, e
que corresponde à principal zona de ocupação antrópi-
ca na ilha. A distribuição do alumínio é semelhante, su-
gerindo uma forte correlação entre as concentrações
dessas duas espécies nas águas (Figura 5).
A elevada acidez das águas contaminadas por ni- Figura 4 – Vala de esgoto a céu-aberto correndo ao lado do muro do
terreno onde estão situados os poços públicos da Estação de
trato também é a responsável pelo processo que acaba Bombeamento Paraíba.

– 172 –
José Luiz Marmos

2,4
r = 0.87 necessidade atual de Parintins, já consideradas as per-
das do sistema (30%), é de aproximadamente 17.000
2,2 3
m /dia de água. Os 12 poços que restariam no sistema
2,0
público, segundo dados atualizados de vazão, podem
1,8 3
produzir diariamente mais de 18.000 m .
1,6
Como medidas de curto a médio prazo sugere-se a
1,4
desativação gradual dos poços da Estação Paraíba, de-
Al (mg/L)

1,2
vido à sua precária localização (terreno rebaixado, sujei-
1,0 to a alagamentos, e ladeado por canais de esgoto a céu
0,8 aberto), e dos poços mais rasos (PT-10, PT-14 e PT-16)
0,6 da Estação SHAM. Ao mesmo tempo, trabalhando com
0,4 um horizonte futuro de 100.000 habitantes na ilha (ne-
3
0,2 cessidade de produção de 26.000 m diários de água),
0,0 recomenda-se a abertura de cinco novos poços tubula-
0 10 20 30 40 50 60
Nitrato (mg/L)
res, cada um com pelo menos 100 metros de profundi-
dade e cimentação até 50 metros, sendo 2 na Estação
Figura 5 – Forte correlação positiva entre os teores de nitrato e os SHAM e 3 no Itaúna, o que totalizaria 10 poços de abas-
teores de alumínio nas águas subterrâneas de Parintins. tecimento público, que produziriam cerca de 14.000
3
m /dia de água.
Como medida complementar para suprir as neces-
Dos metais pesados analisados nas amostras de sidades desses 100.000 habitantes e, muito importante,
águas subterrâneas, nenhum registrou teores acima dos diminuir a acidez natural das águas subterrâneas, suge-
valores máximos permitidos. Nos poços amostrados na re-se a instalação de uma Estação de Captação e Trata-
zona rural, apesar das baixas profundidades, não há si- mento de Água Superficial (ETA), no rio Amazonas, com
3
nal de contaminação química. capacidade de fornecer pelo menos 15.000 m /dia de
água tratada, com pH em torno de 6,0-6,5, a qual seria
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES misturada com as águas ácidas dos poços.
Não menos importante, visando evitar futuras conta-
A maior parte dos poços de abastecimento público minações dos recursos hídricos, é fundamental que se
em Parintins produz águas com composição química busquem recursos para implantação de um sistema de
que não obedece à legislação pertinente, destacan- esgotamento sanitário, acoplado a uma Estação de Trata-
do-se contaminação por nitrato, amônia e alumínio. As mento (ETE), que abranja toda a zona urbana de Parintins.
altas concentrações de nitrato devem-se à precariedade
do saneamento básico na cidade, com ausência de um REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sistema de esgotamento sanitário.
O aqüífero da ilha de Parintins comporta águas que BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n 518, de 25 mar.
o

possuem naturalmente uma destacada acidez (pH 4,0 a 2004. Brasília: 2004.
4,5), o que, por si só, já é um fato muito preocupante em CARVALHO, I. G. Fundamentos da Geoquímica dos Pro-
termos de saúde pública. Essa acidez se acentua ainda cessos Exógenos. Salvador : Bureau Gráfica e Edito-
mais nos poços com altos teores de nitrato, possibilitan- ra , 1995.
do condições para a mobilização do alumínio, contido CORTECCI, G. Geologia e Salute. Disponível em:<
nas partículas do solo, para o meio aquoso, gerando um http://www.dst.unipi.it/fist/salute/salute.htm.>. Aces-
misto de contaminação natural e antrópica. so em: 10 de outubro de 2003.
Como medida imediata foi recomendada a paralisa- FREITAS, M. B.; BRILHANTE, O. M.; ALMEIDA, L. M.
ção do bombeamento dos seis poços públicos com mai- Importância da análise de água para a saúde públi-
ores níveis de contaminação: PT-6, PT-17, PT-22, PT-11, ca em duas regiões do Estado do Rio de Janeiro: en-
PT-20 e PT-19. A entrada em operação de dois poços, foque para coliformes fecais, nitrato e alumínio. Ca-
com 80 metros de profundidade e boas vazões, na Esta- dernos Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p.
ção Itaúna, suprirá a ausência dos poços paralisados. A 651-660, 2001.

– 173 –
Caracterização Geoquímica das Águas de Sistema de Abastecimento Público da Amazônia Oriental

CARACTERIZAÇÃO
GEOQUÍMICA DAS ÁGUAS
DE SISTEMA DE
ABASTECIMENTO PÚBLICO
DA AMAZÔNIA ORIENTAL

Edesio M. Buenano Macambira , emacambira@be.cprm.gov.br


Eduardo Paim Viglio, eviglio@be.cprm.gov.br
Serviço Geológico do Brasil – CPRM/BE

RESUMO derados tóxicos, podendo causar efeitos adversos à


saúde humana.
Este estudo está inserto no Programa Nacional de
Pesquisa em Geoquímica Ambiental e Geologia Médica INTRODUÇÃO
– PGAGEM e foi executado pelo Serviço Geológico do
Brasil, através da Superintendência de Belém, nos O presente estudo ocupa uma área de cerca de
Estados do Pará e Amapá, e parte do Maranhão, Piauí, 2.000.000 km2 compreendendo inteiramente os estados
Tocantins, Mato Grosso e Amazonas. Durante os traba- do Pará e do Amapá e parte do Maranhão, Piauí, Tocan-
lhos de campo foram coletadas 77 amostras de água tins, Mato Grosso e Amazonas. Com o objetivo de otimi-
dos sistemas de abastecimento público, nas sedes dos zar as atividades operacionais e de acordo com as suas
municípios envolvidos no estudo. As amostras foram características fisiográficas e logísticas, a área foi dividi-
analisadas para 6 ânions (F, Cl, NO2, Br, SO4 e PO4) por da em 10 blocos de trabalho: I - Nordeste do Pará, II –
cromatografia de íons e para 25 cátions (Al, As, B, Ba, Pará-Maranhão, III – Tocantins-Piauí, IV – Sul do Pará, V –
Be, Ca, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, K, Li, Mg, Mn, Mo, Na, Ni, Pb, Altamira, VI – Marajó, VII – Macapá, VIII – Trombetas, IX –
Se, Sr, Ti, V, e Zn) por ICP-AES. Os resultados foram in- Santarém e X – Tapajós (Figura 1).
terpretados com base em cálculos estatísticos e nos va- Foram realizadas quatro etapas de campo e coleta-
lores máximos permitidos para consumo humano, se- das 77 amostras de águas de abastecimento público. O
gundo os padrões do CONAMA 357/2005 e da Portaria maior volume de trabalho foi executado no Bloco I (47
MS 518/2004. Os elementos Be, Ca, Co, Cr, Li, Mg, Mo, amostras no Pará e 14 no Maranhão). Outra etapa foi rea-
Na, Ni, Sr, Cl e F apresentaram concentrações inferio- lizada nos Blocos II e III em convênio com o Projeto Zeoli-
res aos limites estabelecidos pelas legislações em to- tas na Bacia do Parnaíba (10 amostras). A terceira etapa
das as amostras. Entretanto, os elementos Pb, Al, Cu, foi executada no Bloco IX em parceria com o Projeto Hi-
Fe, B, Ba, As, Se, Br, Cd, K, Mn, Zn e PO4 mostraram te- drologia e Geoquímica da Bacia Amazônica – HIBAM,
ores impróprios para o consumo humano nas amostras produto de convênio entre a Agência Nacional de Águas
de água em alguns municípios. Apesar de não haver – ANA, Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq e Institut
estudos mostrando relação direta entre as concentra- de Recherche pour le Développement – IRD, da França
ções elevadas desses elementos e doenças na popula- (4 amostras). A última etapa de trabalhos de campo foi
ção, os teores de Al e Pb (18 e 145 vezes superiores a efetuada no Bloco V em conjunto com o Projeto Instala-
seus valores máximos permitidos) verificados são parti- ção e Operação da Rede Hidrometeorológica Nacional
cularmente preocupantes porque são elementos consi- (2 amostras).

– 174 –
Edesio M. Buenano Macambira

Figura 1 – Mapa de localização dos trabalhos executados pelo PEGAGEM Belém na coleta de água de abastecimento público.

Foi coletada uma amostra de água do sistema do ASPECTOS GEOLÓGICOS, FISIOGRÁFICOS E


abastecimento para cada sede municipal, procuran- SOCIOECONÔMICOS
do-se sempre a estação ou poço com o maior sistema de
distribuição. Durante a coleta foram preenchidas fichas A principal unidade geotectônica ocorrente na área
com os parâmetros descritivos do local da amostragem é o Cráton Amazonas. Trata-se de um complexo arranjo
e a medida do pH. As amostras foram coletadas direta- tectono-estratigráfico, de idade arqueoproterozóica,
mente do poço, fonte ou drenagem antes que qualquer onde está presente uma diversidade de ambientes, tais
tratamento fosse feito. Foram acondicionadas em tubos como: greenstone belts (Rio Maria, Tucumã, Vila Nova,
graduados, de polietileno, com capacidade de 50 mL, etc.) cinturões de cisalhamentos (Itacaiúnas, Jarí, Ara-
após serem filtradas em filtro micropore 0,45 m para guaia, etc.), províncias orogênicas (Tapajós), bacias
análise de cátions e ânions. Para preservação dos cáti- transcorrentes (Carajás, Aquiri, São Félix, etc.), núcleos
ons solúveis nas amostras foi adicionado 1 mL de HNO3 antigos (Cupixi), terrenos de alto grau metamórfico (Ba-
1:1, mantendo o pH < 2. As amostras permaneceram re- cajá), entre outros. No extremo-oriental da região desta-
frigeradas até o momento da análise. Foram analisados ca-se o Cráton de São Luís e o Cinturão Gurupi. Circun-
24 cátions (Al, As, B, Ba, Be, Ca, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, K, Li, dando as áreas cratônicas ocorrem as bacias paleozói-
Mg, Mn, Mo, Na, Ni, Pb, Se, Sr, Ti, V, e Zn) por ICP-AES e cas sedimentares representadas principalmente pela
6 ânions (F, Cl, NO2, Br, SO4 e PO4) por cromatografia de Bacia do Amazonas e Bacia do Parnaíba. Ainda merece
íons, no Laboratório de Análises Minerais – LAMIN, da ser destacada a extensa cobertura sedimentar quater-
CPRM, no Rio de Janeiro. nária que se desenvolve ao longo dos principais cursos

– 175 –
Caracterização Geoquímica das Águas de Sistema de Abastecimento Público da Amazônia Oriental

d’água e na faixa litorânea Atlântica (Faraco et al., drica e/ou alimentar (verminose, hepatite, diarréia, etc.)
2004). atingem altos índices de incidência (DATASUS).
O rio Amazonas e seus maiores afluentes constitu-
em o principal sistema hidrográfico da região de traba- RESULTADOS OBTIDOS
lho. No Amapá, destacam-se os rios Oiapoque e Ara-
guari e no Maranhão-Piauí o sistema Gurupi/Parnaíba. Para os cálculos estatísticos foi utilizado o programa
Os mais altos níveis de densidades populacionais Statistic e para os mapas o software ArcView 3.2. Nas in-
estão situados na porção oriental da região de trabalho, terpretações dos resultados foram utilizados os padrões
destacando-se ainda a borda sul e determinados tre- (concentrações máximas dos elementos químicos em
chos ao longo dos principais cursos d’água e das rodo- água para consumo humano) determinados pelo Conse-
vias. Nas demais regiões predomina um grande vazio lho Nacional do Meio Ambiente (Resolução CONAMA
demográfico, particularmente na margem esquerda do 357, de 17 de março de 2005) e pelo Ministério da Saúde
rio Amazonas. Conseqüentemente, nas regiões onde (Portaria 518 de 29 de março de 2004), e os valores reco-
há maiores concentrações humanas, estão implanta- mendados pela OMS (Organização Mundial da Saúde -
das as principais atividades econômicas: mineração, World Health Organization - WHO, 2004).
metalurgia, indústria madeireira, agropecuária, pesca e
comércio. Bloco I – Nordeste do Pará
A área de trabalho apresenta um precário sistema Este bloco abrange cerca de 50.000 km2, sendo de
de saneamento básico, até mesmo nas grandes cida- aproximadamente 80% na região nordeste do Pará e o
des. A malária, a hanseníase e a leichimaniose são endê- restante na porção noroeste do Maranhão (Figura 2).
micas na região e numerosas doenças de veiculação hí- Trata-se da região mais densamente povoada do Estado

Figura 2 – Mapa geológico simplificado do Bolco I - Nordeste do Pará (CPRM/Projeto GIS do Brasil, Faraco et al. 2004).

– 176 –
Edesio M. Buenano Macambira

do Pará, servida por uma boa infra-estrutura logística e Os pontos de amostragem podem ser observados
com a economia baseada nas atividades agropecuárias na figura 2. Dos 31 elementos e compostos químicos
e pesqueiras. analisados o As (< 0,01 mg/L), Mo (< 0,005 mg/L), Se
Sob o ponto de vista geológico a maior porção do (<0,02 mg/L), V (< 0,02 mg/L), Be (< 0,001 mg/L) e NO2
Bloco I é ocupada pelo Grupo Barreiras (arenitos, siltitos e (= 0,1 mg/L) apresentaram os resultados abaixo do limite
argilitos). Na região do Gurupi estão presentes o Cráton de detecção do método analítico e, portanto, não foram
de São Luís (granitóides e seqüência metavulca- submetidos a cálculos estatísticos. Os elementos Cd (<
no-sedimentar) e o Cinturão Gurupi (seqüência metavul- 0,001 mg/L), Co (< 0,002 mg/L), Cr (0,02 mg/L), Ni (0,004
cano-sedimentar). Distribuídas na região de trabalho ain- mg/L), Ti (0,05 mg/L) e o PO4 (0,2 mg/L) também tiveram
da ocorrem as unidades sedimentares Arenito Guamá e mais de 90% dos seus resultados abaixo do limite de de-
Formação Itapecuru e granitóides intrusivos (Tracuateua, tecção do método analítico, sendo interpretados apenas
Nei Peixoto, Cantão, Japiim, Oca, etc.). Ao longo dos prin- visualmente. Os demais elementos foram submetidos a
cipais cursos d’água e na costa litorânea desenvolve-se cálculos estatísticos cujos principais parâmetros cons-
uma cobertura de sedimentos quaternários (Figura 2). tam da tabela 1.

Tabela 1 – Parâmetros estatísticos - Bloco I – Nordeste do Pará / Noroeste do Maranhão


Média Desvio Padrão Valor Máximo Permitido em Água Doce
Elemento População Valor Mínimo Valor Máximo
0 Classe I - Resolução CONAMA 357
Al 59 0,0050 1,8000 0,2043 0,3033 0,1 mg/L
As 59 0,0050 0,0050 0,0050 0,0000 0,01 mg/L
B 59 0,0010 2,0000 0,1331 0,3118 0,5 mg/L
Ba 59 0,0010 0,1630 0,0228 0,0372 0,7 mg/L
Be 59 0,0005 0,0005 0,0005 0,0000 0,04 mg/L
Ca 59 0,1000 60,0500 7,7517 12,5985 10 a 100 mg/L **
Cd 59 0,0005 0,0020 0,0006 0,0004 0,001 mg/L
Co 59 0,0010 0,0040 0,0011 0,0004 0,05 mg/L
Cr 59 0,0100 0,0300 0,0108 0,0034 0,05 mg/L
Cu 59 0,0010 0,0500 0,0090 0,0088 0,009 mg/L
Fe 59 0,0020 6,6600 0,3614 1,0445 0,3 mg/L
K 59 0,1000 101,0000 4,1441 13,4763 12 mg/L **
Li 59 0,0010 0,0200 0,0027 0,0036 2,5 mg/L
Mg 59 0,0900 15,2700 2,2615 2,9889 1 a 40 mg/L **
Mn 59 0,0010 0,2230 0,0380 0,0608 0,1 mg/L
Mo 59 0,0025 0,0025 0,0025 0,0000 0,07 mg/L **
Na 57 0,1000 42,0000 9,4560 10,5120 200 mg/L *
Ni 59 0,0020 0,0150 0,0030 0,0026 0,025 mg/L
Pb 59 0,0025 1,4500 0,1700 0,3146 0,01 mg/L
Se 59 0,0100 0,0100 0,0100 0,0000 0,01 mg/L
Sr 59 0,0010 0,6520 0,0545 0,1105 1 mg/L **
Ti 59 0,0250 0,0600 0,0256 0,0046 ***
V 59 0,0100 0,0100 0,0100 0,0000 0,1 mg/L
Zn 59 0,0010 0,2740 0,0440 0,0681 0,18 mg/L
-
Br 58 0,0250 0,8100 0,0626 0,1059 0,025 mg/L *
Cl 57 1,5800 61,6300 11,4100 12,2960 250 mg/L
F 58 0,0050 0,7500 0,0594 0,1035 1,4 mg/L
-
NO2 58 0,0500 0,0500 0,0500 0,0000 1,0 mg/L
-3
PO4 58 0,1000 1,4000 0,1466 0,2121 0,1 mg/L
-
SO4 58 0,4000 38,4000 4,7638 6,7064 250 mg/L
PH 59 4,0000 7,5000 5,2136 0,8653 de 6 a 9
* Portaria do Ministério da Saúde nº 518, de 25/03/04 ; ** Organização Mundial de Saúde (WHO, 2004)
Valores em mg/L ou ppm; *** Não foram obtidos valores máximos permitidos para o Ti.

– 177 –
Caracterização Geoquímica das Águas de Sistema de Abastecimento Público da Amazônia Oriental

Com base nas informações dos parágrafos acima, · Enquadrando-se os valores anômalos no contexto
são apresentadas as seguintes considerações: geológico observa-se que as anomalias geoquímicas
· As unidades sedimentares representadas pelo Gru- encontram-se nos 4 domínios mapeados. O Domínio
po Barreiras, Formação Itapecuru, Arenito Guamá e Sedimentar é o que abrange o maior número de amos-
Aluviões Quaternários constituem os maiores aqüífe- tras anômalas, possivelmente em decorrência de sua
ros da região, em razão da grande extensão territori- maior abrangência territorial. Salienta-se que, em ter-
al, espessura e índice de permo-porosidade. Nas mos regionais, as curvas do background para Al e Pb
demais unidades (Domínio dos Granitóides, Cintu- apresentam uma tendência segundo NNW, acompa-
rão Gurupi e Cráton de São Luís) o potencial dos nhando a direção do Cinturão Gurupi.
aqüíferos é restrito, estando limitado a zonas de fra-
turas (Figura 2). Bloco II – Pará-Maranhão / Bloco III – Tocantins-Piauí
· Entre os elementos analisados, o As, Ba, Be, Ca, Co, A área de pesquisa ocupa cerca de 9.300 km2, sen-
Cr, Li, Mg, Mo, Na, Ni, Se, Sr, Ti, V, Cl e F, e os compos- do de aproximadamente 2/3 no Estado do Maranhão e o
tos NO2, e SO4 tiveram seus resultados na faixa de valo- restante no Tocantins (Figura 1). Caracteriza-se por ser
res considerados como compatíveis para consumo uma região relativamente povoada (25 a 100 hab/km2),
humano segundo os padrões fornecidos pelo servida por uma boa infra-estrutura logística e com a
CONAMA, MS e OMS mencionados anteriormente. economia baseada nas atividades agropecuárias.
· O Al, B, Cd, Cu, Fe, K, Mn, Pb, Zn e PO4 apresentaram Localiza-se na porção noroeste da Bacia do Parnaí-
resultados mais elevados do que os dos padrões aci- ba (Figura 4). A mais antiga unidade estratigráfica é a
ma referidos, indicando a impropriedade para consu- Formação Mosquito (Jurássico), constituída por derra-
mo humano. mes basálticos. Sobrejacente observa-se a Formação
· Em cerca de 80% da área de trabalho, o Al e o Pb apre- Corda (Jurássico), que é a unidade de maior extensão
sentaram valores impróprios para o consumo humano territorial e representada por arenitos e folhelhos verme-
(Al = 0,1 mg/L; Pb = 0,01 mg/L). O mais elevado teor lhos. Estratigraficamente, acima se verificam as forma-
de Al foi de 1,8 mg/L, o que corresponde a 18 vezes o ções Grajaú e Codó, de idade cretácea (interdigitadas).
limite máximo permitido, e para o Pb, o mais alto valor A Formação Grajaú é constituída por arenitos, enquanto
foi de 1,45 o qual é 145 vezes o limite tolerado. Não se a Codó, por folhelhos, calcários e arenitos. Segue-se a
observa uma perfeita correspondência entre a distri- Formação Itapecuru, de idade cretácea, constituída por
buição geográfica dos dois elementos (Figura 3). arenitos e argilitos. Na porção nordeste da região de tra-
· Os valores de Cu impróprio para o consumo humano balho desenvolve-se uma cobertura detrítica e/ou lateríti-
(> 0,009 mg/L) ocupam cerca de 60% da área de tra- ca, enquanto que ao longo dos principais cursos d’água
balho, particularmente a porção oriental (Figura 3). estão presentes depósitos aluvionares.
· A água de abastecimento público da porção ocidental Foram coletadas 10 amostras de água do sistema
da área (Figura 3) está caracterizada por valores de Fe de abastecimento público (Figura 4).
superiores ao limite permitido para o consumo humano Os trabalhos de campo e os resultados analíticos
(0,3 mg/L). permitem as seguintes considerações:
· O Zn, B, Mn e K apresentaram pequenas áreas com · Cerca de 80% da região de trabalho é constituída por
teores impróprios para o consumo humano. Estas áre- unidades sedimentares, destacando-se como exce-
as apresentam-se dispersas na região de trabalho e lentes aqüíferos as formações Corda, Itapecuru e Gra-
aparentemente não existe correlação entre os citados jaú.
elementos. · Os elementos B, Be, Ca, Co, Cr, Fe, K, Li, Mg, Mn, Mo,
· O Cd e o PO4 apresentaram valores pontuais distribuí- Na, Ni, Pb, Sr, SO , Zn, F e Cl apresentaram os resulta-
4

dos por toda região trabalhada neste Bloco. Para o Cd dos abaixo do valor máximo permitido para consumo
detectou-se 3 amostras com valores de 0,002 mg/L, os humano segundo as legislações ambientais brasileiras
quais são superiores ao permitido para o consumo hu- vigentes.
mano (0,001 mg/L). Também foram observados teores · O Ba foi o elemento que apresentou o maior número
de 0,7 mg/L e 0,9 mg/L de PO4. Estes valores são su- de amostras com teores impróprios para consumo
periores ao limite permitido para consumo humano humano.
(0,1mg/L). · O Al apresentou todos os resultados iguais ao limite in-
· Com relação ao pH, observou-se que 90% dos valores ferior do método analítico (0,1 mg/L), o qual coincide
ficaram entre 4 e 6, caracterizando águas ácidas a le- com o teor máximo permitido para o consumo humano,
vemente ácidas. Apenas em 8 amostras foram verifica- exceto uma amostra coletada em Imperatriz que apre-
dos valores entre 6 e 7,5, dentro da faixa de pH sentou 0,2 mg/L. Coincidência semelhante foi verifica-
aceitável pelo CONAMA (6 a 9). da para o As, Cd, Cu, Se, V, Br e PO .4

– 178 –
Edesio M. Buenano Macambira

Figura 3 – Vaviação do conteúdo de Pb, Al, Fe, Cu, Zn, Mn, B e K nas águas de sistema de abastecimento público no Bloco I
- Nordeste do Pará.

– 179 –
Caracterização Geoquímica das Águas de Sistema de Abastecimento Público da Amazônia Oriental

Figura 4 – Mapa Geológico da região do sul do Tocantins e oeste do Maranhão (CPRM/Projeto GIS do Brasil, Faraco et al . 2004).

· Das amostras coletadas nas sedes municipais, ape- mia baseada nas atividades agropecuárias. Possui bai-
nas a de Ribamar Freire não se verificou concentra- xa densidade populacional (2 a 5 hab/km2).
ções impróprias para o consumo humano. Baseado nos trabalhos realizados pode-se estabe-
· Plotando-se os pontos amostrados com os seus res- lecer as seguintes considerações:
pectivos resultados, cujos valores mostraram-se im- · Os teores dos elementos B, Ba, Ca, Co, Cr, Fe, K, Li,
próprios para consumo humano, na base geológica, Mg, Mn, Mo, Na, Ni, Pb, Sr, V, Zn, Be, F, Cl, e SO4 apre-
não se observa evidente correspondência entre os ele- sentaram resultados abaixo dos limites estabelecidos
mentos com as várias unidades estratigráficas. para o consumo humano.
· Apesar de estar abaixo dos valores máximos permiti- · Em todas as amostras, os resultados do Al, As e Cd
dos pelas legislações ambientais, a água de abasteci- apresentaram teores que coincidem com o limite inferi-
mento do município de Itaguatins ao ser fervida or analítico e com o teor máximo permitido pela Reso-
precipita um pó branco no fundo da panela de alumí- lução CONAMA 357/2005 e da Portaria 518/2004 do
nio. Este material foi analisado na UFPA fornecendo MS.
como resultado principalmente Aragonita (69%), Cal- · Os teores de Cu, Se, Br e PO4 são superiores aos per-
cita magnesiana (9%) e Cesarolita (8%). mitidos para consumo humano.
· De uma maneira geral, os teores observados nas
Bloco V – Altamira amostras de água nas duas sedes municipais são se-
Neste Bloco foram coletadas apenas 2 amostras de melhantes, particularmente para os elementos cujos
água de abastecimento. A área trabalhada localiza-se valores estão acima dos padrões permitidos.
na Bacia do Baixo Amazonas, particularmente no domí-
nio da Formação Altér do Chão (Cretáceo-Terciário). Li- Bloco Ix - Santarém
tologicamente é semelhante ao Grupo Barreiras e está Os trabalhos de amostragem (4 amostras) foram
representada por intercalações de arenitos, siltitos e ar- executados em parceria com o Projeto HIBAM. A região
gilitos. Exibe uma alta permo-porosidade em razão do de trabalho situa-se na zona limítrofe do estado do Pará
que constitui um excelente aqüífero. A região de pesqui- com o Amazonas. As amostras coletadas situam-se na
sa localiza-se na margem direita do rio Tocantins, apre- Bacia do Médio Amazonas, particularmente no domínio
sentando uma boa infra-estrutura logística com a econo- dos Aluviões Quaternários dos rios Amazonas e Tapajós.

– 180 –
Edesio M. Buenano Macambira

Trata-se de sedimentos arenosos e argilosos, com eleva- Com os resultados alcançados pode-se concluir:
da permo-porosidade e constituem excelentes aqüífe-
ros. Entre as sedes municipais amostradas, Santarém 1. Bloco I
destaca-se pelo maior desenvolvimento populacional e Com relação ao Bloco I, os resultados analíticos mos-
econômico. Entretanto, todos os municípios apresentam traram que os elementos As, Ba, Be, Ca, Co, Cr, Li, Mg,
uma boa infra-estrutura logística, a economia baseada Mo, Na, Ni, Se, Sr, Ti, V, Cl e F, e os compostos NO2, e SO4
nas atividades agropecuárias e possuem uma baixa apresentaram concentrações abaixo dos valores permiti-
densidade populacional. dos para consumo humano (Resolução CONAMA
Baseado nos resultados analíticos pode-se emitir as 357/2005, Portaria MS 518/2004 e/ou pela WHO/1993). O
seguintes considerações: Al, B, Cd, Cu, Fe, K, Mn, Pb, Zn e PO4 apresentaram teo-
· Os teores dos elementos B, Ba, Ca, Co, Cr, Fe, K, Li, Mg, res mais elevados do que os dos padrões acima mencio-
Mn, Mo, Na, Ni, Sr, V, Zn, Be, F, Cl, e SO4 estavam abaixo nados, indicando impropriedade para consumo humano.
dos limites estabelecidos para consumo humano. Destes elementos, em relação à toxicidade, desta-
· Para o As e o Cd, os teores encontrados são coinci- cam-se o Al e o Pb, que apresentaram, respectivamente,
dentes com os limites estabelecidos pelas legislações teores de até 18 vezes e 145 vezes o valor máximo per-
ambientais para consumo humano e com o limite inferi- mitido pelas legislações ambientais. Na literatura pes-
or analítico. quisada, não existem citações sobre valores tão eleva-
· Na maioria das amostras, os elementos Al, Cu, Pb, Se, dos de Pb em águas de abastecimento. Estes elementos
Br e PO4 apresentaram teores superiores aos permiti- ocorrem em cerca de 80% da região de trabalho, entre-
dos para consumo humano. tanto não apresentam uma boa correlação geoquímica
· Verificou-se que todas as amostras coletadas apre- entre si. Também os elementos Fe e Cu mostraram con-
sentaram teores impróprios para consumo humano centrações acima do permitido para consumo humano.
para os elementos Se, PO4 e Br, porém a amostra cole- A grande abrangência areal, aliada à ordem de
tada em Santarém apresentou o maior número de ele- grandeza dos resultados de Al, Pb, Fe e Cu, nos permite
mentos nocivos à saúde, pois além dos citados, supor uma origem natural para os teores encontrados.
verificou-se também o Al e o Pb. Em Curuá o teor de Cu Os demais elementos (Zn, B, Mn, K, Cd, e PO4) distribu-
encontrado é superior ao valor máximo permitido para em-se em pequenas áreas ou apresentam valores pon-
o consumo humano. tuais, o que pode sugerir também possível contamina-
ção de origem antrópica.
CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÕES As medidas de pH apresentaram valores de 4 a 6,
indicando uma natureza ácida, em cerca de 90% da
As quatro áreas trabalhadas fornecem uma boa re- área de trabalho. Estes valores são considerados como
presentatividade dos sistemas ambientais e hidrogeoló- impróprios para o consumo humano e podem estar rela-
gicos da região Amazônica, visto que foram abordados cionados à intensa decomposição de substâncias orgâ-
os principais aqüíferos: Formações Corda, Grajaú, Codó nicas e aos elevados índices de pluviosidade, evapo-
e Itapecuru, na Bacia do Parnaíba; Formação Altér do transpiração e lixiviação regionais.
Chão na Bacia do Amazonas; e Grupo Barreiras, Forma- A cidade de Augusto Correa foi a que apresentou o
ção Itapecuru, Arenito Guamá e Aluviões Quaternários maior número de elementos nocivos à saúde (Al, Pb, Cu
Marinhos e Fluviais. Fe, Zn B e Cd). Em segundo plano destacam-se as cida-
A economia dessas regiões está baseada principal- des de Cachoeira do Piriá (Pb, Cu, Zn), e Boa Vista do
mente nas atividades agrícolas, na pecuária, na pesca e Gurupi (PO4 e Mn).
na extração de produtos da floresta. A densidade popu-
lacional é inferior a 100hab/km2. Predominam na região 2. Bloco II e III
doenças endêmicas de veiculação hídrica e alimentar, Os resultados analíticos do Bloco II e III demonstra-
como as verminoses, doenças do aparelho digestivo e ram que os teores de B, Be, Ca, Co, Cr, Fe, K, Li, Mg, Mn,
cáries dentárias. Observam-se também freqüentes ca- Mo, Na, Ni, Pb, Sr, SO4, Zn, F e Cl estavam adequados ao
sos de anemia, hepatite, malária e subnutrição. consumo. Os elementos Al, As, Ba, Cd, Cu, Se, V, Br e
Os sistemas de abastecimento geralmente são PO4 apresentaram concentrações impróprias para o
constituídos de poços tubulares rasos (<100m). Em al- consumo humano, sendo que o Ba foi o elemento que
guns casos a água utilizada pela população é canaliza- apresentou o maior número de amostras com teores aci-
da diretamente dos rios. Na maioria dos municípios a ma do permitido pelas legislações ambientais. Entre as
água que é fornecida à população não passa por qual- cidades onde se coletou as amostras de água de abas-
quer tratamento, e em alguns poucos municípios é reali- tecimento, apenas Ribamar Freire não apresentou teores
zada cloração. impróprios para consumo humano.

– 181 –
Caracterização Geoquímica das Águas de Sistema de Abastecimento Público da Amazônia Oriental

3. Bloco V elementos, de acordo com as suas propriedades geo-


As amostras coletadas no Bloco V apresentaram te- químicas, poderiam associar-se aos diversos condicio-
ores de B, Ba, Ca, Co, Cr, Fe, K, Li, Mg, Mn, Mo, Na, Ni, namentos geoquímico-estratigráficos presentes no
Pb, Sr, V, Zn, Be, F, Cl, e SO4 abaixo dos limites máximos Aqüífero Barreiras, como por exemplo: os níveis ricos em
permitidos para consumo humano. Para os elementos Al, matéria orgânica, adsorvido nas argilas, formando com-
As e Cd houve coincidência dos limites inferiores analíti- postos com os óxidos e hidróxidos de ferro, constituindo
cos com os valores máximos determinados pelo coating nos diversos minerais. O pH ácido facilitaria a
CONAMA e MS. As concentrações de Cu, Se, Br e PO4 solubilização de compostos com os metais. Desta ma-
são superiores ao valor máximo permitido pelas citadas neira esses elementos seriam facilmente incorporados
legislações, para consumo humano. às águas subterrâneas captadas pelos sistemas de
abastecimento público e podem estar causando diver-
4.Bloco IX sos problemas de saúde, tais como o elevado número de
No Bloco IX, os elementos B, Ba, Ca, Co, Cr, Fe, K, casos de câncer do aparelho digestivo que ocorrem no
Li, Mg, Mn, Mo, Na, Ni, Sr, V, Zn, Be, F, Cl, e SO4 apresen- Pará (o maior do Brasil) divulgado pelo Núcleo Populaci-
taram valores adequados ao consumo. Para o As e o Cd, onal da SESPA (Secretaria de Saúde Pública do Pará).
os teores encontrados são coincidentes com os limites Uma das contribuições deste estudo é alertar as au-
estabelecidos pela legislação e com o limite inferior ana- toridades governamentais para a ocorrência, nas águas
lítico, porém para o Al, Cu, Pb, Se, Br e PO4, as concen- de abastecimento consumidas pelas populações de di-
trações são superiores aos padrões estabelecidos para versas localidades, de elementos nocivos à saúde hu-
o consumo. A cidade de Santarém apresentou o maior mana, com teores superiores aos permitidos pelo
número de elementos com concentrações impróprias ao CONAMA (2005) e pelo Ministério da Saúde (2004). São
consumo humano: Al, Pb, Se, PO4 e Br. necessários estudos complementares e multidisciplina-
No atual estágio da pesquisa torna-se difícil determi- res, em parceria com profissionais da área médica, para
nar a fonte dos cátions, particularmente dos que apresen- verificar se ocorre influência destes teores anômalos na
taram teores acima do valor máximo permitido pelo saúde da população para que se possa adotar medidas
CONAMA e Ministério da Saúde. Pelo caráter errático dos preventivas para evitar futuras doenças endêmicas.
resultados analíticos dos elementos e valores anômalos
pode-se eliminar a possibilidade de um erro sistemático de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
amostragem. Uma das anomalias de Pb do Bloco I foi ana-
lisada por outro método (Absorção Atômica) sendo confir- BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n 518 de 25 de
o

mado o valor encontrado por ICP/AES; em conseqüência março de 2004. Diário Oficial [da] República Federa-
disto descarta-se a possibilidade de erros analíticos. Nos tiva do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 26 mar.
pontos amostrados não se observou a presença de lixões, 2004. Seção I, p.266.
indústrias, esgotos ou outras fontes de contaminação, o BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. CONAMA. Reso-
que reduz a possibilidade de uma contaminação ambien- lução No 357 de 17 mar. 2005. Disponível em:
tal pontual. Em face do exposto acredita-se que os eleva- <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/
dos teores de diversos elementos encontrados nos siste- res05/res35705.pdf>. Acesso em: janeiro 2006.
mas de abastecimento público estejam relacionados a as- FARACO M.T.L.; MARINHO P.A.C.; VALE A.G. Folha SC.22
pectos naturais, em particular a fatores hidrogeológicos. – Tocantins. In: SCHOBBENHAUS C., GONÇALVES,
No Bloco I, onde foi realizado o maior volume de tra- J.H.; SANTOS, J.O.S.; ABRAM, M.B.; LEÃO NETO, R.;
balho, o principal aqüífero é o Grupo Barreiras, litologi- MATOS, G.M.M.; VIDOTTI, R.M. (Eds.). Carta Geológi-
camente constituído por arenitos, siltitos e argilitos, com ca do Brasil ao Milionésimo. Programa Levantamentos
intercalações de lentes ricas em matéria orgânica. De Geológicos Básicos do Brasil. Brasília : CPRM-SGB,
acordo com os recentes estudos de Miranda (2004) a 2004. 41 CD-ROM, CD-ROM 22/41.
área-fonte desses sedimentos seriam a Faixa Tocan- MIRANDA, L. da C.P. Proveniência de arenitos da Formação
tins-Araguaia, a Província Borborema com seus comple- Barreiras (Mioceno), região de Ipixuna, com base em
xos gnáissicos e migmatíticos, o Grupo Gurupi com os análise de minerais pesados e datação de grãos de zir-
granitóides paleoproterozóicos e o Terreno Granito-Gre- cão por evaporação de chumbo. 2004. 1 CD-ROM. Tra-
enstone de Rio Maria, e a Província Carajás, com seus balho de Conclusão de Curso - Centro de Geociências,
granitóides e complexos gnáissicos e migmatíticos. To- Universidade Federal do Pará, Belém, 2004.
dos os elementos (Al, B, Cd, Cu, Fe, K, Mn, Pb, Zn e P) WHO-WORLD HEALTH ORGANIZATION. 2004. Guidelines
que apresentaram teores acima do permitido pelas le- for Drinking-Water Quality. 3ed., v.1. Disponível
gislações são passíveis de serem provenientes das em:<http://www.who.int/water_sanitation_health/ dwq/>.
áreas-fontes mencionadas. Assim acredita-se que esses Acesso em: abril 2005.

– 182 –
Sergio João Frizzo

ELEMENTOS QUÍMICOS
EM ÁGUAS DE
ABASTECIMENTO PÚBLICO
NO ESTADO DO CEARÁ
Sergio João Frizzo; frizzo@fo.cprm.gov.br
Serviço Geológico do Brasil – CPRM/FO

INTRODUÇÃO distritos têm abastecimento alternativo por chafariz,


bica, poços particulares, caminhão-pipa etc. (IBGE,
No que concerne à saúde humana e animal, a água 2005). A preocupação dos órgãos públicos estaduais e
conduz muitos constituintes químicos que são facilmen- das empresas distribuidoras com a qualidade da água
te absorvidos pelas células. Muitos são benéficos e es- de consumo é exercida somente em relação à presença
senciais à vida (Ca, K, Mg, Fe, etc.), Outros (F, Se, Mo, de microorganismos patogênicos e à salinidade, não
Cr, etc.) propiciam benefício ou toxicidade dependendo sendo determinadas, de maneira sistemática ou sequer
das respectivas concentrações na água potável, porém esporádicas, as concentrações dos elementos quími-
o As, Pb, Hg e o Cd não desempenham papéis fisiológi- cos, sabidamente tóxicos, que podem estar minando,
cos conhecidos, exercendo toxicidade especialmente imperceptivelmente, a saúde da população.
sobre os sistemas renal e nervoso. Neste trabalho, relata-se um resumo do estudo de-
A intoxicação dá-se geralmente por ingestão conti- senvolvido por Frizzo (2006), com algumas observações
nuada durante longo tempo (exposição crônica), ou indi- sobre os resultados de alguns elementos químicos em
retamente, pelo consumo de organismos que da água amostras de águas coletadas nos açudes, fontes, rios e
absorveram e concentraram tais constituintes. São poços que constituem os principais mananciais de abas-
exemplos os casos de intoxicação por arsênio presente tecimento público dos municípios do estado do Ceará.
na água consumida pela população na China, Índia, Mé- Este estudo teve como objetivo a “verificação” da quali-
xico, Chile e Argentina, atingindo milhares de pessoas dade das águas, então captadas naqueles determina-
(Scarpelli, 2003), o envenenamento da população pelo dos locais e ocasiões da amostragem, antes do trata-
consumo de peixes contaminados por mercúrio de eflu- mento e distribuição. Constituiu uma atividade do
entes industriais despejados na baía de Minamata, no PGAGEM - Programa Nacional de Pesquisa em Geoquí-
Japão (Kudo et al., 1998) e os freqüentes casos de into- mica Ambiental e Geologia Médica, em desenvolvimento
xicação nos habitantes de Fungang, Japão, pelo consu- pelo Serviço Geológico do Brasil – CPRM, que contou
mo de arroz irrigado com águas do rio Shentong, ricas com o apoio da Agência Nacional de Águas-ANA, Supe-
em cádmio por passar em áreas de mineração de zinco rintendência de Administração da Rede Hidrometeoroló-
(Yama, 1987, apud Nian-Feng Lin et al., 2004). gica, através do Projeto Operação da Rede do Convênio
A real dimensão do problema da salubridade das ANA/CPRM. O PGAGEM visa estudar as relações entre o
águas de consumo, que tende a se agravar em âmbito quimismo dos objetos geológicos e sua influência nas
mundial, é melhor avaliada ao acompanhar-se na im- áreas do meio ambiente e da saúde pública.
prensa as informações sobre o tema, quase que diárias.
No Ceará, apenas 470 dos 760 distritos em que é di- AS ÁGUAS NO CEARÁ
vidido o seu território (compondo 184 municípios) con-
tam com rede de abastecimento de água, sendo que em Composicionalmente, segundo IBGE e SUDENE
154 deles não há qualquer tratamento. Os restantes 290 (1966), no Ceará há maior abundância e mais ampla dis-

– 183 –
Elementos Químicos em Águas de Abastecimento Público no Estado do Ceará

tribuição das águas superficiais do tipo Bicarbonatadas nos de variada composição mineral e, em geral, desfa-
Mistas e Bicarbonatadas Sódicas, ocorrendo ao norte e voráveis à circulação da água subterrânea, que se faz
sul do estado e na região próxima a Fortaleza, respecti- por sistemas de fraturamentos, com elevado conteúdo
vamente; Cloretadas Mistas que ocorrem na porção cen- de sais dissolvidos.
tral do território estadual, estendendo-se em uma faixa Nos cursos de água superficiais é esperado que a
até o litoral norte e outra até quase o litoral nordeste; Clo- composição da água tenha a contribuição de material
retadas Sódicas e Mistas Sódicas com ocorrência na solubilizado de toda a bacia hidrográfica a montante do
porção centro-oeste do estado. A potabilidade (calcula- ponto de coleta, e que tenha uma variação sazonal (por
da em função da concentração dos principais cátions e diferenças no fluxo, pluviosidade variável na área de in-
dureza) é boa, com exceção de uma pequena bacia no fluência etc.) mais importante do que aquela verificada
alto rio Banabuiú e com restrição nas proximidades da na água subterrânea. Das captações amostradas em
foz do rio Jaguaribe, de maior salinidade. Para irrigação, rios, a maior freqüência é verificada nas faixas de areias,
as águas são impróprias na região central do estado, cascalhos e argilas inconsolidados do Quaternário, de-
nos rios Quixeramobim e alto Banabuiú, e próximo da foz pósitos aluvionares dos próprios rios que se encontram
do rio Jaguaribe, devido ao elevado conteúdo em sais perenizados.
dissolvidos (Figura 1a). Açudes e lagos constituem as principais fontes
Quanto às águas subterrâneas, existe a classifica- d’água de abastecimento público no estado; suas águas
ção primária da água entre doce, salobra e salgada, em também devem refletir a composição das bacias dos rios
função da concentração de sólidos totais dissolvidos que lhes dão origem, com variações intermediárias na
(STD), calculados a partir da condutividade elétrica me- composição devidas à sazonalidade climática. Encon-
dida em 7.092 poços, dentre os mais de 13.000 poços tram-se estabelecidos preferencialmente sobre terrenos
cadastrados em todo o estado, pelo Programa Recense- cristalinos constituídos por antigas rochas ígneas e sedi-
amento de Fontes de Abastecimento por Água Subterrâ- mentares afetadas por processos metamórficos: grani-
nea no Estado do Ceará, executado pelo Serviço Geoló- tos, granodioritos, orto e paragnaisses, metabásicas,
gico do Brasil - CPRM em 1999 (CPRM, 1999). Pode-se, quartzitos, micaxistos, metacalcários, filitos etc, que
a partir deles, delinear as conhecidas províncias hidro- compõem várias unidades estratigráficas posicionadas
geológicas do estado: coberturas sedimentares ceno- no Arqueano e Proterozóico.
zóicas, mesozóicas e paleozóicas ao norte (litoral), a sul
(chapada do Araripe) e a oeste (chapada da Ibiapaba - METODOLOGIA DO TRABALHO
fronteira com o Piauí), respectivamente, onde há predo-
mínio de poços com água doce, e o embasamento cris- As 184 sedes municipais e os 46 distritos visitados
talino, na ampla região central cobrindo quase todo o es- (área superior a 1.000 km2) têm em sua maioria o abas-
tado, onde dominam as águas subterrâneas salobras e tecimento de água a partir de açudes (130) e poços tu-
salgadas (Figura 1b). bulares de diversas profundidades e vazões (51), regis-
Não obstante a ampla diversidade geológica do es- trando-se ainda poços tipo amazonas (28) e captação
tado e a irregularidade na distribuição territorial dos pon- direta em rios (20) e fontes (4) (Figura. 2). Em alguns
tos de captação, condicionada por conveniências eco- dos municípios, o sistema de captação é misto, com-
nômicas, sociais ou políticas, observa-se uma lógica re- posto por poços tubulares + amazonas ou poços ama-
lação entre as litologias e os tipos de captação d’água zonas + captação direta da drenagem. A cidade de
que são adotados e que servem de abastecimento pú- Ibaretama, na época da coleta de amostras, estava
blico para as sedes municipais. sendo abastecida por carro-pipa, e em Sucatinga, dis-
Os poços tipo amazonas e tubulares são dominan- trito de Beberibe, os poços são familiares, individuais.
tes em terrenos cobertos por sedimentos inconsolida- Quando a instalação da unidade de captação é única
dos, areias, argilas e cascalhos do Quaternário. Vários ti- para vários municípios e distritos, optou-se por coletar o
pos dos poços tubulares que alimentam as sedes dos correspondente número de amostras em vários locais
municípios também são registrados no domínio de areni- desses corpos d’água, embora fora do ponto de capta-
tos e argilitos do Grupo Barreiras, do Neogeno; em areni- ção comum.
tos, siltitos e folhelhos de diversas formações geológicas As amostras foram coletadas com recipiente plásti-
mesozóicas (formações Rio Batateiras, Exu, Missão Ve- co, nos locais (poços e fontes) ou nas proximidades das
lha, Brejo Santo e Icó); e ainda em seqüências de areni- bombas de sucção (em açudes ou rios), sempre situa-
tos e conglomerados silurianos (Formação Mauriti e Gru- das antes das estações de tratamento, pré-distribuição.
po Serra Grande). A menor proporção de poços, de até Desse recipiente tomavam-se alíquotas de 50 ml em dois
60 metros de profundidade, ocorre no domínio das ro- frascos apropriados, fazendo uso de uma seringa aco-
chas cristalinas do Proterozóico e Arqueano; são terre- plada a um filtro de membrana “Millipore” de 0,45 mm,

– 184 –
Sergio João Frizzo

a) ÁGUA SUPERFICIAL 0
0

CEARÁ

BRASIL

24
0

C LAS S I F I CAÇ Ã O AMERICA


DO
SUL

Bicarbonatada mista
Bicarbonatada sódica
Cloretada sódica
Cloretada mista
Mista sódica
FORTALEZA
Sobral

PO TAB I LI DAD E
Boa
CEARÁ
Passável

Juazeiro do Norte

IRRIGAÇÃO
Águas sem restrições à irrigação, com
pouco risco de salinidade
Águas com salinidade média. Só devem ser
usadas com boa lixiviação e drenagem
Águas com teores elevados de sais e sódio,
não devendo ser usada para irrigação

Fonte: IBGE e SUDENE - Hidroquímica dos Mananciais de Superfície - Região Nordeste


(Área de atuação da SUDENE). [Mapa em escala 1:2.500.000]. 1996

b) ÁGUA SUBTERRÂNEA

FORTALEZA

POÇOS

TOTAL DE SÓLIDOS DISSOLVIDOS


STD - (mg/L)
Água doce < 500

Água salobra 500 - 1.500

Água salgada > 1.500

Fonte: CPRM - Atlas dos Recursos Hídricos Subterrâneos do Ceará. Programa Recenseamento de
Fontes de Abastecimento por Água Subterrânea no Estado do Ceará. [Cd-rom]. Fev/1999

Figura 1 – Características Das Águas No Estado Do Ceará.

– 185 –
Elementos Químicos em Águas de Abastecimento Público no Estado do Ceará

descartáveis, sendo uma alíquota acidulada com 10 go- as concentrações dos cátions Al, As, B, Ba, Be, Ca, Cd,
tas de HNO3 superpuro para análise dos cátions. Duran- Co, Cr, Cu, Fe, K, Li, Mg, Mn, Mo, Na, Ni, Pb, Se, Sr, Ti, V
te a etapa de campo as amostras eram mantidas sob re- e Zn e dos ânions Br, Cl, F, NO2, NO3, PO4 e SO4.
frigeração. Foram gerados mapas de distribuição geográfica
As análises dos cátions foram efetuadas por Espec- das concentrações dos elementos que apresentaram
trometria de Emissão Atômica com fonte de plasma suficiente amplitude de resultados. Nas figuras 3 e 4
(ICP-AES) nos laboratórios da CPRM e da EMBRAPA e vê-se os resultados para alguns elementos seleciona-
dos ânions, por Cromatógrafo Iônico do Instituto de Quí- dos, cujos maiores teores têm provável origem na polui-
mica da UFRJ e do Laboratório de Caracterização de ção ou contaminação e em litologias do substrato, res-
Águas da PUC, todos no Rio de Janeiro. Foram avaliadas pectivamente.

0
0

CEARÁ

BRASIL

24
0

AMERICA
DO
SUL

FORTALEZA
Sobral
9550000

Quixadá
N
Crateús 0 100 km
9350000

Poços tubulares
Poços tipo amazonas
Fontes
Iguatu Açudes e lagos
Rios

Limite de município
Juazeiro
9150000

Principais cidades

250000 450000 650000


Figura 2 – Locais de Amostragem de Águas - Estado do Ceará.

– 186 –
Sergio João Frizzo

FORTALEZA
0,020 mg/L N Sobral
açude Gavião

0,465 mg/L
açude Gavião Crateús
Quixadá

0,768 mg/L
poço tubular

Iguatu

Cd Zn
Juazeiro

Pb

599 mg/L
poço tubular

NO 3
Cl

4.012 mg/L
açude Buenos Aires

7,670 mg/L
açude Buenos Aires
Br 0 100 km

Elemento Detecção VR <


= VR 1 a 3 VR > 3 VR

Cd 102 0,001 <0,001 a 0,001 0,001 a 0,003 0,003 a 0,020

Pb 16 0,01 <0,005 a 0,010 0,010 a 0,030 0,030 a 0,465

Zn 233 0,18 <0,001 a 0,180 0,180 a 0,540 0,540 a 0,768

Br 213 0,025 <0,010 a 0,025 0,025 a 0,075 0,075 a 7,670

Cl 233 250 0,80 a 250 250 a 750 750 a 4.012

NO3 211 10 <0,01 a 10 10 a 30 30 a 2.431


Detecção: número de resultados definidos em 234 amostras
VR: Valor de referência do CONAMA, em mg/L

Figura 3 – Distribuição dos Resultados de Elementos em Águas

– 187 –
Elementos Químicos em Águas de Abastecimento Público no Estado do Ceará

5,59 mg/L
poço tubular
FORTALEZA
N Sobral

12,19 mg/L
poço amazonas Quixadá
Crateús
0,80 mg/L
rio Patu

Iguatu

Ba Al
Juazeiro

6,29 mg/L
1,204 mg/L poço tubular
poço tubular

Fe

Mn F

65,5 mg/L
poço tubular

Mg
0 100 km

Elemento Detecção VR <


= VR 1 a 3 VR > 3 VR
Al 20 0,10 <0,10 a 0,10 0,10 a 0,30 0,30 a 0,80
Ba 234 0,70 0,004 a 0,70 0,70 a 2,20 2,20 a 5,59
Fe 233 0,30 <0,001 a 0,30 0,30 a 0,90 0,90 a 12,19
Mn 234 0,10 <0,001 a 0,10 0,10 a 0,30 0,30 a 1,21
F 227 1,4 0,4 a 1,4
1
1,4 a 4,2 4,2 a 6,3
Mg 234 sem 0,08 a 6,96
2
6,96 a 30,0 30,0 a 65,5
1 - valores inferiores a 0,4 ( no mapa) indicam deficiência em flúor
2 - as classes correspondem a 0-50%, 50-95% e >95% da frequência
Detecção: número de resultados definidos em 234 amostras
VR: valor de referência do CONAMA, em mg/L

Figura 4 – Distribuição dos Resultados de Elementos em Águas.

– 188 –
Sergio João Frizzo

RESULTADOS quase 88% das amostras de águas de abastecimento


público, colhidas no estado do Ceará, apresentaram
O método de análise é inadequado para Se, Cu, Br e concentrações elevadas, consideradas risco à saúde
PO4, pois as sensibilidades analíticas não atingem os va- humana, exibindo valores entre 0,03 e o máximo de 7,67
lores de referência do CONAMA (2005). Não foram estu- mg/L já citado.
dados os elementos V, Cr, Ti, Mo e Be, porque tiveram Com exceção da água do poço tubular profundo de
menos de 3% de resultados definidos, e todos eles inferi- Salitre (extremo-sudoeste do território estadual), conten-
ores às respectivas referências do Conselho Nacional de do 2,56 mg/L de bromo de origem natural, litológica, in-
Meio Ambiente – CONAMA (2005). fluenciada por depósitos salinos evaporíticos da Forma-
Um pequeno conjunto de amostras, coletadas nas ção Santana, nas demais amostras este ânion deve ser
mesmas estações antes e após o período chuvoso anu- originado de fonte secundária de poluição (antrópica),
al, permitiu avaliar que a variação temporal é de peque- pois os derivados de bromo são encontrados na gasoli-
na grandeza, e reflete os processos de introdução de na, herbicidas, inseticidas, tintas e preparados farma-
águas pluviais na drenagem, com conseqüente diluição cêuticos. O próprio tratamento de purificação para pota-
dos componentes nos açudes e rios, e o aumento dos te- bilidade da água pode introduzir ou aumentar este ele-
ores nas águas subterrâneas devido a dissolução de mento na cadeia de consumo, pois há evidência de que
sais durante a infiltração e percolação para os aqüíferos. produtos comerciais como soluções de hipoclorito de
As diferenças e semelhanças composicionais mon- sódio contêm bromo como contaminante (Thompson &
tante-jusante e laterais, que dizem da homogeneidade Megonnell, 2003).
do meio representado, puderam ser estimadas com Para nitratos (NO3), o resultado mais elevado foi de
amostras provenientes de mesmos corpos d’água, cole- 599 mg/L, registrado na amostra de água de um poço tu-
tadas a curtas distâncias umas das outras. Constatou-se bular que abastece a localidade de Marrecas, distrito de
que a variação de teores é quase inexistente para os ele- Tauá, sudoeste do estado. Existe um outro registro, de
mentos que se encontram solubilizados, e algo diver- 59 mg/L de NO3 na água de um poço tipo amazonas,
gente para os transportados sob forma preferencial de também utilizado pela população a cerca de 200 metros.
colóides. Nos rios as variações são maiores do que nos Ambos com valores altos de Br, Cd e PO4 associados.
açudes. Essas pequenas variações aparentam ser epi- Não há, evidentemente, relação com as litologias ali
sódicas e de fontes com pequena expressividade (pon- ocorrentes, paragnaisses com estratos de granitóides
tuais) quanto à origem ou situam-se a longa distância, o do Proterozóico. Os compostos de nitrogênio são comu-
que pode descaracterizar origem geológica expressiva. mente usados em fertilizantes, que são as maiores fontes
Tais variações são, todavia, a essência para estudos de poluição regional das águas superficiais e subterrâ-
ambientais localizados. neas, mas nos locais mencionados, a provável contami-
Entre os elementos mais prejudiciais à saúde huma- nação do aqüífero é por esgotos.
na, que podem não ser retidos durante o tratamento con- Em Cococi, município de Parambu, no extre-
vencional (Angino, apud Thornton, 1983, pg. 171), des- mo-sudoeste do Ceará, a amostra de um poço tubular
tacam-se os altos valores de Cd e Pb (0,02 e 0,465 mg/L, teve o resultado mais elevado para zinco - 0,768 mg/L.
respectivamente) encontrados em águas do açude Ga- São ali ocorrentes ardósias, folhelhos, argilitos e siltitos
vião, que abastece vários municípios na Região Metro- calcíferos da Formação Cococi, Grupo Rio Jucá, atribuí-
politana de Fortaleza (Figura3). Das 4 amostras coleta- da ao período Cambro-Ordoviciano. Com teor pouco in-
das nesse açude, uma conteve Pb acima do valor de re- ferior, a amostra colhida no poço de Lagoa dos Montei-
ferência do CONAMA (2005) e em 3 ocorre Cd no limite ros, que abastece Jijoca de Jericoacoara na região lito-
determinado pela legislação. Essas concentrações, pro- rânea a norte, teve um registro de 0,736 mg/L do metal,
vavelmente, têm origem na poluição atmosférica, uma junto a vários outros elementos com valores acima dos
vez que o açude Gavião é próximo a vários municípios respectivos níveis referenciais; o terreno no local é com-
com importantes e diversificados parques industriais posto por arenitos argilosos com leitos conglomeráticos
(Fortaleza, Eusébio, Itaitinga, Maracanaú e Horizonte). e nódulos lateríticos do Grupo Barreiras, do Neogeno.
Os resultados mais altos de Br e Cl (respectivamen- Embora elemento comum em acessórios de rochas, nes-
te 7,67 e 4.012 mg/L) foram encontrados em uma amos- tes casos, as altas concentrações de Zn provavelmente
tra proveniente do açude Buenos Aires, cujas águas são são devidas à contaminação pelo próprio material de
captadas para a cidade de Catarina, região centro-sul construção dos poços, haja vista que uma das principais
do estado e, os ânions F e PO4 encontram-se associados utilizações deste metal é na galvanização do aço, muito
em valores igualmente superiores aos do CONAMA, sen- utilizado nas tubulações e dutoras.
do a poluição antropogênica a fonte mais provável para Dos elementos que estão relacionados princi-
esta contaminação. O bromo merece destaque porque palmente à composição litológica (Figura.4), o alumínio

– 189 –
Elementos Químicos em Águas de Abastecimento Público no Estado do Ceará

apresentou a menor detecção, tendo distribuição irregu- mentos que corta a área, é noticiada a ocorrência de flu-
lar pelo território estadual; os resultados que sobressa- orita. Sendo o flúor também um elemento essencial, a
em ocorrem preferencialmente em açudes e rios. O teor Organização Mundial de Saúde recomenda sua adição
mais elevado (0,8 mg/L) foi encontrado no rio Patu, que durante o tratamento de potabilidade, quando os teores
abastece Mineirolândia, distrito de Pedra Branca, asso- são inferiores a 0,4 mg/L nas águas de abastecimento. O
ciado com alto teor em ferro. Essa drenagem corta ro- mapa de distribuição do flúor mostra que este é o caso
chas arqueanas do Complexo Cruzeta, gnaisses e mig- para a quase totalidade (aproximadamente 90%) das
matitos com metamáficas e metaultramáficas e lentes de fontes de abastecimento dos municípios do estado do
micaxistos, quartzitos, metacalcários, formações ferrífe- Ceará.
ras e calcissilicáticas. O intemperismo sobre tais tipos Em síntese e considerando-se todos os elementos
de rochas pode prover esses elevados valores detecta- avaliados, as águas de abastecimento público de 211 lo-
dos, com a liberação de argilas e colóides fluviais. calidades em 230 visitadas (91%) contiveram ao menos
Águas contendo bário em concentrações de 5,588 1 elemento químico em dosagem acima do recomenda-
(maior valor) e de 1,727 mg/L são provenientes de poços do, e em 49 delas (21% do total), são 3 ou mais os ele-
tubulares que abastecem as cidades de Jijoca de Jeri- mentos em mesma situação.
coacoara e Cruz, cerca de 20 km a leste, respectiva-
mente. Os terrenos locais são compostos por arenitos CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
argilosos com leitos conglomeráticos do Grupo Barrei-
ras, o que sugere um possível relacionamento com fáci- O trabalho realizado, objetivando a constatação da
es locais desta unidade litológica. existência ou não de metais pesados nas águas de con-
O resultado mais elevado para ferro (12,19 mg/L) foi sumo da população cearense, foi efetivo ao retratar
determinado na amostra proveniente do poço amazonas uma situação preocupante, não somente em função
que alimenta a cidade de Pacoti, cerca de 100 km a su- dos teores elevados de alguns elementos sabidamente
doeste da capital, e o de manganês (1,204 mg/L) foi ob- tóxicos, mas também pela quantidade e amplitude da
tido na amostra de um poço tubular de Santana do Aca- distribuição das amostras que os contém, no território
raú, norte do estado. A associação Fe-Mn, que pode ser estadual.
constatada nos mapas de distribuição dos elementos, é Todavia, é prematuro no presente momento afirmar
típica de óxidos-hidróxidos coloidais, que podem conter que as águas de tais fontes de abastecimento sejam im-
outros íons adsorvidos, provenientes da zona de oxida- próprias para consumo humano. Além de fatores como a
ção na faixa de flutuação do lençol freático. concentração, as variações locais no mesmo corpo
O magnésio, assim como K e Ca, com o qual é forte- d´água e a persistência dos altos valores ao longo do
mente relacionado, é essencial para a vida e não possui tempo, deve-se levar em conta ainda a especiação (es-
restrição quanto aos teores máximos em águas. Seu re- tado de oxidação/valência) de alguns desses indivíduos
sultado mais elevado (65,5 mg/L) foi encontrado na químicos, o que afeta as respectivas mobilidades e bio-
amostra coletada em um poço tubular em Cipó dos disponibilidades, e que são determinantes para avalia-
Anjos, distrito de Quixadá; marca o limite leste de uma ção de seu risco (Centeno, comunicação verbal, Work-
faixa enriquecida em magnésio que se estende por 100 shop Internacional de Geologia Médica, 2005).
km em direção noroeste, onde foram determinados Os resultados descritos, embora consistentes, de-
42,14 mg/L em Choró (açude Choró Limão), 45,16 mg/L vem ser considerados como indícios e sinalizam água
em Madalena (poço amazonas) e 51,76 mg/L na amos- inadequada para consumo humano, mas são necessá-
tra de um poço tubular em Itatira. Embora as rochas que rios mais estudos para confirmação e caracterização
ocorrem nos locais mencionados sejam variadas, suge- das águas de abastecimento em todo território do esta-
re-se origem litogênica, uma vez que este elemento é do do Ceará. É importante a execução de trabalhos em
produto do intemperismo de ampla gama de minerais detalhe e de monitoramento sistemático, naqueles lo-
formadores de rochas (anfibólios, piroxênios, biotitas, cais onde foram encontrados resultados propensos a
cloritas, dolomitas etc.). influenciar negativamente a saúde dos habitantes, ob-
Para flúor, o maior teor registrado foi de 6,29 mg/L jetivando identificar a fonte original da contaminação
na amostra de um dos poços tubulares que fazem parte (natural ou antropogênica) e determinar a persistência
do sistema de abastecimento de Santana do Acaraú, desses fatores no meio ambiente local, com vistas à sua
norte do Ceará. A origem provável deste elemento é lito- remediação. Se confirmados os indícios, as autorida-
gênica, seja por enriquecimento em termos alcalinos das des de saúde pública devem ser imediatamente notifi-
rochas vulcânicas Parapuí ou por fluidos hidrotermais cadas para que realizem estudos epidemiológicos e, se
circulantes em falhas e fraturas, pois a cerca de 120 km necessário, exames toxicológicos adequados na popu-
para SW, acompanhando o extenso sistema de falha- lação em risco.

– 190 –
Sergio João Frizzo

Os órgãos governamentais devem ainda controlar rá. Fortaleza: CPRM – Residência de Fortaleza,
a qualidade das águas minerais vendidas em garrafões 2006. 67p.
de 20 litros, que geralmente não sofrem qualquer trata- IBGE. Superintendência de Desenvolvimento do Nor-
mento ou purificação previamente à distribuição em deste. Hidroquímica dos mananciais de superfície:
pontos de venda e que em sua maioria são águas sub- região Nordeste. [S.l.: s.n.], 1996. 1 mapa, color.
terrâneas e propensas a enriquecimentos de elementos Com nota explicativa. Escala 1:2.500.000.
tóxicos. Dados oficiais (DNPM, 2005) apontam uma IBGE. Pesquisa nacional de saneamento básico. [S.l.:
produção de 115.609.000 litros de água mineral no Ce- s.n.], 2000. Disponível em: <http:// www,ibge.gov.br/
ará em 2004, correspondentes a cerca de 5,7 milhões home/estatistica/populacao/condicaodevi-
de garrafões d´água; nas análises obrigatórias para da/pnsb/abastecimento_de_agua/abagua
sua caracterização, não é exigida a determinação de 12.shtm>. Acesso em: 04 out. 2005.
metais pesados. KUDO, A. et al. Lessons from minamata mercury polluti-
on, Japan – after a continuous 22 years of observati-
on. Water Science and Technology, v.38, n.7, p.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 187-193, 1998.
NIAN-FENG LIN; JIE TANG; JIAN-MIN BIAN. Geochemi-
CPRM - Serviço Geológico do Brasil. Atlas dos recursos cal environment and health problems in China. Net-
hídricos subterrâneos do Ceará: programa recense- herlands: Kluwer Academic Publishers, 2004.
amento de fontes de abastecimento por água subter- SCARPELLI, W. Introdução à geologia médica. São Pau-
rânea no estado do Ceará. Fortaleza: CPRM - Resi- lo: Universidade de São Paulo - Instituto de Geociên-
dência de Fortaleza, 1999. 1 CD-ROM. cias, 2003. Curso proferido na I FENAFEG,
DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO THOMPSON, K.; MEGONNELL, N. Casebook: activa-
MINERAL- DNPM. Anuário mineral brasileiro - parte ted carbon – a media for bromate reduction? Dispo-
II: estatística estadual. [S.n.:s.l.], 2005. Disponível nivel em: http://www.pollutionengineering.com/CDA/
em: <http://www.dnpm.gov.br/portal>. Acesso em: 1 ArticleInformation/features/BNP__Features__ Item/
dez. 2005. 0,6649,108123,00.html. Acesso em: 14 abr. 2005.
FRIZZO, S. J. Elementos químicos (metais pesados) em THORNTON, I. (Ed.). Applied environmental geoche-
águas de abastecimento público no estado do Cea- mistry. [S.l.]: Academic Press Inc., 1983.

– 191 –
Avaliação da Contaminação da Água Consumida no Campus da UFRN em Relação à Presença de Nitratos Provenientes de Fossas Sépticas

AVALIAÇÃO DA
CONTAMINAÇÃO DA
ÁGUA CONSUMIDA NO
CAMPUS DA UFRN EM
RELAÇÃO À PRESENÇA DE
NITRATOS PROVENIENTES
DE FOSSAS SÉPTICAS
Reinaldo A. Petta, petta@geologia.ufrn.br
Ludmagna P. de Araújo, ludmagna@rn.gov.br
Raquel F. S. Lima, raquel@geologia.ufrn.br
Cynthia R. Duarte, cynthia@geologia.ufrn.br
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

RESUMO CAD, de todo o campus, e um banco de dados relacio-


nal com informações sobre os teores de contaminação
O presente estudo teve como objetivo analisar a qua- existentes, visando considerar, avaliar e fornecer bases
lidade da água de consumo do campus da UFRN (Univer- para a discussão das questões relacionadas à vigilância
sidade Federal do Rio Grande do Norte), em Natal. Foram e controle da qualidade da água.
selecionadas 60 estações para a coleta de água, sendo A abordagem da problemática tem como base as
elas, saída das fontes de abastecimento da rede interna mais diversas variáveis, para caracterizar os pontos con-
do Campus e dos diversos bebedouros espalhados pelos siderados críticos para possíveis tomadas de decisão.
setores de aula. As coletas foram realizadas no período No SIG, os planos de informações inter-relacionadas in-
de maio e junho de 2003, compreendendo um período le- tegraram os dados espaciais inerentes à qualidade da
tivo. A partir da amostragem das águas desses bebedou- água, representados em mapa por pontos de controle
ros foram realizadas análises químicas e com estes da- permanente, tomando como padrão os valores do pro-
dos, montou-se um banco de dados com diversas infor- grama de monitoramento integrado pelos órgãos de
mações inerentes aos pontos amostrados, possibilitando controle ambiental fundamentado nos padrões estabele-
um futuro monitoramento e gestão da qualidade da água. cidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Con-
Foi usado um Sistema de Informação Geográfica selho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
(SIG) para a visualização e integração de todos os resul- Para avaliação da qualidade da água, as amostras
tados analíticos obtidos para as concentrações de nitra- foram submetidas às análises de nitratos e nitritos, bem
to das águas dos bebedouros e que possibilitou a identi- como de coliformes fecais totais pela técnica de mem-
ficação e quantificação dos contaminantes que influen- brana filtrante; contagem geral de bactérias mesófilas
ciam a qualidade das águas consumidas nos bebedou- heterotróficas, através da técnica de Pour Plate, confor-
ros do campus, bem como a visualização de sua me o “Standard Methods”. Em alguns locais, foram visu-
distribuição espacial. Este sistema dispõe de planos de almente identificados restos de matéria orgânica em
informações disponibilizadas sobre a base cartográfica suspensão, e a partir da avaliação de um conjunto de 60

– 192 –
Reinaldo A. Petta

(sessenta) análises, foi reconhecido que os teores de ni- Neste trabalho foram consideradas as aplicabilida-
trato de alguns setores se encontram alterados, como des em um SIG de planos de informações in-
por exemplo, no Laboratório de Geologia, onde foram ter-relacionadas, que integram as informações espaciais
encontrados teores acima do limite superior permitido. O envolvendo banco de dados, a rede de abastecimento
projeto buscou também implementar uma base carto- particular do campus universitário e seus principais ma-
gráfica digital do Campus, com representação em mapa nanciais e reservatórios e os dados da Companhia de
dos pontos de controle permanente, fixados por bloco Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte – CAERN, bem
acadêmico e georreferenciados por GPS, com o maior como os padrões da qualidade da água de acordo com
número de informações possíveis, pois somente um mo- o programa de monitoramento integrado pelos órgãos
nitoramento contínuo e sistemático permitirá que se to- de controle ambiental do estado (Instituto de Desenvolvi-
mem precauções e se estabeleçam políticas de controle mento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do
dos padrões de potabilidade e da qualidade da água Norte – IDEMA/RN e a Secretaria de Recursos Hídricos
nas dependências do Campus da UFRN. do Rio Grande do Norte – SERHID, e do Município como
a Secretaria Especial do Meio Ambiente e Urbanismo –
INTRODUÇÃO E CONTEXTO SEMURB), todos representados em mapas temáticos,
por pontos de controle georreferenciados permanentes.
A poluição das águas pode ser gerada por (i) eflu- O contexto geológico da área estudada (Campus
entes domésticos (poluentes orgânicos biodegradáveis, UFRN) consiste em sedimentos quaternários, típicos de
nutrientes e bactérias), (ii) efluentes industriais (poluen- dunas, e por sedimentos pertencentes ao Grupo Barrei-
tes orgânicos e inorgânicos, dependendo da atividade ras, que por sua vez, são capeados por sedimentos cre-
industrial) e (iii) carga difusa urbana e agrícola (poluen- táceos (Mesozóico Superior) detectados em alguns per-
tes drenados dos fertilizantes, defensivos agrícolas e ex- fis. São sedimentos com forte porosidade, compostos de
crementos de animais). Existem contaminantes que so- grãos bem selecionados que conferem à região uma
mente afetam a aparência da água, enquanto outros não grande permeabilidade. A estrutura do aqüífero Du-
são tão evidentes, mas podem causar graves problemas nas/Barreiras (que abastece a cidade de Natal) é varia-
à saúde. Como exemplo destes últimos, podem ser cita- da, com alta permeabilidade do solo constituído por arei-
dos os defensivos agrícolas tóxicos e bactérias colifor- as eólicas, que apresentam altas taxas de infiltração.
mes, além dos íons nitrato e nitrito. A contaminação devida à ocupação urbana inade-
Na análise espacial dos problemas relacionados à quada e sem planejamento nos solos, rios e ecossiste-
contaminação das águas, as modernas tecnologias de mas lacustres da área da Grande Natal, converteu-se
Geoprocessamento, Global Positioning System (GPS) e em um dos graves problemas ambientais da atualidade.
Sistemas de Informações Geográficas (SIG) têm se so- Verifica-se que a inexistência de rede de esgoto sanitá-
bressaído muito nos últimos anos e se mostrado bastan- rio em grande parte da cidade de Natal permite que os
te efetivas na identificação de riscos potenciais dos re- esgotos domésticos (colocados em fossas sépticas e
cursos hídricos, no monitoramento em seus problemas “sumidouros”), se infiltrem até níveis do aqüífero, poten-
de poluição e no relacionamento da qualidade de vida e cializando a contaminação das águas subterrâneas, e
saúde com a qualidade da água consumida. O SIG tem aumentando substancialmente sua área afetada nestes
sido freqüentemente utilizado como ferramenta de con- últimos anos, atingindo fontes de abastecimento impor-
solidação e análise de grandes bases de dados envol- tantes para a população.
vendo a saúde e o meio ambiente, por aportar novos Atualmente a comunidade acadêmica do Campus
subsídios para o planejamento, auxiliando nas ações ad- Central é formada por 15.338 estudantes, 3.605 funcio-
ministrativas, baseadas na análise e distribuição espaci- nários e 1.523 docentes concentrados numa área de 123
al dos eventos, localizando pontualmente os riscos am- ha, circundada, de um lado, por extensas muralhas de
bientais existentes. dunas litorâneas e, por outro, pelas vias de acesso ao
O geoprocessamento é portanto um instrumento de centro da cidade do Natal (Figura 1).
organização da decisão estratégica muito útil à saúde e O campus universitário fica um pouco afastado do
ao meio ambiente, área em que é preciso, a todo o mo- centro, onde teoricamente a água deveria estar menos
mento, tomar decisões para priorizar ações em cima de poluída, entretanto todos os cinco postos de abasteci-
uma dada realidade (Barcellos, 1998). Juntos, os SIG’s e mento, como será indicado neste estudo, já estão conta-
os modelos criados, gerenciados por uma interface grá- minados — impróprios para o consumo humano. A água
fica e amigável, formam os mais modernos sistemas de desses poços é imprópria para consumo humano e de-
suporte a decisão, que vêm sendo cada vez mais utiliza- verá de agora em diante ser usada apenas para lavar vi-
dos no planejamento e gestão de recursos hídricos e drarias em laboratórios, limpeza do espaço físico, jardins
ambientais. e coisas desse tipo.

– 193 –
Avaliação da Contaminação da Água Consumida no Campus da UFRN em Relação à Presença de Nitratos Provenientes de Fossas Sépticas

Figura 1 – Localização da área estudada.

MATERIAIS E MÉTODOS ses, a existência na área dos pontos de real contamina-


ção pelo íon nitrato (Tabela 1)(iii) Elaboração do SIG: De
A partir da amostragem das águas dos pontos sele- posse dos dados e dos mapas georreferenciados, par-
cionados realizaram-se análises químicas e com estes tiu-se para a montagem do SIG, que tinha como objetivo
resultados instanciou-se um banco de dados com diver- avaliar a quantidade e qualidade da água disponibiliza-
sas informações inerentes aos pontos amostrados, pos- da no campus-UFRN e a visão em sua distribuição espa-
sibilitando um futuro monitoramento e gestão da qualida- cial. (iv) Visualização e análise no SIG-Campus/UFRN
de da água (Figura 2). A abordagem da problemática dos diversos planos de informação, identificando os
tem como base as mais diversas variáveis, podendo ser principais bebedouros e a qualidade da água (Figura 3).
utilizadas, entre outros, a sistêmica, exata ou heurística, Para isso, alguns dos conjuntos de informações foram
para caracterizar os pontos considerados críticos para estruturados em forma de Temas (theme) que são níveis
possíveis tomadas de decisão. de informações estruturados no próprio ArcView, e po-
Este trabalho foi desenvolvido nas seguintes etapas: dem ser resumidos da seguinte forma:
(i) Levantamento Cartográfico e Trabalhos de Campa- • SETORES CENSITÁRIOS E CARTOGRÁFICOS: Os
nha: Nesta etapa foram localizados espacialmente os contornos dos setores censitários – SC do municí-
poços, lagoas e bebedouros com o auxílio do GPS, e pio de Natal foram transcritos digitalmente, da
também efetuados a coleta de amostras e o cadastra- base cartográfica do IBGE, para plantas na escala
mento dos pontos levantados em campo, com suas res- 1:2.000 obtidas no IDEMA/RN, a CAERN e do Cam-
pectivas informações, utilizando-se para isto o software pus na prefeitura do Campus Universitário/UFRN.
Excel. (ii) Análise Química das amostras: As amostras fo- Estes setores foram divididos em dois planos de in-
ram analisadas no laboratório do CEFET/RN, através de formação, um de Natal - uma área maior - e outro
kits geoquímicos, e identificados, por meio destas análi- do Campus-UFRN;

– 194 –
Reinaldo A. Petta

Tabela 1 – Teores de NO3 (mg/L) Em Água de Bebedouros do Campus Universitário

BEBEDOURO NO3 mg/L BEBEDOURO NO3 mg/L


Setor II - Sala de Aula 18 Setor IV – Sala de Aula 68
CCHLA – Biblioteca Setorial 22,05 Lab. Química 68,4
Setor I - Sala de Aula 24,75 Setor III - Sala de Aula 70,65
Setor V - Sala de Aula 32,4 Garagem 71,95
CT 32,8 Escola de Música 72,39
CCHLA – Secretaria de Residência Universitária 73,23
32,85
Geografia Restaurante Universitário 73,71
Setor I - Sala de Aula 35,1 Setor IV – Sala de Aula 73,8
CCSA – Serviço Social 38,25 Restaurante Universitário 74,08
TVU 40,5 Residência Universitária 74,08
Setor I - Sala de Aula 40,5 Residência Universitária 74,08
BCZM 41 Residência Universitária 74,08
Lab. DIMAP 41,4 Setor IV – Sala de Aula 75,6
Lab. Geologia 42,4 Setor III - Sala de Aula 76,05
CCHLA – Copa 43,2 Setor III - Sala de Aula 76,63
CCSA – Direito 43,65 Lab. Computação 77,85
Lab. Química 46,35 Setor III - Sala de Aula 77,85
BCZM 46,8 Setor IV – Sala de Aula 78,3
TVU 51,3 Centro de Convivência 81,45
Setor I - Sala de Aula 51,3 Garagem 84,74
Setor III - Sala de Aula 55,8 Quadra Poliesportiva 87,3
Setor III - Sala de Aula 56,25 Setor IV – Sala de Aula 88,65
Anfiteatro 56,7 Centro de Biociências 114,5
Setor IV - Sala de Aula 63 Centro de Biociências 116,46
Escola de Música 63,42 Centro de Biociências 116,46
Lab. Eng. Química 65,25 Centro de Biociências 116,73
Depto Recursos Humanos 65,55 Centro de Biociências 116,73
Lab. Eng. Química 67,5 Centro de Biociências 122,05

• SISTEMA PARTICULAR DE ABASTECIMENTO DE AVALIAÇÃO DO SISTEMA: SIG-CAMPUS


ÁGUA: Neste plano de informação foram compre-
endidas a identificação e localização de poços Este sistema, composto de planos de informações
particulares, das estações de tratamento, elevató- disponibilizadas sobre a base cartográfica CAD de todo
rias e suas respectivas informações, locadas pelo o campus, e um banco de dados relacional com informa-
GPS; ções sobre os teores de contaminação existentes, per-
• BEBEDOUROS: Neste plano de informação estão mitiu considerar, avaliar e fornecer bases para a discus-
contidos os bebedouros ativos, desativados e fe- são das questões relacionadas à vigilância e controle da
chados. Os pontos foram obtidos em campo por qualidade da água nas suas dependências. A elabora-
meio do GPS, juntamente com a coleta de material ção deste “SIG” permitiu a identificação e quantificação
e seus respectivos dados; do contaminante nitrato (NO3) nas águas consumidas
• QUALIDADE DA ÁGUA: Identificação dos locais nos bebedouros do Campus e a visualização de sua dis-
mais e menos afetados pelo íon nitrato. tribuição espacial (Figuras 2 e 3).

– 195 –
Avaliação da Contaminação da Água Consumida no Campus da UFRN em Relação à Presença de Nitratos Provenientes de Fossas Sépticas

Figura 2 – Visualização e integração de todos os dados gráficos e analíticos da área e o banco de dados geral.

Figura 3 – Visualização e integração dos resultados analíticos obtidos para as concentrações de nitrato das águas dos
bebedouros do Campus da UFRN.

– 196 –
Reinaldo A. Petta

A partir da avaliação de um conjunto de 60 (sessen- alguns setores, como os Setores I e II apresentam valores
ta) análises, em duplicata, de águas coletadas nos 60 compatíveis com o padrão da OMS, registrando valores
(sessenta) bebedouros espalhados pelo Campus Univer- até inferiores (18 mg/L). Pode-se constatar também que
sitário da UFRN, foi reconhecido que as concentrações não se trata de um problema pontual e restrito ao Cam-
de nitrato, na grande maioria dos bebedouros, se encon- pus.
-1 3-
tram acima do limite superior de 45 mg l de NO , valor As concentrações de NO3 superiores a 45 mg/L são
máximo estabelecido pela Organização Mundial de Saú- decorrentes principalmente da falta de saneamento bá-
de (OMS) e Conselho Nacional do Meio Ambiente sico em Natal, em especial nos conjuntos habitacionais
(CONAMA). Como exemplo de locais onde a concentra- que cercam o campus. Os teores de concentração de
3-
ção de NO3 está bem acima da média (Tabela 1), podem NO encontrados nas áreas adjacentes ao campus,
ser citados o Setor de aulas III (56 a 78 mg/L) e IV (63 a 89 como Mirassol e Conjunto dos Professores, apresentam
mg/L), Laboratórios de Engenharia Química (65 a 78 valores mais baixos porque as águas consumidas ali são
mg/L), Anfiteatro – CCET (57 mg/L). Laboratórios de Solos resultantes da mistura de águas de poços do sistema
(76 mg/L), Escola de Música e Restaurante Universitário público da CAERN com águas da Lagoa do Jiqui, porém
(63 a 72 mg/L), Artes – antiga Escola de Engenharia (83 se analisarmos somente as águas dos poços destas áre-
mg/L), Centro de Convivência (81 mg/L), restaurante e re- as, encontraremos valores semelhantes aos detectados
sidência universitária (74 mg/L), e outros setores onde fo- no Campus.
ram encontrados teores muito acima do limite superior A figura 4 ilustra o comportamento das concentra-
permitido, como o Centro de Biociências (114 a 122 ções de NO3 nos bebedouros do campus. Observa-se
mg/L), garagem (72 e 85 mg/L) e ginásio poliesportivo (87 que as maiores elevações estão dispostas no SW da
mg/L). área e os menores índices estão compreendidos no
Outros setores analisados mostram a presença de sentido NE. As concentrações de NO3 intermediárias
NO3 com concentrações abaixo ou muito próximas do li- merecem atenção devido os índices estarem acima
mite permitido, como por exemplo: CCSA – Serviço Social do valor recomendado pela OMS. Portanto, a espacia-
(44 mg/L), ADURN (42 mg/L), Biblioteca Central (47 lização das concentrações destes teores permite a
mg/L), Laboratório de Geologia (42 mg/L), Setor de Aulas adoção de ações positivas para facilitar a tomada de
I – Bloco F (51 mg/L) e CCHLA (43 mg/L). Por outro lado, decisões.

Figura 4 – Distribuição espacial das concentrações de nitrato nas águas dos bebedouros do Campus da UFRN explicitando
as áreas mais e menos atingidas.

– 197 –
Avaliação da Contaminação da Água Consumida no Campus da UFRN em Relação à Presença de Nitratos Provenientes de Fossas Sépticas

CONSIDERAÇÕES CONCLUSÕES

Os valores detectados no Campus estão muito aci- Com vistas às formulações básicas já mencionadas,
ma ou próximos do limite permitido, são preocupantes e concluiu-se que:
demonstram que a iniciativa da UFRN de monitorar as 1 – Os objetivos na realização deste trabalho foram atin-
águas servidas através dos seus bebedouros deve ter gidos e tiveram por base, gerar, utilizar o Sistema
continuidade. A indicação de valores altos de nitratos SIG-Campus/UFRN, para identificar e caracterizar
na área do Campus da UFRN se deve principalmente os resultados analíticos nas concentrações de nitra-
ao fato de que a água ali utilizada é captada diretamen- to, visando o controle do padrão de potabilidade da
te do subsolo e desta forma traz os teores identificados água consumida no Campus, o que permitiu uma
no próprio aqüífero. Estes valores são de distribuição abordagem diferente, possibilitando a realização de
regional e, como comentado, estão ligados à falta de uma análise atual e de um futuro monitoramento e
saneamento da cidade. Ou seja, sua concentração é gestão da qualidade das águas no campus universi-
maior no campus pelo fato de as águas dos poços não tário.
sofrerem diluição, assim como acontece com as águas 2 – As etapas de captura, tratamento e conversão de ma-
captadas nos poços vizinhos ao campus. pas e dados alfanuméricos do formato analógico
A contaminação atinge principalmente as áreas para o digital, quando associados ao sistema, forne-
mais habitadas devido ao processo de edificação (fos- ceram resultados satisfatórios.
sas) e pavimentação (impermeabilização) e, áreas como 3 – Faz-se necessário avaliar os impactos causados ao
a do campus universitário, que concentra áreas favorá- estado atual em que se encontram os bebedouros e
veis à infiltração, encontra-se prejudicada pela dinâmica suas relações com as condições de saúde da popu-
do fluxo subterrâneo. lação do campus, pela ingestão de teores químicos,
Foi constatado que o Centro de Biociências reunia o por exemplo, compostos nitrogenados, que em ele-
maior número de concentrações das amostras e, diante vadas concentrações provocam hipertensão, meta-
disso, foram tomadas providências no sentido de desco- hemoglobinemia, alguns tipos de câncer e linfoma,
brir as fontes do problema. Ficou comprovado que a ori- e conseqüentemente as condições da qualidade da
gem do abastecimento, um poço locado neste Centro, es- água consumida, objetivando um apropriado plane-
tava impróprio para consumo humano. O poço foi fecha- jamento futuro.
do e a rede ligada a outro poço com valores mais baixos. 4 – As metodologias utilizadas no arranjo das entidades
O abastecimento destes bebedouros hoje continua, po- geográficas permitiram representar no ambiente di-
rém oriundo de outra fonte de melhor qualidade. Nos de- gital os fenômenos presentes no mundo real, e cor-
mais bebedouros, foram tomadas medidas no sentido de responderam às expectativas esperadas.
melhorar estes índices de contaminação. 5 – O programa computacional empregado demonstrou
A base de dados para o Campus Universitário, com na coleta e tratamento, conversão e integração de
representação em mapa dos pontos de controle hidroquí- dados, boa capacidade, gerando desta forma diver-
mico nos parâmetros em nitrato, através de um monitora- sificados níveis de informações, cujas respostas,
mento sistemático, que o trabalho implementou, possibili- em forma de mapas e atributos, permitiram uma vi-
tará um monitoramento contínuo e sistemático, permitindo são ampla do espaço geográfico estudado.
que se tomem precauções e se estabeleçam políticas de 6 – Através do uso do SIG elaborado podem-se criar ce-
controle dos padrões de potabilidade e da qualidade da nários que permitam uma melhor focalização dos
água nas dependências do Campus da UFRN. mais diversos grupos de cartas temáticas e planejar
Efetivamente o campus está diante de um impasse ações em saneamento e vigilância à saúde na área.
que exige um redirecionamento de procedimentos e me- O SIG desenvolvido poderá também ser utilizado
didas emergenciais devem ser tomadas o mais rápido como instrumento didático e de debate com os alu-
possível, por parte de uma ação dirigida e eficaz, com a nos, professores e com a população das vizinhanças
participação de toda a comunidade, visando soluções sobre as condições e inserção no espaço urbano.
que possibilitem melhorar a qualidade desses recursos 7 – O valor agregado decorrente de tal trabalho, permiti-
hídricos, do abastecimento do Campus e conseqüente- rá às instituições públicas e particulares municipa-
mente no padrão de vida da população que o utiliza, caso is, em especial as autoridades administrativas refe-
contrário, é eminente a degradação do aqüífero Du- rentes aos recursos hídricos e em saúde pública,
nas/Barreiras pela propagação da contaminação que se um amplo espectro de visão dos problemas relaci-
observa. A preservação desse manancial é importante e onados ao tema, dentro do seu limite geográfico. A
medidas devem ser tomadas no sentido de manter a inte- interatividade dos diferentes assuntos que inte-
gridade físico-química e bacteriológica de suas águas. gram a unidade administrativa permitirá nortear as

– 198 –
Reinaldo A. Petta

políticas públicas de interesse para a área e, o me- do de manter a integridade físico–química e bacteriológi-
lhor planejamento em face das diversas composi- ca de suas águas, minimizando assim, gastos relaciona-
ções temáticas. dos com a saúde das pessoas. Faz–se necessário ainda
8 – Deve-se salientar que algumas informações concer- implementar o mais rápido possível, uma política de pro-
nentes à parte urbana, que foram levantadas para teção de mananciais e um sistema de esgotamento sani-
toda a cidade do Natal, não foram processadas es- tário eficiente, pois ocorrem problemas causados pelas
pecificamente neste trabalho, tendo em vista não ligações clandestinas que contaminam o meio.
possuírem relações diretas com este processamen- Finalmente é oportuno citar que, a ferramenta utiliza-
to. Entretanto os critérios utilizados neste trabalho da para a geração do SIG-Campus/UFRN, não é em es-
são os mesmos aplicados ao município como um sência a única que possa viabilizar tal trabalho; em verda-
todo e podem ser aplicados futuramente de modo a de, no mercado encontram-se variadas opções, com dife-
melhor identificar outras áreas e outros grupos de rentes maneiras de processar os assuntos inerentes ao in-
risco. ventário, uns com mais recursos, outros mais limitados.
9 – Sendo este trabalho uma realização pioneira em nível A escolha do sistema empregado se deu em função
local, municipal e estadual, o impacto da tecnologia de sua facilidade de manuseio, possibilidade de integra-
dos Sistemas de Informações Geográficas trará ção dos diversos planos de informação empregados
uma nova consciência: de que é necessário a qual- (dados químicos, cartográficos, banco de dados) e seu
quer tomador de decisão o bom domínio do conhe- amplo conhecimento na comunidade técni-
cimento geográfico e seus componentes. co-acadêmica, entretanto a evolução tecnológica permi-
te a migração para dados abertos que podem ser lidos
RECOMENDAÇÕES em diferentes aplicativos, possibilitando que um maior
número de interessados tenha acesso à informação.
Após a divulgação dos primeiros resultados deste
estudo, algumas medidas emergenciais foram tomadas, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
assim como a contratação de uma empresa especializa-
da em poços profundos, que conseguiu ultrapassar o ní- ARAUJO, L. P.; PETTA, R. A.; DUARTE, C. R. Sistema de
vel de calcário que fica logo abaixo do Sistema Aqüífero informações geográficas aplicado à análise das rela-
Dunas/Barreiras, indo buscar águas em maiores profun- ções da qualidade da água e risco em saúde pública
didades e ainda não contaminadas. Originalmente, essa no município de Natal (RN) . Geociências,2004.
água é mais ácida, e a vazão é bem menor, mas, como (Submetido)
ela ainda não está contaminada, foi a melhor saída en- ARAÚJO L. P. Análise das relações de risco em saúde
contrada. pública e qualidade da água na região de Natal (RN)
As outras recomendações neste caso dirigem-se com base em sistema de informação geográfica
primeiramente à necessidade da adoção de medidas e (SIG). 2002. 150 p. Dissertação ( Mestrado em Geo-
procedimentos simples e cabíveis em torno da minimiza- ciências ) - Universidade Federal do Rio Grande do
ção dos problemas de contaminação oriundos do nitra- Norte,Natal, 2002.
to, tais como: limpeza de caixa d’água, troca de bebe- BARCELLOS, C. ; PINA, M. de F. Análise de risco em saú-
douros, instalação de filtros e principalmente captação de utilizando GIS: o caso do abastecimento de água
de águas superficiais ainda não contaminadas (distribuí- no Rio de Janeiro. Revista FatorGis, São Paulo, 1998.
das pela CAERN) para misturar às águas dos poços do CÂMARA, G.; CASANOVA, M.A.; HERMERLY, A.S.;
campus e assim baixar seus níveis de contaminação. MAGALHÃES, G.C.; MEDEIROS, C.M.B. Anatomia
Entretanto, medidas emergenciais de vulto regional de- de sistemas de informação geográfica. Campinas:
vem ser tomadas o mais rápido possível por parte de Instituto de Computação UNICAMP,1996. 197 p. Dis-
uma ação governamental eficaz, com a participação de ponível em: <http://www.dpi.inpe. Br/geopro/li-
toda a comunidade, visando soluções que possam me- vros/anatomia.pdf> Acesso em: 08 ago. 2006.
lhorar a qualidade desses recursos hídricos e conse- PETTA, R.A.; ARAUJO, L. P. de. Avaliação da contami-
qüentemente o padrão de vida da população, caso con- nação do Aquífero em NO3 e incidência de casos
trário é iminente a degradação do aqüífero Dunas/Barrei- mortalidade no município de Natal (RN) com base
ras pela propagação da contaminação que se mostra em um SIG. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
ainda pontual. GEOLOGIA,42.,2004, Araxá. Anais. Araxá: Socieda-
A preservação do manancial na área da Grande Na- de Brasileira de Geologia. NúcleoMinas Gerais,
tal é importante e medidas devem ser tomadas no senti- 2004. 1 CD-ROM, v. S-20, p. 946-946.

– 199 –
Alumínio Dissolvido na Água das Cavas de Extração de Areia – Um Estudo das Possíveis Implicações de sua Toxicidade – Município de Seropédica – RJ

ALUMÍNIO DISSOLVIDO NA
ÁGUA DAS CAVAS DE
EXTRAÇÃO DE AREIA – UM
ESTUDO DAS POSSÍVEIS
IMPLICAÇÕES DE SUA
TOXICIDADE – MUNICÍPIO
DE SEROPÉDICA – RJ
1
Eduardo Duarte Marques, eduirmaodageo@yahoo.com.br
1
Emmanoel Vieira Silva Filho, geoemma@vm.uff.br
2
Décio Tubbs, tubbs@ufrrj.br
1
Ricardo Erthal Santelli, santelli@geoq.uff.br
1
Sílvia Maria Sella, gqasela@vm.uff.br
1
Universidade Federal Fluminense,
2
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,

INTRODUÇÃO a muito grossa com cascalho, geralmente basal, consti-


tuído principalmente de quartzo e feldspato. A unidade
A Bacia de Sepetiba ocupa uma área correspon- superior, denominada aluvionar de cobertura, é formada
dente a cerca de 4,4% da área do Estado do Rio de Ja- por fácies síltico-argilosa holocênica. Perfurações na re-
neiro, estando delimitada pela linha de cumeada dos gião indicam espessuras que variam entre 10 e 25 me-
morros da Serra do Mar onde nascem os rios que desá- tros. Sondagens geofísicas registram profundidades do
guam na Baía de Sepetiba, formando a bacia hidrográfi- embasamento entre 35 e 40 metros para a área da Pira-
ca do rio Guandu (SEMA,1996 apud Berbert, 2003). Esta nema. Todavia, existem registros bibliográficos acusan-
bacia hidrográfica ocupa uma área de cerca de 2.000 do a espessura de 75 metros (CEDAE, 1986 apud Barbo-
km2, sendo que 90% da área total da bacia corresponde sa et al, 2002).
a uma planície aluvionar, onde se localiza a região em Quanto à hidrogeologia local, observações prelimi-
estudo (Figura 1), inserta entre as coordenadas UTM ho- nares sugerem aqüíferos múltiplos ou superpostos, ge-
rizontais (7.470.000 e 7.478.000 Norte) e verticais ralmente de ocorrência livre, localmente confinados,
(630.000 e 638.000 Leste). constituídos por matriz grosseira arcosiana, separadas
Depósitos quaternários inconsolidados formam a eventualmente por argilas de ocorrência e espessura va-
geologia local, constituída por sedimentos de ambiente riável. O nível da água subterrânea varia entre 3 e 7,5
aluvionar (fluvial, fluviomarinho e fluviolacustre), sobre- metros, conforme a estação climática. A água subterrâ-
postos ao arcabouço pré-cambriano. Os sedimentos in- nea é pouco mineralizada, apresentando baixos valores
tegram a Formação (aqüífero) Piranema (Góes, 1994 de condutividade elétrica e pH (Tubbs, 1999).
apud Barbosa et al., 2002), sendo representados por A principal atividade socioeconômica da região,
duas unidades. A inferior apresenta fácies arenosa pleis- tendo em vista a geologia local, é a mineração de areia.
tocênica, constituída por areias de granulometria média O Distrito Areeiro de Itaguaí – Seropédica é o principal

– 200 –
Eduardo Duarte Marques

Figura 2 – Foto aérea das cavas de extração de areia.

Figura 1 – Mapa de localização da área em estudo (Berbert,


2003).

fornecedor de areia para construção civil do Estado do


Rio de Janeiro (90% para a cidade do Rio de Janeiro),
com aproximadamente 80 empresas de mineração,
sendo 71 delas legalmente habilitadas a lavrar a subs-
tância mineral areia, figuras 2 e 3. Entretanto, a ativida-
de mineira suscita conflitos de ordem locacional e am-
biental, pois provoca, não só a exposição do lençol
freático como também o seu rebaixamento. Além disso,
os aqüíferos ficam sujeitos ao vazamento de óleos com- Figura 3 – Distribuição dos areais na área em estudo (areais em
bustíveis, provenientes das bombas de sucção instala- pontos azuis) (BERBERT, 2003).
das nas dragas flutuantes, e rejeitos decorrentes das
atividades de beneficiamento (Berbert, 2003), figuras 4
e 5.
Autoridades governamentais, por pressões da so- MATERIAIS E MÉTODOS
ciedade têm exigido das empresas areeiras soluções
para a atenuação dos diversos impactos ambientais Em quatro areais em atividade foram realizadas dez
desta atividade. O objetivo deste trabalho foi caracteri- amostragens entre janeiro de 2004 e fevereiro de 2005,
zar a hidrogeoquímica da água nas cavas, em face das com objetivo de determinar o comportamento de alguns
propostas de recuperação da área, dando subsídios à parâmetros físico-químicos. Condutividade elétrica, pH,
alternativa de introdução da piscicultura nas cavas de temperatura e total de sólidos dissolvidos foram medidos
extração. no campo com equipamentos portáteis da marca

– 201 –
Alumínio Dissolvido na Água das Cavas de Extração de Areia – Um Estudo das Possíveis Implicações de sua Toxicidade – Município de Seropédica – RJ

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados preliminares do monitoramento des-


sas águas, durante o período de janeiro de 2004 a abril
de 2005, nos quatro areais escolhidos, mostraram bai-
xo pH (3,11 – 4,95) (Figura 6), concentrações variáveis
de sulfato (2 – 65 mgL-1) e alumínio (0,015 – 14 mgL-1)
(Tabela 1). Os valores anômalos de alumínio aconte-
cem em um certo período do ano (entre maio e agosto),
e provavelmente podem estar associados com a baixa
pluviosidade da região neste período (média anual his-
tórica para este período é o de 50 mm), e se devem às
faixas de pH das águas, fazendo que o alumínio se
apresente como Al3+ e, com o aumento do pH, Al(OH)2+
e Al(OH)2+. Tais substâncias são consideradas tóxicas
pela sua maior reatividade com a superfície das mem-
Figura 4 – Draga em funcionamento em uma das cavas. branas celulares de organismos aquáticos. Elas po-
dem, por exemplo, reagir com as guelras dos peixes, os
quais possuem valores de pH maiores do que da água,
fazendo com que precipite hidróxido de alumínio na for-
ma de gel. Este gel impede a assimilação do oxigênio
da água para as guelras, sufocando o peixe, causando
efeitos respiratórios e ionorregulatórios (Baird, 2002).
Pelos altos valores de sulfato e alumínio, provavelmente
haverá a formação de AlSO4+ e Al(SO4)2- (Yariv & Cross,
1979). Logo, segundo as faixas de pH, há predominân-
cia destes sulfatos. Entretanto, com a subida do pH,
ocorre a hidrólise do alumínio, tornando os hidróxidos
as espécies predominantes do elemento. Os hidróxidos
são responsáveis pela adsorção de partículas em sus-
pensão na água, fazendo com que essas partículas co-
agulem e, posteriormente, decantem. Este processo
condiciona à água um aspecto limpo.
Espécies orgânicas de alumínio, provavelmente não
são esperadas em grandes quantidades para essas
Figura 5 – Areal Irmãos Unidos. águas, pois essas cavas são artificiais e, com isso, há a
retirada da vegetação pela atividade de mineração.
WTW-LF 330. Amostras foram filtradas com películas de Logo, o aporte de matéria orgânica, altamente reativa
22µm e separadas em subamostras para a determina- com o alumínio, para dentro das cavas seria mínimo.
ção de metais, acidificadas a pH 2 com acido nítrico Entretanto, o Departamento de Recursos Minerais do es-
concentrado e para determinação de ânions, congela- tado do Rio de Janeiro (DRM-RJ) aponta ocorrências de
mento até a análise. depósitos turfáceos na região dos areais, o que poderia
As determinações de ânions (F-, SO42-) foram realiza-
das por cromatografia iônica, aparelho SHIMADZU
CDD-6A; para as determinações de cátions (Ca2+, Mg2+), Tabela 1 – Concentrações médias (ppm) dos principais
foi utilizado o método de espectrometria de absorção atô- cátions e ânions presentes na água
mica, num equipamento VARIAN; nas determinações de
alumínio utilizou-se o método de espectrometria de emis- Areal SO4 Al Ca Mg F SiO2
são óptica em plasma indutivamente acoplado (ICP-OES), 1 61,54 2,54 6,93 2,68 0,196 26,3
aparelho JOBIN YVON – HORIBA (modelo ULTIMA 2), ten-
2 29,78 2,84 2,86 1,54 0,193 27
do limite de detecção para o alumínio de 0,015 mg/L; as
determinações de sílica foram realizadas pelo método de 3 3,31 1,53 1,92 0,54 0,198 21,07
colorimetria pela formação do ácido sílico-molibdílico, es- 4 60,9 2,95 5,71 3,63 0,212 25,5
pectrofotômetro HITASHI (modelo U-1100);

– 202 –
Eduardo Duarte Marques

Lagoa 1 Lagoa 2
CONCLUSÃO
Al pH Al pH

100 6 100 6
Os resultados preliminares aqui
10
5
10
5 apresentados indicam que a alterna-
4
tiva de introdução de piscicultura
Al (ppm)

Al (ppm)
pH
1 3

pH
1 3
2 2 nas lagoas de extração de areia no
0,1 0,1
1 1 distrito areeiro de Itaguaí-Seropédi-
0,01 0 0,01 0
ca deve considerar a biodisponibili-
dade e toxicidade do alumínio para
m 4

04
04

05
no 4
03

ag 4

04
04

m 4

04
04

05
no 4
03

ag 4

04
04
r/ 0

0
/0

r/ 0

0
/0
z/
n/

n/
o/
v/

v/
v/

z/
n/

n/
o/
v/

v/
v/
ai

ai
ab

de

ab
ja

ja
no

fe

de
ja

ja
no

fe
Amostragens organismos aquáticos.

Lagoa 4
Lagoa 3
Al pH REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Al pH
100 6
100 6 BAIRD, C. Environmental chemistry. 5
5 10
10 2.ed. [S.l.] : University of Western
4
Al (ppm)

4
Al (ppm)

Ontario ; Bookman, 2002. 622 p.

pH
1 3
H
p

1 3
2
0,1
2 0,1
1
BARBOSA ,C. F.; GUEDES, F. S. P. ;
1
0,01 0 TUBBS FILHO, D. Contaminação por
0,01 0
nitrato das águas subterrâneas no
4

05
4
4
04

04
03

04

04
/0

/0
r/0

bairro de Piranema, limítrofe aos mu-


n/
v/

o/
4

05

v/

v/

z/
4
4
04

04
03

04

04

ai
/0

/0
r/0

ab
fe
no

no

de
ja

ja
ag
m
n/
v/
v/

o/

v/

z/
n

ai
ab
fe
no

no

de
ja

ja
ag
m

Amostragens
Amostragens
nicípios de Seropédica e Itaguaí, RJ.
In: JORNADA CIENTÍFICA [da]
Figura 6 – Variação das concentrações de alumínio versus pH nas quatro lagoas UFRRJ, 12., 2002, Rio de Janeiro,
amostradas.
[Anais]. Rio de Janeiro: UFRRJ, 2002.
BERBERT, M. C. .A mineração de
dar subsídios à hipótese da origem dos baixos valores areia no distrito areeiro de Itaguaí-Seropédica/RJ:
de pH nas águas das cavas e confirmaria a presença de geologia dos depósitos e caracterização das ativida-
espécies orgânicas de alumínio. des de lavra e dos impactos ambientais. 2003. Dis-
A toxicidade do alumínio pode ser amenizada pela sílica sertação ( Mestrado em Geologia)- Universidade Fe-
presente na água, fato comprovado experimentalmente, em- deral do Rio de Janeiro, 2003.
bora na prática isso não ocorra, pois o alumínio tende a ser CAMILLERI, C.; MARKICH,S.J.; NOLLER, B.N.; TURLEY,
mais reativo com a matéria orgânica ou com outros agentes C.J.; PARKER, G.; VAN DAM, R.A. Silica reduces the
complexantes em maiores quantidades na água (Camilleri et toxity of aluminium to a tropical freshwater fish (Mo-
al., 2003). No caso dos areais, a concentração de sílica na gurnda mogurnda). Chemosphere magazine, n. 50,
água é relativamente alta (tabela 1) e esta, segundo as faixas p. 355-364, 2003.
de pH encontradas, provavelmente ocorra na fração coloidal TUBBS, D. Ocorrência das águas subterrâneas :“Aquífe-
sob a forma de ácido silício (H4SiO4). Por outro lado, pela mai- ro Piranema” no município de Seropédica, área da
or afinidade e altas concentrações de sulfato nas lagoas, é Universidade Rural e arredores, estado do Rio de Ja-
mais provável que o alumínio forme complexos com este neiro. [S.l.] : Fundação de Amparo a Pesquisa do E.
ânion preferencialmente à sílica. Pequenas concentrações Rio Janeiro, 1999. 123 p. Relatório Final de Pesquisa.
de flúor e baixa dureza das águas das lagoas favorecem à YARIV, S.; CROSS, H. Geochemistry of colloids systems
biodisponibilidade do alumínio (tabela 1). for earth scientists. Berlin : [s.n.], 1979. 450 p.

– 203 –
A Influência da Área Superficial das Partículas na Adsorção de Elementos-Traço por Sedimentos de Fundo

A INFLUÊNCIA DA ÁREA
SUPERFICIAL DAS
PARTÍCULAS NA
ADSORÇÃO DE
ELEMENTOS-TRAÇO POR
SEDIMENTOS DE FUNDO:
UM ESTUDO DE CASO NAS
ADJACÊNCIAS DA CIDADE
DE MACAÍBA, ESTADO DO
RIO GRANDE DO NORTE,
BRASIL
¹Raquel F. S. Lima, raquel@geolgia.ufrn.br
¹Josiel A. Guedes, josielquedes@yahoo.com.br
²Paulo R.G. Brandão, pbrandao@demin.ufmg.br
¹Laécio C. de Souza aecio@geologia.ufrn.br
¹Reinaldo A. Petta, petta@geologia.ufrn.br
¹ Universidade Federal do Rio Grande do Norte
² Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO vapor frio (AAS-CV) para Hg, após digestão ácida forte
com água régia. O teor dos elementos químicos variou
Este trabalho apresenta uma avaliação da influência nas seguintes faixas (unidade mg/kg): Pb (12-91), Zn
das características das partículas, mais especificamente (24-141) and Hg (0,005-0,355). O grau de enriquecimen-
da área superficial específica, na retenção de elemen- to foi obtido por comparação com a concentração média
tos-traço por sedimentos de fundo. A fração fina (< 0,063 estabelecida por amostragem em estações de coleta na
mm) dos sedimentos de fundo do Rio Jundiaí, coletados mesma bacia de drenagem, as quais supõe-se estarem
a montante e a jusante do centro urbano da cidade de livres de influência antrópica, e os resultados mostram
Macaíba, Rio Grande do Norte, foi analisada para ele- altos valores para os elementos analisados no centro ur-
mentos-traço por plasma indutivamente acoplado – es- bano. Dados de difração de raios X e observações ao
pectrometria de emissão atômica (ICP-AES) para Pb e estereomicroscópio indicam que quartzo e feldspato são
Zn, e espectrometria de absorção atômica – geração de os principais constituintes das amostras. O mineral de

– 204 –
Raquel F. S. Lima

argila identificado é a caulinita. A área superficial especí- dos fenômenos que ocorrem nos compartimentos água
fica (unidade m2/g) foi usada para calcular a densidade e material particulado.
de adsorção (unidade µg/m2) de cada elemento na su- Vários pesquisadores preferem as frações finas de
perfície das partículas, a qual inclui igualmente todas as partículas síltico-argilosas (< 0,063 mm) para amostra-
porções das superfícies internas inacessíveis (principal- gem e análises, utilizando estas frações para determinar
mente as superfícies das paredes dos poros). Conside- a presença de contaminantes em águas superficiais (La-
rando que as superfícies internas e externas são ambas cerda et al., 1990; Davidson et al., 1994; Droppo & Jas-
acessíveis à lixiviação ácida forte, as relações entre con- kot, 1995; Truckenbrodt & Einax, 1995; Gatti, 1997; Liu et
centração de elementos-traço, conteúdo total de matéria al., 1999; Soares, 1999). No que se refere ao tratamento
orgânica, e área superficial específica, são discutidas. químico utilizado para quantificar a disponibilidade dos
Sugere-se que, no caso da digestão parcial das frações elementos químicos para o meio aquoso, há autores que
finas de sedimentos de fundo utilizadas para estudos optam pela denominada extração simples, com um tipo
ambientais, seja no caso de extração simples ou se- de ácido forte ou fraco (Novozamsky et al., 1993; Bevi-
qüencial, anomalias ocasionais possam ser ajustadas lacqua, 1996; Gatti, 1997); ou extração seqüencial com
aos resultados corretos pelo cálculo da densidade de diferentes ácidos de variadas concentrações (Davidson
adsorção (a razão entre a concentração de um dado ele- et al., 1994; Daus et al., 1995; Gonzalez et al., 1994; Kra-
mento lixiviado e a área superficial específica da amos- use et al., 1995; Urasa & Macha, 1996).
tra). O uso da densidade de adsorção como medida da A área do presente estudo situa-se no município de
retenção de elementos-traço por sedimentos de fundo Macaíba, distando 22 km da cidade do Natal, Estado do
pode apresentar implicações importantes em análise de Rio Grande do Norte. A cidade de Macaíba é atravessada
risco ambiental. pelo rio Jundiaí e localiza-se na porção fluvial superior do
estuário do rio Potengi, que é caracterizada tanto pelo
INTRODUÇÃO aporte de água doce quanto pela ação diária da maré. Ní-
veis consideravelmente altos de Pb, Zn e Hg em água e
As propriedades acumulativas e de redisposição sedimentos de fundo do rio Jundiaí já foram reportados
das espécies nos sedimentos os qualificam como de ex- anteriormente (Guedes, 2003; Guedes et al., 2003a; Gue-
trema importância em estudos de impacto ambiental, re- des et al., 2003b). O rio Jundiaí, ao longo do percurso em
gistrando em caráter mais permanente os efeitos da con- seu maior comprimento, ou seja, do curso superior ao mé-
taminação (Förstner & Wittmann, 1981; Bevilacqua, dio, caracteriza-se como um rio intermitente. Os proble-
1996). mas ambientais nesses trechos, são tipicamente de ori-
Para uma correta avaliação da quantidade de espé- gem natural, mesmo cruzando áreas urbanizadas. Porém
cies químicas presentes em sedimentos, distinguem-se ao se aproximar da cidade de Macaíba, uma cidade de
os processos de origem natural daqueles que têm como médio porte, os problemas oriundos da ocupação e cres-
origem a ação do homem. Um sedimento é geralmente cimento de forma horizontal passam a se agravar. A ques-
formado por fases sólidas, compostas por elementos tão de saneamento básico é um dos grandes problemas
químicos diversos, os quais podem estar presentes ori- que a cidade enfrenta, pois somente 3% da cidade tem
ginalmente em altas concentrações ou terem sido adi- esgoto sanitário. O lençol freático é superficial, as fossas
cionados ao meio a partir de fontes antropogênicas. Em sépticas das casas são muito rasas e a prefeitura executa
águas naturais, os sedimentos consistem predominante- a limpeza no caso da população mais carente; mas a
mente em detritos orgânicos, material coloidal, células grande maioria do descarte vai clandestinamente para as
vivas (bactérias e algas) e sólidos inorgânicos, tais como valas pluviais, que em função disso, acabam se tornando
óxidos e hidróxidos de Fe e Mn, carbonatos, sulfetos e perenes, conduzindo os esgotos “in natura” para o rio
argilas. Existem muitos fatores que influenciam a adsor- Jundiaí. A disposição do lixo é um outro problema ambi-
ção e a retenção de contaminantes na superfície das ental com o qual a população de Macaíba convive, já que
partículas, dentre os quais destaca-se o seu tamanho. A não dispõe de uma área específica para um aterro sanitá-
tendência observada é que quanto menores as partícu- rio. Em conseqüência, parte do lixo das residências é
las, maiores as concentrações de nutrientes e contami- descartada diretamente no rio, ou próximo deste. Adicio-
nantes químicos adsorvidos. Esta tendência primária é nalmente, nos três pontos de coleta localizados mais a ju-
devida ao fato de as pequenas partículas apresentarem sante da área de estudo, onde a profundidade e a largura
elevadas áreas superficiais específicas, o que favorece do rio são maiores, a influência do ambiente salino é cla-
a adsorção e ocasional fixação do que se encontra dis- ramente sugerida pelos altos valores registrados dos pa-
ponível em meio aquoso. Os sedimentos de fundo do ca- râmetros condutividade elétrica, salinidade, cálcio, potás-
nal de drenagem dos rios desempenham papel impor- sio, magnésio, sódio, sulfato, cloreto, sólidos totais e sóli-
tante na avaliação de sua poluição, pois refletem parte dos dissolvidos (Guedes, 2003).

– 205 –
A Influência da Área Superficial das Partículas na Adsorção de Elementos-Traço por Sedimentos de Fundo

Os estudos anteriores realizados nos sedimentos de estão em área de domínio urbano e de influência da
fundo do rio Jundiaí tomaram como base os resultados maré. As amostras P13 e P14, foram coletadas na mes-
das análises químicas da fração fina dos sedimentos de ma bacia de drenagem, em locais os quais se supõe es-
fundo (< 0,063 mm), sem considerar o parâmetro área tarem livres de influência antrópica, distantes da cidade
superficial específica, que é definida como a razão A/m de Macaíba cerca de 50 e 27 km, respectivamente. A
(unidade m2/g) entre a área superficial absoluta de um montante da cidade, os pontos de coleta estão distribuí-
sólido e sua massa. A área superficial específica inclui dos de forma a abranger o rio Jundiaí em local livre da in-
igualmente as superfícies externas das partículas sóli- fluência das marés e possivelmente da influência urba-
das, bem como todas as porções das superfícies inter- na. As amostras de sedimento de fundo foram coletadas
nas inacessíveis (principalmente as superfícies das pa- de modo a se obter com fidelidade o material correspon-
redes dos poros). A razão entre a área superficial espe- dente ao intervalo superior (0 a 5cm) do canal ativo da
cífica (unidade m2/g) e a concentração de um dado ele- drenagem.
mento químico adsorvido nas amostras (unidade mg/kg) Em laboratório, as amostras foram secas a 60°C por
foi usada para calcular a densidade de adsorção (unida- 24 horas, desagregadas e peneiradas. A fração fina (<
de µg/m2) do elemento em questão na superfície das 0,063 mm) dos sedimentos, coletados a montante e a ju-
partículas. Este trabalho apresenta uma avaliação da in- sante do centro urbano da cidade de Macaíba, foi anali-
fluência da área superficial específica das partículas na sada para elementos-traço por plasma indutivamente
retenção de elementos-traço por sedimentos de fundo. acoplado – espectrometria de emissão atômica
(ICP-AES) para Pb e Zn, e espectrometria de absorção
METODOLOGIA atômica – geração de vapor frio (AAS-CV) para Hg, após
digestão ácida forte com água régia.
As amostragens foram realizadas no período de ja- A análise do teor de matéria orgânica total foi efetua-
neiro e fevereiro do ano de 2001, na época de estiagem, da em duas etapas. Na primeira, procedeu-se à remo-
quando a contribuição de água doce para o rio Jundiaí é ção de umidade do sedimento por 12 horas em estufa à
representada basicamente pelos esgotos “in natura” temperatura de 105°C. Na segunda etapa, cerca de 2
que chegam à drenagem através das valas pluviais que gramas deste material foram mantidas a 600°C por qua-
recebem clandestinamente os descartes oriundos das tro horas em forno tipo mufla. Com base na diferença de
atividades urbanas. Foram coletadas amostras em 10 massa entre a amostra livre de umidade e a massa após
estações (Figura 1). As estações P3 à P9, distanciam-se o aquecimento a 600°C, foi feito o cálculo do teor de ma-
cerca de 01 km entre si; destas, as estações de P4 à P9 téria orgânica.

Figura 1 – Mapa de localização da área de pesquisa e estações de amostragem.

– 206 –
Raquel F. S. Lima

A determinação da área superficial específica foi de de adsorção dos elementos químicos adsorvidos na
realizada utilizando-se o método de Brunauer, Emmett e fração fina dos sedimentos de fundo coletados no rio
Teller (BET). As amostras a serem analisadas passaram Jundiaí.
por desgaseificação, correspondente a um tratamento Na área urbana e a jusante da cidade de Macaíba,
térmico a 110°C por um período de 4 horas em atmosfera os valores das concentrações dos elementos químicos
de nitrogênio. A medida precisa da área superficial es- Pb, Zn e Hg encontram-se todos acima do limiar, com os
pecífica de sólidos por adsorção de gás, de acordo com teores máximos sempre na área urbana (Pb: máximo em
Brunauer, Emmett e Teller, envolve a determinação da P4. Zn e Hg: máximos em P10). Neste mesmo trecho, a
quantidade de adsorvato (ou gás que adsorve) necessá- densidade de adsorção segue as mesmas tendências
rio para recobrir as superfícies externas e internas aces- de variação observadas para a concentração dos três
síveis dos poros de um sólido, com uma monocamada elementos químicos, inclusive com os pontos máximos
completa de adsorvato. Esta capacidade de monoca- de densidade de adsorção de Pb na estação P4, e de Zn
mada pode ser calculada a partir da isoterma de adsor- e Hg na estação P10.
ção por meio da equação de BET. Os três pontos de amostragem a jusante, porém
Os dados mineralógicos foram obtidos por obser- próximos à cidade de Macaíba (P3, P2 e P1), destaca-
vação das amostras ao estereomicroscópio e difração dos nos três gráficos por meio de elipses, representam o
de raios X. Para as análises de difração de raios X da trecho no qual concentrações e densidade de adsorção
fração argila, foram preparadas seções orientadas, dos elementos químicos apresentam diferenças consi-
montadas a partir de uma suspensão argila-água com deráveis entre si. Vale destacar que este é o trecho estu-
concentração de 60 mg de argila por 1 ml de água des- dado no qual eram esperados resultados de concentra-
tilada, depositada cuidadosamente sobre uma lâmina ção mais baixos em relação à área urbana. Os valores
de vidro, sendo posteriormente secas em estufa a 60°C. de concentração de Pb encontram-se acima do limiar,
A varredura foi feita de 2 a 32º (escala 2), com velocida- com máximo em P3 e mínimo em P2; os valores de densi-
de de 1º/minuto. dade de adsorção de Pb encontram-se abaixo da densi-
dade de adsorção tomada como limiar, com máximo em
RESULTADOS P3 e mínimo em P1. No caso do Zn, dois dos três valores
de concentração encontram-se acima do limiar (P3 e
O teor dos elementos químicos variou nas seguintes P1), com máximo em P3 e mínimo em P2; os valores de
faixas (unidade mg/Kg): Pb (12-91), Zn (24-141) and Hg densidade de adsorção de Zn encontram-se todos abai-
(0,005-0,355). Os resultados mostram altos valores para xo do limiar, com máximo em P2 e mínimo em P3. O ele-
os elementos analisados no centro urbano, conforme mento químico Hg apresenta um dos três valores de con-
pode ser visualizado na figura 2. Os três gráficos desta fi- centração acima do limiar (P1), com máximo em P1 e mí-
gura apresentam no eixo horizontal a distribuição dos nimo em P2; os valores de densidade de adsorção de
pontos de amostragem, e no eixo vertical a concentra- Hg encontram-se todos abaixo do limiar, com máximo
ção dos elementos químicos Pb, Zn e Hg, em mg/kg (re- em P1 e mínimo em P3.
presentada pelos losangos), e a densidade de adsorção Dados de difração de raios X e observações ao es-
em g/m2 (representada pelos quadrados). A escala do tereomicroscópio indicam que quartzo e feldspato são
eixo vertical é logarítmica para facilitar a visualização e os principais constituintes das amostras. O mineral de
comparação das duas diferentes abordagens utilizadas argila identificado é a caulinita.
(concentração e densidade de adsorção) em um mesmo A figura 3 mostra em seu eixo horizontal a distribui-
gráfico. Os sentidos para montante e jusante, bem como ção dos pontos de amostragem de sedimentos de fundo
as estações de amostragem em área urbana encon- no rio Jundiaí, na área urbana e no entorno da cidade de
tram-se assinalados. Os pontos na área urbana e ao re- Macaíba. No eixo vertical são encontrados os dados de
dor da cidade de Macaíba distam um do outro aproxima- área superficial específica em m2/g (losangos) e teor de
damente um quilômetro. Os dois pontos à esquerda nos matéria orgânica em % (quadrados). A área superficial
gráficos (P13 e P14) estão situados a montante na mes- específica (losangos) varia de 4,5 a 42,2 m2/g, com os
ma bacia de drenagem, em local considerado livre de maiores valores nos três pontos amostrados a montante
contribuição antrópica, a 50 e 27 km da cidade de Maca- da cidade de Macaíba. O teor de matéria orgânica varia
íba, respectivamente. As linhas horizontais em cada grá- de cerca de 10% nas estações a montante, tomadas
fico representam a média aritmética dos resultados obti- como limiar, a cerca de 20% nas estações localizadas
dos para os pontos P13 e P14, cujos valores, para efeito mais a jusante, com teor crescente nos sedimentos a par-
do presente trabalho, são denominados de limiar. As tir do trecho urbano e após o mesmo (quadrados). Apa-
elipses destacam trechos nos quais são observados rentemente, não existe correlação significativa entre o
contrastes marcantes entre a concentração e a densida- teor de matéria orgânica e a área superficial específica.

– 207 –
A Influência da Área Superficial das Partículas na Adsorção de Elementos-Traço por Sedimentos de Fundo

Figura 2 – Eixo horizontal: distribuição dos pontos de amostragem de sedimentos de fundo no Rio Jundiaí, na área urbana e no entorno da
2
cidade de Macaíba. Eixo vertical: concentração em mg/kg (losangos) e densidade de adsorção em mg/m (quadrados), dos elementos
químicos Pb, Zn e Hg. Pontos à esquerda nos gráficos: valores considerados como “limiar”. Elipses: trechos nos quais concentração e a
densidade de adsorção dos elementos químicos adsorvidos na fração fina dos sedimentos de fundo apresentam tendências opostas e valores
mais baixos em relação ao que seriam considerados os valores “limiar”.

– 208 –
Raquel F. S. Lima

Figura 3 – Eixo horizontal: distribuição dos pontos de amostragem de sedimentos de fundo no Rio Jundiaí, na área urbana e no entorno da
2
cidade de Macaíba. Eixo vertical: área superficial específica em m /g (losangos) e teor de matéria orgânica em % (quadrados). Pontos à
esquerda nos gráficos: valores considerados como “limiar”.

DISCUSSÃO Conforme pode ser observado na figura 2, na área ur-


bana e a jusante da cidade de Macaíba (Pontos P4, P5,
Guedes (2003) reporta resultados de análises reali- P10, P6, P7, P8 e P9), os valores das concentrações dos
zadas em amostras de água coletadas na mesma época elementos químicos Pb, Zn e Hg na fração fina dos sedi-
e nos mesmos pontos de coleta de sedimentos de fundo mentos de fundo, bem como os de densidade de adsor-
no rio Jundiaí, nas adjacências da cidade de Macaíba. ção, seguem as mesmas tendências de variação, até
Estes resultados mostram concentrações elevadas de mesmo com os mesmos pontos máximos de concentra-
Pb, Zn e Hg no trecho urbano do rio Jundiaí. Os teores de ção e de densidade de adsorção de Pb na estação P4, e
Pb, Zn e Hg em água variaram entre 0,04 a 0,19 ppm, de Zn e Hg na estação P10. No entanto, nos três pontos
0,02 e 0,05 ppm e 0,0002 e 0,0003 ppm, respectivamen- de amostragem a montante, porém próximos à cidade de
te. De acordo com estes dados, os elementos Pb, Zn e Macaíba (P3, P2 e P1), destacados nos três gráficos da fi-
Hg adicionados ao meio são de origem antropogênica. gura 2 por meio de elipses, as concentrações e densida-
Dentre os fatores que influenciam a adsorção e a re- de de adsorção apresentam diferenças acentuadas em
tenção de contaminantes na superfície das partículas relação aos valores considerados como limiar, e até mes-
em águas naturais, destaca-se o tamanho das mesmas. mo tendências opostas, como é o caso do Zn. Vale desta-
Em geral, quanto menores as partículas, maiores as con- car que este é o trecho estudado no qual eram esperados
centrações de nutrientes e contaminantes químicos ad- resultados de concentração dos elementos investigados
sorvidos. Esta tendência primária é devida ao fato de as mais baixos em relação à área urbana.
pequenas partículas apresentarem elevadas áreas su- As concentrações elevadas de Pb, Zn e Hg em água
perficiais específicas, o que favorece a adsorção e oca- no trecho urbano do rio Jundiaí relatadas por Guedes
sional fixação do que se encontra disponível em meio (2003), corroboram a hipótese de contribuição antropo-
aquoso. gênica para a presença de Pb, Zn e Hg nos sedimentos
No presente trabalho, foram utilizadas as frações fi- de fundo. Dentre as alternativas possíveis para justificar a
nas de partículas síltico-argilosas (< 0,063 mm) para as presença destes elementos químicos nos sedimentos de
análises, tal como é a prática corrente em muitos estu- fundo a montante da cidade de Macaíba, a primeira é que
dos (Lacerda et al., 1990; Davidson et al., 1994; Droppo devida à ausência de uma fonte de origem antropogêni-
& Jaskot, 1995; Truckenbrodt & Einax, 1995; Gatti, 1997; ca, Pb, Zn e Hg estão presentes em altas concentrações
Liu et al., 1999; Soares, 1999). Os resultados destes es- no substrato rochoso da área. Esta alternativa não parece
tudos servem de suporte para diagnóstico, monitora- aceitável, pois a média dos teores registrados na fração
mento e análise de risco ambiental. fina dos sedimentos coletados a 27 e 50 km da cidade de

– 209 –
A Influência da Área Superficial das Partículas na Adsorção de Elementos-Traço por Sedimentos de Fundo

Macaíba não apresenta valores elevados. Uma segunda FÖRSTNER, U.; WITTMANN, G. T. W. Metal pollution in
alternativa, a qual apresenta uma abordagem de caráter the aquatic environment. 2.ed. Berlin: Sprin-
mais quantitativo, propõe a utilização da densidade de ger-Verlag, 1981.
adsorção do elemento químico, em vez do valor bruto da GATTI, L.V. Distribuição de metais em testemunhos de
concentração do elemento lixiviado da superfície das par- sedimentos de duas lagoas marginais do rio Mo-
tículas para fins de análise de risco ambiental. ji-Guaçu (E.E. de Jataí, Luiz Antônio, SP). 1997. 146
p. Tese (Doutorado) - Departamento de Química,
CONCLUSÕES Universidade Federal de São Carlos, São Carlos,
1997.
Os dados deste estudo, principalmente aqueles ob- GONZALEZ, M.J.; RAMOS, L.; HERNÁNDEZ, L.M. Distri-
tidos nas estações localizadas a montante da área urba- bution of trace metals in sediments and the relations-
na da cidade de Macaíba (destaques nas elipses), suge- hip with their accumulation in Earthworms. Internatio-
rem que, no caso da digestão parcial das frações finas nal Journal of Environmental Analytical Chemistry, v.
de sedimentos de fundo utilizadas para estudos ambien- 57, n. 2, p. 135-150, 1994.
tais, seja extração simples ou seqüencial, anomalias GUEDES, J.A. Diagnóstico geoquímico-ambiental do Rio
ocasionais possam ser ajustadas aos resultados corre- Jundiaí, nas imediações da cidade de Macaíba/RN.
tos pelo cálculo da densidade de adsorção (a razão en- 2003. Dissertação (Mestrado em Geociências) -
tre a concentração de um dado elemento lixiviado e a Centro de Ciências Exatas e da Terra, Universidade
área superficial específica da amostra). O uso da densi- Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003.
dade de adsorção como medida da retenção/adsorção GUEDES, J.A.; LIMA, R.F.S.; SOUZA, L.C. Distribuição
de elementos-traço por sedimentos de fundo pode apre- de metais pesados em sedimentos de fundo no Rio
sentar implicações importantes em análise de risco am- Jundiaí em área de Mangue-Macaíba /RN. In:
biental. MANGROVE 2003: Connecting Research and Par-
ticipative Management of Estuaries and Mangro-
AGRADECIMENTOS ves, 2003, Salvador. Livro de resumos. Salvador :
UFBA; UFRPE, 2003. 1 v., p.251.
Os autores agradecem ao Instituto de Desenvolvi- GUEDES, J.A.; LIMA, R.F.S.; SOUZA, L.C. Variação sa-
mento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do zonal da geoquímica de água e sedimentos de fundo
Norte – IDEMA/RN e ao Programa de Pós-Graduação em em um trecho do Rio Jundiaí, cruzando a cidade de
Geociências da UFRN – PPGEO/UFRN pelo financia- Macaíba, RN. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE
mento a pesquisa, a Renato Souza da Silva que realizou GEOQUÍMICA, 9., 2003, Belém. Livro de resumos ex-
as análises de difração de raios X e teor de matéria orgâ- pandidos. Belém: Sociedade Brasileira de Geoquí-
nica durante suas atividades como bolsista CNPq/PIBIC, mica, 2003. 1 v., p. 301-303.
e à CAPES pela concessão de bolsa de mestrado ao se- KRAUSE, P.; ERBSLÖH, R.; NIEDERGESÄß, R.;
gundo autor. PEPELNIK, E.; PRANGE, A. Comparative study of
different digestion procedures using supplementary
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS analytical methods for multielement-screening of
more than 50 elements in sediments of the River Elbe.
BEVILACQUA, J. E. Estudos sobre a caracterização e es- Fresenius Journal of Analytical Chemistry, v. 353, p.
tabilidade de amostras de sedimento do rio Tiete, SP. 3-11, 1995.
1996. 171 p. Tese (Doutoramento) - Instituto de Quí- LACERDA, L.D.; PAUL, F.C.F.; OVALLE, A.R.C.;
mica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. PFEIFFER, W.C.; MALN, O. Trace metals in fluvial se-
DAUS, B. ; ZWANZIGER, H. W. Heavy metals in river se- diments of the Madeira River watershed, Amazon,
diments: a chemometrical evaluation. Fresenius Brazil. The Science of the Total Environment, v.
Journal of Analytical Chemistry, v. 352, p. 444-450, 97/98, p. 525-530, 1990.
1995. LIU, W.; WANG, W.; WEN, X.; TANG, H. The application
DAVIDSON, C.; THOMAS, R.P.; McVEY, S.E.; PERALA , of preliminary sediment quality criteria to Metal cnta-
R.; LITTLEJOHN, D.; URE, A.M. Evaluation of a se- mination in the Le An River. Environmental Pollution,
quential extraction procedure for the speciation of v. 105, p. 355-366, 1999.
heavy metals in sediments. Analytica Chimica Acta, NOVOZAMSKY, I.; LEXMOND, T.M.; HOUBA, V.J.G. A
v. 291, p. 277-286, 1994. single extraction procedure of soil for evaluation of
DROPPO, I.G.; JASKOT, C. Impact of river transport cha- uptake if some heavy metals by plants. International
racteristics on contaminant sampling error and de- Journal of Environmental Analytical Chemistry, v. 51,
sign. Environ. Sci. Technol., v. 29, p. 161-170, 1995. p. 47-58, 1993.

– 210 –
Raquel F. S. Lima

SOARES, H.M.V.M.; BOAVENTURA, R.A.R.; MACHADO, senius Journal of Analytical Chemistry, v. 352, p.
A.A.S.C.; SILVA, J.C.G.E. Sediments as monitors of 437-443, 1995.
heavy metal contamination in the Ave River Basin URASA, I.T.; MACHA, S.F. Speciation of heavy metals in
(Portugal): multivariate analysis of data. Experimental soils, sediments, and sludges using D.C. plasma ato-
Pollution, v. 105, p. 311-323, 1999. mic emission spectrometry coupled with ion chromato-
TRUCKENBRODT, D.; EINAX, J. Sampling represen- graphy. International Journal of Environmental Analyti-
tatively and homogeneity of river sediments. Fre- cal Chemistry, v. 64, p. 83-95, 1996.

– 211 –

Você também pode gostar