LIVRO Fazenda Do Centro Editado
LIVRO Fazenda Do Centro Editado
LIVRO Fazenda Do Centro Editado
Fazenda
do Centro
imigrao e
Colonizao italiana no
Sul do esprito Santo
Volume 15
Fazenda
do Centro
Imigrao e
Colonizao Italiana no
Sul do Esprito Santo
Volume 15
Fazenda
do Centro
Imigrao e colonizao italiana
no Sul do Esprito Santo
Vitria, 2013
ARQUIVO PBLICO DO ESTADO DO ESPRITO SANTO
Coordenao Editorial
Cilmar Franceschetto
Reviso
Trade Comunicao
Editorao Eletrnica
Bios
Impresso e Acabamento
ISBN : 978-85-98928-11-1
Agradecimentos
Agradeo s seguintes instituies e pessoas que de alguma forma contriburam para a realizao deste trabalho:
FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo,
que subvencionou esta pesquisa com uma bolsa de Iniciao Cientfica;
Provncia de Santa Rita de Cssia da Ordem dos Agostinianos Recoletos;
Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho e todos os professores do curso de Histria e funcionrios;
Instituto Frei Manuel Simn, Castelo, ES, e seus representantes, em
especial o Sr. Lzaro Ernesto Destfani;
Prof. Dr. Pedro Geraldo Tosi, meu orientador;
Sr. Luclio da Rocha Ribeiro, Vitria, ES, que muito prontamente se colocou disposio para auxiliar na pesquisa;
Frades agostinianos da Capelinha e Residncia N. S. das Graas em
Franca e da Residncia de Igarapava, SP;
Amigos que deram apoio e de cujo convvio social muitas vezes acabei
me afastando um pouco por causa das exigncias da pesquisa;
Muito obrigado a todos e ao Senhor Deus sem cuja luz tudo seria trevas
e ignorncia.
LISTA DE ILUSTRAES
Ilustrao 1 - Pgina de abertura do livro das crnicas____________ 76
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Esprito Santo no incio do sculo XX_________________ 91
Mapa 2 Municpio de Castelo______________________________ 107
Mapa 3 Diviso dos lotes da Fazenda do Centro,
assinado por Hermann Bello, agrimensor_____________110
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Manuscrito de D. Joo Batista Corra Nery,
primeiro bispo de Vitria___________________________ 82
Foto 2 Casaro da Fazenda do Centro - Dcada de 80________ 114
Foto 3 Antiga usina de gerao de energia eltrica
na Fazenda do Centro_____________________________ 116
Foto 4 Um dia festivo na Fazenda do Centro________________ 117
Foto 5 Nota Promissria ao Sr. Joaquim Vieira Moura,
com data de 7 de maio de 1910, no valor de
Seis Contos de Ris, assinada por Hermann
Tautfeus Bello e Jos Mariano Sobrinho______________ 123
Foto 6 Um antigo manuscrito da Fazenda do Centro,
com a relao dos colonos_________________________ 128
Sumrio
Ontem, hoje e amanh.........................................................................................13
Fazenda do Centro..................................................................................................17
Introduo..................................................................................................................19
CAPTULO 1
Consideraes finais.............................................................................................170
Referncias............................................................................................................. 179
O Instituto Frei Manuel Simn e a preservao
do patrimnio histrico e cultural do municpio de Castelo................. 184
13
versidades que enfrentam so capazes de somar coragem, f, conhecimentos e energia, para ento se lanar na busca de uma vida
melhor, mais humana e produtiva, ainda que no mais longnquo continente. Foi esse o perfil dos imigrantes que chegaram ao Esprito
Santo e enfrentaram durssimas condies de vida e trabalho, agravadas por polticas pblicas instveis e muitas vezes caracterizadas pelo
autoritarismo, o excesso de burocracia e o total desconhecimento da
realidade regional.
A verdade que os governantes brasileiros, encastelados na Capital, mal conheciam o Brasil real. Mesmo assim, legislavam sobre o
trabalho, o presente e o futuro de populaes movidas por aspiraes,
crenas e costumes cujos contornos nem chegavam a ser percebidos
nos ncleos de deciso. Em alguns momentos, essa miopia administrativa e poltica obrigou os colonos a trabalharem na abertura de trilhas
nas matas, em prejuzo da agricultura, que era a razo da sua presena
em nosso territrio. E, pior ainda, diante das justas manifestaes de
descontentamento, os agentes do governo central, atuantes na colnia,
apelaram muitas vezes para a interveno policial. comovente, ainda
hoje, a descrio dos sacrifcios impostos a essas famlias, sobretudo
quando se sabe que algumas haviam deixado dependentes em suas cidades de origem e tinham que lhes enviar parte dos escassos recursos
financeiros obtidos no trabalho cotidiano.
A revelao organizada e muito bem fundamentada dos fatos
ocorridos nesse passado, que nem assim to remoto, constitui grave
advertncia aos homens pblicos de hoje, para que no incorram em
equvocos semelhantes ao formular polticas que iro interferir negativamente na vida das pessoas, das famlias, dos estados e dos municpios. Por isso, a leitura desta obra assinada por Srgio Peres de Paula
recomendvel no s aos que desejam conhecer melhor os fatos relativos imigrao e colonizao italiana no Sul do Esprito Santo, mas
14
15
Fazenda do Centro
17
18
Introduo
O historiador se depara com uma situao bastante diferenciada quanto ao seu objeto de estudo em relao a outras cincias:
ele prprio no constata os fatos que estuda. Logo, o seu conhecimento indireto. Como, ento, possvel estudar o passado? O conhecimento do passado se faz atravs dos vestgios, dos materiais
fornecidos pelas geraes passadas, agora tornadas documentos que
falam ao historiador. Os textos e documentos, porm, s falam se o
historiador souber interrog-los.1 E, medida que os interroga, novos
conhecimentos sobre o passado vm tona. Poder-se-ia argumentar
que estudar o passado desnecessrio, uma vez que ele no pode
ser modificado. Marc Bloch responde a este argumento: O passado
, por definio, um dado que nada mais modificar. Mas o conhecimento do passado uma coisa em progresso, que incessantemente
se transforma e aperfeioa.2
No interior no Esprito Santo, na cidade de Castelo, a 11 km da
cidade, subindo em direo a um macio rochoso e elevado, existe um
BLOCH, Marc. Apologia da histria ou o ofcio de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 69-74, 79.
Ibid., p. 75.
19
casaro colonial, s margens do rio Caxixe, num vale cercado de montanhas ainda com muita mata tropical, prximo ao pico do Forno Grande, o ponto mais alto daquele municpio, com mais de 2 mil metros de
altitude. um casaro que, embora seja patrimnio histrico tombado,
encontra-se bastante danificado por falta de conservao. No perdeu,
no entanto, sua imponncia e, se a histria se faz atravs de vestgios,
ali est um documento em madeira e pau a pique como testemunha
de uma poca. Ao menos 150 anos j passaram e o casaro continua
ali. Testemunha de um perodo marcado pela mo de obra escrava, de
senhores latifundirios, de uma sociedade dividida basicamente nestas
duas classes. Histrias de crueldades e maus-tratos aos escravos ainda
circulam entre os antigos moradores daquela regio. Foi-se a escravido, veio a runa. Dos escombros, brotou novamente a vida no local,
sob uma nova estrutura fundiria e econmica: antes, a Fazenda do
Centro, latifndio dos senhores de escravos; depois, o Ncleo Colonial
da Fazenda do Centro, de um grupo de frades espanhis e algumas
famlias, em sua maioria, de imigrantes italianos ou seus descendentes.
Em toda aquela regio, h um grande contingente populacional
de descendentes de imigrantes italianos. Ainda se encontra quem se
refira aos brasileiros como os que no so descendentes de italianos.
Gente extremamente trabalhadora e religiosa, ainda guarda algumas
tradies de seus antepassados. No vale, encravado entre montanhas
cobertas de mata, prxima ao casaro da Fazenda do Centro, encontra-se uma igreja de tamanho surpreendente. Quem no conhece a regio
talvez se pergunte: Que faz uma igreja to grande num lugar to ermo?
Aos domingos, no entanto, a igreja, que antes parecia grande, torna-se
pequena para receber os fiis que moram nos arredores. H 20 anos,
com rostos marcados pelo trabalho ao sol, com mos calejadas pelo
trabalho duro de colher milho e caf em encostas de montanhas, vozes
afinadssimas entoavam antigas canes italianas e belssimos hinos
religiosos. Todos estes descendentes de imigrantes italianos tm algo
20
RSEN, Jrn, Razo histrica: teoria da histria: os fundamentos da cincia histrica. Braslia, DF: Ed. UnB,
2001. p. 62. (destaque do autor).
21
Ibid., p. 63
22
E a morte aqui no se refere apenas aos indivduos, mas memria dos fatos. No deixar que a experincia dos fatos desaparea, eis
a um grande desafio! Registros de crnicas, livros de tombo e similares, dirios pessoais e autobiografia so tentativas de evitar a morte da
memria e colaboram para formar certas tradies. Massimo Mastrogregori6, ao escrever sobre a tradio das lembranas em sua relao
com a historiografia, diz que no desenvolvimento histrico da tradio
h trs ordens de fenmenos:
1. A transmisso das lembranas ligadas busca estratgica de identidades de uma sociedade;
2. A ateno para com os fatos reais, a busca de tudo o que aconteceu, a interpretao de testemunhos e de rastros;
3. A insero numa perspectiva temporal, o olhar para o futuro numa
busca de uma imortalidade no tempo humano; da o prprio interesse para os acontecimentos que j no so visveis para o passado.
O tom de excessiva exaltao dos feitos dos seus personagens
presente nas crnicas dos agostinianos deixa claro o uso das lembranas como estratgia identitria.
Jos Carlos Reis7, ao escrever sobre a tendncia especializao
na Escola dos Annales na dcada de 70 do sculo XX, indica alguns
MASTROGREGORI, Massimo. Historiografia e tradio das lembranas. In: MALERBA, Jurandir. (Org.). A
histria escrita: teoria e histria da historiografia. So Paulo: Contexto, 2006. p. 70.
REIS, Jos Carlos, Teoria & histria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. 3. ed. Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 2006. p. 91-94.
23
24
25
26
27
CAPTULO 1
29
ali se instalou, em busca da sobrevivncia da famlia, mantendo, contudo, a esperana de um dia retornar terra de Cana (Gn 41-50). Os
descendentes de Jac no Egito se multiplicaram e se tornaram escravos
do Fara. Tal situao reacendeu o sonho de retornar Cana (Livros
do xodo e de Josu).
Tais narrativas bblicas falam de tempos de fome e carestia, que
ameaavam a vida e punham em xeque a sobrevivncia daquelas
pessoas, do desejo de posse de uma terra, da constituio de famlia
numerosa e de ver os descendentes multiplicados, da vida difcil em
trabalhos forados e do sonho de uma terra que mana leite e mel (Ex
3,17), de conflitos para ocupar tal terra prometida e nela assentar-se,
pois a mesma j se encontrava habitada por outros povos com costumes e tradies diferentes. Cana a Terra Prometida, mas inatingvel
ou conquistada posteriormente custa de muitas guerras e conflitos.
O Egito o smbolo do mundo civilizado, atraente, capaz de produzir
alimentos e armazen-los para os tempos de carestia e onde se busca
refgio nesses momentos. Se local de refgio e sobrevivncia, custa,
no entanto, o suor dos trabalhos forados.
Nessas narrativas percebem-se em metfora as motivaes humanas para as migraes, as circunstncias geradoras, as expectativas
criadas, o desafio de deixar uma terra e partir para um ambiente estranho, que, muitas vezes, ou torna-se hostil e as condies difceis de
ser um estrangeiro, obrigado muitas vezes, custa da prpria sobrevivncia, a sujeitar-se a condies precrias de trabalho.
A segunda metade do sculo XIX, sobretudo, caracterizou-se,
sob o aspecto demogrfico e social, como um perodo de migraes
massivas. Milhes de seres humanos deixaram neste perodo a Europa, sobretudo a Itlia, e foram para a Amrica, continente que se tor-
30
31
geiros, mantidos nas colnias. O imigrante, por sua vez, depara-se com
um Estado estruturalmente frgil, deficiente, burocrtico, corrompido;
usa, entretanto, dessas instncias para ascender socialmente ou tirar
vantagens dela, segundo seus interesses.
Virgnia Tamanini11, capixaba, descendente de imigrantes italianos, escreveu tambm um romance, intitulado Karina, sobre a imigrao no Esprito Santo, sobretudo na regio de Santa Teresa. Sem formao acadmica, autodidata, a autora retrata em sua obra vrias situaes
descritas pelos imigrantes, como as deficincias estruturais do Estado,
mantenedor de uma propaganda verdadeiramente enganosa no exterior para atrair a mo de obra, com muitas promessas, se no totalmente
no cumpridas, efetivadas apenas parcialmente, mas com srias deficincias na assistncia ao imigrante quanto moradia, ao fornecimento de instrumentos de trabalho e ao atendimento mdico-hospitalar. A
autora faz ligeiras referncias corrupo dos agentes do Estado e das
companhias de navegao; e s frequentes epidemias, durante as quais
os imigrantes se encontraram completamente abandonados e merc
da prpria sorte. O interessante desse romance sua perspectiva feminina; nele, a autora reconstitui no imaginrio da narrativa literria o cotidiano da famlia dos imigrantes, sua mentalidade patriarcal e o significativo
papel da mulher esposa, me, viva e nona.
Vrios fatores, sobretudo polticos e econmicos, levaram milhes de pessoas a se mobilizarem da Itlia para o Brasil e, aqui, para o
Esprito Santo. possvel observar no fenmeno da imigrao italiana
no Esprito Santo quatro elementos constantes, que fortemente pesaram nas motivaes para o deslocamento de l para c:
1. Propriedade: desejo de posse de uma terra; de tornar-se proprietrio;
32
33
12 PETRONE, Maria Thereza Schorer. O imigrante e a pequena propriedade. So Paulo: Brasiliense, 1982. p. 8-9;
CASTIGLIONI, Aurlia H. A imigrao italiana no Esprito Santo: anlise das caractersticas dos migrantes. In: ______.
(Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998. p. 101; DERENZI, Lus
Serafim. Os italianos no Estado do Esprito Santo. Rio de Janeiro: Arte Nova, 1974. p. 16.
13 DERENZI, op. cit., p. 37; cf. tambm DE BONI, Lus Alberto. Imigrao italiana no Brasil. In: CASTIGLINI, Aurlia H.
(Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998. p. 15.
34
nos emigraram, sendo 17 milhes somente entre 1861 e 1920. A maioria desses era do norte da Itlia, que concentrava mais indstrias e foi o
palco das maiores transformaes polticas e econmicas. A agricultura
capitalista afetou diretamente os pequenos proprietrios. O costume de
dividir a terra aos filhos, numa poca de grande fecundidade das famlias
italianas, tornou-se impossibilitado, uma vez que no havia terra para
todos. Muitos desfaziam-se de seus bens, emigravam sem a inteno ou
esperana de voltar. A fecundidade muito superior produtividade e
superfcie do territrio teve um peso significativo neste fenmeno migratrio. A melhoria das condies sanitrias e maior expectativa de vida
contriburam para o aumento do contingente populacional. O impacto
das transformaes polticas e socioeconmicas deteriorou rapidamente
a vida rural, levando subnutrio e tornando uma grande parcela da
populao mais susceptvel a doenas. As guerras contnuas, sobretudo entre Frana e ustria, pelo norte da Itlia levaram runa muitos
produtores rurais. A emigrao massiva aliviou a presso social interna
na Itlia e, de certa forma, resolveu uma crise antes que ela se tornasse
uma revoluo. Celso Furtado14 afirma que as medidas do governo imperial para incentivar a imigrao e atrair imigrantes s obtiveram xito
devido s transformaes ocorridas na Europa e, dentro do objeto de
estudo desta pesquisa, na Itlia, onde [...] a presso sobre a terra, do
excedente de populao agrcola, fez crescer a intranquilidade social. A
soluo migratria surgiu, assim, como verdadeira vlvula de escape.
Luiz Serafim Derenzi15 chama esta multido de migrantes de legio de
desamparados, sem opo, obrigados a encontrar trabalho a qualquer
14 FURTADO, Celso. Formao econmica do Brasil. 34. ed. So Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 187.
15 DERENZI, op. cit., p. 15-18; cf. tambm FRANCO, Sebastio Pimentel. Estrutura conjuntural do Esprito Santo
na poca da migrao. Sculo XIX e incio do Sculo XX. In: CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.). Imigrao italiana
no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998. p. 29; DE BONI, op. cit., p. 16-18; WITTER,
Jos Sebastio. Imigrante, um fator de transformao da Sociedade Brasileira. So Paulo (1850-1914). In:
CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed.
UFES, 1998. p. 42; CAVATI, Joo Batista. Histria da imigrao italiana no Esprito Santo. [s.l.:s.n.], 1973. p.
12-13.
35
preo para sobreviver. A situao de misria em que a Itlia se encontrava est estampada nos documentos, que mostram corpos doentes, mal
alimentados, cansados e forrados apenas de esperana16. O senhor
Orestes Bissoli (1872-1941), que imigrou para o Brasil aos 16 anos, em
suas memrias, escreve sobre o seu desejo de vir para o Brasil por causa
da falta de servio em sua regio, obrigando-o a buscar trabalho longe
de casa, nos povoados vizinhos, quando, muitas vezes, nas longas noites
de inverno do norte da Itlia, dormia com os animais para aquecer-se.17
No h nmeros exatos da quantidade de imigrantes italianos no
Brasil e no Esprito Santo. As quantidades citadas pelos pesquisadores
so aproximadas ou se referem aos dados que se conseguiram levantar em tais pesquisas, obviamente, inferiores aos reais. Segundo Maria
Thereza Schorer Petrone, estima-se o nmero de imigrantes italianos
em torno de 1.485.000; para Lus Alberto de Boni, entre 1836 e 1947,
aproximadamente 1.513.523 italianos ingressaram no Brasil e, no Esprito Santo, estima-se em aproximadamente 35 mil.18 Embora tenha
sido construda por ordem de Costa Pereira, ministro da Agricultura,
em 1874, a Hospedaria da Pedra dgua, que abrigava os imigrantes
recm-chegados ao Esprito Santo, s passou a registr-los sistematicamente a partir de 1889. Os cnsules da poca estimavam entre 40 mil
e 50 mil; Luiz Serafim Derenzi afirma que foram aproximadamente
49,5 mil nos primeiros 17 anos; a historiadora Gilda Rocha estima em
torno de 36,7 mil. O maior fluxo de imigrantes ocorreu entre 18931896 com 12.722 imigrantes registrados. Para D. Cavati, estima-se que
entre 1875 e 1906 teriam ingressado no Esprito Santo cerca de 60 mil
16 PETRONE, op. cit., p. 9; BUSATTO, Luiz. Por uma identidade talo-capixaba. In: CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.).
Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998. p. 295.
17 BISSOLI, Orestes. Memrias de um imigrante italiano. Vitria: Ed. Fundao Ceciliano Abel de Almeida, 1979.
p. 33.
18 PETRONE, op. cit., p. 12; DE BONI, op. cit., p. 18; cf. tambm BASSANEZI, Maria Slvia C. Beozzo. Italianos no
Brasil: o que dizem os censos? In: CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma
aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998. p. 51.
36
19 NAGAR, Carlo. O Estado do Esprito Santo e a imigrao italiana: (fevereiro 1895). Relato do Cavalheiro Carlo
Nagar, Cnsul Real em Vitria, Vitria: Arquivo Pblico Estadual, 1995; CASTIGLIONI, op. cit., p. 104-105; CAVATI,
op. cit., p. 22; DERENZI, op. cit., p. 170.
37
8.671
4.392
3.043
2.282
1.195
854
503
484
236
138
58
53
52
50
41
36
26
6
3
22.123
10.777
20 CASTIGLIONI, Aurlia H.; REGINATO, Mauro. Imigrao italiana no Esprito Santo: o banco de dados. Vitria:
CST, 1997. p. 16-18.
38
21 BUSATTO, op. cit., p. 300; Arquivo Pblico do Estado do Esprito Santo, http://www.ape.es.gov.br/imigrantes/
html/estatisticas.html, acessado no dia 31 de agosto de 2011, s 17:45.
22 HOLANDA, Srgio Buarque. (Dir.). poca colonial. So Paulo: Difel, 1960. (Histria geral da civilizao
brasileira, v. 1, t. 1). p. 103-104.
39
1710, foi elevado a parquia. A regio era habitada pelo ndios puris-coroados, que expulsaram, em 1771, os exploradores. A Igreja de Nossa Senhora do Amparo em Montes Castello foi destruda, mas o sino
e a pia batismal ainda se encontram em outra igreja de mesmo nome
em Itapemirim.23 Durante o sculo XVIII, a partir de 1710, a coroa portuguesa proibiu a construo de estradas em direo a Minas Gerais e
tambm a navegao fluvial para que o Esprito Santo se tornasse algo
como uma cerca verde e assim proteger a regio das minas dos piratas
e do contrabando.24
Na primeira metade do sculo XIX, j no fazia mais sentido
manter o Esprito Santo como barreira verde de proteo regio mineradora de Minas Gerais. Uma estrada que ligava Vitria s jazidas
aurferas foi aberta entre 1814 e 1816, a Estrada do Rubim ou tambm
chamada Estrada So Pedro Alcntara. Entre 1816 e 1830, as exploraes de ouro nas antigas minas do Castello, no sul do Estado, foram reiniciadas.25 Nesse nterim, o caf comeava a ser exportado. Em 1815,
durante o governo de Francisco Alberto Rubim, as primeiras arrobas
de caf foram exportadas. Em 1852, ele j era o produto de maior
valor dentro das exportaes, o que levou a balana comercial a saldos
positivos. A falta de mo de obra, a escassa populao, concentrada na
regio litornea, constitua, no entanto, um dos srios obstculos ao desenvolvimento da cafeicultura naquela provncia. Em 1856, registrou-se uma populao de 48.992 habitantes, sendo 36.813 livres e 12.179
escravos. Alm de reduzida, a populao estava mal distribuda e haviam extensas regies desabitadas. A carncia de braos na lavoura
devia-se s leis cada vez mais restritivas escravido e, posteriormen-
23 CASAGRANDE, Andr Dellorto; BARBIERO, Maria Helena Mion. Castelo: da pr-histria ao incio do Sculo XX.
[s.l.]: Prograf, 2002. p. 19-25, 42-44.
24 Ibid., p. 47, 61; cf. tambm CASTIGLIONI, op. cit., p. 102; BUSATTO, op. cit., p. 301.
25 Ibid., op. cit., p. 57-58.
40
26 CAVATI, op. cit., p. 11; cf. tambm FRANCO, op. cit., p. 30; tambm CASTIGLIONI, op. cit., p. 103.
27 HOLANDA, Srgio Buarque de, Prefcio. In: DAVATZ, Thomaz. Memrias de um colono no Brasil (1850). So
Paulo: Martins Fontes : EDUSP, 1972.; cf. tambm PETRONE, op. cit., p. 22-23.
28 MARTINS, Jos de Souza. O cativeiro da terra. 2. ed. So Paulo: Cincias Humanas, 1981. p. 59-75.
29 PETRONE, op. cit., p. 45-49.
30 AZEVEDO, Clia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginrio das elites sculo XIX.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 33-104; cf. tambm PETRONE, op. cit., p. 38-39.
41
projetos de emancipao dos negros e de imigrao discutidos amplamente no Parlamento na segunda metade do sculo XIX e como
esses projetos tinham a perspectiva de formao de uma nacionalidade a ser regenerada pelo europeu branco, principalmente, os de raa
germnica.
A soluo pensada mediante o problema da falta de mo de
obra para a cafeicultura e as grandes extenses de terras desabitadas
ou de terras devolutas no Esprito Santo foram a formao de colnias
de povoamento e o incentivo imigrao. O que Celso Furtado diz
genericamente a respeito das colnias de imigrantes no Brasil aplica-se
validamente para as colnias do Esprito Santo. Assim ele escreve em
Formao Econmica do Brasil:
As colnias criadas em distintas partes do Brasil pelo governo
imperial careciam totalmente de fundamento econmico; tinham como razo de ser a crena na superioridade inata do
trabalhador europeu, particularmente daqueles cuja raa era
distinta da dos europeus que haviam colonizado o pas. Era
essa uma colonizao amplamente subsidiada. Pagavam-se
transporte e gastos de instalao e promoviam-se obras pblicas artificiais para dar trabalho aos colonos, obras que se prolongavam algumas vezes de forma absurda. E quase sempre,
quando, aps os vultosos gastos, se deixava a colnia entregue
a suas prprias foras, ela tendia a definhar, involuindo em simples economia de subsistncia.31
42
43
44
45
desocupadas, estabelecendo-os em pequenas propriedades policultoras, trabalhadas pelos proprietrios e suas famlias. Para Carlos Teixeira
Campos Jnior39, [...] a imigrao no Esprito Santo esteve relacionada
constituio da pequena propriedade, uma vez que antes do fenmeno da imigrao, como em geral no Brasil, a estrutura fundiria era
baseada na grande propriedade autrquica.
A possibilidade de acesso propriedade fundiria foi um dos
principais aspectos das migraes transocenicas no sculo XIX. No
imigrante havia certo fascnio pela possibilidade de vir a ser proprietrio. A propaganda da migrao para o Brasil na Europa, sobretudo na
Itlia, na segunda metade do sculo em questo, firmava a ideia da facilidade de acesso propriedade de terra e, assim, maior possibilidade
de ascenso do trabalhador condio de proprietrio.40 No Brasil, a
expectativa de alguns que defendiam os projetos imigracionistas baseados na pequena propriedade era a ocupao dos espaos vazios que,
assim, valorizaria a terra e criaria condies para o surgimento de uma
camada social intermediria entre o latifundirio e o escravo. Essa nova
camada social comporia um novo mercado consumidor, ofereceria
mo de obra no mercado de trabalho e diversificaria a economia com
uma produo de gneros normalmente no fornecidos pela grande
propriedade. Essa colonizao baseada na pequena propriedade para
imigrantes foi vista como uma soluo para os males econmicos e
sociais do pas. Assim, o imigrante instalado na pequena propriedade
seria um agente modernizador e transformador da sociedade e economia brasileiras e retiraria o pas do atraso em que se encontrava
pela permanncia das estruturas do sistema colonial.41 Maria There-
39 CAMPOS JNIOR, Carlos Teixeira. Imigrao italiana e a constituio da pequena propriedade no Esprito Santo In:
CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES,
1998. p. 160.
40 WITTER, op. cit., p. 46-47.
41 PETRONE, op. cit., p. 11,17-18.
46
No incio do sculo XIX, a poltica imigracionista visava a instalar o imigrante em pequenas propriedades, mas, aps 1840, os cafeicultores paulistas defendiam a vinda de imigrantes como mo de
obra para as fazendas de caf.43 Os ncleos coloniais criados prximos
grande lavoura, no entanto, normalmente no obtiveram sucesso,
devido sobretudo ao desgosto e desnimo dos imigrantes, pois geralmente as terras eram imprprias para a lavoura comercial e as vias
de comunicao muito precrias.44 Para os grandes proprietrios, esses
ncleos junto s grandes fazendas seriam um canal de abastecimento
de mo de obra para a lavoura. No Esprito Santo, a grande extenso
de terras devolutas dificultava a implantao do sistema de parceria
entre os grandes fazendeiros e os imigrantes, pois esses abandonavam
42 Ibid., p. 19-20.
43 Ibid., p. 22.24.
44 Ibid., p. 26.
47
45 COLBARI, Antnia. Famlia e trabalho na cultura do imigrantes italianos. In: CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.).
Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998. p. 135.
46 BUSATTO, op. cit., p. 308.
47 CASAGRANDE; BARBIERO, op. cit., p. 81-82.
48
a preos baixos, porque o imigrante tinha o sonho de tornar-se proprietrio e pela falta de habilidade dos fazendeiros em lidar com a mo de
obra livre.48 Desses ncleos os maiores tanto em territrio como em
populao italiana eram os do sul do Esprito Santo, o Ncleo Colonial
de Rio Novo e o Ncleo Colonial do Castelo.49
Em 1871, Costa Pereira, ento ministro da Agricultura, indenizou
os acionistas proprietrios do Ncleo Colonial de Rio Novo e a propriedade tornou-se a Imperial Colnia do Rio Novo, divida em cinco reas
coloniais. A partir de 1874, foram construdos os barraces para a abertura de picadas. A partir de 1875, instalaram-se na regio 565 tiroleses,
desembarcados em Benevente e localizados no Segundo Territrio. At
1890, ocupou-se toda a regio da serra e margens do rio Benevente e
foram criados vrios povoados, como Rodeio, Guiomar e Virgnia. A regio de Alfredo Chaves comeou a ser povoada a partir de 1877, com a
fundao da Vila de Todos os Santos, instalada no Quinto Territrio. Em
1891 a fazenda Quatinga foi desapropriada para a se instalar a sede
administrativa do Quarto Territrio. Isto significou o fim dos grandes latifundios da orla martima. O imigrante-colono, no entanto, no optava
nem estava habilitado para escolher o seu lote. Isso desencadeou uma
srie de abusos por parte dos administradores da colnia pela arbitrariedade poltica, o que o Sr. Luiz Serafim Derenzi chamou de falsos
coronis, que em algumas ocasies varreram a regio com jagunos.
Devido a alguns prazos, outro nome dado aos lotes por serem improdutivos e vendidos em parcelas a longo prazo, muitos colonos os
abandonaram e foram trabalhar em fazendas de caf na regio de Cachoeiro de Itapemirim como meeiros. Os primeiros colonos recebidos
como mo de obra livre em fazendas de caf na regio foram para a
49
50
Inicialmente, na Colnia de Rio Novo, a modalidade para a concesso das terras tornava o colono foreiro, ou seja, tinha o uso e gozo
da terra, mas no podia se desfazer dela. Por no ter a propriedade
plena, a colnia, alm de outros fatores j indicados acima, no se desenvolveu. A partir de 1867, os lotes podiam ser adquiridos por compra a vista ou a prazo pelos colonos. Com a possibilidade de ser legtimo proprietrio da terra, o trabalho adquiria uma nova motivao e a
colnia tinha um grande impulso a partir da, pois vinha ao encontro
quele que era o ideal mximo do imigrante: ser dono da terra para ali
trabalhar e tirar o sustento de sua famlia.52
Com a emancipao do Ncleo Colonial de Rio Novo, em 6 de
maro de 1880, criou-se o Ncleo Colonial do Castelo nas terras devolutas margem do alto Benevente, emancipado, por razes econmicas,
em maio de 1881 como Colnia do Castelo, que compreendia diversas
sees que hoje pertencem aos municpios de Alfredo Chaves (Carolina, Matilde, So Joo, Urnia, Maravilha, Alexandrina, Cachoeirinha,
Iracema e Deserto), Marechal Floriano (Araguaia e Vtor Hugo) e Vargem Alta (Guiomar e Virgnia, atual Jacigu). Nos anos de 1886-1887,
o governo central do Imprio concedeu muitos favores aos fazendeiros que desejassem contratar imigrantes para as suas propriedades.
No incio, houve pouco interesse dos fazendeiros capixabas, embora
a abolio da escravido j estivesse em andamento. S quando ela
se efetivou que fazendeiros do sul do Esprito Santo passaram a contratar imigrantes. No ano de 1886, foi criada a Comisso de Medio
de Terras e Colonizao da ex-Colnia do Castelo, tendo vrios agrimensores experientes entre eles, inclusive o Sr. Hermann de Tautfheus
Bello, responsvel pelas medies da Fazenda do Centro em 1909.53 O
51
54 PESSALI, Hsio. Apresentao. In: BISSOLI, Orestes. Memrias de um imigrante italiano. Vitria: Ed.
Fundao Ceciliano Abel de Almeida, 1979. p. 11-15.
55 BISSOLI, op. cit., p. 72-73.
52
53
54
55
Nesse perodo de sua vida no se comia carne, feijo ou temperos. O trigo era dado s aos doentes. O leite era de uma cabrita e
aumentado com gua doce de melado de cana. A base da comida era
polenta e muita verdura. s vezes, caava-se algum animal silvestre.
O nosso modo de trabalhar no era de gente: trabalhvamos
feito burros, dia e noite, que fizesse sol ou chovesse; nunca
houve dia em que dissesse: hoje no tenho o que fazer. Nem
mesmo horas, pedaos de dia que fossem. O descanso da noite geralmente era pouco, pois dormia-se tarde e levantava-se
cedo. O repouso dos dias de calor, ns sempre o fazamos de
onze a uma hora.67
Todo esse sacrifcio tinha um objetivo: saldar as dvidas para efetivar o sonho: tornar-se proprietrio e ascender socialmente.
Fora disto (guardar os domingos e dias santificados) era trabalhar
sempre com ardor, com fora, como quem trabalha a empreitada, com pressa de findar um servio pois havia outro adiante; e
sempre assim com vontade de conseguir o ideal, que era pagar
o que se devia, ter sua situao bem arrumada e tornar-se assim
independente [...].68
67 Ibid., p. 65.
68 BISSOLI, op. cit., p. 66-67. (destaque do autor).
69 Ibid., p. 67-68.
56
57
brasileiro, o trabalho era vivido como negao da liberdade e constitua-se como marca de inferioridade social, enquanto no europeu
imigrante havia uma mentalidade que associava o trabalho riqueza,
prosperidade, participao e cidadania, ou seja, como meio para uma
vida melhor. Apesar disso, o cotidiano do trabalho do imigrante, como
vimos na experincia do senhor Orestes Bissoli, era marcado por difceis condies de vida, trabalho rduo na prpria propriedade; muitas
vezes trabalhava tambm em outras propriedades e na formao de
cafezais, e toda a famlia era mobilizada durante as colheitas. Apenas
alguns dedicaram-se com exclusividade a trabalhos artesanais, como
pedreiro, marceneiro, carpinteiro e acessrios de couro. Para Antnia
Colbari73, o capital cultural do imigrante lhe assegurava certa superioridade em relao ao trabalhador nativo, imprimia-lhe uma cultura do
trabalho e um forte sentimento de organizao social, cujo eixo estava
na igreja e nos grupos de parentesco. No caso do sul do Esprito Santo,
onde predominavam as pequenas propriedades, os imigrantes criaram
algumas estratgias para aliviar a presso sobre a terra e preservar intacta a propriedade, tais como: enviar filhos e filhas para seminrios
e conventos; a migrao de filhos para as cidades, ingressando nas
atividades industriais ou porturias; tornar-se arteso, como barbeiro,
marceneiro, sapateiro; e permitir que as filhas trabalhassem como domsticas. O trabalho e a vida social em torno da religio fundavam
uma moralidade pautada por valores comunitrios que se sobrepunham s pretenses individualistas.74 O isolamento em que viviam
muitas colnias fortaleceu o esprito comunitrio centrado sobretudo
em torno da religio. O trabalho duro no era somente uma virtude
do imigrante europeu, mas antes uma necessidade de sobrevivncia.75
58
76 Ibid., p. 142.
77 Ibid., p. 143.
78 CASAGRANDE; BARBIERO, op. cit., p. 105-106.
59
Desde o incio do ciclo do caf, no sculo XVIII, as terras capixabas estavam divididas em grandes latifndios, pouco produtivos devido falta de mo-de-obra e baixa qualificao.
J o imigrante adquiria pequenas reas, conforme suas escassas posses. Com o passar dos anos, porm, sua produo aumentava, dando-lhe recursos para compra de outras reas para
os filhos.
Em menos de meio sculo, com o retalhamento das grandes
fazendas em pequenas propriedades que, pelo trabalho das
mos calejadas dos imigrantes, tornavam-se altamente produtivas, o Estado do Esprito Santo, embora pequenino, passou a
ocupar o terceiro lugar em produo de caf no Brasil.79
Segundo Celso Furtado80, na regio cafeeira, a abolio teria provocado efetivamente uma redistribuio de renda em favor da mo
de obra. Isso no significou necessariamente, para ele, um aspecto positivo ao ex-escravo, que quase no possua uma vida familiar, em
quem estava ausente a ideia de acumulao de riqueza e para quem
o trabalho era sinnimo de maldio e, da, a preferncia ao cio. A
necessidade de oferecer salrios mais elevados teria tambm gerado
um afrouxamento das normas de trabalho.
D. Joo Batista Corra Nery, primeiro bispo da diocese do Esprito Santo, escreveu em seu dirio81 das visitas pastorais que realizou no
final do sculo XIX e incio do sculo XX sobre a falta de mo de obra,
79 ZANDONADI, Mximo, Venda Nova: um captulo da imigrao italiana. So Paulo: EPS, 1980. p. 36-37.
80 FURTADO, op. cit., p. 203-204.
81 Esse dirio consiste num manuscrito de capa vermelha e intitulado em letras douradas Lembranas. Visitas
Pastoraes, em folhas de papel pautado, com paginao igualmente manuscrita somente na pgina de frente
embora seja escrito tambm no verso; assim, nas citaes, quando a referncia se encontrar no verso da
pgina indicar-se- o nmero da pgina de frente mais a letra v.
60
82 NERY, Joo Batista Corra. (Dom). Lembranas: visitas pastoraes, manuscrito. Cria Metropolitana da
Arquidiocese de Vitria. Vitria: Centro de Documentao e Informao, p. 99 100.
61
62
63
64
como filhos. As pessoas registradas em 1894 que vieram sozinhas representam 6,18%; em 1895, 14,01%. A mdia de idade dos chefes de
famlia era de 38 anos e das esposas, 33 anos. H um alto ndice de crianas, dada a grande fecundidade dessas famlias. Segundo Maria Slvia C.
Beozzo93, [...] os italianos em terras brasileiras se casavam com maior
intensidade e em idades mais jovens que na Itlia, apresentando taxas
de fecundidade e natalidade mais elevadas.
Uma caracterstica das famlias italianas era o regime patriarcal.
O pai de famlia era a cabea do casal, detentor de toda autoridade sobre a famlia, que considerava os filhos emancipados somente depois
de casados, o que no significava que abandonavam a casa paterna,
ao contrrio, geralmente permaneciam juntos ou nas proximidades.
O pai prov os filhos. Todos trabalham para um s monte. Junto propriedade central vo surgindo as casas dos outros membros.94 A me
cuidava da educao espiritual dos filhos. No Esprito Santo, embora
os imigrantes em geral fossem analfabetos, houve uma grande preocupao dos colonos com a educao para seus filhos. Muitos foram os
conflitos, inclusive com a polcia, por causa disso. Os imigrantes foram
acusados por polticos de racismo, porque seus filhos no falavam a lngua nacional; os colonos providenciavam suas prprias escolas quando
no eram atendidos e algumas delas foram tomadas pelo governo para
instalar nelas rgos pblicos.95
Conforme Antnia Colbari96, a colonizao do Esprito Santo por
imigrantes italianos se caracterizou como um:
65
66
A famlia como um valor, uma preocupao constante, est muito presente nas memrias do senhor Orestes Bissoli, que deixa transparecer a maneira bastante emocional e afetiva com que se viviam as
relaes familiares. Ainda na Itlia, quando a me ficara viva, tornara-se a provedora da famlia e ele teve que trabalhar com os irmos para
ajudar no seu sustento, assim ele escreveu:
Semanalmente ns entregvamos o que rendia nosso trabalho,
e ela nos dava uma gorjeta (buonamano) para os nossos pequenos divertimentos ou vcios que fossem. Sempre interessado pela famlia e, como a lenha necessria cozinha adquiria-se com dificuldade, mame me dava algum vintm para eu
recolher alguma na mata, isto , onde havia arvoredos, pois l
no existe mata propriamente dita e os proprietrios deixavam recolher lenha seca, mas sendo verde era roubo.100
99 Id. Venda Nova do Imigrante: 100 anos da colonizao italiana no sul do Esprito Santo. Belo Horizonte:
Fundao Mariana Resende Costa, 1992. p. 135.
100 BISSOLI, op. cit., p. 31-32. (destaque do autor).
67
por um tempo e, depois de muito trabalho, conseguiram o dinheiro suficiente para trazer da Itlia o restante da famlia. Ele escreveu de forma
emocionada o fato de no ter notcias da famlia e de a me pensar que
estivesse morto. Quando despediu-se de seu irmo e foi morar sozinho
no Quinto Territrio na Colnia de Rio Novo, igualmente deixou transparecer as emoes. A me e as irms vieram para o Brasil em 1895 e
tiveram dificuldades para chegar ao Esprito Santo, certamente devido
proibio de imigrao para aquele Estado a partir daquele ano. Emocionou-se igualmente quando a me no o reconheceu de imediato e
mesmo depois de algum tempo teve dvidas se era ele mesmo o seu
filho.101 Assim escreveu sobre o carter centralizador da figura da me
e seu papel de mantenedora dos vnculos familiares: Mame, embora
j idosa, foi quem salvou a situao, mantendo a unio da famlia, pelo
motivo de tomar conta da casa.102 Mesmo depois de casado, a esposa
ficava sob os cuidados da sua me, ou seja, na ausncia do patriarca,
assumia a matriarca: [...] e tambm as moas se sujeitavam velha; e
ela ensinou o que era a economia, e o quanto valia a ordem econmica
de uma famlia.103
Como as famlias italianas normalmente se constituam de um
grande nmero de filhos, embora grande tambm fosse a mortalidade
infantil, os lotes adquiridos, com o passar dos anos, j no atendiam
mais s suas necessidades e chegava a um ponto em que no havia
mais como dividir.104 Era preciso, ento, buscar novas terras, quando
estes filhos constituam novas famlias. Coeso familiar e difuso devido ao crescimento vegetativo so caractersticas dos imigrantes italianos em outras partes do Brasil e tambm no sul do Esprito Santo.
68
69
dia, rezava-se o tero e a ladainha. Os pais frequentemente se preocupavam com a educao religiosa dos filhos e cuidavam de ensinar-lhes o catecismo. D. Cavati cita vrios nomes de catequistas que se
destacaram por seu zelo e fervor, como Francisco Casanova, Caetano
Giuseppe Giovanelli, Teresa Lora e Felipe Spadete. Alm de catequistas,
alguns destes, como o Sr. Caetano, foram lderes de suas comunidades,
ficando responsveis tambm pela administrao das capelas.
Uma das situaes em que se diferenciava o imigrante do nativo era a novidade para a poca do casamento civil, implantado pela
constituio republicana de 1891. O nativo no se preocupava com o
casamento religioso, contentando-se muitas vezes somente com aquele. O imigrante, ao contrrio, tinha em conta muito mais o casamento
religioso. Dom Joo Batista Corra Nery, em seu dirio Lembranas.
Visitas Pastoraes, deixou transparecer as dificuldades da igreja em lidar com a questo do casamento civil. Ele reclamou da falta de sacerdotes para atender demanda dos fiis, enquanto o nmero de juzes
de paz era muito maior, chegando em algumas parquias a 16 juzes
para um sacerdote.108 O bispo se surpreendeu tambm com a grande
quantidade de cemitrios particulares no interior, devido s dificuldades de transporte dos cadveres pelos caminhos frequentemente intransitveis. Como o Estado do Esprito era muito isolado, tornara-se
um refgio de assassinos de outros estados vizinhos. Devido incapacidade do Estado de conter muitas das desordens e da falta de
mdicos, para o bispo, tais cemitrios constituam um problema, por
causa de enterramentos criminosos e sem exames. Ele lamentou que
o poder eclesistico nada podia fazer, uma vez que os cemitrios foram
secularizados.109
70
71
72
CAPTULO 2
Fazenda do Centro:
a formao do ncleo colonial
73
2.1 As fontes
H algumas coisas escritas sobre a Fazenda do Centro, desde
que foi adquirida pelo Major Antnio Vieira Macho da Cunha, em 1845,
at que foi vendida pelos herdeiros de um dos seus genros, o portugus
Manuel Fernandes Moura, a Fr. Manuel Simon, em 1909. rgos pblicos, como cartrios e arquivos do municpio de Castelo e Cachoeiro
de Itapemirim so as principais fontes de informao desse perodo.
Os que j escreveram sobre a Fazenda durante este perodo normalmente o fizeram situando-a dentro da expanso da cultura cafeeira
no Estado e relacionando-a tambm com a escravido. Dentre esses
est T. de Alencar Arararipe, general de exrcito, ministro do Superior
Tribunal Militar, membro do Instituto de Geografia e Histria Militar do
Brasil, que escreveu um artigo intitulado A Colonizao do Municpio
de Castelo na Revista Brasileira dos Municpios, n 63/64, em 1963.
Uma fonte oral pesquisada por alguns pesquisadores, sobretudo da
Universidade So Camilo, de Cachoeiro de Itapemirim, e jornalistas
do peridico A Gazeta, foi o senhor Victrio Bernab, descendente
de italianos e um dos mais antigos moradores da Fazenda do Centro,
falecido h poucos anos.
Do perodo relativo compra da Fazenda do Centro por Fr.
Manuel Simon, no ano de 1909 em diante, a principal fonte so as
CRNICAS DE LA PROVNCIA DE SANTO TOMS DE VILLANUEVA,
dividida em dois volumes, Dcada Primeira (1899-1909) e Dcada
Segunda (1909-1919). Outra obra um texto datilografado e paginado intitulado CPIA FIEL DO LIVRO DE COISAS NOTVEIS DA
FAZENDA DO CENTRO. A primeira parte deste texto at a pgina 16
est escrita em espanhol e faz referncia ao Libro de Cosas Notables
de La Hacienda Del Centro em precrio estado de conservao; este
original do livro desapareceu. A partir da pgina 17, o texto escrito
em portugus. Embora tenha a pretenso de ser uma cpia fiel, o
74
75
76
77
78
79
80
116 CRNICA de la provncia de Santo Toms de Villanueva. Dcada Primeira (1899-1909). Monachil: Imprensa
Santa Rita, 1920a. p. 333.
81
visitas pastorais, j referido no captulo anterior, intitulado Lembranas. Visitas Pastoraes, deve ter sido escrito entre 1897 e 1900, pois
as ltimas anotaes na contracapa referem-se s provises para o Pe.
Manoel Simon em 4 de novembro de 1899 e 19 de abril de 1900 para
o Pe. Mximo Tabuenca. Nele, o bispo faz suas observaes a respeito
da situao poltica, econmica e religiosa do Estado e tece suas crticas
tambm infraestrutura e s condies fsicas e humanas, bem como
mostra suas dificuldades em administrar a nova situao da Igreja separada do Estado.
82
117 NERY, Joo Batista Corra. (Dom). Lembranas: visitas pastoraes, manuscrito. Cria Metropolitana da
Arquidiocese de Vitria. Vitria: Centro de Documentao e Informao, [19--]. p. 97v-98v.
83
84
85
120 PRLOGO-dedicatria In: CRNICA de la provncia de Santo Toms de Villanueva. Dcada Primeira (18991909). Monachil: Imprensa Santa Rita, 1920a. p. IX.
121 CRNICA ..., 1920a, op. cit., p. 4. (destaque do autor)
122 Ibid., p. 5.
86
so e decidiu-se pelo envio de religiosos para a Amrica. A revoluo filipina, dentro do contexto da guerra hispano-americana e da expanso
econmica estadunidense para o oriente, afetou os religiosos no s
no aspecto religioso e econmico, mas feriu tambm os sentimentos
nacionalistas, que vinculavam Ptria Me (Espanha) e Religio Catlica
e sacralizava os smbolos nacionais. O hasteamento da bandeira dos
Estados Unidos, ritual simblico da vitria daqueles e derrota dos espanhis, recebeu as imprecaes do cronista ao registrar o fato:
[...] e, aos oito dias de consumado aquele atropelo pelos yanquis, quando arriada na capital do Arquiplago
o santo emblema da Ptria Espanhola, que ali o havia
feito tudo, iava-se em seu lugar a bandeira das barras
e estrelas, smbolo da perfdia, da avareza e do mercantilismo de uma nao de aventureiros, saa de Manila a
primeira misso com rumo s praias hospitaleiras da
jovem Amrica espanhola, qual se seguiu em seguida
outra que, dirigindo-se Espanha, devia aportar s costas do Atlntico nas Repblicas de Argentina, Uruguai
e Brasil.123
A revoluo filipina e a expulso dos frades agostinianos recoletos exigiram da congregao e da Provncia de So Nicolau de
Tolentino, qual pertenciam as casas das Filipinas, uma reestruturao e adaptao forada s novas circunstncias. Com a disperso
pela Amrica Espanhola e pelo Brasil, nos anos seguintes, em 1905
intencionou-se na congregao a desagregao da Provncia de So
Nicolau de algumas destas casas espalhadas na Amrica e de algumas outras na Espanha. Isso refletia algumas insatisfaes internas
quanto nova situao. No dia 12 de outubro de 1907, festa de Nos-
123 Ibid., p. 6.
87
88
de enviar religiosos para o Brasil. Em janeiro de 1899, partiu a primeira misso rumo diocese de Gois, na qual se encontravam Fr.
Manuel Simn, Fr. Jos Chivite e o corista (estudante) Fr. Mximo
Tabuenca. Partiram com destino Uberaba, onde iriam trabalhar no
Seminrio Diocesano.126
Vrios bispos no Brasil encontravam-se praticamente desesperados ante a falta de sacerdotes em suas dioceses. A notcia de
religiosos disponveis espalhou-se e provocou uma srie de solicitaes congregao. Dentre aqueles que pediram religiosos para as
suas dioceses estavam o bispo de So Paulo, Niteri, Esprito Santo,
Bahia, Pernambuco, Par, Campinas, So Carlos e Petrpolis. Vrias
misses se seguiram depois, procurando atender s solicitaes dos
bispos. Devido disperso dos religiosos em vrias partes do Brasil,
inicialmente criaram-se trs vicarias, subdivises administrativas internas da congregao: uma que englobava So Paulo e Minas Gerais;
outra que envolvia Esprito Santo e Bahia, e uma terceira no Estado
do Par. Aps a visita provincial ao Brasil em 1909, todo o territrio
passou a constituir uma nica vicaria com trs subvicarias.127
Nesse nterim, publicou-se em 1902 um Regulamento das
misses da congregao na Amrica. Segundo esse regulamento,
havia uma proibio expressa de realizao de emprstimos sem
licena do superior e sob a condio de s efetu-lo [...] com a garantia de objeto de duplo valor real e tambm outra proibio de
contrao de dvida.128
A situao dos religiosos no Brasil, aps alguns poucos anos, no
entanto, tornou-se crtica, principalmente na regio de Minas Gerais,
89
90
91
92
93
133 CAVATI, Joo Batista. Histria da imigrao italiana no Esprito Santo. [s.l.: s.n.], 1973. p. 96-105, 115-117.
134 Ibid., p. 133-135.
135 CRNICA ..., 1920a, op. cit.. p. 353.
136 Ibid., p. 351.
94
Num Estado ainda a implantar o regime republicano, com srias limitaes polticas e institucionais, possvel perceber que em
meio s deficincias estruturais (estradas, escolas) e precariedade das
comunicaes, a diocese do Esprito Santo igualmente estava por implantar seu aparelho burocrtico e a congregao agostiniana recoleta
encontrava-se totalmente dispersa, sem projetos definidos. Ou seja,
nessas trs instituies tudo estava ainda por construir ou reconstruir.
Lutava-se contra o tempo, haja vista a rapidez com que tudo foi feito
95
139 CRNICA de la Provncia de Santo Toms de Villanueva. Dcada Segunda (1909-1919). Monachil: Imprensa
Santa Rita, 1920b. p. 3-6,10, 65.
96
97
incerteza nos frades. Isso se refletiu na deciso de adquirir a Fazenda do Centro. De um lado, havia uma demanda por novas terras por
parte dos colonos italianos, tendo em vista o esgotamento das terras
nas regies litorneas; de outro lado, apesar da situao econmica
precria, os frades buscavam formas de reorganizar-se e adquirir mais
estabilidade e segurana.
Por outra parte, os colonos italianos que povoavam aquela regio (de Anchieta e Guarapari), vendo que suas terras
iam perdendo sua fertilidade, dispunham-se a ir para outros
lugares ainda no desbravados para fazer nelas novas plantaes e trabalhos; e tratavam de levar consigo os religiosos
que os assistiram espiritualmente, instando-os a que no os
abandonassem; antes, pelo contrrio, se pusessem frente
de sua empresa e lhes ajudassem na busca e aquisio de
algum lugar favorvel para o desenvolvimento dos cultivos
e trabalhos.
Isso fez que os padres, desejosos de favorecer a seus fiis filhos espirituais, se informassem dos diversos pontos daquele
Estado, nos quais os colonos poderiam se estabelecer e, conhecedores ao mesmo tempo das crticas circunstncias em
que se achava a Provncia em seus princpios, pela escassez de
recursos para a formao dos colgios e pelas dificuldades que
apresentava o estado anmalo da coisa pblica na Espanha,
vendo que se achava venda uma das antigas fazendas no interior do Estado, propuseram ao N. P. Provincial, que se achava
entre eles praticando a visita oficial, lhes autorizasse a empregar os recursos que contavam na compra daqueles terrenos,
os quais ao mesmo tempo serviria para beneficiar os colonos,
vendendo-lhes os lotes nos quais pudessem trabalhar e instalar
suas famlias, poderiam servir tambm como uma ajuda Provncia e como lugar de refgio para nossos jovens estudantes
98
A vicaria dos recoletos no Brasil compunha-se de 40 religiosos sacerdotes e trs frades irmos em 1909. Os 53 religiosos que
trabalhavam no Brasil em 1919 estavam disseminados em cinco
estados. 144 A constncia com que o cronista refere-se secularizao de alguns frades no Tringulo Mineiro denota que tal fato
transtornou e deixou marcas na poca. No plano econmico, o cronista afirma que tambm a situao era crtica, pois haviam poucos recursos para manuteno dos frades, o territrio brasileiro era
imenso e muitos frades encontravam-se esgotados pelo trabalho.145
Intencionou-se, nesse perodo, a fixao da residncia provincial no
Brasil a partir de 1912. Tal no se realizou, segundo o cronista, porque as casas dos frades no Brasil no estavam preparadas para isso.
Ordenou-se, ento, preparar a casa de Ribeiro Preto; no entanto,
tal ordem no foi cumprida e como justificativa foram apresentados
os gastos elevados com a aquisio do Colgio de Monachil e Agreda, na Espanha.146
A escassez de pessoal e a falta de novos membros para dar continuidade aos trabalhos comeados no Brasil e, mais especificamente,
no Esprito Santo, fez com que se reduzissem os ministrios. No Esprito Santo, de oito assumidos inicialmente, restaram os dois ministrios do sul do Estado, onde estavam as colnias italianas. E mesmo
nessa regio, os ministrios foram reduzidos. Em setembro de 1910,
143 Ibid., p.257-258; cf tambm CPIA fiel do livro de coisas notveis da Fazenda do Centro manuscrito. Arquivo
da Cria Provincial da Provncia de Santa Rita de Cssia. Ribeiro Preto, SP, [19--]. p. 6
144 CUESTA, op. cit., p. 174.
145 CRNICA ..., 1920b, op. cit., p. 235-236, 242-243.
146 Ibid., p. 252-255.
99
100
sido escrito por Fr. Mximo Tabuenca em 1916. Nesse texto, o escritor
refere-se s dificuldades encontradas naquela regio, por exemplo, o
indiferentismo religioso dos brasileiros; o temor da mescla entre esses
e os italianos, pois para ele tal mescla conduziria a uma perverso dos
costumes dos imigrantes; os conflitos ocorridos entre os frades espanhis e as prticas da religiosidade popular, sobretudo dos negros;
e tambm conflitos com alguns imigrantes que manifestavam suas
preferncias por sacerdotes italianos.
Escassez de pessoal, reorganizao interna com a criao de
uma nova provncia aps o malogro da criao da Provncia do Pilar,
mudana do status jurdico e administrativo da congregao, que adquiriu mais autonomia ao ser reconhecida como Ordem Religiosa,
disperso, reduo de ministrios, insegurana poltica na Espanha
so alguns elementos que formam a conjuntura em que viviam aqueles frades recoletos no sul do Esprito Santo e certamente interferiram
na deciso de se adquirir a Fazenda do Centro.
101
102
O problema que teria causado a demanda por novas terras, segundo o cronista, era a perda da fertilidade das mesmas, o seu esgotamento e a forma de ocupao daquele espao pelos colonos italianos.
Por este tempo, Fr. Manuel encontrava-se preocupado com
uma idia que ele considerava benfeitora para nossa Provncia
e para seus queridos colonos italianos. Via claramente que as
terras ocupadas pelas colnias e que haviam sido desmatadas
e colocadas para o cultivo com os trabalhos e suores daqueles
colonos, iam-se esgotando e perdendo rapidamente sua fora
produtiva; a cada ano decresciam as colheitas e se via estar
prximo o dia em que, perdida sua fora vital, viriam a ficar reduzidos a campos estreis; os mais teis para criar forragem e
pasto para vacas, porm, completamente inteis para semear
os produtos que eles desejavam cultivar: arroz, milho e, sobretudo, caf.152
103
isso, pois o interesse maior deles era formar capital em menor tempo
possvel para voltar sua ptria e levar l uma vida tranquila e sossegada. Os missionrios estavam preocupados com essa debandada dos
seus fiis e viram-se na impossibilidade de cont-la, mas procuraram
vias de direcion-la para lugares onde eles pudessem viver reunidos,
dispondo-se mesmo a segui-los como orientadores espirituais.153
J existiam no Brasil, por aquela poca, fazendas cultivadas por
membros de ordens religiosas, como os trapistas, em Minas Gerais.
Atravs do agrimensor Dr. Hermann Tautfeus Bello, de larga experincia em medies de terras nas colnias italianas do sul do Esprito
Santo, Fr. Manuel Simn tomou conhecimento desta fazenda cultivada
pelos trapistas e de outra, no interior do Estado, que poderia satisfazer
as demandas dos colonos.154
Nestas circunstncias, os colonos insistiram com ele [Fr. Manuel] para que visse o modo de remediar sua situao, pois,
seno, se veriam na necessidade de buscar novas terras mais
produtivas. O padre tinha ouvido falar de uma antiga fazenda,
no interior do Estado, com bons e abundantes terrenos, a qual
estava venda e, animado pelo desejo de favorecer seus fregueses e olhando tambm pelo bem espiritual deles, para que
no perdessem em outros lugares a f e a religiosidade que, por
fora de muito trabalho, havia conseguido infundir e conservar
neles, a comprou com autorizao e permisso dos Superiores,
colocando nela mais de 100 famlias, escolhidas entre as melhores, passando-se a viver com eles no ano de 1910, ainda que
sem deixar de visitar as demais colnias da costa.155
104
105
Antnio Vieira Machado da Cunha, que veio de Valena, no interior do Rio de Janeiro157;
2. Refere-se a leis portuguesas que favoreciam a escravido nas colnias, quando a fazenda foi adquirida pelo major em 1845, perodo em que o Brasil j era politicamente autnomo em relao a
Portugal;
3. Afirma que a liberdade dos escravos foi imprevista e deixou instantaneamente as fazendas sem mo de obra, quando as campanhas para abolio dos escravos j eram intensas havia dcadas e,
no caso especfico do sul do Esprito Santo, os grandes fazendeiros
foram imprevidentes, demorando na transio da mo de obra
escrava para a livre, conforme o captulo anterior;
4. Explicita o modo de pensar preconceituoso e culpabilizante em
relao ao negro de determinados setores da sociedade da poca,
incapazes de perceber a escravido como uma forma socioeconmica que provocara um aviltamento do trabalho e exaltao do
cio.
157 ARARIPE, T.A. A colonizao do municpio de Castelo. Revista Brasileira dos Municpios, Rio de Janeiro, ano
16, n. 63/64, p. 144, jul./dez. 1963.
106
Por no conseguirem encontrar trabalhadores para cultivar a fazenda, os cinco herdeiros foram obrigados a deix-la quase abandonada. A rea total das terras era de 3.202 alqueires (com um alqueire equivalente a 48.400 metros quadrados), que ficaram cobertos pelo mato.
Quatro dos herdeiros queriam vend-la no conjunto dos lotes a quem
pagasse 100 contos de ris ou 90 contos vista. Como os padres no
dispunham do dinheiro suficiente, os colonos insistiram para que arrumassem scios e formassem uma companhia colonizadora para formar
o capital necessrio. Fr. Manuel Simn e dois outros, Sr. Jos Mariano
Sobrinho, brasileiro, e o Sr. Maximino Alves, espanhol, formaram uma
sociedade. Em julho de 1909, o triunvirato, no dizer do cronista, com
107
alguns colonos, a saber, Antnio Alto, Joo Bernab, Francisco Salvador, Jos Caliman, ngelo Caliman e Jos Bernab, visitaram a fazenda
para examinar as condies das benfeitorias e do terreno. Fr. Manuel se
entusiasmou com o negcio, mediado junto aos herdeiros pelo capito
Jos Alves Rangel. O ofcio de licena para comprar a fazenda usando
os recursos da residncia de Anchieta chegou no dia 14 de setembro de
1909.158 No arquivo da Provncia de Santa Rita de Cssia, em Ribeiro
Preto, encontra-se o livro de contas da Residncia de Anchieta, assim
intitulado: Libro de Contas de Fr. Mximo Tabuenca de Sn Jos. En la Residncia de Anchieta. Do Princpio en Mayo de 1900. As pginas do livro
no esto numeradas. Consta nas contas de junho de 1909 referncias
visita provincial, quando Fr. Manoel solicitou autorizao para comprar a
fazenda. Nas contas de julho, assim aparece: un viaje del Pe. Manuel a la
Hacienda. Da em diante, at dezembro de 1912 aparecem 14 viagens
de Fr. Manuel a Vitria ou a Cachoeiro para tratar de negcios da fazenda. Em 1913, quando ocorreu uma outra visita provincial, a forma como
foi utilizado o dinheiro da residncia de Anchieta na compra da fazenda
no estava clara, haja vista as observaes escritas no livro de contas e
cuja transcrio segue-se abaixo:
Santa Visita Provincial
Visto y examinado detenidamente el presente Livro de Cargo y Data, perteneciente a la Residncia de Anchieta o Benevente, se ha observado: que desde la ltima Visita Provincial
praticada el dia veintiocho de abril del ao mil novecientos
nueve, hasta la fecha, han ingressado en la Residncia treinta
y cinco contos, catorce mil reis (35:014$000), y se han gastado diez y nueve contos, veintitres mil reis (19:023$000) quedando um saldo a favor de la Residncia de quinze contos,
novecientos noventa y um mil reis (15:991$000).
158 CPIA ..., op. cit., p. 7; cf. tambm CRNICA ..., 1920b, op. cit., p. 259, 659-660.
108
109
110
Decididos a comprar as terras, os trs scios se dirigiram a Cachoeiro de Itapemirim para a passagem da escritura, juntamente com
o agrimensor Dr. Hermann T. Bello. O Sr. Maximino Alves, no entanto,
desistiu do negcio antes. Mesmo assim, em novembro de 1909, foram comprados 1.216 alqueires de Antnio Fernandes Moura e 326
alqueires de Joaquim Fernandes Moura (sic!), sendo esse, provavelmente, o Sr. Joaquim Vieira Moura, cujo nome aparece em vrios recibos e
notas promissrias. Com a retirada de um dos scios, quase se desistiu
do negcio. Fr. Manuel, no entanto, insistiu, pois tinham j dada a
sua palavra e no era fcil faz-lo [desistir do negcio] de um modo
decoroso.160 Duas razes levaram os scios que permaneceram no
negcio, Fr. Manuel Simn e o Sr. Jos Mariano Sobrinho, a adquirir
apenas parte da fazenda: a retirada do terceiro scio, que diminuiu os
recursos necessrios e tambm porque dois dos herdeiros, o Sr. Jos
Vieira Ferraz e Zeferino Moreira, que representavam Jos Fernandes
Moura, no se encontravam bem documentados. Em maio de 1910,
o Sr. Jos Mariano Sobrinho e o Dr. Hermann Bello, representando Fr.
Manuel Simn, foram ao Rio de Janeiro para comprar a parte dos dois
outros herdeiros, firmando escritura no dia 7 de maio de 1910, porm,
no de forma desejvel: comprometeram-se a pagar em prazos muito
curtos e com juros de 10% ao ano, razo de muitos transtornos posteriores ao frade. S no compraram a parte da Fazenda Crimeia de
Antnio Nunes Galvo, casado com uma das filhas dos antigos donos
da fazenda. Fr. Manuel no foi ao Rio de Janeiro por causa de problemas junto ao bispo, que ameaava retirar-lhe a parquia de Guarapari
devido a conflitos com Fr. Jos Chivite.161
160 CRNICA ..., 1920b, op. cit., p. 667; cf. tambm CPIA ..., op. cit., p. 7-8.
161 Ibid., p. 667; cf. tambm CPIA ..., op. cit., p. 8.
111
112
163 CRNICA ..., 1920b, op. cit., p. 667-669; cf. tambm CPIA ..., op. cit., p. 9-10.
164 CPIA ..., op. cit. , p. 9.
113
114
115
As mquinas de caf tinham capacidade de beneficiar 400 arrobas dirias (sic!). Havia 12 mil ps de caf com mais de 14 anos e mais
3 mil em outros dois lugares. Os colonos j haviam plantado 79.450
ps. Naquele ano de 1911, a produo fora de 400 arrobas, insignificante para o funcionamento das mquinas durante sete ou oito anos.
Havia tambm dois carros-de-boi e 30 burros de carga; o engenho de
cana havia sido retirado e outro j estava a ser providenciado; caldeiras,
fornos, trs tanques para fermentao; um alambique sem serpenti-
116
Cumprindo a deciso do Definitrio Provincial em 1913, a ordem criou em maro de 1914 a Sociedade de Instruo e Colonizao, pessoa jurdica da Provncia de Santo Toms de Vilanova frente
ao Estado. Dela faziam parte todos os religiosos agostinianos recoletos residentes no Brasil. Para amortizar a dvida, repassaram-se fundos das casas de Ribeiro Preto e do Par. Com a dvida liquidada, Fr.
Manuel Simn passou para aquela sociedade a parte reservada como
patrimnio da ordem religiosa, investiu na recuperao das mquinas,
comprou gado, iniciou uma plantao de cana. O ncleo colonial j
contava nesse perodo com mais de 80 famlias, segundo o cronista.
117
Decidiu-se entregar a casa de Anchieta, a contragosto do bispo de Vitria e a casa da Fazenda do Centro tornou-se residncia cannica em
maro de 1915. Fr. Manuel permaneceu na administrao da fazenda
at 1918, quando foi transferido para Ribeiro Preto, onde faleceu 20
anos depois.166 A primeira colheita de cana e a primeira fabricao de
aguardente ocorreram em 1915. A partir da, fala-se em colheitas regulares; no ano de 1924, produziu-se 30 pipas de aguardente, num total
de aproximadamente 20 contos de ris, e 40 arrobas de acar mascavo. Ao que tudo indica, a produo maior da fazenda era de aguardente
e acar; somente a partir de 1927, em sociedade com os colonos,
passou-se a produzir caf.167
166 CRNICA ..., 1920b, op. cit., p. 259-262, 669-674; cf. tambm CPIA ..., op. cit., p. 11.
167 CPIA ..., op. cit., p. 12-15.
118
Ano
Ms
Quem
O que
1905
Agosto
Fr. Manoel
Emprestou a
Jos Mariano
Sobrinho
1:000$000
Prazo de 10
meses; juros de
6% ao ano
1906
Abril
Fr. Manoel
Emprestou a
Jos Mariano
Sobrinho
1:000$000
Prazo de 10
meses; juros de
6% ao ano
1909
Outubro
Francisco
Salvador
Emprestou a
Fr. Manoel
900$000
Prazo de 01 ano;
juros de 8% ao
ano
1910
Maio
Fr. Manoel
(representado
por Herman
Bello) e
J.M.Sobrinho
Prometeram
pagar a Jos
Fernandes
Moura
10:000$000
Nota Promissria
com venc. em 16
de junho de 1910;
liquidada em
agosto
Maio
Fr. Manoel
(representado
por Herman
Bello) e
J.M.Sobrinho
Prometeram
pagar a
Joaquim Vieira
Moura
3 Notas
Promissrias
de 6:000$000
cada uma
(provavelmente
uma quarta)
Venc. 07/11/1910
(juros pagos em
novembro); venc.
07/02/1911; venc.
07/05/1911 e
talvez uma quarta
com vencimento
em junho de 1910
Maio
Fr. Manoel e
J.M.Sobrinho
Receberam
de Domenico
Demartin
3:500$000
Venda de terras na
Fazenda
Junho
Fr. Manoel
Pagou a
Joaquim Vieira
Moura
50$000
Juros de 1 ms de
Nota Promissria
liquidada na
mesma data
Fr. Manoel e
J.M.Sobrinho
Receberam
de Domenico
Demartin
100$000
Venda de terras na
Fazenda
Julho
Ticiano Alto
Emprestou
a Fr. Manoel
Simon
1:000$000
Prazo de 30 dias
sem juros
Agosto
Fr. Manoel e J.
M. Sobrinho
Liquidaram
10:000$000
Nota Promissria
a Jos Fernandes
Moura
119
Quanto
Observaes
Ano
Ms
Quem
O que
J. M. Sobrinho
Recebeu de
Manoel Moura
Jnior
1:000$000
Venda de terras na
Fazenda
Fr. Manoel e J.
M. Sobrinho
Prometeram
pagar a Pietro
Salomo
1:000$000
Venc. em maio de
1911
Fr. Manoel e J.
M. Sobrinho
Receberam
de Giuseppina
Venturim
500$000
Venda de terras na
Fazenda
Fr. Manoel e J.
M. Sobrinho
Prometeram
pagar a
Antnio e Jos
Alto
7:000$000
Venc. em maio de
1911
Pagaram a
Joaquim Vieira
Moura
300$000
Juros de Nota
Promissria
de 07/05/1910
vencida, no
liquidada ainda
Dezembro Antnio
Zampirolo
Emprestou a
Fr. Manoel
400$000
Prazo de 60 dias;
juros de 10% ao
ano; liquidada no
valor de 441$500
Outubro
1911
Quanto
Observaes
Fr. Mximo
Fr. Manoel
Prometeu
pagar aos
Irmos
Vivacqua
3:100$000
Venc. em 14/06
liquidada em
outubro no valor
de 3:176$610
Fr. Manoel
Recebeu
dos Irmos
Vivacqua
10:000$000
Venda de terras
Maio
Fr. Manoel
Pagou Jos
Pazzi
100$000
Julho
Fr. Manoel
Pagou
ao Banco
Hipotecrio
223$500
Fevereiro
120
Avaliao da
Fazenda
Ano
Ms
Quem
Quanto
Observaes
Resultado de uma
soma das dvidas
com o referido
credor
J. M. Sobrinho
Prometeu
1:309$600
pagar a
Severino N.
Carvalho Jnior
Venc. Final do
mesmo ms;
liquidada em
novembro de 1911
J. M. Sobrinho
Prometeu
1:309$600
pagar a
Severino N.
Carvalho Jnior
Ven. em outubro
de 1911; liquidada
em janeiro de
1912
Junho
Fr. Manoel
Pagou aos
Irmos
Vivacqua
3:600$000
Agosto
Fr. Manoel
Pagou
ao Banco
Hipotecrio
100$000
Pagou ao
tabelio
35$000
Registros e
averbaes
da escritura
de diviso da
sociedade com J.
M. Sobrinho
Agosto
Setembro
1912
O que
Setembro
Fr. Manoel
Pagou ao
Banco
Hipotecrio
1:125$000
Parcela de
hipoteca
Fevereiro
Fr. Manoel
Recebeu de
Latino Manoel
Geraldo da
Roza
200$000
Venda de terras na
Fazenda
Maro
Fr. Manoel
Recebeu
de Valentim
Zanetti
2:270$000
Venda de lotes da
Fazenda (quantia
devolvida no
final de abril por
desistncia da
compra)
121
122
De maio de 1910, constam uma nota promissria ao Sr. Jos Fernandes Moura e trs ao Sr. Joaquim Vieira Moura. A primeira, no valor
de 10 contos de ris, liquidada em agosto desse ano. As outras, liquidadas em outras pocas, normalmente com atrasos e pagamentos de
juros, conforme o firmado entre os scios. Possivelmente houve uma
quarta nota promissria ao Sr. Joaquim Vieira Moura, pois em junho
consta um pagamento de 50 mil ris de juros de um ms relativo
nota promissria liquidada na mesma data.
Os documentos mostram que, com o aumento da dvida em
maio de 1910 e a forma de pagamento combinada entre as partes, Fr.
Manuel Simn teve grande dificuldade em saldar os compromissos,
haja vista os atrasos nos pagamentos e os juros cobrados. Em agosto de
1911, a dvida com o Sr. Joaquim Vieira Moura era de quase 17 contos
de ris e uma nota promissria ainda no havia sido liquidada. Esse
valor consta numa prestao de contas de Fr. Manuel Simn ao Sr. Joaquim Vieira Moura, com data de 23 de agosto daquele ano.
123
168 CASAGRANDE, Andr Dellorto; BARBIERO, Maria Helena Mion. Castelo: da pr-histria ao incio do sculo XX.
[s.l.]: Prograf, 2002. p. 116.
124
Nome do colono
Corumb
125
Quantos lotes
5
1
1
1,5
1,5
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
2,5
0,5
23
Total em
alqueires*
35
10
10
15
15
10
10
10
10
10
10
10
9,3
9,7
10
20,50
5
209,50
Local
Nome do colono
So Luiz**
Caxixe e
Crrego da Telha
Quantos lotes
Total em
alqueires*
4
4
38,50
38,50
4
1
1
2
1
1
1
2
4
4
2
1
1
1
0,5
0,5
1
2
3
1
3
2
2
1
42
45,70
10
10
17,90
6,32
15,58
9,37
19
35,38
44,35
23,40
13,56
12,03
13,20
4,13
5,11
11,40
20
29,58
10
30
19,48
19,16
7,59
432,24
Vai-Vem
Michel Caliman
01 famlia
1,5
1,5
12,02
12,02
Santa Isabel
Giuseppe Caliman
Filippo Spadetto
Luciano Lubiana
Ticiano Alto & Filho
04 famlias
2
1
1
1
5
17,09
12,86
12,29
10,33
52,57
Total de famlias = 47
126
75,5 lotes
Total colonizado
Corumb
72 alqueires
Caxixe
126 alqueires
Vai-Vem
79,7 alqueires
90,8 alqueires
78,24 alqueires
127
Por esse documento, possvel perceber que as regies do Caxixe, Crrego da Telha e So Luiz foram as reas com maior nmero
de colonos. A regio do Vai-Vem era a rea menos colonizada. A divisa
de Santa Isabel com a fazenda Crimeia constitua rea de limites duvidosos, que se tornaram problemticas posteriormente, sobretudo com
relao ao lote comprado pelo Sr. Luciano Lubiana. Trs recibos com
datas de agosto, outubro e dezembro de 1921, referem-se a despesas
judiciais pagas por Fr. Mximo Tabuenca ao Sr. Agostinho Rosa, advogado de Luciano Lubiana, contra os filhos do Sr. Nunes Galvo, proprietrios da fazenda Crimeia.
128
129
Quem comprou
Quando
Quanto
1932
3 alqueires
Fazenda do Centro
terrenos em capoeiras
1933
20 alqueires
Fazenda do Centro,
Alto Caxixe
Carlos Sasso
1934
30 alqueires
Fazenda do Centro
Rancho
Joo Sasso
1936
1,5 alqueire
Fazenda do Centro
Coimbra
Augusto Fazolo
1936
3 alqueires
Fazenda do Centro
1936
10 alqueires
Fazenda do Centro
Antnio Gusson
1936
5 alqueires
Fazenda do Centro
terrenos de matas abertas
1937
17 alqueires
Fazenda do Centro
Joo Berleze
1937
13,5 alqueires
Fazenda do Centro
terrenos em capoeiras
Andrea Tedesco
1937
23 alqueires
Fazenda do Centro
terrenos em matas no
Alto Caxixe
1937
5 alqueires
Fazenda do Centro
Alto Caxixe
Attlio Rigo
1937
6 alqueires
Fazenda do Centro
Alto Caxixe terrenos em
matas
Onde
137
130
Fora esses terrenos, nada mais consta. Dos 130 alqueires reservados ordem religiosa, segundo certido da Fazenda do Centro obtida no Cartrio de 1 Ofcio da Comarca de Castelo, ES, em outubro
de 2005, restaram 4.198.120 metros quadrados, equivalentes a 86,74
alqueires, em nome da Sociedade Agostiniana de Beneficncia e Educao.
O Ncleo Colonial da Fazenda do Centro no se concretizou integralmente devido s circunstncias adversas trabalhadas neste captulo. Os seus objetivos, no entanto, que eram de favorecer os colonos da
regio de Guarapari, Alfredo Chaves e Anchieta, atendidas no incio do
sculo pelos frades agostinianos, e de prover a Ordem dos Agostinianos Recoletos com um patrimnio que lhes desse maior estabilidade,
de certa forma, foram cumpridos. Os colonos foram favorecidos pelas
facilidades na aquisio e pagamento dos lotes. Jos Carlos Mattedi, no
artigo escrito para o jornal A Gazeta, de primeiro de maro de 1998,
assim escreveu, citando um testemunho oral do Sr. Victrio Bernab:
As famlias assentadas tinham prazo de dez anos para pagar
o imvel (com carncia de mais cinco anos), sem juros. O primeiro pagamento s ocorria no quinto ano aps a compra,
sendo que nos dois primeiros anos as famlias seriam sustentadas pelos padres. Apesar destas facilidades, alguns deixaram
de quitar suas propriedades, sem serem removidos. Vivamos
aqui como irmos, num ambiente de fraternidade onde tudo
era dividido, lembra o mais antigo morador da FC [Fazenda do
Centro], Victrio Bernab, de 85 anos. Se no foi uma reforma
agrria ortodoxa, certo que no mnimo se praticou em terras capixabas alguns valores atribudos aos comunistas, como
no incio do cristianismo.169
169 MATTEDI, Jos Carlos. Histria perdida entre montanhas. A Gazeta, Vitria, 1 mar. 1998, Caderno Dois, p. 1.
(destaque do autor).
131
132
CAPTULO 3
170 MATTEDI, Jos Carlos. Histria perdida entre montanhas. A Gazeta, Vitria, 1 mar. 1998, Caderno Dois, p. 1.
133
134
172 ORDEM DOS AGOSTINIANOS RECOLETOS. Beatos Vicente Soler e companheiros. Disponvel em: <http://www.
santarita-oar.org.br/base.php?page=post_013_soler_comp>. Acesso em: 2 jul. 2008; cf. tambm CRIA
PROVINCIAL DE LA PROVNCIA DE SANTO TOMS DE VILLANUEVA. Los Mrtires de Motril: la comunidad
mrtir. Monachil: Imprenta Santa Rita, 1998. p. 41-42.
135
Ao que tudo indica, o suposto envolvimento dos frades residentes na Fazenda do Centro em 1938, todos espanhis, afetados pela
guerra civil espanhola, mesmo estando a milhares de quilmetros de
distncia, com o Partido Integralista, o clima de desconfiana, medo e
represso promovido pelo Estado Novo contra os integralistas e comunistas, relacionam-se com o uso da expresso uma verdadeira reforma agrria utilizada pelo cronista. A discusso sobre a reforma agrria
no se fazia apenas em nvel nacional, quando escreveu o cronista. J
136
nas primeiras dcadas do sculo XX algumas prticas efetivas de reorganizao fundiria se concretizaram em algumas partes do mundo.
A seguir, apresentar-se- uma breve conceituao de reforma
agrria, como foram algumas das suas efetivaes no mundo durante
a primeira metade do sculo XX, sobretudo no Mxico e na China, locais onde os Agostinianos Recoletos exerciam trabalhos missionrios,
e tambm algumas discusses sobre isso no Brasil.
Segundo Eduardo Scolese174, [...] a expresso reforma agrria,
em geral, est associada ao conceito de revoluo camponesa. Em sociedades desenvolvidas, portanto, a discusso poucas vezes gira em
torno dela. O que mais motivou as discusses em torno da Reforma
Agrria no Brasil, para ele, foi a notria concentrao de terras. Esse
ainda um tema em debate no pas, que atinge vrios setores governamentais e partidos de oposio e ruralistas e manifesta os atritos
existentes diante dos movimentos sociais. O foco do campo de batalha
das discusses em torno da Reforma Agrria gravita entre a concentrao de terras, a necessidade de aumentar a produo agrcola e a
oferta alimentar e ainda acomodar os trabalhadores rurais sem terra
em lotes.175
Jos Eli Veiga176 apresenta em sua obra O que Reforma Agrria uma definio mais usual de reforma agrria. Assim a define: [...]
a modificao da estrutura agrria de um pas, ou regio, com vista a
uma distribuio mais equitativa da terra e da renda agrcola. Para ele,
a ideia central no seu conceito a de uma interveno deliberada do
Estado nos alicerces do setor agrcola. Assim, reforma agrria se distingue de uma transformao agrria. Aquela uma ao planejada
137
177 Ibid., p. 7.
178 Ibid., p. 8-11.
179 Ibid., p. 16-17.
180 Ibid., p. 22.
138
Raramente essa transferncia gratuita. Em geral, as reformas agrrias entregam terras em propriedade e os beneficirios so obrigados a
reservar uma poupana para o pagamento da terra que receberam.181
Normalmente, as reformas agrrias tm um carter distributivista, visando promoo da agricultura camponesa atravs da distribuio de
lotes a famlias de lavradores. Mesmo a maioria das reformas realizadas no quadro das revolues socialistas comearam pela subdiviso
dos latifndios e s mais tarde evoluram para formas mais coletivas de
organizao da produo.182 As formas mais utilizadas pelas reformas
agrrias efetivadas ao longo do sculo XX privilegiaram as unidades
de tipo familiar, tais como os ejidos mexicanos, os asentamientos
chilenos, os kibutzim israelenses e os kolkhozes soviticos.183
Eduardo Scolese apresenta dois casos emblemticos de reformas agrrias realizadas durante o sculo XX: Mxico e Rssia.
No Mxico, ocorreu uma revoluo no campo a partir de 1910,
liderada por Emiliano Zapata e Doroteo Arango, mais conhecido como
Pancho Villa. Ambos lutaram por reforma agrria, mas com estratgias diferentes: Zapata tomava terras de latifundirios e as dividia entre camponeses pobres; Villa as entregava ao Estado, que repassava o
domnio da posse a generais. Mais de uma dcada durou a revoluo
mexicana, enfraquecida com o assassinato de Zapata em 1919 e de
Villa em 1923. Como resultado parcial, cerca de dois milhes de pessoas morreram e as faces burguesas tomaram o controle da revoluo, no realizando uma distribuio de terras. Cresceu, no entanto, a
oferta de empregos no campo e os ndios puderam permanecer nas
terras conquistadas. Lzaro Crdenas, em 1934, realizou uma reforma
139
140
141
188 GRAHAM, Richard. Escravido, reforma e imperialismo. So Paulo: Perspectiva, 1979 p. 179-180. Cap.
Escravocratas, latifundirios e o fim do Imprio.
189 Ibid., p. 183.
190 Ibid., p. 184-195.
142
191 VEIGA, op. cit, p. 19; ANDRADE, Manuel Correia de. Abolio e reforma agrria. So Paulo: tica, 2001, p.
46-50.
143
144
192 LARANJEIRA, Raymundo. Colonizao e reforma agrria no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1983.
p. 22-23, 26.
145
193 CAVATI, Joo Batista. Histria da Imigrao Italiana no Esprito Santo, 1973, p. 51.
146
incio do sculo, a firma Duarte & Beiriz foi uma das mais ricas do Estado.194 Tais informaes fornecidas por D. Cavati so dignas de uma
pesquisa mais aprofundada para averiguar a veracidade dos dados.
interessante, no entanto, observar que, quando a Fazenda do Centro foi
adquirida por Fr. Manoel Simon e o Sr. Jos Mariano Sobrinho, a Firma
Duarte & Beiriz j tinha 30 anos de existncia e prtica em comprar
terrenos, dividi-los em lotes a serem pagos a preos mdicos, fornecendo alimentos e instrumentos aos colonos, que se comprometiam em
entregar-lhes a produo do caf. Era uma firma com fins lucrativos. Fr.
Manoel Simn e Fr. Mximo Tabuenca atendiam, no incio do sculo
XX, as parquias de Guarapari e Anchieta, onde ficava a ex-colnia de
Rio Novo e, nela, Iconha, sede da Firma Duarte & Beiriz. Ambos utilizaram-se dos servios da firma. Dentre os recibos relativos compra da
Fazenda do Centro pelos frades encontram-se dois emitidos pela firma.
No mais antigo deles, dado a Fr. Mximo Tabuenca, consta o recebimento de 3:600$000 (trs contos e seiscentos mil ris), no dia 31 de
dezembro de 1910, em Iconha, relativo a uma ordem de pagamento. O
outro recibo foi dado a Fr. Manuel Simn, no valor de 1:125$000 (um
conto e cento e vinte cinco mil ris), no dia 21 de setembro de 1912,
em Iconha, relativo a pagamento ao Banco Hypotecrio e Agrcola do
Estado do Esprito Santo (esse era o valor das parcelas da hipoteca a
serem pagas ao banco). Tais recibos mostram que os frades conheciam a firma, utilizavam-se de seus servios e, dadas as semelhanas
entre os procedimentos de colonizao utilizados pela firma e o projeto
do Ncleo Colonial da Fazenda do Centro, provavelmente, Fr. Manoel
Simn tenha imitado parcialmente tais procedimentos. Parcialmente,
pois a semelhana se d quanto diviso em lotes de dez alqueires, ao
fornecimento de alimentos e ferramentas aos colonos, ao prazo longo
de cerca de dez anos para iniciar a quitar a dvida. A diferena se nota
147
195 BRAUDEL, Fernand. Civilizao material, economia e capitalismo, sculos XV-XVIII: os jogos das trocas. So
Paulo: Martins Fontes, 1998. v. 2. p. 199.
196 Ibid., p. 200.
148
A palavra capital emerge nos sculos XII-XIII aproximadamente, significando os fundos, o estoque de mercadorias, a massa monetria, o dinheiro que rende juros. Com o passar do tempo, tende a significar o dinheiro de uma sociedade ou de um mercador.197 O termo
capitalista data de meados do sculo XVII, consistindo em uma entre
uma centena de outras palavras para designar os ricos. Detentores de
fortunas pecunirias o sentido estrito que a palavra capitalista assume na segunda metade do sculo XVIII, equivalendo cada vez mais a
manipuladores de dinheiro e a fornecedores de fundos, empregando-os para obterem ainda mais dinheiro. Somente no sculo XIX designa
o empresrio e investidor. At ento, continua agarrada noo de
dinheiro e riqueza em si.198 O termo capitalismo surge somente no
sculo XX, em meio s discusses polticas e como antnimo natural
de socialismo.199
O imigrante que se dirigiu ao sul do Esprito Santo tinha um propsito claro: tornar-se proprietrio de um pequeno lote de terra. O seu
trabalho seria a forma como iria adquirir e pagar a propriedade. Trouxe
consigo fortes elementos culturais, valores morais, normalmente vivenciados em torno da religio, e um grande desejo de formar uma famlia, e de preferncia, numerosa. Os filhos no s eram mo de obra
na economia familiar, mas a famlia numerosa constitua-se tambm
como uma forma de agregao social e comunitria. Para o imigrante
o trabalho seria a forma de prover o seu prprio sustento, mas tambm de acumular alguma reserva para adquirir o seu patrimnio, com
o qual iria prover o sustento de sua famlia. Como normalmente as
famlias eram numerosas, o chefe de famlia via-se tambm na obriga-
149
200 MARX, Karl. O capital, 11. ed. So Paulo: Bertrand Brasil, 1987. livro 1. v. 2. p. 828.
150
201 Ibid.
151
152
Diferentemente da imigrao italiana em So Paulo, onde inicialmente o imigrante era apenas mo de obra nas grandes fazendas de
caf, no sul do Esprito Santo, o imigrante em geral conseguiu tornar-se
pequeno proprietrio. Algumas vezes, necessitava trabalhar como mo
de obra nas poucas grandes fazendas da regio. Tornou-se pequeno
proprietrio, pequeno produtor de caf, que normalmente envolvia a
famlia na produo, inserido indiretamente no mercado agroexportador. Indiretamente no sentido de que sua produo passava por compradores que comercializavam o produto e eram os que com ele mais
lucravam. Como afirma F. Braudel204, [...] at o sculo XIX, momento
em que se apropriar da produo industrial promovida categoria
do grande lucro, na circulao que o capitalismo se sente mais em
casa. Assim, seria imprprio falar a nesse momento de uma acumulao primitiva de capital que dissociaria trabalhador e produo. O
imigrante pequeno proprietrio adquiriu a duras penas os meios para
sua subsistncia e os de produo, mas no estava inserido na comercializao em grande escala do produto. A sujeio se deu a no entre
um trabalhador assalariado e o capitalista, mas entre um pequeno proprietrio e os comerciantes do seu produto.
K. Marx afirmou, depois de analisar o processo de expropriao dos camponeses ingleses at o sculo XVIII e o crescimento do
processo capitalista de industrializao, que o modo de produo que
supe o parcelamento da terra, a disperso dos meios de produo, e
exclui a diviso do trabalho dentro do mesmo processo de produo,
o domnio social e o controle da natureza limitado, ingnuo e em
certo grau geraria os meios materiais de seu prprio aniquilamento, ou
seja, tal modo de produo no se sustentaria e seria suplantado pela
propriedade capitalista.
153
154
155
A oferta de trabalho assalariado nas colnias, portanto, era irregular, inconstante, insuficiente, reduzida e insegura. Por isso, o governo precisou interferir para solucionar a tendncia anticapitalista das
colnias:
O governo fixaria para as terras virgens um preo artificial, independente da lei da oferta e da procura. O imigrante teria
de trabalhar longo tempo como assalariado at obter dinheiro
suficiente para comprar terra e transformar-se num lavrador
independente. Assim, constitui-se, com a venda de terrenos
a um preo relativamente proibitivo para o assalariado, um
fundo extorquido do salrio, com a violao da lei sagrada da
oferta e da procura. O governo utilizaria esse fundo medida
que crescesse para importar pobres da Europa e assim manter cheio para os senhores capitalistas o mercado de trabalho.
Nessas circunstncias, tudo seria pelo melhor no melhor dos
mundos possveis. Este o grande segredo da colonizao sistemtica.210
Para K. Marx, esse preo imposto pelo governo deveria ser suficiente para impedir que os trabalhadores se tornassem agricultores
independentes at que outros tomassem seu lugar no mercado de trabalho. Ele chama esse preo suficiente da terra de [...] dinheiro de
resgate que o trabalhador paga ao capitalista pela permisso de abandonar o mercado de trabalho e ir cultivar a terra. 211 O trabalhador teria
assim primeiramente que criar o capital para o capitalista, para que
esse possa explorar mais trabalhadores e, s ento, teria que colocar
um substituto no mercado de trabalho. Este substituto seria o imigrante, vindo do alm-mar s suas custas para servir seu ex-patro.
156
No sul do Esprito Santo, o processo de colonizao e imigrao se diferenciou em vrios aspectos. Os imigrantes no foram para
primeiramente servir de mo de obra nas grandes fazendas. A grande quantidade de terras devolutas atraa o imigrante a buscar ser
proprietrio do seu lote de terra. Quando serviu de mo de obra,
foi para complementar sua renda para adquirir sua terra. Os grandes fazendeiros capixabas no tinham fora suficiente para competir
com este processo de colonizao e muito deles, arruinados, por fim,
colaboraram com o mesmo processo, retalhando suas fazendas. O
processo analisado por K. Marx nas colnias norte-americanas se
assemelha mais imigrao ocorrida no Brasil em So Paulo, onde
a tendncia foi a de tentar impedir o imigrante de acesso propriedade da terra, para que servisse como mercado de mo de obra sobrante, do que ao ocorrido no sul do Esprito Santo. Entre os prprios
imigrantes, nas primeiras dcadas da imigrao, devido a uma srie
de valores culturais comuns e a muitos laos familiares estabelecidos
entre eles, prevaleceu um forte esprito de cooperao mtua, troca
de favores, intensa vida familiar e comunitria, que propriamente
relaes capitalistas.
Max Weber realou mais o aspecto da racionalidade no empreendimento como caracterstica essencial do capitalismo. Para ele212,
[...] capitalismo existe l onde a cobertura das necessidades de um
grupo humano, mediante atividades industriais e comerciais, realize-se
pelo caminho do empreendimento, no importando a necessidade. A
racionalidade na empresa capitalista se efetiva no cmputo de capitais
e no controle da rentabilidade com o auxlio de clculos da contabilidade moderna e elaborao de balanos. Esta contabilidade racional a
precondio mais geral e necessria para a existncia do capitalismo
212 WEBER, Max. A gnese do capitalismo moderno. So Paulo: tica, 2006. p. 13.
157
158
159
160
161
226 Id. A tica protestante e o esprito do capitalismo. So Paulo: Cia das Letras, 2004. p. 156.
227 Ibid., p. 165.
162
228 TAWNEY, Richard Henry. A religio e o surgimento do capitalismo. So Paulo: Perspectiva, 1971. p. 11-12.
229 Ibid., p. 14.
230 Ibid., p. 18-19.
163
social, tambm foi crescentemente moldado por ela. Na concluso de sua obra, R. H. Tawney afirma que, sobretudo nos sculos
XVIII e XIX, as igrejas crists renunciaram a setores da conduta econmica e da teoria social que elas reivindicavam h muitos sculos como domnio especfico seu. At a Reforma, a economia era
compreendida como um ramo da tica, que, por sua vez, era um
ramo da Teologia. Todas as atividades humanas so tratadas como
integradas em um nico esquema, cujo carter determinado pelo
destino espiritual da humanidade.231 Apelava-se ento lei natural
e no utilidade; a legitimidade das transaes econmicas era
julgada segundo os padres morais do ensino tradicional da Igreja
Crist e no em relao aos movimentos dos mercados. Com a secularizao ocorrida de forma mais intensa nos sculos posteriores
Reforma, a religio perdeu seu papel de pedra angular que mantm unido o edifcio social e torna-se um simples departamento. A
ideia de retido foi substituda pela convenincia econmica como
rbitro da poltica e critrio de conduta. Acentuou-se o dualismo
entre os aspectos religiosos e seculares, como reas paralelas e independentes, governadas por leis diferentes, julgadas por padres
diversos e submetidas a autoridades diversas. Assim, nas sociedades modernas, segundo R. H. Tawney, h uma oposio acirrada e
mesmo uma forte negao dos princpios cristos e a obteno de
riquezas materiais tornou-se o objeto supremo do esforo humano
e o critrio final do sucesso econmico.232
Esforo por obteno de riquezas nos imigrantes do sul capixaba
patente, levando-se em conta que isso foi o motivo primeiro que os levaram a sair de sua terra de origem e deslocar-se para o Brasil. Riqueza
164
165
166
167
168
169
Consideraes finais
237 BLOCH, Marc. Apologia da histria ou o ofcio de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 52
170
de 1909, quando a Fazenda do Centro foi adquirida por Fr. Manuel Simn e seu scio, o Sr. Jos Mariano Sobrinho, at 1915, quando foram
solucionadas as pendncias que ameaaram o projeto e Fr. Manuel
pde investir no Ncleo Colonial e prosseguir com seu projeto. Para se
compreender melhor o objeto, a saber, o Ncleo Colonial da Fazenda
do Centro, foi necessrio um recuo temporal. No se poderia compreender a formao do Ncleo Colonial da Fazenda do Centro sem
situ-lo no fenmeno da imigrao italiana no Brasil, no Esprito Santo
e, mais especificamente, no sul do Esprito Santo. No se teria como
compreender o objeto estudado sem levar em conta algumas especificidades da colonizao no Estado, anterior ao fenmeno da imigrao
estrangeira, como o seu isolamento, o nmero reduzido de habitantes,
normalmente situados na costa litornea. A imigrao estrangeira est
relacionada com dois objetivos pretendidos na poca: a depurao racial e a substituio da mo de obra escrava pela livre. A formao do
Ncleo Colonial da Fazenda do Centro seria incompreensvel se no se
considerasse o despreparo dos latifundirios capixabas do sul do Estado para a substituio da mo de obra, que levou ao retalhamento de
grandes e antigas fazendas. O produto gerador de riqueza na poca era
o caf. Com a imigrao, a produo no Estado sofreu um forte impulso e crescimento. Diferentemente do Estado de So Paulo, a produo
de caf no Esprito Santo est sustentada na pequena propriedade e no
trabalho familiar. Mais uma vez, essa foi uma das razes que levou imigrantes ao sul do Estado, quando sentiram as terras a perder sua fertilidade e a produo a decrescer, apesar da crise em que se encontrava
o preo do caf, a buscar novas terras mais frteis, onde pudessem
cultivar a lucrativa rubicea.
Nesta rede de fatos e situaes, entrou para compor o n dos
acontecimentos um grupo de frades agostinianos recoletos espanhis,
que haviam trabalhado nas Ilhas Filipinas, mas de l foram expulsos
devido vitria norte-americana na guerra hispano-americana no final
171
172
sociais, polticas, eclesiais que muitas vezes limitam, influenciam, condicionam os projetos existenciais.
Mais uma vez, Marc Bloch240 quem diz que h duas formas de
ser imparcial, a do cientista e a do juiz. Obviamente, a tarefa do historiador no se identifica com a de juiz da histria, consiste na tentativa
de ser imparcial maneira do cientista, cuja pesquisa nunca est totalmente acabada e sempre pronta a ser superada. Na condio de cientista, mas de cientista que lida com o conhecimento sobre os homens
no tempo, [...] uma palavra, para resumir, domina e ilumina nossos
estudos: compreender [...] Jamais compreendemos o bastante.241 Dessa forma, esta pesquisa no se colocou na postura de juiz da histria,
mas atravs dela buscou-se conhecer e compreender melhor a figura
do imigrante no sul do Esprito Santo, suas aspiraes predominantes,
seu conjunto de valores que nortearam sua vida, a forma como enfrentou os obstculos para realizar seu principal sonho: o de ser um pequeno proprietrio de terra, para nela formar sua famlia. Pretendeu-se
investigar as razes e circunstncias que levaram um frade a adquirir
uma grande extenso de terra e dividi-la para imigrantes italianos e
prover sua instituio com um patrimnio, mesmo que para efetivar tal
projeto colocasse em jogo seu nome, arriscando tudo para levar avante
o sonho. Uma vez concretizado e depois de muitas angstias e dissabores, que retardaram o andamento do projeto, seu personagem mais
destacado, Fr. Manuel Simn, pde em seus ltimos anos na Fazenda
do Centro v-la crescer em produtividade e naquilo que era seu trabalho primeiro: o apostolado. A Fazenda adquirida no se tornou apenas
um centro de produo econmica, mas tambm de vida espiritual
173
242 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A razo na histria: uma introduo geral filosofia da Histria. 2. ed. So
Paulo: Centauro, 2001. p. 77.
243 Ibid., p. 78.
174
175
tona as caractersticas existenciais dos seus sujeitos, tanto os imigrantes como os frades agostinianos recoletos, mais exatamente, Fr. Manuel Simn. Algumas fontes utilizadas, como os relatos do Sr. Orestes
Bissoli, o dirio do bispo D. Joo Batista Corra Neri e as Crnicas dos
frades, faz com que apaream vrios aspectos da vida cotidiana desses
sujeitos: vida familiar, relaes de trabalho, anlise da realidade desde
o seu ponto de vista, crenas, preconceitos e a linguagem prpria de
cada um deles. O Sr. Orestes Bissoli escreveu como um homem pobre,
vencedor pelo trabalho, que, em meio s lutas num ambiente estranho
e hostil, sente frio, fome e chora de saudade da famlia, quando no
reconhecido pela me. O bispo escreveu como um pastor que visita
suas ovelhas dispersas, aos cuidados de outros pastores nem sempre
dedicados, alguns dos quais verdadeiros mercenrios; como aquele
que est diante de uma nova realidade poltica, a Repblica, frente
qual no conseguia se situar muito bem. Os frades so apresentados
pelo cronista como heris ousados, corajosos, trabalhadores incansveis, homens de dedicao total e exclusiva aos seus filhos espirituais, mesmo em prejuzo da prpria sade. Tudo isto reflete muito do
ponto de vista com que cada um olhou para a mesma realidade: o sul
do Esprito Santo.
Em meio s situaes existenciais, possvel situar os acontecimentos em conjunturas maiores e estruturas que fogem conscincia imediata daqueles imigrantes e frades. interessante observar,
por exemplo, como o Sr. Orestes Bissoli relatou as dificuldades que
vivenciou entre os anos 1898-1905, enfrentando um pesado ritmo de
trabalho e grandes limitaes financeiras, atribuindo tais situaes ao
aumento da famlia, aos compromissos que havia assumido, a saber,
compra de novas terras, e s dificuldades para cumpri-los. Tambm
o cronista agostiniano recoleto, ao tratar dos problemas vivenciados
pelos imigrantes na primeira dcada do sculo XX, os viram sob a tica de um problema geogrfico e ambiental: as terras do litoral eram
176
246 BRAUDEL, Fernand. Histria e cincias sociais. Lisboa: Editorial Presena, 1972. p. 7-70, 133-144.
177
impor cada vez mais; no nvel das conjunturas, grandes transformaes polticas, sociais, fundirias e culturais, como o retalhamento de
grandes fazendas, a ocupao do solo, antes coberto de florestas, com
a produo familiar do caf; tambm a passagem do regime poltico de
monarquia para repblica, que afetou diretamente a vida dos imigrantes; no nvel dos acontecimentos, a existncia incerta, enfumaada e
insegura dos agentes aqui tratados, tanto os imigrantes quanto os frades, esses por sua vez tambm imigrantes.
Jrn Rsen247 diz que a pesquisa histrica produz um supervit de saber histrico que, mesmo como cincia, serve de orientao
da vida humana prtica no tempo. A pesquisa aqui realizada ampliou
alguns conhecimentos a respeito da imigrao italiana no sul do Esprito Santo, aprofundou a formao do Ncleo Colonial da Fazenda do
Centro, analisou algumas ideias decorrentes desse fato, situou-o dentro
de uma conjuntura maior do capitalismo mundial. Certamente, com
novos olhares sobre os documentos e com novos documentos, tal supervit ser ampliado e, como tpico de todo conhecimento cientfico, ser at mesmo superado.
247 RSEN, Jrn. Razo histrica: teoria da histria, fundamentos da cincia histrica. Braslia, DF: Ed. UnB, 2001.
p. 106.
178
Referncias
179
BUSATTO, Luiz. Por uma identidade talo-capixaba. In: CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.).
Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed.
UFES, 1998.
CAMPOS JNIOR, Carlos Teixeira. Imigrao italiana e a constituio da pequena
propriedade no Esprito Santo. In: CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998.
CASAGRANDE, Andr Dellorto; BARBIERO, Maria Helena Mion. Castelo: da pr-histria ao incio do Sculo XX. [s.l.]: Prograf, 2002.
CASTIGLIONI, Aurlia H. A imigrao italiana no Esprito Santo: anlise das caractersticas dos migrantes. In: ______. (Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma
aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998.
______.; REGINATO, Mauro. Imigrao italiana no Esprito Santo: o banco de dados.
Vitria: CST, 1997.
CAVATI, Joo Batista. Histria da imigrao italiana no Esprito Santo. [s.l.:s.n.], 1973.
COLBARI, Antnia. Famlia e trabalho na cultura do imigrantes italianos. In: CASTIGLIONI, Aurlia H. (Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria: Ed. UFES, 1998.
CPIA fiel do livro de coisas notveis da Fazenda do Centro. Manuscrito, arquivo da
Cria Provincial da Provncia de Santa Rita de Cssia, Ribeiro Preto, SP. [19--].
CRNICA de la Provncia de Santo Toms de Villanueva. Dcada Primeira (1899-1909).
Monachil: Imprensa Santa Rita, 1920.
CRNICA de la Provncia de Santo Toms de Villanueva. Dcada Segunda (1909-1919).
Monachil: Imprensa Santa Rita, 1920.
CRIA PROVINCIAL DE LA PROVNCIA DE SANTO TOMS DE VILLANUEVA. Los Mrtires de Motril: la comunidad mrtir. Monachil: Imprenta Santa Rita, 1998.
DAVATZ, Thomaz. Memrias de um colono no Brasil (1850). So Paulo: Martins Fontes: EDUSP, 1972.
DE BONI, Lus Alberto. Imigrao italiana no Brasil. In: CASTIGLINI, Aurlia H.
(Org.). Imigrao italiana no Esprito Santo: uma aventura colonizadora. Vitria:
Ed. UFES, 1998.
DERENZI, Lus Serafim. Os italianos no estado do Esprito Santo. Rio de Janeiro: Arte
Nova, 1974.
180
181
182
183
O Instituto Frei Manuel Simn (IFMS) foi fundado, em 24 de fevereiro de 2005, com o objetivo principal de restaurar e revitalizar a
Fazenda do Centro e, deste modo, recuperar as histrias e as lembranas dos que ali viveram ou estavam sob sua influncia, desde a construo do casaro, em 1845. O IFMS surgiu da iniciativa de voluntrios
preocupados com a preservao do patrimnio histrico do municpio
de Castelo. Seus membros se dispuseram a trabalhar com afinco, seja
nas horas livres, nos feriados ou em fins de semana, para salvar esse
importantssimo bem arquitetnico da regio sul capixaba, que vinha
sofrendo danos irreparveis aps anos de abandono e descaso das autoridades.
Atividades mal planejadas para sua revitalizao, no final da
dcada de 1990, aceleraram o processo de degradao do imvel. A
populao do municpio e, principalmente, as comunidades do entorno logo perderam o crdito da to sonhada restaurao do seu maior
184
Em pouco tempo o IFMS se orgulha em poder apresentar aos capixabas diversas realizaes, alm do to sonhado restauro do casaro.
A publicao desse valioso trabalho, cuidadosamente elaborado pelo
historiador Frei Srgio Peres e editado pelo Arquivo Pblico do Estado
do Esprito Santo (APEES), tambm faz parte dessa mobilizao. Certamente o IFMS, como organizao no governamental, um exemplo a ser seguido, bem como a revitalizao da Fazenda do Centro
um projeto modelo que inspira iniciativas para a preservao de outros
imveis distribudos pelo territrio capixaba, igualmente importantes
como patrimnio da nossa histria.
Enfim, a Fazenda do Centro, como ncleo de disseminao do
conhecimento, que tanto contribuiu para a formao cultural, religiosa
e educativa dos capixabas, tem agora suas portas novamente abertas
aos interessados em desvendar suas memrias e seus segredos.
Cilmar Franceschetto
186
187
CERTIDO DE REGISTRO
Nmero 260 ordem: Livro (A-1), 274, de Pessoas Jurdicas de
Castelo Esprito Santo, 23 de maio de 2005, Cartrio do Primeiro
Ofcio, Comarca Municipal de castelo, Bel. Aguilar Pinheiro Filho.
PARCEIROS
1. Governo do Estado do Esprito Santo;
2. Secretaria de Estado da Cultura - SECULT;
3. Secretaria de Estado da Sade - SESA;
4. Secretaria de Estado da Educao - SEDU;
5. Ordem Agostiniana Recoleta - OAR;
6. Banco de Desenvolvimento do Esprito Santo - BANDES;
7. Ministrio da Cultura - MINC;
8. Arquivo Pblico do Estado do Esprito Santo - APEES;
9. Prefeitura Municipal de Castelo - PMC;
10. Cmara Municipal de Castelo - CMC;
11. Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas SEBRAE;
12. Associao de Comercio e Indstria de Castelo - ACIC;
13. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renovveis - IBAMA;
14. Instituto de Defesa Agropecuria e Florestal do ES - IDAF;
15. Servio Nacional de Aprendizagem Rural - SENAR;
16. Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistncia Tcnica e Extenso
Rural - INCAPER;
17. Banco do Brasil;
188
189
Coleo Cana
Volumes
Relato do Cavalheiro Carlo Nagar Cnsul Real em Vitria - O Estado do Esprito Santo e a
Imigrao Italiana (Fevereiro 1895). Carlo Nagar - 1995
Catlogos de Documentos Manuscritos Avulsos da Capitania do Esprito Santo (1585 1822). (org.) Joo Eurpedes Franklin Leal - 1998
Viagem Provncia do Esprito Santo - Imigrao e Colonizao Sua. Johann Jakob von
Tschudi - 2004
Os Capixabas Holandeses - Uma Histria Holandesa no Brasil. Ton Roos e Margje Eshuis 2008
10 Pomeranos Sob o Cruzeiro do Sul - Colonos Alemes no Brasil. Klaus Granzow - 2009
11 Carlos Lindenberg - Um Estadista e seu Tempo. Amylton de Almeida -2010
12 Provncia do Esprito Santo. Baslio Carvalho Daemon - 2010
13 Donatrios, Colonos, ndios e Jesutas - O Incio da Colonizao do Esprito Santo - 2
Edio Revisada. Nara Saletto - 2011
14 Viagem ao Esprito Santo - 1888 - Princesa Teresa da Baviera - 2013
15 Fazenda do Centro - Imigrao e Colonizao Italiana no Sul do Esprito Santo. Srgio Peres
de Paula - 2013
Os volumes acima, entre outros documentos e obras raras, podem ser consultados no site do
APEES, em formato pdf, dentro do projeto Biblioteca Digital, no seguinte endereo:
www.ape.es.gov.br
190
apoio CultuRal
Realizao