Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Livro Currículo Escolar

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 113

Currculo escolar: dimenses pedaggicas e polticas

Coleo Dilogos Contempor*ancos

O 2010 Copyrigl-it by Ilma Vieira do Nascimento, Llia Cristina Silveira de Moraes e


Maria Nbia Barbosa Bonfim (Organizadoras)

Ilma Vieira do Nascimento


Llia Cristina Silveira de Moraes
Maria Nbia Barbosa Bonfim
(Organizadoras)

Direitos desta edijo reservados i:


l iditora Universitiria da Universidade Fcderal do Maranho - EDUFMA

Avenida dos Portugueses, S/N


Campus Universitrio do Bacanga - SRo Lus - Maranho
CEP 65080-040 - Telefone: (98) 3301-8152/8153

CURR~CULOESCOLAR:

Foi feito depsito legal

dimenses pedaggicas e politicas

Impresso no Brasil

I'rintcd in 13ra~iL
Programa de Ps-Graduao em Educao
Ccntro de Cincias Sociais - Mestrado em Educao
Avenida dos Portugueses, s/n
Campus Universitrio do Bacanga - So Lus - Maranho
(:EP 65085-550 -Telefone: (98) 3301-8660 - Fax: (98) 3301-8659
Internet: www.educacao.ufma.br - e-mail: meducacao@ufma.br
Normalizao de texto
Gisele Rocha da Silva
Reviso
Maria Nbia Barbosa Bonfim
h

(:apa
Patrcia Rgia Sodr Niccio
Editorao
ITzequiel Silva Filho

Alda Maria Duarte Arajo de Castro


Anglica Maria Frazo de Souza
Antonio Paulino de Sousa
Carlos Erick Brito de Sousa
Csar Augusto Castro
Conceio de Maria Pinto
Eliane Maria Pinto Pedrosa
Guilherme Ribeiro Rostas
Ilma Vieira do Nascimento
Llia Cristina Silveira de Moraes
Luciana Rocha Cavalcante
Maria Alice Me10
Maria de Ftima R. E Lauande
Maria de Ftima da Costa Gonalves
Maria Jos dos Santos
Maria Teresa Sousa Serpa
Raimundo Santos de Castro
Sueli Borges Pereira

SOBRE O S AUTORES
Universidade Federal d o Maranho
Reitor
Prof. Dr. Nataliiio Salgado Fillio
Diretor d a E D U F M A
Prof. D r . Sai-iatiel d e Jesus Pereira
C o o r d e n a d o r a do P r o g r a m a de P s - G r a d u a o ein E d u c a o
Profa. D r a . Francisca d a s C h a g a s Silva L i m a
D i r e t o r do C e n t r o de C i n c i a s S o c i a i s
Prof. D r . C s a r A u g u s t o C a s t r o
Coordeiiao Editorial
Profa. Tlra. Tlma Vieira d o N a s c i m e n t o
Profa. D r a . Llia Ci-istina Silveira d e M o r a e s
Profa. D r a . M a r i a N b i a Barbosa Borifim
CoiiselTio E d i t o r i a l
Atlelaide Frreira Co~itinlio- UFhtIA
Ana ?/Iaria Ii-io Dias - UFC
Antonio tle Pitlua C. Lopes - UFPI
Antonio Pa~ilinotle So~is;i-UFhtIA
Clia Fraz,'io Soares Linhares - UFF
Csiir Augusto Castro - Ul"hllA
Diomar (Ias Graas hlotta - UFhlIA
Prancisca das Chagas Silva Lima - UFhlIA
Ga~idncioFrigotto - UEKJ
Ilma Vieira tlo Nascimento - UF'I\/IA
Ilzeni Silva Dias - UFhlIA
Iran de PYIaria Leito Nunes - UFMA
Ivanilde Apoluceno tle Oliveira - UEPA
Jogo tle Deus Vieira de Barros - UFhlIA
Jos Ger;irdo V:isconcelos - UFC

L,lia Cristina Silvein de I\iloi-acs - UFIi11.4


L.cia Emlia Nuevo Barreto Bruno - USP
hllircia lilaria G~irgelRibeiro - UF'RN
Maria Alice Melo - UFI\/IA
hiIaria tle Ftima da Costa Gonalves - UE'PYIA
h1l;iria do Rosrio Silva Porto - USP
\/laria do Socorro Xaviei. Batista - UFPB
I\ilaria Jos Pires Barros Cartlozo - UFMA
Maria Nobre Damasceno - UFC
\/laria Nbia Barbosa Ronfim - UFPIIIA
hllarilete Geraltla tla Silva - UI.'T\IIA
htlariza Rorges WaIl R. de Csi.v;ilho - UFMA
Silvana Maria h4oura tla Silva - UFMA
\ialtlel~iciaAlves tla Costa - UFF
Vera Lcia Jacob Chaves - U17PA

Currculo Escolar: dimenses pedaggicas e polticas/Ilma Vieira


do Nascinicnto, Lklia Cristina Silveii-aclc Moraes, Maria Nbia
Barbosa Roilfim (Orgailizadoras). - So Lus: Edufrna, 2010.

1. Educao - Currculo 2. Poltica educacional 3. Projeto


pedaggico I. Nascimento, Ilma Vieira do; Moi-aes, Llia Ci-istina
Silveira de; Bonfim, Maria Nbia Barbosa.
C D D 375
CDU 37.016

Alda Maria Duarte Arajo de Castro - Professora do Departamento de


Educao e do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Doutora em Educao pela
UFRN. E-mail:alda@ufrnet.br
Anglica Maria Frazo de Souza - Tcnica da Secretaria de Estado da
Educao do Maranho. Mestra em Educao pela Universidade Federal do
Maranho - U M A . E-mail:angelfr@elo.com.br.
Antonio Paulino de Sousa - Professor do Departamento de Educao I1 e
do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do
Maranho - U M A . Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris VI1 Sorbonne e Doutor em Cincias Sociais pela Universidade Catlica de Paris.
E-mail: antonio.paulino@terra.com.br
Carlos Erick Brito de Sousa -Jornalista. Mesii-e em Educao da Universidade
Federal do Maranho - UFMA. E-maik carloserick8@yahoo.com.
Csar Augusto Castro - Professor do Curso de Biblioteconornia e do
Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do
Maranho - UFMA. Doutor em Educao pela Universidade de So Paulo USF! E-mail:ccampin@tem.com.br
Conceio de Maria Pereira Serra Pinto - Professora do Departamento
de Educao I da Universidade Federal do Maranlio - UFMA. Mestra em
Educao pela U M . E-mail:ccarnpin@terra.com.br.
Eliane Maria Pinto Pedrosa - Professora do Departamento de Cincias
Humanas e Sociais do IF'MA/Campus So Lus Monte Castelo. Doutoranda
em Educao em Cincias e Matemtica pelo Programa de Ps-graduao
da Rede Amaznica de Educao em Cincias e Matemtica - REAMEC/
Plo UFPA, Belm-PA E-mail: elianempedrosa@ifma.edu.br.
Guilherme Ribeiro Rostas - Professor do Departamento de Cincias Humanas
e Sociais do Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Maranho
- IFMA/ Campus So Lus Monte Castelo. M e s k em Educao pela
Universidade Federal do Maranho- UFMA. E-maik g_rostas@hotrnail.com.
Ilrna Vieira do Nascimento - Professora do Departamento de Educao I1
e do Programa de Ps-Graduaoem Educao da Universidade Federal do
Maranho - U M A . Doutora em Educao pela Universidade de So Paulo
- USP. E-mail: ilmavi@tem.com.br.

Llia Cristina Silveira de Moraes - Professorado Departamento de Educao


11 e do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal
do Maranho - UFMA. Doutora em Educao Brasileira pela Universidade
Federal do Cear - UFC. E-maik leliacris@hotmail.com.
Luciana Rocha Cavalcanti -Professorado Curso de Letras, Departamento de
Ingls da Unviersidade Federal do Maranho - UFMA. Mestra em Educao
pela UFMA. E-maik lurochacaval@elo.com.br.
Maria Alice Me10 - Professora do Departamento de Educao I1 e do
Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do
Maranho - UFMA. Doutora em Educao pela Universidade Federal de
So Paulo - USP. E-mail: ma.melo@terra.com.br,
Maria de Ftima Ribeiro Franco Lauande - Professora do Departamento
de Educao I1 da Universidade Federal do Maranho - UFMA. Doutora em
Educao pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.
Maria de Ftima da Costa Gonalves - Professora do Departamento de
Educao I1 e de Programa de Ps-Graduaoem Educao da Universidade
Federal do Maranho - UFMA. Doutora em Polticas Piblicas pela UFMA.
E-mail: mfcg_1903@yahoo.com.br.
Maria Jos dos Saiitos - Professora do Departamento de Educao I1 da
Universidade Federal do Maranho - UFMA/Campus Bacabal. Mestra em
Educao pela UFMA. E-mail: mary.jsantos@yahoo.com.br.
Maria Teresa Sousa Serpa - Professora da Rede Estadual de Ensino. Mestra
em Educao pela Universidade Federal do Maranho - UFMA. Doutoranda
em Lingustica pela Universidade Federal do Cear - UFC. E-mail: tererpa@
yahoo.com.br
Raimundo Santob de Castro -Professordo Departamento de Matemtica do
Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Maranho - IFMA/
Campus So Lus Monte Castelo. Mestre em Educao pela Universidade
Federal do Maranho - UFMA. E-mail raicastro@grnail.com.
Sueli Borges Pereira - Professora do Departamento de Cincias Humanas e
Sociais c10 Instituto Federal de Edticao, Cincia e Tecnologia do Maranhao
- IFMA/ Campus So Lus Monte Castelo. Mestra em Educao pela
Universiclacle Fecleral clo Maranho - UFMA. Doutoranda em Ed~icaopela
Pontifcict Universidade Catlica de So Paulo - PUC. E-mil:sueli@ifma.edu.br.

APRESENTAAO ...............................................................................9
INTERDISCIPLINARIDADE E CONTEXTUALIZAO
NA REFORMA CURRICULAR D O ENSINO MDIO ......... 15
Conceio de Maria Pereira Serra Pinto
Ilma Vieira do Nascimento

O CURRICULO E AS COMPETNCIAS EDUCACIONAIS


NO ENSINO MDIO:
a competncia leitora e a prtica docente no IFMA ....................35
Guilherme Ribeiro Rostas
CONTRIBUIES D O CURRICULO PARA A FORMAO
E A PROFISSIONALIZAO D O C E N T E ............................... 53
Maria de Ftima R. F. Lauande
Alda Maria Duarte Arajo de Castro
CONCEPES D E PROFESSORES E M FORMAO:

o curriculo d e Licenciatura em Matemtica em foco ......... 71


Raimundo Santos de Castro
Lilia Cristinn Silveira de Moraes
O ENSINO- DAS CINCIAS DA NATUREZA E DA
MATEMATICA NUMA PERSPECTIVA DE CURRICULO
INTEGRADO .....................................................................................95
Eliane Maria Pinto Pedrosa
O ENSINO DA LINGUA INGLESA: componentes didticopedaggicos para o exerccio da crtica ........................................ 113
Luciana Rocha Cavalcante
Csar Augusto Castro
ETNIA, RAA E IDENTIDADE: pontos e contrapontos iio
currculo escolar ............................................................................. 127
Sueli Borges Pereira

USOS PEDAGGICOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS


NA
DA INFORMAAO E DA COMUNICAAO
ESCOLA ............................................................................................ 147
Maria Jos dos Santos
Maria Alice Me10
Maria de Ftima da Costa Gonalves

C O N C E P ~ E SDE LEITURA DE ALUNOS DA 8" SRIE


DO ENSINO FUNDAMENTAL ................................................. 167
Maria Teresa Sousa Serfia
Csar Augusto Castro

PROJETO ESCOLA ATIVA NA PERCEPAO DO


SEU CORPO DOCENTE E DA EQUIPE TCNICOPEDAGOGICA................................................................................. 181
Alzglica Maria Frazo de Souza

AS R E L A ~ E SENTRE JORNALISMO, DIVULGAO


CIENTIFICA E EDUCAAO E SUAS REPERCUSSOES
NO CONTEXTO ESCOLAR ...................................................... 203
Carlos Erick Brito de Sousa
Antonio Paulino de Sousa

Nas ltimas dcadas as discusses sobre currculo ganham


relevncia, em virtude, principalmente, da centralidade que assumiu
nas reformas que se processam na educao, sendo utilizado como
campo estratgico da disseminao do significado poltico das
mudanas decorrentes do contexto neoliberal, o que passou a
demandar novos estudos e orientaes para a escola. Esse fato tem
fomentado o desenvolvimento de pesquisas, estudos e experincias
que problematizam e discutem os novos comandos sociais, ideolgicos,
polticos e pedaggicos que a orientam.
A presente obra rene estudos resultantes de pesquisas sobre
currculo escolar transitando pelas dimenses polticas e pedaggicas,
contudo compreendendo que tais dimenses no so tratadas de forma
separada e sim interrelacionadas. Esses estudos estimulam crticas e
sugerem alternativas para questes curriculares contemporneas.
Nossa inteno possibilitar ao leitor o contato com a discusso
e reflexo sobre currculo como concepo e prtica em contextos
diferenciados.
Defendemos o entendimento de currculo como construo
social, um instrumento hegemnico que tanto na forma como no
significado s pode ser compreendido na totalidade das relaes
sociais, polticas, econmicas e culturais que o constituem. Possibilita
interveno nas prticas educativas desenvolvidas na escola, assim
sendo faz parte de um contexto histrico, portanto determinado;
logo, no neutro, nem imparcial, ao contrrio, carregado de
intencionalidades declaradas ou no.
Esse entendimento traduz a dimenso poltica que permeia
o currculo, na medida que em seu processo de elaborao e
desenvolvimento expressa a concepo de homem, educao e
sociedade que se acredita e almeja com a formao dos sujeitos.

Exige que se evidenciem as intenes com a escola, os sujeitos, o


conhecimento, os processos e as relaes que se estabelecem no
espao escolar. um campo que representa poder e, portanto,
sempre permeado por disputas, conflitos e interesses.
tambm um instrumento no qual se define e sistematiza os
conhecimentos produzidos socialmente pelos homens no seu processo
de relao com o mundo e com os outros homens, a serem ensinados na
escola, bem como os processos de ensino e aprendizagem, traduzindo
assim a sua dimenso pedaggica.
Caminhando nessas dimenses, nos lanamos no desafio de
discutir diversos aspectos do currculo, tendo como preocupao
comum a busca em compreend-lo como prxis, na amplitude e
complexidade com que se apresenta na sociedade atual, identificando
a sua potencialidade e contribuio na produo de uma escola que
trabalhe os conhecimentos numa perspectiva crtica e igualitria e
torne possvel o desejo de contribuir com o processo de conscientizao
sobre a realidade e, consequentemente, com a construo de um
projeto de sociedade mais coletivo, democrtico e plural.
Neste livro intitulado CURRCULO ESCOLAR: dimenses
pedaggicas e polticas, dentre as tantas teias que se entrelaam na
montagem de um quadro sobre currculo, que, ora busca combinar
cores, ora tenta torn-las menos difusas, h certas nuances que
merecem destaque.
Vejamos, pois.
Os captulos que o formam ,foram elaborados a partir de
pesquisas de&nvolvidas no Programa de Ps-Graduao em Educao
da Universidade Federal do Maranho, no Grupo de Pesquisa Escola,
Currculo, Formao e Trabalho Docente, que tenta, cada vez mais, a
sua consolidao ao empenhar-se no desenvolvimento de pesquisas
e textos em torno de um dos seus eixos formadores: o currculo. Mas
porque o fato chama a ateno? Se considerarmos que o texto acadmico
vem alcanando maior notoriedade e credibilidade, quando concebido
a partir de uma investigao criteriosa, ento o fato se sobressai e se
torna merecedor de registro. Poderamos, mesmo, tentando polemizar,

dizer que a pesquisa, tambm, na rea social, e, no caso, na educacional,


procura conquistar um espao que a legitime no campo cientfico.
E se, alm disso, os onze captulos que formam o livro
circundam o currculo escolar, no sentido de nele se abrigarem, visto a
manuteno de laos de parentesco com o mesmo, nos mais diversos
graus e modalidades, acreditamos que esse segundo fato enriquece e
fortalece o primeiro.
Dessa forma, o currculo passa por vrios ngulos de solicitao,
do ponto de estudo de cada autor, como mostramos a seguir.
No captulo inicial, as autoras Conceio de Maria Pereira Serra Pinto e Ilma Vieira do Nascimento mostram como a legislao
educacional, a partir dos anos 90, consegue direcionai- as mudanas
ocorridas na educao profissional do Ensino Mdio, ao estabelecer
aliana entre formao geral e polivalente para a aquisio de competncias gerais e transferveis, mais assentes na lgica do mercado
e distanciadas dos princpios de uma formao cultural que aponte
ao jovem aluno o significado e o valor do trabalho numa perspectiva
mais crtica. E mais, chamam a ateno para a diferenciao entre
interdisciplinaridade e contextualizao e o termo polivalncia, mais
condizente com racionalizao formalista voltada para fins instrumentais pragmticos.
Em seguida, Guilherme Ribeiro Rostas fala-nos sobre a
COMPETNCIA LEITORA E A PRTICA DOCENTE NO
IFMA, logo, continuamos estudando o Ensino Mdio, o currculo
e as competncias. Sob o prisma da pesquisa desenvolvida, a
responsabilidade leitora dos alunos vai alm da disciplina Lngua
Portuguesa, atingindo as demais, at mesmo as profissionalizantes.
J a prtica docente parece difusa e resultante de uma mescla das
diversas correntes de pensamento que tratam dessa prtica.
As autoras Maria de Ftima Ribeiro Franco Lauande e
Alda Maria Duarte Arajo de Castro no captulo intitulado
CONTRIBUIES D O CURRICULO PARA A FORMAO
E A PROFISSIONALIZAO DOCENTE apresentam uma
retrospectiva da dimenso histrica do currculo em diferentes

12

CURR~CULO
ESCOLAR

momentos conceituais. Merece destacar como se posicionam em


relao as competncias na profissionalizao docente, apontadas na
legislao educacional nos anos 90. Concordam com o posicionamento
dos autores apresentados, e acrescentam ser necessria a elaborao de
competncias j no nvel inicial e como se desenvolvem na construo
da profissionalizao numa perspectiva histrico-cultural.
J Raimundo Santos de Castro e Llia Cristina Silveira de
Moraes estudam as CONCEPES DOS PROFESSORES EM
FORMACO com enfoque na Licenciatura em Matemtica e
apontam implicaes para o cotidiano do desenvolvimento curricular
das aulas de matemtica, ressaltando posies mais recentes que
tentam coloc-la no contexto das demais cincias. Defendem a
perspectiva da Filosofia da Educao Matemtica que consiste num
pensar abrangente, sistemtico, analtico, crtico e reflexivo sobre os
objetos da matemtica.
Mais uma vez, o IFMA objeto de estudo, no captulo que trata
de CURRICULO INTEGRADO, da autoria de Eliane Maria Pinto
Pedrosa. Nele, a autora analisa o PROEJA a partir do nvel de integrao
dos conhecimentos da formao geral aos da formao especfica.
Conclui, propondo a mudana dos paradigmas epistemolgicos e
pedaggicos que contribuem para a dicotomia entre teoria e prtica,
que impede o dilogo entre os campos do conhecimento.
Segundo Luciana Rocha Cavalcante e Csar Augusto Castro, no
estudo sobre o ENSINO DA LINGUA INGLESA: COMPONENTES
DIDTICO-PEDAGGICOS PARA O EXERCICIO DA CRITICA,
o que adquire maior relevncia a posio dos entrevistados sobre
o uso da lngua inglesa como instrumento de comunicao entre os
POVOS,
preservando, no entanto, os valores locais que levam em conta o
reconhecimento das diferenas para a construo da prpria cidadania.
No texto ETNIA, RAA E IDENTIDADE: PONTOS E CONTRAPONTOS NO CURRICULO ESCOLAR, Sueli Borges Pereira
situa o currculo numa perspectiva polissmica, optando, pois, por um
estudo em que processos e agentes se entrecruzam no desenrolar da
prpria ao educativa, produzindo e construindo identidades.

D I M E N S ~ EPEDAGGICAS
S
E POL~TICAS

13

Continuando a montagem do livro, Maria Jos dos Santos, Maria


Alice Me10 e Maria de Ftima da Costa Gonalves apresentam estudo
sobre USOS PEDAGGICOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS 11A
INFORMAO E DA COI\/IUNICAO NA ESCOLA e chamam
a ateno para o papel dessas tecnologias como ferramentas, sei-vindo
de fonte de produtividade na elaborao de conhecimentos sobre os
prprios conhecimentos. A seguir, e sob essa tica, elas chegain sala
de aiila, mas os dados mostram que embora haja muito a explorar, os
professores demonstram uma posio crtica e vigilante quanto ao uso
indiscriminado dessas tecnologias na escola.
No captulo intitulado CONCEPES DE LEITURA DE
ALUNOS DA 8" SRIE D O ENSINO FUNDAMENTAL, &faria
Teresa de Sousa Sei-pa e Csar Augusto Castro, aps cliscoi-i-erem e
analisarem dados sobre alguns eixos interpretativos com relao s
prticas leitoras escolares, apontam a necessidade da escola trabalhar as
prticas leitoras, de modo que a leitura possa extrapolar os limites dela
mesma, levando o aluno a perceber, conhecer e analisar a realidade,
podendo ir alm do prprio horizonte do autor.
J Anglica Maria Frazo de Souza apresenta estudo sobre
o PROJETO ESCOLA ATIVA NA PERCEPO D O SEU
CORPO DOCENTE E DA EQUIPE TCNICO-PEDAGGICA.
Aps pesquisa e anlise criteriosas, nas quais registra experincia
desenvolvida no Maranho, aponta a vivncia dos atores envolvidos
no Projeto que, mesmo importado e de carter compensatrio,
apresenta avanos no que diz respeito a melhoria do processo ensino/
aprendizagem, a participao da comunidade nas atividades da escola,
a conscientizao dos professores para a necessidade de formao.
Concluindo o elenco de captulos, Carlos Erick Brito de
Sousa e Antnio Paulino de Sousa mostram como se processam
as RELAES ENTRE JORNALISMO, DIVULGAO
CIENTIFICA E EDUCAO, colocando o currculo no meio da
cena, como dispositivo muito mais amplo do que um rol de disciplinas.
Destacam tambm a utilizao crescente dos recursos miditicos
na sala de aula, incluindo-se, a, uma forma de reduzir a "hegemonia"
dos livros didticos.

14

CURR~CULO
ESCOLAR

Esperamos que o leitor perceba na diversidade dos temas


apresentados e alinhavados em torno do Currculo Escolar a ateno
que o Grupo de Pesquisa tem conferido aos estudos sobre o currculo
e a sua materialidade no espao da escola.
So Lus, dezembro de 2010.
Ilma Vieira do Nascimento
Llia Cristina Silveira de Moraes
Maria Nbia Barbosa Bonfim

INTERDISCIPLINARIDADE E CONTEXTUALIZAO
NA REFORMA CURRICULAR DO ENSINO MDIO
Conceio de Maria Pereira Serra Pinto
Ilma Vieira do Nascimento

Neste texto tratamos sobre a reforma do ensino mdio que, ao


desenhar o currculo para esse nvel de ensino, toma por base determinados conceitos, entendidos como princpios norteadores para a educao profissional em sua relao com o ensino mdio. Tais princpios
- interdisciplinaridade e contextualizao - esto presentes tanto na
reforma iniciada nos anos 90, como posteriormente, quando o discurso oficial se volta ento para empreender a articulao do ensino mdio (propedutico) ao ensino tcnico e profissional de nvel mdio. A
reforma expressa nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino
mdio e legislao complementar, define o mundo do trabalho como
um aspecto a embasar o currculo. Este passa a ser entendido como
uma forma de integrao entre as duas "modalidades7?de ensino e o
mundo do trabalho, percebido muito mais na perspectiva do capital
do que do trabalhador numa perspectiva de que o trabalhador possa
se adaptar s novas condies impostas pela globalizao e pela reestruturao produtiva.

2 AS TRANSEORMAESNO MUNDO DO TRABALHO


E AS ORIENTAESDA REFORMA CURRICULAR DO
ENSINO MDIO
A reforma do ensino mdio no Brasil, tal como veio se configurando a partir dos anos 90 do sculo XX, intenta articular-se aos processos
de mudanas globais que afetam as sociedades capitalistas e, por esse

16

CURR~CULO
ESCOLAR

c;irninho, formar trabalhadores com competncias e habilidades para


alinhar o pas na trilha das muclancas tecnolgicas mundiais.
Nesse processo, a educao escolar detm um papel central pois
"a prpria prtica pedaggica entendida, assim, como uma tecnologi,", como explica Lopes (2008, p. 20). Analisando esse processo na
perspectiva de NIuller (apucl LOPES, 2008, p. 20), a autora declara
que " pela etlucao que se busca, socialmente, formar trabalhadores
com as altas habiliclades e a capacidade de inovao entendidas como
essenciais para sustentar os modelos tecnolgicos de produo vigentes. Argumenta-se nesse contexto, que h necessidade de formao de
habilidades e competncias mais complexas, supostamente garantidas
por uma ccluca,?~que inter-relacione as disciplinas escolares."
A reforma curricular do ensino mdio incorpora um discurso que
segue a direo acima inclicacla, ou seja, o discurso oficial expresso,
entre outros documentos, nos Parmetros Curriculares Nacionais para
o Ensino Mdio (PCNEM), comporta determinados princpios curricularcs como intcrdisciplinaridacle, contextualizao e currculo por
competncias, os quais aliceram, sob o ponto de vista oficial, uma
formao escolar que busca integrar a educao e o mundo do trabalho.
A proporo que o trabalho vai sendo amplificado pelo avano
tecnolgico mais as diferenas de qualificao deixam de ser aparentes. Isto porque o domnio do contedo e do processo do trabalho por
um nico trabalhador, caracterstico do processo artesanal, se transfere para o conjunto de trabalhadores, dissolvendo-se em u m grande
nmero de habilidades genricas que permitem a mobilidade da fora
de trabalhht'..Ao mesmo tempo, amplia-se a necessidade do desenvolvimento de um conjunto de habilidades, comportamentos e atitudes
que possibilitem a constituio de um corpo coletivo de trabalho organizado, harmnico, integrado e competente, capaz de recompor a
unidade do processo produtivo rompida pela parcelarizao.
Para tanto, preciso outros tipos de orientaes pedaggicas, determinadas pelas transformaes que ocorrem no mundo do trabalho, 1
para atender As demandas cla revoluo tecnolgica com seus profundos impactos sobre a vida social. O objetivo a ser seguido leva em con- i
ta a capacidade para lidar com a incerteza, substituindo a rigidez por

1
1

flexibilidade e rapidez, a fim de atender a demandas dinmicas que se


diversificam em qualidade e quantidade, no para que o trabalhador
participe como sujeito na construo de uma sociedade em que o resultado da produo material e cultural esteja disponvel para todos,
mas para ajustar-se aos imperativos dessa nova ordem.
Ao tratar da reforma do ensino mdio, o Parecer CEB/CNE
15/98 indica coadunar-se com essa tendncia por entender que

C.. ) essa racionalidade supe que, n u m mundo e m que a


tecnologia revoluciona todos os mbitos da vida, e, ao disseminar informao, amplia as possibilidades de escolha mas
tambm a incerteza, a identidade autnoma se constitui a
partir da tica, da esttica e da poltica, mas precisa estar ancorada e m conhecimentos e competncias C.. ). No por
acaso que essas mesmas competncias esto entre as mais
valorizadas pelas novas formas de produo ps-industrial
que se instalam nas economias contemporneas. (BRASIL,
1998b, p. 67-68)
Ainda no mbito da legislao, a Resoluo CEB/CNE 03/98,
que trata da referida reforma, ancora-se em iguais pressupostos, ao
acrescentar que

C...) a organizao do currculo deve ser coerente com princpios estticos, polticos e ticos, abrangendo a esttica da
sensibilidade, que dever substituir a da repetio e padronizao, estimulando a criatividade, o esprito inventivo, a
curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, bem como facilitar a constituio da identidades capazes d e suportar a
inquietao, conviver com o incerto e o imprevisvel C.. )
(BRASIL, 1998a, p. 102)
A recomendao das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Mdio - DCNEM - para que a construo do currculo se
d de forma a prever estratgias que, entre outros objetivos, ajudem
o estudante a "suportar a inquietao" remete-nos a questionamentos
sobre o qu, de fato, inquieta o jovem contemporneo: o desemprego?
os baixos salrios? a violncia? as constantes e diversificadas formas
de corrupo? Enfim, u m interminvel rol de fatores que concluzem a
vida dos jovens na trilha da insegurana.

A leitura daquelas orientaes e determinaes legais leva-nos a


inferir que a organizao curricular do ensino mdio deva ter como
escopo conduzir os jovens a participao nos processos de transformao que ocorrem na contemporaneidade, momento em que eles mesmos se transformam tomando conscincia do seu papel no mundo ao
prepararem-se para se inserir no mercado de trabalho. A nfase posta
no desenvolvimento de variadas habilidades e na aquisio de competncias no processo formativo do jovem, assenta-se, pois, na lgica do
mercado, que se funda na idia de valorizao de tais requisitos como
condio imprescindvel para sair-se bem e garantir o seu lugar ao sol
nesse mundo de exacerbada competio. Assim, um vis tem permeado, naquelas determinaes, o conceito de trabalho na perspectiva
interdisciplinar e contextualizada: a flexibilidade na organizao do
trabalho; a exigncia de formao de trabalhadores polivalentes, criativos, cooperativos e capazes de desenvolver toda sua potencialidade de
aprendizagem e de trabalho; a emergncia da "poltica da incerteza, do
inusitado, do imprevisvel e da diferena"; a eleio do conhecimento
como a mola propulsora deste atual momento de desenvolvimento do
capitalismo.
O discurso oficial d mostras de conter aquele vis: por um lado,
podemos interpretar o conceito de trabalho na perspectiva interdisciplinar e contextualizada como prximo a vertentes legitimadas por
educadores crticos; no entanto, por outro, a interdisciplinaridade e a
contextualizao, tal como divulgadas oficialmente, demonstram afastar-se do mbito da cultura mais ampla, restringindo-se a aspectos da
formao de performances que sero validadas nos exames centralizados e nos processos de trabalho.
Nesse contexto, os novos modelos de produo industrial, sua relao com as mudanas de ritmo, necessidades e preferncias dos consumidores, bem como as estratgias de competio e de melhora da
qualidade das empresas exigem da escola compromissos para formar
jovens educandos, se no todos pelo menos parcelas desse segmento,
com conhecimentos que estejam de acordo com as atuais orientaes
econmicas.

3 MUDANAS NA EDUCAAO PROFISSIONAL DE


NIVEL MDIO:ecos da reforma
Como estamos acentuando, aparecem na reforma do ensino mdio os conceitos de competncia, flexibilidade e outros, como autonomia (dos centros escolares), superao do conhecimento fragmentado,
liberdade (de escolha de instituies escolares). Esses conceitos encontram ressonncia nas caractersticas da reestruturao produtiva, na
descentralizao das grandes corporaes industriais, na autonomia
relativa de cada fbrica (em decorrncia do processo de desterritorializao das unidades de produo ou de montagem), na flexibilidade
da organizao produtiva para se ajustar a variabilidade de mercados
e consumidores.
Sobre essa questo, ou seja, da relao entre a configurao que
toma o mundo do trabalho, nas duas ltimas dcadas do sculo XX e
atualmente, e os requerimentos exigidos a educao escolar, Martins
(2000, p. 72) analisa que
C...} invariavelmente, as orientaes que vigoram internacionalmente - sejam elaboradas por organismos multilaterais,
sejam aquelas adotadas nos programas de reformas da educao de determinados pases - retomam a discusso realizada pelas diretrizes tecnicistas internacionais dos anos 70
sobre o ajuste necessrio que os sistemas de ensino devem
sofrer para atender as novas demandas do mundo do trabalho, estabelecendo uma relao linear e, por isso mesmo,
perigosa, entre essas mudanas - muitas vezes equivocadamente compreendidas como rupturas de paradigmas no mbito econmico, social e cultural - e as polticas de formao
de recursos humanos aptos a enfrent-las.

De fato, observando-se o Relatrio sobre o Desenvolvimento


Mundial, o Banco Mundial, ao discutir especificamente as aptides
exigidas para o desenvolvimento, retoma a concepo de capital humano, que vigorou fortemente nos 60 e 70 do sculo XX, e afirma que
,
I

{...} a educao essencial para o aumento da produtividade individual. A educao geral dota a criana de habilidades
que podem ser mais tarde transferidas de u m trabalho para
outro, e dos instrumentos intelectuais bsicos, necessrios

20

CURR~CULO
ESCOLAR

para a continuao do aprendizado. A educao aurrienta a


capacidade de desempenl-iai. tarefas normais, de processar
e utilizar informaes e de adaptar-se a novas tecnologias
e prticas de produo. (BANCO MUNDIAL apucl TOI\/IMASI, PVARDE, HADDAD, 1996, p. 42).

Tais concepes sobre o papel que cabe educao desempenhar


e m u m mundo e m constantes transformaes que repercutem sobre
o mundo do trabalho, rebatem, inevitavelmente, na prpria organizao curricular de cursos destinados a formao/qualificao do trabalhador, condio a que o Brasil no est isento.
Assim, pertinente observar que a Reforma do Ensino Mdio
preconiza u m aluno formado de tal modo a estar apto para exercer as
funes do futuro, que exigem: capacidade de abstrao; desenvolvimento de pensamento sistmico complexo e interrelacionado; habilidade de experimentao e capacidade de colaborao; trabalho em
equipe, interao com os pares.
Neste ponto, oportuno destacar os princpios bsicos orientadores da reforma do ensino mdio, ou seja, da forma como veio se delineando ao final da dcada de 1990, que pelo decreto federal 2.208/97
propugnava a separao entre educao profissional e ensino mdio,
nos seguintes termos:
{...) a rearticulao curricular entre o ensino mdio e a educao profissional de nvel tcnico orienta-se por dois eixos
complementares: devolver ao ensino mdio a misso e carga
l-iorria mnima de educao geral, que inclui a preparao
bsica para o trabalho, e direcionar os cursos tcnicos para a
forrriao profissional e m uma sociedade em constante mu'h-tao.(BRASIL, 2004)

Trata-se, pois, de uma radical separao entre o ensino profissional e o ensino propedutico, gerando tambm uma radical separao
na organizao curricular dessas modalidades de ensino, principalmente no que tange ao ensino de nvel tcnico. Esse decreto instituiu
trs nveis na educao profissional: o nvel bsico - que prescindia de
qualquer escolaridade prvia, destinado a qualificao e reprofissionalizao de trabalhadores; o nvel tcnico - destinado a egressos do
ensino mdio ou a aqueles em curso, com o fim de habilit-los profis-

sionalmente; o nvel tecnolgico - que requeria escolaridade e m nvel


de ensino mdio completo, com o fim de dar forinao tecnolgica
em nvel superior. (BRASIL, 2001)
Convm salientar, antes de qualquer incurso nos princpios
orientadores da reforma, que tal dicotomia foi posteriormente modificada, embora no totalmente suprimida, pelo decreto federal
5.154/2004 que imprimiu uma nova organizao curricular a educao profissional. Mas ambos os decretos, bem como o conjunto da
legislao que disciplina a reforma desse nvel de ensino, seguem respaldados na necessidade de uma imperiosa mudana nos currculos
escolares, entendida como condio essencial para adaptar as pessoas
as mudanas mundiais e m curso, mormente as que afetam os processos de trabalho e suas tecnologias. Lopes (2008) analisa que a valorizao da idia de que o mundo mudou constitui u m dos principais
mecanismos de legitimao das polticas curriculares para o ensino
mdio no Brasil, ou seja, tal entendimento tem fora para legitimar
propostas curriculares "inovadoras" originadas e m espaos oficiais em
que ocorrem as suas formulaes.
Os princpios orientadores da educao profissional encontramse no Parecer CNE/CEB n. 16/99 e tm respaldo na LDB 9.394/96
(art. 2" e 39). Sob o argumento de propiciar a articulao da educao profissional de nvel tcnico com o ensino mdio (propedutico),
determinados princpios bsicos vo estar na raiz da educao profissional: respeito aos valores estticos, polticos e ticos (esttica da sensibilidade e da identidade, poltica de igualdade); desenvolvimento de
competncias para a laboralidade; identidade dos perfis profissionais
de concluso; atualizao permanente dos cursos e currculos; autonomia da escola para definir, executar e avaliar seus projetos pedaggicos; flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualizao.
Flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualizao so princpios que aparecem com elevada aderncia entre si. A construo
de currculos e a sua gesto, entre outros aspectos, refletem e se articulam, segundo aquele Parecer, a autonomia das instituies responsveis pela educao profissional, com reflexos tambm no projeto pedaggico, dado que este projeto passar pelo crivo dos agentes
educacionais desde a sua elaborao at a avaliao. Assim, por esse

CURR~CULO
ESCOLAR

Parecer, conferida as instituies escolares ampla autonomia e flexibilidade para construir o currculo do curso profissional, contextualizado com a realidade do mundo do trabalho. Em sendo assim, a livre
oferta de cursos pelas instituies de educao profissional pautam-se
nas demandas no s do mercado, mas tambm das pessoas e da sociedade. Ainda, segundo o Parecer CNE/CEB N. 16/99, a autonomia e
flexibilidade das instituies formadoras conferem a essas instituies
a capacidade de buscarem formas de integrao em diferentes campos
de estudo, rompendo com a segmentao e o fracionamento, tpicos
da organizao curricular por disciplinas. Trata-se, em suma, de adotar formas interdisciplinares na organizao do conhecimento escolar
adequadas ao desenvolvimento das competncias demandadas pelo
mundo do trabalho.
Os documentos orientadores no fazem, porm, referncia as
graves questes que afetam a dinmica da vida em sociedade. A discusso sobre a gravidade dos problemas relacionados aos elevados ndices de repetncia e de evaso, frequentes nesse nvel de ensino, a
escassez de emprego para os egressos, entre outros, substituda pela
viso otimista de que a escola preparar, competentemente, o jovem
para o mercado de trabalho.
Trata-se de um modelo terico que elabora os seus argumentos
com demasiada nfase em dimenses individualistas mescladas, contraditoriamente, com outras excessivamente "universalistas", abstraindo as peculiaridades das comunidades e do momento scio-histrico
em que foi formulado. Para Santom (1996), em discursos como esses
o ser humano aparece desvinculado de aspectos essenciais, como suas
dimenses scio-culturais e histrico-geogrficas. Neles, segundo o
autor, no enfatizado como essas variveis exercem um papel decisivo na aquisio do conhecimento interdisciplinar e contextualizado.
Nesse sentido, as injustias sociais, a distribuio desigual
do saber e das riquezas e bens econmicos, a desigualdade nas possibilidades de acesso a um mercado de trabalho restrito, no ocupam
lugar como preocupaes nos documentos oficiais. Isto porque as
complexas questes que afetam a dinmica social tm sido reduzidas
a algumas formulaes na legislao sobre a educao formal, que preconizam, dentre outras, determinadas finalidades, como a do ensino

mdio que dever promover a "preparao bsica para o trabalho e a


cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser
capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condies de ocupao
ou aperfeioamento posteriores". (BRASIL/LDB, Art. 35,II).

i
i

A educao, entendida como instituio formal, no tem, necessariamente, a atribuio de gerar trabalho nem emprego. Novos postos
de trabalho e o aumento do nmero de emprego dependem de processos estruturais de organizao da produo, da estrutura do mercado
de trabalho, da estrutura ocupacional e dos mecanismos macroeconmicos e polticos que regulam o funcionamento das economias, nos
mbitos nacional e internacional. Dessa forma, o discurso muito difundido em sociedades que defendem a necessidade de formao dos
jovens com base em novos conhecimentos e competncias, de modo a
poderem interagir com as profundas mudanas socioeconmicas, tecnolgicas e culturais da contemporaneidade, est relacionado e afinado com os requisitos do atual contexto produtivo.
O fato de a escola no poder desconhecer as exigncias da produo no significa que deva se submeter passivamente a racionalidade
econmica vigente. Ao contrrio, a par da inevitvel (e necessria) "instrumentao" dos jovens para que sobrevivam no mundo real, torna-se
fundamental que a escola ensine a "leitura desse mundo" (FREIRE,
1994),ou, em outras palavras, que o significado do trabalho, a partir do
enfoque interdisciplinar e contextualizado, possibilite a compreenso
histrica das relaes estruturantes do mundo econmico-social, de
forma que a sociedade seja percebida como passvel de ser transformada.
Este , sem dvida, um dos elementos mais complexos das demandas da escola em relao ao trabalho e, consequentemente, das
demandas pelos princpios da interdisciplinaridade e da contextualizao, pois h divergentes posicionamentos de que a escola - em vista
de suas determinaes histricas e sociais - possa exercer esse papel.
Nesse sentido, possvel pensar em formas diferenciadas de expresso

24

CURR~CULO
ESCOLAR

do currculo: o ~rescrito,oficial, e aquele que ocorre no cotidiano da


escola, considerado como o currculo real, capaz de incorporar as experincias do mundo do trabalho. Evidentemente essas expresses de
currculo nem sempre convergem ou articulam-se.
A falta de clareza terica da relao entre educao e trabalho,
bem como as condies que se do no interior das relaes sociais de
produo capitalista contribuem para que as representaes entre escola e trabalho expressem vises ambguas e idealizadas. De um lado,
esto as representaes que denotam negatividade, mediante a subestimao da escola e a s~~pervalorizao
da experincia, dos saberes e do
savoir-faire adquiridos no mundo do trabalho. De fato, muitos acreditam que a imerso em atividades de trabalho constitui a "verdadeira
escola". De outro lado, esto as vises idealizadas que superestimam
a importncia da escola como veculo de formao profissional e de
ingresso no mercado, ainda que exista um divrcio entre o que ensinado na instituio escolar e os desafios a ser enfrentados no mundo
do trabalho.
Tais representaes em relao ao trabalho e a escola no so
falsas nem verdadeiras, contudo merecem uma discusso mais aprofiindada, haja vista representarem, as vezes, vises estereotipadas e
l-educionistas processos histricos compleros. A noo de trabalho
e as diferentes formas coilcretas de sua efetivao so histricas, isto
, vo se constr~~inclo
e reconstruindo ao longo da histria das sociedacles humanas, variando de acordo com os modos de organizao da
produo e da distribuio de riqueza e poder.
A escol? tambm uma instituio humana e como tal criada e
recriada historicamente. Se hoje o imaginrio social a entende como
uma instituio que tem por funo preparar os jovens para o ingresso
no mercado de trabalho, historicamente a constituio da escola, em
suas origens, no esteve vinculada 3 formao para o trabalho. Como
uma instituio da sociedade, ela foi criada Para Preparar grupos seletos de pessoas para o exerccio do comando, do poder e da direo
social.
Assim, concordamos que

DIMENSES
PEDAGOGICAS E POL~TICAS

25

C.. } a educao brasileira limitou-se, ao longo de sua histria, a atender aos interesses das elites, visando forinai; entre
elas, os dirigentes, e tendo-se voltado para o povo apenas no
limite {...} de inculcao ideolgica para direcionar a escolha dos dirigentes. (SAVIANI, 1997, p. 56).
De fato, em nosso pas o dualismo se firma como uma marca presente em todos os aspectos da vida social, associado a uma sociedade
escravista e a processos discriminatrios sobre o trabalho manual.
Pelo carter que assumiu ao longo da histria da educao no
Brasil, o Ensino Mdio constituiu-se particularmente vulnervel a desigualdade social, como bem o explica Kuenzer (2001, p. 26):

C.. } assim que j se tem demonstrado ser a dualidade estrutural a categoria explicativa da constituio do Ensino
Mdio e profissional no Brasil, j que, desde o surgimento
da primeira iniciativa estatal nessa rea, at o presente, sempre se constituran~duas redes, uina profissional e outra de
educao geral, para atender as necessidades socialmente
definidas pela diviso social e tcnica do trabalho.
Temos como bem elucidativo esse entendimento sobre a constituio do Ensino Mdio no Brasil, pois esse nvel de ensino se pautou
em sua trajetria por uma ntida demarcao, destinando o ensino
profi~sionalqueles que no mundo do trabalho exerceriam funes

de carter instrumental (funes de execuo) e aos que, por sua posio social e econmica, destinava-se um ensino de carter intelectual,
uma educao mais geral, reafirmando, assim, a formao em nvel
mdio a prpria demarcao inerente a diviso estrutural entre capital
e trabalho, marcante no sistema produtivo taylorista-fordista.
Ao analisar essa questo, Cury (1996) afirma que o Ensino Mdio,
expressando um momento em que se cruzariam idade, competncia,
mercado de trabalho e proximidade da maioridade civil, expe um n
nas relaes sociais no ~ ~ manifestando
~ ~ i l , seu
dual e elitista,
mesmo das funes que ]hes so historicamente
a
funo formativa, a pl-opedutica e a profissionalizante. A propedutica de elites, cuja expresso se d nos estratos supe1-ioresde uma sociedade agrria e hierarquizada, incontestavelmente deixou seqelas
at hoje. A funo propedutica, dentro desse modelo, tem um ntido
sentido elitista e de privilgio, com destinao social explcita.

26

DIMENSESPEDAGGICASE POL~TICAS

CURR~CULO
ESCOLAR

Contudo, pelas mudanas ocorridas no mundo do trabalho atreladas a globalizao da economia e a reestruturao produtiva, as velhas
formas tayloristas/fordistas deixam de ser dominantes. Instaura-se
um novo discurso que se refere a um trabalhador de novo tipo para
todos os setores da economia, com capacidades intelectuais que lhe
permitam adaptar-se a produo flexvel. Evidentemente, essas novas
determinaes mudariam o eixo da educao mdia e profissional, se
assegurada para todos, o que na realidade ainda no ocorre.
As mudanas preconizadas, caractersticas das sociedades capitalistas, e com maior vigor nas economias dependentes a partir dos
anos 90 do sculo XX, tm ampla repercusso nos sistemas de ensino,
mormente no ensino mdio. No Brasil, as repercusses incidem na
estrutura e organizao curriculares, sob o respaldo de uma legislao
que confere a esse nivel de ensino novas configuraes, ora procedendo a uma espcie de retorno a velha dicotomia - ensino profissional x
ensino propedutico, ao instituir trs nveis na educao profissional,
sem a necessria vinculao a educao geral - ora tentando superar a
antiga demarcao entre essas duas "modalidades" de ensino.
A reforma do Ensino Mdio (parecer CNE/CEB n. 16/99), ao
enfatizar a organizao curricular flexvel adota em seu discurso que a
organizao curricular uma prerrogativa da escola, que por essa via
atende a individualidade dos alunos, focada no desenvolvimento de
competncias profissionais (gerais e especificas). Essa forma de organizao curricular est profundamente relacionada, segundo o esprito i
da reforma, a uma maior responsabilidade da escola para que proceda
a adequa& da oferta de cursos as necessidades individuais, sociais e
do mercado, como j destacado. Esse modo de contextualizao da
oferta de cursos se estende ao prprio processo de aprendizagem no
sentido de relacionar contedos e contextos. Assim, todo esse proceso, que envolve flexibilidade, contextualizao, desenvolvimento de
competncias, encontraria uma espcie de sntese numa organizao
curricular que se pretende interdisciplinar, ou seja, buscando "formas
integradoras de tratamento de estudos de diferentes campos, orientados para o desenvolvimento das competncias objetivadas pelo curso."
(CORDO, 2005, p. 83)

'

27

Tais princpios acompanham os desdobramentos da reforma com


o decreto federal no 5.154/04 e legislao complementar, mas atentando-se agora para proceder a uma articulao entre ediicao profissional tcnica de nivel medio e o ensino medio, de modo a corrigir distores nas relaes entre essas modalidades de ensino, aprofundadas
pela legislao anterior.
Pela legislao atual no so dois cursos, desenvolvendo-se lado
a lado, mas, trata-se, sim, segundo a concepo oficial, de um curso
nico na medida em que o curso de educao profissional tcnica de
nivel medio seia realizado de forma integrada com o ensino medio.
Um novo arranjo curricular, ento, pea fundamental para levar a
termo a relao necessria entre conhecimentos e suas aplicaes,
preceituando a legislao que todos os componentes curriculares "devem receber tratamento integrado, nos termos do projeto pedaggico
da institiiio de ensino." (CORDO, 2005, p.103).

5 CONSIDERAOES FINAIS
A formao bsica para o trabalho em uma sociedade tecnolgica, tal como prescrita na Resoluo CEB/CNE 03/98, pouco contribuiu para entendimentos esclarecedores quanto aos princpios da
interdisciplinaridade e contextualizao e sua relao com a construo do saber sobre o trabalho em sua dimenso histrico-concreta.
por essa dimenso que o homem apreende, compreende e transforma
uma dada realidade ao mesmo tempo em que transformado por ela.
O Parecer da ANPEd (1997) sobre o Plano Nacional de Educao, que esteve em vigor de 2001 a 2010, j advertia que a interdisciplinaridade e a contextualizao no podem ser confundidas com
polivalncia naquela reforma do ensino medio. Segundo esse Parecer,
polivalncia s pode significar o empobrecimento na transmisso do
conhecimento, supe a ampliao da capacidade do trabalhador para
aplicar vrios conhecimentos, sem que haja mudana qualitativa desse conhecimento.
Para enfrentar o carter dinmico do desenvolvimento cientifico-tecnolgico, o trabalhador passa a desempenhar diferentes tarefas
usando distintos conhecimentos, sem que isso signifique superar o

CURR~CULO
ESCOLAR

D I M E N S ~ EPEDAGGICAS
S
E POL~TICAS

carater de parcialidade e fiagmenta50 dessas prticas ou de compreender a realidade.


segundo Machado (19941, a polivalncia significa uma
zao formalista com fins instrumentais pragmticos, calcada no prin,,ipio I>ositivistada soma das partes. No Significa, necessariamente?
um conhecimento interdisciplinar e contextualizado sobre o
para ser um trabalhador polivalente bastam 0s conhecimentos
que exterior e
ricos disponveis, permanecendo a cincia como
estranho a esse trabalhador. Coino ressalta Mal-x (39557 P. z19):

Nestes casos, o ti-abalho vivo subsumido ao trabalho marto, "bietivado, que cor~ol-ificao conhecimento. Assim, medida em que
trabalhador separado dos meios de produo, ele transformado
perdendo, com isso, a capacidade de intervenco Subjetiva
'Orn
a erradicado dos ofcios que se completa com a s u b s u n ~ odo
trabalho ao capital, 011 seja, com O uso capitalista das niquinas.
de~reendemos7o processo de trabalho se torna inteiramente objetivado pelo emprego da mjquina e ocorre uma separao
radica1entre trabalho e conhecimento. "O trabalho se torna uma ao
mecnica c a cincia se ~ 0 1 0 fora
~ 0 da
~ subjetividade de quem irabalha: foi pensada em outro local {...)". (NAPOLEONI apud cERIa*N071994, p. 173). Disso decori-e que

28

que abriga os membros inanimados das m(,.., a


um
quinas (...) 2 agirem conforme sua finalidade,
autmato, no existe na conscincia do operrio, mas atua,
atravs da mquina, com
poder estranho sobre ele, como
poCler da prpria mquina.

2 c)

{...I atualmente, 0 operrio cst despossudo de tudo: tanto


do saber quanto do poder sobre a produo, {...I na verdacle,
a automatizao e a informtica, contrariamente s profetias, no liberam OS trabalhadores das tarefas fastidiosas e
rePetitivas. Ao contrrio, a automatizao desqualifica o tra.
balllo. (GORZ, 1982, p. 153)

D~~~~modo, a polivalncia se apia no USO pragmtico da cincia,


(...) sujeitaildo o c o n h e c i m c n t ~a mera instrumentao utllitarista e o trabalhador a processos de adaptaso definidos
por regras prescritas com anterioridade. O saber vivo do traballlo 6 cncamyado pela lgica conceitual formalista, que
o sintetiza, codifica e congela ao transform-lo em "softwaa mais nova expressjo do trabalho morto. (MACHADO,
1994, p. 20)

Na Perspectiva marxista, O trabalho se torna alienado


ausncia dos meios de ~ l - o d u ~da
o parte dos trabalhadores. isso significa
que a
tecnolgica no a sociedade mais democratica em

ao conhecimento. Trata-se de algo novo que no modifica a esEmbora os avanos tecriolgicos estejam a ~ e r m e a or mundo do
sncia de novas forlnas de acumulao capitalista, as quais lhe trazem
trabalho, conveniente assinalar qiie nem todos 0s que manejam
as
"OvoS 'Ontornos. Isto porque
novas tecnologias tm o contefido flexibilizado. OS digitadores, Por
desempenham uma mesma atividade, cansativa e mecnica,
{...) o Processo de transio de um a outro tipo de sociedade
durante todO o tempo da jornada de trabalho. Alm disso7 nem bdos
continuo e descontiiluo ao mesmo tempo; s
qualitativas sucedem m~idanasquantitativas, j ciriergncia
tCino conteiido de trabalho de forma interdisciplinar e contextualiza- 1
de novos elementos sobrevm a continuidade de antigas for.
da, fi o caso dos trabalhadores que executam funes simples
mas, mostmndo que se ti-ata de um processo complexo, de
observar alarmes, a luzes de painis e a execuo de aes previamenlnterpenetrao, onde contradies j existentes se repem
te estabe]ecidas, segundo as prescries tcnicas. essa forllla, exclui- i
e se elltrelaiam com outras novas. (MACHADO, 1994, p. 13)
em decises sobre planeiamento e 1
se a possibilidade de
A
tecno1gica surge quando a sociedade industrial ainorganizao e execiio. Isto pol-que 0 conhecimento se reveste de
da
"O
'
Seesgotou
no caso dos pases subdesenvolvidos ela se esboa
pequenos fragmentos, desvinculados dos princpios da interdisci~liem meio a graves d i s t o r ~ ~ee acentua
s
OS descompassos de tempo e de
llal-idade e da c o n t e x t u a ~ i z a ~Opera-se,
o~
assim, um movimento de
ritmo
que
caracterizam
O de~envolvimentodo capitalismo periferico.
desqualificao de trabalhador.

'

30

CURR~CULO
ESCOLAR

No caso do Brasil, que possui uma formao capitalista caracterizada por um processo de industrializao que ainda no se desenvolveu suficientemente, pode-se verificar um desenvolvimento desigual
no que se refere aos avanos tecnolgicos em vrios setores da economia. Em conseqiincia, dois plos marcam a absoro do conhecimento interdisciplinar e contextualizado pelo trabalhador, principalmente
no que tange aos requisitos da sua qualificao e posio no mundo
da produo.
Em um desses plos encontra-se o trabalhador, fruto do processo de industrializao, caracterizado por salrio e nivel educacional
baixos, instabilidade no emprego e no desempenho de funes que
requerem pouca ou nenhuma prvia qualificao. Trata-se de setores
sociais que sofrem processos de desenraizamento, seja por meio de frequentes migraes, seja em decorrncia das alternncias de trabalho,
das instabilidades das moradias e de vrias outras carncias sociais.
No outro plo, percebemos o surgimento de um novo tipo de trabalhador, que desfruta de salrios e nvel educacional mais altos, goza
de relativa estabilidade no trabalho, constituindo-se em uma espcie
de aristocracia tcnica. Essa situao de aparente superioridade no ,
entretanto, condio suficiente para uma maior conscincia e disposio para o desempenho de um papel ativo nas disputas pelos interesses dos trabalhadores, nem tampouco se constitui condio para a
insero em um processo de trabalho contextualizado e caracterizado,
tambm, como interdisciplinar. (MACHADO, 1994)
Manifestam-se, porm, outras formas de desenraizamento prprias desse segmento, decorrentes da forma como se do a produo e
a aplicao ttcnolgica, desvinculadas de uma poltica socioeconmica e cultural dentro de uma perspectiva de totalidade para a sociedade.
Assim, o acesso a informaes tcnicas por si, sem uma viso ampliada
da realidade, em suas vrias dimenses, no garante uma efetiva compreenso do trabalho que se executa e do mundo no qual a atividade i
est inserida, ou seja, um trabalho que possa ser caracterizado como
interdisciplinar e contextualizado.
Em consequncia, ambos os plos encontram-se dentro de horizontes estreitos e alienados. Sobrevm, assim, o sentimento de impo.
tncia e de incerteza quanto ao futuro, apesar dos enormes recursos

tecnologicos produzidos pela humanidade. Por outro lado, a nova organizao e as novas tecnologias so, tambm, mais dependentes do
trabalhador: dependem do seu interesse, motivao, responsabilidade,
ateno, capacitao, participao, etc.
nesse contexto que o ensino medio no Brasil, face aos avanos
tecnolgicos e a reestruturao produtiva, se reformularia a partir dos
anos 90, abraando a retrica dominante que propunha aos sistemas
de ensino propiciarem uma formao geral e polivalente para favorecer
a aquisio de competncias gerais e tansferveis. Assim, consagrandose a velha dualidade - ensino profissional x ensino propedutico - uma
nova estrutura curricular entrou em cena para o desenvolvimento de
competncias bsicas, "com nfase em uma metodologia que privilegia o protagonismo do aluno, a integrao entre as disciplinas e a contextualirao dos contedos disciplinares." (ZIBAS, 2005, p. 10).
Embora, a reforma desse nivel de ensino tenha demonstrado
alguns avanos na dcada seguinte (anos 2000) quanto aos seus desdobramentos e concepes sobre formas de relaes entre o ensino
mdio e a educao profissional tcnica de nivel medio, os princip~os
que a norteiam, em especial os da contextualizao e da interdisciplinaridade ainda carecem, na prtica, de uma maior vinculao a vida
social e produtiva. Portanto, quando a reforma, na sua verso a luz do
Decreto 5.154/2004, empresta acentuada nfase formao integrada, entendendo-se ai estarem embutidos aqueles principios, pressupomos e queremos, como Ciavatta (2005, p. 84):
{...) que a educao geral se torne parte inseparvel da educao profissional em todos os campos onde se d a preparao
para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a formao inicial, como o ensino tcnico, tecnolgico ou superior. Significa que buscamos enfocar
o trabalho como princpio educativo, no sentido de superar a
dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar
a dimenso intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidados.

Entretanto, a realizao concreta desses principios nem sempre


consegue ultrapassar o terreno do discurso oficial de onde foi formulado.
Estudiosos, como Lopes (2004,2008);Frigotto (2004,2005);Ramos (2004,

1
i

32

CURR~CULO
ESCOLAR

CURY, Carlos Roberto Jamil. O ensino mdio no Brasil: histrico


e perspectivas. In: Seminrio Internacional de Polticas Pblicas do
Ensino Mdio. CONSED/Secretaria de Educao do Estado de So
Paulo, 1996 (Xerox)

2005); Ciavatta (2004,2005);Kiienzer (2001),entre outros, tm produzido


importantes anlises, fruto de pesquisas realizadas em que discutem a reforma do ensino mdio em sua articulao com as mudanas no mundo
do trabalho e em suas implicaes para o campo do currculo.
Entendemos que, embora necessrias, as reformas em qualquer
nvel de ensino, no so capazes de produzir por si mesmas as solues
para os complexos problemas educacionais. 0 s principios norteadores
da reforma do ensino mdio, sacramentados pela legislao, constituem formas de regulao da educao, os quais quase sempre so
gerados por instncias de poder externas ao Brasil. Portanto, por essa
lgica entende-se a submisso da educao a principios do mercado
em detrimento das reais necessidades do trabalhador.

FREIRE, Paulo. O trabalho em educao considerado em trs


dimenses. 111: NOGUEIRA, Adriano (Org.). Contribuies da
interdisciplinaridade para a cincia, para a educao, para o trabalho
sindical. Petrpolis: Vozes, 1994
GERMANO, Jos Willi~igton.Estado militar e educao no Brasil:
1964-1985.So Paulo: Cortez, UNICAMP, 1994
GORZ, Andr. Adeus ao proletariado: para alm do socialismo. Rio
dc Janeiro: Forense Uiliversitria, 1982
KUENZER, Acacia Z. (Org.). Ensino Mdio: construindo uma
proposta para os que vivem do trabalho. So Paulo: Cortez, 2001
LOPES, Alice C. Polticas de integrao curricular. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2008

ANPED. Associao Nacional sobre Pesquisa e Ps-Graduao em


Educao. Parecer sobre a proposta do MEC para o Plano Nacional
de Educao. So Paulo: ANPEd, 1997

. Conhecimento escolar: cincia e cotidiano. Rio de Janeiro.


EdUERJ, 1999

BRASIL. Lei no 9.394/1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educao nacional. Dirio Oficial da Unio, dez./1996
I

. CNE/CEB. Resoluo no 03/1998. Institui as Diretrizes 1


Curi-iculares Nacionais para o Ensino Mdio. Braslia, DF, 199Ea
j
. CNE/CEB. Parecer no 15/98. Braslia, DF, 1998b

. MEC/CNE. Diretrizes Curriculares Nacionais: educao


bsica. BrasQa, 2004
CIAVATTA, Maria. A formao integrada: a escola e o trabalho como
lugares de memria e de identidade. In: FRIGOTTO, Gaudncio;
CIAVATTA, Maria, RAMOS, Marise (Orgs.).Ensino mdio integrado:
concepes e contradies. So Paulo: Cortez, 2005
CORDO, Francisco Aparecido. A educao profissional no Brasil. In:
PARDAL, Luis; VENTURA, Alexandre; DIAS, Carlos (Orgs.): Ensino
mdio e ensino tcnico no Brasil e em Portugal: razes histricas e
panorama atual. Campinas, SP: Autores Associados, 2005 - (Coleo
educao contempornea)

MACHADO, Luclia R. S. (Org.). Trabalho e educao. Campinas:


Papirus, 1994
MARTINS, Angela Maria. Diretrizes curriculares nacionais para o
ensino mdio: avaliao de documento. Cadernos de Pesquisa, So
Paulo: Fundao Carlos Chagas, n 109, maro/2000
MARX, Karl. O s Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1985
SANTOME, Jurjo T. E1 curriculum oculto. Madri: Morata, 1996
SAVIANI, Demerval. A nova lei da educao: trajetria, limites e
perspectivas. Campinas: Autores Associados, 1997
TOMMASI, Livia de; LVARDE, Mirian J.; HADDAD, Sergio (Orgs.).
O Banco Mundial e as polticas educacionais. So Paulo: Cortez,
1996
ZIBAS, Dagmar M. L. A reforma do ensino mdio nos anos de
1990: o parto da montanha e as novas perspectivas. In: PARDAL,

34

CURR~CULO
ESCOLAR

Lus; VENTURA, Alexandre; DIAS, Carlos (Orgs.). Ensino mdio e


ensino tcnico no Brasil e em Portugal: razes histricas e panorama
atual. Campinas: Autores Associados, 2005 (Coleo educao
contempornea).

o CURRICULO E AS COMPETNCIAS
EDUCACIONAIS NO ENSINO MDIO:
a competncia leitora e a prtica docente no IFMA

Guilherme Ribeiro Rostas

1 O DISCURSO CURRICULAR

Para entender o discurso curricular preciso compreender que as


teorias do currculo sofrem influncias de forma dialtica, das vrias
possibilidades de articulao do poder, o que Foucault (1979) definiu
em alguns momentos como um movimento circular ou, em outros,
como capilaridade. Neste sentido, no possvel imaginar o currculo
como algo que seja determinado exclusivamente pela superestrutura, mas como um campo de disputas entre diversas culturas (SILVA,
2007). Talvez seja um equvoco considerar que o currculo articula-se
apenas entre as aspiraes da classe operria e a elite dominante a
partir das necessidades de mercado, resumindo-se em um discurso polarizado. Em verdade, essas aspiraes perpassam pelas necessidades
dos grupos sociais que lutam pela sobrevivncia de suas identidades,
principalmente as culturas que tendem a ser silenciadas pelo discurso
hegemnico. Este embate entre foras acompanhado pela reestruturao produtiva do mercado que influencia o trabalho educativo. Assim, o currculo sofreu e sofre influncias (por um lado) dos movimentos populares reivindicativos e (por outro) das foras econmicas da
sociedade. Observa-se que esses discursos no so puros, pois sofrem
influncias das mais variadas fontes de poder.
As mudanas das relaes no interior das escolas, inclusive sua
prpria estrutura, vm ocorrendo de forma exponencial a partir do
final do sculo XIX, quando as relaes produtivas sofrem significativas modificaes a partir da proliferao das indstrias que trazem
consigo a necessidade da educao do operrio (SANTOM, 1998),

36

CURR~CULO
ESCOLAR

Este tecnicismo, aperfei~oado


por Ralph Tyler na metade do sculo XX - em 1949 (DOLL JR, 1997) - foi desenvolvido posteriormente
por outros autores que focam o currculo nos objetivos com~ortamentais amparados na psicologia comportamentalista ou behaviorismo
(SANTOIVI, 1995), principalmente no Brasil (SAVIANI, 2008). A corrente behaviorista influencia significativamente as prticas curricula---.
res atuais. A essas teorias atribui-se o rtulo de tradicionais, pois se
preocupam essencialmente com a reproduo social.
A corrente tradicional encontra como opositora a corrente crtica
que sofre forte influncia de tericos cuja fonte de inspirao tem sua
origem na teoria marxista, mudando o foco do curriculo da psicologia da aprendizagem para discusses que envolvem mais os aspectos
scio-culturais (MOREIRA, 1999). A inspirao deste movimento adquire forte influncia dos movimentos sociais que eclodem pelo mundo no final da dcada de 1960. A esse respeito, Cambi (1999, p. 617)
pondera que:

porm esta distinta da destinada as elites, ou seia, a existncia de


duas escolas, uma para a elite e outra para o proletariado, torna-se
uma necessidade econmica. Tal situao amplamente discutida na
literatura educacional, principalmente por autores que discutem a reproduo social (SILVA, 2007).
Observa-se que a sistematizao do currculo relacionando-se
com as necessidades da produo industrial, no que diz respeito as selees de contedos, ocorreu a partir das primeiras dcadas do sculo
XX (SANTOME, 1998). Buscando adaptar-se ao novo mundo que se
torna cada vez mais industrial, tericos como Bobbit e John Dewey
propem a organizao do curriculo observando as mudanas que vinham ocorrendo nas relaes de produo. Com Bobbit, percebe-se
uma forma de considerar o currculo centrando-se em uma perspectiva tcnica onde se preocupa com sua sistematizao de forma cientfica e "neutra" (SANTOM, 1995). Silva (2007, p. 24) considera que:

- -

Na perspectiva de Bobbit, a questo do currculo se transforma numa questo de organizao. O currculo simplesmente unla mecnica. A atividade supostamente cientfica
do especialista em currculo no passa de uma atividade burocrtica [.I o currculo se resume a uma questo de desenvolvimento, a uma questo tcnica.
Silva (2007) ainda afirma que o currculo deve sua atual forma
a sistematizao estruturada por Bobbit. Pedra (1997) observa que
Dewey, na mesma poca, porm alguns anos antes de Bobbit, tambm introduz importante preocupao com o currculo - a valorizao dos interesses do aluno - preponderando o enfoque psicolgico.
levando-o a uma perspectiva individualista. Ambos os autores, em sua
essncia, estavam preocupados em atender a demanda de mo-deobra que surgia com as diferentes relaes que a industrializao provocava. Neste caminho, Dewey torna-se precursor do que veio a ser
denominado no Brasil de escolanovismo, que se tornou u m movimento de forte influncia no pensamento curricular nacional; e Bobbit,
por sua vez, inspirou o que mais tarde (a partir de Ralph Tyler) veio
a se denominar de tecnicisrno pedaggico (MOREIRA; SILVA, 2005;
SAVIANI, 2008).

Os movimentos de 1968, estudantis, polticos, culturais, ati-

varam um processo que foi, ao mesnio tempo, uma "revoluo cultural" e uma "revolta juvenil", que invadiram a sociedade, atravessaram as ideologias, envolveram as instituies,
bem como os saberes e, sobretudo, os lugares onde estes se
elaboram e se aprendem (as escolas, as universidades). Iniciado nos campi universitrios americanos, depois disseminados
na Europa, na Alemanha, na Itlia e sobretudo na Frana,
tais movimentos deram lugar a uma fogueira ideolgico-cul-

tural inspirada nos pensamentos "dos trs M" (Marx, Mao,


Marcuse), orientada segundo os princpios do marxismo revolucionrio, mas tambm segundo inspiraes anrquicas,
referncias trotskistas a "revoluo permanente", comportamentos de extremismo contrrios tanto ao reforrnismo socialdemocrata quanto aos comunismos bloqueados dos pases do
Leste [europeu].Yeste cadinho de pensamento revolucionrio relana-se o primado do poltico e, portanto, a crtica a
ideologia dos saberes e das instituies sociais, para operar
uma renovao radical da sociedade, que se nutra das tenses
da utopia.
No Brasil, tal perodo coincide com o pice do Regime Militar
(GERMANO, 1994) que provoca forte censura a entrada dessas teorias

38

DIMENS~ES
PEDAG~GICAS
E POL~TICAS

CURR~CULO
ESCOLAR

no pais. Autores franceses como Althusser, Bourdieu & Passeron e


Baudelot & Establet tornam-se crticos da reproduo social provocada pela escola. Posteriormente, surge na Inglaterra um movimento
crtico denominado "Nova Sociologia da Educao" que tem como
precursor Michael Young, fundando uma escola de pensamento que
evoca as categorias sociais como elementos fundamentais na anlise
e prtica curricular. Seguem esta linha de pensamento autores como
Bernstein, Bowles & Gintis, Pinar & Grumct, Apple, dentre outros
(SILVA, 2007).
Este grupo, principalmente seus precursores, foi criticado e m razo do imobilismo e pessimismo provocados por suas teorias, considerando-os critico-reprodutivistas. O principal argumcnto para tal constatao a observao de que estes pouco encaminhavam solues
para as relaes de dominao apontadas em suas teorias, encerrando
a sociedade em duas classes: dominantes (donos dos meios de produo) e dominados (proletariado - donos da fora de trabalho - que so
explorados). A principal denncia apresentada por esses tericos a
1
utilizao da escola como aparelho reprodutor dos ideais capitalistas e
de subservincia acrtica aos dominados (MOREIRA, 1999a).
I
Silva (2007) apresenta uma corrente mais atual na perspectiva
curricular que se preocupa com questes sociais, alm das relaes de j1
produo que se refletem nas escolas. As principais questes abordadas por estes grupos, que o autor denominou de ps-crticos, so as referentes a questes multiculturais, que se preocupain com as minorias
(iiegros, mulheres, homossexuais) rejeitando o foco liberal de igualdade entre culturas e, ao mesmo tempo, denunciando uma "falsa esquerh:
da" que no se importa com o silenciamento de determinadas culturas
em relao as que se declaram dominantes (MOREIRA, 1999b).
Nesta perspectiva, a seleo de contedos toma-se um campo de disputas onde "as culturas ou vozes dos gmpos sociais minoritrios e/ou marginalizados que no dispem de estruturas de poder, costumam ser silenciadas,
quando no estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de
,
p. 161). Essa disputa de poder, ao contrrio da
reao" ( S A N ~ M 1995,
constatao dos tericos crticos (principalmente aos identificados como repi-odutivistas)njo unilateral, ou seja, mesmo as culturas minontarias possuem formas de poder. Tal afirmao ganha fora a partir do conceito de

39

circularidade ou capilaridade do poder preconizada por Foucault (1979).Os


tericos ps-crticos passam a conceber o cun-culo como uma construo
onde cssas vozes acabam por influenci-lo.
Ouestes de gnero e raa ou etnia desvclam a necessidade de
dar lugar as mltiplas culturas que formam nossa sociedade. A tolerncia no pode ser mais a bandeira de aceno para a convivncia multicultural e perceber que no existe a possibilidade de existncia de uma
cultura nacional pura (HALL, 2001).
A tentao de supresso das culturas minoritarias vem se acirrando a partir de um fenmeno que se denominou de globalizaco,
pois cada vez menos culturas buscam dominar espaos ocupados por
mltiplos pensamentos e identidades culturais. Ao inesmo tempo em
que a escola denunciada como agente deste processo massificador,
torna-se um forte instrumento que pode ser utilizado pela sociedade
para difundir as mltiplas culturas existentes e oportunizar a voz e vez
dessas minorias (SILVA, 2007; MOREIRA, 1999; SANTOME, 1995).
No Brasil, as correntes tradicionais, crticas e ps-criticas apresentam-se presentes no pensamento curricular nacional. Notadamente,
esse comportamento coincide com as relaes de produo existentes
durante o transcorrer do sculo XX at os dias atuais, no muito diferentes das tendncias mundiais apresentadas.
L4tualmente, as prticas curriculares, observando estudo apresentado por Lopes & Macedo (2002) que caracterizam, na poca, os
grupos de pesquisa em currculo no Brasil e suas contribuies, apresentam trs linhas principais: perspectiva ps-estruturalista; currculo
em redes; e a histria do currculo e a constituio do conhecimento
escolar. Apontam a coexistncia de discursos inseridos na ps-modernidade (teorias ps-crticas do curriculo) com outros apresentados sob
influncia das tendncias tradicionais e crticas.
4 s principais correntes tradicionais que influenciam o pensamento curricular no Brasil so o escolanovismo de Dewey e o Tecnicismo
de Bobbit (apud SAVIANI, 2008) que se materializam num discurso de
um currculo nacional:

definido pelo Estado central e construdo seguiido uma du~ l lgica,


a
ligada a abordagem por competiicias e preocupada com a avaliao rigorosa; uma burocracia seriamente

2,

a03
2

,4,

> ?

I,

.o

oa?.

29 20
g' (o Fk
P 3 3 *

a g e

qa&. 2
a
'
do
" O S "

3-s

-5 . 0

3 "
" O
N 7
"c.
g g ""'
2 gy 0

n,,

Zr,

ZEi

o-."
ei d
o as
w'd 2 "
o ggFg

$3E

2. E
a

3 Ei
,,a
:%

zg.",:a

" Q T Y E

2
8 3 E
"' "'
"- ar ., & %
0
vi
a ? O
'da0 3
c. 2 (o +g, O

0s

30,QIO

6.0s

xa

o 3

y8

?O.

2 ,,
ni

z.8

c
y
g

?.a80

o
?

O r o

.Ia5

g.5 6 E;g-?.E.c,,

*z5'
E.0

2'3 w 3
ni n
0s n -.s3
~s Z E . 8 ,

@ ,.ao

DI

ae~
e

5~

8
a

gm$g3E3

g
3, G G

w.2
3 0 W ~ .
3 % C P a3 C
E g w 3 n CP n

c0

2.k.CdO

E&"
V: a O.%
v: 3 ' : ' . a 3
w o
oz:=.

3 W g 5 ' o g>
,E 3
O.

W % n i ,-.o

g ~ n ; g ~3 z

a o

2$3

,,l 2. l y:
, 2.22 a
"

g s

42

CURR~CULO
ESCOLAR

es prticas. A aquisio desses procedimentos est alm


da esfera das relaes de poder e de seus posicionamentos
diferenciais e desiguais, ainda q u e a forma que essas realizaes possam assumir no esteja claramente fora das relaes
de poder. Nessa perspectiva, os procedimentos que constituem uma determinada competncia podem ser considerados como sociais: a negociao da ordem social como prtica, estruturao cognitiva, aquisio da linguagem e novas
elaboraes culturais com base nas que existiam. (BERNSTEIN, 2003, p. 77)

Assim, Bernstein (2003) apresenta comparao entre dois modelos pedaggicos (competncia e desempenho) denominando sua sntese de conhecimento recontextualizado. Ao modelo de competncia
associou as pedagogias invisveis (currculo fortemente classificado) e
ao modelo de desempenho as pedagogias visveis (currculo fracamente classificado), que correspondem respectivamente as pedagogias tradicionais e progressistas, estas ltimas, mais prxima as pedagogias
no diretivas.
Em Bernstein (2003), encontramos um autor que se utiliza do
discurso da competncia de forma crtica. Portanto, no possvel generalizar o termo competncia, dentro do discurso educacional, como
tradicional e ou voltado apenas para a dominao. Ento, Macedo
(2002) ao apresentar suas observaes acerca do discurso curricular
nacional com relao a competncia, demonstra que este discurso,
mesmo que aparentemente ideolgico, pode ser usado de forma crtica para a emancipao cidad.
Silva (2008) assevera que o discurso educacional por competncias alia-se a&idiscurso hegemnico dominante onde
A noo de competncias tomada como prescrio nuclear da organizao curricular, favorecida tambm e m virtude
de sua proximidade com a idia de competio e competitividade. O carter a-histrico de suas formulaes originais
facilmente se articula ao discurso das novas demandas de
formao para o trabalho, bases das justificativas da reorientao curricular. (p. 145).

A autora refere-se a reforma curricular nacional ocorrida na dcada de 90. Embora a perspectiva de Silva encerre o discurso de compe-

DIMENSOESPEDAGGICASE POL~TICAS

43

tncias numa perspectiva reprodutora e aliada ao pensamento tradicional, observa-se que o uso do termo competncia, mesmo existindo
possibilidades de resistncia, concorre para a manuteno do discurso
dominante, pendendo para este ltimo. A autora ainda critica os documentos oficiais, dentre eles os PCNEM que, por exemplo:
Para a rea de Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias, estas
ultimas adquirem u m sentido mais utilitarista e superficial
quando se prope sua incluso n o currculo com o fim de
"aplicar as tecnologias da comunicao" o u "entender o impacto das tecnologias de comunicao". No se requer, por
exemplo, a competncia de problematizar a gnese de tais
tecnologias e as implicaes polticas, econmicas e culturais dessa disseminao. (SILVA, 2008, p. 139) [grifos da autora].

A competncia profissional, dessa forma, passa a ser um discurso


parcial a servio de interesses particulares, sofrendo disputas mesmo
dentro dos meios produtivos atendo-se apenas a sua parte no crtica.
Ao contrrio, a mesma seria de grande valia para desvelar as problematizaes que a autora cita em relao s tecnologias e seu contexto
curricular. Diante deste cenrio, especificamente o brasileiro, buscouse discutir acerca de um tipo especfico de competncia, a leitora, em
um cenrio de educao profissional (ROSTAS, 2009). Para tanto,
recorreu-se aos documentos oficiais que preconizam o currculo nesta
rea do conhecimento.

3 COMPETNCIAS,COMPETNCIALEITORA E A
EDUCAO PROFISSIONAL - UM ESTUDO NO IFMA
Em estudo realizado no Instituto Federal de Educao, Cincia
e Tecnologia do Maranho - IFMA (ROSTAS, 2009), buscou-se analisar o planejamento dos docentes de Lngua Portuguesa1 objetivando identificar sua prtica no que diz respeito ao desenvolvimento de
competncia leitora, a luz dos indicadores estabelecidos no Exame
Nacional do Ensino Mdio - ENEM. Ao recorrer aos documentos de

' Do universo de 6 (seis) docentes que atuam em 14 (quatorze) turmas de cursos tcnicos
integrados ao Ensino Mdio, 5 (cinco) participaram da pesquisa.

44

DIMENSES
PEDAGGICAS
E POL~TICAS

CURR~CULO
ESCOLAR

planejamento da instituio, encontrou-se um instrumento generalizante denominado Mapa Geral de Competncias2 onde estas eram
apresentadas de forma repetitiva, ou seja, uma mesma competncia
era perseguida repetidamente nos trs anos letivos do Ensino Mdio,
porm no foi possvel observar a forma como eram trabalhados os
contedos correspondentes a estas competncias, limitando uma anlise quanto a provvel tratamento dessas competncias em relao a
srie e sua complexidade. Esta situao fora observada nas turmas de
Ensino Mdio integradas3a educao profissional. A fim de explicitar
tal situao, foi elaborado um quadro com a sntese do referido mapa
para o eixo de formao "textualidade", utilizado nos planejamentos
dos docentes da rea de Lngua Portuguesa.
Mesmo considerando as competncias como gerais, verificam-se as "evidncias" traduzidas como comportamentos observveis
que, tambm se repetem para os trs anos de oferta do curso. Estes
comportamentos e/ou evidncias de aprendizagem demonstram caractersticas mais voltadas para conhecimentos conceituais e procedimentais, este ltimo aparece sem muita nfase. Na ltima evidncia:
"Identifica as regularidades das diferentes variedades Lingusticas, reconhecendo os valores sociais a elas associadas, para us-las de forma
adequada nas situaes de interao social" (ROSTAS, 2009, p. 157).
Ao analisar tal evidncia, percebe-se ainda o termo "forma adequada"
como sendo a norma culta, Tal documento apresenta indcios, pelo
menos em sua forma, de constituir-se e m um instrumento que possa
vir (ou no) a alinhar-se com as perspectivas crticas do currculo ou
oferecer subsdjos para uma educao emancipadora de forma intencional, pois remete-se ao reconhecimento de "valores sociais".

' Documento utilizado como matriz para o planejamento

curricular na disciplina Lngua


Portuguesa, elaborado pelos docentes pertencentes ao Departamento Acadmico de Letras
- DAL do IFMA.
A integrao com a educao profissional d-se em turmas que recebem ao mesmo tempo a
educao propedutica relativa ao Ensino Mdio e a educao profissional. Participaram
da pesquisa os docentes que atuam nos cursos tcnicos em: Design Grfico, Design de
Produtos, Eletrotcnica, Eletrnica, Informtica, Alimentos e Telecomunicaes. Estas
turmas so de alunos que ingressaram no ano de 2009.

45

Quadro 1 -Sntese das competncias e evidncias -Eixo: Textualidade


Eixo Srie

Competncias

Evidncias
Analisa enunciados textuais a partir de diferentes
nveis de estruturao da lngua: fontico, morfolgico,
sinttico e semntico

Compreender, produzir e analisar


textos orais e escritos em
Lnqua Portuquesa, nas diversas

Analisa recursos e mecanismos verbais, grficos e


figurativos de construo do hipertexto

vrios discursos que circulam na


prtica social.
Lingusticas, reconhecendo os valores sociais a elas
associadas, para us-las de forma adequada nas
situaes de interao social
I

I I
II

( Compreender, produzir e analisar I


2a
e
3a

textos orais e escritos em


Lngua Portuguesa, nas diversas
situaes de interao sciocomunicativa, considerando
tanto as prticas discursivas em
geral como as especificidades
de gneros textuais utilizados na
rea profissional de ...

Analisa enunciados textuais a partir de diferentes


nveis de estruturao da lngua: fontico, morfolgico,
sinttico e semntico;
Analisa recursos e mecanismos verbais, grficos e
figurativos de construo do hipertexto;
Identifica caractersticas dos diferentes gneros
textuais em funo do universo temtico e da forma
de estruturao;
Identifica as regularidades das diferentes variedades
Lingusticas, reconhecendo os valores sociais a elas
associadas, para us-las de forma adequada nas
situaes de interao social.

Fonte: Rostas (2009, p. 156)

Mesmo tomando como referncia a interpretao de Perrenoud


para o termo competncia: "capacidade de mobilizar diversos recursos
cognitivos para enfrentar um tipo de situao" (2000, p. 15), percebese que necessariamente ao estipular competncias a serem alcanadas
para mensurar a aprendizagem dos alunos, estruturam-se situaes de
aprendizagem em que devam ser alcanadas as competncias. Assim,
uma vez alcanada uma competncia, esta j se encontra contemplada. Portanto, o que se verificou no estudo (ROSTAS, 2009) que o

planejamento dos docentes necessitava de reviso ou, pelo menos, um


aprofundamento sobre as temticas. Neste caso, os professores informaram realizar planejamento detalhado, inclusive interdisciplinar, porm no houve acesso a outros documentos, ou mesmo declaraes
destes, que explicitassem com clareza suas prticas.
Com relao a interdisciplinaridade, o estudo evidenciou que,
embora o texto do documento deixe em aberto a rea de conhecimen- i
to especfica de cada curso no que se trate da competncia textual i
(dentro dela est inserida a competncia leitora), as prticas declaradas I,
no discurso docente (atravs de questionrios aplicados) evidenciam
i
um distanciamento do discurso interdisciplinar. O que os docentes 1
declaram como prtica interdisciplinar suscita dvidas. Nesse sentido,
observou-se que
I

coniza a contextualizao como necessria para a prtica curricular.


Da mesma forma, a contextualizao est implcita no discurso, mas
falta sua materialidade nos documentos de planejamento do espao
em estudo.
Apesar disto, h uma evidente contradio quando se constatou
que o IFMA apresenta

[..I

ndices d e proficincia, avaliados pelo ENEM, acima da


mdia regional, tem-se que esta instituio equipara-se com
as grandes escolas privadas tidas como centro d e excelncia. No final do ms d e abril de 2009, o INEP apresentou
os resultados do E N E M 2008. No mbito estadual, o IFMA
aparece e m 9' lugar no ranking4, com uma mdia geral de
64,5 pontos, acima da mdia nacional5 (49,5). Isso demonstra que o caminho percorrido pelos docentes se dirige para
os padres impostos para o exame, mesmo no explicitando
isso em seus planos ou documentos gerais. (ROSTAS, 2009,
p. 166).

[...] Tal enfoque desperta uma dvida em relao a prtica docente, pois na questo 07, por exemplo, ao serem questionados
se utilizam textos de livros de disciplinas tcnicas ou de outras
reas do conhecimento, nenhum informou utilizar com frequncia, o que pode se tornar uma contradio, pois se propem
institucionalmente e m focar os gneros inerentes a profisso e
fazem pouco uso (ou chegam a no utilizar - Professor 6) dos
materiais que podem aproximar os alunos desse gnero discursivo que lhe ser necessrio durante o seu desenvolvimento no
curso profissionalizante e, posteriormente, em sua vida profissional. (ROSTAS,2009, p. 155-6).

Embora os documentos oficiais (PCNEM) e o discurso dos docentes valorizem a prtica interdisciplinar, respostas como esta acima
demonstraraqo quo distante a prtica docente da interdisciplinaridade concebida por Santom (1998, p. 73) como:

C..] algo diferente, que rene estudos complementares de diversos especialistas em um contexto de estudo de mbito mais
coletivo. A interdisciplinaridade implica em uma vontade e
compromisso de elaborar u m contexto mais geral, no qual cada
uma das disciplinas em contato so por sua vez modificadas e
passam a depender claramente umas das outras.
Se h uma inteno de praticar a interdisciplinaridade, ela no
evidenciada. Alm disso, o discurso oficial (PCNEM) tambm pre-

Como relatado, h uma contradio entre o percebido no desempenho dos alunos egressos desses cursos - refletido resultados acima
da mdia regional e nacional no ENEM - e o planejamento que no
se encontrava plenamente elaborado conforme as necessidades de um
documento deste porte em conjunto com o que se verificou nas entrevistas dos docentes - no possuem unidade nas suas prticas de
ensino -,os resultados do exame nacional apontam para uma prtica
que oportuniza bons resultados.
Tal situao evidencia um comportamento caracterstico do currculo, pois este se constitui em um
elo entre a declarao d e princpios gerais e sua traduo
operacional, entre a teoria educacional e a prtica pedaggica, entre o planejamento e a ao, entre o que prescrito
o currculo
e o que realmente sucede nas salas de aula
traduz e concretiza a orientao do sistema educacional.
(COLL, 1999, p. 33-34).

[..I

Disponvel em <http://i1nirante.globo.com/noticias/pagina197907.shtml> Acesso em:


06/05/2009.

Disponvel

em

06/05/2009.

~http://mediasenem.mec.gov.br/enen~MediasEscoa/
Acesso

em:

48

CURR~CULO
ESCOLAR

Por ser este elo, o planejamento faz parte do currculo maior que
o projeto pedaggico do curso, que os professores declararam, a exceo de um, utilizar como referncia para seu planejamento individual (ROSTAS, 2009). Dessa forma, percebe-se que o planejamento da
disciplina foca o contedo, secundarizando o contexto de formao
profissional.
O fato de a disciplina Lngua Portuguesa ter sido objeto desta
anlise no encerra somente a ela a responsabilidade do desenvolvimento da competncia leitora, tal realizao conta com a colaborao
de outras disciplinas, inclusive as profissionalizantes. Assim, atribuir
sucesso ou fracasso na consecuo da competncia leitora somente
aos docentes de Lngua Portuguesa seria um erro metodolgico, porm reconhece-se sua participao neste caminho.
Com relao s prticas dos docentes, percebe-se certa fragmentao do currculo, ou sua forte classificao (BERNSTEIN, 2003),
pois, apesar clos docentes reconhecerem vantagem e m lecionar e m
cursos tcnicos onde possvel buscar mais facilmente a contextualizao dos contedos, ao serem indagados se utilizam textos das
disciplinas profissionalizantes para as atividades de leitura e interpretao, nenhum docente declarou fazer uso dessa prtica com frequncia (ROSTAS, 2009). Isto demonstra o isolamento da disciplina
em relao as demais, evidenciando a prtica disciplinar fortemente
classificada.
A prtica docente analisada atravs clos questionrios aplicados
no pde ser identificada dentro de uma [nica] das correntes do currculo (tradicional, crtica ou ps-crtica), o comportamento observado
no planejamento e a forte classificao do currculo evidenciada pelo
exposto revelam uma maior aproximao das prticas consideradas
tradicionais. Porm a pesquisa verificou que

tico (SAVIANI, 2008). Portanto, no foi possvel perceber


tal criticidade no discurso expresso tanto nos questionrios
quanto no texto do "documento geral': (ROSTAS,2009, p.

165-166).

Mesmo considerando a prtica destes docentes como tendendo a


corrente tradicional do pensamento curricular, o que o estudo trouxe
de evidncia foi o desempenho dos alunos do IFMA acima da mdia,
tanto regional como nacional, no ENEM, sendo uma contradio, percebe-se ento, que uma prtica no pode ser enquadrada como "pura"
numa classificao do currculo. Dessa forma, o hibridismo (MOREIRA; MACEDO, 1999) que se observa no discurso oficial acaba sendo
refletido na prtica.

4 CONSIDERAESFINAIS
I

O comportamento observado nas respostas dos question-

Conclui-se que uma prtica tradicional ou um currculo fortemente classificado produzem resultados positivos, mas estes podem
no estar cumprindo o papel maior da educao, que o de contribuir
com o processo de libertao da sociedade da explorao (FREIRE,
1987). Os resultados apontados pelo ENEM, embora baseados tambm e m questes crticas do currculo, so estruturados segundo a
lgica do mercado (SANTOM, 1998; LOPES, 2002) e perdem muito
de seu potencial crtico.
Ento, diante do discurso das competncias, observa-se que h
uma ideologia oculta por trs deste novo discurso. Com relao a competncia leitora, observa-se que o exemplo de instrumento de planejamento apresentado est longe de provocar reflexes nos alunos, pois
converge para o discurso capitalista e, consequentemente, individualista que o "mercado" proporciona.
Com relao a esse individualismo, percebe-se nas pedagogias
tradicionais sua fonte, por exemplo, a

rios e, pi-incipalmente, na anlise dos documentos gerais,


demonstra que no h uma clara compreenso do que seja
competncia por parte dos professores. A simples repetio
das competncias pode levar a u m entendimento d e que
estas podem ser retomadas a cada ano letivo. A repetio
proporciona o trabalho mecnico, consequentemente, acr-

[...I A pedagogia ativa [de Dewey, entre outros], centrada no


indivduo, produz seres egostas que facilmente podem ser
cooptados lgica escolstica, pois facilmente se contaminam pela iluso. Urge ento uma pedagogia libertaria que
busque a construo coletiva e no individual. Na mo con-

h.

5O

CURR~CULO
ESCOLAR

DIMENSES
PEDAGGICASE POL~TICAS

trria deste pensamento, o discurso dominante prescreve


adaptao ao mercado e a ordem. O discurso predominante
o de "competncia para o mercado de trabalho".
(SOUSA; ROSTAS, 2008, p. 21).

[..I

Esta pedagogia libertaria no aparece claramente nos documentos oficiais e na prtica dos docentes observados no estudo (ROSTAS,
2009). O que se percebe, ento, o curriculo fortemente classificado
que colabora para a alienao. De certa maneira, o sucesso dos alunos no ENEM, que hoje porta de entrada para a educao superior
pblica e gratuita, traz em seu contexto a possibilidade de criar maiores oportunidades de emprego e renda, mas com relao a sua viso
crtica, no possvel afirmar o mesmo, pois o estudo no encontrou
elerrientos explcitos para esta possibilidade.

51

GERMANO, Jos Willington. Estado militar e educao no Brasil. 2.


ed. So Paulo: Cortez, 1994.
HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. 5. ed. Rio
de Janeiro: DP&A, 2001.
LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elisabeth. O pensamento
curricular no Brasil. In: LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elisabeth
(Orgs.).Currculo: debates contemporneos. So Paulo: Cortez, 2002.
p. 13-54- (Srie cultura, memria e currculo, 2)
LOPES, Alice Casimiro. Parmetros curriculares para o ensino mdio:
quando a integrao perde seu potencial crtico. In: LOPES, Alice
Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Disciplinas e integrao curricular:
histria e polticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 145-176.
LYWARD, Jean-Franois. A condio ps-moderna. 10. ed. Rio de
Janeiro: Jos Olympio, 2008.

REFERNCIAS
BERNSTEIN, Basil. A pedagogizao do conhecimento: estudos
sobre recontextualizao. Cadernos de Pesquisa. 2003,n.120, pp. 75110.
BRASIL. Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio
- PCNEM. Braslia, DF: MEC - Secretaria de Educao Mdia e
Tecnolgica, 1999.
CAMBI, Franco. Histria da pedagogia. Traduo de lvaro
Lorencini. So Paulo: Editora UNESP, 1999.
COLL, Csar. Psicologia e currculo: uma aproximao
psicopedag6gica i elaborao do currculo escolar. So Paulo: tica,
1999.
CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionrio etimolgico Nova
Fronteira da lngua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986.
FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Edies
Graal, 1979.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido.
Paz e Terra, 1987.

17. ed. - Rio de Janeiro:

MACEDO, Elizabeth. Currculo e competncias. In: LOPES, Alice


Casimiro; MACEDO, Elizabeth (Orgs.). Disciplinas e integrao
curricular: histria e polticas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 115-143.
MOREIRA, Antonio Flvio B. Multiculturalismo, currculo e formao
de professores. In: MOREIRA, Antonio Flavio B. (Org.) Currculo:
polticas e prticas. Campinas: Papirus, 1999. p. 81-96
MOREIRA, Antonio Flvio B; MACEDO, Elisabeth. Faz sentido
ainda o conceito de transferncia cultural? In: MOREIRA, Antonio
Flavio B. (Org.). Currculo: polticas e prticas. Campinas: Papirus,
1999. p. 11-28
MOREIRA, Antonio Flvio B. A crise da teoria curricular crtica.
In: COSTA, Marisa Vorraber (Org.) O currculo nos limiares
contemporneos. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999b. p. 11-36.
MOREIRA, Antonio Flvio B; SILVA, Tomaz Tadeu da. Sociologia e
teoria crtica do currculo: uma introduo. In: MOREIRA, Antonio
Flavio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da (orgs.). Currculo, cultura e
sociedade. 8. ed. So Paulo: Cortez, 2005.
PACHECO, Jos Augusto. Polticas curriculares: referenciais para
anlise. Porto Alegre: Artmed, 2003.

52

CURR~CULO
ESCOLAR

PEDRA,JosAlberto. Currculo, conhecimento e suas representaes.


Carnpirias: Papirus, 1997.
PERRENOUD, Philippe. Dez novas coiiipetilcias para eilsiilar.
Porto Alegre: Artes Mdicas Sul, 2000.

C O N ~ R ~ ~ ~ U
DO
~ CURRICULO
~ O E S
PARA A FORMAAO
E A PROFISSIONALIZAAO
DOCENTE

ROSTAS, Guilherme R. O desenvolvimento d e cornpetilcias para


a leitura e interpretao de textos n o Ensino Mdio, na rea de
Lngua Portuguesa. So Luis: Dissertao de Mestrado - Universidade
Federal clo hlaranho - UFMA, 2009.

Maria de Ftima R. ?i Lauande


Alda Maria Duarte Arajo de Castro

SANTOM, Jurjo Torres. O curriculum oculto. Porto: Porto Editora,


1995.
SANTOM, Jurjo Torres. Globalizao e interdisciplinaridade: o
currculo integrado. Porto Alegre: Editora Artes Mdicas Sul, 1998.
SAVIANI, Dermeval. Histria das idias pedaggicas iio Brasil. 2.
ed. rev. e ampl. Campinas: Autores Associados, 2008.
STIYA, Mnica Ribeiro da. Currculo e competncias: a formao
administrada. So Paulo: Cortez, 2008.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos d e identidade: uma introduo
s teorias do currculo. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2007.
SOUSA, Antonio Paulino de; ROSTAS, Guilherme R. Crtica a razo
escolstica. In: SOUSA, Antonio Paulino; VASCONCELOS, Jos
Geraldo (orgs.). A filosofia moderna. Fortaleza: Edices UFC, 2008.
p. 13-26.

Na atualidade, os currculos de formao docente tm assumido a forma exigida pelas transformaes ocorridas na economia ocasionadas pelo desenvolvimento de novas tcnicas de produo e pelo
processo de globalizao. Esse cenrio originou polticas educacionais
que retrataram, nas suas diretrizes, a nfase da lgica mercadolgica
em detrimento da lgica social, colocando a educao sistematizada
sob a gide da racionalidade do universo econmico.
No Brasil de hoje, a profissionalizao do trabalho docente passa a ser o assunto dominante na definio do processo de formao
do professor, percebido, nesse momento, como iIm profissional e no
mais como um mero transmissor de conhecimento. Essa a nova
perspectiva que coloca a formao de professores, para alm daquela
centrada na obteno de saberes acadmicos e disciplinares e numa
racionalidade externa a eles.
Neste captulo, analisamos as abordagens conceituais de currculo fazendo uma retrospectiva da sua dimenso histrica, em diferentes
momentos contextuais. Por fim, analisamos as atuais contribuies do
currculo para a formao e a profissionalizao docente.

1 ABORDAGENS CONCEITUAIS DE CURR~CULO:um


estudo a partir da sua gnese
Sobre o tema currculo, produziram-se, nas ltimas dcadas do
sculo XX, conhecimentos que refletiram um grande campo de estudo e de pesquisa, com contribuies re1evantes"ai-a a compreenso
"it~iainos como uin dos estudos relevantes no cainpo do cui.rulo a classificao de
Macdonald, tendo como referncia a aplicao da teoria dos interesses de Haberinas

-.

O.

P,

2. g2.
R

3.

6')

"V

3-7
o

x,

z. 5.

V 3 E

6' E' e

&
o

Ej ,o.

z:"

".

3. FJ
J 8
y
e

"2.5-. w&

2 0 %

3$;

w w

UP,

6
&'
8-70

2, 2. g

$ R n o.
g -.

P,-

Z' 3.c
8 $ 2
" Y 2'

G g-:

, 6.g

aE )a" 2

"

1.
o 8 O

-'.
5. 3.

vi

g 0E

OEY

-$E!.."$
c.O

?a

mm

""09

56

CURR~CULO
ESCOLAR

O modelo curricular concebido por Ralph Tyler, segundo Silva


(2004), centra-se em questes de organizao e desenvolvimento curricular e tal com em Bobbitt o currculo uma questo de tcnica. Embora Bobbitt e Tyler apresentassem enfoques especficos, eles tinham
um ponto em comum - o mundo do trabalho como eixo integrador
da escola com a sociedade. Bobbitt enfatizava a eficincia burocrtica
na administrao escolar atravs do planejamento e organizao do
currculo.
0 s modelos tecnocrticos, como os de Bobbitt e Tyler, e os modelos mais progressistas de curriculo, como os de Dewey, que emergiram
no incio do sculo XX, nos Estados Unidos, constituam, de certa forma, uma reao ao currculo clssico, humanista, que havia dominado ,
a educao secundria desde sua institucionalizao. Esse curriculo
era herdeiro do currculo das chamadas "artes liberais" que, vindo da
antiguidade clssica, se estabeleceu na educao universitria da Ida- 1
de Mdia e do Renascimento. Obviamente, o currculo clssico humanista tinha, trazia implcita, uma "teoria" do currculo. Basicamente, 1
nesse modelo, o objetivo era introduzir os estudantes ao repertrio das
grandes obras literrias e artsticas das heranas clssica grega e latina, 1
incluindo o domnio das respectivas lnguas.
Fundamentando-nos nos estudos realizados, podemos situar os
modelos de currculo que encontramos em Bobbitt (1918),Tyler (1949)
e at mesmo o "modelo progressista" de Dewey (1902), no mbito das
cincias emprico-experimentais, fundamentadas no positivismo. Esses modelos de currculo no estavam preocupados em fazer qualquer
tipo de questionamento relativo aos arranjos econmicos, sociais e
educacionais existentes. As formas dominantes de conhecimento, ou
a forma social dominante no eram pontos de reflexo nos projetos
curriculares. Ao tomar o status quo como parmetro desejvel, as teorias tradicionais de currculo se preocupavam com as formas de organizar e elaborar o curriculo; restringiam-se a atividade tcnica de
como fazer o currculo. A forma de se trabalhar o conhecimento no
mbito dessa concepo curricular tem servido muito mais a lgica
acumulativa e excludente do capital do que proposio de melhores condies de vida. O interesse prtico desse tipo de currculo, e
do conhecimento que vinculado relaciona-se ao desenvolvimento

tcnico-cientfico da sociedade. Em nome do progresso, do desenvolvimento social, constri-se uma viso cientfica das relaes sociais e
das relaes de produo, tendo como consequncia o emprego de
tcnicas atravs das quais se controlam todas as variveis do processo
educativo, econmico e social.
Nos anos 1970, apareceram livros, ensaios, textos tericos que puseram em dvida o mrito do pensamento e a estrutura organizacional
da educao liberal de tendncias: tecnicista (defesa da escola eficaz)
e humanista (liberdade na escola). Esses textos procuravam ir alm
do paradigma tradicional e revelavam a funo ideolgica desempenhada pelo currculo. Evidenciavam o carter de aceitao, ajuste e
adaptao, das tendncias tradicionais de currculo. Nenhuma dessas
tendncias questionava a estrutura da sociedade capitalista, tampouco
o papel da escola na manuteno e preservao dessa sociedade. Os
textos surgidos, ento, revelavam autores em oposio a ordem que
aceita as injustias, as desigualdades sociais. Entre esses autores, podemos destacar (YOUNG, 1984); (GIROUX, 1983); (ALTHUSSER,
1971); (APPLE, 1982). Esses autores denunciavam o papel da escola
e do curriculo na reproduo da estrutura social. A ideia era propagar
a construo de uma escola e um currculo que correspondessem aos
interesses dos grupos dominados.
Segundo Moreira (1990), os estudos de Michael Apple e Henry
Giroux (representantes americanos da tendncia crtica curricular),
num primeiro momento, apontavam para a anlise da relao entre
economia, estado, ideologia, poder e cultura. Isso mostrava o avano
dessa abordagem em relao as anteriores, consideradas por eles conservadoras pela postura acrtica em relao a situao socioeconmica, a poca. Acreditavam que, analisando de forma crtica as prticas
curriculares, seria possvel transp-las para o conjunto da sociedade, e
assim, promover a mudana nas atitudes, nas conscincias.
Tericos dessa linha de pensamento, como Henry Giroux (1992),
Michael Apple (2006), buscavam identificar que fatores contribuam
para a excluso socioeconmica, poltica e cultural da maioria da populao. Com base nessas anlises, esses pesquisadores direcionaram
seus estudos para o currculo, com a finalidade de conhecer e desmistificar as influncias e mediaes da cultura, do poder, da resistncia,

58

CURR~CULO
ESCOLAR

da economia e da ideologia que acreditavam estarem presentes na sua


elaborao e operacionalizao. Ou seja, estavam preocupados com
o exame das relaes entre o currculo e todas essas dimenses que
permeiam a vida em sociedade.
Em concordncia com a crtica neomarxista, Michael Apple
(2006) elabora uma anlise crtica do currculo. Para ele, preciso identificarmos os vnculos que existem entre as estruturas econmicas e
sociais, j que elas so mediadas por processos que acontecem no campo da educao e do currculo e, a, so legalmente produzidos. "As teorias, diretrizes e prticas envolvidas na educao no so s tcnicas.
So intrinsecamente ticas e polticas" (APPLE, 2005, p. 41).
O que acontece na educao e no currculo no pode ser ingenuamente concludo como resultado do funcionamento puro e simples
da economia. Vrios outros fatores so determinantes desses acontecimentos. Nesse sentido, concordamos com Antonio Gramsci (1968)
quando analisa o campo social, como um campo eivado de contradies, no qual os grupos dominantes so obrigados a constantemente
recorrer a um processo bem elaborado de convencimento ideolgico
para manter e exercer seu domnio sobre os grupos dominados. nesse processo que o currculo se transforma em espao de transmisso
dos contedos culturais hegemnicos. assim que a dominao econmica se transforma em hegemonia cultural, em senso comum. Entendemos que o currculo tem papel preponderante na reproduo ou
na transformao da cultura e da sociedade.
Assim, entendemos que o currculo no um conjunto de conhecimentos neutros e desinteressados, mas so conhecimentos situados, datadot'historicamente e que esse um conjunto contestado e
conflituoso de prticas. A sua organizao resulta de um processo que
traduz os objetivos particulares das classes e grupos no poder. Essas
mltiplas determinaes que nos so postas requerem que o currculo
e a ao educativa promovam a necessidade de transformar essa realidade. O currculo no deve se limitar a disciplinas, a saberes que devero ser ensinados, que fazem da memorizao a sua base fundamental;
o ensino no deve estar divorciado da vida; a escola no dever estar
fechada para o mundo, perpetuando uma educao livresca e continuamente alheia as realidades que a circundam. A educao deve criar

DIMENS~ES
PEDAGGICASE POL~TICAS

59

condies que permitam as pessoas conferirem sentido e utilidade ao


que aprendem, compreenderem o mundo e trabalharem por uma sociedade cujos fundamentos democrticos sejam mais vividos.
Para a superao dos arranjos sociais dominantes, Giroux (1986)
evidencia a necessidade da resistncia via uma pedagogia e um currculo que contenham contedo politico e crtico, que possibilitem
aos indivduos se tornarem cnscios do poder e do controle exercidos
pelas instituies e estruturas sociais e trabalhem para transform-las.
Neles, as prticas curriculares so percebidas como prxis, no sentido
de formularem-se no movimento ao-reflexo-ao.
A concepo crtica sobre o curriculo toma como principal elemento de anlise os efeitos, os sentidos, os significados construdos
por meio das aes educativas.
As teorias crticas sobre o currculo, em contraste, comeam
por colocar em questo precisamente os pressupostos dos
presentes arranjos sociais e educacionais. As teorias crticas desconfiam do status quo, responsabilizando-o pelas
desigualdades e injustias sociais. [...I As teorias crticas so
teorias de desco fiana, questionamento e transformao radical (SILVA, 2004, p. 30).

O pensamento contemporneo coloca em questionamento as


narrativas crticas fundamentadas na teorizao marxista de currculo
sugerindo uma anlise textual de currculo. Assim, o currculo concebido como um texto entendido a partir dos seus significados culturais.
O curriculo deve fazer com que, na escola, se criem oportunidades do
exerccio de aes democrticas, de participao coletiva, de no s
pensar a contradio mas agir por contradio. Neste estudo, consolidamos a ideia de que os professores devem ser vistos como pessoas
ativas e envolvidas nas atividades de crtica, a servio da construo
da emancipao e da liberdade e no como tcnicos ou burocratas.
Nesse sentido, compreendemos o currculo como o espao politicopedaggico, processo ativo de construo e de validao de saberes,
vozes, cultura, normas e valores que produzem e reproduzem prticas
de construo do conhecimento nos diversos contextos.
Com efeito, ainda que a crena na emancipao possa parecer
incompatvel com alguns modelos vigentes de curriculo e que os mo-

CURR~CULO
ESCOLAR

conhecimentos, competncias e disposies, e que Ihes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu
ensino, do currculo e da escola, com o objetivo de melhorar
a qualidade de educao que os alunos recebem.

Nvoa (1995) defende a formao numa perspectiva crtico-reflexiva, o que exige um trabalho de reflexividade sobre as prticas e
sobre o papel do professor no sentido da recriao de uma identidade
pessoal. Portanto, a formao no se realiza pela juno de cursos. A
luz desse referencial, entendemos que O modelo de formao, prescrito nos documentos estudados (LDB no. 9.394/96; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao - DCN/ZOOl), ao considerar a
competncia, como base da organizao curricular, est reforando
a formao tcnica alm de sistematizar um processo de avaliao,
certificao de cursos, diplomas e competncias, sujeitando a formao a uma dimenso individual, sem considerar que, para o completo
desempenho profissional, so necessrios investimentos na formao
inicial, na formao continuada, nas atividades de pesquisa, nas condies de trabalho e nos planos de carreira e salrios; esse tambm o
entendimento da ANFOPE (2002).
Garcia (1999), ao estudar a formao de professores, sintetiza a
compreenso de outros tericos Menze (1980), Feiman (1983) e sistematiza uma teoria da formao que expressa o conceito de ao como
nuclear do processo. Nesse estudo, Garcia estabelece a existncia de
trs tendncias de formao: a primeira no aceita a utilizao de formao como conceito de linguagem tcnica em educao, pois as origens histricas e filosficas imprimem significaes que dificultam a
investigao sobre o tema. A segunda tendncia preconiza o conceito
de formao atravs do qual se identificam conceitos mltiplos e antagnicos. Nesse contexto, a formao no se limita a um campo especfico profissiopal, assumindo outras dimenses: formao sexual, formao ambienta1 A terceira tendncia a favor da utilizao do conceito
de formao, por considerar que a formao no um conceito geral
que envolva a educao e o ensino, tampouco est submetida a estes.
Para Garcia (1999, p. 26), a formao de professores

[..,I

e a rea de conhecimentos, investigao e de propostas

tericas e prticas que, no mbito da Didtica e da Orga.


nizao Escolar, estuda os processos atravs dos quais OS
professores em forinao ou em exerccio se implicavam
individualmente ou em equipe, eni experincias de apren.
dizagem atravs das quais adquirem ou melhoraram os seus

Esta concepo de formao nos remete ao Modelo de Formaco Emergente pensado por Ramalho, Nuiiez e Gauthier (2004). Com
esse entendimento de formao, Garcia (1999) institui sete principios
fundamentais para o desenvolvimento de um processo de formao:
entender a formao de professores como um processo continuo, que
se constitui de fases diferentes em relao ao contedo curricular
cujos principios eticos, didticos e pedaggicos devem ser mantidos;
integrar a formao de professores em processos de mudanas curriculares, compreendida como estratgia de melhoria do ensino; fazer
dos processos de formao um todo com o desenvolvimento organizacional da escola, espao de aprendizagem dos professores; integrar
a formao de professores aos contedos acadmicos, disciplinares e
pedaggicos; estimular a unidade entre teoria e prtica na formao
de professores; estabelecer coerncia entre a formao de professores
e as necessidades do trabalho que ir desenvolver; atender ao principio
da individualidade, devendo corresponder as expectativas e necessidades dos professores como pessoa e como profissional.
Ao analisarmos as contribuies de Garcia (1999) percebemos
que, do ponto de vista da aprendizagem dos professores, a nfase
colocada na necessidade de significao do conhecimento e da sua
construo. O contedo do processo de formao deve ter um carter instrumental servindo para resolver problemas, permitindo, assim,
construir um modelo de interveno.
Ao aprofundarmos estudoss sobre a formao docente, outras interpretaes nos permitiram reconhecer que a formao profissional
docente segue um continuo que em cada etapa a relao entre os objetivos, contedos e metodologias devem acontecer de forma a favorecer que os objetivos de cada fase se juntem num todo articulado.

8Te~ricoscomo: Gauthier (1997); Garcia (1992); Imbernn (2006); Libneo (2005); Nvoa
(1992); Perrenoud (2000); Schon (1994); Schtz (1987);Tardif (2000).

66

CURR~CULO
ESCOLAR

A formao inicial significa a preparao formal do docente


numa instituio. o comeo da socializao profissional (IMBERNN, 2006). o momento da internalizao de princpios e regras
prticas; da relao teoria e prtica, bsico para a construo de um
conhecimento pedaggico especializado.
A formao inicial deve capacitar o professor com conheciinentos cientficos, culturais, contextuais, psicopedaggicos e pessoais.
Essa preparao consistente prepara-o para assumir a tarefa educativa
em toda sua complexidade, a prtica sendo pensada e refletida com
a flexibilidade e o rigor prudente, isto , direcionando suas aes em
uma fundamentao vlida para evitar cair no paradoxo de ensinar
e no ensinar, ou em uma falta de responsabilidade social e poltica
( I M B E R N ~ N2006).
,
A estrutura da formao inicial deve oferecer as bases que possibilitem uma anlise global das situaes educativas.
preciso estabelecer um preparo que proporcione um conhecimento vlido e gere uma atitude interativa e dialtica
que leve a valorizar a necessidade de uma atualizao permanente em funo das mudanas que se produzem; a criar
estratgias e mtodos de interveno, cooperao, anlise,
reflexo; a construir um estilo rigoroso e investigativo (IMBERNN,2006, p. 61).

Um currculo para a formao inicial (conhecimento profissional) dever proporcionar experincias interdisciplinares que faam
com que os futuros professores apreendam conhecimentos e procedimentos relativos as disciplinas. Sendo assim, observamos que tal
currculo 'etever criar espaos para a mudana, e que a tradio, o
conhecimento ideologizado e costumes cristalizados no sejam obstculos e no impeam que se realize uma prtica cujo elemento
essencial seja a conscincia crtica. O desenvolvimento desse currculo facilitar a superao do modelo hegemnico de formao.
A organizao curricular interdisciplinar tem o potencial de nos
afastar de uma estrutura disciplinar e da organizao sequencial
dos contedos. Ao valorizarmos a integrao entre conhecimentos
e procedimentos, a nfase nos processos de aquisio dos saberes e
a valorizao da experincia de alunos e professores, dentre outros,

nos colocaria prximos das exigncias de mudanas curriculares e de


formao, hoje, valorizadas.

3 CONSIDERAESFINAIS
Historicamente, os currculos de formao de professores sempre
estiveram em estreita relao com o contexto poltico e econmico,
constituindo-se em um conjunto articulado de elementos e de aspectos tcnicos, prticos e poltico-pedaggicos que exigem uma postura tica, que estabelea a relao entre as vrias dimenses presentes num processo formativo. No contexto das reformas educacionais
o discurso da profissionalizao tomado como desenvolvimento de
competncia.
A nfase na profissionalizao docente, centrada na aquisio
de competncias, no tem contribudo para uma formao slida do
professor e tem favorecido a desprofissionalizao da ao educativa. A
base epistemolgica que sustenta o currculo por competncia submete
o processo de formao do professor lgica do mercado no contexto
da racionalidade tcnica/instrumental. Fundamentar os currculos de
formao de professores no desenvolvimento de competncias nos
leva a suspeitar que os mesmos esto orientados por uma poltica
curricular neoliberal cujas caractersticas so: o foco no mercado e no
indivduo, desarticulao na formao inicial e continuada, a presena
de diferentes matrizes epistemolgicas que fundamentam a definio
e construo de competncias, bem como seus distintos conceitos.
Assim, para assumir a perspectiva de um currculo por competncia,
preciso partir de uma elaborao clara do sentido das competncias
a serem formadas no nvel inicial e como elas vo se desenvolvendo
no sentido da construo da profissionalizao numa perspectiva
histrico-cultural.
O processo de profissionalizao histrico e envolve o empenho
da categoria para promover uma mudana tanto no trabalho pedaggico que desenvolve, quanto do seu status social. No se trata de um
movimento linear e hierrquico, tampouco de uma questo simplesmente tcnica. A profissionalizao de professores e do magistrio
como um todo, deve ser o resultado da articulao, de esforos, no

CURR~CULO
ESCOLAR

APPLE, Michael W. Repensando Ideologia e Curriculo. In: MOREIRA,


A. F ; SILVA, T. T. (orgs.). Curriculo, Cultura e Sociedade. Traduo
de Maria Aparecida Batista. 8 ed. So Paulo: Cortez, 2005.

sentido de se construir uma identidade profissional nica, baseada na


articulao entre formao inicial, continuada e exerccio profissional.
Deve ser normatizado por um conjunto de regras sociais, econmicas,
tendo como fundamento a relao teoria e prtica, ensino e pesquisa,
contedo especfico e contedo pedaggico, de modo a satisfazer as
necessidades, as exigncias a natureza e a especificidade do trabalho
pedaggico e do crescimento intelectual dos professores que dever
envolver o compromisso tcnico e poltico.
Nesse sentido, fundamental perceber a relevncia poltica do
curriculo para alm do reducionismo das disciplinas, para alm das grades curriculares, e dos programas tecnicamente definidos como guias
para um processo de formao. Ao se pensar em curriculo, deve-se comear pelo entendimento da unidade dialtica entre a teoria e a pratica, tornando-se necessria uma reflexo sobre a totalidade do processo
de formao, j que a concepo curricular, adotada nortear o perfil
desse professor. O curriculo no neutro, poltico. E no embate da
luta ideolgica e tica sobre o professor que se quer formar e dos sabe.
res institudos dos currculos que se deve lutar por uma formao consistente de professores que articule os planos social, cultural e histrico
na constituio de uma profissonalizao docente. Portanto, preciso
identificar a base terica que alicera os currculos para a formao de
professores, criar uma prxis curricular sintonizada com os princpios
filosficos, tcnicos, polticos e pedaggicos capazes de contribuir para
o processo de emancipao profissional, requisito bsico para a inser.
o crtica e coletiva do professor no mundo do trabalho.

APPLE, Michael W. Ideologia e curriculo. Traduo de Vinicius


Figueira. 3 ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
CONTRERAS, Jos. Enseiianza, curriculum y professorado. Madrid:
A kal 1990.
GA4RCIA,Carlos Marcelo. Formao de Professores - Para uma
mudana educativa. Portugal: Porto Editora, 1999.
GIROUX, Henry A. Pedagogia radical. Subsdios. So Paulo: Cortez,
1983.
GIROUX, Henry A. Teoria critica e resistncia em educao.
Petrpolis: Vozes, 1986.
IMBERNN,Francisco. Formao docente e profissional: formar-se
para a mudana e a incerteza, 6. ed. So Paulo: Cortez, 2006.
LOPES, Alice Casimiro. Competncias na organizao curricular
da reforma do ensino mdio. Boletim Tcnico do SENAC, Rio de
Janeiro, v. 27, n. 3, set. 2001.
LOURO, Guacira Lopes. Gneros, sexualidade e educao - uma
perspectiva ps-estruturalista. Petropolis: Vozes, 1997.
MEIRELES, Eliete S; SOBRINHO, Jose A. C. M. Concepes
curriculares: identidades e diversidades. In: SOBRINHO, J. A. C. M;
CARVALHO, Marlene A. (Orgs.). Formao de professores e prticas
docentes: olhares contemporneos. Belo Horizonte: Autntica, 2006.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa. Currculos e programas no
Brasil. Campinas: Papirus, 1990.

ANFOPE. Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da


Educao. Formao dos profissionais da educao e base comum
nacional: construindo um projeto coletivo. XI Encontro Nacional.
Documento, Florianpolis - Santa Catarina, 2002.
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideolgicos de Estado: nota sobre
os aparelhos ideolgicos de Estado (AIE). Rio de Janeiro: Edies
Graal, 1971.

1
i

RAMALHO, Betania Leite; NUNEZ, Isauro Beltrn; GAUTHIER,


Clermont. Formar o professor, profissionalizar o ensino: perspectivas
e desafios. Porto Alegre: 2. ed. Sulina, 2004.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introduo
As teorias do curriculo. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2004.

70

CURR~CULO
ESCOLAR

TORRES, Rosa Maria. Melhorar a qualidade da educao bsica? As


estratgias do Banco Mundial. In: DE TOMASI, Lvia; WARDE, Jorge
Mirian; HADDAD, Srgio. (Org). O Banco Mundial e as polticas
Educacionais So Paulo: [s.n], 1998.

CONCEPOES D E PROFESSORES E M FORMAO:


o curriculo de Licenciatura em Matemtica em foco

YOUNG, Michael F. D. Towards a Critica1 Sociologogy of Education.


Anais do I] Seminrio Internacional d e Sociologia da Pontificia
Universidade Catlica, Rio de Janeiro, 1984.

Rairnundo Santos de Castro


Llia Cristina Silveira de Moraes

1 A GUISA DE INTRODUO
Este texto sntese da pesquisa de Mestrado em Educao intitulada Concepes de Matemtica de Professores em Formao: outro olhar sobre o fazer matemtico, realizada na Universidade Federal
do Maranho (UFMA), sob a orientao da Prof". Dr." Llia Cristina
Silveira de Moraes. Visa discutir a maneira pela qual as concepes9
sobre a Matemtica, se constituem no processo de formao inicial
dos licenciandos em Matemtica. Buscou-se compreender e analisar
as concepes acerca da Matemtica e as possveis implicaes no ensino da disciplina que, voluntria ou involuntariamente, servem de referncia para futuros professores de Matemtica, ou seja, as possveis
relaes existentes entre as suas concepes e suas futuras prticas
docentes.
Ponte (1992) afirma que o estudo das concepes de professores
tem que se apoiar necessariamente num quadro terico respeitante a
natureza do conhecimento. Acrescentaramos do conhecimento em
geral, da Matemtica e da formao do educador em particular, compreendendo suas inter-relaes e extrado o mximo de contribuio
)

Ponte (1992) entende que as concepes formam-se num processo simultaneamente


individual (como resultado da elaborao sobre a nossa experincia) e social (como
resultado do confronto das nossas elaboraes com as dos outros). Assim, as nossas
concepes sobre a Matemtica so influenciadas pelas experincias que nos habituamos a
reconhecer como tal e tambm pelas representaes sociais dominantes. Bisconsini (2005),
define concepo como uma forma prpria de pensar e representar o mundo, construda
a partir das experincias nas relaes sociais e com os conhecimentos historicamente

CURR~CULO
ESCOLAR

na busca por melhoria para o ensino e aprendizagem da Matemtica.


Isto representa apenas parte do desejo de que seja feita esta reflexo sobre a disciplina e sobre a maneira como cada um a concebe
e, principalmente, do uso que se faz dela.
Considera-se, portanto, exponencialmente elevada a necessidade de um olhar sobre esta questo, uma vez que se constitui to
importante quanto o desenvolvimento de mtodos e metodologias
para o ensino da disciplina. Entretanto, em que medida? De onde
partir? Aonde se pretende chegar? O certo que o leque de possibilidades e enorme e espera-se poder contribuir com os debates
sobre o tema.

estudantes do ltimo perodo do curso de Licenciatura em Matemtica do CEFET-MA?"I0


As reflexes sobre as concepes dos professores e as prticas sociais decorrentes de tais concepes podero nos apontar os caminhos
para a busca de melhorias do ensino que, certamente, impactar a aprendizagem da e na Matemtica. Isto representa apenas parte do desejo
de que seja feita esta reflexo sobre a disciplina e sobre a maneira
como cada um a concebe e, principalmente do uso que se faz dela.

L..]

concebida e n q u a n t o prtica social, a Matemtica


u m saber fazer, uma cincia e m q u e o mtodo predomina e m relao ao contedo. O u seja, a Matemtica surge
e passa a ser apresentada como u m processo de construo ligado - tanto e m sua elaborao histrica q u a n t o n o
desenvolvimento das idias Matemticas nas pessoas - i
resoluo de problemas concretos, muitos deles gerados
e m outros campos do conhecimento ou da atividade h u mana (PAVANELLO, 2003, p. 09-10).

2 CAMINHOS PERCORRIDOS: a opo metodolgica


As discusses sobre as concepes de Matemtica de professores de Matemtica em formao tentam compreender a maneira como estes futuros professores "transpem7' a construo do
conhecimento matemtico em sala de aula. Sendo mais especfico, como isto ocorre e de que maneira possvel associar este
conhecimento a compreenso dos alunos de forma a possibilitar
um impacto positivo e relevante na vida social exterior a escola.
Entende-se que as discusses a este respeito devem estar embasadas
na compreenso das concepes de futuros professores de Matemtica acerca da disciplina, de seu ensino e aprendizado, pois,
O interesse pelo estudo das concepes dos professores, tal
h.

como, alis, pelo estudo das concepes de outros profissionais e de outros grupos humanos, baseia-se n o pressuposto
de que existe u m substrato conceptual que joga u m papel
determinante no pensamento e na ao. Este substrato de
uma natureza diferente de conceitos especficos - no diz
respeito a objetos ou aes bem determinadas, mas antes
constitui uma forma de os organizar, de ver o mundo, de
pensar. No se reduz aos aspectos mais imediatamente ob.
servveis do comportamento e no se revela com facilidade nem aos outros e nem a ns mesmos (PONTE, 1992, p. 185).

Nesse sentido, elegeu-se enquanto interrogao norteadora desta


investigao: "quais as concepes de Matemtica sustentadas por

Analisar as concepes acerca de Matemtica sustentadas por


estudantes concludentes do Curso de Licenciatura em Matemtica
entrar num universo de significaes, motivos, atitudes, crenas, imagens, representaes e valores que certamente impossvel quantificar. Portanto, esta investigao pautou-se por realizar uma busca por
meio de uma abordagem qualitativa de pesquisa, pois, de acordo com
Minayo (1996), preocupamo-nos menos com a generalizao e mais
com o aprofundamento e abrangncia da compreenso seja de um
grupo social, de uma organizao, de uma instituio, de uma poltica
ou de uma representao.
Garnica (1997, p. 111) diz que, "[ ...I nas abordagens qualitativas,
o termo pesquisa ganha novo significado, passando a ser concebido
como uma trajetria circular em torno do que se deseja compreender7'.
Logo, necessrio "decaptar" as preocupaes a priori de princpios,
leis e generalizaes, cabendo ao investigador, portanto, buscar no fe'O

O Centro Federal de Educao Tecnolgica do Maranho foi incorporado ao Instituto


Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Maranho por fora da Lei no. 1.892, de 29
de dezembro de 2008, que instituiu no mbito do Sistema Federal de Ensino a Rede Federal
de Educao Profissional, Cientfica e Tecnolgica.

74

CURR~CULO
ESCOLAR

nmeno que ora se apresenta possibilidades de descrio na tentativa


de analis-lo e compreend-lo em seus significados possveis.
Segundo Franco e Ghedin (2008), se o mtodo prope os fundamentos para o exerccio de uma investigao, os procedimentos e/ou
tcnicas so as bases de consolidao do processo investigativo e, portanto, a afirmao de sua cientificidade. Em sendo a realidade dotada
de sentido, a investigao deve dispor de instrumentos que apreendam tal realidade e, sobretudo, que possibilitem melhor interpretao
e anlise de suas mltiplas significaes e representaes.
Como forma de aprofundamento na realidade estudada, na tentativa de emergir em tais relaes, foi proposto enquanto procedimento metodolgico a entrevista semi-estruturada por entender que a
mesma pode proporcionar a aproximao necessria sobre a maneira
como os futuros professores de Matemtica concebem o saber matemtico em sala de aula.
Como sujeitos da pesquisa, foram investigados estudantes concludentes do Curso de Licenciatura em Matemtica do Centro Federal de Educao Tecnolgica do Maranho - CEFET/MA. Para
seleo e definio do nmero de estudantes sujeitos da pesquisa,
decidiu-se pela participao dos estudantes do curso de Licenciatura
em Matemtica que defenderam monografia no segundo semestre de
2008, devido ao fato da proximidade dos mesmos com o engaiamento
no mercado de trabalho. De acordo com o Departamento de Graduao da Instituio, at dezembro de 2008, era prevista a defesa de
monografia de 21 (vinte e um) estudantes.
A escolha do CEFET-MA como lcus da pesquisa no se deu por
acaso. Foi l h a d o em considerao o fato de a Instituio ser recente
na formao de professores e, principalmente, do pesquisador ter sido
estudante da Instituio por duas vezes, no ensino tcnico de nvel
mdio e no ensino superior, no Curso de Licenciatura em Matemtica. Alm disso, exerceu a funo de professor substituto junto ao
Departamento de Matemtica ministrando aulas nos Cursos Tcnicos, Ensino Mdio e no Curso de Licenciatura em Matemtica e j
muito recentemente ter sido efetivado aps habilitao em concurso
pblico de provas e ttulos. Possuindo, portanto, uma estreita relao
acadmica e profissional com a Instituio.

3 REFLEXES

SOBRE

ENSINAR

APRENDER: a

Matemtica em foco
Em sentido amplo, ensinar assegurar a propagao do saber.
'kt h pouco tempo, ensinar era sinnimo de transmitir informaes
[...Iv (MICOTTI, 1999, p. 154).Neste contexto, ensinar Matemtica resumia-se apenas ao simples transferir, repetir e memorizar definies
e conceitos sem a menor preocupao se houve ou no a compreenso
dos aspectos que do ao ato educativo algum significado.
Ao longo de sculos as idias pedaggicas foram evoluindo. No
que se refere a Matemtica, esta evoluo culminou com o surgimento de uma "[ ...] regio de inqurito e de significao que vem se
constituindo ao longo da histria da Educao Ocidental" (BICUDO,
2006, p. 13) denominada Filosofia da Educao Matemtica. Esta se
constitui em um campo promissor de pesquisas e desenvolvimento de
metodologias para o ensino e o aprendizado da Matemtica, ou seja,
uma Educao Matemtica.
Na Filosofia da Educao Matemtica, os objetos matemticos
so vistos como processo e no somente produto da mente humana.
"Sob a tica do valor dos objetos matemticos ou da Matemtica, a
Filosofia da Educao Matemtica aborda a questo da posio dessa
cincia no currculo escolar, na forma pela qual valorizada pela sociedade" (BICUDO, 1999, p. 27).
A Filosofia da Educao Matemtica parte do princpio de um
pensar abrangente e sistemtico sobre o fazer cognitivo da Matemtica. Trata-se da ao de pensar sobre o conhecimento matemtico de
modo analtico, crtico e reflexivo. Consiste em interrogar os fins e os
meios da aprendizagem Matemtica e colocar em prtica respostas as
questes que so postas sobre a sua validade, ou seja, sobre a validade
da realidade dos objetos matemticos.
Assim, a Filosofia da Educao Matemtica tem por base a Filosofia da Matemtica, onde se procura entender a natureza dos objetos
matemticos, e a Filosofia da Educao, onde se pretende buscar compreender a natureza do ensino e da aprendizagem. Enfim, constitui-se
enquanto reflexo sobre o que se tem feito no ensinar e no aprender

128

CURR~CULO
ESCOLAR

do experincias produtivas, positivas e afirmativas da identidade dos


negros? Estas so as questes norteadoras que perpassam este texto.
Na construo do texto, fiz algumas das opes que apresento.
Primeiro, destaco uma breve retrospectiva sobre a minha trajetria
profissional, situando como foi emergindo o meu interesse pelos estudos de currculo, em particular, as questes postas pela Teoria Crtica
de Currculo. Em seguida, retomo uma recorrente, mas vigente discusso sobre o modelo das relaes raciais do ponto de vista terico e
as repercusses do modelo na concepo e prtica curricular dos professores, arrolando nessa discusso outras vises que, no meu modo de
ver, interferem em tal prtica. No ltimo tpico, considero apropriado
destacar no contexto estudado a outra face do currculo, discutindo
uma experincia vivenciada pela escola. Penso que um exemplo concreto pode auxiliar na compreenso de como a escola pode engendrar
formas alternativas de organizao curricular.

2 ETNIA, RAA E IDENTIDADE COMO QUESTES CONTEMPORNEASDE C U R ~ C U L Ouma


: breve retrospectiva
Comecei efetivamente a me interessar pelos estudos de currculo
em 2002, quando fui admitida como professora de Currculos e Programas no curso de Pedagogia, no antigo Centro de Ensino Unificado
do Maranho e em outras instituies. Ao longo dessa experincia aliei
algumas reflexes sobre currculo a minha histria de vida, sobretudo,
as reflexes suscitadas pela Teoria Crtica de Currculo, entre elas a
discusso das relaes entre currculo e poder, currculo e ideologia.
Nesses e'ttudos foi se tornando cada vez mais evidente que o
currculo escolar forma subjetividades, portanto a escola uma importante instituio no processo de construo identitria19. No processo, fui trazendo a memria as situaes vivenciadas no percurso
escolar, priricipalmente aquelas referentes a preconceitos e discriminaes raciais.
O livro Documentos de Identidade de autoria do professor Tomaz Tadeu da Silva foi o guia principal de tais estudos. O referido
I"

N o tpico 4 exponho alguns conceitos de identidade.

autor faz uma sistematizao de trs grandes teorias de Currculo: a


Tradicional, a Crtica e a Ps-Crtica.
Antes de adentrar, especificamente, nas teorias, uma demanda
se apresentou como um imperativo pedaggico. Era preciso buscar
os conhecimentos prvios dos alunos acerca do que entendiam por
Currculo. A viso mais comum entre eles era do currculo como um
conjunto de objetivos que teriam que ser alcanados e um rol de contedos que teriam que ser transmitidos.
Feita essa introduo adentrava na Teoria Tradicional de Currculo. Percebia que os alunos no tiveram maiores dificuldades em
captar o conceito de currculo nessa vertente, visto que a noo predominante entre eles era o modelo de organizao e desenvolvimento
de currculo proposto por Tyler que visa responder a quatro questes
bsicas (SILVA, 2000):
1. Que objetivos educacionais a escola procura atingir?
2. Que experincias educacionais podem ser oferecidas?
3. Como organizar essas experincias?
4. Como saber que os objetivos esto sendo alcanados?
A maioria dos alunos j atuava como professores, sobretudo, na
rede particular de ensino, da comecei a perceber que as vises construdas de currculo que foram ao encontro da Teoria Tradicional estavam imbricadas no somente com suas prticas pedaggicas, como
tambm pelos seus percursos de vida pessoal. Segundo Nvoa (2007,
P. 161,

[..I

a identidade do professor um lugar de lutas e conflitos,


um espao de construo de maneiras de ser e estar na

[..I

A construo de identidades passa sempre por


profisso.
um processo complexo, graas ao qual cada um se apropria
do sentido da sua histria pessoal e profissional.

Nesse contexto pedaggico, percebi que os alunos viam o currculo como "algo" dado, perpassando uma idia de produto e de neutralidade. Para eles, os contedos a serem transmitidos so desinteressados, levando a entender que so desprovidos de quaisquer influncias
ideolgicas. Convm destacar que assento minha posio na perspectiva de que o currculo no algo desinteressado, assim como ele pode

CURR~CULO
ESCOLAR

assumir um carter reprodutor, possvel que ele engendre interesses


emancipatrios.
Para facilitar a compreenso das Teorias Crticas e Ps-Crtica de
Currculo, utilizava uma tcnica irititulada "O abrigo antinuclear", de
autoria annima, em que os alunos eram levados a selecionar pessoas
com as mais diversas caractersticas, seja religiosa, sexual, tnico-racial, profissional, faixa etria etc., para construrem uma vida em outro
planeta, uma vez que o planeta Terra seria devastado por uma bomba.
Conseguia problematizar com os alunos de uma forma bastante
ldica, como as escolhas estavam marcadas pelas vises de mundo de
cada u m e aproveitava aquela euforia, em que cada u m queria se defender de suas prprias vises, para fazer a ponte para a concepo
crtica de currculo, estabelecendo as relaes entre currculo e poder,
currculo e ideologia e, de uma forma mais detida, sobre o multiculturalismo e o interculturalismo no campo da educao.
Naquela oportunidade discutia a questo do multiculturalismo
e interculturalisrno como uma necessidade de integrao de minorias
sociais tnicas e culturais no processo de escolarizao, cujo desafio
do Currculo Intercultural seria o de realizar a capacidade da educao
para acolher a diversidade (SACRISTAN, 1995). Uma das temticas
que vieram ii tona nesse processo foi sobre as relaes raciais no Brasil
em que apesar de todos os estudos mostrando o contrrio, ainda predominava, em boa parte dos alunos, a concepo de que o Brasil um
paraso racial.
A poca, uma questo foi se apresentando e foi sendo delineada
e hoje est muito mais dimensionada. Por que e u estava sendo to
influenciada G l a s questes contemporneas de currculo, sobretudo
pela questo tnico-racial, postas pelo multiculturalismo e interculturalismo?
Retomo Nvoa (2007, p.16) para entender o processo identitrio
dos professores, os trs AAA: A de Adeso; A de ao e A de Autoconscincia. O autor assim caracteriza:
A de Adeso, porque ser professor implica sempre adeso a
princpios e a valores, a adoo de projetos, u m investimento
positivo nas potencialidades das crianas e jovens.

A de Ao, porque tambm aqui, na escolha das melhores


maneiras de agir, se jogam decises do foro profissional e do
foro pessoal. Todos sabemos que certas tcnicas e mtodos
'colam' melhor com a nossa maneira de ser do que outros.
Todos sabemos que o sucesso ou o insucesso de certas experincias 'marcam a nossa postura pedaggica, fazendo-nos
sentir bem ou mal com esta ou aquela maneira de trabalhar
na sala de aula.
A de Autoconscincia, porque e m ltima anlise tudo se decide no processo d e reflexo que o professor leva a cabo sobre sua prpria ao. uma dimenso decisiva na profisso
docente, na medida e m que a mudana e a inovao pedaggica esto intimamente dependentes deste pensamento
reflexivo.

Nesse sentido, venho cruzando o meu eu pessoal com o meu profissional, pois a partir desse trabalho me posicionei como uma professora negra que, outrora pelos idos da adolescncia no se reconhecia
como tal, isto , como negra, haja vista que foi nesse perodo da minha
vida que mais me escondia de mim mesma. Qual seria o papel da escola e do currculo nesse processo? Qual a relao dos conhecimentos distribudos na escola com a minha questo identitria, sobretudo
tnico-racial?
Nos debates atuais sobre currculo, ganha centralidade os temas
etnia e raa. Considerando que etnia est relacionada ao conjunto de
caractersticas culturais como lngua, religio, costumes, tradies,
sentimento de lugar (HALL, 2001) e raa que, em geral, o termo reservado para identificaes baseadas e m caractersticas fsicas, como a
cor da pele, a viso de curriculo que faz sentido aquela que vai para
alm de uma concepo como elenco de objetivos e rol de contedos.
Com efeito, para entender as relaes entre currculo, etnia e
raa faz sentido aquelas concepes que questionam a suposta neutralidade do currculo, deste modo, enfatizo que o curriculo forja subjetividades e nesse processo, so marginalizadas as identidades que so
historicamente destitudas de poder como as mulheres, os homossexuais, e notadamente, a dos negros.
Assim, a partir desses elementos construdos na minha prtica
pedaggica como professora de Currculos e Programas e que em mo-

132

CURR~CULO
ESCOLAR

meiitos distintos e recorrentes a ela se volta, identifiquei uma situaoproblema: perceber de que forma a questo de identidade tnico-racial
dos alunos negros estava sendo tratada no currculo escolar, tendo em
vista o modo como os professores de Lngua Portuguesa, Histria e
Geografia concebiam as relaes raciais no Brasil e por meio da forma
como eles selecionam e organizam os contedos, notadamente os que
se referem a temtica em questo.
Em princpio, tinha como tcnica de coleta de dados entrevisias
semi-estruturadas, mas no decorrer da pesquisa surgiram outras demandas e acabei por fazer observaes no contexto da escola e verifiquei alguns documentos, tais como, planos de aula e a Lei 10.639/03
que torna obrigatrio o ensino de histria e cultura africana e afro
-brasileira.
Cabe ratificar que essa situao-problema de pesquisa foi possibilitada pela oportunidade de cursar o Programa de Ps-Graduao
Mestrado em Educao pela Universidade Federal do Maranho em
2007, cuja pesquisa culminou com a dissertao intitulada "Identidade e diferena tnico-racial em currculos e programas: afirmao ou
silenciamento"?

3 PARASO

RACIAL
OU
RACISMO
VELADO?
REPERCUSSOES NO CURRICULO ESCOLAR

Coriio mencionado anteriormente, a minha trajetria como professora da disciplina Currculos e Programas, alm de reafirmar os
meus princpios e valores identitrios, me levou a refletir sobre os pilares ideolirgicos das relaes raciais no Brasil e suas repercusses nas
vises dos professores e nos programas curriculares e m uma escola
da Rede Muriicipal de Ensino de So Luis, a Unidade Escolar Mrio
Aildreazza localizada no Bairro da Liberdade.
recorrente nos debates acerca das relaes raciais no Brasil,
ainda que j se tenha desmistificado, a ideia do Brasil ser um paraso
ou iiina democracia racial. Pergunto, ento, por que a vigncia dessa
questo? Para esclarecer sobre o modelo das relaes raciais no Brasil
e perceber de que modo ele repercute no "imaginrio" dos professores,
uina revisa0 terica se torna importante.

Um aspecto a salientar de antemo que ainda que se reconhea que, do ponto de vista cientfico, a categoria raa no tenha consistncia, parto dos argumentos de Taquieff (apud D'ADESKI, 2001)
no sentido da reafirmao do conceito de raa. Aquele autor lembra
que o homem comum no percebe os seus vizinhos com os olhos do
esprito cientfico, este continuar a tipificar e classificar os individuos segundo suas caractersticas perceptveis e, mais particularmente
visveis.
Segundo Schwarcz (1993, p. 48-49) o conceito de raa tem sua
emergncia no inicio do Sculo XIX por Georges Cuvier fundamentado pelas tendncias monogenista e poligenista. A primeira enfatizava
que os diferentes tipos huinanos vieram de um tronco comum e a
segunda concebia as diferenas raciais pela crena na existncia de
vrios centros de criao.
Tais debates foram diludos a partir dos estudos do evolucionismo, o qual teve vrias ramificaes (NUNES, 2004) como o Evolucionismo Social, a Eugenia e o Darwinismo Socia120.
No meu modo de ver, a ideia comum nessas ramificaes que
em todas elas perpassam as idias de seletividade e de pureza. Sobre a
hierarquizao racial no Brasil, existem vises diferenciadas.
Segundo Ribeiro (2002), ela se deu a partir das relaes desiguais
entre os colonizadores e os escravizados africanos. Para Telles (2003),a
hierarquizao se estabeleceu, tambm, no plano sexual pelo qual se
iniciou o processo de mestiagem que ser justificado pela ideologia
da supremacia branca e pelo iderio do branqueamento.
A presena desses iderios ainda muito forte como ilustra o relato feito por uma professora no trato com a Literatura, "[ No caso
de Gonalves Dias, ela rica, loira, portuguesa e, no entanto, gostando
como ela queria, apesar da cor, [...] ela no
de uma pessoa mestia
casou mesmo porque no tinha que casar".
A professora retrata a biografia de um escritor "mestio" com um
tratamento de inferioridade. Ela mostra o racismo de forma velada.
Descreve sutilmente as prticas de racismo vividas por Gonalves
Dias, contudo, nas entrelinhas da sua fala, deixa entrever que a si-

...I

I..]

--

"Para aprofundamento, ler o livro Esp~.tciculodas Racrs. de Lilian Schwarcz.

134

CURR~CULO
ESCOLAR

tuao de cor uma situao de oposio nas expresses: "apesar da


cor", "ela rica e loira e portuguesa" e ele "mestio". Na concepo de
Munanga (2010) e, concordando com ele, a ideia de mestiagem se
contrape ideia de diversidade e de pluralismo cultural.
Percebo ainda que a professora reala a diferena, no no sentido
de reconhecer a existncia de conjuntos culturais com sua identidade,
especificidade e lgica interna e nem de preocupao em reconhecer
com os alunos a importncia da igualdade.
A viso da professora incorre no que enfatiza Santom (1998),
quando nos fala que as culturas que no dispem de estruturas importantes de poder no se vem representadas nos curriculos escolares,
havendo, portanto, um silenciamento dessas culturas, que, quando reportadas no curriculo, so de forma estereotipada e deformada.
Os livros didticos so outras facetas do currculo que tambm reforam ou negam a questo tnico-racial na medida em que colocam,
no caso especfico de Geografia, o Continente Africano nas partes
finais da publicao e geralmente com um espao bem menor. Muitas
vezes a frica no estudada, visto que o ano letivo acaba e no se
cumpre o programa.
Essa forma de organizar os contedos, ou seja, a maior parte do livro dedicada ao continente europeu remete a uma viso evolucionista
de entender as sociedades humanas. No meu entendimento, isso prejudica a construo de uma imagem positiva do continente africano.
Com efeito, no processo educacional enfocada uma viso eurocntrica que no respeita a diversidade de "raas" e etnias.
Na disciplina de Histria a percepo no diferente, a partir do
que coloca a professora entrevistada: "o livro do Schimidt um livro
que se estende demais sobre a mesma coisa, por exemplo, ele se dedica muito mais reforma religiosa europia que Histria da frica
pr-colonial, ele termina ficando um livro chato7'.
Constatei entre os professores vises contraditrias sobre o papel
da escola. Para alguns professores a escola e o curriculo no podem fazer nada, como ilustram as falas: "se a sociedade e muito preconceituosa, ela define aquilo que a escola tem de fazer, assim a escola no tem
o poder de mudar nada''. A outra refora "se a mdia passa o racismo,

DIMENSOES PEDAGGICASE POL~TICAS

135

o que ns poderemos fazer aqui, se os alunos passam a maior parte do


tempo em casa assistindo televiso?"
No entanto, outro professor assim se manifesta:
O papel da escola n o processo d e formao d e valores fundamental. A gente sabe q u e os primeiros passos, as formas
de interpretar a realidade, d e ver o mundo se faz na escola.
L voc tem os primeiros contatos coletivos, sua vida social
comea na escola, a se a escola colaborar para uma cultura
excludente a gente no vai mudar nada, mas se tiver uma
proposta transformadora, crtica, que construa algo do que
est a, fantstico.

H tambm quem conceba a escola na funo homogeneizadora:


a escola atravs do curriculo funciona para igualar todo mundo, os
diferentes passam a ser iguais, porque todos devem incorporar os mesmos valores'! E outro atribui a escola e ao curriculo o papel de formar
para o "mercado de trabalho7'.
A viso de escola como formadora de recursos humanos para
o mercado de trabalho a mais difundida na sociedade e na escola.
Esta uma das imagens mais reducionistas da escola e dos curriculos.
Essa viso de que os alunos esto sendo formados para o mercado de
trabalho influi na seleo e na organizao dos contedos escolares.
Nessa lgica, o conhecimento reduzido aquisio de habilidades
e competncias. No que estas no sejam tambm importantes, mas
considero a apropriao do conhecimento como a funo precpua da
escola e como um direito fundamental dos alunos.
A escola brasileira vem sendo desafiada a assumir a dupla funo
como direito social para todos, e reconhecer e respeitar as diferenas
(GOMES apud MUNANGA, 2010). Em termos de legislao, se destaca a importncia e obrigatoriedade dos estudos da cultura e da histria
do negro e do ndio nas escolas do ensino fundamental e mdio, expressas nas Leis no. 10.639/2009 e 11.645/2008 e, mais recentemente,
na Resoluo no. 4/2010, que define Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educao Bsica.
A Lei, embora no tenha o poder de mudar a realidade, auxilia
na compreenso de que no se deve tratar os contedos culturais e
raciais, como aponta a professora "I ...I geralmente se trabalha a ques-

2 36

CURR~CULO
ESCOLAR

[..I".

to racial nos momentos especficos, datas comemorativas


Essa
prtica superficial, centrada em episdios descontextualizados. Essa
forma de tratamento de contedos o que Santom (1998)chama de
"currculo de turistas", ou seja, o trabalho feito esporadicamente, por
exemplo, um dia por ano, em temas, como a luta contra os preconceitos racistas etc.
Esses relatos nos demonstraram que o que predomina no contexto estudado uma lgica linear e eurocntrica de organizao dos
currculos, mas isso no significa que seja a nica. A seguir, delineio
outra lgica de organizao vivenciada na escola Mario Andreazza.

4 ETNIA, RAA E IDENTIDADE: a outra face do curriculo


I

Como o currculo est instalado nas escolas quanto a seleo dos


conhecimentos e organizao curricular? Esta indagao emergiu e
me acompanha ao longo do percurso acadmico e profissional. As indagaes sobre curriculo vieram da nova conscincia identitria e profissional, que me levou a repensar as lgicas e valores que estruturam
a organizao curricular.
Inicialmente, e preciso esclarecer que o termo currculo e polissmico. Fao opo por um enfoque critico e amplo de Currculo o qual
pode ser entendido da seguinte maneira: "[ o curriculo um mbito
de interao no qual se entrecruzam processos, agentes e mbitos diversos que, num verdadeiro e complexo processo social, do significado prtico e real ao mesmo [...]" (SACRISTN; GOMEZ, 2000, p.129).
Partindo dessa concepo, cabe delinear uma experincia que
contribuiu &ira a escola alterar a sua dinmica curricular. Experincia
esta que se insere como necessidade da escola, mas tambm insere
numa dinmica muito mais ampla, como reflexo da poltica educacional da Rede Municipal de Ensino de So Luis na primeira gesto do
ento secretrio Moacir Feitosa frente a Secretaria de Educao.
Como especialista em educao2' da Rede Municipal de Ensino,
atuando na sistematizao de propostas curriculares, tive a oportuni-

...I

2'

Especialista em educao o cargo ocupado por pessoas com formao em pedagogia ou


com ps-graduao na rea da educao.

dade de participar de um movimento em prol da construo de propostas curriculares. O grupo de especialistas formado num primeiro
momento por representantes dos diversos nveis e modalidades cent r o ~sua preocupao inicialmente em delimitar o seu papel como
grupo de sistematizao no que tange as intenes da proposta a qual
foi intitulada marco conceitual.
Outras preocupaes foram sendo suscitadas durante o percurso,
tais como: Existe e qual o sentido de se elaborar propostas curriculares? A resposta residiu na necessidade de se buscar uma unidade para
a Rede Municipal de ensino. E como ficaria a questo da autonomia e
a singularidade das escolas nesse processo? A autonomia seria garantida pela participao dos professores na elaborao das propostas.
Uma pergunta-chave surgiu que, particularmente a mim angustiava, afinal quem decide ou quem deveria decidir o currculo? A resposta construida vai em parte ao encontro do comentrio de Sacristn
(2000, p. 21 3),

I...] evidente que a competncia de construir curriculo no


exdusiva dos/as professores/as, porque as decises implicadas ultrapassam a responsabilidades destes, e circunstancialmente, porque podem no dispor dos instrumentos e da
competncia para faz-lo. A prpria necessidade de ordenar
o sistema educativo e a de realizar algum controle sobre seu
funcionamento faz com que este tema necessariamente escape do mbito dos docentes.

Essa tarefa de construo de propostas c ~ r r i c u l a r e steve


~ ~ inicio
em 2004, coincidindo com outros movimentos de formao continuada desenvolvidos na Rede Municipal de Ensino, a partir do programa
"So Luis te quero lendo e escrevendo", da formao continuada com
a assessoria da Abaporu e da formao sobre africanidades coordenada pelo Centro de Estudos das Relaes de Trabalho e Desigualdades
(CEERT)intitulada "A cor da cultura7:

138

CURRCULOESCOLAR

Destaco como legado dessas formaes nos documentos das propostas, trs aspectos importantes: a tnica que as propostas deram
aos projetos didticos como princpio organizativo dos contedos escolares, a compreenso da flexibilidade do tempo escolar, sobretudo
para aqueles que esto no inicio do seu processo de alfabetizao bem
como a valorizao das diferenas tnico-raciais manifestadas pelos sujeitos do processo educativo.
Nesse sentido, posso afirmar que a proposta tinha como preocupao central, tanto a questo sobre o que e como os professores ensinam, quanto a forma e o que os alunos aprendem. O grau de acompanhamento da prtica na escola eram as prprias formaes que se
davam com os coordenadores pedaggicos e depois destes com os gestores e professores da escola.
No poderia garantir com fidedignidade se as escolas municipais
concretizaram a partir das tarefas escolares as intenes declaradas
nas propostas curriculares. Embora o foco da minha pesquisa no fosse o impacto dessas polticas na prtica dos professores, como pesquisadora pude constatar que, por meio de uma experincia de projetos
didticos que ali naquelas experincias, de certa forma, a questo da
identidade dos alunos teve um relativo espao.
A literatura educacional crtica (APLLE, 1999; GIROUX, 1999;
MCLAREN 1997; ARROYO, 2011, SACRISTN, 1995, 1999), destaca o quanto o Currculo conforma os sujeitos da ao educativa, tanto os docentes como os alunos. Forja suas vidas, produz identidades.
Deste modo, tanto os conhecimentos, como a forma de ordenamento
e organizaodesses conhecimentos mexem com as vidas dos professores e dos alunos.
Numa outra lgica, diferente daquela anteriormente relatada,
numa linha mais emancipatria, o Icus da pesquisa desenvolveu no
mesmo ano da minha pesquisa, um trabalho que extrapolou a lgica instrumental de selecionar e de organizar os contedos escolares.
Constatamos no universo estudado um clima de reinveno dos currculos o qual traduz a concepo de currculo como interao de diferentes agentes e contextos. Considero que, ao propiciar o aperfeioamento dos seus profissionais a Rede Municipal de ensino possibilitou

que as escolas pudessem ser protagonistas no desenvolvimento do


currculo.
Apesar da legislao educacional, por meio da Lei 9.394/96 em
seu artigo 12, ressalvar que as escolas devem observar as normas comuns do seu sistema de ensino, ampara a autonomia da escola na elaborao da sua proposta pedaggica.
Como dito, a escola Mrio Andreazza, a certa altura do ano letivo, precisamente no segundo semestre, inovou ultrapassando o carter utilitarista do conhecimento levantando uma problemtica concernente as imagens do bairro da Liberdade no contexto da sociedade
ludovicense e maranhense.
Convm fazer um breve resumo sobre o bairro da Liberdade. A
origem do bairro da Liberdade se deu a partir da construo do Matadouro Modelo de So Luis, pela Lei 260/1918. O bairro foi ampliado,
hoje sendo composto pela Rua Nossa Senhora das Graas, conjunto
PROMORAR, Mangue Seco, Camboa e a Rua da Vala. O bairro foi
povoado por famlias que vieram do interior, um contingente sienifica.
tivo de pessoas negras, cuja origem est atrelada a construo do matadouro modelo de So Luis o qual foi respaldado pela Lei 260/1918
da Cmara Municipal de So Luis, capital do Estado do Maranhso.
O bairro enfrenta vrios problemas de ordem de infra-estrutura e de
segurana.
Por outro lado, o bairro apresenta uma variedade de manifestaes culturais, tais como: cacuria, bumba-meu-boi, o tradicional sotaque de zabumba, tambor de crioula e movimentos de rua como o hih
hop, capoeira, grupos de dana e de teatro etc.
iMas, informalmente, o que se sabe que o bairro e rechaado,
visto os acontecimentos negativos ocorridos ali, como a violncia. e
que se sobrepem aos positivos. Reporto-me a discriminaco alie o
bairro sofre por ser considerado como um dos mais violentos da cidade
de So Luis. E esta a viso dominante que se tem do bairro e. oossi,x
velmente, e esta a identidade que marca os alunos da escola Mrio
Andreazza, como argumenta uma professora:
7

>

-L--

- - - -

Voc olha qualquer um desses meninos aqui na Liberdade


e acha que eles so agressivos, mas na verdade eles esto

mostranclo uma autodefesa, ento eles se identificam daquele jeito. Essa autodefesa e do meio para o meio. O meio
cleterniina a identidade deles. O meio influencia de forma
negativa.

Laurenti e Barros (2000), comentando Seve (apud JAQUES ano


1998), ressalta que a identidade pode ser entendida como uma forma
scio-histrica de individualidade. O contexto social fornece as condies para os mais variados modos e alternativas de identidade.
Com efeito, como diz Brando (1990, p.37):
Os acontecimentos da vida de cada pessoa geram sobre ela
a formao de uma lenta imagem de si mesma, uma viva
imagem que aos poucos se coiistri ao longo de experincias
de trocas com os outros: a me, os pais, a famlia, a parentela,
os amigos de infncia e as sucessivas ampliaes de outros
crculos de outros: outros sujeitos investidos de seus sentimentos, outras pessoas investidas de seus nomes, posies e
regras sociais de atuao.

Nesse sentido, que destaco a iniciativa da escola Mrio Andreazza por ter decidido naquele ano, 2006, e ter inovado com processos
curriculares por meio de projetos didticos que visaram a afirmao
identitria dos alunos, como observou uma professora:

,.

A gente, inclusive aqui na escola, ns temos uma feira cultural que a gente vai trabalhar em novembro sobre o bairro
da Liberdade, que e um dos bairros de maior quantidade de
negros, que sou daqui, eu j estudei um pouco, e um bairro
muito antigo, que eu conheo um pouco a histria e a gente
vai trabalhar a questo do reggae roots, que foi o que teve
a maior fora ate hoje, a questo do reggae. Quando se fala
em reggae, se pensa no bairro cla Liberdade.

Pude constatar num mesmo espao duas concepes de escola e


de currculo. No tpico anterior, a escola operava numa lgica utilitarista e etnocntrica na medida em que o alvo da formao era o mercado de trabalho e os contedos relevantes seriam aqueles que servem
de passaporte para essa finalidade.
Em outros contextos, introduz outros processos curriculares, alterando as formas de selecionar e organizar os contedos escolares.

Ressalto que a iniciativa, apesar de pontual, relevante, unia vez que


a escola incluiu no processo curricular experincias siiigiilares clos alunos, articulando a cultura vivida do aluno com a ciiltura escolar. blesmo no acompanhando a origem da discusso acerca do projeto, posso
arriscar em dizer que a escola incorpomu, niesmo que de forma no
to explcita para os professores, para os alunos e gestores, as dinienses da educao multi e intercultural.
A primeira observao que destaco se refere ao contedo por propor temticas em torno das formas e estilos de casa dos moradores do
bairro, do artesanato, das manifestaes culturais e os tipos de lazer
oferecidos aos moradores, o destaque ao gosto musical predominante
entre os moradores, que o reggae roots, dentre outras. Enfim, so
temas bastante pertinentes, uma vez que o objetivo geral era caiacterizar o bairro numa perspectiva positiva.
Outro aspecto que merece ser relevado a pesquisa como priiicipio educativo que permeou o desenvolvimento dos projetos. Ademais,
a escola resolveu abrir suas portas para a comuniclade e tornar publico,
da o sentido de feira cultural, o resultado da procl~iodo conheciinento coletivamente construido. Alis, a prpria comunidade foi coautora na produo do conhecimento.
Banks (apud CANDAU, 2002) sustenta ein cinco pilares a educao multi e intercultural: a integrao de coiitedo, o processo de
construo do conhecimento, pedagogia da equidade, i-eduo do preconceito e uma cultura escolar e estrutura social que reforcem o empoderamento de diferentes gruiios.
Considerando o que diz o autor, a integrao de conterlo lida
com as formas pelas quais os professores usam exemplos e contedos
provenientes de culturas e grupos variados para ilustrar conceitos chaves, os principios, as generalizaes e teorias nas suas discipliiias ou
reas de atuao. O processo de construo de conhecimento visa eiitender em que medida os professores ajudam os alunos a entender, irivestigar os pressupostos culturais implcitos, os quadros de referncia,
as perspectivas e os vieses dentro de uma disciplina. A Pedagogia da
equidade se realiza na medida em que os professores modificam sua
forma de ensinar, de maneira a facilitar o aproveitainento iacaclmico
dos alunos de diversos grupos sociais e culturais.
L

142

CURR~CULO
ESCOLAR

Como contraponto, no mesmo espao, o trabalho escolar se revelou critico e com indagaes girando em torno da identidade dos
alunos.
Em face do legado que os estudos da Teoria Critica trouxeram e
dos avanos da legislao educacional brasileira no trato da diversidade cultural, para mim se impe uma tarefa de aprofundar os estudos
dos processos curricrilares, tendo em vista a afirmao de identidades
dos negros, por meio da pesquisa que estou desenvolvendo em funo
do doutorado, no Programa de Educao: Currculo, da PUC de So
Paulo.
Como forma de reforar a seriedade e importncia dessas questes, indico para aqueles que ainda no se debruaram nessa leitura,
sob a tica psicossocial, o livro Pele Negra Mbscaras Brancas de Frantz
Fanon (2008), em que o autor expressa muito bem os efeitos psquicos da viso negativa ou estereotipada da identidade dos negros. Esse
autor enfatiza a importncia da memria, da histria, da cultura e da
identidade coletiva do negro. Nesse sentido, os sistemas educativos
so desafiados, cada vez mais, a implementar polticas no mbito de
aes afirmativas e do Currculo Escolar.

A reduo do preconceito focaliza atitudes em relao a raa e


como elas podem ser modificadas por meio de mtodos de ensino e
recursos didticos. Uma cultura escolar e estrutura social que reforcem o empoderamento de diferentes grupos seria um processo de reestruturao da cultura e organizao da escola, para que os alunos
de diversos grupos tnicos, raciais e sociais possam experimentar a
equidade educacional e o reforo do seu poder na escola.
Considero que esse projeto curricular vivenciado pela escola se
aproximou dos pilares de uma edricao tal como formulados por
Banks, tendo como centralidade os alunos. Sendo assim, houve uma
preocupao, talvez no to evidente, dos alunos serem reconhecidos
como sujeitos de direitos, visto que tal trabalho pontecializou a identidade dos alunos a partir do conhecimento local, dos valores e da memria resgatadas a partir do histrico do bairro.
Segundo Arroyo (2011), somente partindo do reconhecimento
dos alunos como sujeitos de direitos, se estar em condies de questionar o trato seletivo e segmentado em que ainda se estruturam os
contedos.

5 CONSIDERAESFINAIS
Neste texto, focalizei algumas constataes de que h um clima
propicio a nvel terico e empirico para serem repensados os currculos
escolares. Partir de uma reflexo em torno da minha prtica pedaggica evocando a minha memria, a minha histria e a minha identidade
no percurso escolar que no potencializou a imagem positiva como
negra. A ques7o que se imps naquele momento, como professorapesquisadora, foi a de investigar qual o tratamento dado pelo currculo
escolar as questes tnico-racial.
Como desdobramento verifiquei como as vises dos professores
esto entrelaadas com as suas prticas pedaggico-curriculare, quanto ao modo como concebem as relaes raciais no Brasil, ao modo
como percebem o curriculo, a cultura, entre outros. Por essa via, conclui que predominam deturpaes e silenciamentos quanto ao racismo e a afirmao tnico-racial prejudicada numa lgica tradicional
de organizao curricular.

APLLE, Michael W. Educao e poder. Traduo de Maria Cristina


Monteiro. Porto Alegre: Artes lMedicas, 1999.

ARROYO, Miguel. Educandos e educadores: seus direitos e currculo.


-.
Uisponivel em: c wwwportal.mec.eov.br/seb/arquivos/pdfEnsfund/
indan4udf > . Acesso em 14 mar. 201 1.
I

BRANDO, R. C. Identidade e etnia: construo da pessoa e


resistncia cultural. So Paulo: Brasiliense, 1990.
BRASIL.. Ministrio da Educao e do Desporto. Lei de Diretrizes
e Bases da Educao Nacional. Lei no. 9394, de 20 de dezembro de
1996. Estabelece as diretrizes e bases da educao nacional. Brasilia,
DE 1996.

144

CURR~CULO
ESCOLAR

BRASIL. Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a lei no 9.


394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes da
educao nacional, para incluir no currculo oficial da rede de ensino
a ol>rigatorieclade da temtica "Histria e Cultura Afro-Brasileira
Afi-icana", e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio. Braslia:
DF, 10 jan. 2003.
BRASIL. Lei no. 11.645, de 10 de Maro de 2008. Altera a Lei nQ
9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nU0.639,
de 9 cle janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educao nacional, para incluir no currculo oficial da rede de ensino
a obrigatorieclade da temtica "Histria e Cultura Afro-Brasileira e
Indgena". Braslia, 2008.
CANDAU, Vera Maria. Educao multicultural: tendncias e
propostas. 111: CANDAU, Vera Maria (Org.). Sociedade, educao e
cultura(s): questes e propostas. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.
D'ADESKI, Jacques. Pluralismo tnico e multiculturalismo: racismos
e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Palles, 2001.
FANON, Frantz. Peles negras, mscaras brancas. Traduo de Renato
da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.
GIROUX, Henry. O currculo como poltica cultural. In: SILVA,
Tomaz Tadeu da. Documentos d e identidade: uma introduo as
teorias do currculo. 2 ed. Belo Horizonte: Autntica, 1999.
HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. Traduo
de Tomaz Tadeu da Silva e Guaracira Louro. 5 ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001.
h.

LURENTI, Carolina; BARROS, Mari Nilza Ferrari de. Identidade:


questes conceituais e contextuais. Disponvel em < www2.uel.br/
ccb/gsicologia/revista/texto2nl3.htm > . Acesso em 14 nov. 2010.
MCLAREN, Peter. Multiculturalismo crtico. So Paulo: Cortez,
1997.
MUNANGA, Icabengele. Educao e Diversidade cultural. In:
MULL,ER, Tnia Mara Pedroso; OLIVEIRA, Iolanda de. (Orgs.) O
negro na coiltemporaneidade e suas demandas. Cadernos PENESB,
Niteri, n.10, 2008/2010.

NOVOA, Antonio. Os professores e as histrias de sua vida. In:


NVOA, Antonio (Org.). Vida d e professores. Porto: Porto, 2007.
NUNES, Antonio de Assis Cruz. A universidade e as polticas d e ao
afirmativa ao ensino: situando a questo do negro na Universidade
Federal do Maranho, (UFMA). So Lus, 2004.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formao e o sentido do Brasil.
2. Ed. So Paulo: Companhia das Letras, 2002.
SACRISTN, Jos Gimeno. Currculo e Diversidade Cultural. In:
SILVA, Tomaz Tadeu da; MOREIRA, Antonio Flvio Barbosa. (Orgs.)
Territrios contestados: o curriculo e os novos mapas polticos e
culturais. Petrpolis: Vozes, 1995.
SACRISTAN, Jos Gimeno; GOMEZ, A. I. Perz. Compreender e
transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SANTOM, Jurjo Torres. Globalizao e interdisciplinaridade: o
currculo integrado. Porto Alegre: Artmed,1998.
SCHWARCZ, Llian M. O espetculo das raas. So Paulo:
Companhia das Letras, 1993.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introduo
as teorias do curriculo. Belo Horizonte: Autntica, 2000.
TELLES, E. Racismo a brasileira: uma perspectiva sociolgica. Rio
de Janeiro: Delume Dumar, 2003.

USOS PEDAGGICOSDAS NOVAS TECNOLOGIAS DA


INFORMAO E DA COMUNICAONA ESCOLA
Maria Tose dos Santos
Maria Alice Me10
Maria de Fdtima da Costa Gonalves

O presente artigo constitui um recorte da pesquisa intitulada


"Usos pedaggicos das novas tecnologias da informao e da comunicao entre maneiras de fazer e tticas: a ressignificao do trabalho
docente".
O uso23das novas tecnologias da informao e da comunicao
(NTIC24)na sociedade contempornea, intensificado a partir das
transformaes ocorridas no mundo na dcada de 1990, constitui o
escopo da questo que originou o interesse pela pesquisa que teve
como ponto de partida a pergunta: Como os professores utilizam as
tecnologias disponibilizadas na escola em suas aulas?
A presena de equipamentos tecnolgicos cada vez mais modernos transformou o dia-a-diadas pessoas e exige novos comportamentos
Empregamos a noo de uso balizadas em Certeau (2008, p. 94, grifo do autor), em que o
consumidor cultural durante o uso ou consumo de objetos sociais fabrica formas prprias
de consumo destes produtos. [...I uma produo de tipo totalmente diverso, qualificada
como "consumo", que tem como caracterstica suas astcias, seu esfarelamento em
conformidade com as ocasies, [...I. Afirma ainda que os consumidores dos bens culturais
durante os usos podem subverter a partir de dentro a ordem natural estabelecida pelos
fabricantes dos produtos, no rejeitando-as ou transformando-as, mas produzindo maneiras
prprias de empreg-las.
24 [...I chamaremos novas tecnologias da informao e da comunicao s tecnologias de
redes infomticas, aos dispositivos que interagem com elas e seus recursos. Televises,
rdios, reprodutores de vdeo, materiais impressos e outras 'tecnologias convencionais'
[...I. (MARTINEZ, 2004, p. 96, grifo do autor).

23

L.2

o
c 8
3 UQ

a
g
CD

ao.
'i.

5%
E.8
0

oco

+IaK

%e,

e 2.
,

gg

-. <

,.

-.
eD"z.5
-.

a E o o
0 3 m,
go o5' Ca 2
.;=E
-0 EU %, 9.
e, m o 3
:%o
g

8.0
E. a

ri O

o
-.

"- Fo".
F o
"e5;F

E0.J g

vi

23.0 a

E.

53"UR

"e,
O

3 3
g.
ge

3.:

, O 25vi
3 0

*E.%

K3.
Nt;.

gg

K.."

Y o 3

E "

R l p O

;gD-g

&

R
3

m ma
2 g
o
Pe,

'Li

CD,

a*-Z'

E.

Y:

vi

3:

ir.

E E Z ' 3 3 v
g o o O g ;

a v ir r - 3
-. CD CD o o w
ei - 3
o CDQ

C D C V S g i $
3CDoei

z se3G 0.: 2 . ?2
E.

e - 0 CD3

F-2,:2:0
&S.:

vi

"vi

0 n ' 3 2 s . g
c CDa o 0 3
a Z
C D d %c e3 i e i
e ~ g .a
2 eioz.2c.
9

~ 8 g
~a ~p - . ~
'Y

$Fg,qg,Y:

,,

vi

" 3. 15
GE
3
3
5:. , , g 3g3
g
ei3.a 3 s

zoe

F.

CDt3ei
Ew . r5 oe1gw
3
, g g

2 ,2cogg

a
C
D =pj
a m m . s V : j

a.a " E ' E a ( =C

amei

V:%,gNCD3
2.
c. m 2
oCD:oo3u

i.

=+

' ~ ' " ~

o v%
,

%l

5,

$ 3

E-2

5sa
g 58 0g 3 . 9g
g "
5 -8g
3p grn.Y
rl 5.
. .: 0 . a
0
gsgE"1

z1

,g Cs n8agv 2, ,

Gw$-.-.co..
8 4 5.2.
0 0
8

%
a$SOg.
~ " \ ~ 0 0 9

-Fz?oO
e g
e rn
- g . - w Z J
g

0.
V)"

h o1
$ oe 2: "
"g
-.o
9 sg b g

$ :.ggyg
z.2 h W . l

g o z a -a

r 2 1 5 . g $.

Z'E'25g

058

g",,E.
5 5

'0

"

e.?

2 q 2.
z-e: ~
3 ' $ $ o: +

CD

g-3 3gy.gF
J ?gw g
e:'$
0'3 o
a o

152

CURRCULO
ESCOLAR

No bojo dessas discusses, a educao apontada como uma


das
--- formas. seno a principal, capaz de superar as mazelas sociais enfrentadas principalmente nos pases em desenvolvimento. Assim, as
politicas pblicas implantadas no Brasil a partir da dcada de 1990,
principalmente na hrea educacional, se encontram imbudas dos obietivos
tracados em reunies e conferncias de mbito mundial que
v - congregam interesses diversos de naes com niveis e hierarquias totalmente antagnicos.
No Brasil, as polticas implementadas a partir deste perodo pem
em curso um conjunto de reformas no sentido dc atender s prerrogativas demandadas pela nova ordem econmica global. Destacamos,
dentre outras, o Programa Sociedade da Informao (BRASIL, 2000a))
a promulgao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
- LDBEN no 9394/96, a implantao dos Parmetros Curriculares Nacionais e das Diretrizes Curriculares para os difercntcs nveis de ensino, tudo isto em virtude da centralidade do papel da educao.
A escola pblica brasileira, o trabalho docente nela desenvolvido
e a presena das NTIC implantadas principalmente atravs da poltica
de expanso dos Laboratrios e kits tecnolgicos nas escolas encontram-se imbudos de um discurso imposto pelas leis mercadolgicas
que subjazem as relaes estabelecidas numa sociedade capitalista em
qiie a relao p r o d u ~ o i o n s u m o ~
embora
~,
propague que as oportunidades so dirigidas a todos, produz diferentes formas de excluso.
Em contraponto, Certeau (2008) sublinha o consumo a partir de
uma perspectiva de ressignificao do produto pelos usurios, o que
pode sinalizar, diante da possibilidade de reinventar o cotidiano, o desenvo1vimen"to de tciticas possveis de subverter a ordem vigente, sem
neg-la totalmente ou renunciar a ela, a criao de novas alternativas
de convivncia no espao social sem ser dele excludos.
A implantao de laboratrios de infurintica, cincias, ou o simples fato de equipar as escolas com kits de TV, DVD, antena digital
e outros equipamentos tecnolgicos muitas vezes se constituem em
estratgias que objetivam responder simplesmente ao cumprimento
-

2J

Segundo Serpa (2009) a sociedade contempornea identificada com o binmio produoconsumo, caracterizado pelo carter manipulativo da produo dos bens materiais e nas
relaes de produo de conheciiiiento.

de metas, as respostas que precisam ser dadas a outrem, por meio de


relatrios e estatsticas (CERTEAU, 2008).
Assim, h de se pensar a escola no somente com base no que ela
possui, mas a partir das formas como esto sendo utilizados os equipamentos existentes, das maneiras de fazer que estejam sendo produzidas em sua utilizao. Desta feita, ao pensarmos estas maneiras como
sendo operaes prprias, elaboradas pelos usurios a partir das condies que esto postas no espao social, ou seja, na escola30,podemos
observar que nem sempre estas correspondem exatamente aos objetivos traados nos programas oficiais.
Ao sinalizar para a possibilidade de os usurios - alunos e professores - poderem produzir e desenvolver, no mbito da escola, muneiras
de fazer prprias que lhes garantam no renunciar completamente a
poltica implantada (as vezes por no ter como corresponder exatamente ao que ela prope), Certeau permite inferir a existncia de uma
outra realidade, a partir de uma nova viso de consumo.
Em vista disto, consideradas as condies dos usurios, tal produo nem sempre pode significar o entendimento completo das regras
do jogo ao ponto de burl-las, mas no deixam de ser possibilidade de
criar formas de reapropriao deste produto, permitindo assim a sua
ressignificao.
O Estado3', pelo poder que lhe atribudo e atravs das agncias
que lhe representam, impe normas e cstabelece, atravs de programas, leis ou decretos, uma forma de pensar. No caso desta anlise, cria
a necessidade de aquisio da linguagem e do saber das NTIC como
condio de exerccio da cidadania.
Essa imposio se torna imperativa, principalmente porque o
mercado atual possui novas exigncias em relao a ocupao de carEscola entendida aqui no sentido empregado por Bourdieu (1996, p. 19, grifos do autor),
no apenas como um espao geogrfico, mas sim um espao social, pois "C
construdo
de tal modo que os agentes ou grupos so a distribudos em funo de sua posio nas
distribuies estatsticas de acordo com os doisprincfpios de dijkrenciao C.. ] o capital
econmico e o capital cultural. [...Im.
I ' Segundo Bourdieu (1996), uin dos principais poderes do Estado o de produzir e
impor, principalmente atravs da escola, categorias de pensamento que utilizamos,
espontaneainente, como naturais a todas as coisas do mundo e do prprio Estado.
O'

...I

gos nas empresas. Hoje no se precisa mais de especialistas em determinada rea especfica, mas de pessoas com capacidade e flexibilidade
para adaptar-se a situaes diferenciadas e assumir funes diferentes,
de acordo com as necessidades da empresa.
O poder atribudo a presena das NTIC, justificado principalmente pela velocidade e pelo volume de informaes produzido por
estas, estabelecem novos desafios para a educao. Isto tambm impe novos parmetros para a formao dos cidados, o que subtende
uma reestruturao no processo ensino e aprendizagem, j que um
currculo baseado no acmulo de conhecimentos no responde mais
aos ditames da nova ordem econmica (BRASIL, 2000b).
Destarte, o Estado, por meio principalmente do MEC, agncia
responsvel pelo planejamento e divulgao de programas e polticas
para a rea educacional, em parceria com demais instituies estaduais
e municipais, promove a reforma curricular do Ensino Mdio, que
traz no discurso veiculado nos dispositivos centrais - PCNEM3!
e DCNEM33- de implantao da reforma a urgncia de acesso da
educao brasileira a linguagem das novas tecnologias.
Assim, os PCNEM e as DCNEM, enquanto discurso, tm o seu
ponto de emergncia nas discusses travadas em torno das mudanas
operadas pela revoluo tecnolgica e trazem em seu texto a urgncia
de uma nova concepo educacional que se volte para atender as demandas sociais em vigor (FOUCAULT, 1979).
Neste estudo, tomamos esses documentos como dispositivos, por
compreendermos,
a exemplo do que diz Foucault (1979, p. 244), que
h.
se constituem em:
O documento de reforma do currculo do Ensino Mdio - PCNEM - aps um srie de
reunies e estudos foi encaminhado para o Conselho Nacional de Educao (CNE) em
07 de julho de 1997 para obteno de parecer. Em 1/06/1998, pelo Parecer no 15/98, da
Cmara de Educao Bsica, foi aprovado o parecer anterior do Conselho Nacional de
Educao. (BRASIL, 2000b).
Documento que apresenta propostas de regulamentao da base curricular e de organizao
do Ensino Mdio. Encaminhado pelo Ministro da Educao e do Desporto para a Cmara
de Educao Bsica (CEB) para a apreciao e deliberao em 07/07/97 pelo Aviso no 307.
Foi instituda em 26 de junho de 1998 pela Resoluo CEB no 3. (BRASIL, 2000b)

[...I

um conjunto decididamente heterogneo que engloba


discursos, instituies, organizaes arquitetnicas,decises
regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados
cientficos, proposies filosficas, morais, filantrpicas. [...I
o dito e o no dito so os elementos do dispositivo. [..I a
rede que se pode estabelecer entre estes elementos.

Esses dispositivos so um discurso que sublinha a urgncia de insero da linguagem das tecnologias na educao como fator fulcral
para a formao do cidado para viver na chamada sociedade da informao, que no tem mais espao para o simples acmulo de conhecimentos.
A poltica de reforma educacional, entre elas a do Ensino Mdio, traduz, na urgncia demandada pela aquisio da linguagem das
tecnologias, todo o poder de um arbitrrio cultural dominante que se
impe. A imposio desse arbitrrio cultural, materializada nos dispositivos legais e na distribuio de laboratrios e equipamentos nas escolas, carece de ser entendida, portanto, a partir das formas que esto
sendo criadas, inventadas pelos usurios destas na sua utilizao. As
aes estabelecidas na escola pelos grupos distintos que a compem
definem novos usos do produto, balizados nas condies reais de seus
usurios e do espao escolar.
Ao subverterem a ordem imposta, os usurios produzem maneiras
de fazer e, assim, de absorver as polticas implantadas, se reapropriando destas, sem, contanto, renunciar a elas, tendo em vista no poderem atender exatamente aos objetivos pr-estabelecidos.
As NTIC so inseridas na escola pelo Estado. Os professores as
utilizam pedagogicamente, por meio do trabalho docente, algumas vezes atendendo s recomendaes estabelecidas e, outras, adequandoas as suas prprias necessidades.

[...I A uma produo racionalizada, expansionista, alm de


centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde outra
produo, qualificada de 'consumo': esta astuciosa, dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua ubiquamente,
silenciosa e quase invisvel, pois no se faz notar com produtos prprios mas nas maneiras de emflregar os produtos impostos por uma ordem econmica dominante (CERTEAU,
2008, p. 38, grifos do autor).

156

DIMENSES PEDAGGICASE POL~TICAS

CURR~CULO
ESCOLAR

Nesse sentido, na relao que se estabelece entre o trabalho docente e a utilizao pedaggica das NTIC na escola, so desenvolvidas prticas cotidianas que podem ser sinalizadoras de formas de usos
empregadas pelos indivduos na busca de se reapropriarem do produto imposto, criando novas formas de consumo e ressignificando-o,
em oposio ao estabelecido nos dispositivos legais. Isto significa que,
numa determinada dimenso, os usurios no esto apenas passivamente consumindo o que Ihes imposto atravs no discurso dominante.

3 OS USOS DAS NTIC EM SALA D E AULA: apreendendo


maneiras de fazer a partir das vozes dos professores

O uso do Vdeo/DVD est inserido na prtica de alguns professores do Centro de Ensino Ecologia Cognitiva. O interesse em trabalhar esta tecnologia em sala de aula com alunos encontra respaldo
nas vantagens oferecidas pela ferramenta, pois os recursos como imagem, som, movimentos, legenda, entre outros, viabilizados no video,
tornam o trabalho com o contedo mais dinmico e possibilita uma
absoro maior pelo aluno, como podemos observar atraves da fala da
professora Violeta.

L.

Olha, o meu trabalho tem sido positivo, por qu? Quer dizer,
a gente ... A eu vou at colocar entre aspas, eu gosto muito
de trabalhar o vdeo, n, eu compro dvds, eu tenho dvds e
trago e... eu gosto de trabalhar o vdeo. [...I E u sempre utilizo porque e u acho que uma ferramenta de u m poder de
conhecimento muito grande,
(professora Violeta- Portugus).

[.I

A primeira parte da fala da professora sobre o vdeo e o poder de


conhecimento atribudo a essa ferramenta nos permite tecer alguns
comentrios a partir do que Certeau (2008) coloca sobre os usos e/ou
consumo dos objetos sociais pelos usurios. Para o autor, na relao
de consumo estabelecida entre o usurio e as imagens difundidas pela
televiso, por exemplo, o consumidor no age passivamente durante
o tempo que passa diante do aparelho. Enquanto consumidor cultural, o usurio fabrica sua prpria forma de consumo a partir do que

157

veiculado atraves das imagens. Esta produo no possui um lugar


prprio, ela se mostra e se faz notar nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econmica dominante.
Nesse sentido, entendemos haver uma relao entre o que diz o
autor e a fala da professora sobre o poder de conhecimento viabilizado
por meio do uso do video/DVD, uma vez que a rea de conhecimento
a Lngua Portuguesa, o uso do video permite uma associao entre os diversos tipos de linguagem e pode significar a possibilidade de
construo de novos olhares, pelo aluno, acerca do assunto estudado.
Buscamos, no entanto, no centrar o foco apenas em uma ferramenta tecnolgica especfica. Por isso, retomamos trechos da fala da
primeira professora, sb que agora sobre o uso do Laboratrio de Informtica - LI em suas aulas, pois esta nos fornece elementos interessantes que podem sinalizar uma ressignificao da leitura em sala de aula.

[...I quanto a sala, eu trabalhava muito l na sala de computao na questo at da produo do texto, n, nem sempre a
pesquisa em si, mas a questo da prpria produo de texto,
n. Ento o aluno produzia o texto em sala e ele ia at a
sala de informtica redigir esse texto, por qu? Porque um
texto, quando voc abre a caixa de texto l no Word, voc
tem aquela parte de verde e vermelho, ento ali, o aluno,
ele comea ... Quando ele escreve que t o verde ento algum problema de concordncia, de regncia, que bastante
interessante. Ento o aluno, ele vai a partir daquela linha,
mesmo sem saber a regra, mas ele comea a perceber o correto e se sair vermelho porque aquela palavra est escrita
errada, n, ento a tambm ... ento muito bom ter esse
acesso (inint) alm da pesquisa que fantstica, n, o livro
didtico hoje, ele apenas uma ferramenta, n, que voc
com ele...ele vai te direcionar pra que atravs da pesquisa ...
(Professora Violeta).
No relato sobre a prtica desenvolvida durante a aula com os
alunos no LI podemos perceber elementos que parecem sinalizar um
redimensionamento da produo textual pela professora. Ao levar os
alunos para o LI, aps produzirem um texto, para por meio das ferramentas disponibilizadas no computador realizar a correo de aspectos grsficos e gramaticais do texto, a professora sinaliza com a criao

158

CURR~CULO
ESCOLAR

de uma ttica de consumo que permite ao aluno ir descobrindo, aos


poucos, as regras sem ser obrigado simplesmente a memoriz-las.
Os recursos disponveis no editor de texto - Word - funcionam
como auxiliares na produo dos alunos, pois ao visualizar no monitor
os erros marcados de acordo com os cdigos - cores -, o aluno levado
a refletir de forma ldica sobre o seu trabalho e comea a perceber e
incorporar as normas gramaticais a sua produo escrita.
Podemos ainda considerar o que diz Chartier (1994) sobre a revoluo provocada pelo texto eletrnico, que, para ele, representa tarnbm uma revoluo da leitura uma vez que ler no monitor no a mesma coisa que ler no livro, ou no caderno. Neste sentido, ao levar seus
alunos para lerem suas produes no computador a professora sinaliza
a ressignificao da prtica da leitura em sala de aula, pois coloca o
aluno em contato com uma nova forma de leitura, que lhe permite ler
e, ao mesmo tempo, fazer alteraes no prprio texto.
As possibilidades abertas pelo texto eletrnico so novas e imensas e modificam totalmente a condio destes. O texto eletrnico no
possui um lugar prprio, composto por fragmentos indefinidamente
manipulveis e permite ao leitor navegar por espaos ilimitados. Segundo Chartier (1994, p. 190), "Essas mutaes comandam, inevitvel
e imperativamente, novas maneiras de ler, novas relaes com o escrito, novas tcnicas intelectuais".
A internet a rede que liga a maior parte das redes3' e tornou-se,
ao longo de sua evoluo, o meio de comunicao interativo e universal via computador (CASTELLS, 1999). Sua capacidade de penetrao nos diferentes espaos, sua velocidade aliada a dimenso do contedo disponibili%do nas diversas reas do conhecimento tm feito da
internet uma fonte de pesquisa praticamente inesgotvel. O que pode
ser constatado na fala do professor Girassol:

de vinte anos atrs com imagens antigas, desatualizadas.

I...]Segundo, tem

site tambm com mltiplas tecnologias,


ento voc bota udio, bota vdeo, bota outras tecnologias
pra ver melhor, como por exemplo, vou falar sobre a questo ... a guerra do ... a revoluo industrial a pode ver l
s no livro, tem l uma pgina de livro com a figura, n, um
desenhozinho e tal, hoje e m dia no, o pessoal pode ter com
esse mesmo tema na internet, ter vrias pginas relacionadas a esse assunto, voc tem vrios lbuns relacionados ao
assunto, vrias imagens relacionadas a esse assunto, vrios
filmes relacionados a esse assunto, ento isso u m leque d e
aplicao muito grande, a voc abre o leque e o aluno vai ter
a responsabilidade de fazer o trabalho (Professor Girassol Matemtica).

A relao estabelecida pelo professor entre os recursos disponveis no livro e o site da internet no computador vem ao encontro do
que diz Chartier (1994) sobre a perda do poder do livro nos dias atuais.
Hoje, o livro no exerce o mesmo fascnio que antigamente, quando
chegou a ser considerado o mestre dos raciocnios e sentimentos de
seus leitores. O livro, na sociedade contempornea, teve o seu poder
em parte suplantado pelas ferramentas disponibilizadas nas NTIC.
Os livros disponibilizados na biblioteca escolar, segundo o professor, so antigos, encontram-se desatualizados, por isso, em relao
as mltiplas tecnologias disponveis no site da internet, no exercem
o mesmo fascnio nem podem oferecer a mesma riqueza de material,
como o udio, as imagens, o movimento etc. Tal entendimento , inclusive, reiterado na fala de outra professora:
E u acho, assim, que o livro, ele uma pesquisa mais direcionada, ele mais fechado, voc v a viso de um autor
ali, I...]
o que a internet possibilita isso, quer dizer... Ento
e u vejo a possibilidade ele te d a questo do momento, ele
t e d momentaneamente, n, basta voc t clicando, apertando e checando e ali voc tem condies de filtrar, voc
(Professora Violeta no momento, voc tem um leque, I...]
Portugus).

Tem site que ainda requer texto e imagem, mas tudo bem
isso a no livro tambm tem texto e imagem, s que a diferena do livro para a tela que o livro que t na biblioteca
34

'1...I segundo fontes recolhidas por Vinton Cerf, em junho de 1999, a internet conectava
cerca de 63 milhes de computadores-servidores, 950 milhes de terminais telefnicos, 5
milhes de domnios do nvel 2 , 3 , 6 milhes de stios da web, e era usada por 179 milhes
de pessoas em mais de 200 pases". (CASTELLS, 1999, p. 431-432).

E ainda neste outro depoimento: "A internet, porque nos d um


retorno mais rpido, voc clicou, voc acha ... voc anda, viaja o mun(professora Jasmim - Portugus).
do todo

[..I7'

E,"- LL

zg

<:;o

zig

Ch

w ? o .

-o z -

p o z 1 g
z c " o g
E o w E
c m

-* m m

:
z 2.
g " N o

T o

&u s 2 g

a , $ N S .
7-0
c

Vi

o..

* g o01 .e,
zo oa , g a
o

0
s o u *

2 gg3 g
z

c o

Ihe3

2 2*. -.E
C g%a2., n 0

! = C E.w
Q o E C

8 89"3

'jVimo\
Vi
" E m c

162

CURR~CULO
ESCOLAR
, em geral, espontnea no-organizada e diversificada em

finalidade da adeso. [...I A coexistncia pacfica de vrios


interesses e culturas na Rede tomou a forma da Word Wide
Web - WWW (Rede de Alcance Mundial), uma rede flexivel formada por redes dentro da Internet onde instituies,
empresas, associaes e pessoas fsicas criam os prprios stios (sites), que servem de base para que todos os indivduos
com acesso possam produzir sua homebage, feita de colagem
de variados textos e imagens.

Os dados analisados na fala do professor sinalizam possibilidades


de redimensionar o trabalho docente, por meio da produo de maneiras de fazer, aliadas ao uso pedaggico das tecnologias Podemos inferir
que o trabalho desenvolvido busca desenvolver no aluno uma relao
de aprendizagem com a tecnologia que supere o fascnio inicial diante
das possibilidades advindas da linguagem inerente a tecnologia. As tticas desenvolvidas pelo professor no seu trabalho docente, quando do
uso das ferramentas tecnolgicas disponveis no LI da escola, demonstram que ele, enquanto consumidor, tem produzido formas prprias
de consumir o produto disponibilizado.
A aula de Matemtica, muitas vezes considerada a vilo da escola, pelas dificuldades apresentadas na compreenso dc seu contedo,
se transforma, se torna mais dinmica e mais agradvel, pelas tticas
produzidas pelo professor, durante os usos do LI e ao oportunizar aos
alunos os meios para pesquisar sobre o contedo, preparar uma apresentao deste contedo e exp-la para a turma por meio de slides.
Desta maneira, o professor busca ressignificar a sua prtica e mudar a
rotina expositiva, cornurn em algumas aulas de Matemtica.

4 CONSIDERAOESFINAIS
As relaes estabelecidas no espao escolar durante o desenvolvimento do trabalho docente em sala de aula entre os usurios - professores e alunos - das NTIC disponibilizadas nesse espao tm muito
a dizer sobre as prticas inventadas por estes usurios. So prticas
imbudas de inmeras maneiras de fazer criadas, por vezes, silenciosamente, e que do forma ao cotidiano (CERTEAU, 2008).

Os usos das tecnologias disponibilizadas no Centro de Ensino


Ecologia Cognitiva ainda so bastante espordicos - fato que cobrado inclusive pelos alunos - e nem todos os professores utilizam estes
recursos em suas aulas, sob alegaes como: planejamento, no ter
habilidade suficiente para lidar com a linguagem tecnolgica, falta de
acompanhamento e assessoramento de um suporte tcnico especializado etc.
H uma preferncia notria pelo uso das tecnologias viabilizadas
pelo computador. Embora a Sala de Vdeo seja bastante utilizada, a
incidncia de uso recai geralmente nos mesmos professores, enquanto
no LI observamos uma diversificao maior dos usurios. Ainda verificamos que, mesmo entre os professores que utilizam os ambientes
tecnolgicos, existe uma preferncia por um ambientc em detrimento
do outro. No verificamos uma utilizao concomitante dos ambientes pelo mesmo professor.
O resultado das anlises dos usos pedaggicos das NTIC disponibilizadas no Centro de Ensino Ecologia Cognitiva desvelou que os
professores (alguns) deste centro de ensino tm produzido formas pr. prias de consumo dessas tecnologias. Isto , que estes professores, independentemente das condies postas pelo sistema de ensino, tm
buscado alternativas que viabilizem o processo ensino e aprendizagem. Por meio do uso das ferramentas tecnolgicas em suas aulas, eles
tm conseguido diversificar as formas de apresentao dos contedos
e possibilitado novos estilos de motivao, de percepo, de raciocnio
e de experincias.
Ao analisarmos as prticas implementadas em aulas de professores de Lngua Portuguesa, pudemos perceber a produo de maneiras
de fazer, ou tticas que podem sinalizar a ressignificao da leitura e da
produo de texto em sala de aula. As tticas criadas principalmente
pelos professores da rea de Linguagem surgem por meio da apropriao das vantagens e opes de leitura disponibilizadas no monitor, em
relao ao livro (CHARTIER, 1994).
Nesse percurso junto aos professores da rea de linguagens, pudemos constatar que, embora ainda haja muito pra ser explorado e at
mesmo descoberto em relao ao uso das tecnologias em sala de aula,
a atitude destes no tem sido de comodismo, mas, sim, de busca, alm

164

CURR~CULO
ESCOLAR

de no terem cruzado os braos diante das dificuldades, ou de certo


desconhecimento da linguagem dessas ferramentas, mas criam alternativas metodolgicas de uso das mesmas.
As maneiras de fazer ou tticas produzidas por professores da rea
de Matemtica, apreendidas nesta investigao, nos revelaram que o
uso da tecnologia como um meio, um apoio, tem sido fundamental
para a ressignificao do trabalho docente nesta rea. As aulas de Matemtica, geralmente expositivas e, por vezes, temidas pelos alunos,
em decorrncia de um histrico construdo sobre sua rigidez e a frieza
dos nmeros, podem ter esta sua percepo minimizada por meio de
tticas produzidas com o uso das tecnologias em sala de aula.
A produo pelos alunos de slides para estudo e apresentao dos
contedos nas aulas de Matemtica pode ser considerada uma ttica
produzida pelo professor no sentido de quebrar estigmas em relao a
disciplina e de oportunizar a estes alunos outras formas de compreenso dos contedos matemticos para alm da memorizao de regras e
frmulas. Destacamos, ainda, o uso do Excel na produo de tabelas
pelos alunos, como uma ttica, por permitir ao aluno fazer as inferncias durante a sua construo.
A primazia e o destaque recorrente na prtica de todos os professores que utilizam o LI pela internet pode incidir num certo fetichismo em torno das tecnologias, alentado pelo leque de possibilidades
viabilizadas por essa ferramenta, que coloca o aluno e professor, usurios, em contato com outros mundos, outras realidades em tempo real
(BOURDIEU, 2004).
Ao abordarmos nesse estudo os usos pedaggicos das tecnologias
disponibilizadas no espao escolar como aliadas do trabalho docente, o
fizemos no sentido de no priorizar uma tecnologia em detrimento de
outras, pois, a nosso ver, os professores devem explorar todas as possibilidades de interao e comunicao oferecidas pelos meios tecnolgicos, sejam os mais modernos ou aqueles considerados mais antigos.
A diferena vai se estabelecer no na ferramenta, mas nas formas de
consumir as tecnologias inerentes a essa.

BOURDIEU, Pierre. Razes prticas: sobre a teoria da ao. 9. ed.


Campinas: Papirus, 1996.
BOURDIEU. Coisas ditas. So Paulo: Brasiliense, 2004.
BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. Traduo de Fernando
Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 2007.
BRASIL. Ministerio da Sade. Conselho Nacional de Sade.
Resoluo nO.l96/96. 1996a. Disponivel em: c http://conselho.
saude.gov.br/resolucoes/reso~96.htm> . Acesso em: 5 ago. 2008.
BRASIL. LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional.
Lei no 9394/96. Promulgada em 20 de dez. 1996. Editora do Brasil,
1996b.
BRASIL. Ministerio da Cincia e Tecnologia. Sociedade da
Informao no Brasil. Livro verde. Brasilia, set. 2000a. Disponivel em:
c www.direitoacomunicacao.org.br/novo/index.uhu?option= com
docman&task = doc download&~id= 193 > . Acesso em: 16 ago. 2007.
BRASIL. Ministerio da Educao. Parmetros Curriculares do
Ensino Mdio. 2000.
Disponivel em: c httu://portal.mec.~ov.br/seb/arquivos/pdf/ble~ais.
&f > . Acesso em: 5 ago. 2007.
BRASIL. Ministerio da Educao. Programa de Formao de
Professores em Exerccio / Secretaria de educao a Distncia
2008. Disponvel em: c http://proformacao.uroinfo.mec.gov.br/
a~resentacao.asp> . Acesso em: 5 ago. 2008.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede - a era da informao:
economia, sociedade e cultura. So Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1.
CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: artes de fazer.
Petrpolis: Vozes, 2008.
CHARTIER, Roger. Do cdigo ao monitor: a trajetria do escrito.
Estud. av. [online], v. 8, n. 21, p. 185-199,1994. Disponivel em: c www.
scielo.br/scielo.php?pid = S0103-40141994000200012&script= sciabstract&tlng = pt - 13k > . Acesso em: 21 abr. 2009.

CURR~CULO
ESCOLAR

FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Graal,


1979.
da modernidade. So Paulo:
GIDDENS, Anthony. As conseqncias
.
UNESP, 1991. - (Biblioteca bsica).
GONALVES, Maria de Ftima da Costa. A reinveno do Maranho
dinstico. So Luis: UFMA; PROIN (CS), 2000.

CONCEPOES DE LEITURA D E ALUNOS DA 8' SERIE


DO ENSINO FUNDAMENTAL
Maria Teresa Sousa Serpa
Csar Augusto Castro

LGVY,Pierre. As tecnologias da inteligncia. O futuro do pensamento


na era da informtica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.

. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.


MARTINEZ, Jorge H. Gutirrez. Novas tecnologias e o desafio da
educao. In: TEDESCO, Carlos Juan (org.). Educao e novas
tecnologias. So Paulo: Cortez; Buenos Aires: Instituto Internacional
.
de Planeamiento de La Educacion; Braslia: UNESCO, 2004. p. 95-108.
MERCADO, Luis Paulo Leopoldo. Formao continuada de
professores e novas tecnologias. Macei: EDUFAL, 1999.
SERPA, Felippe Perret. Crise? Disponvel em: < www.faced.ufba.br/
rascunhobigital/textos/210.htm-51k > . Acesso em: 15 mar. 2009.

Entendemos que as deficincias no domnio da leitura se fazem


presentes em alguns nveis de escolarizao e constituem verdadeiros
obstculos para o aceleramento de todas as atividades acadmicas da
escola, pois, como sabemos, por meio da leitura que os conhecimentos veiculados pela escrita so adquiridos e reformulados. Dai, a freqncia de ouvirmos nos espaos escolares pblicos, em qualquer grau
de ensino, as clebres frases: os alunos no sabem ler, as crianas quase
no lem mais livros, os adolescentes tambm no, os meus alunos no
gostam de ler. Enfim, discursos que so proferidos pelos professores e
professoras e que alcanam, outrossim, os estudantes universitrios.
Em face desse contexto escolar, pesquisas acadmicas sobre a
orientao da leitura na escola, a titulo de exemplo, Silva, Lilian (1984);
Silva, (1997); Orlandi (2003) constatam um contingente de crianas e
adolescentes que no sabem ler porque se mostram incapazes de refletir, questionar sobre o contedo do material lido, de confrontar, analisar o texto com o seu contexto para que assim possam apreender os
significados fixados pelo discurso escrito. desse modo que podemos
realizar o ato de ler que , antes de tudo, compreenso. Ou seja, um
ato produzido pela leitura que se constitui no propsito fundamental
de qualquer atividade leitora. E, nesse processo de desvelamento do
significado do discurso escrito, a descodificao (correspondncia entre o som da linguagem oral e sua representao grfica) insuficiente,
sendo necessria uma ao reflexiva sobre as palavras do texto escrito.
Nesse sentido, pretendemos apresentar, alguns eixos interpretativos com relao as prticas leitoras escolares. Visando enfocar essa

168

CURR~CULO
ESCOLAR

trabalho integrado e sistematizado. Limitamos a amostra por julg-la


suficiente para a viabilizao dos propsitos da pesquisa, alm do que
a exigidade do fator tempo no nos permitiu ampliar o nmero de
escolas a serem pesquisadas. Por motivos de ordem tica, no citamos
os nomes das instituies escolares selecionadas, e do mesmo modo
no o fazemos dos sujeitos participantes da pesquisa e pertencentes a
tais instituies.
Visando manter o anonimato dos nossos sujeitos informantes,
atribumos aos textos a seguinte codificao: "A" significa resposta
emitida pelo aluno. J os nmeros indicam a quantidade de informantes. Por exemplo: A12 significa aluno 12 .
Constatamos, nos exemplos abaixo, o evidente entendimento sobre leitura associado ao normativismo gramatical, bem como compreenso e interpretao do texto. As respostas que se enquadram neste
bloco esto ilustradas a seguir:

e outras questes, apresentamos o texto em duas partes: a primeira


aborda as concepes dos educandos com relao a leitura nas aulas
de Lngua Portuguesa. Uma reflexo que trabalhamos para a elaborao da dissertao de mestrado em educao intitulada Prticas leitoras em Escolas Pblicas Municipais do Ensino Fundamental: um estudo
sobre o processo leitor dos discentes e docentes da 8" srie, na disciplina
Lngua Portuguesa, em So Luis do Maranho. Nesse caso, destacamos
apenas as concepes de leitura do corpo discente como uma forma
de mostrarmos os discursos que fragmentam, distorcem e limitam o
significado da leitura no espao escolar.
Na segunda parte, evidenciamos os resultados das pesquisas leitoras internacionais e nacionais em que questionamos o propsito do
ensino da leitura escolar na formao do leitor crtico.
Posteriormente, apresentamos a concluso seguida de algumas
sugestes para uma necessria mudana na forma de pensarmos, conduzirmos e trabalharmos o processo leitor no mbito escolar.

E um modo de aprender melhor o portugus. (A09)


I

2 O QUE PENSAM OS ALUNOS E ALUNAS SOBRE


LEITURA?
A leitura uma atividade fundamental no processo de escolarizao das pessoas. pelo ato de ler que o educando entra e m contato
com o patrimnio histrico e cultural registrado pela escrita. Dessa
forma, a leitura como uma via de acesso a esse patrimnio pode fornecer ao aluno as condies para alcanar os objetivos do ensino, estando relacionada ao sucesso escolar ou no do aluno. Destarte, uma
questo precpua para o ensino na escola a forma como o aluno ou a
aluna concebe a leitura, visto que a forma como esta pensada norteia
a prtica leitora escolar discente. Por isso, este estudo parte da necessidade de evidenciarmos as concepes de leitura dos discentes da 8"
srie do ensino fundamental, na disciplina Lngua Portuguesa, em So
Lus do Maranho e quais as suas conseqncias para o ensino-aprendizagem. Para tanto, realizamos entrevistas semi-estruturadas com 30
(trinta) educandos da 8"srie do ensino fundamental trabalhando 10
(dez) por escola. Desenvolvemos as nossas aes investigatrias em 03
(trs) escolas pblicas municipais. Assim, tentamos desenvolver um

compreender o texto. (A15)


saber interpretar o texto. (A06)
Leitura palavra desconhecida. (Al)

Cabe observar que a resposta de A09 reflete o direcionamento


do entendimento da leitura para a aprendizagem das regras da Lingua
Portuguesa, o que nos leva a refletir que, para estes informantes, a
leitura est associada as regras gramaticais e, por outro lado, mostra-se
uma atribuio apenas das aulas de Lingua Portuguesa.
Chegamos a inferir que a leitura para esses sujeitos escolares est
cada vez mais distante de uma leitura que possibilite a reflexo, o questionamento, a construo e a transformao dos significados do discurso escrito e que afirmaes dessa natureza assinalam o direcionamento
que as aulas de leitura tendem a seguir no ensino da Lingua Portuguesa.
Uma outra resposta que nos chamou a ateno foi a de A1 para quem
leitura palavra desconhecida. Esta assertiva externa que, para este
educando, a leitura se transforma em aumento de vocabulrio mediante
o conhecimento de palavras desconhecidas, em vez de ser uma questo
de construo de significado. Tal assertiva apenas uma das conseqncias da funo exercida pela leitura nas aulas de lngua portuguesa.

170

CURR~CULO ESCOLAR

Comentando a este respeito, Silva (2005a, p. 74) externa a sua


preocupao ao assinalar o triste quadro que ocupa a leitura no ensino
de Lngua Portuguesa: a de servir como pretexto para exerccios de
regras gramaticais e redao.
nesse encaminhamento da leitura, permeado por normas gramaticais, aumento de vocabulrio, motivao para redao que, aos
poucos, o ato de ler, visto por esse prisma, se torna um modelo a ser
seguido nessa disciplina. Por conseguinte, e assim que as atividades
leitoras perdem o seu verdadeiro sentido na prtica escolar.
Verificamos, ainda, que os depoimentos em A15 relacionam o
entendimento sobre leitura a compreenso do texto. Nesse sentido,
Sol (1998, p. 107) afirma que a leitura um processo constitudo de
previses que levam a compreenso do texto.
bem verdade que a leitura, independentemente do tipo, suscita
a compreenso, sendo assim impossvel falarmos de leitura sem associ-la a apreenso do que foi lido. Dessa forma, a compreenso leitora
constatada pelo desvelamento do significado do documento escrito.
Ressaltamos que as respostas dos sujeitos investigados em A15,
por exemplo, evidenciam a leitura como compreenso do significado previsto pelo texto (leitura parafrstica). Uma compreenso que se
restringe ao entendimento do discurso escrito, cabendo aos sujeitos
investigados apenas recolher a significao que o texto encerra. Limitando-os assim no horizonte da mensagem do autor, sem nenhuma
perspectiva de transformao desses significados. Constatao essa
que realizamos durante as observaes feitas em sala de aula para esta
pesquisa. Dessa forma, a leitura no cotidiano escolar assume o sinnimo de recepo passiva da informao que vai ao encontro da leitura
parafrstica.
A respeito dessa constatao, questionamos: quais so as possibilidades que a escola oferece a esses alunos e alunas para se tornarem
leitores ativos, crticos e reflexivos quando a leitura, no dilogo educacional, se reduz ao entendimento do sentido desejado pelo autor?
Ao que tudo indica, as possibilidades necessrias de formarmos
leitores reflexivos encontram-se ausentes do espao escolar, enquanto
as possibilidades reais de formarmos leitores acriticos ocupam cada
vez mais espao no mbito escolar.

1
I

1I
I

Interessante observarmos que, nas afirmaes em A06, cujo entendimento de leitura e atribudo a interpretao do texto, o que percebemos, ao longo das observaes que realizamos para este estudo,
que, para esses sujeitos, a interpretao e a compreenso so sinnimos. Desse modo, a leitura como interpretao ou compreenso
extrair o entendimento literal do discurso escrito.
Sobre esses depoimentos, vale aqui fazermos uma reflexo: se a
leitura para esses informantes interpretao da mensagem escrita,
ento os nossos informantes esto realizando uma leitura reprodutivista e conformista, visto que a interpretao inerente a atividade leitora
est sobremodo distante daquilo que esses educandos concebem no
seu dia-a-dia escolar sobre leitura.
Da, porque Ricouer (1978, p.15) explicita muito bem o ato de
interpretar nas atividades leitoras quando afirma que esse ato consiste em desdobrar os nveis de significao encontrados na significao
literal do texto.
Com efeito, o que o autor nos coloca que, a partir da compreenso literal do texto, comeamos a desdobrar os nveis de significao
que proporcionam as mltiplas possibilidades de significao do documento e que essas diversas possibilidades comeam a surgir quando descontextualizamos e recontextualizamos o texto em uma nova
situao. Portanto, a interpretao atinente a leitura se caracteriza,
sobretudo, pela descontextualizao e recontextualizao.
Assim, apesar dos depoimentos emitidos pelos sujeitos, em A06
o termo interpretao est associado, equivocadamente, a compreenso dos sinais grficos, e no as diversas possibilidades significativas
permitidas pela leitura. Nessa perspectiva, comungamos com Pfeiffer
(2003, p.95) e Silva (1997, p.15) quando explicitam sobre os procedimentos de leitura predominantes em sala de aula e a impossibilidade
de o educando refletir sobre a leitura que realiza. Deparamo-nos, assim, com um entendimento de leitura dicotomizado entre o normativismo gramatical e a leitura parafrastica, elementos que no asseveram
a esses educandos o ensino e a aprendizagem da leitura como um ato
cognitivo.

172

CURR~CULO
ESCOLAR

3 RESULTADOS DAS AVALIAESLEITORAS: algumas


reflexes
Diante do exposto, importante lembrarmos e refletirmos aqui
sobre os resultados da pesquisa internacional elaborada pelo programa
Internacional de Avaliao de Alunos (Pisa) que no ano de 2000 teve
como foco central a compreenso leitora de alunos e alunas na faixa
etria de quinze anos e que totalizou com a participao de 32 pases35.
Lamentavelmente, os resultados apreendidos nessa avaliao evidenciaram a posio do Brasil no ltimo lugar em compara,-cao aos
outros pases participantes. Os nossos educandos no conseguiram
atingir os nveis dois (02) e trs (03) - nveis que identificavam, respectivamente, informaes que podiam ser deduzidas a partir do texto
bem como o reconhecimento das relaes entre vrias informaes
contidas no texto.
Parece inegvel que o desempenho dos estudantes brasileiros nos
testes do Pisa evidenciou uma manifestao do aprendizado da leitura
no contexto escolar e que, de certa forma, os impossibilitou de responderem a questes associadas ao desenvolvimento do raciocnio, do
pensamento crtico, da capacidade de pensar, analisar e criticar, como
tambm de conhecerem verdadeiramente a funo da leitura na vida
e na sociedade.
Nessa mesma perspectiva, seguem os resultados da pesquisa a
nvel nacional36sobre compreenso leitora divulgados pelo Ministrio
de Educao e Cultura (MEC) e realizados pelo Sistema Nacional de
Avaliao da Educao Bsica (Saeb)37nos anos de 2001 e 2003. Os
dados apontam que no ano de 2001,25% dos estudantes da 8" srie do
ensino fundamedtal apresentaram desempenho crtico e muito crtico
em Lngua Portuguesa, com nfase na compreenso de textos. Na verdade, esses alunos e alunas desenvolveram habilidades leitoras muito

1
i
I

i
)
I

i
i
1

i
Finlndia, Canad, Holanda, Nova Zelndia, Austrlia, Irlanda, Coria do Sul, Reino
Unido, Japo, Sucia, ustria, Blgica, Islndia, Noruega, Frana, Estados Unidos,
Dinamarca, Sua, Espanha, Repblica Checa, Itlia, Alemanha, Liechtenstein, Hungria,
Polnia, Grcia, Portugal, Federao Rssia, Letnia, Luxemburgo, Mxico e Brasil.

Cf., O stio inep.gov.br.


37 A portaria ministerial 93 1de 2005 alterou o nome do Sistema Nacional de Avaliao da
Educao Bsica (Saeb) para Avaliao Nacional da Educao Bsica (Aneb).

j5

elementares, insuficientes para a srie que frequentavam. Por outro


lado, no mesmo ano, apenas 10,3% desses estudantes apresentaram
habilidades leitoras compatveis ou avanadas para o trmino da escolarizao, sendo que o ndice reduziu-se ainda mais, para 9,3 %, em 2003.
Na verdade, as cifras so preocupantes, pois percebemos que h
de fato uma necessidade premente de coadunar todos os esforos possveis no sentido de adentrarmos nessa questo das prticas leitoras
escolares e apreendermos todo o seu acontecer em sala de aula. Diante do exposto, como explicar ento que o educando com oito ou nove
anos de escolarizao apresente habilidades de leitura to insignificantes para um aluno que, passou pelas sries iniciais em que obteve
o contato e experincias com as prticas leitoras escolares a fim de se
situar no "mundo da cultura letrada". Finalidade essa presente no discurso pedaggico escolar.
Em relao aos resultados da Prova Brasil, divulgados em julho
de 2006, vemos que os estudantes da 4" srie em Lingua Portuguesa
(nfase em leitura) obtiveram notas que deveriam ser comuns na la
srie. J os alunos da 8" srie, com muita dificuldade, conseguiram
alcanar os contedos da 4^ srie. Esses resultados mostraram que os
alunos da 8" srie esto concluindo esse nvel de escolarizao, dominando apenas o contedo da 4" srie. Em Lngua Portuguesa (foco em
leitura), isso demonstra que os educandos, no trmino da educao
bsica obrigatria, no conseguem interpretar uma noticia de jornal e,
tampouco, identificar a idia principal de um texto.
No obstante, os resultados das pesquisas sobre leitura apresentadas aqui, a nvel internacional, nacional e local evidenciam uma situao de contraste manifestada pela instituio escolar Percebemos,
cada vez mais, que o educando est distante do mundo leitor e, conseqentemente, da sociedade letrada, na medida em que no consegue
realizar o ato de ler de sua cultura dentro de uma abordagem reflexiva,
racional que o verdadeiro processo de leitura exige.
Na verdade, tomando como base os resultados das pesquisas leitoras h muito que comentar, questionar e refletir, pois os sucessivos resultados se aproximam bastante um do outro. A situao leitora ainda
se mantm insatisfatria. Diante da observao dos fatos, notrio que
a competncia de ler e interpretar textos vm revelando-se de forma

04

5'
E:,
VJ
n

5.

E.
+

176

CURR~CULO
ESCOLAR

outros autores e personagens ou se diferenciar deles, viver


outras aventuras, inteirar-se de outras histrias, descobrir outras formas de utilizar a linguagem para criar novos sentidos.

Tendo em vista a formao desse leitor escolar, temos que estar


preparados para as diversas formas de resistncias. E, nessa luta,
necessrio e fundamental trabalharmos as prticas leitoras escolares
voltadas para uma aprendizagem que suscite nos educandos o autoquestionamento, a crtica e a conscincia. Do contrrio, estaremos
formando decifradores e ledores da cultura escrita.

O ato de ler sempre envolve apreenso, apropriao e transformao de significados pelos indivduos, independentemente do tipo
de leitura a ser abordada. Se trabalhada e direcionada mediante uma
perspectiva crtica, facilita a reflexo, o confronto dos significados desvelados bem como a busca da verdade.
Ao fazermos essas consideraes, reafirmamos a necessidade de
trabalharmos as prticas leitoras escolares de forma que a leitura de
um texto no se restrinja aos limites dela mesma, mas que remeta o
leitor para a percepo, conhecimento e anlise da realidade. Ora, ao
buscarmos a compreenso de um texto, no podemos nos limitar aos
horizontes da mensagem do autor, temos que reagir, questionar, problematizar as informaes recebidas a luz das nossas experincias e conhecimentos prvios. dessa forma que podemos construir u m novo
texto, o texto do leitor, criado pela interao dos referenciais evocados
pelo texto e pelas.experincias do leitor.
nessa perspectiva que os nossos educandos aprendero a ler significativamente e no de forma mecnica. Entretanto, ao falarmos de
leitura escolarizada no Brasil, no podemos perder de vista o processo
histrico de nossa sociedade. Um processo que, no perodo Colonial,
concedeu um encaminhamento dogmtico, conservador e unilateral
s prticas leitoras escolares. Um processo leitor que, apesar de vrios
sculos de civilizao, ainda possvel observarmos a sua presena em
meio a tantos avanos e progressos realizados no campo da leitura, a
interdisciplinaridade, a contextualizao do conhecimento, o desen-

i
I

I
,

i
i

i1

I
/

1j

volvimento de competncias e habilidades, a prpria evoluo do conhecimento numa velocidade sem precedentes e a tecnologia com os
seus saltos cada vez mais frequentes.
No por acaso que os dados informacionais do Pisa, Saeb e Prova Brasil resgataram uma realidade leitora que denuncia, entre outros
fatores, a memorizao, a repetio, a passividade, o conformismo e a
reproduo nas atitudes leitoras dos nossos educandos frente ao texto
escrito. A leitura na escola resgata, pois, o seu passado no presente em
que o aprender a ler se encerra na tecnologia da codificao e descodificao da lngua escrita, sem nenhuma preocupao com a formao
crtica do leitor. Por outro lado, essas avaliaes leitoras constituemse formas de acompanharmos a evoluo da realidade educacional do
pas em todos os nveis e a partir da estabelecer as polticas pblicas
necessrias para melhorar a qualidade na leitura da educao bsica.
Nesse sentido, a pesquisa realizada mostrou u m expressivo nmero de educandos que concebem o ato de ler apenas como o entendimento das idias do discurso escrito, reproduzindo o significado
previsto pelo autor. Tal fato demonstra que esses educandos no esto
capacitados para realizarem o ato de ler dentro de uma abordagem
reflexiva que os leve a anlise, questionamento, interpretao, produzindo assim novos e possveis significados ao discurso escrito. Portanto, a leitura como trabalhada no mbito escolar acaba promovendo
a aquisio de hbitos e comportamentos e no o desenvolvimento da
conscincia e do esprito crtico dos educandos.
Desta maneira, os depoimentos dos educandos sobre leitura
apontam para uma didtica que subverta a leitura, transformando-a
num ato cognitivo capaz de possibilitar o alargamento dos horizontes
dos educandos e que se afaste, por outro lado, de um passado leitor
demasiado distante, mas que se torna to presente nas prticas leitoras
escolares de nossos professores, professoras, alunos e alunas. As conseqncias sociais e polticas do direcionamento que segue a leitura nas
escolas investigadas so extremamente nefastas para os nossos sujeitos
leitores como indivduos e cidados tanto no presente como no futuro. E assim, esses educandos podem ficar cada vez mais distantes das
exigncias solicitadas pelas avaliaes internacionais e nacionais sobre
compreenso leitora. E, ao que tudo indica, permanecero afastados,
outrossim, da sociedade letrada.

178

CURR~CULO
ESCOLAR

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Elementos de pedagogia da leitura. 3.


ed. So Paulo: Martins Fontes, 2005.

Acreditamos que cabe a escola e aos profissionais da educao


que esto no dia-a-dia na prtica da sala de aula assumirem a orientao para uma leitura reflexiva que envolva os diversos nveis de compreenso. E, mais ainda, entendemos que o ato de ler no aquele que
se circunscreve unicamente no reconhecimento e repetio do saber
j construdo, mas aquela que seja capaz de ultrapassar os limites do
texto, de preencher os vazios textuais e de construir a significao global da linguagem
escrita. O u seja, concebemos, aqui, a leitura como
- uma atividade dinmica de construo e desconstruo de sentidos
no texto que enriquece e amplia o significado primeiro daquilo que
lido. E nesse contexto, a escola deveria ser o espao privilegiado de
construo de leitores mais crticos e abertos as vrias possibilidades
de sentido existentes em um discurso escrito. Isso significa dizermos
que a escola pode tambm produzir leitores crticos, criativos. Para
tanto, essencial fundar a sua prtica em atividades leitoras que ultrapassem a mera repetitividade e a descodificao da linguagem escrita.

. Leitura e realidade brasileira. 5. ed. Porto Alegre: Mercado


Aberto, 1997.
SILVA, Lilian Lopez Martins. A escolarizao do leitor: a didtica da
destruio da leitura. 1984. 112f Dissertao (Mestrado em Educao)
- Universidade Estadual de Campinas, So Paulo, 1984.
SOARES, Magda. Letramento e alfabetizao: as muitas facetas.
Revista Brasileira de Educao, n. 25, jan. /fev. /mar. /abr. /2004.
p. 9.
'OL, Isabel- Estratgias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: ARTMED,
1998, 194p.

CASTRO, Cludio de Moura. Precisamos de uma crise. Veja, Rio de


Janeiro, 26 abr. 2006. p. 23.
CAVALLO, Guillermo; CHARTIER, Roger (Org.). Histria da leitura
no Mundo Ocidental. tica, 1998. v.1.

I
I

FERREIRO, Emlia. Passado e presente dos verbos ler e escrever.


Traduo de Cladia Berliner. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2005.
LERNER, ~ e l i a . ' ~ eer escrever na escola: o real, o possvel e o
necessrio. Traduo de Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2002.
ORLANDI, Eni Puccinelli. A leitura e os leitores. 2. ed. So Paulo:
Pontes, 2003. p. 87-104.
PFEIFFER, Cladia Castelhanos. O leitor no contexto escolar. In:
ORLANDI, Eni Puccinelli. A leitura e os leitores. 2. ed. So Paulo:
Pontes, 2003. p. 87-104.
RICOUER, Paul. O conflito das interpretaes. Rio de Janeiro:
Imago, 1978.

O PROJETOESCOLA ATIVA NA PERCEPODO


SEU CORPO DOCENTE E DA EQUIPE TECNICOPEDAG~GICA
Anglica Maria Frazo de Souza

Nas sociedades de economia capitalista, inclusos os pases de economia perifrica como o Brasil, os organismos internacionais dentre
outras particularidades, mantm ingerncia quanto a determinao
das polticas educacionais a ponto de "sugerir7'o modelo de educao
adequado as diretrizes preconizadas pelos pases do primeiro mundo.
Nessa perspectiva, a funo social da educao, por sua vez, est condicionada as concepes de mundo e de cidadania que os organismos
"recomendam".
internacionais, como (Cepal/Unesc0,1990)~~,
Financiadores das polticas educacionais brasileiras, com o consentimento e a conivncia das elites para atender aos seus prprios interesses, referidos organismos insistem em manter um iderio supostamente capaz de resolver os graves problemas da educao nos pases
em desenvolvimento. No Brasil, constata-se, porm, em que pesem as
muitas cartas de intenes entre organismos internacionais e os pases
em desenvolvimento, que os problemas educacionais, at o final do
sculo XX, no eram superados nem amenizados.
Nesse contexto, nas dcadas finais do sculo passado, eram intensas as discusses acerca da baixa qualidade do ensino, com foco
no rendimento escolar e na distncia que a escola mantinha da realidade e dos direitos do cidado, entre outros fatores. Principalmente,

" Cepa1 - Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribel Unesco-Organizao das
Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura.

rn

O.?

L=

E.: - g
" " 0

w?"

< g

g-g

8,g

gg'

0.Z cO& : E

Dl"

-0"

'

E$.

g 8g
5

-.

"6

.;
a
=r

o"

" P 2

6'
y:

P
~ -, OSm
9
5-09
G
-.
E3
-.
g ig. r. ; g 8

.i00

' m o

~o: , e
f mo., 3 . ; o l

v1

-C d" &, a& og 3

"E

gsg

.
O

- , v i

E a ,o

= a 0

.;

L = G 3

g ~ m " : , 2'~e
95:
a o
E)"'
" 2 &8 .8a . ;.g
n j g ~9

0.8

";%R
"O09 c & $
m m
-.a 8
E-" g 5
2;.
$a 2-. 2, Zz $Z $ 2

O - S

'C1Qi'$

" " $' g $ E

Qpe, 0 9 8 g
" a 3 g'g " 3

p,5;$

B, 2 s

g g 2 - s 3 g o

w.

z.ba

% e u

'3 m =r
O
p : " Z Z ( - , "O

184

CURR~CULO
ESCOLAR

As concepes da Estratgia Metodolgica do Projeto Escola Ativa so baseadas na compreenso de que possvel alcanar mudanas
no ensino com a melhoria da prtica docente e, consequentemente,
com aprendizagem dos alunos das classes multisseriadas. Para tanto,
nessa estratgia, o aluno considerado como sujeito e centro do processo ensino aprendizagem; o currculo pertinente e relacionado a
sua vida; o calendrio e o sistema de promoo so flexveis; a avaliao realizada de forma processual e a recuperao funciona como
uma ao paralela (COLBERT, 1987, p. 15).
Segundo seus mentores, a Estratgia Metodolgica do Escola
Ativa fundamenta-se em princpios que valorizam a educao voltada
para o desenvolvimento de valores ticos, morais, cvicos e democrticos e para o fortalecimento do vnculo escola-famlia-comunidade.
Adaptadas a realidade brasileira, as intenes educacionais do Escola Ativa concretizam-se por meio de objetivos como o de ofertar as
escolas multisseriadas uma metodologia adequada e com custos mais
baixos que a n u ~ l e a o promover
~~;
a participao dos pais nos aspectos pedaggicos e administrativos da escola; melhorar a qualidade do
Ensino Fundamental da 1" a 4"srie ministrado nas escolas multisseriadas.
Por inferncia, possvel supor que os responsveis pela conduo da educao no estado acreditavam que, com a adoo de nova poltica educacional para as classes multisseriadas, mais especificamente
com a implantao Projeto Escola Ativa, seriam processadas mudanas significativas na prtica pedaggica dos professores e supervisores dessas classes o que provocaria alteraes no quadro identificado
na pesquisa $-que se faz referncia nesta Introduo. Notadamente,
ocorreriam rupturas em relao a prtica exercida, at ento, por esses
docentes em suas escolas.
Registra-se,contudo, que a aceitao as modificaes "im~ostas"
pelo estado, com a implantao de O Projeto Escola Ativa7 na prtica
pedaggica, no foi passiva, visto que elas Causaram conflitos e inseguranas a esses profissionais da educao municipal. As questes de
"

Nucleao - Denominao criada para identificar escolas que renem ou agrupam vrias
escolas isoladas em uma nica localidade.

cunho pedaggico tornavam-se desafios, considerando a realidade de


alguns professores e supervisores, que no tinham sequer a formao
em magisterio e vrios deles, comprovadamente, eram leigos.
A partir da articulao poltica com os organismos internacionais,
da deciso poltica dos gestores da educao no estado e da adeso dos
municpios, foi implantado o Projeto Escola Ativa, com propsitos de
minimizar as desigualdades e o dficit causados pela falta de qualidade
do ensino ofertado nas classes multisseriadas rurais.
Nesse contexto, reafirma-se que a implantao da Estratgia Metodolgica do Projeto Escola Ativa gerou grandes inquietaes, tendo
em vista os resqucios das prticas pedaggicas antigas e as dificuldades pela falta de formao especfica para o exerccio do magisterio.
A complexidade do processo, a experincia na implantao e execuo de um projeto social de cunho compensatrio, no modelo do
Escola Ativa, no Maranho, no ano de 1997, mais especificamente em
trs municpios da Baixada Ocidental maranhense: Bequimo, So
Joo Batista e Viana, suscitavam, tambm, questionamentos e reflexes no que se refere a prtica pedaggica de professores e supervisores.

o PROJETOESCOLA ATIVA NA PERCEPODOS SEUS


PROFESSORES, SUPERVISORES E COORDENADORES

No atual contexto scio-histrico em que a profisso docente se


insere, o profissional da educao vem sendo convidado a re-elaborar
o seu perfil e reconceituar a sua atividade e a sua competncia. Esse
processo se apresenta dinmico, para atender as necessidades do desenvolvimento humano e do sistema.
O Projeto Escola Ativa, conforme pesquisas realizadas no decorrer da constru~odeste estudo, deixa clara sua inteno em
ao
profissional que desenvolve sua prtica pedaggica, por meio de sua
estratgia metodolgica. Buscando compreender como 0s professores
e s u ~ e r v i ~ o rdo
e s Projeto Escola Ativa exercem sua prtica pedaggica
realizou-se a pesquisa de campo e obtiveram-se no pronunciamento

186

CURR~CULO
ESCOLAR

No tenho problemas porque tenho meu transporte e recebo assistncia do supervisor. (P6)

dos docentes e do quadro tcnico-pedaggico informaes sobre os


seguintes itens:
- as condies de trabalho dos protagonistas da pesquisa e nvel de
aproveitamento dos alunos na tica dos professores;
- a formao, a experincia e a rotina pedaggica do Projeto Escola Ativa na opinio dos protagonistas da pesquisa;
- uma anlise e uma avaliao da Estratgia Metodolgica Escola
Ativa, o olhar do observador descortinando a realidade.
a) As condies d e trabalho dos protagonistas da pesquisa e
nvel de aproveitamento dos alunos na tica dos professores
Os dados coletados sobre a organizao das classes em que os
professores trabalham, revelaram que as escolas atendem a alunos do
Ensino Fundamental de l a a 4" srie, com maior nmero de alunos
(aproximadamente com 22) em mdia 45 % nas duas primeiras sries,
na faixa etria entre 7 e 10 anos.
No universo pesquisado colheu-se que 85 % das turmas pesquisadas, em um total de 10 turmas, esto organizadas com alunos da 1 5
4" srie e 15% das classes esto organizadas com duas sries apenas e
funcionam em dois turnos.
Dos 10 professores questionados sobre as dificuldades de trabalhar na zona rural de Viana obtivemos as seguintes dados:
Eu moro na prpria comunidade, mas as vezes difcil porque tenho pouco material para trabalhar. (Pl)
h.

No moro na comunidade, mas gosto de trabalhar na zona


rural, s difcil no inverno e quando no tem todo material
que preciso. (P2)

i
1
I
1

I
1

No tenho muitas dificuldades e chego bem cedo a escola.


(P3)

S fico triste porque s vezes chego tarde, pela distncia de


minha casa. (P4)

Trabalhar na zona rural me agrada. O problema, s vezes,


a falta de recursos didticos, papel e outros materiais para o
cantinho de aprendizagem. (P5)

Procurou-se, tambm, nos questionrios aplicados, perceber as


dificuldades encontradas na aplicao da estratgia metodolgica do
Projeto Escola Ativa, o nvel de satisfao e os aspectos inerentes a
aprendizagem do aluno. Todos esses itens foram analisados tendo
como referncia as respostas dos sujeitos da pesquisa.
Nessa tica, perguntou-se aos professores sobre os aspectos de
aprendizagem em que os alunos apresentam maior aproveitamento.
De todos os pesquisados 66% indicaram leitura e escrita, enquanto
que 34% evidenciaram que os alunos se destacam mais em domnio
das operaes matemticas, socializao e conhecimentos gerais.
A pesquisa buscou saber, ainda, a opinio dos supervisores, quanto ao nvel de satisfao demonstrado pelos alunos e pelos professores
com o Projeto Escola Ativa. D e acordo com os trs supervisores pesquisados, os alunos esto satisfeitos com o Projeto, esse mesmo universo corresponde ao nvel de satisfao dos professores com o Projeto
Escola Ativa.
Os supervisores acrescentam que a satisfao dos professores
com o Projeto percebida pela dedicao e empenho com que estes
executam suas atividades, com compromisso e responsabilidade em
sala de aula e nas aes com a comunidade, atitudes compatveis com
os objetivos do Projeto.
Buscou-se saber sobre a estrutura fsica das escolas e 100% dos
pesquisados reconhecem que estas precisam ser mais bem adequadas,
apesar das reformas sofridas nesses anos. Os dados indicaram que, na
totalidade das escolas pesquisadas, apenas 50% possuem instalaes
sanitrias adequadas. No que diz respeito s questes referentes a iluminao das salas e ventilao foram consideradas adequadas, contudo, em todas as escolas o quesito bebedouro foi revelado como inadequado, pela inexistncia desse equipamento, essencial a sade da
comunidade escolar.
Quanto aos recursos didticos e eletrodomsticos, os supervisores pontuaram que a ausncia desses, de certa forma, constitui-se em
impedimento para algumas aes, e logo acrescentam que h neces-

188

CURR~CULO
ESCOLAR

sidade de aquisio dos mesmos. Explicaram ainda que, em ao conjunta com a comunidade escolar e em parceria com a equipe tcnica,
procuram no permitir que essa dificuldade venha impedir o desenvolvimento das atividades nas escolas.
D e certa forma, a postura explicitada pelos sujeitos da pesquisa
reflete a "inculcao" de uma prtica vivenciada na formao oferecida pelo Projeto, quando lhes atribuem a responsabilidade pelo sucesso do Escola Ativa de forma que buscam solucionar situaes que
venham prejudicar a eficcia do Projeto.
b) A formao, a experincia e a rotina pedaggica d o Projeto
Escola Ativa na opinio dos pesquisados
Na pesquisa de campo, os supervisores foram questionados sobre
a capacitao dos professores do Projeto da Escola Ativa e estes responderam que processual e envolve toda a comunidade escolar. Nesse sentido, percebeu-se que todos os professores tiveram capacitao
inicial, e e m relao capacitao contnua, as informaes revelaram
que, de acordo com 100% dos professores, o processo de retroalimentao e capacitao continuada, realizam-se em sistemticos encontros
mensais, os microcentros, nos quais so feitas oficinas de aprendizagem para, entre outras aes, procederem troca d e experincias. Conforme Dewey (1976, p. 31), a experincia no se processa apenas dentro
da pessoa: "Toda experincia genuna tem um lado ativo, que muda de
algum modo as condies objetivas em que as experincias se passam".
Compreender as idias que norteiam essa (no to) nova forma de
pensar a aprtsndizagem e, dentre elas, a idia de experincia no pensamento d e Dewey, uma das significativas contribuies herdadas
pelo Projeto Escola Ativa, explorada na Estratgia Metodolgica com
a caracterstica denominada de respeito s experincias (conhecimento prvio) anteriores a chegada na escola.
Nos estudos realizados ficou patente a nfase dada a experincia
como ponto de partida para a aquisio de conhecimentos tanto para
o professor, no processo da formao inicial para a prtica docente em
classes multisseriadas, quanto para o aluno em sala de aula.

Faz-se meno, tambm, a outro aspecto bem visvel na orientao oferecida ao profissional da educao em sua ao docente, trata-se da incumbncia dada a esse docente no sentido de que seja reflexivo na sua prtica pedaggica: "[ ...I pensar o esforo intencional
para descobrir as relaes especficas entre uma coisa que fazemos e
a conseqncia que resulta, de modo a haver continuidade entre ambas" (DEWEY, 1959, p. 159). Convm ressaltar que as idias do liberal
Jonh Dewey, acerca da ao reflexiva e da experincia, permanecem
atuais e, ainda hoje, so discutidas nas concepes formuladas pelos
estudiosos Schon e Tardif.
No Projeto Escola Ativa, a formao de professores deve se voltar,
pois, para experincias significativas, uma vez que tais experincias
tm valor educativo. Nessa tica, a preparao dos docentes tem papel
fundamental na implementao da Estratgia Metodolgica do projeto Escola Ativa.
Conforme Colbert (1987) afirma, a capacitao inicial precisa ser
vivencial para garantir a efetiva qualidade do Projeto, que, por sua vez,
responsvel pela melhoria das prticas pedaggicas e, como conseqncia, da aprendizagem dos alunos. Para essa autora, os professores das escolas multisseriadas precisam saber inovar, criar e incentivar
seu pblico, pois tm como desafio alunos com diferentes ritmos de
aprendizagem e com heterogeneidade etria existente e m funo das
elevadas taxas de repetncia e do ingresso tardio de muitas crianas,
nas escolas. Destaca, ainda, a importncia de o professor dominar os
contedos das reas de ensino, uma vez que um dos objetivos do Projeto centraliza-se na aquisio da leitura e da escrita e clculos inatemticos, dentre outros.
Para tanto, o Projeto requer que os professores estejam preparados para desenvolver sua prtica pedaggica a partir do planejamento
pautado nos componentes curriculares e nos planos de aula compatveis com os alunos. E na elaborao, o planejamento precisa, sempre,
considerar a heterogeneidade da sala de aula, uma vez que trabalha
com vrias sries e com alunos de faixa etria diferenciada, devendo,
para tanto utilizar-se de sua experincia pedaggica, de modo a tornar
os alunos estimulados e participativos no processo educativo.

190

CURR~CULO
ESCOLAR

Colbert (1987) ressalta, ainda, que esses profissionais precisam


exercitar a observao a fim de proceder a avaliao do desempenho
dos educandos, compreendendo, nessa ao, um momento para ajudar ao aluno e no para puni-lo.
O modelo pedaggico baseado no Projeto Escola Ativa requer
que a escola promova a participao de todos, exercite o pensamento
crtico, a criatividade, a cooperao e uma educao personalizada.
Dessa forma, so necessrios professores capacitados dentro de uma
nova proposta pedaggica, com profissionais capazes de lidar com as
diferenas existentes nas salas multisseriadas.
Na pesquisa, perguntou-se tambm sobre o nvel de satisfao
dos sujeitos da pesquisa com a implantao do Projeto Escola Ativa e
os professores e supervisores afirmam estarem satisfeitos com a implementao da metodologia. No obstante, so perceptveis limitaes
em alguns elementos relativos a gesto.
Buscou-se, na compreenso do processo de formao do profissional do Escola Ativa, analisar um outro procedimento pedaggico
para qualificao desse profissional denominado microcentro.
Segundo Colbert (1987) os microcentros tm como objetivos
principais socializar experincias e buscar solues conjuntas para os
obstculos detectados, Os microcentros so elementos estratgicos
do Escola Ativa, que oportunizam aos professores momentos de autoavaliao, intercmbio de experincias, construo de novos conhecimentos e tambm discusso com os colegas sobre as dificuldades
do processo de ensino aprendizagem que cada um enfrenta no seu
dia-a-dia.
h.
Percebe-se nesse recurso metodolgico do Projeto mais uma contribuio deweyana, uma vez que para Dewey (1952, p. 117) o espao
escolar deveria estar em comunicao e intercmbio, pois o isolamento pode causar "a rigidez, a institucionalizao formal da vida, os ideais
estticos e egostas".
Seguindo a afirmativa de Colbert (1987), os microcentros constituem-se em processo de interao que tm como objetivo garantir a
troca de conhecimentos, aquisio de experincias e discusso de interesses com a finalidade de enriquecimento, participao, construo e

,
I

I1

vivncia de uma democracia efetiva. So uma estratgia que deve ter a


participao efetiva de todos os envolvidos, desde o planejamento ate
a execuo do encontro.
Questionaram-se os supervisores e professores das escolas pesquisadas sobre o funcionamento desses microcentros, e eles afirmaram
que trabalham no planejamento e coordenao dos encontros, sendo
que os mesmos acontecem mensalmente e funcionam de maneira a
promover a troca de experincias e a construo de novos conhecimentos. As opinies foram expressas pelos supervisores da seguinte
forma:
Na elaborao e planejamento dos microcentros, so includos momentos de reflexo que so planejados, principalmente, com o objetivo de promover, atravs da socializao,
o intercmbio de experincias entre os professores. (SI)
Nos microcentros sempre oportunizado o esclarecimento
de dvidas, trocas e/ou relato de experincias, bem como
buscamos realizar sesses de estudo, oficinas de aprendizagem e o planejamento bimestral dos componentes. (S2)

Acontecem todo ms, os estudos realizados nos microcentros. Eu gosto porque tenho oportunidade de aprender mais
e de tirar minhas dvidas. (PI)
Para mim muito importante o microcentro, porque tanto
aprendo quanto vejo meus colegas para tirar dvidas e dizer
o que fiz de bom na minha escola. (P2)
AS vezes tenho dificuldade de ir aos microcentros porque
acontecem no sbado, mas e u gosto muito porque eles me
esclarecem as dvidas e estudo mais coisas e fico muito satisfeita. (P3)

Gosto muito porque os supervisores orientam e fazemos


juntos os planejamentos e os estudos. (P4)
Em minha opinio, os microcentros deveriam acontecer
.-.
quinzenalmente, pois temos a oportunidade de estudar
mais. (P5)
-

Estes microcentros so importantes para a minha prtica pedaggica porque me orientam nas dificuldades, me obrigam

192

CURR~CULO
ESCOLAR

a estudar mais e me permitem dialogar com meus colegas,


alm da confraternizao que ocorre neles. (P6)

Pelas respostas, destaca-se que na opinio de 100% dos professores os microcentros desempenham satisfatoriamente sua funo.
Os docentes explicitaram que a proposta dos microcentros, alm de
promover o intercmbio de experincias, permite que os professores
socializem as aes que desenvolvem nas escolas que participam do
Projeto, destacando seus xitos e dificuldades, ademais de incentivarem o esprito solidrio na busca de solues para resolver as dificuldades apresentadas por cada participante.
As informaes captadas, na pesquisa de campo, permitiu-nos
perceber que h parceria entre supervisor e professor. Esses demonstram companheirismo e solidariedade entre eles e os professores mostraram-se satisfeitos com a assistncia pedaggica dos supervisores nas
escolas.
O sistemtico acompanhamento pedaggico pode permitir que
os supervisoi-es avaliem o nvel de aprendizagem dos alunos e, consequentemente, balizem a prtica pedaggica dos professores. Essa
sistemtica possibilita, ainda, a esses profissionais prestarem as orientaes e intervenes necessrias aos docentes em sua ao pedaggica. Conforme dados registrados no dirio de campo, pode-se perceber
que o supervisor usa um relatrio de acompanhamento cujos dados a
serem registrados relacionam-se aos componentes, elementos e instrumentos do Projeto. Registrou-se, ainda, que o preenchimento desse
instrumento ocorre no momento da estada do supervisor na escola, e
a proporo quaele vai observando a ao do professor vai registrando
em seu relatrio.
Um dos objetivos propostos pelo Projeto Escola Ativa diz respeito
a funo do supervisor como relevante nas situaes de aprendizagem
dos alunos na sala de aula, e para melhorar o rendimento escolar do
aluno e do profissional em sua prtica pedaggica. Os dados e inforinaes coletados revelaram que para todos os professores entrevistados, o acompanhamento realizado pela superviso contribui para a
melhoria da gesto escolar e para os trabalhos que desenvolvem na sala
de aula.

Desse modo, o rendimento do educador acompanhado pelo supervisor de cada escola em que trabalha com o professor, analisando
a aprendizagem dos alunos e propondo nas intervenes realizadas
atividades para os que apresentem maiores dificuldades, de forma que
os alunos possam avanar em seu prprio ritmo e o professor melhorar
em seu rendimento profissional.
Na opinio dos supervisores entrevistados, o rendimento dos
professores satisfatrio. Conforme esses profissionais, o resultado
se efetiva pelo trabalho conjunto realizado por toda a equipe tcnica de superviso, que no planejamento programa as aes de forma
a contribuir com a prtica pedaggica dos professores. Acrescentam,
tambm, que se preocupam em valorizar o trabalho desse profissional,
pela responsabilidade e compromisso com que eles desenvolvem suas
atividades, pelo estmulo a leitura, a troca de livros, e na efetivao dos
microcentros, que, na opinio dos supervisores, contribui para melhorar o desempenho docente.

3 O FUNCIONAMENTO DO PROJETOESCOLA ATIVA NA


CONCEPODOS COORDENADORES
Para que se percebesse o nvel de funcionamento do referido Projeto, realizaram-se entrevistas com as coordenadoras estadual e municipal do Projeto, que revelaram aspectos importantes em nvel do
Maranho. Explicita-se, contudo, que no sero apresentadas todas
nesse artigo.
Ao serem questionadas sobre as mudanas nas equipes em conseqncia de mudanas polticas, responderam:
Infelizmente, falo isso no apenas e m relao ao Maranho,
falo em mbito nacional. Costumo sempre dizer aos nossos
professores e supervisores que, infelizmente, somos u m pas
de dois anos, pois de dois em dois anos temos uma eleio:
para presidente, governador, para prefeito e, com essas mudanas, d-se uma quebra haja vista a mudana constante da
equipe que no nomeada, contratada. Considero como
pontos fundamentais para o sucesso da estratgia a continuidade de equipe que j conhece esse trabalho. A estratgia

CURR~CULO
ESCOLAR

muito boa, desde que se tenha uma forte viso poltica, uma
credibilidade e uma construo da memria do municpio.
Infelizmente, os municpios ainda no tm conscincia da
importncia de construir sua memria, e para ns que estamos acompanhando essa situao, tendo que reconstruir
sempre a memria do Projeto nos municpios, torna-se difcil at fazer uma avaliao. (Cl)

Neste sentido, a coordenadora (Cl) complementa sua fala:


A preocupao das pessoas que fazem o Escola Ativa, principalmente dos professores, quando ocorrem as eleies, se expi-ess~~
em questionamentos do tipo "ns vamos sair?", "ns
vamos continuar?". Frente a essas situaes, preciso que as
comunidades trabalhem no sentido de exigir que os professores permaneam nas escolas, uma vez que a metodologia
est clando certo. Logo, esses professores precisam permanecer e dar continuidade ao que est dando certo. At em
nvel de governo do estado, as mudanas so grandes, muda
o governo, muda o secretrio, muda o coordenador, muda
tudo. E necessrio que as polticas pblicas sejam realmente
efetivadas, como poltica educacional e o pilar principal, no
meu entender, acreditar, a voz do povo, o social e o fazer poltica fazendo valer os nossos direitos e as crianas precisam disso. Acrescento que estamos vivendo, no momento,
situaes difceis com a mudana de prefeitos, pois alguns
secretrios ao sarem da secretaria deram sumio em documentos, deixando o municpio e o Projeto sem memria.
Demonstro ainda minha insatisfao com as posies politiqueiras de alguns municpios que escolhem os supervisores
pela contribuio poltica que esses oferecem. No observo
nenhuma mudana em nossos dirigentes polticos. Como
''disse anteriormente, precisamos reivindicar nossos direitos
como cidados. (CI)

A coordenadora 1, em suas respostas, demonstra que percebe a


escola como um espao social de disputa hegemnica, na qual, pela
ao pedaggica, torna-se possvel promover uma tomada de conscincia, para melhorar a qualidade de vida dos alunos via professor/
escola; uin convite para a conquista de direitos e, consequentemente, da libertao. Sua fala revela uma percepo critica da realidade. E
possvel inferir da postura da entrevistada um tom de alerta para seus

colegas - profissionais da educao, um convite s comunidades, aos


pais e aos profissionais da educao no sentido de que esses reconheam seus direitos.
Pelas possveis leituras supramencionadas, se percebe na coordenadora (Cl) uma insatisfao com o sistema e embora esteja atuando nele no esta acomodada a este. Contrariamente, sugere que
os profissionais e comunidades procurem melhorar suas vidas, procurem garantir aos seus alunos o direito educao com qualidade, sem
submisso, no apenas reproduzindo ordens. O que, de certa forma,
implica contradio aos preceitos do Projeto Escola Ativa que busca
assegurar educao de qualidade para qualquer cidado. Corrobora
com essa concepo a coordenadora (C2)cuja resposta traz elementos
indicativos desse posicionamento:
H uma quebra quando ocorrem essas mudanas. A cada
mudana h um recomear. Em Viana, no tivemos tantas
quebras porque o prefeito que levou o Projeto Escola Ativa
governou durante oito anos e depois elegeu seu candidato
e a continuidade dessa ao para classes multisseriadas foi
garantida. Uma descontinuidade ocorre quando o professor,
que j foi capacitado, pede para ser transferido para outro
local. Acredito que precisamos ter mais conscincia do nosso
papel como educadores. (C2)

Perguntou-se aos entrevistados se gostariam de comentar mais


sobre a estratgia metodolgica do Projeto Escola Ativa e eles prontamente responderam:
Eu hoje escutei um depoimento de um professor, em relao a essa transformao social que o homem precisa ter.
Precisa ter conscincia crtica, e achei interessante o que ele
colocava. "Antigamente as crianas que estudavam na zona
rural ficavam margem de tudo o que acontecia na sede.
Hoje quem est fazendo a diferena, nos municpios, so
exatamente essas crianas que esto nas escolas dos povoados e, boa parte delas, so crianas que estudam na Escola
Ativa com a metodologia dessa escola. Na verdade, ns no
temos outra metodologia que venha atender as necessidades das classes multisseriadas rurais e que faa realmente a
transformao social que tanto alinejainos".

196

CURR~CULO
ESCOLAR

4 CONSIDERAESFINAIS

S e ns escutarmos depoimentos dos pais, das comunidades,


das crianas, sobre o Projeto Escola Ativa, vamos perceber
que precisamos caminhar mais, temos falhas, sim, precisamos melhorar, sim, mas j viemos de muito mais longe e
alcanamos indicadores positivos, os municpios tm provas
disso. A prpria coordenadora do municpio de Viana, aqui
presente, terminou de falar dos bons resultados da provinha
Brasil, nesse municpio. Dizem que eu devo deixar de falar
da Escola Ativa com o corao, mais porque e u acredito,
e u vejo que ela realmente muda, que ela transforma e que
pode, sim, fazer essa transformao, desde que seja vista de
forma positiva e desenvolvida com responsabilidade social,
pedaggica e poltica. ( C l )

'.

Com certeza, preciso falar mais um pouco. A Estratgia


Metodolgica do Escola Ativa, na minha concepo, s tem
contribudo com a educao deste pas, ainda que existam
crticas e m relao a estratgia. Compreendo que com o
Projeto s possvel melhorar. O que precisamos que os
governantes tenham uma viso alm das questes politiqueiras, que pensem pedagogicamente e se perguntem que educao estamos querendo e oferecendo para nossas crianas?
No possvel que, e m pleno sculo XXI, no se pense em
uma poltica que vise uma transformao social. E preciso,
sim, que se pense uma poltica que venha libertar essa populao rural. Tenho certeza que h uma possibilidade d e ser a
educao uma contribuinte para se conseguir alcanar essa
transformao social. Eu acredito e tenho certeza de que a
Escola Ativa est a pra isso e tenho certeza de que vamos
conseguir fazer alguma coisa por esse pas, sim. E preciso
que nossos governantes vejam essa estratgia com outros
olhos. E preciso que o professor dispense mais tempo as comuriiades. Sabemos que d trabalho e que requer tempo
para que esse profissional esteja nas comunidades fazendo
educao, por essa razo o gestor precisa dar mais ateno
para a educao na zona rural e melhores condies aos professores e supervisares (C2).

A fala das coordenadoras demonstra adeso dos profissionais ao


Projeto. As educadoras revelam ter clareza acerca do seu papel como
formadoras de opinio e como profissionais capazes de compreender
a realidade bem como ter uma postura crtica e poltica que venha
contribuir para mudanas no espao social do qual fazem parte.

1
!

:
i

i:
!

i
i

i
I

i
i
I

i
,

Conforme se constatou no corpo desse trabalho, as presses e as


contradies do sistema econmico capitalista, decorrentes, sobretudo, do fracasso de alguns dos valores mais caros da democracia, como
igualdade de oportunidades e universalizao do saber, impunham aos
pases a busca por novos paradigmas educacionais que dessem respostas a necessidade de reestruturao do sistema.
Nessa perspectiva, surgem, nas primeiras dcadas do sculo XX,
movimentos como o Escolanovismo que sedimenta a concepo de
que a educao deve adequar o homem as exigncias postas pelo
modo de produo capitalista, cabendo tambm educao a responsabilidade de prover aos cidados condies para que esses se integrem
na sociedade e reproduzam seus valores.
As concepes, porm, no se retratam nas prticas e nos resultados. Em que pese o esforo para colocar a educao no patamar de redentora dos desvios socioeconmicos, a qualidade do ensino dos pases
em desenvolvimento configurava-se, ento, e tambm na atualidade,
como meta a ser alcanada. Notadamente, a reverso da situao catica pela baixa qualidade da educao revela-se como um grande desafio.
Compartilhando dessa situao, o Estado brasileiro propala que
necessrio promover uma educao de qualidade que possibilite ao
cidado sua insero no mundo do trabalho e na vida social com dignidade. Em consequncia da juno de vrios fatores, recorre aos organismos internacionais e a experincias como o Projeto Escola Ativa.
Partindo-se do entendimento aqui delineado, o percurso terico
realizado nesse trabalho pde permitir a compreenso de que o Projeto Escola Ativa apresentava-se como uma tentativa de reverter os
baixos resultados do rendimento escolar apontados pela avaliao do
Saeb. O Maranho encontrava-se abaixo da mdia nacional. Embora
os pfios resultados no se restringissem a uma modalidade de ensino
em especial, o Estado acreditava que o resultado negativo da avaliao, era tambm contribuio das classes multisseriadas, pela falta de
qualidade do ensino oferecido naquelas, em decorrncia, entre outras
causas, da falta de formao dos professores, que o conduzia para baixos rendimentos escolares, mais especificamente, altas taxas de reprovao e distoro idade/srie, alm de pouca qualidade do ensino.

198

CURR~CULO
ESCOLAR

necessrio ressaltar que o estudo realizado sobre a prtica pedaggica desses profissionais foi feito a partir da forma como estes se
percebem. So suas falas que direcionam todo o possvel olhar e as
consequentes inferncias que foram feitas.
Como conseqncia da referida anlise, pde-se perceber que:
- As condies de trabalho dos docentes ainda so precrias e, embora tenha alterado um pouco a infraestrutura das escolas, este fator
no o nico ou o mais importante, porm, essencial para mensurar
as mudanas na atuao dos docentes. Em relao a equipamentos
eletrnicos e eletrodomsticos, a prefeitura no tem correspondido ao
compromisso assumido quando da implantao do Projeto. Quanto
aos recursos didticos, as escolas multisseriadas do municpio de Viana contam com todos os elementos do componente curricular.
- No que se refere a categoria formao / experincia / rotinas,
a Estratgia agilizou a busca pela formao e pela qualificao profissional, a ponto de um quadro docente com pouco ou nenhuma
formao, em trs anos, tornar-se qualificado, pelo menos em nivel
mdio (magistrio). Atualmente, cinco dos seis pesquisados tm nivel
superior.
- Sobre suas prticas pedaggicas, esses profissionais aprenderam
a planejar e avaliar, bem como se tornaram mais interessados e comprometidos com a sua ao pedaggica. Novos valores foram construdos e exercitados pelos docentes, tais como: respeito em relao ao
aluno e a ele mesmo e tambm o reconhecimento de sua funo como
mediador do processo ensino aprendizagem e o exerccio constante na
participao em formao continuada.
A pesquisa'~evelou,contudo, movimentos que se articulam ou se
explicam dialeticamente. Se de um lado essa Estratgia no consegue
romper com a lgica do sistema capitalista que se mantm, sobretudo,
porque se apia em uma concepo reprodutivista de educao, mesmo que, em alguns pontos rompa com o sentido da adequao pura e
simplesmente do aluno, do professor e at da comunidade aos ditames
da classe dominante; por outro lado, os procedimentos metodolgicos
possibilitam, aos envolvidos no processo, vivncias que lhes permitem
perceber a necessidade de transformao social para que mudanas se
operem em suas vidas. Extrapolam, assim, aos objetivos do sistema.

Os pesquisados revelam satisfao em relao ao trabalho desenvolvido, acreditam que a adoo do Projeto vem mudando, de forma
significativa a aprendizagem dos alunos e suas prticas pedaggicas,
apesar dos desafios e das criticas que fazem ao Projeto. Na voz dos
pesquisados, no se identificam, apenas, idealizaes ou aceitao
passiva do Projeto. Muito ao contrrio, h conscincia de que o Escola Ativa, embora com limitaes de ordens diversas, contribui para o
crescimento dos alunos e dos prprios profissionais.
Como se deduz das falas e dos resultados, em que pese a inevitvel
critica aos projetos de cunho compensatrio, como o Projeto Escola
Ativa, cujas bases polticas assentam-se no liberalismo, revestidos e inseridos na atual percepo neoliberal, avanos foram identificados na
pesquisa, no que diz respeito a melhoria do processo ensino aprendizagem, a reverso de indicadores negativos, a participao da comunidade nas atividades da escola, a sensibilizao do professor em buscar
formao, a tomada de conscincia de classe por parte dos sujeitos da
pesquisa e, principalmente, a viso destes quanto ao prprio Projeto.
Tais constataes excluem das anlises o risco de um determinismo econmico e poltico, as vezes sedutor, mas que tende a reduzir as
relaes humanas a maniquesmos perigosos.
Finalmente, pretende-se que este trabalho represente o encontro de uma prtica alicerada na formao profissional somada a uma
reflexo desta realidade. Espera-se que esta pesquisa possa contribuir
para o conhecimento da realidade educacional do Maranho e tambm para a melhoria da prtica dos profissionais do Projeto Escola
Ativa.

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideolgicos do estado. 3.


ed. Lisboa: Editorial Presena, 1974.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reproduo.
Traduo de Reynaldo Bairo. 3.ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves, 1992.

CURR~CUCO
ESCOLAR

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, N o


9394/96.1996. Disponvel em: C http://~ww.~lanalto.gov.br/
~~1vIL-03/LEIS/L9394.htpm> . Acesso em: 12 jjul110 2007.

. Ministrio da Educao. Fundescola: Fundo


~ ~ ~ t ~ l ~ ~dai Escola:
m e n t1998-2002.
o
Braslia, DF: MEC, 2003.

de

~ ~ ~ l Mundial
~ ~ ~de Educao
o para Todos. I*: Plano
Decenal de Educao para Todos. Braslia: MEC, 1993.

. ~ i ~ i s t da
~ iEducao
o
e Cultura. Manual d e operaes e
implementaes do Projeto - MOIP: orientaes gerais. Braslia:
MEC, 2002. Digitado.
. Ministrio da Educao e Cultura. Fundo de Fortalecimento
da Escola. Escola Ativa. Guia d e formao d e professores do Escola
Ativa. Braslia: MEC, 2005.
. Ministrio da Educao e Cultura. Plano Nacional d e
Educao. Rio de Janeiro, 1962.
CNE/CEB. Diretrizes operacionais para a Educao Bsica nas
escolas do campo. Resoluo CNE/CEB No 1, de 3 de Abril de 2002.
COLBERT, Vicky; LEVINGER, Beryl; MOGOLLN, Oscar. Manual
hacia la Escuela Nueva. Ministrio de Educacin de Colmbia.
Santaf de Bog(it,1987.
. Escuela nueva dimensionada e n la educacin bsica.
Ministrio de Educacin de Colmbia. Santaf de Bogot,1987.
DEWEY, John. Experincia e educao. 2. ed. So Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1976.
. C o m &pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo
com o processo educativo (uma reexposio). 3. ed. So Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1959.
. Vida e educao. So Paulo: Melhoramentos, 1978.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do crcere. Edio e traduo, Carlos
Nelson Coutinho. [s.L], 2006, v. 2.
. O s intelectuais e a organizao da cultura. Traduo de
Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1985.

o n c e ~ ~ 197Ba.
dialtica
o
da histria. 2. ed. Rio de Janeiro,
CivilizaoC Brasileira,
SOUZA, A.M.E Prticas educativas criticas e educao do homemContemporneo no estado do Maranho: convergncias e/
Ou divergncias de uma proposta curricular. 2008.
TOMMASI, L. Financiamento do banco mundial no setor educacional
brasileiro: 0s projetos em fase de implementao. ~ n TOMMASI,
:
L.
de
M.J-, HADDAD, S. (org). 0 banco mundial e as polticas
educacionais. so Paulo: Cortez, 2000.
WARD7

AS RELAOES ENTRE JORNALISMO, DIVULGAAO


CIENTIFICA E EDUCAO E SUAS REPERCUSSOES NO
CONTEXTO ESCOLAR
Carlos Erick Brito de Sousa
Antonio Paulino de Sousa

Buscamos entender como se processa a relao entre jornalismo


e divulgao cientfica e as possibilidades deste relacionamento contribuir para a educao enquanto fonte de conhecimento. Observamos
que esta relao se manifesta no contexto escolar, da nosso interesse
em perceber como a utilizao da mdia e a realizao de atividades
de divulgao cientifica se constituem enquanto prticas sociais, que
fazem (ou deveriam fazer) parte do cotidiano escolar. A presena da
mdia no contexto escolar e a participao dos estudantes em atividades de divulgao da cincia representam a oportunidade de realizar
aulas diferentes em que haja o incremento de novas aprendizagens,
de maneira diferente do que costumam ver no dia-a-dia onde h hegemonia dos livros didticos. Estas propostas tambm fazem parte do
que defendem os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN) sobre a
utilizao e valorizao de outras fontes de conhecimento a que os
estudantes tm acesso e cuja participao no contexto das salas de
aula deve ser planejada e promovida pelos professores. A complexidade das relaes entre jornalismo, divulgao cientfica e educao
requisitou a busca de um referencial que abordasse essas perspectivas,
suscitando uma pesquisa de carter interdisciplinar, envolvendo as
contribuies terico-metodlogicas das pesquisas em Cornunicao,
Educao e Divulgao Cientfica.
Desse modo, tratamos do campo jornalstico enquanto espao de
mediao e visibilidade, em que h a busca pela prioridade de not-

204

CURR~CULO
ESCOLAR

cias, o que implica em questes ticas e em constrangimentos, porm,


onde notamos tambm que o jornalismo representa uma atividade
intelectual e criativa, podendo servir como fonte de conhecimento,
inclusive para a educao. Apresentamos as diferentes estratgias de
divulgao da cincia e discutimos suas contribuies e perspectivas
para o campo da educao. Por fim, voltamos o nosso foco aos elementos captados no espao escolar, a partir do contato com os sujeitos da
pesquisa, sob os quais buscamos perceber como se caracterizam e so
representadas a utilizao da mdia na sala de aula, a realizao e a
participao em atividades de divulgao cientfica.
A preocupao com estas questes vem do interesse que temos
pelo campo jornalstico e suas relaes com outros campos, entre estes o da educao, e os benefcios ou prejuzos que oferece enquanto
forma de visibilidade dos acontecimentos que destaca na cena pblica e como fonte de conhecimento das coisas do mundo. A insero
no campo educacional tem como objetivo avaliar qual a participao
desses canais informais de divulgao da cincia no contexto escolar,
especialmente no caso de revistas que postulam sua participao na
escola, seja nas atividades desenvolvidas em sala de aula ou na busca
por leituras complementares por parte dos estudantes e dos professores, pois trabalham com a perspectiva de uma comunicao cientfica voltada para a educao. So poucos os estudos sobre divulgao
cientfica no Maranho, e principalmente os que se detm sobre a
importncia dessas atividades voltadas para o mbito escolar formal.
A carncia de pesquisas e tambm a falta de levantamentos a respeito
das formas de utilizao e condies de utilizao dessas publicaes,
no contexto edukacional da cidade de So Lus - MA, incitam ao interesse por esta pesquisa e denotam a relevncia para a concatenao de
dados sobre este cenrio.
Para a realizao de nossa pesquisa de campo47,procuramos uma
escola que tivesse participado da Prova Brasil e obtido bons resultados, conforme os itens considerados por esta avaliao do rendimento
escolar realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu47

O campo entendido aqui na perspectiva atribuda por Minayo (1998), referindo-se


abrangncia em termos empricos do recorte terico de nosso objeto de investigao

cacionais Ansio Teixeira (Inep) do Ministrio da Educao (MEC).


Esta avaliao visa oferecer subsdios para a anlise da qualidade do
ensino ministrado nas escolas pblicas, conforme as metas esperadas
pelo MEC, e comparaes com rendimentos de outras escolas. Nessa
investigao, acessando os resultados das escolas da Rede Pblica Municipal de So Lus - MA, chegamos a Unidade de Ensino Bsico (U.
E. B.) Ministro Carlos Madeira, localizada no bairro Anjo da Guarda,
cuja opo para a realizao da pesquisa, englobou as sries iniciais do
Ensino Fundamental (mais precisamente o II Ciclo do Ensino Fundamental - terceira e quarta sries, esta ltima avaliada pela Prova Brasil).
Para a consecuo de nossos objetivos, procedemos as seguintes atividades: observao do cotidiano da escola e conversas informais com
funcionrios e gestores para complementao de dados e melhor descrio do espao escolar; realizao de entrevistas semi-estruturadas
com professores do I1 Ciclo do Ensino Fundamental; entrevistas semiestruturadas e proposio de atividade envolvendo leitura e confeco
de um desenho por estudantes do mesmo ciclo de Ensino.
Os seis professores (sendo apenas um homem) entrevistados
exercem unicamente a atividade docente, tm entre seis e vinte e
dois anos de magistrio, so formados em cursos de Pedagogia e Licenciaturas, exceto uma professora (Curso Normal/Magistrio); j os
doze estudantes que participaram da entrevista e atividades propostas, possuem entre nove e dez anos, sendo apenas uma com treze
(residem no Anjo da Guarda ou adjacentes). Para a manuteno de
sigilo sobre a identidade, adotamos os cdigos "P" para professores e
"E" para estudantes, acompanhados de um nmero (P1 a P6 e E1 a
E12) que corresponde a ordem em que foram entrevistados. As entrevistas e demais atividades aconteceram no prprio espao escolar;
todas foram transcritas para possibilitar as anlises do material textual. Os participantes maiores de idade e pais ou responsveis dos
participantes menores de idade assinaram Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, permitindo a disponibilizao dos dados obtidos
pela pesquisa, conforme os procedimentos das normas vigentes na
Resoluo No. 196/96 do Conselho Nacional de Sade/Ministrio da
Sade e complementares.

206

CURR~CULO
ESCOLAR

O campo jornalstico apresenta-se como um campo de mediao


da construo de notcias, e, por conseguinte, de construo da "realidade". Ele possui uma autonomia relativa, o que significa que os
jornalistas tm poder, mas que tambm altamente condicionado por
fatores como: presso e tirania do tempo, hierarquias superiores, imperativos econmicos (jornalismo como negcio), competitividade etc.
A lgica especfica do campo jornalstico orientada para a produo
de um bem perecvel: as notcias. essa incessante busca pela prioridade das notcias que tende a colocar sempre a prtica jornalstica
num ritmo acelerado, de renovao permanente, cuja temporalidade
impe a valorizaao das informaes em virtude de sua "atualidade7'.
Essa busca pelo furo jornalstico produz implicaes nas relaes de
fora no interior dos diferentes campos sociais, promovendo uma restrio estrutural capitaneada pelo campo jornalstico.
A busca pela exclusividade, pela prioridade das notcias, acaba
gerando, paradoxalmente, uma certa uniformidade e homogeneidade
da prtica jornalstica ao invs de produzir originalidade e diversidade, visto que a concorrncia incita os jornalistas a vigiarem-se mtua
e permanentemente um a atividade do outro. Isto pode ser comprovado se verificarmos as similaridades entre os produtos jornalsticos
apresentados num mesmo perodo. Por ser concorrencial, o mundo
dos jornalistas marcado por conflitos e hostilidades, e estes agentes
se diferenciam no que diz respeito posio que ocupam na empresa jornalstica em que atuam e a posio de seu rgo de imprensa
perante outras e h r e s a s de atuao semelhante. A homogeneidade
dos produtos jornalsticos corroborada por estes aspectos, j que pelas restries impostas sua prtica, os jornalistas so levados a fazer
determinadas coisas que no fariam se seus concorrentes no existissem. Assim, so impostos a audincia produtos que so impostos aos
prprios produtores, decorrentes da imposio da concorrncia com
outros produtores, consequncia dessa "presso cruzada" que os jornalistas exercem uns sobre os outros.
No entanto, vendo esta situao por outro prisma, concordamos
com as ideias de Traquina (2005) quando nos apresenta que no jorna-

lismo h muito mais do que o domnio de tcnicas para a produo


de notcias, pois seus agentes fazem parte de uma profisso bastante
difcil e com grandes responsabilidades sociais. Esta prtica representa uma atividade intelectual, requerendo intenso processo criativo na
construo do mundo atravs de notcias. Acreditamos que as produes jornalsticas podem servir para a disseminao de conhecimentos, contribuindo para a formao das pessoas que tm acesso aquelas
construes. Compreendemos ainda que o campo jornalstico constitui-se um espao onde seus agentes lutam para realizar seu trabalho
com tica e responsabilidade, visando levar verses mais consistentes
e mais prximas as realidades que reescrevem.
O jornalismo contribui para o alargamento dos contornos do horizonte de mundo que possumos, pelo destaque que concede a acontecimentos em que no estamos diretamente envolvidos. Dessa forma,
possibilita um tipo de experincia para alm do complexo das coisas
e pessoas que formam nossos crculos existenciais (GOMES, 1991).
Os acontecimentos destacados pelo discurso jornalstico ganham visibilidade, fornecendo notoriedade aos recortes da realidade que nos
so apresentados. Os produtos que so transmitidos pelo jornalismo
- as notcias - renem aspectos capazes de criar vnculos especficos;
correspondem a uma gramtica cultural familiar - permitem a uma
sociedade o reconhecimento de seu local, de sua linguagem, de seu
cotidiano.
Partilhamos da posio de Park (2002) quando reala o fato de
as notcias serem "bens extremamente perecveis", pois enquanto formas de conhecimento, no esto focadas no passado ou futuro, mas
descrevem um "presente ilusrio': A qualidade da notcia , portanto,
transitria, efmera, uma vez que basta surgir algo novo e que ganhe
maior importncia aquele momento para captar e atrair a ateno do
pblico, fazendo com que a tenso gerada pela notcia anterior seja
substituda pela que se apresenta agora. Os acontecimentos destacados pelo discurso jornalstico, aps publicados, passam a histria,
podendo servir como fonte documental sobre determinada poca.
preciso observar, no entanto, que aquela representao da realidade,
presente em um veculo miditico, no uma produo isenta de interesses e no deixa de ser voltada para um mercado especfico, para

208

CURR~CULO
ESCOLAR

vender notcias e gerar lucro. Enquanto maneira de obter conhecimento sobre o mundo, as notcias se situam no patamar que Traquina (1993, p. 168) chama de "acordo de cavalheiros" entre jornalistas e
leitores, ou seja, o "[ ...I respeito dessa fronteira que torna possvel a
leitura das notcias enquanto ndice do real7'.

3 DIVULGAOCIENTIFICA,JORNALISMO
CIENTIFICOE EDUCAO
A divulgao da cincia est presente em vrios espaos e submetida a diferentes condies de produo, uma vez que existem diversas
formas e suportes para difundir este tipo de conhecimento ao pblico
no especializado. Pode ser realizada nos museus e centros de cincia,
parques zoobotnicos, aqurios, planetrios, laboratrios de divulgao cientfica, livros, revistas (entre estas as de divulgao cientfica),
jornais, televiso, rdio, Internet, exposies e feiras de cincias, cinema e peas de teatro, literatura de cordel, Histrias em Quadrinhos
- HQs etc. As expectativas em torno da criao e implementao de
espaos de divulgao cientfica que, ao mesmo tempo, possam reunir atividades de aprendizagem ativa, ldica e de lazer.
Diante disto, devemos ter na divulgao cientfica, a preocupao
e m fazer conhecer o mundo da cincia, a percepo de que preciso
educar para a formao de cidados, para despertar as questes ticas
de suas aes e participao mais decisiva nas escolhas que dizem respeito ao prprio futuro. H toda uma rede que vem se organizando no
Brasil, a qual pode ser percebida pelos materiais de divulgao, livros
e encontroddebates promovidos por associaes como a Associao
Brasileira de Jornalismo Cientfico - ABJC, Associao Brasileira de
Divulgao Cientfica - Abradic, Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia - SBPC, Associao Brasileira de Centros e Museus de
Cincias - ABCMC e outras, que visa o reconhecimento e melhor elaborao da divulgao cientfica praticada em feiras, centros e museus
de cincias, nos meios de comunicao de massa e outros espaos no
formais de aprendizagem.

Em relao as prticas de divulgao da cincia pela mdia, podemos observar sua participao na educao no formal (em sua
produo e difuso de conhecimentos) e na educao formal, com as
prticas de Educomunicao48ou mdias na educao, voltadas para o
mbito escolar. Estas prticas visam contribuir ao ensino dos contedos formais das disciplinas escolares ou a outras atividades educativas
desenvolvidas nesses espaos. Nessa perspectiva, apesar de notarmos
que, em alguns casos, as potencialidades miditicas so exploradas
sem preocupao com a formao dos indivduos, estes mesmos espaos podem ser aproveitados pela divulgao cientfica nas diferentes
linguagens e recursos que as modalidades miditicas podem nos oferecer. Se houver cuidado com o teor do que divulgado e com a possibilidade de educar atravs dos meios, com tica e responsabilidade,
a mdia pode ser aproveitada como importante espao de divulgao
da cincia.
Dentre as diversas estratgias de divulgao cientfica, a preocupao com o contedo a ser produzido para as crianas assume papel fundamental nesse processo, principalmente quando possumos
o compromisso de contribuir para o contexto educativo, para a formao destes indivduos. Para a divulgao cientfica dirigida ao pblico infantil so utilizados recursos especficos, que visam adaptar a
linguagem e o nvel de dificuldade das propostas de acordo com a representao que o divulgador faz do destinatrio-criana (ZAMBONI,
2001). Como indica Massarani (2005), o pblico infantil tem grande
capacidade de lidar com temas de cincia, contudo, cabe o questionamento se temos explorado adequadamente a capacidade infantil,
uma vez que a transmisso do contedo cientfico feita, em certos
casos, de modo inadequado. A preocupao com o esclarecimento dos
conceitos cientficos nos parece essencial para integrar as crianas no
conhecimento fornecido pela divulgao cientfica, inclusive como
forma de inseri-las no processo de produo de novos conhecimentos.
48

Quando abordamos a Educomunicao, tratamos tanto da comunicao voltada para a


educao como da educao voltada para a comunicao (entendimento e critica). Esta
rea tambm se preocupa pelo desenvolvimento terico para entender este relacionamento.
Ver mais em Soares (2000) e Schaun (2002).

210

CURR~CULO
ESCOLAR

sob esta perspectiva que "[...I a divulgao cientfica bem feita pode
ser um instrumento til para a consolidao de uma cultura cientfica"
(MASSARANI, 2005, p. 8). A reside fator primordial que deve pautar
o incentivo as atividades de divulgao cientfica para este pblico.
A preocupao com a didaticidade fator de extrema importncia, uma vez que fundamental tornar a estruturao e organizao
do texto mais apropriadas a aprendizagem dos contedos por esse pblico, onde a linguagem utilizada tenta se aproximar da forma como
se expressam, observam e comunicam o mundo, estimulando a valorizao de seus conhecimentos prvios. O destinatrio-criana tem,
ento, a possibilidade de ser protagonista de seu prprio processo de
aprendizagem, dialogando com outras fontes de conhecimento, reformulando-as e criando um novo conhecimento.
Quando discutimos sobre as relaes entre jornalismo e educao, pensamos tanto do ponto de vista das contribuies que os produtos jornalsticos podem ter ao serem utilizados como complemento aos
assuntos trabalhados nas disciplinas escolares, como da possibilidade
do jornalismo funcionar como espao de formao ao fazer parte de
situaes no formais de aprendizagem, em virtude do carter didtico de sua linguagem e pela possibilidade do pblico entrar em contato
com novos conhecimentos. No jornalismo cientfico, especialmente
nas produes voltadas para a educao, esse carter formador est
presente nas possibilidades de divulgao de conhecimentos. Tendo
em vista sua utilizao, necessrio contextualizar o processo de produo jornalstica (educar para a crtica da mdia) ao aproveit-la em
atividades de ensino-aprendizagem (educar com e pela mdia).
Considerando os currculos escolares como dispositivos mais amplos que o rol de disciplinas e contedos de um determinado nvel de
ensino, percebemos assim como Fischer (2002) que as prticas miditicas e seus produtos esto diretamente relacionados aos currculos
escolares. Alm disso, cada vez mais frequente a utilizao de recursos miditicos nas salas de aula, o que leva a questionamentos se essa
crescente aproximao entre os produtos miditicos e a escola pode
melhorar a leitura crtica do mundo e o processo de apreenso dos
conteclos pelos alunos.

DIMENSES
PEDAGGICAS
E POL~TICAS

21 1

O fato de o jornalismo cientfico tratar de temas referentes as


cincias, a nosso ver, j o aproxima dos contedos trabalhados no
contexto escolar, no entanto, sobre esta produo que visa divulgar
a cincia atravs da mdia tambm rondam interesses, as produes
seguem determinadas linhas editoriais e as construes jornalsticas
esto direcionadas a vencer a concorrncia e se tornarem produtos
vendveis. Desse modo, alertamos que deve haver uma leitura crtica
dessas produes, mesmo das que tm como "finalidade" contribuir
para a educao. A construo do conhecimei~tocientfico no inbito
escolar, a partir da utilizao destes dispositivos miditicos, deve ser
um processo em que os alunos tenham participao ativa na leitura e
interpretao dos textos apresentados, reconfigurando-os na construo dos seus prprios textos. Os professores precisam estar preparados
para discutir o processo de produo da mdia, em linguagem adequada a faixa etria e ao entendimento dos alunos, e incentivar a produo coletiva do novo conhecimento a ser gerado por estas atividades.
Alm de servirem de fonte para atividades alternativas de leitura
e de contato com a divulgao cientfica, os textos jornalsticos podem
apresentar algumas semelhanas em relao ao discurso didtico, entretanto, as condies de produo destes dois discursos so bastante
diferentes. O discurso jornalstico assim como o didtico est relacionado a produo de um discurso em direo ao outro, h a preocupao de tornar determinado assunto mais acessvel a um pblico especfico, sem perder de vista os contedos que lhe originaram. Porm,
para cada uma destas atividades (jornalismo e ensino) so exigjdas nuances performativas particulares, associadas aos seus diferentes objetivos, ou seja, conforme os destinatrios e as condies de produo so
modificadas as estratgias de didaticidade e de exposio dos temas
abordados.

4 DISCURSOS SOBRE JORNALISMO,DIVULGAO


CIENTIFICA E PRTICASDE LEITURA NO
CONTEXTO ESCOLAR
- - -

Situamos a presena dos produtos miditicos no mbito escolar,


entre estes as revistas de divulgao cientfica, dentro das prticas de

214

CURR~CULO
ESCOLAR

por Andrade e Marques (2006), que consideram o professor como um


agente que procura "insumos" para trabalhar a sua leitura e a leitura de
seus alunos, procurando-os em diferentes materiais (jornais, revistas,
Internet, etc.) e utilizando-os na preparao e execuo de suas aulas.
Os professores reconhecem que as atividades de divulgao cientfica so uma oportunidade mpar para os alunos sarem um pouco
da rotina de sala de aula e entrarem em contato com o aprendizado
em atividades prticas. Estabelecem assim, a prerrogativa de que os
conhecimentos comumente trabalhados em sala de aula so tericos,
como se houvesse uma dissociao entre teoria e prtica, como se o
contato com determinadas informaes contidas nos materiais didticos, como os livros, por exemplo, no fornecesse a "real dimenso"
sobre os tipos de conhecimento abordados. Podemos situar, em contrapartida, que a sala de aula tambm pode ser o espao de confrontar, problematizar questes e conceitos vistos nas atividades realizadas
em espaos de divulgao cientifica. As atividades de vivncia dos conhecimentos nos espaos e estratgias de divulgao cientfica no se
pem em sentido oposto as atividades de vivncia dos conhecimentos
em salas de aula. H entre ambas, relaes de confronto e de complementaridade, de aproximaes e distanciamentos; os conhecimentos
terico-prticos esto presentes nestas e em outras oportunidades de
ensino-aprendizagem.
As atividades de divulgao cientfica fazem parte do cotidiano
das crianas, mesmo daquelas que nunca as vivenciaram, mas j o fizeram virtualmente. Museus, centros e laboratrios de cincia, parques
zoobotnicos, feiras de cincias e de leitura (envolvendo tambm os
contedos cientficos) e outros espaos com a mesma linha de atuao fazem parte dos "passeios" e "visitas7'das escolas, mesmo que de
modo espordico ou raramente realizados. Estes espaos tambm so
conhecidos/reconhecidos pelo pblico infantil nas revistas, jornais e
nos programas de TV que assistem, entre estes os telejornais, programas de variedades ou entretenimento e desenhos, principalmente.
O Parque Botnico Vale, localizado no bairro do Anjo da Guarda, em So Lus - MA, um dos mais citados pelos estudantes como
um local onde podem visitar e aprender mais sobre os assuntos de
cincias. Algumas das crianas ainda no tiveram a oportunidade de ir

ao Parque Botnico, mesmo morando nas proximidades ou passando


pelo local no caminho para a escola todos os dias; contudo, eles contam com vrias fontes para ajud-los na construo de seu imaginrio
sobre como deve ser o local e o que pode ser aprendido nas atividades
de divulgao por l realizadas.
Os museus so outros espaos de divulgao dos conhecimentos
cientficos, sob os qiiais so criadas muitas expectativas por quem ainda
no teve a oportunidade de vivenciar a ida a uma exposio museolgica. Das doze crianas, apenas uma j havia ido a um museu. E6 relata
a experincia que vivenciou no museu; a confuso feita (entre rochas
e fsseis) revela um problema de adequao da linguagem que pode
ter acontecido durante a exposio pelo(s) guia(s) que conduzia(m) o
grupo. Como se tratava de uma visita destinada a adultos, os organizadores da recepo ao grupo podem no ter previsto que, entre o grupo,
poderia ir alguma criana (na ocasio foram duas). Assim, mesmo que
possa ter havido algum tipo de improviso para saciar a curiosidade das
duas meninas, no conseguiu evitar a associao de E6 ao referencial
que j possua de que aquilo que foi exposto se trata de uma pedra.
Este episdio nos apoia a reforar a necessidade de preocupao nas
atividades de divulgao cientifica para o pblico infantil, com o intuito de tornar essa aprendizagem importante para o desenvolvimento
cognitivo e inseri-los nas prticas da cultura cientfica.
Solicitamos aos alunos, aps entregarmos revistas de divulgao
cientfica para cada um, que nos avisassem quando j haviam selecionado o texto que iriam proceder a leitura. A escolha era livre, mas pedamos que estes nos avisassem para que pudssemos fazer o registro.
Assim que terminassem a leitura e achassem que j haviam compreendido o que era dito pelo texto, eles nos avisavam e entregvamos,
a cada um, uma folha para que fizessem um desenho representando
o texto que haviam acabado de ler. Foram colocados lpis coloridos a
disposio das crianas, caso desejassem us-los em seus desenhos. As
folhas tinham dados de identificao apenas para controle do investigador, os quais foram retirados quando passaram a ser identificadas
pelos cdigos que os estudantes receberam, conforme a ordem das
entrevistas. As duas atividades foram retomadas na primeira parte da
entrevista (servindo inclusive como uma forma de aquecimento para

216

CURR~CULO
ESCOLAR

o restante da conversa), em que as crianas explicavam o que haviam


desenhado, o que tinham entendido do texto e estabeleciam a ponte
entre estas duas formas de linguagem, apresentando os novos conhecimentos construdos por elas.
Concordamos com Chartier (2009) quando indica que existem
vrias maneiras de ler e, portanto, sua coleta deve levar em considerao o cruzamento dos protocolos de leitura que se mostram adequados aos diferentes grupos de leitores, com os traos e representaes
de suas prticas. Partindo desse pressuposto, escolhemos para o desenvolvimento da atividade um protocolo de leitura (revista de divulgao
cientfica para crianas) adequado ao pblico infantil, a realizao de
um desenho (forma de expresso que se constitui um trao marcante
nessa etapa da vida), para a partir da, tentarmos inferir a respeito de
seus posicionamentos, sobre suas prprias experincias, como a participao dos discursos e prticas da divulgao cientfica no contexto
escolar podem corroborar para a insero desse pblico nos discursos
e prticas da cultura cientfica.
A maioria das crianas escolheu como tema para o seu desenho
o mesmo utilizado pelo autor do texto de divulgao lido. Da mesma
forma que em relao ao tema, alguns alunos tambm ficaram presos
as ilustraes originais que acompanhavam os textos que escolheram
para ler. Todavia, isto no impediu que eles dessem novos sentidos
ao incluir novas cores, elementos que no existiam nas ilustraes
que lhes serviram de base, ou que partes das ilustraes tivessem suas
posies modificadas nas novas produes. Em alguns desenhos, aos
elementos das figuras que tomaram como ponto de partida para suas
"criaes" eram"mesc1adas representaes que fazem parte do repertrio de conhecimentos destes estudantes.
E4 foi uma das crianas que mais aproximou o desenho de sua
realidade, realizando uma associao com o que Goulemot (2009)denomina de nossa prpria biblioteca. Segundo este autor, h uma relao de complementaridade, em que a nossa biblioteca trabalha o texto
que nos oferecido, e em compensao, o texto lido trabalha a prpria
biblioteca. Para ele, "[ . .I a cada leitura, o que foi lido muda de sentido,
torna-se outro. uma forma de troca7'(GOULEMOT, 2009, p. 116).A
menina acrescentou elementos como sol, nuvens e vegetao, repre-

sentando a abelha em seu ambiente natural. A personificao do animal, algo comum nas ilustraes que atraem o pblico infantil e com
as quais se identificam, foi representada na revista e permaneceu na
criao de E4. De maneira semelhante, E10 tambm relacionou, em
sua criao, as informaes dos textos e ilustraes da revista com os
conhecimentos de sua prpria biblioteca. O desenho foi colorido realisticamente, tentando se aproximar dos instrumentos, da forma como
a criana os concebe. E11 e E12 desenharam crianas, modificando o
sentido das ilustraes que tomaram por base, onde no existiam as
figuras acrescentadas. Estas representaes demonstram uma aproximao com seus conceitos vivenciais, pois apresentam uma imagem de
que as crianas participam ativamente da realidade, reverberando suas
percepes sobre o seu prprio mundo, o mundo infantil, construdo
(e habitado) pelas crianas.
E3 foi um dos que se encantou pelo texto que escolheu para ler,
achando interessante a profisso de naturalista, a qual no existe mais
na atualidade. Ele comentou sobre as atividades que o profissional
executava e a importncia deste tipo de trabalho para a conservao
da natureza. No momento em que conversvamos sobre os espaos
que realizam atividades de divulgao cientfica, fez uma associao
entre o Parque Botnico e como o naturalista trabalharia num local
como aquele. O salto de E3 nos mostra como as crianas so capazes
de estabelecer complexas relaes a partir dos conhecimentos de seu
repertrio cultural, associando diferentes elementos, estabelecendo
comparaes e analogias, se reportando a outras situaes, fornecendo explicaes sobre os fenmenos e acontecimentos ao seu redor.
Alguns textos tentam transportar as crianas para alm de imagens
cristalizadas que elas possuam sobre determinada questo, almejando
superar estes lugares-comuns. O artigo escolhido por E11 segue essa
proposta e mesmo com a tentativa em fugir do lugar-comum, ele
continuou com a representao que j possua sobre a Amaznia, a
qual para ele faz sentido. O tipo de leitura previsto pelo autor no
foi totalmente realizado neste caso; situao parecida ocorreu com
a interpretao de E7. Inferindo sobre este problema, notamos que
nem sempre a linguagem est de acordo com a variedade de faixas
etrias a que a revista se destina, cujos assuntos podem interessar ao

218

CURR~CULO
ESCOLAR

pblico de diferentes maneiras, conforme os nveis de curiosidade e


compreenso.
As crianas consultam suas prprias bibliotecas para tentar estabelecer uma relao entre aquilo que esto lendo e os conhecimentos que
possuem sobre o assunto. No caso de E5, as ideias do texto foram enriquecidas, em suas explicaes, com as informaes que j sabia sobre a
formao das chuvas e o que ocorre durante o processo de evaporao,
algo que no era abordado diretamente pelo pequeno artigo. Estamos
de acordo com Gouva (2005),quando explica que as crianas realizam
leituras interpretativas e conseguem se situar em diferentes posies no
texto, sendo determinadas pelas leituras de outros textos. E6 tambm
realiza uma leitura interpretativa, situando a explicao de seu desenho
diante das leituras que j possui sobre a realidade abordada, as quais
refletem no seu posicionamento. A perspiccia desta estudante em
demonstrar sua postura diante da realidade, a fez interpretar o texto
de maneira bem diferente das possibilidades previstas. Goulemot nos
explica que a relao de entendimento e o prazer que nutrimos em relao a um texto no tm origem, necessariamente, na coincidncia entre
o sentido desejado e o sentido percebido, visto que "[ ler dar um
sentido de conjunto, uma globalizao e uma articulao aos sentidos
produzidos pelas seqncias. No encontrar o sentido desejado pelo
autor" (GOULEMOT, 2009, p. 108).O aprendizado destes conhecimentos envolve uma socializao nas prticas cientficas, nas representaes
simblicas prprias da cultura cientfica. Assim, cabe a insero destas
diferentes oportunidades (e com mais frequncia) no contexto escolar,
tendo em vista as contribuies que tais atividades podem oferecer ao
enriclueciment".(nosentido de problematizao) dos assuntos trabalhados no espao escolar, confrontando-os e/ou complementando-os.

..I

5 CONSIDERAESFINAIS
Buscamos ao longo deste trabalho estabelecer as relaes existentes entre jornalismo, divulgao cientfica e educao, nas suas diversas estratgias e nos discursos e prticas do contexto escolar. Esta
iniciativa mostrou-se importante ao despertar para os cenrios em que
este relacionamento se manifesta, principalmente no mbito dos pro-

dutos miditicos e na realidade escolar maranhense, incitando discusses sobre as questes levantadas a partir de nossas abordagens. Em
virtude da carncia de estudos que envolvam as interfaces entre estas
reas em nosso contexto, as perspectivas aqui apontadas podem servir
como estratgia de propulso para a continuidade deste dilogo, inclusive percebendo estas inquietaes sob novos enfoques.
Demonstramos que o campo jornalstico um campo de lutas,
em que h uma busca "interminvel" pelas notcias, bens cuja durao bastante rpida, pois tm validade at que outros acontecimentos passem a atrair as atenes e aquelas sejam esquecidas. Quando
tratamos deste campo, estamos diante de uma realidade paradoxal,
pois ao mesmo tempo h uma srie de presses e constrangimentos,
e os profissionais buscam superar ou burlar estas restries para despontar como uma classe de intelectuais que possa trabalhar 'utonomamente", com criatividade e perseguindo seus ideais de fidelidade
aos acontecimentos que destacam na cena pblica, atendendo ao
interesse pblico. certamente um desafio, mas que estes agentes
precisam enfrentar para garantir mais tica e responsabilidade s suas
produes, atingindo seu papel de fortalecedores da democracia tal
como vislumbra Bucci (2000). A partir desta luta, em buscar meios
mais srios de tratar e divulgar as informaes com maior comprometimento e respeito as fontes e aos cidados, que o jornalismo poder
tomar para si a funo de servir como uma possibilidade que oferea
maior segurana na aquisio de conhecimentos, contribuindo para a
educao e formao crtica dos indivduos.
No contexto escolar da Rede Pblica Municipal de So Lus,
nosso dilogo com os professores e estudantes do I1 Ciclo do Ensino
Fundamental da U. E. B. Ministro Carlos Madeira procurou situar,
especialmente, as relaes das crianas com os textos e atividades de
divulgao cientfica, a presena da mdia em seus cotidianos e as percepes das possibilidades de aprendizagem que podem oferecer, e
a apropriao/criao de novos conhecimentos. Percebemos que as
produes miditicas esto presentes em vrios momentos no cotidiano dos estudantes, que tm acesso a diversas informaes disponibilizadas pelos meios de comunicao; acreditamos que nestas atividades

220

CURR~CULO
ESCOLAR

h a possibilidade de adquirir novos conhecimentos. Apreendemos


dos discursos apresentados que algumas das atividades realizadas se
aproximam das proposies educomunicacionais, o que consideramos
um ponto bastante vlido, tendo em vista a insero destes "insumos"
em oportunidades de ensino-aprendizagem.
Pudemos constatar que, para os professores, a possibilidade de
participao em atividades de divulgao funcionaria como uma oportunidade de os estudantes aprenderem de modo prtico, atravs de
experimentaes o que veem de forma terica nos contedos trabalhados em sala de aula. A respeito disto, consideramos que entre as
atividades desenvolvidas nos espaos de divulgao cientfica e as
realizadas na escola no existe esta suposta dicotomia entre teoria e
prtica, uma vez que estes conhecimentos esto presentes em ambas
as oportunidades de ensino-aprendizagem. Notamos tambm que as
atividades de divulgao cientfica fazem parte do cotidiano das crianas, mesmo daquelas que nunca as vivenciaram, mas j o fizeram virtualmente. Acreditamos ser importante oportunizar a participao das
crianas nestas atividades, principalmente quando forem organizadas
especificamente para as suas faixas etrias, pois se trata de uma fase
importante para despertar a relevncia do aprendizado dos conhecimentos cientficos e para estimular novas posturas diante dos problemas sociais, ambientais e polticos que lhes so apresentados em seus
cotidianos.
A partir das atividades propostas, conclumos que: as crianas
aprendem o que concernente ao seu desenvolvimento intelectual e
afetivo (GOUVIP, 2005); os estudantes fazem leituras interpretativas,
realizando associaes com suas prprias bibliotecas (GOULEMOT,
2009), sendo capazes de estabelecer complexas relaes a partir dos
conhecimentos de seu repertrio cultural; as representaes se aproximam de seus conceitos vivenciais, em que as crianas participam ativamente da realidade; mesmo com a tentativa dos autores dos textos em
fugir de lugares-comuns, alguns alunos continuaram com as representaes que j possuam; enfim, as ideias presentes nos textos ganharam
novos sentidos, se movimentaram ao entrarem em contato com suas bibliotecas pessoais, desenvolvimento cognitivo e capacidades criativas.

Temos cincia das limitaes de nosso trabalho e esperamos ter


contribudo para o desvelamento das relaes entre jornalismo, divulgao cientfica e educao a partir do recorte feito e dos pontos de
vista que analisamos. Acreditamos que as atividades de divulgao podem contribuir para a educao, inclusive as capitaneadas pela ao da
mdia; alm disso, estas possibilidades repercutem no espao escolar
nas prticas de leitura, nos discursos, nas possibilidades de construo
de conhecimentos e nas perspectivas para o futuro, contudo, os estudantes carecem de mais oportunidades de vivenciar estes momentos
que contribuem para a sua insero numa cultura cientfica.

ANDRADE, Inez Barcellos; MARTINS, Isabel. Discursos de


professores de Cincias sobre leitura. Investigao em Ensino de
Cincias, Porto Alegre, v. 11, n. 2, ago. 2006.

. GASKELL, George (Org.). Pesquisa

qualitativa com texto,


imagem e som: um manual prtico. Petrpolis: Vozes, 2002.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingsticas: o que falar
quer dizer. So Paulo: EDUSP, 1996.

. Sobre a Televiso. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.

. A escola conservadora: as desigualdades frente a escola e a


cultura. In: NOGUEIRA, Maria A.; CATANI, Afrnio (Org.). Escritos
de Educao - Pierre Bourdieu. Petrpolis: Vozes, 2007. (Cincias
Sociais da Educao). p. 39-64.
BRANDO, Carlos Rodrigues. O que Educao. So Paulo:
Brasiliense, 2003.
BRASIL, Ministrio da Educao. Parmetros Curriculares Nacionais.
Braslia: MEC/SEF, 1998.
BUCCI, Eugnio. Sobre tica e Imprensa. So Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
BUENO, Wilson. Jornalismo Cientfico no Brasil: aspectos tericos e
polticos. So Paulo: Escola de Comunicaes e Artes da USP, 1988.

divulgao cientfica para o pblico infanto-juvenil. Rio de Janeiro:


Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, 2008. p. 20-31.
TRAQUINA, Nelson. (Org.).Jornalismo: questes, teorias e "estrias".
Lisboa: Vega, 1993. (Coleo Comunicao e Linguagens).

. Teorias do Jornalismo, porque as notcias so como so. v.


1. Florianpolis: Insular, 2005.
ZAMBONI, Llian Mrcia S. Cientistas, Jornalistas e a Divulgao
Cientfica: subjetividade e heterogeneidade no discurso da divulgao
cientfica. So Paulo: Autores Associados, 2001.

i
?
<

Você também pode gostar