PIRES Alvaro P Fichamento
PIRES Alvaro P Fichamento
PIRES Alvaro P Fichamento
PIRES, lvaro P. Sobre algumas questes epistemolgicas de uma metodologia geral para as
cincias sociais. In: A pesquisa qualitativa: enfoques epistemolgicos e metodolgicos.
Petrpolis: Vozes, 2014. pp. 43-94.
[APRESENTAO DO AUTOR]
lvaro P. Pires1 professor do Departamento de Cincias Sociais da
Universidade de Ottawa, no Canad, na rea de Criminologia. Tem
formao em Criminologia (1969) pelo Instituto de Criminologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre (1978) e
doutor (1983) em Criminologia pela Universidade de Montreal, no
Canad. Seus interesses de estudo abarcam a Reforma de Lei Penal e
polcia criminal; Histria do Conhecimento sobre crime e castigo;
Epistemologia das Cincias Sociais e Metodologia Qualitativa; Sociologia do Direito e
Filosofia do Direito Penal. Atualmente ministra 9 disciplinas, entre elas Epistemologia e
Cincias Sociais: enigmas, impasses e novas contribuies e Problemas da Modernidade 2.
Tem mais de 20 textos publicados em livros3.
[ARGUMENTO DO TEXTO]
possvel abordar e buscar uma certa normatividade, um certo acmulo de
conhecimentos, assim como empreender uma revalorizao de certos aspectos do senso
comum, ou seja, criar um novo espao para o pensamento crtico-emprico (PIRES, 2014,
p.45).
Nessa perspectiva, falso afirmar que exista uma metodologia qualitativa ou quantitativa:
no h seno pesquisas qualitativas ou quantitativas (ou as duas, simultaneamente). A
No momento do nascimento das cincias sociais, no sculo XIX, uma das grandes
preocupaes era neutralizar o mximo possvel os interesses polticos e ticos do
analista, de modo a atingir mais facilmente a realidade objetiva ou a verdade.
Retomava-se, assim, um objetivo estabelecido nas cincias da natureza.
Atualmente, essas mesmas cincias parecem nos dizer que o mais importante no
o envolver-se com um conhecimento neutro da realidade objetiva, mas, ao
contrrio, produzir um conhecimento, certamente til, mas explicitamente
orientado por um projeto tico visando solidariedade, harmonia e
criatividade. O vis era um problema, agora, sob a condio de ser eticamente
bem orientado, ele o que conta para a cincia (PIRES, 2014, p.44).
cincias sociais aps os anos de 1960, como por exemplo, a descoberta dos vieses sexistas
nas teorias cientficas e nas relaes sociais de sexo.
Diferente das cincias da natureza, as cincias sociais procuram descobrir o que se tornou
visvel por excesso de visibilidade (p.51). Ainda, as descobertas so, em parte, indesejveis
ou impopulares e podem ser esquecidas, em consequncia do peso das questes que elas
suscitam. Em litma anlise, essas descobertas das cincias sociais podem tomar a forma de
uma descoberta banal, trivial, ou ento, simplesmente impossvel de situar de modo preciso
no tempo. A descoberta, segundo Pires, uma tarefa que depende das relaes sociais e da
ao de uma coletividade mais ampla ( contaminada pelo senso comum, laicizada e
desencantada).
Para uma metodologia geral
Neste tpico o autor reafirma a pertinncia de uma metodologia geral para as cincias
sociais e assinala duas vises de metodologia: a primeira seria quando os objetos so
explorados da mesma forma e a realidade emprica importa menos. A segunda busca uma
concepo geral da metodologia nas cincias sociais. A concepo geral da metodologia
valoriza a capacidade virtual de deslocamento do analista para resolver seu problema de
maneira mais fecunda, ou sua capacidade de levar em conta particularidades de alguns
aspectos de seu objeto (p.55). Em resumo, tenta-se libertar das imposies tericas que se
exercem sobre o pesquisador. Reconhece-se, aqui, que os parmetros de um problema
podem variar e que os diferentes objetos no demandam necessariamente o mesmo tipo de
enquadramento terico ou metodolgico.
Algumas tomadas de posio sobre os debates atuais
Pires considera importante expor algumas posies que defende atualmente (p.57):
1. As cincias sociais no podem se privar da busca de um conhecimento sistemtico do real
vlido empiricamente, isto , de um esforo de objetivao e de diviso entre o verdadeiro e
o real.
2. O esforo da objetivao no implica necessariamente, a aceitao da tese ou do princpio
da neutralidade cientfica. Ele tambm no incompatvel com o envolvimento do
pesquisador.
3. No existe distino ntida entre juzo de realidade e juzo de valor.
4. Todas as observaes do mundo emprico, sejam elas cientficas ou no, so impregnadas
de teorias. A pesquisa sempre comporta uma seleo de aspectos da realidade e
deformaes da mesma, em virtude da finalidade da pesquisa.
Alguns esclarecimentos conceituais sobre a noo de objeto construdo
Primeiro sentido: designa a construo de um objeto disciplinar.
Segundo sentido: remete ao fenmeno da pr-construo social do objeto de estudo.
Terceiro sentido: a noo de objeto construdo designa tambm o procedimento
metodolgico do pesquisador (p.60) o pesquisador constri seu objeto tcnica e
teoricamente.
Neste tpico, Pires procura defender que o objeto de toda pesquisa um objeto construdo
sem necessariamente fazer meno ao construtivismo.
Um pesquisador pode, sem entrar em contradio consigo mesmo, reconhecer que constri
seu objeto, selecionando alguns aspectos da realidade infinita e mutante, sem igualmente
reconhecer que sua construo subjetiva? Essa seleo subjetiva no o obriga a concluir
que tudo que ele diz subjetivo? (p.65). Para o autor, a resposta no. O pesquisador
obrigado a concluir que seus resultados no abrangem toda a realidade, que erros so
possveis e que o conhecimento que ele produz um conhecimento aproximado.
As cincias sociais e o senso comum: deve-se falar em ruptura?
As cincias sociais seguiram, em relao ao senso comum, a via aberta pelas cincias da
natureza (p.67). Basicamente, o entendimento era de que havia uma ruptura entre as duas
formas de conhecimento (saber cientifico e saber vulgar) e tambm uma imagem
depreciativa do senso comum. Atualmente, a posio das cincias sociais frente ao senso
comum mais complexa e ambgua.
Stengers (1995) defende a substituio de ruptura por demarcao, por essa ser mais flexvel
e mais aberta a revises.
A busca da verdade (objetivao, conhecimento objetivo) nas cincias sociais
Como apreender a verdade sobre o mundo social? A Figura 01 (p.78) apresenta as trs
estratgias de busca da objetividade nas cincias sociais.
Origem nas cincias da natureza. O pesquisador deveria, assim, observar o mundo social do
exterior e tentar fazer tbula rasa dos conhecimentos adquiridos, a fim de afastar as
prenoes (PIRES, 2014, p.69). Privilegiou os dados quantitativos e a causalidade material,
representada pela anlise das condies ou fatores objetivos. Defende a neutralidade do
analista, uma atitude frente ao passado caracterizada por fazer tbula rasa ao senso comum
e uma atitude mental face ao presente e ao futuro caracterizada pela dicotomia
contemplao/ao (separar o estudo cientifico de suas consequncias prticas).
Estratgia que s se aplica ao que concerne aos humanos. O ponto de vista interno, isto m
o sentido que os atores atribuem s suas condutas ou sua vida, constitui, assim, material
de observao. Aqui, a subjetividade adquire uma importncia capital para a compreenso,
interpretao e explicao cientfica das condutas humanas (PIRES, 2014, p.72). Para o
pesquisador, o mundo social apenas o objeto de sua contemplao.
Deriva de uma leitura marxista do pensamento de Hegel. Olhar de baixo da escala social: um
olhar que assume, de incio, um certo tipo de prenoo. Defende a necessidade de adotar
voluntariamente um olhar partidrio, definido em funo do ponto de vista daquele ou
daquela que se encontra na situao mais desvantajosa (PIRES, 2014, p.74). Preocupao
maior com a anlise histrica e articula o olhar de baixo com o olhar exterior. Tal olhar foi
retomado nos anos de 1970 do ponto de vista da mulheres, privilegiando o olhar do interior,
as causalidades intencionais e a de interpretao, e os dados qualitativos (p.76).
A cincia reduz a informao e organiza ou constri uma certa leitura dessa realidade
(PIRES, 2014, p.65).
A pesquisa no a realidade, mas um esforo de aproximao do real. Ver exemplo
dos quadros do pintor Magritte (p.66).
As histrias de vida obrigaram os pesquisadores a redescobrir o senso comum (p.67).
O senso comum a primeira forma de conhecimento do socilogo e que ele deve
passar obrigatoriamente por esse saber (p.68).
preciso refletir para medir, e no medir para refletir (BACHELARD, 1938, p. 213).
O pensamento cientfico e a prenoo no poderiam ser completamente opostos um
ao outro: eles esto em relao (p.85).