História Serviço Social
História Serviço Social
História Serviço Social
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Odária Battini∗∗
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Fragmentos do texto subsidiador da palestra sobre a História do Curso de Serviço Social em Londrina – UEL
- 44 anos e em comemoração aos 80 anos do Serviço Social no Brasil, proferida em 17 de Maio de 2016,
na Universidade Estadual de Londrina – PR.
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Universidade Estadual de Londrina. Doutora em Serviço Social (PUC/SP), fundadora do Curso de Serviço
Social da UEL. E-mail: odarka@uol.com.br
Apontamentos sobre a História do Serviço Social no Brasil – 80 anos
brasileiro nos leva a tecer esta narrativa que concebe esta profissão como atividade humana,
requisição social e especialização do trabalho coletivo. Nos seus 80 anos no Brasil, apresenta
conquistas significativas e, já madura, ganha complexidade e elevados níveis de realização.
No presente, só vinculados (as) às entidades organizativas há no mundo cerca de 600 mil
assistentes sociais e cerca de 150 mil no Brasil, segundo contingente mais numeroso no globo
depois dos EUA. Como nos demonstrou a professora Joaquina Barata 1, no Brasil o Serviço Social
avançou:
1). No campo da formação, espraiou seu universo conceitual e categorial. Contando com
unidades de ensino de graduação e de pós-graduação lato e strito sensu, a profissão avançou no
campo paradigmático. Respeitosamente convive com o pluralismo, com hegemonia da teoria
crítica que iluminou a formulação das Diretrizes Curriculares para o magistério de Serviço Social
em todo o território nacional, reformuladas e aprovadas pela ABEPSS em 2000;
2). Passou a ser reconhecido, a partir da década de 1980 com sua inserção no CNPq, como
um dinâmico campo de pesquisa e de produção acadêmica, gerado nas pós-graduações e no
âmbito do exercício profissional;
3). Ganhou estatura, não só na execução como na formulação, planejamento e gestão de
políticas públicas, alçando funções de comando e liderança em vários espaços do poder executivo
e legislativo: nos Ministérios, nas Secretarias, nas Universidades e ocupando espaços políticos no
parlamento;
4). Suas funções e ocupações expressam-se nos mais variados formatos: assessorias,
consultorias, funções comissionadas, integração em equipes multiprofissionais, cargos eletivos, da
gestão de projetos, do planejamento, dos orçamentos participativos, do cooperativismo, do
controle social e da gestão de pessoas, etc.
5). No campo dos instrumentos jurídico-políticos, consolidamos no Brasil marcos
institucionais que sedimentam a base legal da profissão: uma lei de regulamentação profissional e
um avançado e reformulado Código de Ética (base jurídico-política que alguns países da América
Latina ainda não têm). Além disso, contribuímos para a criação de uma base jurídica para a
inclusão da Política da Assistência Social como direito e como Política de Estado no país, quer por
meio do dispositivo constitucional, quer por meio da LOAS, das NOBS e também do SUAS;
igualmente com relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente e do SUS;
6). O Serviço Social também se organizou em termos profissionais e políticos, em âmbito
local, regional, continental e mundial, tanto no campo da formação como no do exercício
1
Palestra proferida na celebração dos 70 anos do Serviço Social no Brasil, em 2006.
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Publicações sobre a História do Serviço Social em diversas regiões no Brasil encontram-se na Revista
Serviço Social e Sociedade, editora Cortez, São Paulo, especialmente nos anos 2009.
3
Definição temporal a cada conjuntura referenciada em Profª Drª Jucimeri Isolda Silveira. PUCPR 2005.
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Carvalho, Alba Maria Pinho de – A questão da transformação e o trabalho social – uma análise gramsciana.
São Paulo. Cortez, 1983.
5
Netto, José Paulo – Ditadura e Serviço Social: uma análise do serviço social no Brasil pós 64. Editora
Cortez. São Paulo. 1991.
6
Bonetti, et alii – Serviço Social e Ética – convite a uma nova práxis. Ed. Cortez. São Paulo. 2000
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Almeida, Anna Augusta de – Possibilidades e limites da teoria do serviço social. Ed. Francisco Alves, Rio de
Janeiro. 1978.
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ECRO – Esquema Conceitual Referencial Operativo. Órgão que disseminava naquela conjuntura o debate
crítico por meio de publicações de autores latino-americanos, dentre outros, Ezequiel Ander Egg e Natálio
Kisnermann.
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Cardoso, Franci Gomes - Organização das Classes Subalternas: um desafio para o serviço social. 1. ed. São
Paulo: Cortez Editora, 1995.
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Com a abertura política na sociedade brasileira o Serviço Social, munido dos referenciais
anteriores desenvolveu-se amadurecendo na sua dimensão interventiva e político-acadêmica.
Abriu-se para o debate plural, contraditório e voltado para nova direção social e política da
formação e da prática profissional. Tomava corpo a discussão sobre a unidade teoria-prática já se
desenhando a trajetória para a consolidação do Projeto Ético-político Profissional. Nova
conjuntura nacional se colocava.
Com o regime de acumulação flexível, ou toyotismo, muda a lógica do Estado que impõe a
flexibilização do mercado de trabalho decorrendo desregulamentação dos direitos, aprofundando
a competitividade com a redução de trabalho vivo. Pequena parcela de trabalhadores se coloca
no mercado, com emprego estável e protegido exacerbando-se o trabalho precário. Comparecem
segmentos sobrantes pela redução de demandas. As lutas sindicais são fragilizadas. Manifesta-se
a mercantilização e o culto ao individualismo. Conformam-se os megablocos econômicos
evidenciando-se um processo de desterritorialização. Cria-se amplo e centralizado
desenvolvimento tecnológico com lideranças dos países centrais. Evidencia-se a crise do
socialismo real e cresce a ofensiva neoliberal, com maior incidência no Brasil a partir do governo
Collor.
Neste contexto, o Serviço Social afirma-se vinculado a defesa da garantia e consolidação
dos direitos, regulamenta competências e atribuições vinculadas à gestão social cotidiana dos
diretos, na defesa da justiça e da equidade. Constrói um perfil profissional com necessária
competência teórico-prática, comprometido com a concretização de valores éticos e humanistas.
No Brasil, o projeto de ruptura com o Serviço Social conservador consolida-se em 1980 com
o movimento de vanguarda profissional. Intelectuais como Vicente de Paula Faleiros, Aldazia
Sposati, Maria Carmelita Yazbek, Nobuko Kameyama, José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, Maria
Ozanira Silva e Silva, dentre outros, intensificam discussões e publicações para subsidiar o debate
e as proposições no âmbito da profissão na perspectiva crítica, ainda que com abordagens
diversas. A aproximação de natureza crítica do Serviço Social com as Ciências Sociais se faz
presente. Importantes aportes, cada qual com suas limitações e possibilidades, são trazidos para a
discussão profissional com as contribuições no âmbito das ciências sociais e da ciência política, de
Myrian Limoeiro, Carlos Nelson Coutinho, Celso Frederico, Florestan Fernandes, Octavio Ianni,
Evaldo Amaro Vieira, dentre outros. Em finais dos anos 1960, a Escola de Belo Horizonte, promove
um debate sobre o método dialético no Serviço Social conhecido como o Método BH
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Quiroga, Consuelo – Invasão positivista no Marxismo: manifestações no ensino da metodologia no
Serviço Social. Cortez. São Paulo. 1990
11
Cadernos ABESS nº 4. Editora Cortez. São Paulo. 1990.
12
Battini, Odária – O Estado das Artes no Serviço Social – estudo sobre a construção do conhecimento na
prática profissional do Assistente Social. Tese de doutorado. PUCSP. 1991
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Iamamoto, Marilda Villela e Raul de Carvalho - Relações sociais e serviço social no Brasil. Esboço de uma
interpretação histórico-metodológica. Cortez. São Paulo. 1982.
14
Cadernos ABESS nº 3. Ed. Cortez. São Paulo.1989.
15
Carvalho, Maria do Carmo Brant -. Teorias da ação em debate. IEE e Ed. Cortez. São Paulo. 1995.
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Bonetti, et all – Serviço Social e Ética – convite a uma nova práxis. Ed. Cortez. São Paulo. 2000
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orgânica interna e externa a profissão, consolidando o que ficou enunciado no III CBAS em São
Paulo, em 1979. O seu Código de Ética Profissional, e a Lei de Regulamentação da Profissão são
instituídos, em 1993. As Diretrizes Curriculares são aprovadas no Rio de Janeiro, em 1996, em
Assembleia da ABEPSS. No MEC foram aprovadas em 1998. Ampliam-se os debates sobre as
diretrizes curriculares iniciando-se na XXVIIIª Convenção Nacional. da ABEPSS, em Londrina, no
ano de 1993, sob a presidência da Profª Drª Lidia Maria Monteiro Rodrigues da Silva. Os debates
se espraiaram por 200 oficinas locais em 67 escolas de Serviço Social, sendo 25 regionais e 02
nacionais, entre os anos de 1994-1996. Uma pesquisa de diagnóstico da formação profissional de
assistentes sociais no Brasil foi apresentada na XXIXª Convenção Nacional da ABESS em Recife, no
ano de 1995. Cunhou-se a natureza do Serviço Social que se particulariza como profissão de
respostas às expressões da questão social. O princípio fundamentador era o da relação Serviço
Social e Questão Social – fundamento básico de sua existência que é mediatizada por processos
sócio-históricos e teórico-metodológicos constitutivos dessa profissão. Novas requisições se
colocavam para o Serviço Social em função do agravamento da Questão Social, definindo-se pelo
CFESS, as atribuições privativas do Assistente Social. O debate resultou na concepção de que o
Serviço Social é determinado pelas configurações estruturais e conjunturais e pelas formas
históricas de enfrentamento da questão social pela classe trabalhadora. Também é determinado
pelo capital e pelo Estado, através das políticas e lutas sociais. As políticas sociais e o campo sócio-
jurídico são tidos como espaços privilegiados de sua intervenção.
Nesta conjuntura evidenciou-se o crescimento da pós-graduação no Brasil e sua influência
na formação de professores de outros países da Europa e América Latina. Professores doutores,
do Serviço Social, brasileiros, foram requisitados para assessoramento na implantação de cursos
de pós-graduação strito sensu além mar. A produção de literatura do Serviço Social brasileiro,
resultado das pós-graduações, se difunde na América Latina e Europa pelas editoras Cortez e
Veras Editora. Significativas produções e edições ocorrem pela via de editoras universitárias.
Ainda no âmbito acadêmico, ocorreu a inserção do Serviço Social no CNPq com representação de
área por Myrian Veras Baptista e Nobuco Kameyama, garantindo o reconhecimento pelas
agências de fomento, do Serviço Social como área de pesquisa e de produção de conhecimento.
Financiamentos de eventos, de pesquisas e bolsas de estudos e de pesquisas são auferidos pelos
órgãos financiadores nacionais em virtude desse reconhecimento. Desse movimento resultou a
articulação da área com distintos campos do saber; inovações com a criação de núcleos de
estudos e de pesquisa vinculados a Universidades, contemplando projetos interdisciplinares e
interinstitucionais incrementando os seus programas de pós-graduação strito sensu.
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BORGIANNI, Elisabete.; GUERRA,Yolanda; MONTAÑO,Carlos. (orgs).- Servicio Social Critico – Hacia la
construcción del nuevo proyecto ético-político profesional. São Paulo: Cortez. 2003. (Biblioteca Latino-
americana de Serviço Social. Série Antologias).
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os países centrais. Exacerba-se a polaridade mundial entre ricos e pobres (tanto entre países
quanto segmentos populacionais). Evidencia-se a generalização da xenofobia e do racismo não
garantindo direitos de ir e vir. No conturbado século XXI, projetos nacionais de natureza populista
– de esquerda e de direita – colocam em risco a democracia. Sob o impacto das grandes
transformações societárias que resultam em graves expressões da questão social, assistentes
sociais buscam aprimorar competências teóricas e técnico-operativas centrando-se no
deslindamento das relações sociais e no aprofundamento da particularidade da profissão e seu
modo de inscrição na realidade social.
Nesse contexto o Serviço Social busca a explicitação da sua particularidade 18 como
especialização do trabalho na esfera pública, a maior empregadora e espaço de visibilidade sócio-
política, com primazia na política de assistência social. A perspectiva ontológica do ser social (ou
seja, modos de ser e de se constituir do ser social) oferece aos profissionais elementos teóricos e
políticos que os instrumentalizam para abordagem crítica dos grandes desafios da atualidade.
Portanto, é fundamental apreender o Serviço Social como ser singular, com seu modo próprio de
ser e de se constituir e como ser genérico, na medida em que contribui com os seus produtos
para a reprodução das relações sociais, com direção voltada à emancipação política e humana.
O Projeto Ético-Político Profissional traz as orientações para tal caminho teórico-
metodológico e ético-político iluminando as formas de organização e lutas dos assistentes sociais
no Brasil. Para este fim, a categoria profissional encaminha-se pela radicalização e enraizamento
do Projeto Ético-Político Profissional em suas relações mais gerais com a classe trabalhadora e
com entidades latino-americanas e internacionais. Igualmente no interior da profissão na busca
da construção da hegemonia do público.
É nesse sentido que o aprofundamento das relações internacionais e latino-americanas se
coloca na agenda do Serviço Social brasileiro, dentre outros junto ao Comitê Mercosul de
Organizações Profissionais de Serviço Social ou Trabalho Social (1996), a refundação da
Associação Latino-americana de Ensino e Investigação em Trabalho Social; a representação do
Brasil no comitê executivo na FITS – International Federation of Social Workers (IFSW) desde
2002. O reconhecimento do Serviço Social brasileiro e suas lutas traduziram-se na realização da
Conferência Internacional da FITS, em 2008, sediada no Brasil, expressão plena da sua importante
participação coletiva no debate internacional.
18
Baptista, Myrian Veras e Battini, Odária – A singularidade, a particularidade e a universalidade: para
compreender a vida cotidiana in A prática profissional do assistente social- para reconhecer e reconstruir
o cotidiano. Vol 2. Veras Editora. São Paulo. 2016. p. 107-142
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Ainda, a profissão prima pela valorização dos espaços de trabalho no âmbito das políticas
sociais, conselhos de políticas públicas e de defesa de direitos, dos movimentos sociais e no
cotidiano das instituições nas quais se expressam as demandas e objetos da sua intervenção
direta.
Significativas lutas e expressões de resistência em face da perspectiva pós-moderna e do
neoconservadorismo são levadas a efeito pelos órgãos de representação da categoria profissional
dos assistentes sociais mediante a valorização do acúmulo de forças e de saberes visando a
superação da alienação. Importantes articulações nesse sentido se fazem presentes junto aos
movimentos sociais, às entidades sindicais e demais áreas profissionais em defesa de uma
sociedade mais justa.
Nesse espectro, desafios colocam-se à profissão: fortalecer o Projeto Ético-político por
meio de sujeitos diversos que, internalizando o seu conteúdo, expressam-no por ações que vão
tecendo o novo projeto profissional no espaço ocupacional cotidiano, articulado ao projeto
societário emancipador; congregar forças acumuladas acadêmico-profissionais nos campos da
investigação, dos currículos, do perfil do trabalho profissional, da organização da categoria;
fortalecer relações entre a formação profissional e os espaços sócio-ocupacionais no mercado de
trabalho e com as lutas sociais desencadeadas por forças em defesa de respostas efetivas às
sequelas da questão social e na defesa de direitos; consolidar a representação da profissão junto
às demais profissões e aos organismos nacionais e internacionais face às lutas dos trabalhadores
em geral tendo como motivação o histórico posicionamento crítico do conjunto CFESS-CRESS
frente à implementação do projeto neoliberal no país.
Com estas breves considerações, esperamos poder estar contribuindo para o resgate da
história do Serviço Social como uma profissão inscrita na sociedade brasileira.
Pequena Londres
Verão de 2017
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