A Ilusão Da Imagem
A Ilusão Da Imagem
A Ilusão Da Imagem
écfrase,
da Antigüidade
ao século XX
“Aí está uma ilusão completa: creio ver Trata-se do que nos diz Roland Barthes em
[grifo meu] não personagens pintadas, mas S/Z, em uma rubrica intitulada “O Modelo
seres reais que se movem, que são presas da Pintura” – e creio que não é preciso su-
ouvissem e imagino escutar a resposta que textos aqui reunidos, aquele do ut pictura
me dão. E você, que nada disse, você estava poesis – a respeito da descrição no século
igualmente preso à ilusão; não soube, mais XIX, mais especificamente do romance
do que eu, defender-se contra o artifício que a história da literatura considera como
sentido convidado a participar da ilusão é a ver, posta-se à janela, não tanto para ver
visão – vale lembrar que a écfrase pode ser bem, mas para dispor o que ele vê em sua
própria tela: a abertura faz o espetáculo. ção. No primeiro deles, que de certo modo
Descrever é, pois, colocar a tela vazia que se apresenta como exergo a todos os outros,
o escritor realista carrega sempre com ele clarificando seus operadores conceituais,
(a tela é mais importante que seu cavalete) João Adolfo Hansen percorre essencial-
diante de uma coleção ou de um contínuo mente a Antigüidade, interrogando-se em
de objetos inacessíveis à palavra sem esta particular sobre o valor demonstrativo de
operação obsessiva […]; para poder falar que se investe a écfrase e sobre suas imbri-
dos objetos, é preciso que o escritor, através cações com a evidentia, com a enargeia e
de um rito inicial, transforme o ‘real’ em com a descrição; e, mais genericamente,
objeto pintado (emoldurado); depois disso, refletindo sobre as definições que Hermó-
ele pode desprender esse objeto, extraí- genes, Luciano e Filóstrato propõem para
lo de sua pintura. Dito em uma palavra: esse motivo retórico. No segundo, visito
(d)escrever [dé-peindre]” (Barthes, 1970, o século XVII francês, os autores Charles
p. 61, tradução minha). Perrault e André Félibien, os jardins de Ver-
salhes, seu décor efêmero e suas maravilhas,
Riffaterre fala em mímesis dupla; Bar- procurando entender como os mecanismos
thes, de uma mímesis segunda que, na ver- ecfrásticos põem-se a serviço do aparato
dade, tem o poder de abrir a representação espetacular da representação do rei Luís
à circularidade ou, melhor ainda, a um XIV. Em seguida, Claudia Valladão Mattos
continuum dos sentidos. Mímesis dupla, volta seu olhar para o século XIX alemão,
mímesis segunda, o que importa é que revelando o estudo que Goethe propõe sobre
ambas dizem respeito ao problema mesmo os Quadros de Filóstrato em sua busca de
que encerra o motivo da écfrase: como dar fundamentos de uma moderna teoria da arte.
existência verbal, e de modo imagético, a Concluindo, Osvaldo Fontes Filho detém-se
imagens, a visões, a figuras, e a tantos ou- sobre um texto mais recente, A Idade Viril,
tros termos do mesmo espectro semântico, de Michel Leiris, em que a écfrase presta-se
já existentes? a resgatar imagens de um Panteão antigo
Os textos que se seguem procuram, cada para a erotização e mitologização do autor
um a sua maneira, dar conta dessa interroga- que ali se auto-retrata.
BIBLIOGRAFIA
CHEVALIER, Raymond. “Les Voies de l’Illusion dans l’Ecphrasis: l’Exemple de Philostrate”, in La Littérature et les Arts
Figurés. De l’Antiquité à nos Jours. Actes du XIVe Congrès de l’Association Gillaume Budé, Limoges 25-28 août.
Paris, Les Belles Lettres, 2001
RIFFATERRE, Michael. “L’Illusion d’Ekphrasis”, in Literatura y Pintura. Introducción, compilación de textos e bibliografia
por Antonio Monegal. Arco/Livros S.L., 2000.
BARTHES, Roland. S/Z. Paris, Flammarion, 1997.