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Deixis Temporal e Pessoal
Deixis Temporal e Pessoal
Deixis Temporal e Pessoal
sociodiscursivos
Personal and temporal deixis: sociointerational and
sociodiscursive aspects
Abstract: The objective of this article is to discuss the phenomenon of personal and
temporal deixis, emphasizing sociointerational and sociodiscursive aspects that broaden the
understanding of the role of the deitic elements. We will start from a brief history of the
traditional literature on deixis (LYONS, 1977; FILLMORE, 1984; BUHLER, 1977) to arrive at
more recent studies (FONSECA, 1995, CORNISH, 2007, SANTOS AND CAVALCANTE,
2014; among others), that contemplate questions about the textual-discursive character of
the phenomenon. Based on Marmaridou (2001), Maalej (2011) and Cabral and Santos
(2016), we will analyze sports news showing how deixis acts in the construction of the text,
marking ideological positions and constructing meanings that go beyond the traditional
classification.
Keywords: Text Linguistics. Deixis. Meaning construction.
1. Introdução
1
"A reference item is not of itself exophoric or endophoric; it is just 'phoric' – it simply has the property
of reference. Any given instance of reference may be either one or other, or it may even be both at
once". Tradução nossa.
organização da memória, permitindo que o falante a gerencie orientando o
processamento do destinatário dos segmentos recebidos de um texto" 2.
Analisando a dêixis como estratégia persuasiva em anúncios publicitários –
textos fortemente marcados por aspectos culturais –, Pardillos (1995, p. 60) observa
que os mecanismos dêiticos envolvem os papéis desempenhados pelos
interlocutores. Para o autor, os anúncios despertam nosso lado egoísta, ao contrário
de textos políticos, que apontam para o “bem comum” – como os analisados por
Cabral e Santos (2016) e por Maalej (2013).
Hanks (2008) e Maalej (2013) defendem que a dêixis desempenha um papel
pragmático na interação social no discurso. Para Maalej (2013, p. 639), os
pronomes, por se referirem a pessoas e grupos, implicam relações de poder, por
isso, além de uma dimensão discursiva, pode-se falar também de uma dimensão
política. Assim, mesmo o ‘eu’, além de indicar o enunciador, “pode operar como um
meio de construção do Outro: pode estar em oposição a qualquer 'você' ou 'eles' da
mesma forma que 'nós'”3.
Cabral e Santos (2016, p. 30) destacam que é comum pesquisas sobre dêixis
enfatizarem aspectos mais linguísticos, estruturais, como uso dos pronomes
demonstrativos e advérbios, em vez de questões textual-discursivas. As autoras
alertam, porém, que, “quando analisamos alguns textos, como discursos de políticos
e a carta-testamento de Getúlio Vargas, podemos observar aspectos sobre a dêixis
que denotam seu papel na arquitetura argumentativa”. Cabral e Santos (2016, p.
29), ao analisarem a dêixis de pessoa na carta testamento, destacam que
Quando, no processo de referenciação, o objeto de discurso se
identifica com “eu”, o processo toma uma relação com a questão da
subjetividade e, necessariamente, com a intersubjetividade. A dêixis,
por exemplo, nos remete à questão do sujeito enunciador e sua
relação com os demais sujeitos inseridos no texto – eu, tu e ele –, o
que nos conduz à problemática da enunciação e, por conseguinte,
aos postulados de Benveniste.
2
"Both anaphora and deixis operate at the level of memory organization, enabling the speaker to
manage it by guiding the addressee’s processing of the incoming segments of a text". Tradução
nossa.
3
"‘I’ can also operate as one half of a construction of the Other: It can stand in opposition to any ‘you’
or ‘they’ in the same way that ‘we’ does”. Tradução nossa.
tomar o poder e maltratar o POVO/VÓS, que precisa ser protegido.
(...) Assim, na carta testamento, os dêiticos de pessoa também
parecem demonstrar muito mais que os integrantes do jogo
discursivo, pois denotam jogos de força, marcando a disputa pelo
poder. Desempenham, portanto, papel persuasivo, marcando o
posicionamento do escriba diante dos demais interlocutores,
incluindo-os ou não no discurso e colocando-se como EU-salvador e
mártir da pátria.
4
While the user of “I” is anchored in discourse as egocentric and self-centered, “WE” constructs two
different social relations. Pennycook (1994: 175) argues that “‘we’ is always simultaneously inclusive
and exclusive, a pronoun of solidarity and of rejection, of inclusion and exclusion. On the one hand it
defines a ‘we’, and on the other it defines a ‘you’ or a ‘they.’(tradução nossa)
de pessoa, posição com a qual concordamos, pois o uso de tais formas pessoais
está atrelado aos propósitos comunicativos da situação enunciativa em questão.
Desse modo, privilegia-se o papel discursivo da escolha dessas formas.
(a) X says) - I've never ever seen him. (Y answers) - That's a lie. (X diz - Eu nunca o tinha
visto antes / e Y responde - Isso é uma mentira.)
(b) Além de não fazer mal algum, muitos insetos podem ser tão nutritivos – e saborosos –
quanto vários outros bichos que colocamos no prato todos os dias. “O nojo que nós,
ocidentais urbanos, temos por esses seres é puramente cultural”, diz Bill Yosses, chef do
badalado restaurante nova-iorquino Citarella.
(c) Os desenhos que ilustram esta reportagem fazem parte do conjunto de 31 imagens
selecionadas por Graça Pizá para ilustrar o que batizou de "vocabulário ilustrado dos afetos
emparedados" – uma síntese dos sentimentos mais frequentemente expostos por seus
pequenos clientes.
Para as autoras, apenas (c) pode ser considerado dêixis textual, já os outros
exemplos (a e b) são, respectivamente, anáfora encapsuladora e anáfora direta.
Esse entrelaçamento entre dêiticos textuais e anáforas encapsuladoras acontece
também por haver uma tendência nos estudos mais tradicionais a restringir o estudo
da dêixis ao estudo do uso dos demonstrativos ou, pelo menos, a valorizar a
presença desse demonstrativo como um indicador de coordenada dêitica, o que fez
com que casos como o do exemplo (a) fossem colocados no rol da dêixis textual e
não do encapsulamento anafórico. Outro fator que dificulta a classificação é que os
encapsuladores e a dêixis textual sumarizam um elemento dentro do próprio texto e
a informação referida por esses dêiticos nem sempre está expressa de maneira
pontual, mas diluída no discurso – caso clássico de encapsulamento anafórico.
Retomando a diferenciação entre anáfora e dêixis, Santos e Cavalcante
(2014), postulam que a característica peculiar às anáforas, que permite sua distinção
em relação à dêixis propriamente dita, é justamente o fato de elas virem sempre
associadas a uma âncora do cotexto que lhe serve de gatilho, permitindo, ainda, o
encadeamento e a continuidade da referência. Ainda segundo as autoras, os casos
de “dêixis impura”, ou seja, a dêixis de memória, social e a textual, devem ser
considerados como casos híbridos entre anáfora e dêixis, não devendo ser
enquadrados em uma única categoria apenas, o que nos parece bastante coerente
em termos de uma teoria mais simplificada.
De toda forma, objetivamos trabalhar com uma concepção sociodiscursiva da
dêixis, em que tal fenômeno seja definido como um processo que requer o
conhecimento de algumas coordenadas relacionadas ao contexto espaço-temporal,
aos interlocutores e também aos conhecimentos compartilhados
sociocognitivamente. Dessa forma, a relevância dos estudos deve recair sobre os
sentidos e as diferenças que esses usos anafórico/dêiticos acarretam nos textos.
Os estudos sobre as relações anafóricas com demonstrativos dêiticos e a
dêixis têm cada vez mais apontado para o entrelaçamento desses conceitos e para
a tênue separação entre eles. Em se tratando dos processos referenciais, cumpre
sempre destacar a importância dos dados do entorno sociocultural e situacional dos
enunciadores, não só a importância das fontes presentes no texto, mas a forma
como todos esses critérios vão auxiliar na representação mental do objeto de
discurso. O processamento das relações requer uma complexa ativação de
processos cognitivos que mobilizam conhecimentos na memória discursiva dos
participantes da interação. Todo esse entrelaçamento de elos referenciais não se
coaduna somente com o que está explícito no cotexto, mas também com o que está
na memória discursiva e é ativado por meio de inferências.
Como vimos, por sua capacidade de criar uma ligação entre o texto e a
situação enunciativa em que se encontram os interlocutores, os processos de dêixis
temporal e pessoal se distinguem dos anafóricos. Os elementos dêiticos exigem
uma análise que deve focalizar a situação de comunicação, determinando um
movimento em que é indispensável acionar conhecimentos compartilhados sobre a
enunciação. É interessante observar, porém, como se comportam esses casos de
dêixis em notícias esportivas, gênero textual fortemente situado no espaço-tempo da
enunciação.
O objetivo das notícias esportivas é sintetizar jogos de futebol, cujo resultado
geralmente já é conhecido pelo leitor, que busca mais informações e um toque de
curiosidade sobre o jogo em questão. Atualmente, as notícias esportivas não ficam
restritas à publicação de resultados dos jogos e campeonatos, ampliando a
possibilidade de cobertura para temas como a política dos clubes, situação
financeira, entre outros, conforme aponta Coelho (2008). Em relação à linguagem,
Barbeiro e Rangel (2006) destacam que o texto esportivo, de modo geral, detém
maior liberdade no tratamento da matéria. Segundo os autores, na editoria de
esportes, o humor e a leveza são perceptíveis, e o vocabulário, muitas vezes,
consagra expressões populares, sendo mais criativo.
A seguir, destacaremos alguns dos exemplos mais recorrentes de dêixis nas
notícias esportivas referentes aos jogos da Copa do Mundo de 2014 (cf. MORAIS,
2017): a dêixis temporal.
(1) Na verdade, tornou-se o anfitrião. O maior artilheiro da seleção uruguaia mostrou que
jamais será coadjuvante de um time que depende muito dele. Luis Suárez estreou no
Mundial ontem, marcou os dois gols da vitória por 2 a 1 sobre a Inglaterra, no Itaquerão, e
manteve as chances de classificação para as oitavas de final. O resultado, porém, não
significa o adeus da outra campeã do mundo, a Inglaterra. Tudo dependerá do jogo de hoje
entre Itália e Costa Rica, no Recife. (FURTADO, Tatiana; KNOPLOCH, Carol; D’ERCOLE,
Ronaldo. Suárez 100%. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 20 de junho de 2014, p. 7).
(2) Na sexta-feira, a Alemanha volta a campo para encarar a França às 13h, no Maracanã,
pelas quartas de final. (ILHA, Fávio. Batalha no sul. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 1 de
julho de 2014, p. 7)
(3) Com um gol de Kevin De Bruyne, e outro de Romelu Lukaku, os belgas venceram por 2
a 1, conquistaram a vaga, e agora enfrentam a Argentina no sábado, às 13h, em Brasília.
(BENJAMIM, Felipe. Bélgica bate Estados Unidos. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 2 de
julho, Caderno de esportes).
(5) São necessários 45 minutos para a troca de lados em uma partida. Mas o intervalo
esperado pela Holanda para virar o jogo durou quatro anos. No ciclo entre as Copas, os
holandeses não suportaram o papel de coadjuvantes, enquanto a protagonista Espanha
brilhava como a estrela campeã em sua camisa roja. Até ontem. (AMATO, Gian. Laranja
amarga. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 14 de junho de 2014, p. 8)
A locução adverbial “até ontem”, que encerra o parágrafo, toma como ponto
de partida o momento da enunciação do texto em diante, delimitando um marco
temporal. A partir desse jogo, a Holanda deixava a derrota sofrida na final da Copa
de 2010 para vencer o seu rival, a Espanha, com uma ótima atuação, vencendo por
um placar amplo de quatro gols de diferença.
É interessante notar que esse parágrafo inicia o texto apresentando ainda a
superioridade espanhola. No entanto, a partir da coordenada dêitica, há um novo
momento discursivo, já que a continuidade da notícia passa a relatar a virada e
superioridade holandesa sobre a Espanha. A expressão dêitica, nesse caso,
funciona como uma demarcação de momentos diferentes no texto: o antes e o
depois da seleção holandesa, que passou de equipe derrotada pela Espanha na
final do mundial de 2010 para a equipe que impôs uma goleada na campeã mundial
Espanha quatro anos depois.
No exemplo (6), preferimos analisar, conjuntamente, um caso de dêixis
pessoal e também casos de dêixis temporal encontrados no mesmo texto. A notícia
trata do jogo entre Argentina e Holanda, publicada no jornal Lance!, ocorrido na
etapa semifinal da competição. Com a vitória da Argentina e a derrota do Brasil
poucos dias antes, a comparação entre as seleções foi recorrente nos jornais.
(6) A Argentina vai fazer a final do mundial em nossa casa com a responsável pela maior
humilhação de nossa história: a Alemanha. (...)
Certo é que, assim como o 8 de julho para os brasileiros, esse 9 de julho nunca será
esquecido pelos argentinos. No dia da independência do país, eles ficaram a um jogo de
conquistar o Brasil, a eternidade. Brasil, decime que se siente...
(PORTO, Marcio. Corrida para o tri. Jornal Lance! Rio de Janeiro, 10 de julho, p. 10).
7. Conclusão
Referências
BUHLER, K. The deictic field of language and deictic words. In: JARVELLA, R.J.;
KLEIN, W. (eds.) Speech, place and action: studies in deixis and related topics. New
York: John Wiley and Sons, 1982. p. 9-30.
EHLICH, K. Anaphora and deixis: same, similar, ou different? In: JARVELLA, R.J.;
KLEIN, W. Speech, place, & action studies in deixis and related topics. New York:
John Wiley & Sons Ltd., 1982. p. 315-338.
HANKS, W. Incursões no campo dêitico. In: ______. Língua como prática social. São
Paulo: Cortez, 2008. p. 204-227.
MAALEJ, Z.A. Framing and manipulation of person deixis in Hosni Mubarak’s last
three speeches: a cognitive-pragmatic approach. Pragmatics, v. 23, n. 4, p. 633-659,
2013.
SCHIFFRIN, Deborah. Between text and context: Deixis, anaphora, and the meaning
of then. Text, v. 10, n. 3, p. 245-270, 1990.