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História Das Relações Internacionais
História Das Relações Internacionais
História Das Relações Internacionais
teoria e processos
Lcia Bastos
Sandra Galvo
Sandra Galvo
Renato Casimiro
Fbio Flora
Andra Ribeiro
Jaqueline Cosendey
Rosania Rolins
Anderson Leal
Heloisa Fortes
Maria Ftima de Mattos
Rosane Lima
CATALOGAO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / NPROTEC
H673 Histria das Relaes Internacionais: teoria e processos / Organizadores,
Mnica Leite Lessa, Williams da Silva Gonalves. Rio de Janeiro:
EdUERJ, 2007.
250 p. (Coleo Comenius)
ISBN 978-85-7511-106-2
1. Relaes internacionais Histria. 2. Brasil Relaes exteriores
Histria. I. Lessa, Mnica Leite. II. Gonalves, Williams da Silva. III.
Srie.
CDU 327(091)
Sumrio
Prefcio7
Histria das Relaes Internacionais 13
Williams da Silva Gonalves
Sinopse da Histria das Relaes Externas Brasileiras 43
Orlando de Barros
A evoluo dos processos de integrao na Amrica Latina 111
Miriam Gomes Saraiva
Geopoltica das Relaes Internacionais 133
Eli Alves Penha
Relaes econmicas internacionais:
a Era Colombiana e a marcha da insensatez 163
Fernando Roberto de Freitas Almeida
Movimentos migratrios:
resgate necessrio nas Relaes Internacionais 197
Len Medeiros de Menezes
O estudo da dimenso cultural nas Relaes Internacionais:
contribuies tericas e metodolgicas 223
Hugo R. Suppo e Mnica Leite Lessa
Prefcio
8 Prefcio
Prefcio 9
e da Inglaterra, natural que nos conceitos estejam compreendidas percepes prprias s elites intelectuais e polticas desses pases. Assim
sendo, o uso analtico que fazemos de tais idias deve ser antecedido
pela reflexo acerca de sua pertinncia realidade da insero internacional do Brasil. Caso contrrio, corremos o risco de inconscientemente
funcionarmos como meros propagadores de idias para a manuteno do
status quo.
Deixemos bem claro que no se trata de rejeitar ou desdenhar do
notvel progresso que os grandes centros universitrios do exterior tm
promovido na rea da Histria das Relaes Internacionais. Trata-se de
se apropriar desse conhecimento para, a partir dele, tornarmos nossos
alunos capazes de entender o papel que ele desempenha no processo de
evoluo da disciplina e us-lo em favor de uma melhor percepo das
relaes internacionais e da poltica externa brasileira.
O primeiro dos sete artigos prope uma instigante discusso acerca
da construo da histria das relaes internacionais. Dividido em trs
partes, o texto composto de uma mise au point sobre a referida disciplina, sua evoluo e os desafios enfrentados desde seu surgimento, sendo
o maior de todos a distino entre Histria das Relaes Internacionais
e Histria Diplomtica. Ao apresentar os conceitos definidores de ambas, bem como suas principais caractersticas, diferentes abordagens
terico-metodolgicas e contribuies para os estudos das relaes internacionais, Williams da Silva Gonalves reafirma a viso daqueles que
acreditam que a Histria das Relaes Internacionais fruto do encontro
da Histria Diplomtica com as Relaes Internacionais, do dilogo da
Cincia Poltica com a Histria. J a segunda parte dedicada anlise
do desenvolvimento da Histria Diplomtica a partir de seu contexto
histrico e de suas especificidades terico-metodolgicas, inclusive no
Brasil. Por fim, reside na terceira e ltima parte do artigo a originalidade
de sua proposta: so examinados os papis de Pierre Renouvin e de Jos
Honrio Rodrigues frente do processo de constituio da disciplina em
foco, na Europa e no Brasil, respectivamente. Ao destacar a primazia do
trabalho de Rodrigues no aprimoramento e aprofundamento da Histria
da Poltica Externa Brasileira, Gonalves sublinha quo convergente foi
a obra dos dois referidos historiadores para a construo da Histria das
10 Prefcio
Prefcio 11
12 Prefcio
reza irretocvel. Isso porque o autor identifica com preciso a defesa dos
direitos nacionais como o elemento essencial da Histria Diplomtica,
numa demonstrao inequvoca de que todo o trabalho de pesquisa do
historiador consiste em produzir o relato mais completo e verdico possvel das negociaes diplomticas o que depende do sucesso de seu
esforo em decodificar as relaes diplomticas consubstanciadas em
tratados e convenes.
Os historiadores da Histria Diplomtica, portanto, passam ao largo
de qualquer preocupao em problematizar seu tema de trabalho. Para
essa corrente, o objeto de pesquisa um dado da realidade que preexiste
deciso do historiador, aguardando apenas a hora e a vez de ser decifrado
por ele. A tarefa deste visa, ento, estabelecer as conexes dos fatos que
o Estado criou para resolver os objetos de litgio.
Por outro lado, ainda que aponte como um de seus objetivos a
investigao das relaes econmicas, sociais e polticas, o ngulo
de anlise que se abre para o exame dessas relaes estreito demais.
A importncia que a Histria Diplomtica atribui a essas relaes, de
acordo com a definio de Rodrigues, limita-se exclusivamente sua
ligao com os tratados e convenes. As particularidades das formaes
histricas em litgio, isto , suas respectivas estruturas socioeconmicas
e polticas, que determinam a preponderncia das classes sociais e seus
segmentos nas diversas conjunturas na vida dos Estados bem como a
maneira pela qual eles se encontram inseridos no subsistema regional ou
no sistema internacional , no so problemas que afetam e orientam os
pesquisadores da Histria Diplomtica. Na perspectiva dos representantes
desse gnero historiogrfico, as relaes diplomticas se resumem s
aes conduzidas pelos agentes oficiais dos Estados.
A Histria Diplomtica ganhou forma no sculo XIX. Seu incio foi
praticamente determinado pela Revoluo Francesa e suas conseqncias.
Segundo o historiador francs J. Thobie,
as mudanas que dela resultaram estimularam as pesquisas e as reflexes, enquanto os Estados aperfeioavam o instrumento ministerial necessrio para a eficcia de suas polticas exteriores e buscavam os meios
de pr os seus arquivos disposio dos pesquisadores (1986, p. 198).
no devem interferir no processo de desvendamento da verdade histrica. Como afirmaram os historiadores franceses Langlois e Seignobos,
lhistoire se fait avec des documents (apud Topolsky, 1985, p. 100).
Histria das Relaes Internacionais
A anlise da Histria Diplomtica revela que suas caractersticas distintivas so a definio do objeto e a metodologia usada pelos historiadores.
O objeto a histria do Estado em suas relaes com os demais pases,
codificada na forma de instrumentos legais, como tratados, acordos,
convenes etc. A metodologia usada a de examinar os documentos
para evidenciar a verdade dos fatos que neles estaria contida.
A Histria das Relaes Internacionais considerada a superao
da Histria Diplomtica justamente porque elabora de maneira diferente
tanto a definio do objeto como o uso da metodologia de pesquisa.
No que diz respeito definio do objeto, embora a Histria das
Relaes Internacionais no negligencie a importncia da iniciativa dos
Estados, requer a interpretao das influncias geogrficas, econmicas, culturais e ideolgicas que condicionam a ao dos Estados em
suas relaes externas. Na expresso consagrada por Pierre Renouvin
e Jean-Baptiste Duroselle (1967, p. 6), estas so as foras profundas
que formam o quadro no interior do qual agem os homens de Estado.
Isto , so essas foras profundas que do sentido s decises tomadas
pelos representantes oficiais do Estado nas relaes que mantm com as
demais naes e organizaes internacionais.
Quanto metodologia de pesquisa, a Histria das Relaes
Internacionais rejeita a idia da existncia de uma verdade objetiva que
independe do trabalho de pesquisa do historiador. Em sua concepo,
a verdade histrica resulta da interao entre sujeito (historiador) e objeto (fatos internacionais). Esse processo de interao supe da parte
do historiador, em primeiro lugar, o levantamento de uma hiptese de
pesquisa. A elaborao da hiptese nasce do conhecimento emprico, ou
seja, no-cientfico. a partir de seu interesse, estudo, curiosidade intelectual ou vivncia relacionada com a questo que o historiador levanta
a hiptese que presidir seu trabalho investigativo. A hiptese, por sua
vez, consiste numa afirmao categrica. Ela no pode ser formulada
Consideraes finais
Esperamos ter conseguido consubstanciar nossas idias iniciais. Cremos
ter deixado claros trs itens: 1) Histria Diplomtica e Histria das
Relaes Internacionais correspondem a duas concepes distintas de
fazer histria; 2) a passagem da Histria Diplomtica para a Histria das
Relaes Internacionais foi determinada por dois questionamentos: o dos
historiadores sobre os fundamentos terico-metodolgicos de sua prtica
e o da incorporao prtica dos historiadores de conceitos produzidos
no mbito da disciplina das Relaes Internacionais; 3) apesar de Pierre
Renouvin em geral carregar o ttulo de ter renovado o estudo da histria
das relaes internacionais, Jos Honrio Rodrigues, inserido em outro
contexto poltico-historiogrfico, desempenhou papel decisivo na gerao
da moderna Histria das Relaes Internacionais no Brasil.
Referncias bibliogrficas
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GONALVES, Williams da Silva. O realismo da fraternidade: BrasilPortugal do Tratado de Amizade ao Caso Delgado. Lisboa: Imprensa
Sinopse da Histria
das Relaes Externas Brasileiras
Orlando de Barros
44 Orlando de Barros
46 Orlando de Barros
48 Orlando de Barros
haja vista a anexao da Provncia Cisplatina por D. Joo, o que favorecia o argumento da ameaa inata de Buenos Aires. J com os Estados
Unidos, que resistiam s ameaas da Santa Aliana com a Doutrina
Monroe, o Imprio brasileiro no teve resistncia ao reconhecimento,
sendo aquele pas o primeiro a faz-lo, por fora de seu pragmatismo
nas relaes externas.
Quanto ao problema dos residentes portugueses, Jos Bonifcio
decretou que os que no aderissem independncia teriam de deixar o
pas, seqestrando-se os bens dos que no aceitassem a autoridade de
D. Pedro. Mas a questo dos portugueses continuou complicada porque
muitos deles eram influentes, fazendo parte da elite dos comerciantes,
militares e demais componentes do estamento burocrtico, religioso e
jurdico. O problema dizia respeito tambm segurana do Estado, inserindo-se no conflito militar em curso com Portugal. Os portugueses,
em algumas provncias acostumadas ligao direta com a corte ,
no viam distino essencial entre obedecer ao Rio ou a Lisboa, havendo
pouco nexo econmico que justificasse a adeso ao Imprio. A resistncia
dos portugueses foi sendo vencida pela ao militar durante a Guerra
de Independncia, especialmente intensa na Bahia. Durante o conflito
com Portugal, no cessou a intermediao da Inglaterra. Desse pas, veio
boa parte do equipamento blico e dos conselheiros militares, alm dos
oficiais comandados por Cochrane e dos recursos para contratar tropas
mercenrias estrangeiras. A preparao das Foras Armadas, especialmente da Marinha, tornou-se muito onerosa, nascendo o Imprio sob o
peso de custosos emprstimos, negociados sob a promessa de concesses
excessivas Inglaterra.
Como em Portugal D. Joo recuperou o poder absoluto e dissolveu as
cortes em 1824, as negociaes caminharam favorveis ao reconhecimento
da independncia brasileira. D. Pedro I aceitou pagar uma indenizao
pelas propriedades reais e as despesas contradas pelo Reino Unido.
Para fazer frente aos gastos, foi contrado um emprstimo no montante
de dois milhes de libras com a Inglaterra. A intermediao inglesa no
processo de reconhecimento do Imprio mostrou-se dispendiosa, pois
D. Pedro I teve de assinar um tratado, em 1827, to nocivo quanto os
de 1810, prejudicando os ingressos fiscais e causando uma inevitvel
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54 Orlando de Barros
retornar ao poder, de onde havia sido removido pelo partido local aliado
do Imprio. Essa interveno contrariava os compromissos brasileiros
de 1828 e atingia uma questo sensvel, o domnio da foz do Prata, caso
o Uruguai fosse controlado ou anexado. Alm disso, como acontecia
nas agitaes internas do Uruguai, as fronteiras eram violadas, com
constantes reclamaes dos estancieiros gachos pelo freqente roubo
de gado. O Imprio no queria que o Rio Grande do Sul se agitasse aps
cinco anos da Revoluo Farroupilha, insurreio separatista com dez
anos de durao. A campanha tinha a inteno de dar um corretivo a
Rosas, pois este teria incentivado a rebeldia farroupilha. Acalentava ainda
o sonho de restaurao territorial do vice-reino do Prata, contrariando
compromissos anteriores.
O Imprio procurou se aproveitar das insurreies que ocorriam no
momento, tanto no Uruguai quanto nas Provncias Unidas, para se aliar
aos revoltosos. Uniu-se a Flores, em revolta contra Oribe, no Uruguai; e
a Urquiza, que lutava para derrubar Rosas, nas Provncias Unidas. Por
isso, a interveno militar, embora com foras e recursos predominantemente brasileiros, contou com o importante concurso das armas locais.
Oribe fugiu ao combate e exilou-se; o Imprio estabeleceu um governo
uruguaio em que confiava. Em seguida, o Exrcito imperial juntou-se
com os das provncias revoltadas contra Rosas, sob a chefia de Urquiza,
e dirigiu-se para Buenos Aires. Aps importantes vitrias da Marinha no
Rio Paran, o Exrcito pde desferir o golpe final, vencendo e destituindo
Rosas, em 1852. No ano seguinte, os portenhos reorganizariam sua nao
(agora com o nome de Argentina), depois da ditadura de Rosas, que durou
quase trinta anos. Sob a presidncia de Urquiza, o Brasil assinou com
a Argentina o Tratado de Amizade, Comrcio e Navegao, em 1856,
iniciando um perodo de paz e cooperao com o Imprio.
Parecia que o tratado entre as duas potncias seria suficiente para
garantir os interesses do Brasil. Entretanto, aps a remoo do problema
que Rosas representava, novamente o Prata voltava a se complicar, agora
pela ao dos ditadores paraguaios. O Brasil mantinha relaes amistosas
com o Paraguai desde que este se tornara independente, concedendo
o auxlio necessrio para que pudesse resistir anexao por Buenos
Aires. Da mesma forma, exceto por um ou outro incidente, a navegao
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58 Orlando de Barros
Aps a guerra, e da at a Proclamao da Repblica, com os problemas da poltica platina finalmente resolvidos, as relaes externas
deixariam o primeiro plano de ateno do Estado brasileiro. Muitas
questes internas eram urgentes, e o pas necessitava de reformas que
seriam custosas de promover. De qualquer modo, o fim da Guerra do
Paraguai (e a soluo do arbitramento de Hayes) voltou a provocar a
desconfiana da Argentina em relao ao Brasil, acarretando da em
diante uma rivalidade na Amrica do Sul. Entre o fim do sculo XIX e
o comeo do XX, a Argentina logrou um desenvolvimento material mais
intenso que o brasileiro, beneficiada pela demanda de alimentos e pela
disponibilidade de mo-de-obra, graas eficaz poltica de atrao de
imigrantes europeus, sanando seu antigo dficit populacional. As relaes
Brasil-Argentina oscilaram ento entre a rivalidade e a cooperao, mas
com esforos continuados ao longo do tempo para que no houvesse confronto. As representaes diplomticas de ambos os pases foram muito
importantes para aconselhar os governos e demov-los de atitudes que
pudessem pr em risco a segurana do sul do continente.
Se a navegao internacional dos rios platinos era defendida pelo
Imprio, incoerentemente a do Amazonas continuava vedada, e assim
permaneceu at a Guerra do Paraguai, quando foi aberta, constituindo-se
em seguida companhias de vapores para impedir que predominassem as
linhas estrangeiras. O despovoado Amazonas era objeto de preocupao,
persistindo ainda problemas nas fronteiras da regio, com pouca presena
efetiva do Estado imperial. Aberta cobia internacional, a Amaznia
foi tema de discusso na dcada de 1850 nos Estados Unidos. Ali surgiu
uma proposta para estabelecer uma colnia norte-americana de escravos
libertos, com o argumento de que se tratava de uma regio desocupada.
O governo brasileiro procurou apurar se havia algum interesse oficial
do governo americano na proposta em causa, questionando-o repetida e
sistematicamente, at que o movimento foi esquecido. Por sua vez, procurou incentivar o povoamento, no que foi particularmente bem-sucedido
na dcada de 1870 devido ao grande ciclo de seca nordestina , quando
facilitou o transporte massivo de retirantes para o vale do Amazonas,
fixados no local principalmente pelo incremento da demanda do ltex.
Finda a Guerra do Paraguai, mesmo que os problemas internos
60 Orlando de Barros
Priorizar as relaes com os pases do continente implicava dificuldades importantes no comeo da repblica. Enquanto os Estados Unidos
permaneciam incontestes no rol das naes americanas merecedoras de
especial ateno, sobretudo por fora das relaes comerciais, as demais
tinham poucos laos econmicos com o Brasil, quando no eram concorrentes no mercado internacional. Se os vizinhos platinos mereciam
a devida ateno em virtude do peso histrico das relaes com o Brasil
a Argentina, em especial , os outros pases, pelo estado material e
cultural e pelo escasso passado histrico comum, sugeriam existir, naquele
instante, mais como uma expresso geogrfica do que como objeto de
relaes fundadas na identidade de interesses s vezes, com algumas
contendas a resolver, como o persistente problema das fronteiras mal
definidas. S o tempo corrigiria tal perspectiva.
A preferncia republicana pelas relaes com as naes americanas
esbarrava ainda no peso econmico e cultural das potncias europias. A
Inglaterra continuava como principal fornecedor de bens industrializados
e capitais, posio reforada nas ltimas dcadas do Imprio devido aos
investimentos diretos em servios e infra-estrutura. A Frana, como mais
importante nao latina, exercia forte influncia cultural, sendo o lugar de
onde provinham muitos dos contedos adotados pela nascente repblica
brasileira. Por sua vez, a Alemanha, beneficiada por um vigoroso crescimento industrial e tecnolgico, aumentava suas demandas de produtos
primrios. Da rea mediterrnea, vinha a maior parte dos imigrantes, to
solicitados pelo pas, em volumes crescentes desde a virada do sculo.
Ademais, a rivalidade entre as potncias europias exigia acompanhar
com ateno o desenrolar dos acontecimentos no Velho Continente.
Entretanto, nos cinco primeiros anos republicanos, sob forte influncia militar, no foi possvel nenhuma formulao de monta devido
instabilidade poltica, embora o qinqnio tumultuoso tenha sido
pleno de problemas internacionais, com vrios incidentes provocados
pelas revoltas que ento ocorreram. Isso se deu, por exemplo, durante a
Revolta da Armada, iniciada em 1893, que contestava a legitimidade do
mandato de Floriano Peixoto e prometia o bombardeio da capital federal.
Os comandantes dos navios de guerra estrangeiros ancorados na baa
do Rio de Janeiro intervieram. Ameaavam usar a fora para impedir o
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Sul. Mas o esforo de Souza Dantas, embora bem recebido pela imprensa,
no interessou a ambos os governos.
Dando continuidade diplomacia presidencial entre os dois pases,
em 1922, no Centenrio da Independncia, o presidente Marcelo Alvear
visitou o Brasil; Epitcio Pessoa tambm esteve em Buenos Aires. Nesse
ano, o chanceler Flix Pacheco props uma conferncia, a realizar-se
no Chile, visando novamente reduo de armamentos nas naes do
ABC. A Argentina mostrou-se contrria, preferindo tratar da questo num
mbito mais amplo, em que se reunissem as demais naes continentais.
Certamente objetivava obter dividendos em sua pretenso de liderana na
Amrica do Sul. No ano seguinte, na Conferncia Internacional Americana
de Santiago, encaminhou, com as mesmas intenes, o Pacto Gondra, que
o Brasil assinou com alguma relutncia. No obstante as rivalidades e
mesmo alguma tenso em certos momentos, as relaes Brasil-Argentina
seguiram cooperativas. Embora estivessem muito aqum das possibilidades da importncia dos dois pases no continente, houve significativas
relaes culturais e respeito mtuo de suas elites dirigentes at o final
da Primeira Repblica.
O evento dominante na histria das relaes externas brasileiras
durante a Primeira Repblica foi a passagem da dependncia inglesa
norte-americana. Desde 1870, os Estados Unidos seguiram importando
caf, sem cobrar pouco ou nenhum direito sobre ele. O balano comercial
era fortemente favorvel ao Brasil, servindo esse supervit ao equilbrio
do dficit com os demais parceiros internacionais. De outro modo, do
fim do sculo XIX em diante, deu-se uma estagnao da indstria inglesa, o que fez com que o Brasil se voltasse para as indstrias alem e
norte-americana. Ainda que os investimentos e as trocas com a Inglaterra
continuassem importantes at o fim da Primeira Repblica, aos poucos
a dependncia brasileira de outrora se transferiu para os Estados Unidos.
Em 1916, durante a guerra, as importaes brasileiras de produtos norteamericanos superaram pela primeira vez as procedentes da Inglaterra,
tendncia que se firmou no ps-guerra. Em 1921, o governo brasileiro
fez emprstimo nos Estados Unidos pela primeira vez. Sete anos depois,
o balano das contas brasileiras acusava que o fluxo de capitais norteamericanos havia superado o proveniente da Inglaterra. Acrescente-se
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Na conjuntura da Revolta da Armada, a nascente repblica brasileira mostrou-se grata pela ajuda norte-americana. Esse ganho poltico
dos Estados Unidos, que ocorreu em meio ao avano do imperialismo
europeu, ajudou a consolidar uma aliana no escrita entre os dois pases, mesmo quando da vigncia do Corolrio Roosevelt, que atribua
aos Estados Unidos o direito de interveno nas naes americanas.
Em diversas situaes, o Brasil mostrou-se bom aliado: em 1898, ainda
que oficialmente neutro, cedeu trs navios Marinha norte-americana
por ocasio da Guerra Hispano-Americana. Em 1901, deu apoio velado
Emenda Platt, adendo constitucional restritivo soberania de Cuba
que favorecia os interesses dos Estados Unidos, o que levou a protestos
em muitos pases da Amrica. Em 1903, procurou apoio na Amrica do
Sul para o reconhecimento do Panam (pas surgido de um levante na
Colmbia) estimulado pelos norte-americanos, que tinham interesse na
construo do canal entre o Atlntico e o Pacfico. De 1910 em diante,
tambm seria til ao governo dos Estados Unidos na crise da Nicargua,
assim como nos acontecimentos relativos Revoluo Mexicana.
Em 1904, durante o ministrio de Rio Branco, a representao
brasileira em Washington foi elevada condio de embaixada, sendo
designado Joaquim Nabuco para o posto. Dois anos depois, realizou-se no
Rio de Janeiro a III Conferncia Internacional Americana, que o governo
brasileiro considerou de grande importncia, construindo especialmente
para ela o Palcio Monroe. O Brasil recebeu ento Elihu Root, secretrio
do Departamento de Estado, primeira visita desse nvel de autoridade
no continente sul-americano. Na conferncia seguinte, realizada em
Buenos Aires em 1910, o Brasil apresentou moo de reconhecimento
e aplauso Doutrina Monroe justamente quando, graas aos recentes
episdios do intervencionismo estadunidense, as naes latino-americanas mostravam-se desconfiadas. Em 1912, a propsito de um levante
no Paraguai, o chanceler Lauro Mller props ao governo americano
marchar de acordo, no obstante ser o Paraguai um pas fronteirio do
Brasil. No ano seguinte, ele seguiu para os Estados Unidos, onde ficou
por mais de um ms. Delineava-se, pois, na ocasio, um inconveniente
alinhamento automtico, que no tinha sido do desejo de Rio Branco.
Isso levou Domcio da Gama, antigo colaborador de Rio Branco e em-
72 Orlando de Barros
Fernandes s principais capitais europias em busca do apoio para a posio desejada. Como no teve sucesso nessa empreitada, o Brasil vetou
a incluso da Alemanha como membro permanente voltando atrs
na posio antes assumida e resistiu ainda s pretenses da Espanha.
Bernardes interpretou a oposio s intenes de seu governo como ofensa
dignidade nacional e retirou o Brasil da Liga em 1926, deixando a vaga
pretendida para a Blgica. Removendo a representao permanente na
Liga, o Brasil voltou-se para o continente americano, onde concentrou
seus esforos. Na Liga pouco conseguiu, a no ser o compromisso do
pagamento da dvida contrada pela Alemanha com a compra de caf
em So Paulo.
Desde a Conferncia de Washington de 1890, o Brasil participava com
destaque dos encontros dos representantes dos governos do continente.
Nessa reunio, o chefe da delegao brasileira, Salvador de Mendona,
recebeu instrues para firmar entre os representantes americanos a
preferncia da repblica brasileira recm-instituda pelas relaes com
pases do continente. Um dos pontos importantes foi a preferncia pelos
procedimentos conciliatrios, pela defesa do arbitramento e da equivalncia jurdica entre as naes, ainda que isso fosse contraditrio no que
se referia ao comportamento dos governos brasileiros quando houve a
aplicao do Corolrio Roosevelt. O alinhamento com os Estados Unidos,
que s vezes trazia conseqncias negativas nas relaes do Brasil com os
pases da Amrica do Sul, era difcil de se harmonizar com o princpio
doutrinrio da conciliao, adotado pela diplomacia brasileira. Isso pde
ser atestado nos anos posteriores Revoluo Mexicana de 1911, quando
o Brasil representou os norte-americanos no Mxico, em virtude do rompimento de relaes deste pas com os Estados Unidos. Porm, a partir
da presidncia de Harding, a poltica intervencionista norte-americana na
Amrica Latina comeou a mudar, e o Brasil a apoiou com entusiasmo,
da mesma forma que colaborou para que desse certo a poltica amistosa
das presidncias de Coolidge e Hoover, antecessoras da poltica de boa
vizinhana de Franklin Roosevelt.
Por isso, na VI Conferncia Americana, em Havana, a representao
brasileira pde aparecer com destaque, defendendo o princpio da no-interveno e da equivalncia jurdica entre as naes americanas, deixando
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Alemanha e os Estados Unidos, dificilmente o governo brasileiro abandonaria a aliana tradicional. A marcha das relaes externas brasileiras
no continente americano durante os anos de 1930 mostra, na verdade,
muita afinidade com os Estados Unidos. Desde 1933, estava em curso
a poltica de boa vizinhana de Roosevelt, vista com muita simpatia
em todo o continente. Com o crescimento da tenso mundial, o secretrio de Estado Cordell Hull empenhava-se para obter o compromisso
de diminuio das rivalidades no continente, onde, naquele momento,
ocorriam a Guerra do Chaco e outros focos de disputa de territrios.
Naquele mesmo ano, no Rio de Janeiro, foi assinado o Pacto Lamas,
proposto pela Argentina; nele, os signatrios comprometiam-se com a
conciliao, renunciando guerra. Na VII Conferncia Internacional
Americana, realizada mais tarde em Montevidu, o Brasil aderiu ao
Pacto Briand-Kellog de renncia guerra, atendendo ao rogo do governo
norte-americano. Seis meses depois, a Constituio brasileira consagrava
artigo reafirmando o compromisso assumido. Do mesmo modo, o governo
brasileiro prosseguiu apelando para a paz no continente: no conflito do
Chaco, na questo de Letcia (entre o Peru e a Colmbia) e na divergncia
entre o Peru e o Equador.
Vargas colaborava com os Estados Unidos para manter o continente
aquietado enquanto a tenso internacional aumentava. Nesse sentido, em
1936, o chanceler Macedo Soares props a Hull um pacto de segurana
continental; no ano seguinte, na Conferncia de Buenos Aires, o Brasil
seguiu a mesma trilha. No golpe do Estado Novo, quando a confiana no
governo brasileiro ficou abalada nos Estados Unidos, Vargas se apressou
a declarar enfaticamente que o Brasil prosseguiria com sua tradicional
poltica externa. Ele continuava a receber visitas presidenciais e a retribu-las, ajudando a construir uma solidariedade continental. No caso da
agresso japonesa aos Estados Unidos, por exemplo, tal solidariedade teve
de ser estabelecida em bases concretas. Alis, quase ao mesmo tempo
do mencionado discurso antiliberal de Vargas, de 1940, interpretado em
Washington como simptico Alemanha, realizava-se em Havana uma
conferncia de chanceleres americanos. Vargas apoiou firmemente a
defesa continental, comprometendo-se a tomar medidas nesse sentido,
o que reafirmou ao embaixador americano no ano seguinte.
78 Orlando de Barros
Se a ditadura do Estado Novo levantava dvidas no continente, sendo saudada com entusiasmo por Hitler e Mussolini, os acontecimentos
subseqentes mostrariam que ela serviria tambm para o distanciamento
dos pases fascistas e, de maneira autoritria, para a conduo do pas
a uma estreita aliana com os Estados Unidos. Muitos simpatizantes do
Eixo ocupavam posies-chave no governo de Vargas, mas este procurou
contrabalanar com a indicao de outros, como Oswaldo Aranha, de
inclinao liberal, de modo a sinalizar positivamente ao continente. Ao
proibir a atividade poltica fascista apoiada pelas embaixadas da Alemanha
e da Itlia, o presidente acabou em rota de coliso com o regime alemo,
sobretudo com a represso ao golpe integralista de 1938, quando houve
uma crise nas relaes entre os dois pases, com remoo de embaixadores em Berlim e no Rio de Janeiro. Vargas, mesmo quando negociava
com o governo nazista, tinha receio da penetrao do fascismo no sul
do pas, onde habitava uma grande populao em muitos lugares, mal
integrada de descendentes de alemes e italianos. Faltavam recursos
para promover a assistncia e a assimilao dessas pessoas, enquanto a
situao da defesa era precria em face da obsolescncia do equipamento
militar.
Assim como havia sido bem-sucedido conseguindo a usina siderrgica, Vargas obteve o comprometimento dos Estados Unidos com a ajuda
militar, concretizada no comeo de 1941 com a criao de uma misso
para tratar do assunto. Tambm a Fora Area Brasileira foi criada com
auxlio norte-americano, estabelecendo-se um programa de emprstimo
e arrendamento, essencial para a defesa brasileira. Da mesma sorte, o
Brasil comprometeu-se a fornecer materiais estratgicos exclusivamente
aos Estados Unidos, sendo todos os acordos firmados poucos meses
antes do ataque a Pearl Harbor. Em decorrncia do ataque japons,
realizou-se em Petrpolis a Conferncia dos Chanceleres Americanos,
em janeiro de 1942, que recomendou o rompimento do continente com
o Eixo, posto em prtica pelo Brasil no dia 28 do mesmo ms. Os atos
de solidariedade aos norte-americanos dariam vez hostilidade alem
contra os barcos brasileiros, envolvendo o Brasil no conflito mundial, o
que levou declarao de guerra em 31 de agosto.
A essa altura, Vargas procurava tirar partido da situao, sabedor
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americana, o governo Dutra prosseguiu em sua esperana de tratamento especial: teve participao ativa na Conferncia da Organizao do
Comrcio (Havana, 1948), marcada pela aspirao de apoio s economias dos pases perifricos. Nesse sentido, ocorreu a visita da Comisso
Abbink, destinada a propor solues para o desenvolvimento brasileiro
sem oferecer nenhum comprometimento importante. Da mesma forma,
mostrou-se frustrante o Ponto IV, plano de assistncia tcnica proposto
por Truman. Assim, a calorosa recepo ao presidente brasileiro em sua
viagem aos Estados Unidos em 1949 constituiu-se num vazio tanto que
Raul Fernandes apresentou ao embaixador americano pouco depois, no
comeo de 1950, um rol de queixas do governo, conhecido como memorando da frustrao.
Quando Vargas, sucedendo Dutra, tomou posse em 1951, era consenso a necessidade da retomada do crescimento econmico, o que no
se obteria sem a colaborao externa. Porm, na campanha eleitoral,
ele havia prometido combater os monoplios estrangeiros e defender as
riquezas brasileiras. Em sua mensagem inaugural no Congresso, disse
que os fatos econmicos situavam-se numa conjuntura maior do que a
nacional, sendo o desenvolvimento intensivo um imperativo inadivel,
em perfeita harmonia com os demais pases americanos. Na verdade,
tratava-se de um aceno aos Estados Unidos. Mas estes, no incio dos anos
de 1950, estavam dominados pelas disputas da Guerra Fria, com a Guerra
da Coria em curso, e viam com suspeio os governos nacionalistas,
no estando dispostos a colaborar com regimes que punham em risco
seus interesses econmicos e, ademais, populistas, em que os comunistas
podiam infiltrar-se. Na IV Reunio de Consulta dos Chanceleres, realizada em Washington no comeo do governo Vargas, os Estados Unidos
manifestaram sua preocupao com a entrada sovitica no hemisfrio.
Nessa ocasio, o chanceler Neves da Fontoura respondeu que tal avano
poderia ser contido com o incentivo ao desenvolvimento da regio.
As relaes de Vargas com os Estados Unidos podiam ser consideradas muito boas. O Eximbank e o Bird liberaram emprstimos ao Brasil
ainda no primeiro ano de mandato do presidente brasileiro, mesmo com
a negativa de Vargas solicitao de Truman para que enviasse tropas
Coria. Da mesma forma, houve impasse com relao ao fornecimento
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muito sensvel), com reaes na imprensa americana e nos crculos conservadores brasileiros. Em 1962, Goulart encontrou-se com o presidente
Kennedy para tratar da desapropriao da filial da ITT, ocasio em que o
presidente norte-americano pediu a boa vontade do Brasil com a Aliana
para o Progresso. O caso da desapropriao passava a ter um importante
carter simblico haja vista ter sido esta a causa do primeiro embate
dos Estados Unidos com Cuba e foi o motivo da vinda a Braslia do
secretrio de Justia Robert Kennedy.
No entanto, o governo Kennedy procurava manter uma ao moderada
com Goulart, apoiando as negociaes de San Tiago Dantas com a Agncia
para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e aceitando condicionar
o caso da desapropriao s negociaes com o FMI. A situao interna
do Brasil se agravava com a radicalizao por reformas econmicas e
sociais, provocando grande resistncia nos setores conservadores, empresariais e militares. O governo era acusado de antiamericanismo e de
tender para o socialismo, o que motivou Roberto Campos, embaixador
em Washington, a pedir demisso. Com o assassinato de Kennedy e a
ascenso de Johnson, a tolerncia dos Estados Unidos a Goulart mudou,
estreitando-se os contatos entre a CIA, a embaixada norte-americana e
os conspiradores brasileiros, especialmente por intermdio de Vernon
Walters e dos oficiais brasileiros que com ele haviam lutado na Segunda
Guerra. Em 31 de maro de 1964, um golpe civil-militar ps fim ao governo
Goulart e experincia de quatro anos da poltica externa no-alinhada.
Do regime militar redemocratizao
O governo Castelo Branco, primeiro do regime militar, reviu completamente a poltica externa, que passou a ser formulada pela prioridade
segurana e desenvolvimento. Castelo Branco interpretava o contexto
internacional da confrontao bipolar como determinante das relaes
externas, em todos os aspectos, sendo necessrio adaptar-se s circunstncias, pois uma poltica externa autnoma para o Brasil seria ilusria: a
preservao da independncia pressupe a aceitao de um certo grau de
interdependncia. Por isso, Cuba passou a ser percebida como um fator
de instabilidade continental e de desgaste com os Estados Unidos, o que
levou ao rompimento de relaes entre o Brasil e o regime de Fidel Castro,
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problemas tpicos do subdesenvolvimento, com uma persistente dependncia do sistema financeiro internacional.
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(org.). O desafio internacional: a poltica exterior do Brasil de
mais amplo. Com isso, aponta os fatores externos como principal elemento
impulsionador da integrao. Internamente, localiza como elementos-chave
para o desenvolvimento do processo de integrao a soberania dos Estadosmembros e seus interesses nacionais. Essa abordagem defende sempre o
Estado como ator principal. Por fim, a perspectiva construtivista explica
a evoluo dos processos de integrao a partir do papel das idias. Em
termos mais gerais, as estruturas da poltica internacional so mais sociais
que materiais e acomodam as identidades dos atores, seus interesses e
comportamentos (Zielonka, 1998, p. 17).
No final dos anos de 1980, em funo da globalizao da economia
e do novo impulso experimentado pelos processos de integrao nos marcos de uma nova ordem internacional em formao, desenvolveu-se uma
srie de argumentos em favor da integrao vinculados globalizao e
interdependncia por ela acarretada.4 Nesse caso, a globalizao atuaria
como um estmulo aos processos de integrao: o regionalismo contribuiria
para o manejo da insero no mercado global com padres de concorrncia alterados enfrentando presses no sentido da homogeneizao das
polticas econmicas e fortalecendo as posies dos Estados-membros nas
negociaes sobre as regras que orientam a economia mundial.5
O papel do pan-americanismo
Durante o sculo XIX, havia duas formas de pan-americanismo ento
defendidas. A primeira viso o bolivarismo tomava como base os
ideais unificadores de Simon Bolvar e propunha a formao de uma
confederao interamericana de Estados. A segunda perspectiva conhecida como monrosmo era inspirada na Doutrina Monroe. Baseada
na frase Amrica para os americanos, a doutrina foi apresentada pelo
presidente Monroe em 1823 com o objetivo de garantir que as metrpoles
europias no interviessem na regio.
Dessas duas vises vigentes na poca, o bolivarismo tem at hoje um
4. Nesse caso, argumentos mais vinculados ao paradigma da interdependncia, mas organizados a partir das caractersticas da passagem para os anos de 1990.
5. Hurrell (1995) aponta os argumentos vinculados questo da globalizao que incentivam o regionalismo.
19. As negociaes promovidas no interior da Alalc tinham de ser feitas de forma multilateral, enquanto na Aladi a multilateralidade acordos de alcance regional passou a
conviver com uma vertente bilateral ou sub-regional acordos de alcance parcial. Com
isso, os esquemas sub-regionais passaram a ser aceitos explicitamente.
20. Sobre a ordem internacional nos anos de 1990, Camargo (1997) apresenta uma
discusso bastante completa.
bem representativo da regio e contribui para a formulao de comportamentos comuns frente a temas regionais.
O MCCA foi reordenado e rebatizado como resultado do esforo de
pacificao dos conflitos na regio. Em 1987, Costa Rica, El Salvador,
Guatemala, Honduras e Nicargua assinaram o Acordo de Esquipulas
II: um plano de paz baseado na importncia da democracia poltica e do
desenvolvimento econmico para a pacificao regional. O acordo previa
a recuperao da experincia de integrao com o novo nome de Sistema
de Integrao Centro-Americano (SICA) e a formao de um Parlamento
Centro-Americano (Parlacen). O SICA teve um papel importante na
reconstruo econmica da regio no que diz respeito s negociaes
com parceiros externos e na captao da ajuda para o desenvolvimento.
Atualmente, encontra-se no estgio de UA, com um sistema de pagamentos
organizado; o Parlacen, por sua vez, funciona regularmente.
O Pacto Andino foi reordenado em 1988 com a reformulao de suas
instituies e com a meta de formar uma UA at 1995. No princpio dos
anos de 1990, passou a chamar-se Comunidade Andina e assumiu um papel
importante nas negociaes coletivas com parceiros externos. Em 1992,
negociou o chamado SGP-Drogas, um sistema geral de preferncias orientado para favorecer as exportaes resultantes da substituio do plantio
de coca. Porm, no decorrer da dcada e no incio do sculo XXI, seus
pases-membros experimentaram problemas polticos internos: as diferenas
no que dizia respeito posio a ser assumida na poltica internacional e
o mais grave a guerra entre Peru e Equador. Esses problemas atuaram
como obstculos para a evoluo do bloco.
J o Mercosul foi resultado da aproximao entre dois pases que,
historicamente, mantiveram relaes difceis, mas que a partir de meados
da dcada de 1980 alcanaram uma convergncia maior nos campos poltico
e econmico. Essa convergncia impulsionou um processo de aproximao
entre Brasil e Argentina, o qual culminou com a assinatura do Tratado de
Assuno em 1991 por esses dois pases, alm de Uruguai e Paraguai.28 O
tratado previa a formao de um mercado comum at o final de 1994, mas
teve seu prazo de consolidao prorrogado, em funo das assimetrias exis28. Sobre o processo de aproximao entre Argentina e Brasil, ver Camargo (1993).
econmica/integrao, que caracteriza as experincias latino-americanas de integrao do perodo, colocando-se para seus membros como um
mecanismo importante para a ampliao de suas formas de insero na
economia internacional globalizada abertura de crditos, exportaes
e atrao de investimentos. Atua, portanto, de forma complementar
nova estratgia de desenvolvimento mais liberal interna seguida com
tempos e medidas diferentes por seus pases-membros. Assim, apesar
dos obstculos que se apresentaram, abriu-se uma maior perspectiva de
aproximao das polticas macroeconmicas.
Ao final dos anos de 1990, a desvalorizao cambial no Brasil e a
grande crise da economia argentina, resultante do fim da paridade cambial entre o peso e o dlar, abriram um novo contexto de questionamento
acerca do modelo a ser assumido pelo Mercosul. As assimetrias entre os
dois maiores scios, com destaque para as diferenas em suas polticas
industrial e fiscal, fizeram-se mais evidentes. Entrou ento para o debate
interno mas ainda sem soluo a possibilidade de se organizar um
fundo estrutural de coeso que pudesse redividir o capital disponvel
entre os Estados-membros visando diminuir assimetrias.
Em termos polticos, suas instituies no experimentaram nenhum
avano, e a possibilidade de se criar um parlamento do Mercosul ainda
objeto de debate. Em relao a temas latino-americanos, o bloco tambm
no conseguiu estruturar um comportamento unificado, e a perspectiva de uma liderana brasileira no interior do grupo contestada pela
Argentina.
Esses processos sub-regionais de integrao vm, ademais, convivendo com a perspectiva de se estruturar uma ALC mais ampla, que se
colocou com a Iniciativa para as Amricas e, a partir de 1994, de forma
mais contundente, com o projeto de formao da ALCA.31 Trata-se de um
projeto baseado no modelo de mercado que os Estados Unidos buscam
exportar a nvel global, em que as reas de livre comrcio atuam como
elemento difusor das regras necessrias para o reordenamento da economia
internacional (Vigevani, 2005). No h perspectivas de construo de um
31. Essa perspectiva norte-americana apresenta semelhanas com o que foi proposto no
final da dcada de 1950 diante das idias da Cepal.
regio vem dificultando essas metas, assim como a resistncia por parte
dos governos nacionais em ceder soberania o que visto no como uma
partilha de soberania visando facilitar a soluo de problemas comuns,
mas como uma perda de autonomia.
Assim, enquanto os processos de integrao dos anos de 1960 eram
orientados para dentro, defendendo a ampliao do mercado interno como
fator impulsionador da industrializao, as experincias da dcada de 1990
orientam-se para o exterior, visando atuar como degrau para a insero
externa desses pases. Enquanto as experincias anteriores trabalhavam
com um projeto de crescimento econmico baseado na substituio de
importaes, as mais recentes apoiaram-se em um projeto de desenvolvi
mento baseado na abertura econmica. Tal abertura visava atrair capitais
externos para fechar o balano de pagamentos e incentivar o aumento da
competitividade da economia nacional, a fim de concorrer com as importaes e as transaes realizadas no mercado internacional.
Em relao s perspectivas explicativas para a integrao em termos econmicos, houve na regio ALCs e UAs, no chegando nenhuma
experincia etapa de mercado comum. No que se refere compreenso
da evoluo desses processos, os dos anos de 1960 limitaram-se ao intergovernamentalismo, enquanto os mais recentes, embora tenham mantido
este como elemento bsico, ensaiaram os primeiros passos ainda muito
limitados nas dimenses institucionalista e neofuncionalista. Na tica
construtivista, os ideais pan-americanistas e sua influncia nos processos
de integrao atuais podem ser mais bem compreendidos.
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externa dos Estados. Segundo esse autor, a luta por espao vital apareceria
como a base mais natural e lgica de tal poltica, uma vez que a misso
primordial de uma nao seria a de subsistir em meio a um ambiente
hostil. Se o espao vital, por alguma razo, tornava-se demasiadamente
reduzido, cabia aos estadistas a tarefa de aument-lo. Se, por outra, o mesmo
sofresse alguma espcie de ameaa externa, esta deveria ser rechaada
com todo o mpeto do poder nacional (Dorpalen, 1982, p. 38).
O pensamento geopoltico de Haushofer teve grande aceitao na
Alemanha, pas que se sentiu humilhado pelo Tratado de Versalhes,
que separou a Prssia Oriental do resto do territrio alemo por meio
do corredor polons. A questo territorial favoreceu o nacionalismo
alemo e permitiu a ascenso de Hitler e do Partido Nacional Socialista,
que prometia restaurar e ampliar os tempos gloriosos vividos pela nao
desde a unificao, em 1871. A existncia de um instituto de estudos geopolticos em Munique expressava a importncia que o tema representava
para os alemes ao longo das dcadas de 1920 e 1930.
Contra a Geopolitik de Haushofer insurgiram-se primeiro os franceses,
que viam na nova disciplina uma ameaa sua integridade territorial,
seguidos dos ingleses, que temiam ameaas a seu domnio comercial na
Europa e, em particular, no interior do continente. Foi precisamente nos
pases anglo-saxes que o desenvolvimento de teorias do poder mundial encontrou um ambiente de reflexes bastante profcuo. O almirante
norte-americano Alfred Thayer Mahan e o gegrafo ingls sir Alfred
Mackinder foram os principais formuladores do chamado imperialismo
anglo-saxo. Mahan defendia o controle do comrcio mundial por meio
do incremento do poder martimo dos Estados Unidos. J Mackinder,
autor do artigo Pivot geogrfico da histria, preocupado com a defesa
dos ideais liberais ingleses, defendia medidas estratgicas para conter o
poder terrestre representado inicialmente pelos alemes e, depois, pelos
soviticos. Nesse sentido, estabeleceu-se uma forte correlao entre pensamento estratgico e tecnologia militar aplicada aos espaos geogrficos,
definindo um novo conceito: a geoestratgia.
Esse um conceito relativamente novo e, como a geopoltica,
polissmico. Um dos primeiros autores a empreg-lo foi o gegrafo norte-americano George Crassey, ao relacionar a importncia da geografia
Geoistria passado
Geopoltica presente
Geoestratgia futuro
A Geopoltica clssica
Mahan e Ratzel: os precursores da Geopoltica
O almirante norte-americano Alfred Thayer Mahan (1840-1914) foi o
pioneiro nos estudos da Geopoltica ao relacionar a importncia dos
fatores geogrficos na poltica do Estado, em particular no tocante ao
poder martimo. Segundo ele, os fatores para o desenvolvimento do
poder martimo so: o posicionamento, a extenso territorial, a populao,
o carter nacional e a poltica de governo (Castro, 1999, p. 106).
Em sua obra intitulada The influence of the sea upon history, publicada em 1890, Mahan defendia a tese de que o controle dos mares
para fins comerciais e militares havia sido decisivo em todas as guerras,
desde o sculo XVII. Fazendo referncias clssica oposio terra-mar,
ele afirmava:
Com esses postulados, Ratzel influenciou o pensamento geopoltico e contribuiu para respaldar a construo de uma fora naval para a
Alemanha como forma de se opor supremacia naval britnica na Europa
(Martin, 2004, p. 23).
Ainda segundo Kissinger, a Geografia criara um dilema aparentemente insolvel para a Alemanha, pois, se esta tentasse proteger-se
simultaneamente contra a coalizo de todos os seus vizinhos a leste e a
oeste , iria amea-los individualmente, fortalecendo a reunio de foras
contra ela. em direo ao enfrentamento da questo sobre o futuro e a
segurana da Alemanha e de suas alianas que o pensamento geopoltico
alemo vai se desenvolver, com destaque para Karl Haushofer e suas
teorizaes sobre o papel que esse pas poderia representar no equilbrio
de poder continental e mundial, no perodo entre guerras.
Haushofer desenvolveu suas teorias geopolticas tendo como contraponto as teses de Mackinder e Mahan. Descontente com os resultados
das negociaes de paz e do Tratado de Versalhes que havia dividido
a Alemanha em duas , Haushofer atribuiu Geopoltica um papel de
instrumento de racionalizao e de preparao das decises polticas
necessrias devido situao de enfraquecimento da Alemanha.
Oficial do Exrcito alemo, Haushofer foi nomeado observador
militar junto ao exrcito japons antes da Primeira Guerra Mundial. A
estadia no Japo permitiu a ele concretizar algumas idias sobre a regionalizao do espao mundial em torno de grandes potncias industriais
emergentes, entre as quais se destacavam o Japo, a Rssia, a Alemanha
e os Estados Unidos.
Em sua concepo geopoltica, ele sublinhava a necessidade de uma
aliana da Alemanha com a Rssia, em detrimento da opo com a ustriaHungria, feita por Guilherme I, favorvel a um arco pan-germnico para
se opor ao pan-eslavismo, encabeado por Rssia e Srvia. Haushofer
preferia se apoiar na teoria de Mackinder, que lhe parecia mais aderente
realidade do que as teses pan-germanistas. Em sua viso de geopoltica
global, a vocao alem era articular-se pelo leste em direo Rssia
e ao Japo, j que pelo oeste a Alemanha estava bloqueada pela Frana
e a Inglaterra (Dorpalen, 1982, p. 74).
Levando em conta esse quadro, Haushofer desenvolveu a teoria das
pan-regionen, em que cada uma das unidades era constituda por um
centro dinmico e uma periferia, fornecedora de mo-de-obra e recursos ajustados s exigncias da nova economia industrial. Assim, a nova
regionalizao do mundo seria constituda: 1) pela Eurfrica, liderada
uma das pedras angulares das polticas externas das principais potncias
mundiais, impulsionada por um novo fator: a arma nuclear.
A bipolaridade que surgiu do confronto entre o mundo liberal, defendido pelos Estados Unidos, e o mundo socialista de economia planificada, representado pela URSS, definiu uma nova ordem mundial apoiada
na dissuaso, no equilbrio de poder e nas esferas de influncia. Nesse
sentido, a estratgia era ampliar espacialmente o poder de influncia de
cada uma das superpotncias (espao poder), manter um permanente
equilbrio de foras militares (corrida armamentista) e, sobretudo, apoiarse na dissuaso como forma de defesa (destruio mtua assegurada).
Tratava-se da era da Guerra Fria, da diviso dos espaos de influncia,
numa espcie de acordo tcito entre as duas superpotncias.
Na perspectiva geopoltica, o confronto entre elas era interpretado a
partir da clssica oposio terra-mar: os Estados Unidos representavam
o poder martimo e a URSS, o terrestre. Sob essa tica, Mackinder e
Spykman forneceram importante contribuio para a compreenso do
confronto e a operacionalizao de alguns conceitos, entre os quais se
destacam o de oceano central e o de conteno, formulados antes
mesmo do Tratado de Yalta (1945).
O oceano central e a geoestratgia da conteno
De 1920 a 1945, Mackinder presidiu a Imperial Shipping Company em
Londres. Inspirado pelos eventos da Segunda Guerra Mundial, ele constatou, em artigo publicado na revista Foreign Affairs, em 1943, The round
world and the winning of the peace, o avassalador avano da URSS
sobre a Europa Oriental e a ameaa que ela representava, com seu regime
comunista, para as democracias ocidentais do continente.
Valendo-se de mapas com projeo cilndrica do globo terrestre,
Mackinder percebeu a correlao existente entre as massas continentais
e a superfcie lquida do planeta, o que revelava um claro enfrentamento
entre o heartland e a zona do Atlntico Norte, denominada por ele midland ocean ou oceano central. Segundo o estudioso:
Dessa proposta nasce meu segundo conceito geogrfico, o de midland
ocean o Atlntico Norte , com seus mares dependentes e as bacias
em 1966 e 1967, por ocasio da Guerra dos Seis Dias; no ndico, em 1968,
graas s facilidades acordadas com a ndia; em 1969, nas Carabas; e, na
dcada de 1970, na frica Ocidental e Austral (Vigari, 1990, p. 60).
O principal meio militar que os soviticos utilizaram para superar a
geoestratgia da conteno norte-americana foi o submarino propulso
nuclear. Esse artefato, alm de driblar a superioridade norte-americana
nas guas de superfcie, contornava os obstculos naturais que durante
longo tempo frearam a expanso martima sovitica.
Entretanto, a grande rea de concentrao dos esforos martimos
soviticos ocorreria no rtico, graas ao desenvolvimento do avio de
bombardeio de longo alcance e dos msseis intercontinentais que se
afrontavam justamente nessa regio. Em termos logsticos, os soviticos buscaram desenvolver bases de operaes navais e mercantis de
grande envergadura, interligando os portos do Pacfico com os do rtico,
atravs dos sistemas ferrovirios BAM (Baikal, Amour, Magistral) e
Transiberiano (Moscou-Vladvostok). Em combinao com a rota rtica,
os soviticos desenvolveram a navegao peri-asitica, acessvel pelo
Canal de Suez. Nos perodos de paz, essa rota permitia todos os tipos de
transporte, beneficiando-se do apoio oferecido por ndia, Vietn, Imen,
Etipia e Sria.
Sob a tica dos soviticos, o mar no era visto apenas como palco
dos antagonismos ideolgicos; eles procuraram desenvolver tambm
capacidades martimas em todos os domnios: cartas nuticas, oceanografia, fundos marinhos, pesca e sistemas de transporte. No rtico, a
contribuio sovitica para os estudos marinhos ficou patente no tocante
ao aproveitamento do hidrognio lquido como matriz energtica. Essa
energia obtida por meio do fenmeno da geotermia, que ocorre nas
regies polares, resultado das diferenas de temperatura entre o ar glacial
e os fundos marinhos dos mares peri-rticos. Segundo os oceangrafos
soviticos, o hidrognio lquido ali produzido seria capaz de garantir
farto abastecimento de energia, cujo fornecimento poderia ser feito por
meio de grandes dutos transportados para todo o continente (Gallois,
1990, p. 115).
O almirante Gorshkov deu URSS a mais numerosa, diversificada e
potente das foras navais, s superada pelos Estados Unidos. Durante esse
as polticas que frearam a URSS por 50 anos tm pouca probabilidade de funcionar contra a capacidade iraquiana de cooperar com
terroristas [...]. Assim, a preocupao de que uma guerra contra o
Iraque possa desencadear o uso de armas iraquianas de destruio
em massa contra Israel e Arbia Saudita uma demonstrao de
autocoibio. Se o perigo existe, aguardar vai apenas ampliar a
possibilidade de chantagem.
Ainda segundo Kissinger, a ao preventiva no Iraque teria conseqncias polticas benficas em todo o mundo rabe, favorecendo uma
maior democratizao da regio. Alm disso, proporcionaria melhor
equilbrio na poltica petrolfera no interior da Organizao dos Pases
Exportadores de Petrleo (OPEP), na medida em que garantiria o fornecimento contnuo de petrleo barato para o Ocidente.
A justificativa de Kissinger est impregnada de um vis ideolgico,
o que paradoxal, j que ele, defensor do realismo na poltica exterior
norte-americana, passa a enxergar o mundo islmico como um campo
antagnico ao mundo livre, constitudo por foras contrrias ao bemestar mundial. Alguns desses pases comporiam o que os estrategistas
norte-americanos denominaram eixo do mal, como o Iraque, o Ir e
a Sria.
As aes preventivas no Afeganisto, ocorridas meses aps o atentado, obtiveram um consenso tcito dos aliados dos Estados Unidos, pois
ficou comprovado que o principal mentor dos ataques, Bin Laden, havia
se escondido nas montanhas do pas. Alm disso, havia uma condenao
quase unnime contra o regime dos Talibans, considerado tirnico e fundamentalista ortodoxo. No caso do Iraque, a ao preventiva alegada a
de que o pas produzia armas de destruio em massa no convenceu
os aliados e, portanto, no teve o respaldo do conselho de segurana da
ONU. Isso provocou uma crise de grandes propores no sistema de
alianas montado pelo governo dos Estados Unidos desde a primeira
guerra no Golfo.
Nesse sentido, pode-se dizer que o ataque ao Iraque foi um ponto
de inflexo na construo da nova ordem mundial levada a cabo pelos Estados Unidos. A discordncia frente ao preventiva contra o
com esses pases, em detrimento dos europeus, que teriam uma postura
mais multilateralista e idealista.
Consideraes finais
Os acontecimentos recentes abalaram algumas das convices mais caras Geopoltica clssica. O centro de gravidade da economia mundial
deslocou-se do Atlntico Norte para o Pacfico Norte, o que levou o
ponto nevrlgico da geoestratgia a porta do heartland da Europa
Oriental mais para leste, em algum ponto da sia Central. Ao mesmo
tempo, a velha aliana ideolgica transatlntica sofreu um racha, com
os europeus procurando se distanciar dos Estados Unidos ao invocarem
uma perspectiva mais social-democrtica e um capitalismo com face
humana, ao passo que os norte-americanos no tm tido pudores em se
apresentarem como os paladinos do conservadorismo e de um capitalismo
selvagem, de corte texano.
No entanto, diante de todos esses fatos, caberia ainda a pergunta: a
teoria de Mackinder teria ficado obsoleta? Segundo W. Joseph Stroupe,2
um dos mais prestigiados geopolticos do momento, o que est em marcha uma aliana eurasitica contra os Estados Unidos, contrariando o
axioma mackinderiano baseado na fratura continental eurasitica para
que prevalecessem as potncias martimas. Ainda segundo Stroupe, a
iminncia de uma aliana eurasitica como novo centro de poder ser
verdadeiramente impressionante, como resultado do reordenamento das
foras geopolticas e da economia global.
Essa aproximao eurasitica de fato no teve incio apenas na
condenao ao norte-americana no Iraque. J por ocasio da interveno da OTAN na Iugoslvia, russos, chineses e indianos ensaiaram
uma aproximao, visando criar um contrapeso ao poderio ocidental.
A concluso inescapvel de que a ndia est se tornando a chave da
geopoltica contempornea. Tanto as foras do heartland quanto do poder martimo esto disputando a solidariedade indiana. Nesse sentido, o
realismo kissingeriano enfrenta uma contradio insolvel, pois apenas
por meio de uma luta ideolgica contra o Isl que ele v a possibilidade
2. Fonte: www.geostrategymap.com.
eurasiticas, o ponto nevrlgico das linhas de fora dos poderes mundiais encontra-se no ndico, oceano de interligao entre o Atlntico e
o Pacfico. Logo, estaria antes no heartocean e no no heartland o
verdadeiro corao do planeta Terra.
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3. A Fbula das abelhas foi proibida em Londres, em 1723, por presso de comerciantes
incomodados com a crueza do texto.
4. Definido o campo da Economia Poltica, em incios do sculo XIX, coube a um suo, Sismonde de Sismondi, demonstrar que uma nova rea de estudos, a Economia da
Escola Clssica ou Liberal, servia, pelas abstraes em que se baseava, viso inglesa
de um determinado sistema econmico, o capitalismo industrial.
Questes assim so globais. Porm, pode-se de fato fazer uma histria mundial a partir delas? Esta uma questo fascinante, que tanto
interessou aos historigrafos. No entanto, na ps-modernidade, ela teria
sido obstaculizada pela complexidade do mundo real?
Alguns problemas de uma histria da economia internacional
Para se falar de uma histria econmica internacional, um reducionismo
da histria mundial, deve-se adotar, ento, que ponto de partida? Como
observou Beaud,
o capitalismo se forma no seio de sociedades mercantis e monetrias da Europa Ocidental. Mas inmeras sociedades mercantis e
monetrias funcionaram no mundo sem que nelas se desenvolvesse
essa nova forma dotada de uma excepcional capacidade destrutiva
e criativa, o capitalismo (1987, p. 17).
Com Braudel, o conceito de civilizao material permitiu um avano
na anlise da fora dos aspectos econmicos. Ele se formou devido sua
aproximao das pesquisas particularizadas feitas por economistas. O
bigrafo de Braudel, Daix (1999, p. 353), mostra uma curiosa inverso que
a anlise braudeliana permitiu: passou-se de uma histria econmica a
uma economia histrica. A cole des Annales propiciou a aproximao.
Burke registra que seu primeiro nmero, de 1929,6
trazia uma mensagem dos editores, na qual explicavam que a revista
havia sido planejada muito tempo antes e lamentavam as barreiras
existentes entre historiadores e cientistas sociais, enfatizando a necessidade de intercmbio intelectual. Os historiadores econmicos
predominaram nos primeiros nmeros: Pirenne, que escreveu um
6. Destaque-se que, se a produo em histria a partir do territrio francs persistiu
prestigiada ao longo do sculo XX, o mesmo no se deu com a produo da economia
daquele pas, a ponto de um importante economista, um dos fundadores dos estudos de
Economia Regional, Franois Perroux, ter ficado bastante tempo ausente de citaes fora
dos pases francfonos, medida que a literatura anglo-americana ocupava espaos.
sobre a balana comercial russa no sculo XVIII. Parece ter sido movido por uma preocupao metodolgica. No incio do captulo IV de O
Mediterrneo, ele refere-se crise que abrangeu todo aquele espao no
sculo XV, mas a deixa circunscrita s bordas do Mare Nostrum.
A ocorrncia de ciclos comerciais mais gerais podia ser percebida,
mas no afirmada? A fome ocorrida em Bengala, em 1770, por exemplo
(Braudel tambm registra fome na Noruega e na Alemanha, devido a ms
colheitas europias, em 1771 e 1772), afetou os negcios da East India
Company. A maior rapidez permitida pelos negcios transocenicos estava
acelerando as repercusses de problemas verificados em centros afastados
entre si. Freqentemente, uniam-nos crises de crdito (ibid., p. 41).
A alegada autonomia das economias mundiais, portanto, merece
reparos. No final do sculo XVIII, estava claro que acontecimentos na
ndia, Europa, Amricas e frica7 estavam interligados e se influenciavam
mutuamente de forma mais direta do que anteriormente. Estava-se ento
na plena fase de implantao do que Mackinder, em 1904, denominaria
de Era Colombiana, a civilizao capitalista sob hegemonia europia.
Como sintetizou Huntington:
Para Braudel, uma civilizao um espao, uma rea cultural, [...]
uma coletnea de caractersticas e fenmenos culturais. Wallerstein
a define como uma concatenao especial de viso do mundo, de
costumes, de estruturas e de cultura (tanto a cultura material quanto
a alta cultura) que forma alguma espcie de totalidade histrica e que
coexiste (ainda que nem sempre de forma simultnea) com outras
variedades desse fenmeno (1997, p. 46).
De fato, o episdio da supremacia europia desde aquela poca fundamental e fato criador do mundo moderno. Essa supremacia, aos poucos
e aps o perodo da acumulao primitiva (o impacto europeu mais
7. Quanto frica, note-se que extensas rotas de comrcio h muito constitudas, o
avano do Isl (criando nova continuidade territorial), a chegada dos portugueses, a
localizao entre Oriente e Mediterrneo e as semelhanas com a sia como mostrou
Alencastro (2000) deram-lhe preeminncia na economia do Atlntico.
Sculo
XVI XVII XVIII
Crescente Constante Crescente
Constante
Crescente
Crescente
Quase nulo Crescente
Crescente
Crescente
Constante
Constante
Crescente
Decrescente Decrescente
Crescente
Constante
Crescente
o mundo, com a criao de centros de estudos asiticos (no Brasil, foram abertos pelo menos trs centros de estudos Brasil-China em 2004
e 2005), exigem at mesmo reformas curriculares. Economistas passaram a estudar Relaes Internacionais. Historiadores incorporaram
sua formao a Histria da sia. Desse modo, o maior conhecimento
do presente iluminar o passado.
A marcha da insensatez, livro da historiadora Brbara Tuchman,
traa um painel de paradoxos registrados ao longo de milnios, todos
relacionados a opes dos mais diferentes governos por polticas que,
mesmo em seu tempo, podiam ser vistas como contrrias a seus prprios
interesses. fundamental nessa obra o fato de a autora ter identificado
que sempre estiveram disponveis quelas pessoas alternativas viveis e,
o que mais importante, elas eram conhecidas havia a possibilidade de
outros caminhos terem sido adotados. No o foram e o desastre sempre
apareceu: a Guerra de Tria, a disperso das tribos de Israel, a rendio
de Montezuma, a devassido dos papas no final da Idade Mdia europia,
a Guerra do Vietn... Na atualidade, no faltam crticas ao comportamento e s idias que embasam a desenfreada busca por ganhos em
todo o mundo, a partir de corporaes localizadas em poucos Estados
nacionais, sobre cujas polticas tm grande e por vezes determinante
influncia. Igualmente, registros do aumento das desigualdades e das
tenses so cada vez mais abundantes e disponveis aos pesquisadores
das cincias sociais.
Wallerstein afirmou que,
quando se estuda um sistema social, as linhas clssicas de diviso no
seio das cincias sociais so irrelevantes. Antropologia, Economia,
Cincia Poltica, Sociologia e Histria so divises ancoradas
numa concepo liberal do Estado e na sua relao com setores
funcionais e geogrficos da ordem social. Tm algum sentido se o
foco de estudo forem as organizaes. Perdem-no completamente se
o foco de estudo for o sistema social. No estou a apelar para uma
abordagem multidisciplinar do estudo dos sistemas sociais, mas
antes para uma abordagem unidisciplinar (1990, p. 22).
Movimentos migratrios:
resgate necessrio nas Relaes Internacionais
Len Medeiros de Menezes
como mal francs desemprego, desigualdade na distribuio de renda, imobilismo e temor do futuro tem levado busca de culpados,
e a culpa recai, quase como ato reflexo, sobre os imigrantes. Por isso,
eles so representados como ameaas latentes, o que se desdobra em
uma vigilncia cada vez maior por parte das instituies policiais e em
sua segregao em guetos da periferia. No caso da Frana, as chamadas
cits, onde os cidados franceses decididamente no circulam, esto
sujeitas a diferentes formas de silenciamento, rompido apenas quando a
xenofobia se traduz em atos de violncia.3 No nos esqueamos de que
muitos filhos de imigrantes lutam, no raras vezes por toda uma vida,
para conquistar o acesso nacionalidade e, portanto, cidadania,4 visto
que o direito ao solo, em pases como a Frana, no se aplica como naturalmente adquirido.5
Observe-se que, no ps-11 de setembro, a vinculao estabelecida
entre terrorismo e imigrao vem incrementando a discriminao ao
outro por todo o mundo desenvolvido, tornando os rabes que vivem
em solo estrangeiro e no apenas os fundamentalistas do terror potencialmente suspeitos e alvos, portanto, de vigilncia e controle, passveis
de punio sem formalizao de culpa.
Em uma poca na qual o fim do Estado-nao j anunciado por
alguns tericos, o renascimento de nacionalismos radicais e a revisitao
de atitudes xenfobas causam perplexidades, expondo novas, antigas
e recorrentes questes no tocante s relaes de alteridade travadas
3. A referncia tem por base os incndios que, em 2005, destruram prdios habitados
por imigrantes africanos, em localidades como LHay-les-Roses, nos arredores de Paris
ao que tudo indica, incndios criminosos. Ver reportagem publicada pelo Jornal do
Brasil (5 set. 2005, p. A9).
4. Em solo europeu, o imigrante no toma, necessariamente, os postos ocupados pelos
nacionais, tendo em vista que, regra geral, ele se volta para setores nos quais h carncia
de mo-de-obra, como o de servios. Segundo previses da Organizao Internacional
do Trabalho (OIT), por outro lado, a Europa precisar de 160 milhes de imigrantes at
2050, a fim de suprir vagas decorrentes de aposentadorias, em uma populao formada
principalmente por faixas etrias mais avanadas.
5. No caso do matrimnio entre franceses e estrangeiras, por exemplo, a conquista da cidadania passa por uma investigao da nacionalidade francesa at a terceira gerao.
as inverses no direcionamento dos fluxos de trabalhadores no mundo ocidental,19 com a consagrao das rotas orientadas dos pases
pobres para os ricos, to logo os distanciamentos entre o norte e o
sul se aprofundaram e as guerras contemporneas tornaram-se responsveis pelo deslocamento compulsrio de determinadas etnias.
Esses deslocamentos chocaram-se com o desenvolvimento de uma
viso menos benigna das migraes por parte dos pases industrializados, que no mais necessitavam de trabalhadores para alavancar
o desenvolvimento e passaram a defini-los como nus e/ou ameaa
ao bem-estar nacional na conjuntura posterior a 1974;
o movimento internacional de capitais e a tendncia fixao das
empresas multinacionais nos pases caracterizados como de demanda por trabalho, o que impe no s a necessidade da circulao
20. Nesse sentido, deve ser lembrado que a globalizao nos pases pobres no tem
representado expanso, pelo menos significativa, dos postos de trabalho.
21. As cifras publicadas pelo Banco Mundial para 1998, por exemplo, indicavam que
aproximadamente 170 milhes de pessoas viviam no exterior, o que correspondia
cerca de 3% da populao mundial.
sociais fazem a regra; o oferecimento de maiores facilidades no transporte; a violao dos direitos humanos e a perseguio de minorias.
Cada um desses elementos facilitadores aparece conjugado a outros,
conforme lgicas que variam sempre em uma dimenso espaciotemporal
especfica.
Tendo em vista a extrema complexidade que afeta os fluxos, os
estudiosos buscam definir tipologias de acordo com as presses de sada
existentes ou as motivaes de entrada neste ou naquele pas; presses e
motivaes que, no raras vezes, tm coloraes dramticas, oferecendo
espetculos que em muito superam a fico, nos quais homens, mulheres e crianas aventuram-se em travessias terrestres e martimas com
a exposio contnua de sua dignidade e vida. Esses dramas chamam a
ateno para a necessidade de o estudo das migraes internacionais no
se esgotar em frias cifras e estatsticas de entradas e sadas. Isso apaga
as expectativas, o sofrimento e a dor, que no podem ser traduzidos em
nmeros da a urgncia de se densificar qualquer estudo baseado no
pull-push tradicional.
Dado o carter polissmico dos conceitos que buscam descrever
os processos de deslocamento, mas partindo-se do pressuposto de que
(e)imigrante ou o estrangeiro , qualquer que seja a situao que o
afete, aquele que atravessa as fronteiras nacionais para se fixar em
terra estrangeira (processo no qual caractersticas como transitoriedade
dos deslocamentos ou necessidade compulsria da partida tm sempre
um sentido relativo), optamos por incluir, em um mesmo estudo, as trs
categorias de (e)imigrantes mais visveis em tempos de globalizao: os
expatriados, os migrantes econmicos e os refugiados.
No caso dos expatriados, a imigrao tem, a priori, carter temporrio,
com a circulao da mo-de-obra especializada (tcnicos e executivos)
integrando-se no contexto facilitador da globalizao compondo, portanto, sua lgica, quando so priorizados os contornos econmicos do
processo de mundializao que marca a passagem do sculo XX para
o XXI.
Embora o carter temporrio marque o processo de expatriao, com
permanncia na faixa mdia dos cinco anos, muitos so os expatriados
que nunca mais retornam ao pas de origem, optando pela fixao nas
Mantidas as tendncias que hoje se evidenciam, relacionadas formao de blocos econmicos altamente protegidos contra imigrantes de
pases terceiros, em um futuro no muito distante as migraes internacionais estaro caracterizadas pelos deslocamentos regionais, com a
projeo de plos de atrao de cada um dos subsistemas em constituio
ou consolidao. Este um processo que tem cada vez mais visibilidade
e comea a inverter as tendncias dos fluxos relativos a determinados
pases, como o Brasil.
Esses deslocamentos contemplariam as seguintes direes principais: 1) Europa Ocidental, para os vindos da frica do Norte, Turquia
e outros Estados mediterrneos; 2) Europa Central, para os indivduos
da Europa Oriental e dos pases da extinta Unio Sovitica; 3) Estados
Unidos, para os fluxos direcionados da Amrica Central e Caribe; 4)
pases mais ricos da Amrica Latina, para os oriundos das regies mais
pobres do continente; 5) Estados produtores de petrleo do Middle East,
para os emigrados do sul da sia e de pases no-rabes; 6) frica do
Sul, para os provenientes da frica meridional.
No Brasil, esse processo j vem tendo alguma visibilidade. Como
conseqncia do fraco desempenho econmico que atravessava na dcada de 1970 aprofundado nas de 1980 e 1990 , nosso pas passou a se
caracterizar como de emigrao, fornecendo trabalhadores aos pases do
Primeiro Mundo, principalmente aos Estados Unidos. A partir dos anos
de 1990, porm, ainda que o saldo migratrio permanecesse negativo,27
com o nmero de imigrantes representando apenas cerca de 0,66% dos
que habitavam o territrio brasileiro,28 a tendncia comeou a ser modificada, medida que o pas se firmava como liderana continental e,
assim, passava a atrair trabalhadores dos pases sul-americanos, principalmente daqueles com os quais faz fronteiras. Como resultado mais
evidente, duplicaram os vistos de trabalho no pas.
27. Segundo o IBGE, entre 1991 e 2000, o saldo migratrio referente a jovens na idade
de 24 a 33 anos foi de menos 1.300.000.
28. De acordo com dados do IBGE relativos ao censo de 2000, a populao brasileira
alcanou a cifra de 167.799.170 indivduos.
1997 7.090
1998 14.110
1999 12.709
classificam segundo determinados pressupostos, embora o mito da democracia racial, forjado nos anos de 1930, dificulte as anlises relativas
discriminao.
A realidade vivida pelo imigrante proveniente de pases mais pobres que o Brasil e as representaes que o afetam so muito distintas
daquelas que atingem indivduos oriundos dos pases ricos, sejam executivos e tcnicos de empresas multinacionais ou empreendedores que
buscam o pas para o estabelecimento de negcio prprio. Nesse caso, a
representao do imigrante como agente do progresso e da civilizao
mantm-se, ainda, como marca duradoura, e a cordialidade tende a reger
as relaes cotidianas.
Quanto consagrao ou no de Estados multiculturais no mundo
globalizado, esta uma discusso que se encontra ainda em seu nascedouro, impondo determinadas reservas. O que devemos ter em mente
que esse processo vem se caracterizando por muitos avanos graas,
principalmente, atuao de movimentos de afirmao de identidades
antes negadas e recuos, resultantes de uma gama imensa de desconfiana e estranhamentos. Embora ressaltemos o aspecto positivo da tolerncia ao outro, que abre perspectivas para um possvel abandono de
nacionalismos que se desdobram na direo da excluso e da opresso,
devemos levar em conta que esse mesmo processo, pelo avesso, revela
um lado cruel: o reforo da diferena que expe o outro intolerncia,
principalmente nos momentos de crise.
Acrescente-se a tudo isso a constatao de que a idia da necessidade
da defesa do territrio frente ao estrangeiro repousa em processos muito
concretos e profundos, como o medo da perda de benefcios conquistados e o temor de alteraes na balana de poder que possam levar ao
fim de certos privilgios e garantias. Todas essas questes fazem com
que determinadas perguntas surjam, inevitavelmente, quando o tema
de anlise so os processos (e)imigratrios: os Estados tm o direito de
escolher que povos devem ser admitidos em suas fronteiras, regulando
quantitativos e impondo propsitos? Aquele que chega tem o direito de
preservar sua cultura em terra estrangeira, ainda que essa cultura traga
diferenas apresentadas como ameaas de desestabilizao? Uma poltica
assimilacionista pela via da educao o melhor caminho para dirimir
integraram a dimenso cultural como campo de estudo das relaes internacionais brasileiras. Entre eles, esto os de Gerson Moura (1993), Mnica
Herz (1986, 1987 e 1989) e Jos Flvio Sombra Saraiva (1994 e 1996).
Nosso objetivo partindo da anlise do papel reservado pela literatura especializada dimenso cultural das relaes internacionais e
utilizando uma tica pluridisciplinar apresentar propostas de reflexes
tericas e metodolgicas para o estudo dessa problemtica. Afirmamos
assim a viso de que a dimenso cultural parte fundamental das relaes internacionais. Embora no seja tratado como uma problemtica
especfica pelas anlises da chamada escola realista, por exemplo, o
tema cultural a aparece como um elemento das foras profundas, no
sentido que lhe atribudo por Pierre Renouvin. Dessa forma, a cultura
vista como algo que, em maior ou menor medida, norteia a poltica
externa dos pases e que, portanto, instrumentalizado pelo Estado em
busca de influncia e prestgio no cenrio internacional.
O fator cultural nas Relaes Internacionais
Para Edward Carr (2001, pp. 172-88), por exemplo, as ideologias so
um dos fatores que, ao lado do poder militar e do econmico, garantem
o poder poltico das naes. Nesse sentido, ele ressalta como o regime
sovitico, devido sua fraqueza militar e econmica, instrumentalizou
a Internacional Comunista como veculo de propaganda ideolgica a
servio de sua poltica externa. No entanto, observa Carr, as idias s
se tornam politicamente eficazes quando um poder poltico nacional as
encarna e as une ao poder econmico e militar. Em suas anlises, o fator
cultural possui ainda outra dimenso:
O fato de a propaganda nacional, em toda parte, se disfarar to
astutamente em ideologias de carter aparentemente internacional
prova a existncia de um estoque internacional de idias comuns,
por mais limitado ou fraco que seja, ao qual se pode apelar e de
uma crena em que estas idias comuns se colocam, de algum modo,
numa escala de valores, acima dos interesses nacionais. Esse estoque de idias comuns o que entendemos por moral internacional
(ibid., p. 188).
para reforar o sentido dos interesses comuns que unia os Estados pela
percepo de uma obrigao coletiva (ibid.). Em relao sociedade
internacional, essas culturas comuns so tambm de dois tipos: cultura
diplomtica conjunto de idias e valores compartilhado pelos representantes oficiais dos Estados (ibid.) e cultura poltica internacional
cultura tica e intelectual que determina as atitudes para com o sistema
de Estados das sociedades que o compem (ibid., pp. 354-5).
A partir da dcada de 1970, dentro da concepo transnacional em
sentido amplo, surge um novo campo de pesquisa: a dimenso intercultural
da sociedade internacional. A questo j tinha sido abordada por outras
disciplinas, como a Antropologia, a Psicologia e a Sociologia.
A dimenso cultural e as Relaes Internacionais
Um breve balano acerca da bibliografia especfica sobre o nosso tema
duplamente necessrio: para avaliarmos, em primeiro lugar, o progresso
realizado nos ltimos cinqenta anos e, em segundo, os limites desse
progresso e a necessidade premente de avanos mais audaciosos, empricos e permanentes, capazes de alar a dimenso cultural de forma
simtrica das Relaes Internacionais.
Um dos primeiros estudos sobre o assunto aparece logo aps a
Segunda Guerra, em 1947, com a publicao do livro das norte-americanas McMurry e Lee. Pela primeira vez, vem a lume uma obra acadmica
que analisa as polticas culturais dos pases e a dimenso cultural como
elemento constitutivo da poltica externa dos Estados. Publicada apenas
um ano antes do livro de Morgenthau, que alis a cita em seu texto, a
obra de McMurry e Lee afirma que as relaes culturais constituem um
terreno de cooperao, de propaganda nacional e/ou de vetor de dominao
e/ou de penetrao estrangeira. Em 1964, Philip H. Coombs, primeiro
assistant secretary of State for Educational and Cultural Affairs dos
Estados Unidos posto criado por John Kennedy , publica The fourth
dimension of foreign policy: educational and cultural affairs, cujo ttulo
indica o peso da poltica cultural para a poltica externa dos pases e, mais
precisamente, para a poltica externa norte-americana. O reconhecimento
do cultural como a quarta dimenso das relaes internacionais transforma a clssica trade composta pelas dimenses poltica, econmica
um meio de propaganda intelectual com objetivos polticos e caracterizase por relacionar dois pases um doador, outro receptor.
Ren Girault, por sua vez, elabora uma explicao das relaes
internacionais baseada num estgio cultural, entendido como
a existncia de pocas distintas, nas quais o conjunto de dados
objetivos que caracterizam as relaes entre os homens separados
por fronteiras considerado de forma consciente atravs de representaes prprias dessa poca. Estas representaes pertencem
prpria cultura dominante da poca, que, por sua vez, ela prpria
determinada pelas condies tecnolgicas, econmicas, ideolgicas,
religiosas e sociais do momemto fundidas num todo mais ou menos coerente que se manifesta no sistema poltico global existente
(1998, p. 28).
Dentro dessa lgica, a histria das relaes internacionais seria
dividida em quatro estgios culturais dominantes: do incio do sculo
XIX at os anos de 1880 (cultura nacional europia, criao dos Estadosnao); do final do sculo XIX at a Segunda Guerra (cultura imperialista
moderna, nacionalismo de potncia); da Segunda Guerra at o fim da
URSS (cultura superimperial, globalizao); do ps-URSS at os dias
de hoje.
Assim, como vimos, a partir dos anos de 1950, abriu-se uma nova
brecha de pesquisa e reflexo na rea das Relaes Internacionais.
Note-se ainda que alguns desses trabalhos (Balous, Dollot, Coombs,
Salon ou Mitchell) so uma mescla de propaganda nacional e relatrio
de informao, destinados aos agentes envolvidos na poltica cultural de
seus pases e aos especialistas das reas suscetveis de se interessarem
por esse tema, por certos pases ou pelos atores a arrolados.
No plano institucional, e seguindo os passos de seus homnimos
estrangeiros, a diplomacia brasileira manifestou seu interesse publicando
a importante tese do diplomata Edgar Telles Ribeiro. Transformada em
livro em 1989, A diplomacia cultural foi publicada pela FUNAG, na coleo Relaes Internacionais. Ainda no Brasil, em 1989, Mnica Herz
estudou o papel da Fundao Ford entre 1960 e 1970 durante os vinte
primeiros anos de suas atividades no pas e props, como alternativa ao paradigma realista, a sociologizao do debate sobre o sistema
internacional, isto , a incorporao de valores, normas, princpios,
cdigos e atores no estatais. Bastante crtica em relao s posies de
Mitchell, que considera insatisfatrias, pois as idias de cooperao e
de mutualidade so despolitizadas (1989, p. 46), Herz determina como
seu universo de anlise a ajuda tecnolgica e econmica (que exclui a
educao, as artes, as publicaes e a cultura de massa), pois, com esse
auxlio, padres culturais so transmitidos e acabam influenciando outrem.
Como conceito operatrio, a autora prope projetos culturais:
Poltica que resulta na conformao de padres culturais, com a
disseminao de certos valores, estilos e sistemas simblicos. Tratase de polticas elaboradas por agentes privados e, neste sentido,
institucionalmente autnomos em relao aos agentes da poltica
externa do Estado. Quanto ao contedo destas polticas, verificaremos que as circunstncias histricas indicaro o grau de autonomia
que podem vir a ter (ibid.).
Uma das importantes contribuies tericas sobre nosso tema o
artigo Relations interculturelles et dveloppement, de Roy Preiswerk,
do grupo de estudos sobre as relaes interculturais constitudo nos
anos de 1970 no Instituto de Altos Estudos sobre o Desenvolvimento,
de Genebra. O texto analisa, com uma tica pluridisciplinar e a partir
da problemtica do desenvolvimento, o lugar das relaes interculturais,
definidas como relaes entre membros de grupos ou de sociedades
diferenciadas pela cultura (e no pela nacionalidade). So de trs tipos,
segundo as relaes de fora econmica e militar: exportao cultural,
importao cultural e intercmbio cultural. Para Preiswerk, as relaes
interculturais, involuntrias em alguns casos, so freqentemente um
instrumento de dominao poltica e econmica, o chamado imperialismo
cultural, que se situa no centro das estratgias da criao de relaes
econmicas assimtricas, geradoras de dependncia. Segundo Preiswerk,
so trs os meios essenciais da influncia cultural: a lngua e a escrita,
o comportamento como expresso de um modelo cultural, os objetos e
Por sua vez, Marcel Merle, em seu clssico Sociologia das relaes internacionais, considera que so cinco os fatores que comandam
ou influenciam o comportamento dos atores no sistema internacional:
Na realidade, coube a Marcel Merle fazer a proposta mais revolucionria.3 Em Forces et enjeux dans les relations internationales, ele
prope a criao de um novo paradigma centrado no fator cultural, em
substituio aos trs grandes paradigmas existentes na rea de Relaes
Internacionais pois o realista (ao privilegiar o fator poltico), o liberal
(o econmico) e o da interdependncia (a revoluo tecnolgica) no do
conta de toda a complexidade da realidade internacional. Para Merle, a
dimenso cultural das relaes internacionais analisada de trs formas
distintas: os assuntos culturais seriam uma espcie de subproduto da
atividade poltica e econmica dos Estados, mais preocupados com a
propaganda e a criao de mercados favorveis do que com a divulgao
e a troca de idias (1985, p. 342); as relaes culturais conservariam
uma certa autonomia em relao poltica e economia; o cultural
seria o elemento determinante susceptvel de explicar a totalidade dos
comportamentos dos atores internacionais (ibid.).
Por certo, Merle define a cultura de uma forma bastante abstrata,
o que permite uma aplicao atemporal e universal: a totalidade dos
sistemas de valores e de representaes servindo de referncias identificao de grupos nacionais, infranacionais ou supranacionais (ibid.,
p. 343). A questo, para o autor, descobrirmos por que esses elementos
culturais, em certas pocas, tornam-se to importantes. Uma primeira
resposta evidente: nos perodos de invaso e conquista, emerge o fator
cultural. Aps o conflito, observa-se uma das trs situaes a seguir:
volta-se ao instante anterior de isolamento das culturas; produz-se uma
simbiose entre as culturas rivais; ou se estabelece a dominao de um
modelo cultural sobre os demais.
Entretanto, depois da Segunda Guerra, as tenses culturais foram
acirradas por trs elementos (ibid., pp. 344-5) que agiram, freqentemente,
de forma combinada:
os novos Estados surgidos da descolonizao herdaram dos colonizadores fronteiras que no correspondiam s etnias, lnguas e religies
existentes;
o progresso tcnico no domnio das comunicaes, longe de transformar o mundo na mtica aldeia global de McLuhan, tornou os
tais polticas, as geopolticas das aes, os atores envolvidos (intelectuais, artistas, diplomatas etc.), os produtos oferecidos (literatura, rdio,
cinema etc.), os meios de ao (congregaes religiosas, colgios, escolas
de lngua, centros culturais, bolsas de estudo etc.), os resultados obtidos,
o impacto dessas polticas a longo prazo para os pases concernidos e o
sentido dos projetos desenvolvidos.
O estudo das polticas culturais, ou da diplomacia cultural para
alguns, no , portanto, o estudo da influncia da cultura A sobre a B.
Ao contrrio, ele vai alm desse aspecto redutor do encontro cultural, na
medida em que parte do pressuposto de que nenhuma cultura ultrapassa
suas fronteiras nacionais de forma espontnea e aleatria, ainda que leve
em conta, tambm, esse aspecto. Porm, o peso das afinidades culturais,
da presena, da influncia e do prestgio de uma cultura nacional em determinada rea do globo , invariavelmente, resultado de um processo, de
uma poltica mais ou menos bem-sucedida que determinar a aproximao
ou o afastamento entre as sociedades. Essa abordagem permite reduzir
o nmero de variveis que interferem no estudo das relaes culturais,
ao mesmo tempo em que delimita o objeto.
Identificar e analisar o papel reservado ao fator cultural nos diferentes
paradigmas das Relaes Internacionais e considerar os estudos sobre
as relaes interculturais realizados pela antropologia, pela sociologia e
pela cincia poltica isso permite uma abordagem pluridisciplinar do
assunto, que, por sua vez, possibilitar integrar novos conceitos e problemticas ao nosso tema. Aps uma fase de pesquisas histricas sobre
casos concretos,4 necessrio iniciar outra etapa, a fim de construir um
quadro explicativo das vrias modalidades de interao entre as culturas
e das polticas culturais no plano internacional. Em suma, inventariar as
diversas manifestaes do fator cultural essencialmente multiforme ,
seguindo as orientaes de Friedlander (1977), significa elaborar uma
taxinomia das relaes interculturais baseada em trs eixos:
4. Sobre a poltica cultural francesa, ver: Lessa (2001) e Suppo (1993; 1995, pp. 75-88;
1996; 1998; 1999, pp. 187-204; 2000a; 2000b, pp. 309-45; 2000c; 2001; 2002b, pp. 10913). Sobre a poltica cultural brasileira, ver: Suppo (2002a, pp. 335-43; 2002c; 2003).