Guido Mantega (Coord.) - Sexo e Poder
Guido Mantega (Coord.) - Sexo e Poder
Guido Mantega (Coord.) - Sexo e Poder
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Aguinaldo Silva ,
VIOLAÇÃO: ATO DE SEXO OU Dj:: PODER?
Guido Mantega
SEXO E PODER NAS SOCIEDADES AUTORITÃRIAS:
A FACE ERÓTICA DA DOMINAÇÃO
/nimá Simões
SOU... �AS Cl EM NÃO É? PORNOCHANCHADA:
O BODE EXPIATÚRIO DO CINEMA BRASILEIRO
Jean C/aude Bernardet
11 O ESCÂNDALO DA MELANCIA . ,,
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GUIDO MANTEGA
COORDENADOR
SEXO E PODER
editora brasiliense
1979
CADERNOS DO PRESENTE 3
Sexo e poder
Conselho editorial
Capa:
Mari
Revisão:
Nobuca Rachi
ltraslllense
ec:fitorl soe. an.
01042- rua bario de itapetininga, 93
llo paulo- brasil
Índice
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1. Sexo e poder nas sociedades autoritárias: a face eró-
tica da dominação -. Guido Mantega . ... . . . . . . . . 9
2. Sauna, angústia e lanchonete - Maria Rita Kehl . 35
3. Feminismo: reforma ou revolução? 0/gária C.F. -
Matos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4. A "nova" moral sexual das revistas femininas -
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • • • • .
Guido Mantega
1. Sexo e poder
nas sociedades autoritárias:
a face erótica da dominação
GUIDO MANTEGA
Alguns autores têm afirmado que o sexo mantém íntimas
relações com o poder; que a sexualidade tem estado compro
metida com as relações de dominação existentes ao longo
destes anos de civilização humana. Para Freud, a repressão
e a sublimação dos instintos sexuais corresponde a uma
condição necessária para a vida em sociedade; para Reich, a
repressão da sexualidade está a serviço das sociedades autori
tárias; e Foucault sustenta que o capitalismo avançado espa- .
lha o sexo e aumenta o seu poder através dele. Enfim, alude-se
para uma faceta do poder que não costuma ser abordada no.s
manuais de ciência política. Trata-se de um poder invisível,
subterrâneo, que age na penumbra, e pode ser tão eficiente
quanto a polícia ou as instituições judiciárias.
Refiro-me a uma forma de poder resultante da manipula
ção da sexualidade e do tipo de estrutura mental que vem
sendo forjada durante todos estes séculos de civilí'zação: a
estrutura autoritária. Segundo Marcuse, a história da huma
nidade tem sido a história da dominação, e as sociedades
autoritárias têm criado os mecanismos pelos quais o.s indiví
duos são predispostos mentalmente para a aceitação e repro
dução do sistema autoritário. O condicionamento autoritário
começa no berço, quando a criança entra em contacto, na
família patriarcal, com o pai, o slmbolo máximo da supressiio
do prazer, e o lacaio-mor da autoridade estatal. Assim, desde
cedo os indivíduos são treinados a adotar o autoritarismo e a
transmiti-lo. Para isso, são castrados e submetidos a /otta
sentimentos de culpa, toda vez que agem ou simplumMtr
pensam em desacordo com a moral autoritárill.
12 GUIDO MANTEGA
renúncia das satisfações instintivas: até que ponto sua condição prévia radica preci·
samente na satisfação (por supressão, repressão ou algum outro proçesso?) de ins
tinto� podera&os. Essa frustração cultural rege o vasto domínio das relações sociais
entre 01 teres humanos, e.já sabemos que nele reside a causa da hostilidade oposta a
toda cultura. •• S. Freud, E/ Ma/estar en la Cultura, op. cit., pág. 3038.
SEXO E PODER 15
(5) "A verdade oculta por trás de tudo isso, que negaríamos de bom grado,
é a de que o homem não é uma criatura terna e necessitada de amor, que somente
ousaria defender-se se fosse atacada, senão, pelo contrário, um ser entre cujas dispo
sições instintivas também deve incluir-se uma boa dose de agressividade. Por conse
auinte, o próximo não representa unicamente um possível colaborador e objeto
5exual, ienão também um motivo de tentação para satisfazer nele a sua agressi
ridade, para explorar a sua capacidade de trabalho sem retribuí-la, para aproveitar
se sexualmente iem o seu consentimento, para apoderar-se de seus bens, para
humilhá-lo, para ocasionar-lhe sofrimento, martirizá-lo, matá-lo." S. Freud, op.
cil . • PÁI· 3046.
SEXO E PODER 17
(subordinado) e sua função familiar (chefe), ele 616gica e tipicamente uma esp6cie de
20 GUIDO MANTEGA
Democracia e sexualidade
F. Nietzche,
Assim Falou Zaratrustra
A pretensão deste trabalho é levantar algumas pontas dos
véus que encobrem as evidências do estado de repressão crô
nica em que vivemos. "Nós ": pequena burguesia metropo
litana, razoavelmente universitária, razoavelmente jovem,
supostamente progressista; está dirigido para e sobre quem
potencialmente o lê, onde me incluo.
As evidências do estado de repressão crônica em que vi
vemos não existem. A repressão é desintegradora do indi
víduo. Apóia-se em dicotomias, em fragmentações. Impede a
afirmação do ser indivisível ao romper sua unicidade original
desde a primeira ferida narcisista até tantos outros ferimentos
e tão ameaçadores que, qualquer ruptura, qualquer barreira.
qualquer negação do desejo, parece trabalhar a favor do prin
cípio do prazer. A fragmentação se torna desejável e a re
pressão, "natural ". Se fosse evidente, seria possível qu e se
tornasse crônica ?
O caminho da reintegração talvez seja conhecido por
meia dúzia de nós, se é que é possível conhecê-lo individual
mente. Há quem diga que os loucos o conhecem, m.as a im
pressão que tenho é de que os loucos deram só o primeiro
passo: eles enxergam seu eu dividido enquanto os outros se
pretendem íntegros. Enxergar, talvez, não impliqu e necessa
riamente na loucura, mas, sem dúvida, promete momentos de
pânico, desamparo e perda dos mecanismos habituais de esttU
no mundo mais ou menos confortavelmente. Já o não enxergGI'
e procurar viver/sobreviver dentro desse estado de alieiiQÇiio
implica na manutenção das dicotomias. Na restrição de po.ui
bilidades de êxtase. Na existência compulsiva; a compulslo.
38 G U IDO MANTEGA
Burocracias da felicitiade
Eros e racionalidade
A compulsão psicanalítica
Reformismo e consumismo
Economia energética?
O êxtase, hoj e
Freud e Marcuse :
natureza, dominação e repressão
e 87) .
•
74
G U I D O M A NTEGA
(Now., D� 53)
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80
G U IDO MANTEGA
Concluindo
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5 S ou . . . mas quem nao e' ?.
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Pornochanchada : o bode
expiatório do cinema
brasileiro
INIMÃ SIMOES
-�
Um assalto! É noite na metrópole, e o homem em ati
tude suspeita se prepara para invadir uma casa. Inexplica
velmente, a janela estava aberta e logo ao pisar no assoalho ele
tem um sobressalto : é que uma mulher , bem jovem ainda,
dorme profundamente e veste apenas uma tanguinha mili
métrica. A partir deste instante, a câmera muda por completo
o seu comportamento e, qual um adolescente excitado e atur
dido por fantasias sexuais , deixa tudo de lado e se preocupa
exclusivamente com aquele corpo sobre a cama. Corre e per
corre sua superfície enquanto vai registrando com rigor hie
rárquico e de maneira obsessiva alguns detalhes anatômicos.
A trama está suspensa e o assalto - alguém se lembra dele?
- j á é coisa do passado e sem m aior importância.
Esta p assagem, do filme O Pensionato de Mulheres , diri
gido por Clery Cunha e exibido há aproximadamente três anos
em São Paulo, fornece alguns elementos para a compreensão
das fórmulas consagradas pela pornochanchada. 1 Poderia ser
outro o ambiente: velório, escritório de uma grande organi-
Potência e competência
Erotismo- falocêntrico
(Nosso super-homem prefere ovos de codorna à kriptonita)
(8) O filme já foi comentado por Em Tempo seguindo esta linha de raciocínio.
SEXO E PODER 95
E censurada.
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100 GUIDO MANTEGA
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7. Pornografia,
o sexo dos outros
JEAN CLAUDE BERNARDET
A. atit ude dos indignados diante da dita pornochanchada
re vela vestígios de puritanismo e a tentativa de afirmar uma
pre tensa superioridade cultural e sexual.
P -
Como o sr. enc ara o movimento de libertação feminiM 1
R -
Eu considero em si positivo. Tem que existir. �preciso que
nós cheguemos a nos conhecer, conhecer os valores, de forma que é
bom e justo em geral o movimento feminista. �só controlar seus
caminhos, orientações, conservar os valores hierárquicos e respeitar
as capacidades. Não se pode dizer que um sexo é maior outro 6
menor, não. Tem qualidades nos dois. Mas há um conceito de
hierarquia que deveria ser respeitado. Homem, homem, mulher'.
mulher. Mas, em si, o movimento feminista é bom, é justo. Cea
trolá-lo.
1 14 GUIDO MANTEGA
aqui no Brasil'!
p· O sr. acha então que a lei é limitada? A cha que ela deveria ser
.
-
maJS . . . .?
R -Não, não acho que ela deveria ser mais ... Eu sendo contra,
acho que não deveria haver essa lei. Mas acho que é uma lei feita de
improviso e sem a necessária maturidade.
P -Mas o sr. não acha que não deixa de ser representativo o fato
de que isso dá dinheiro?
bolsa de valores, mesmo. Agora, acho que por trás deles e dentro
desses grupos que propagam isso também existem grupos que fazem
com consciência ideológica, que agem dessa maneira exatamente
porque é do interesse deles minar a sociedade ocidental para fazer a
revolução que eles querem fazer. E depois que a revolução for feita,
então, modificar a maneira de agir. E isso não acontece somente na
questão da pornografia, mas em muitas outras, como, por exemplo,
a arte moderna. Nos países comunistas, a arte moderna sofre as
ma•ores restrições, ao passo que no ocidente os maiores difusores da
arte moderna são pessoas que têm simpatias pela ideologia comu
nista, ou até na questão da língua. Hoje em dia, não constitui
nenhuma novidade que a imprensa de modo geral está toda infil
trada pelas esquerdas - o próprio Cacá Diegues, que é ãe esquerda,
inventou essa expressão que está muito em voga, que é "patrulhas
ideológicas". E se vocês observam bem os jornais, por exemplo, os
jornais estão.. . infiltrados pela língua da esquerda. A língua, hoje,
nos jornais, está inteiramente deturpada. E se a gente pegar a
constituição da Coréia do Norte, que é um país comunista, diz lá
que uma das funções do governo é defender a integridade da língua
do país. Então, não é só pornografia nem arte, mas é tudo. É um
conjunto em que determinadas forças tentam destruir tudo o que é
padrão estabelecido. Então, é a subversão de todos os valores, a
inversão de todos os valores, para, através disso, conseguir fazer a
revolução. Vejam que todos os países comunistas, de qualquer
orientação, se opõem a esse tipo de subversão dos valores artísticos
dentro de seus países, enquanto a esquerda no Ocidente defende a
subversão de valores por puro interesse.
P - Por que o sexo exerce um forte fascínio na opinião p ública ?
Não seria uma demanda reprimida de alguma necessidade que
t alve z fosse justa ?
Mulher e sindicato
passiva; o homem tem que ser agressivo, etc. Slo milhares de coisa
que permeiam a viria social e não slo tomadas como fatores pol-
132 GUIDO MANTEGA
A questão do p atriarcado
Jean C/aude - Mas numa certa faixa das classes sociais. O que
você pode verificar nos meios homossexuais é que é uma certa classe
que começa a ter acesso a um certo tipo de consumo, um certo tipo
de comportamento, até um certo tipo de liberalismo . . . mas que
aquilo não diz respeito ao conjunto da sociedade. Um grupo desse
tipo tem que defender, digamos, as suas prerrogativas, o seu lugar
ao sol. Também defende os seus interesses de classe, em termos de
status , de poder, de poder aquisitivo. Em relação aos negros me
pergunto se a mesma coisa também não estaria acontecendo, através
da formação de uma classe média intelectualizada negra. Hoje, eles
dizem, estamos ligados aos negros da família, aos negros da favela.
Inclusive porque eles têm ainda membros da família, muitas vezes
os pais, que estiveram na favela, ou próximo a isso. Mas eles estão
caminhando para as universidades, se encaminhando enfim pra
novas áreas da sociedade capitalista. Daqui a pouco é bem possível
que eles esqueçam o que estão dizendo hoje e simplesmente cons
tituam um novo segmento da classe média. As "minorias" , para
realmente exercerem uma atuação política, tanto em termos de luta
de classes quanto de patriarcalismo, etc. , devem perceber que ele
mentos essenciais da sociedade podem ser postos em xeque a partir
da sua situação. Não se trata apenas de um lugar ao sol e da tolerância
que se pode dar ao negro, à mulher, etc. Trata-se de colocar em
xeque elementos básicos da sociedade.
Alfredo -Não sei até que ponto tua pergunta é válida; não sei até
que ponto me importa saber o que é a homossexualidade, porque
poderia perguntar o que é a heterossexualidade. Quanto aos este
reótipos, acho que, inevitavelmente, qualquer atitude social com
porta sempre uma codificação que, no caso dos homossexuais,
sofreu transformações históricas. É quase inevitável que todo grupo
social tenha esses códigos. Trata-se de revisar os valores que sobre
eles se têm depositado e os valores que, neste momento, aqui e
agora, estão depositados sobre a homossexualidade, aqui no Brasil,
neste momento, em 1979.
G.úlu.co - Eu
diria que ele se torna sempre invisível no momento
em que eJe nio se enquadra nos estereótipos: isso, geralmente, não
SEXO E PODER 141
bém? Não tem sentido, não deveria nunca ser assim. Agora, digo
que é compreensível pois, quando uma lésbica assume o estereótipo
do homem, ela passa a ter um comportamento machista no rela
cionamento com outras mulheres. Nos casais lésbicos que mantêm o
padrão "papai-mamãe", "fanchona-lady" , elas acabam não se iden
tificando como mulheres, pois uma é sempre o macho, o boy e a
outra sempre é mulher, a "passiva" do "caso" .
' Flávio- Estou observando que muitas das dificuldades que vocês
estio lançando como pertinentes ao homossexual na verdade são
dificuldades de qualquer pessoa que queira passar por cima dos
estereótipos de repressão socialmente aceitos hoje; então, uma re
laçio afetiva com outra pessoa é chamada de relação heterossexual
ou até de amizade. Acho que um homem que queira ter relação
ralmente satisfatória do ponto de vista afetivo com uma mulher,
SEXO E PODER 14 7
tem que vencer uma repressão brutal , que vai desde o problema do
sabonete, passando pelo problema do cheiro do corpo. Somos acos
tumados à idéia de que o corpo deve cheirar desodorante, e não o
cheiro natural ; em suma, me parece que existe uma briga muito
grande entre as pessoas e as coisas, e o problema maior é o das
pessoas não se transformarem em coisas . Sinto que a nossa conversa
está caminhando um pouco nessa direção, não sei como é que vocês
vêm isso.
da mulher por cima do homem. Isso tem uma razlo óbvia: aessa
148 GUIDO MANTEGA
Jorge - Nós vivemos numa sociedade de base cristã, que faz você
se sentir culpado pelo fato de você ter prazer.
Marisa - Não reprime porque usa, né? Acho que não é conve
niente pro atual governo reprimir a homossexualidade . Em geral, há
uma grande manipulação da questão homossexual, seja dos go
vernos capitalistas quanto dos comunistas . Para os primeiros , somos
comunistas, agentes, etc. Para os outros, somos resquícios do capi
talismo, representantes da decadência burguesa. Não precisamos
repetir os casos dos "campos de reeducação" na Rússia e Cuba. Na
França isso deu uma grande confusão. O presidente do PC é homos
sexual, e enquanto ele levantou o partido, ótimo, mas quando ele se
assumiu como homossexual, e vai pras reuniões de calça cor-de
rosa, e camisa florida, é uma confusão enorme , porque eles não
sabem o que fazer com o cara. Se mantêm na presidência, ou se
depõem .
Flávio - Acho que não era bem o presidente , mas o caso do Louis
Aragon.
Glauco -É bom lembrar que essa conclusão foi o que se tirou dos
debates da USP, e não só com relação à homossexualidade: o
problema das minorias de maneira geral não foi resolvido, nem DIS
sociedades capitalistas e nem pelas esquerdas, pelo menos no qae
estas têm proposto até agora.
152 G U I DO MANTEGA
a depor; a mesma coisa com Lampião , com Celso Curi, com o caso
do Dr. Roberto Farina ( que fez a operação de um transexual) .
Então, eu concordo com você que pode ser uma forma maior de
violência no sentido de que uma certa camada da população homos
sexual não vai se revoltar. Por exemplo, na Argentina, toda forma
de homossexualidade é reprimida. Você pode ser pego na rua an
dando com um colega só para a polícia confirmar se você tem
relação ou hão com o outro . Claro que este tipo de repressão cria
uma revolta maior, enquanto que a nossa tolerância cria uma espé
cie de anestesia coletiva. Por isso, muitas pessoas se perguntam:
bom , mas eu vou fazer parte de um movimento homossexual? Pra
lutar contra o que, especificamente? Porque a repressão é fantas
magórica .
pois já houve época em que só existia uma boate gay em São Paulo, e
atualmente não só existe um número elevado, como uma tendência a
abrirem-se cada vez mais boates. Então está tudo ótimo: nós esta
mos lutando contra o quê? De um modo geral, o indivíduo é profun
damente alienado e reacionário; por ser homossexual ele não é um
revolucionário; não existe nenhuma ligação, apesar de ter um po
tencial de subversão, quer dizer, provavelmente ele vai se colocar
contra aqueles homossexuais que estão tentando modificar alguma
coisa. Porque vai abalar justamente a estrutura dele, vai abalar o
lugar ao sol que ele conquistou.
maior e uma luta menor: existe uma luta única por uma sociedade
igualitária.
que cresceu com relação a esse crime; por força dos movi
mentos de liberação da mulher, os sociólogos notaram uma li
geira modificação no comportamento das vítimas quanto à
violência sexual ; se, antes, elas tinham vergonha de testemu
nhar e levar o caso adiante, agora parecem cada vez mais
decididas a conseguir que a justiça seja feita, e passaram a
usar, em sua defesa, não mais o velho argumento da honra
perdida, mas sim do atentado contra a sua liberdade sexual.
No Brasil, o estupro está enquadrado no artigo 213 do
Código Penal e a pena imposta pela Lei é de três a oito anos,
não importando a condição da vítima: maior ou menor, vir
gem ou não, " mulher honesta ou prostituta" . Mas as estatís
ticas sobre o assunto são inteiramente falhas. No Rio, a polí
cia informava oficiosamente, em meados de maio do ano pas
sado, que até ali haviam sido registrados três casos em média,
em cada uma das 57 delegacias policiais do Grande Rio, o que
dava um total de 1 7 1 estupros em cerca de cinco meses. Os
p róprios policiais, no entanto-, se mostravam céticos, então,
em relação aos números que apresentavam: "Em cada 100
casos de violência sexual, apenas um é levado ao conheci
mento da polícia. "
- Esperei q u e meu marido dissesse alguma coisa, atra
vés da porta do quarto entreaberta, mas ele permaneceu
calado. Um dos ladrões chegou a dizer: "Manda o marido
dela vir pra sala. Ele n ão pode perder esse espetáculo. " Mas
eu o lhei para o q u e m e escolhera e lhe pedi: ' 'Pelo amor de
Deus. " E ele responde u : "Deixa o otário pra lá. Ele é dos que
fica m q u ietos. " Um dos ladrões já agarrara a empregada, que
choramingava. O chefe do bando m e levou para o sofá, man
dou q u e e u deitasse. De tão apavorada, eu m e engasguei, e
comecei a tossir, descontrolada. Impaciente, ele se debruçou
sobre mim e perguntou: "Como é q u e é ? Vai fazer bonitinho,
ou vou ter que lhe dar u m as coronhadas ? ' ' Aí eu fechei os
olhos e fiz de conta que estava m u ito longe dali. (S.S.M.)
As estatísticas sobre violação sexual n o Rio estão arbi
trariamente divididas em dois tipos. Primeiro, há os casos
decorrentes de assaltos, que são a maioria. Depois, aqueles
em que os criminosos são "desajustados do meio social", ou
pessoas que "perderam momentaneamente o controle" . Nesta
SEXO E PODER 161
cacia. Ele tinha uma filha alguns anos mais nova que eu, e me
trata va de um modo paternal, que sempre m e encheu de or
gulho. Quando aconteceu, foi de um modo te"ível, porqu e ele
me agarrou em pleno escritório, no final do expediente,
quando todos já h aviam saído. Hou ve luta e eu bati com a
cabeça contra uma estante, cheguei até a sangrar. Mas isso
não o fez desistir. Ele era um homem muito forte, e não se
preocupou em ser delicado. Eu tive uma hemorragia, e só
por isso ele ficou assustado. Trouxe-me algumas toalhas reco
lhidas no banheiro e fez apenas um comentário sobre o as
sunto: "Eu perdi o controle. Afinal de contas, sou um ho
mem, de carne e osso. O melhor que a gente faz é esquecer
tudo isso. " (A. de R. )
Advogada, hoje com seu próprio escritório, A. de R . ,
vítima de estupro há oito anos, tornou-se uma estudiosa do
assunto , "uma verdadeira obcecada" , como ela diz. Já chegou
a defender algumas vítimas de ataques sexuais e, utilizando
seu próprio caso como exemplo (ela seguiu o conselho do
estuprador: guardou silêncio sobre o que lhe aconteceu e
apenas se afastou dele) , nega a validade das estatísticas poli
ciais que apresentam o estuprador como um desajustado
social.
- Todas as pesquisas sérias feitas em outros países in
dicam que os violadores só raramente apresentam desequi
líbrio mental, perversões ou manias. Isso significa que a maio
ria deles é o que se poderia chamar de "pessoas normais ".
Com isso, fica bem claro que eles, ao partir para a violência
sexual, n ão fazem m ais que exprimir o condicionamento
sexual que lhes foi imposto pela cultura _ e pelos nossos cos
tumes. Eu sempre cito o comentário feito por uma feminista
francesa: "Os violadores são homens normais, que servem
momentaneamente na primeira linha das tropas de choque
masculinas, terroristas da mais longa batalha que o homem
conheceu - a guerra dos sexos. "
Para A . de R. , a violação sexual, como a Justiça, é uma
coisa de homens. E estes, em relação ao estupro, reagem
sempre de acordo com três regras que eles consideram tfpicas
do comportamento feminino: 1 -Todas as mulheres adoram
ser possuídas a força; 2 Nenhuma mulher pode ser violada
-
164 GU IDO MANTEGA
O caso chinês
A influência cristã
Os barbudos libertário s
A "via iugoslava"
A esquerda e a sexualidade
terapias, ainda tinha ligação com o PC. Tudo isso fez ele sair às
pressas da Alemanha, pois eie estava na lista negra dos nazistas. O
próprio Freud. por exemplo, desaconselhava aos seus alunos irem
assistir as aulas de Reich porque ele era comunista . . . e coisas desse
nível. Quer dizer, ele pegou uma época tão efervescente e se estrepou
com isso. Ele criou uma coisa que aos poucos foi sendo mutilada.
Atualmente, a gente trabalha de uma forma muito elitizada, fe
chado num consultório. Mesmo se a gente vai fazer um trabalho
num centro de saúde numa periferia, é para aliviar um pouco o
sentimento de culpa. Mas em termos de solução de massas isso não
resolve. Eu acho que havendo umas mudanças você pode criar novas
formas de atendimento global. Na China, por exemplo, todo o
mundo acorda às 5 horas da manhã, liga os rádios, sai na rua e
começa a fazer exercícios. Isso aqui pra gente é loucura. Imagina o
brasileiro acordar às 5 da manhã para fazer exercícios? Mas, na
medida em que você faz determinados exercícios ( na linha oriental,
bioenergética, etc.) diariamente, isso representa uma verdadeira
medicina preventiva. Ela cria uma saúde corporal e uma saúde
mental.
Godoy - Vamos dizer assim, pode servir para tudo. Mas são
idéias que poderiam ser exploradas. Por exemplo até que ponto você
poderia trabalhar com isso em fábricas? ou em escolas? Poderíamos
trabalhar com medicina preventiva e também com mais informação,
com a discussão mais aberta de toda a temática sexual, a situação do
aborto e um milhão de outras coisas que, se puderem ser aclaradas
desde o início, são mais fáceis de solucionar.
Gregório - Exato.
Gregório - Exatamente.
Godoy -t, não tem desperdício. É global. Então, você tem pou
cos recursos para se libertar disso. Tem de fazer um esforço terrível.
E o trabalho corporal é fundamental. Sem ele os resultados são
pequenos. O indivíduo tem de fazer todo um esforço para chegar a
um mínimo. Todo esse aspecto da sexualidade está unido a um
processo animal mesmo. A uma vida em relação à natureza, inte
grada com a natureza. E nós estamos a centenas, milhares de quilô
metros de distância de uma vida com a natureza, deformados das
mais variadas formas . Por isso, todo o trabalho nesse sentido é
grande mas tem resultados mínimos. Porque seria diferente se já
houvesse uma base social menos repressora. Na minha prática, eu
procuro trabalhar não só na sessão mas procuro dar elementos para
que os pacientes continuem se trabalhando todo o dia. Diariamente,
o paciente faz os exercícios e aquilo provoca uma soltura em seu
corpo, uma descarga emocional, um novo insigh t , uma nova si
tuação. Daí a análise social disso, a análise moral de toda a situação
que ele vive. Tudo isso vai determinando uma liberação. Atual
mente, a gente tem mais recursos . O desenvolvimento da técnica
possibilitou uma abordagem mais firme. Então, é diferente você
apenas falar sobre uma problemática sexual, como se fazia antes, e
mobilizar, por exemplo, a pélvis do paciente. Porque uma pélvis
congelada, dura, está centralizando toda uma problemática. E daí
você pode pegar desde uma situação atual até a adolescência, a
infância, o nascimento, o meio social que o circunda. É bem dife
rente você apenas analisar tudo isso, ou colocar tudo em ação de
modo a p rovocar um processo. Então, eu acho que os recursos têm
aumentado e as mudanças na situação social têm ajudado. Mas eu
j á não dou tanta ênfase nesse trabalho. Acho que isso é uma etapa.
Na medida em que isso fica melhor já começam outros processos
mais amplos de trabalho, de percepção. Esse é um passo primário.
É uma coisa que devia ser muito mais natural, mais fácil, mais
tranqüila. Então, a partir daí, a gente deve chegar a problemáticas
mais abrangentes de um p onto de vista social. Porque o que acon
tece com a gente , o que acontece com todo o mundo, é que fomos tio
massacrados nisso que não podemos enxergar mais amplamente.
Nesse sentido, eu acho que é importante como um degrau . Mas nlo
como se esse fosse o problema mais específico. Mas como ele foi
muito violento, temos de fazer um esforço muito violento em sentido
contrário.
tica , etc. Isso me sugere algo que tem uma dimensão muito grande e
que talvez seja um dos princípios fundamentais da existência hu
mana . Ou , quem sabe , o impulso básico da existência humana.
Então, eu estou discordando um pouco de que a sexualidade adquire
uma importância grande devido ao nível de repressão que existe em
cima dela. O que eu estou tentando explicitar é o chamado princípio
do prazer esboçado por Freud. Na verdade , eu estou tentando
encarar uma energia erótica não como um impulso, ou algo pare
cido, mas como um princípio de vida. Uma tendência do homem
buscar o prazer e a felicidade, que transcende os impulsos bioló
gicos, mas é uma espécie de princípio filosófico que vem sendo
construído pela prática humana. Est0\.1 tentando dar uma interpre
tação metapsicanalitica de Freud, e não somente psicanalítica. Ten
tando ver em Freud um princípio filosófico para a atividade hu
mana. Então, a gente teria de fugir um pouco de analisar a sexua
lidade como um impulso, mas vê-la como um princípio que o
homem tenta fixar mas não consegue. Nesse contexto, entendo esse
instinto de prazer como a busca da felicidade. Então, a gente
poderia, nesse contexto que eu falei, pensar que a sexualidade seria
o princípio básico de toda a vida humana. A gente deveria tentar
fixar esse princípio no sentido de erotizar o trabalho, as artes, as
atividades políticas, etc . Então, eu estaria dando um sentido bas
tante amplo a esse conceito de sexualidade.
Rita - Ela vai estar cada vez mais consciente de sua angústia.