HORTA, José Luiz Borges. Entre o Hegel Racional e o Hegel Real
HORTA, José Luiz Borges. Entre o Hegel Racional e o Hegel Real
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
PPG em História Social
Rio de Janeiro
2006
Elisabete da Costa Leal
Rio de Janeiro
2006
Ficha Catalográfica
1. História do Brasil
2. História da Arte
3. Positivismo
4. Esculturas e Monumentos Públicos
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________
Prof. Dr. José Murilo de Carvalho (Orientador)
Universidade Federal do Rio de Janeiro ― UFRJ
_____________________________________
Prof. Dr. Flávio Madureira Heinz
Universidade do Vale do Rio dos Sinos ― UNISINOS
_____________________________________
Prof. Dr. Paulo Knauss de Mendonça
Universidade Federal Fluminense ― UFF
_____________________________________
Profa. Dra. Ana Maria Tavares Cavalcanti
Universidade Federal do Rio de Janeiro ― UFRJ
_____________________________________
Prof. Dr. Renato Luiz do Couto Neto e Lemos
Universidade Federal do Rio de Janeiro ― UFRJ
_____________________________________
Profa. Dra. Maria Beatriz de Mello e Souza (suplente)
Universidade Federal do Rio de Janeiro ― UFRJ
Para Karl.
LEAL, Elisabete da Costa. Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política na obra
de Décio Villares e Eduardo de Sá. Rio de Janeiro, 2006. Tese (Doutorado em História) -
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
A tese analisa a produção de arte positivista no Brasil do final do século XIX até os anos 30
do século XX, considerando as negociações entre encomendantes e artistas sobre a fatura da
obra de arte. Estudou-se três tipos de encomendantes: membros da Igreja Positivista do Brasil,
alguns militares florianistas e dirigentes do governo do estado do Rio Grande do Sul.
Centrou-se a análise na obra dos artistas Décio Villares e Eduardo de Sá, sobretudo em seus
trabalhos de escultura ― bustos, monumentos públicos e fúnebres.
Abstract
LEAL, Elisabete da Costa. Filósofos em Tintas e Bronze: arte, positivismo e política na obra
de Décio Villares e Eduardo de Sá. Rio de Janeiro, 2006. Tese (Doutorado em História) -
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2006.
The thesis analyses the production of positivist art in Brazil from the late 19th century to the
1930’s, considering negotiations between patrons and artists over the making of works of art.
Three types of patrons are studied: members of the Positivist Church of Brazil, some
“florianist” military officers, and leaders of the state government of Rio Grande do Sul. The
analysis is centered on the work of the artists Décio Vilares and Eduardo de Sá, especially on
their sculptures – busts, public monuments and funerary art.
Crédito ou Referência das Ilustrações
Quadro – Obras de arte apoiadas ou feitas sob iniciativa dos positivistas franceses, p. 71.
Fotografia – Auguste Comte (a partir de um dagarreótipo), Maison d’Auguste Comte, Paris, p. 77.
Quadro – Profissão/função dos membros do Comitê do monumento a Auguste Comte em Paris, p.
79.
Quadro – Países dos membros do Comitê do monumento a Auguste Comte em Paris, p. 79.
Quadro – Países que tiveram lista de subscrição para o monumento a Auguste Comte em Paris, p.
81.
Monumento - Auguste Comte, J. A. Injalbert, Paris, Cartão Postal, CPPA, p. 85.
Monumento - Auguste Comte, J. A. Injalbert, Montpellier, Cartão Postal, CPPA, p. 85.
Fotografia – Décio Villares – IPB, p. 94.
Quadro – Currículo escolar de Eduardo de Sá, p. 107.
Fotografia – Eduardo de Sá, IPB, p. 108.
Quadro – Obras de Eduardo de Sá para culto cívico, p. 116.
Quadro – Alunos citados nos livros Mocidade Morta, de Gonzaga Duque e Eliseu Visconti e seu
tempo, de Frederico Barata, p. 138.
Quadro – Publicações da IPB classificadas em Religiosas, Políticas e Mistas, p. 153.
Fotografia – Altar cívico montado na Capela Positivista de Porto Alegre, CPPA, p. 154.
Fotografia – Altar cívico montado no Templo da Humanidade no Rio de Janeiro, IPB, p. 155.
Quadro – Inventário de obras de arte da IPB, p. 157.
Gráfico – Entrada de obras de arte no acervo da IPB (1880-1931), p. 160.
Quadro – Publicações da IPB sobre obras de arte e artistas, p. 163.
Quadro – Comissões que Gomes de Castro integrou, p. 176.
Busto – Tiradentes, Décio Villares, CPPA, p. 180.
Busto – José Bonifácio, Décio Villares, CPPA, p. 180.
Busto – Benjamin Constant, Décio Villares, CPPA, p. 180.
Busto – Floriano Peixoto, Décio Villares, CPPA, p. 180.
Busto – Deodoro da Fonseca, Décio Villares, (a partir de fotografia), CPPA, p. 180.
Quadro – Classificação das artes segundo Gomes de Castro, p. 183.
Maquete – Túmulo de Pinheiro Machado, Belmiro de Almeida, Revista da Semana, 20.01.1917,
p. 198.
Maquete – Túmulo de Pinheiro Machado, Décio Villares, Revista da Semana, 20.01.1917, p. 198.
Maquete – Túmulo de Pinheiro Machado, Eduardo de Sá, IPB, p. 199.
Túmulo – Pinheiro Machado, Pinto do Couto, Cemitério da Santa Casa de Porto Alegre,
fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 201.
Túmulo – Pinheiro Machado, detalhe, Pinto do Couto, Cemitério da Santa Casa de Porto Alegre,
fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 202.
Fotografia – Benjamin Constant no leito mortuário, MCBC, p. 208.
Fotografia – Auguste Comte no leito mortuário, publicação da IPB, CPPA, p. 208.
Maquete – Monumento a Benjamin Constant, Rodolpho Bernardelli, MNBA, p. 214.
Monumento – Benjamin Constant, Décio Villares e Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, fotografia de
Tiago L. Gil, p. 217.
Monumento – Benjamin Constant, detalhes, Décio Villares e Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, p.
218 a 221.
Monumento – Benjamin Constant, João Turim, Curitiba, fotografia de Elisabete Leal, p. 228.
Monumento – Benjamin Constant, detalhe ― Deodoro e a proclamação da República, João
Turim, Curitiba, fotografia de Elisabete Leal, p.229.
Monumento – Benjamin Constant, detalhe – Republicanos ilustres, João Turim, Curitiba,
fotografia de Elisabete Leal, p. 229.
Monumento ― Tiradentes, medalhões, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, fotografias de Tiago L.
Gil, p. 235.
Monumento ― Tiradentes, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, fotografias de Tiago L. Gil, p. 236.
Monumento ― Tiradentes, detalhe ― Humanidade, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, fotografia de
Tiago L. Gil, p. 237.
Monumento ― Tiradentes, detalhe ― Cabeça de Tiradentes, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro,
fotografia de Tiago L. Gil, p. 237.
1ª. Maquete – Monumento a Floriano Peixoto, Eduardo de Sá, IPB, p. 242.
2ª. Maquete – Monumento a Floriano Peixoto, Eduardo de Sá, IPB, p. 244.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Conjunto da bandeira, Eduardo de Sá, fotografia de
Tiago L. Gil, p. 244.
Monumento ― Floriano Peixoto, baixo-relevo ― Gomes Carneiro, Jerônimo Gonçalves,
Fonseca Ramos e Júlio de Castilhos, Eduardo de Sá, Rio de Janeiro, p. 245.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Indígenas, Eduardo de Sá, IPB, p. 246.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― A catequese, Eduardo de Sá, fotografia de Tiago L.
Gil, p. 247.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Os portugueses, Eduardo de Sá, fotografia de Tiago
L. Gil, p. 247.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Os africanos, Eduardo de Sá, fotografia de Tiago L.
Gil, p. 248.
Monumento ― Floriano Peixoto, detalhe ― Altar cívico, Eduardo de Sá, IPB, p. 249.
Monumento – Júlio de Castilhos, Décio Villares, Porto Alegre, fotografia de Luciana Mielniczuk,
p. 253.
Monumento – Júlio de Castilhos, detalhe, Décio Villares, Porto Alegre, fotografia de Luciana
Mielniczuk, p. 255.
Monumento – Júlio de Castilhos, detalhe – O Jovem, Castilhos maduro e O Velho, Décio Villares,
Porto Alegre, fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 257.
Monumento – Júlio de Castilhos, detalhe – A Firmeza, A Prudência, A Coragem, Décio Villares,
Porto Alegre, fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 258.
Monumento – Júlio de Castilhos, detalhe, Gaúcho a cavalo, Décio Villares, Porto Alegre,
fotografia de Luciana Mielniczuk, p. 260
Busto – Júlio de Castilhos, Décio Villares, CPPA, p. 263.
Desenho – Júlio de Castilhos, Eduardo de Sá, Jornal A Federação, 13.07.1915. MCSHJC, p. 264
Quadro – Inventário da obras de Décio Villares, p. 289.
Quadro – Inventário das obras de Eduardo de Sá, p. 296.
Abreviaturas
Introdução ........................................................................................................................ 13
Anexos
Introdução
1
BOEIRA, Nelson F. O Rio Grande do Sul de Augusto Comte. In: DACANAL, S. & GONZAGA, S.
(org.) RS: cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 45.
2
CARVALHO, José M. O positivismo brasileiro e a importação de idéias. In: LEAL, Elisabete;
GRAEBIN, Cleusa (org.). Revisitando o positivismo. Canoas: Editora La Salle, 1998. p. 15.
14
3
BECKER, Howard S. Falando sobre a sociedade. In: Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. São
Paulo: Hucitec, 1993.
4
BECKER, Howard S. Les Mondes de L´Art. Paris: Flammarion, 1988. p. 21-23.
15
como um conjunto de relações entre atores que detêm e disputam formas de capital,5 também
nos ajuda a definir a abordagem deste trabalho. Focalizar as posições no interior dos campos
artístico, político e intelectual permite perceber o complexo dinamismo social envolvendo os
artistas: as relações com o encomendante positivista, o status de suas obras no meio artístico,
as disputas estéticas e a formação artística. Essa noção de campo, aplicada aos positivistas ―
dirigentes republicanos, militares, positivistas religiosos e artistas ―, ajuda a esclarecer os
acordos políticos, os arranjos administrativos, os lobbies legislativos que interferiam na
confecção de imagens. Considera-se que a produção artística positivista é um subcampo das
artes, e se está atento às disputas e negociações intra e intercampos para a fatura das obras.
A abordagem de Becker, que analisa de forma integrada o mundo das artes
composto por encomendantes, artistas e usuários, e de Bourdieu, cujo entendimento de campo
inclui as práticas políticas na fatura e nos usos dos objetos artísticos, são, assim, indicações
para esta tese.
Vários concursos de maquetes e encomendas de monumentos serão analisados
neste trabalho. Estudar estes tipos de eventos que envolvem a confecção de um monumento
nos permite compreender a relação, nem sempre harmoniosa, entre encomendante e artista, o
gerenciamento das divergências no interior da negociação e o resultado plástico ― a obra.
Estar-se-á atento então ao seguinte: O concurso permite que se percebam os diferentes grupos
que se aliam e se dissolvem, tentando gerir seus conflitos políticos e simbólicos; a comissão
julgadora nem sempre consegue gerenciar ou traduzir os distintos desejos em jogo no
concurso; as lutas no interior da comissão servem para consolidar redes de relações pessoais e
de interesses; os artistas envolvidos no concurso, vencedores ou não, quase sempre integram
essas redes; a confecção de um monumento é algo muito dispendioso, e, portanto, existem
interesses financeiros ligados à execução do projeto; e a obra de arte pode traduzir ou não o
que os encomendantes desejavam.
Essa abordagem se valida ao se levar em conta o alerta de Ulpiano Bezerra de
Menezes, em balanço da produção sobre cultura visual: as imagens devem ser estudadas como
objetos materiais, “nas diversas formas e contingências de uso e apropriações”; ele completa
mais adiante que “é possível ir além da ideologia e do imaginário/mentalidades” nos estudos
sobre imagens.6
5
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu: sociologia. São
Paulo: Ática, 1983; BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
6
MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: Balanço provisório,
propostas cautelares. Revista Brasileira de História. v. 23, n. 45, p. 29, jul. 2003.
16
7
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária funerária em Porto Alegre ― 1900-1950. Porto Alegre:
PUC/RS, 1988. (Dissertação de Mestrado) p. 155.
8
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária... p. 163.
17
Alegre. Também pago pelo governo do estado, o túmulo de Maurício Cardoso teve
influências do estilo monumental alemão e tem como representação principal a Justiça e o
Direito, pois o homenageado fora um advogado.
O conteúdo dos túmulos citados pelo autor apresenta uma variação que vai das
figuras clássicas da Justiça e da República às figuras que representam as atividades do
homenageado. Em dois deles o morto é representado. Não há um elemento recorrente em
todos os túmulos analisados, que nos permita entendê-los como cívico-celebrativos
positivistas a partir de seu conteúdo. O aspecto comum reconhecido pelo autor é o fato de
terem sido encomendados pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. Esta é a evidência da
qual o autor parte para analisar tais obras como positivistas. Outro ponto comum, não
destacado, é que os quatro homenageados com túmulos foram figuras proeminentes no
Partido Republicano Rio-Grandense – PRR.
O autor define que estética positivista é um conjunto de idéias acerca do papel
social das artes: educação moral, inspiração de valores altruístas e de sentimentos para o bem,
moralização das instituições, imortalização de indivíduos como exemplos a serem seguidos. O
autor definiu a função social e moral das artes na proposta estética comtiana associado ao
“pensamento individualista e autoritário da doutrina [que] levou os artistas positivistas a uma
constante glorificação artística das lideranças.”9 No entanto, a proposta comtiana é baseada no
passado e na coletividade, abrindo brechas para a exaltação de homens que contribuíram para
a evolução social humana. Não são suas características individuais ou as de sua personalidade
que o definem como exemplo, mas sua obra à coletividade humana é que determina se merece
ser imortalizado em obras de arte. Portanto, características como individualismo e
autoritarismo, geralmente apontadas ao castilhismo, não são propriamente comtianas, mas
mostram como o positivismo foi apropriado pela elite dirigente gaúcha.
A afirmação a respeito do pensamento comtiano individualista e autoritário se
reforça quando o autor aborda a tipologia dos túmulos cívico-celebrativos. No Rio Grande do
Sul, esses túmulos decorrem da ascensão do grupo político positivista liderado por Júlio de
Castilhos, com a proclamação da República. O acesso desse grupo ao governo estadual e a
conseqüente disponibilização de verba para investimentos em obras públicas permitiram o
patrocínio de monumentos tumulares que reafirmassem “o princípio positivista de culto cívico
ao líder e da conservação de sua memória, única imortalidade possível ao ser humano”10. Os
encomendantes ― políticos gaúchos ― e o momento histórico impregnado de positivismo são
9
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária... p. 39.
10
BELLOMO, Harry Rodrigues. A estatuária... p. 154.
18
os elementos que definiram o caráter positivista dos túmulos. O autor acrescenta que, pela
função tumular e celebrativa de individualidades, os túmulos costumam representar o morto
acompanhado de alegorias que lembram suas atividades ou sua ideologia. Assim, neste
trabalho, dois aspectos definem o que é uma obra positivista: a ideologia dos encomendantes e
o conteúdo da obra.
Com o mesmo encaminhamento, a dissertação de mestrado de Sérgio Roberto
Rocha da Silva, apresentada ao PPG/História da UFRGS, em 2001, analisa a arte funerária no
Rio Grande do Sul. O trabalho tem como foco as representações do herói na arte funerária, e
para tanto, cria uma tipologia que difere da de Bellomo. Os heróis representados nos túmulos
se dividem em: familiar, político e cultural. Argumenta o autor que o positivismo exerceu
grande influência no culto aos heróis e que não por acaso o surto da arte cemiterial coincide
com os primeiros 30 anos do século XX, período de predomínio político do PRR.11
Apoiando-se na idéia de Pierre Bourdieu de que o poder simbólico é invisível e
que necessita da cumplicidade dos envolvidos, o autor destaca a importância dos artistas ao
interpretarem simbolicamente a ideologia dos encomendantes e o papel da doutrina positivista
do governo estadual, que também se apropriou dos símbolos para se propagandear. O autor
chama atenção para a importância do artista como negociador dos valores, símbolos e
ideologias que serão “impressos” na obra tumular. No entanto, o único artista nomeadamente
positivista – Décio Villares – e que poderia, em tese, melhor negociar as representações do
positivismo não integrou o capítulo destinado à análise dos ateliês e artistas.
Foi na tipologia do herói político que a ideologia positivista do PRR pôde mais se
manifestar. Três aspectos são requeridos pelo autor para enquadrar os túmulos nesta categoria:
o morto deve ter sido considerado um herói; o homenageado deve ter pertencido aos quadros
políticos do PRR; e os mausoléus devem ter sido financiados pelos cofres públicos.
Diferentemente de Bellomo, o autor não propôs estudar a estética positivista e
tampouco entende que as obras tenham conteúdo positivista. Para ele, elas foram produzidas
durante o período de predominância política do PRR e representam simbolicamente o desejo
de dar visibilidade ao poder e ao positivismo.
Ambos os trabalhos ressaltam a importância dos governos do PRR para a
construção de túmulos que teriam então recebido influência do positivismo. O termo
“influência do positivismo”, largamente utilizado na historiografia gaúcha, é impreciso e não
explica os elementos formais e simbólicos das obras artísticas. Contudo, restam algumas
11
SILVA, Sérgio Roberto Rocha da. A representação do herói na arte funerária do Rio Grande do Sul
(1900-1950). Porto Alegre: UFRGS, 2001. (Dissertação de Mestrado)
19
questões: Quem define o sentido das obras de arte? Uma obra de arte é positivista porque seus
encomendantes (o governo do estado) são positivistas? Ela é positivista porque homenageia
políticos afinados com o positivismo? Ela é positivista porque seu conteúdo alude a termos do
positivismo?
Um terceiro trabalho que também trata de arte funerária busca analisar a
influência do positivismo na construção da memória farroupilha, inicialmente por meio da
literatura e, por fim, materializada no monumento-túmulo de Bento Gonçalves, erguido na
cidade de Rio Grande. Juarez José Rodrigues Fuão, em sua dissertação de mestrado em
História na Unisinos, argumenta que a produção literária e historiográfica em fins do século
XIX sobre a Revolução Farroupilha permitiu a formação de uma mentalidade favorável à
construção do monumento-túmulo nos anos dez do século XX. O positivismo no Rio Grande
do Sul, reapropriado e reinterpretado não somente nos quadros do PRR, mas também entre os
historiadores e literatos, contribuiu para a formação de um imaginário no qual os grandes
homens, ou os heróis, encontraram espaço privilegiado para serem cultuados. A construção do
monumento-túmulo de Bento Gonçalves se deu neste ambiente.12
Além do imaginário gaúcho favorável ao positivismo, o autor também discutiu as
negociações para a confecção do monumento-túmulo. Utilizando-se de ampla documentação
sobre a encomenda, o autor analisou o processo de construção da obra, destacou a subscrição
popular, a composição da comissão promotora, a escolha do artista e as controvérsias de seu
conteúdo. Trabalhou as disputas e negociações entre os grupos em embate na comissão
promotora, entre esta e o artista e a participação da imprensa. Evidencia-se que,
diferentemente dos túmulos citados pelos outros autores, o de Bento Gonçalves foi construído
por iniciativa de uma comissão representativa de variados setores da sociedade riograndina,
inclusive maçons e monarquistas, e a possibilidade de negociação da obra era supostamente
maior do que nos túmulos encomendados pelo governo estadual.
Mesmo em um monumento feito com suposta maior autonomia, como o analisado
por Fuão, a mentalidade positivista inspiradora de homenagens aos grandes homens
permanece como vetor explicativo. A questão que fica é esta: por que o positivismo teve
exclusividade nesse imaginário? Não seria possível pensar que o culto aos grandes homens
fosse produto de uma concepção mais ampla de política, na qual a estatuária tinha importância
determinante? As análises de Maurice Agulhon para a estatuária francesa, produzida
12
FUÃO, Juarez José Rodrigues. Monumento-túmulo ao general Bento Gonçalves da Silva: da
fundação à materialização do mito na sociedade sul-rio-grandense. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
(Dissertação de Mestrado)
20
sobretudo nos oitocentos, apontam nesse sentido. No Brasil, a moda escultórica ganhou
impulso com a República, e o positivismo foi apenas uma das muitas outras doutrinas que
estimularam esse movimento.
O positivismo na estatuária empregada nos prédios públicos, nos monumentos e
túmulos erguidos por iniciativa dos governos federal, estadual e municipal é tema também
abordado na dissertação de mestrado de Arnoldo Walter Doberstein, defendida na PUC/RS e
publicada em 1992. O autor tem como hipótese que, dada a orientação positivista do poder
político estadual e municipal, esta se plasmou na estatuária, só que de forma menos “rígida e
inflexível que quando inspiradora dos métodos de governo desse grupo”13.
Para o autor, assim como na política estadual positivista marcada por
deslocamento de sentido e ênfase (não foi rígido, nem ortodoxo), também na arte e na
arquitetura a estética se mostrou aberta e flexível quanto aos diferentes estilos empregados.
Isto estava associado à multiplicidade de gostos e intenções dos encomendantes. Também se
explica, afirma o autor, pela inexistência de um “corpo de críticos que vigiasse pela ditadura
de um estilo oficial”14, pela formação principalmente francesa dos arquitetos ligados à
Secretaria de Obras Públicas do Estado do Rio Grande do Sul – SOP e pela finalidade do
prédio ou do monumento. Parece adequado o elenco de elementos usados pelo autor para sua
análise: gosto dos encomendantes, crítica de arte, formação artística, função da obra; no
entanto, tudo isto se inviabiliza em termos analíticos quando se considera o positivismo como
uma ideologia de Estado, permeando todas as etapas de confecção das obras.
Nas análises sobre o positivismo no Rio Grande do Sul realizadas nas últimas
décadas, os autores tomaram essa doutrina como única, coerente e transpassável a todas as
esferas de poder do PRR, nos governos estadual e municipal. Já em 1980, Nelson Boeira, em
texto que analisa as formas de manifestação do positivismo no Rio Grande do Sul, alertava
para apropriação desta filosofia por parte de variados setores sociais gaúcho de forma
dinâmica e sincrética. Para ele, não foi uma manifestação de rigidez filosófica, mas um
exercício de tolerância doutrinária, no qual os desvios de sentido e as deformações fazem
parte da apropriação de idéias. “Os sistemas de idéias não guardam, no contato com o
dinamismo e a diversidade da vida social, a coerência interna que buscam ou apregoam na
inércia das páginas impressas.”15 É na apropriação do positivismo que está a potencialidade
de análise de sua manifestação.
13
DOBERSTEIN, Arnoldo W. Estatuária e Ideologia. Porto Alegre 1900-1920. Porto Alegre: SMC,
1992. p. 02.
14
DOBERSTEIN, Arnoldo W. Estatuária... p. 07.
15
BOEIRA, Nelson. O Rio Grande... p. 34.
21
16
PANOFSKY, Erwin. Significado das artes visuais. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991. p. 52.
17
PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia – temas humanísticos na arte do renascimento. 2. ed.
Lisboa: Estampa, 1995. p. 25.
22
18
COELHO, Geraldo Mártires. No coração do povo: o monumento à República em Belém do Pará,
1891-1897. Belém: Paka-Tatu, 2002. p. 27.
23
então governador do Pará, Carlos Gomes viveu seus últimos meses de vida sob patrocínio
oficial e teve seu funeral também financiado pelo estado. Para o autor, Lauro Sodré,
“reverente a religião cívica comtiana e a exaltação de seus novos santos, os grandes
homens”19, foi figura central nos eventos que se sucederam à morte do maestro. O argumento
de Coelho é que a Religião da Humanidade se fundava na reverência ao passado e na morte,
como forma de um culto social a alguns grandes homens. Essa religião, somada a princípios
nacionalistas também de exaltação a heróis, inspirou Lauro Sodré a homenagear Carlos
Gomes.
Pode-se acrescentar que a acolhida de Carlos Gomes pelo governo estadual
paraense para dirigir o Conservatório de Música, especialmente criado para o maestro,
enquadra-se em um conceito de mecenato oficial às artes discutido no início da República,
inclusive por positivistas. Lauro Sodré se reconhecia como positivista, e teria sido valioso
para o argumento do autor analisar os inúmeros textos do militar e a documentação de sua
administração no governo estadual concernente ao patrocínio artístico ao maestro e depois a
seus funerais. As idéias de Sodré, publicadas em livros, em artigos na Revista do Instituto
Histórico Paraense, em opúsculos e em textos jornalísticos, poderiam desvendar as leituras
que fez do positivismo e como o adequou para tais práticas cívicas que envolviam arte,
acomodação mais necessária ainda por tratar-se de um herói não republicano; Carlos Gomes
foi fiel à monarquia até sua morte. Tais escritos revelariam, é provável, como o positivismo
foi reprocessado no ambiente cultural paraense, porque as idéias são mutantes quando
apropriadas.
21
CARVALHO, José M. de. A formação... p. 40.
26
fazia parte da tática política positivista, é fundamental conhecer a função da arte para este
grupo, por meio de seus textos. 3 ― Na batalha simbólica republicana, somente alguns heróis
venceram, e isto variou conforme o grupo. A produção de imagens se voltou para estes heróis.
No grupo dos positivistas, somente algumas figuras se destacaram e tiveram suas imagens
produzidas para propaganda. O grupo, mesmo que não uníssono, ao qual pertencem os
encomendantes, ajuda a definir o caráter positivista ou não de uma imagem. Portanto, não é
qualquer imagem que tem aspectos do positivismo e não é qualquer encomendante que lhe dá
este caráter.
Os artistas positivistas
22
MILLIET, Maria Alice. Tiradentes: o corpo do herói. São Paulo: USP, 1998. p. 140. (Tese de
Doutorado)
23
MILLIET, Maria Alice. Tiradentes... p. 140.
27
Clotilde por volta dos 30 anos, com uma criança no colo – que se assemelha à Virgem dos
católicos; os heróis da humanidade, com seus bustos colocados nos retábulos do Templo da
Humanidade, que lembram os santos; e Tiradentes, que se assemelha a Cristo. Este uso de
imagens e signos é uma forma do positivismo operacionalizar uma conciliação entre o
religioso e o profano, afirma a autora. Para ela, a construção do herói-martir Tiradentes e de
sua imagem cristianizada foi um procedimento sincrético dos positivistas, visando à
impregnação do político pelo religioso. Embora sem explicar como Villares se apropriou
desta concepção para as artes, a autora reconhece a estratégia da IPB ao cooptá-lo, para
converter sua obra em objetos de culto religioso e também cívico.
Outro trabalho, que analisa a construção da cidade de Belo Horizonte, também
foca a discussão sobre o artista e a obra positivista, melhor dizendo, o arquiteto e o projeto
urbanístico, considerando-o uma forma de imagem. Para Beatriz A. Magalhães e Rodrigo F.
Andrade, o modelo barroco de cidade – espaço racionalizado, higiênico, grande, visível – se
combinou às idéias positivistas do arquiteto Araão Reis, ao idealizar Belo Horizonte.
A primeira característica positivista apontada no projeto urbanístico de Belo
Horizonte é sua topomínia, que tem um conteúdo nacionalista, ufanista e republicano. As ruas
foram organizadas de forma geométrica, paralelas e em ordem crescente NS e EO. Além
desse caráter sistemático, os autores ressaltam o laicismo da topomínia – “não se vê uma
única referência religiosa”24. São referidas as datas históricas caras ao positivismo e à
República, os heróis nacionais, nomes de rios, de estados, de tribos, de minerais e de fatos
históricos mineiros. A numeração das casas também foi racionalizada por um sistema métrico
crescente no sentido NS e EO. A sistematização, a materialização do espaço, a busca por uma
racionalidade científica são o “verdadeiro aspecto positivista da topomínia”25.
O positivismo como reflexo do desejo de conservação do poder por um grupo
político também é apontado, tanto no projeto urbanístico, quanto nas mensagens iconográficas
e decorativas dos prédios oficiais e privados. A iconografia cristã foi negada, e os elementos
24
MAGALHÃES, Beatriz de A. ANDRADE, Rodrigo F. Belo Horizonte – um espaço para a
República. Belo Horizonte: UFMG, 1989. p. 89.
Outros trabalhos que também relacionam positivismo à arquitetura e urbanismo são estes: GUN,
Philip. Projeto e planejamento: o peso do positivismo brasileiro. In: Seminário natureza e prioridades
de pesquisa em arquitetura e urbanismo. São Paulo: USP/FAU/FAPESP, 1990; PIRES, Mário J.
Idéias de ordem e progresso na arquitetura paulistana. In: AVIGHI, Carlos M. (org.) Comunicações e
artes no nascimento da República brasileira. São Paulo: USP/ECA, 1990; WEIMER, Gunter. A
capital do positivismo. In: PANIZZI, Wrana; ROVATTI, João (org.). Estudos urbanos, Porto Alegre e
seu planejamento. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS; PMPA, 1993; WEIMER, Gunter. O
positivismo gaúcho e sua arquitetura. Porto Alegre: UFRGS/Faculdade de Arquitetura, 1985.
25
MAGALHÃES, Beatriz de A. ANDRADE, Rodrigo F. Belo Horizonte... p. 89.
28
26
CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro:
Pinakotheke, 1983. p. 111.
27
GONZAGA-DUQUE, Luis. A arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995. p. 189. (1. ed.
1888).
28
PETIT, Annie. História de um sistema: o positivismo comtiano. In: TRINDADE, Hélgio (org.). O
Positivismo – teoria e prática. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1999. p. 13-47.
30
29
ALONSO, Ângela M. Idéias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo:
Paz e Terra, 2002. p. 21-49.
30
LINS, Ivan. História do Positivismo no Brasil. 2ª. Ed. São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1967.
31
31
TODOROV, Tzvetan. Nous et les autres ― la réflexion française sur la diversité humaine. Paris:
Seuil, 1989. p. 52.
32
BOEIRA, Nelson. O Positivismo do Rio Grande do Sul ― questões pendentes e temas para pesquisa.
RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti; FÉLIX, Loiva Otero (org.). RS: 200 Anos ― definindo espaços na
história nacional. Passo Fundo: UPF Editora, 2002. p. 238-246.
32
não para provar uma coerência entre doutrina e a aplicação de modelos, mas para entender
como as idéias se transformam. Portanto, seria proveitoso ler o que os funcionários da SOP
escreveram sobre os prédios e monumentos construídos pelo poder público estadual do Rio
Grande do Sul, o que Justo Chermont ou a comissão promotora do monumento à República
em Belém do Pará escreveram para justificar a obra, o que disse Lauro Sodré sobre Carlos
Gomes, o que Décio Villares e Eduardo de Sá escreveram sobre Tiradentes, o que Araão Reis
disse ao idealizar a cidade de Belo Horizonte. É nesses registros que se pode apreender algo
sobre o pensamento positivista, impregnado nas obras artísticas. O interessante seria não
medir coerência doutrinária, mas entender os ajustes quando as idéias são apropriadas.
Os capítulos
33
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique du Positivisme. In: Système de Politique Positive. Tomo I.
Paris: Librairie Positiviste, 1912.
34
artistas positivistas se relacionavam? Visa-se saber quais suas ligações com pessoas dos
setores públicos e esferas políticas com capacidade decisória para encomendar obras de arte.
Destacam-se três tipos de encomendantes de obras vinculadas ao positivismo: alguns
militares, membros da IPB e governantes do Rio Grande do Sul. Leva-se em conta, por
exemplo, que havia competição entre alguns positivistas na promoção de certas obras. Estes
são encomendantes que, além de estarem no círculo de influência dos artistas positivistas e
apreciarem a doutrina, muitas vezes conheciam a proposta estética de Comte, chegando a citá-
la em seus textos. A questão aqui é esta: O que esses encomendantes conheciam e produziam
sobre o positivismo e como essas idéias influenciaram as negociações sobre o conteúdo das
obras de arte que promoviam? Visto que se analisa o positivismo como prática política,
também se tem por objetivo situar as atividades cívicas desses diferentes encomendantes e os
usos de objetos artísticos para realizá-las.
Chega-se então às obras. No sexto capítulo, procurar-se-á discutir as negociações
entre encomendantes e artistas para definir o conteúdo das mesmas. Selecionou-se um
conjunto de obras, principalmente monumentos públicos confeccionadas pelos artistas Décio
Villares e Eduardo de Sá. Serão analisados os monumentos a Benjamin Constant, Tiradentes e
Floriano Peixoto, no Rio de Janeiro, e a Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Discute-se que
os encomendantes, algumas vezes, tinham condições de negociar o conteúdo das obras; em
outras, os artistas conseguiam expressar o positivismo de forma sutil. Em outros casos, as
obras poderiam não expressar o positivismo explicitamente, mas seus usos políticos poderiam
lhes atribuir valores da doutrina. Este capítulo também tratará das práticas culturais em que
essas obras de arte estão imersas: cortejos cívicos e fúnebres, inaugurações, decoração de
prédios públicos.
35
Comte nasceu em 1798, assim como Delacroix, e tinha 27 anos quando David
morreu em 1825. Com essa idade, Comte dava início às suas atividades como professor em
cursos populares e começava a publicação de textos filosóficos sobre a reorganização social.
Cinco anos após, iniciava a redação dos seis volumes de sua primeira grande obra: Cours de
Philosophie Positive, em cujo último volume, escrito entre 1841 e 1842, apresentou pela
primeira vez suas idéias sobre arte e uma proposta preliminar de teoria estética, que foi mais
sistematizada no primeiro volume do Système de Politique Positive, por meio do texto
Aptitude Esthétique du Positivisme.
Entre as artes em geral, Comte era grande admirador da poesia; e é às artes
plásticas (chamadas por ele de artes da forma) que lançou boa dose de críticas. Suas idéias
faziam uma conciliação entre a arte neoclássica de David e a romântica de Delacroix. A
primeira parte deste capítulo visa explicar a teoria estética comtiana e entender sua origem
intelectual. Na segunda, busca-se também saber que contatos Comte teve com pinturas e
esculturas e que idéias e artistas poderiam ter influenciado sua teoria estética. Sobre dois
pilares Comte sustentou essa teoria estética, aliás, todo o sistema explicativo do positivismo: a
biologia e a história.
Na biologia
1
Classificação positiva das dezoito funções interiores do cérebro, ou quadro sistemático da alma. In:
COMTE, Auguste. Catecismo Positivista. São Paulo: Abril Cultural. 2. ed. 1983. p. 246.
36
Motores sentimento impulso amar coração moral apreciação fonte belo imaginação imitação ¼ poesia
afetivos
Funções razão conselho pensar espírito intelectual idealização base verdadeiro contemplação idealização¼ filosofia
intelectuais
Qualidades atividade execução agir caráter físico realização fim bom execução realidade ¼ política
práticas
Sentimento
Amar
Poesia
Atividade
Agir
Política
Razão
Pensar
Filosofia
A hierarquia estética
A hierarquia estética deve ser aplicada para arrumar as diversas belas artes
segundo uma ordem de concepção e de sucessão, análoga ao sistema científico (ou filosófico)
e ao industrial (ou prático), proposto no tratado filosófico comtiano. A posição intelectual da
arte está entre a indústria e a ciência, devendo tornar-se menos técnica que a primeira e mais
geral que a segunda, conforme o diagrama abaixo.
Indústria Ciência
(Tecnicidade) Arte (Generalidade)
Arquitetura
Escultura
Pintura
(+) Poesia (-) (+)
ESTÉTICA
(base) Tecnicidade Generalidade
(Alcance Social)
38
2
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique... p. 294.
39
Na história
3
COMTE, Auguste. Système de politique positive. Tomo III. Paris: Societé Positiviste, 1912. p. 1.
4
BANN, Stephen. Romanticism and the rise of History. New York: Twayme Publishers, 1995. p. 4.
5
BANN, Stephen. Romanticism… p. 5.
6
MONNIER, Gerard. L’art et ses institutions en France. Paris: Gallimard, 1995. p. 110-113.
40
espírito científico, isto é, tendo por fim a pesquisa das leis que presidem o desenvolvimento
social da espécie humana.”7
Para o positivismo, a humanidade é o sujeito coletivo do conhecimento histórico,
e ela deve ser estudada segundo as condições historicamente dadas em cada época. Ao
abandonar a forma descritiva e cronológica de história (principalmente de história política,
centrada nos indivíduos ou na história administrativa), Comte propõe uma periodização
marcada pelas gerações humanas e as condições reais de sua existência, centrando-se no
estudo da experiência humana concreta: as ciências, as artes e a indústria. A ciência do
espírito (a história) é interior porque se refere ao homem, à sua experiência vivida e à sua
relação com os outros homens, diferenciando-se da ciência da natureza, comandada por leis
externa; assim, para Comte, “o espírito humano não é algo fixo e imutável, sempre com as
mesmas categorias. As funções psicológicas do homem – inteligência, sentimento e ação –
devem ser estudadas pelas obras do próprio homem, historicamente realizadas”,8 e não por
motivações externas, para Comte, metafísicas.
O interesse crescente pela história, a sofisticação de seus métodos e a sua
consolidação como disciplina levaram a uma reformulação da tarefa geral da história: relatar
os eventos históricos tal como aconteceram ou destacar a lição perene e moral do passado. A
concepção de história de Comte estava mais próxima a essa segunda tarefa. Na arte, Comte
não abdicou dessa lição moral.
A arte na história
Para Comte, o problema da arte no século XIX estava na inversão dada ao seu
papel social. Segundo ele, a arte tem a função de embelezar a vida humana, nunca corrigi-la.
Ela não tem função prática e a ela não cabe agir sobre a realidade, esse é o reino da política. À
arte cabe apenas imaginar, idealizar as necessárias melhorias sociais, porém sem realizá-las.
Sua crítica recaía, assim, no poder de ação, para ele exagerado e perigoso, dado ao domínio
das artes. Analisando sua época, entendeu que os órgãos artísticos adquiriram influência
crescente a ponto de lhe conferirem supremacia política, ou seja, capacidade de agir e não de
inspirar.
Comte entendia que a evolução histórica da arte estava ainda em fase preparatória,
7
COMTE, Opuscules sur la philosophie sociale. In: Système de politique positive. Paris: Societé
Positiviste. Tome IV, 1912. p. 134.
8
MORAES Fo. Evaristo de. Comte. São Paulo: Ática, 1989. p. 29.
41
desde a antiguidade, por falta de condições essenciais para desenvolver-se. Seu apogeu seria
no estado positivo, para ele em curso. A idade politéica, que corresponde à antiguidade,
obedeceu à lógica das imagens, mas suas inclinações estéticas foram exageradas em
conseqüência da preponderância da imaginação na construção das doutrinas. Neste regime,
mais do que em outros, a arte teve um surto favorável, surgindo de forma livre após escapar
da teocracia, que a tornava subalterna e a entravava. Porém, nesse período, a arte não teve
popularidade.
Na Idade Média, já monoteísta, as belas artes se desenvolveram muito e se
popularizaram, não em função do catolicismo, que impunha um objetivo individual e
quimérico a cada um, mas em função da sociabilidade medieval, que mesmo militar, adquiriu
uma elevada moralidade; da emancipação das mulheres, que permitiu o desenvolvimento das
emoções domésticas;9 de dignidade pessoal associada ao devotamento social; da instituição da
cavalaria ocidental. Por todas essas características, a Idade Média poderia ter sido muito mais
favorável às artes se esse sistema tivesse se prolongado por mais tempo. “Quando a língua e a
sociedade foram desenvolvidas de tal modo que a aptidão estética do regime pudesse enfim
resultar em produções duráveis, a situação católico-feudal se achava já radicalmente alterada
pela preponderância crescente do movimento negativo. O longo período revolucionário após a
Idade Média resultou em uma decomposição crescente.”10
No período moderno, a arte estava em um “destino negativo” não em função de si,
mas da época. A necessidade de se subtrair ao jugo cristão levou a arte a uma “saída artificial,
procurando, nas lembranças do tipo antigo, os costumes fixos e pronunciados que não podia
encontrar em torno de si.”11 Nesta crítica, Comte estava se referindo à adoção dos valores
clássicos no Renascimento. A inversão de poderes da arte – agir e não inspirar – já havia se
iniciado no século XIV, suscitando pretensões políticas aos artistas e estimulando os orgulhos
pessoais. No século XVIII, isto se acentuou. Diz Comte que os literatos (mais poetas que
filósofos) passaram a substituir os doutores na presidência espiritual do movimento de
decomposição histórico-social. “O advento da Grande Crise (a Revolução Francesa) forneceu
9
Para Comte, o culto à Virgem Maria na Idade Média foi a principal contribuição do catolicismo ao
mundo Ocidental. O culto comtiano à domesticidade (que tem a mulher como protagonista) tem
inspiração neste período, que para ele promoveu a emancipação feminina dos preconceitos e
brutalidades masculinos. Sobre o papel das mulheres no projeto social e moral positivo ver: LEAL,
Elisabete. O Positivismo comtiano, o Partido Republicano Rio-grandense, a Moral e a Mulher (1891-
1913). Porto Alegre: PPG-História Ufrgs, 1996. (Dissertação de Mestrado). p. 53-74; e PETIT, Annie
e BENSAUDE, Bernadette. Le féminisme militant d’un auguste phallocrate. Revue Philosophique. n.
3, 1976.
10
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 296.
11
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 297.
42
A crítica comtiana sobre o estado da arte em seu tempo estava na base da proposta
de ensino artístico. Para ele, as artes estavam corrompidas pelo excessivo privilégio da técnica
em detrimento da moral e do conhecimento especialista sobre o geral. Como a estética
comtiana visava ser popular ― executada por todos ―, a educação devia propiciar
conhecimentos para a expressão artística. Com isso, deve-se primeiro perguntar: quem são os
executores de obras de arte? Quem são os artistas na estética positivista?
Comte estabeleceu que a regeneração social empreendida pelo positivismo deveria
ter a cooperação das mulheres, dos filósofos e dos proletários e todos estariam habilitados a
desenvolver as aptidões estéticas, principalmente a poesia. Às mulheres cabiam as
composições poéticas e musicais menos difíceis (ficam fora os poemas épicos e dramáticos,
por idealizarem a vida pública, fora da alçada feminina). Elas nunca deviam se dedicar às
artes da forma, por exigirem muita habilidade técnica, lento aprendizado e aplicação intensa.
As obras épicas e dramáticas deviam ser criadas pelos filósofos, que, ao se
tornarem os poetas, abandonariam momentaneamente as funções filosóficas. Comte não via
contradições nessa dupla atividade; ela não podia ser simultânea. Ele explica: tanto o poeta
quanto o filósofo empregam o regime analítico para suas elaborações, pois a “invenção que
seja abstrata ou concreta, que se aplique em apanhar a realidade ou a idealizá-la, é sempre no
12
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 278.
43
fundo, a mesma função cerebral, com destinos diferentes.”13 Nas artes da forma, era difícil,
por sua especialidade técnica, que os filósofos criassem obras, mas alguns artistas escolhidos
poderiam se tornar membros acessórios do poder espiritual.
Quanto aos proletários, a aptidão estética deveria ser menos pronunciada “pois seu
destino ativo o afasta mais da existência especulativa que essas criações supõem.”14 As
criações que necessitassem de energia e despreocupação eram as mais convenientes a eles.
Além dessa participação especial de alguns proletários, o povo também tomaria parte
fundamental na evolução estética, por meio da linguagem.
A organização final da arte pelo regime positivo empreenderia uma educação
geral cultivando o gosto por todos os modos de idealização e extensiva a todos. Na divisão do
trabalho poético; os filósofos exerceriam atividades junto à vida pública; as mulheres e
proletários ficariam com as composições privadas e pessoais, conforme exijam ternura ou
energia. Essa harmoniosa cooperação em prol do destino estético faria com que os exercícios
de idealização tendam para o destino afetivo. “Perdendo uma especialidade que adultera seu
encanto natural, a arte não oferecerá mais os perigos morais aos quais se expõe toda vida
votada exclusivamente à expressão.”15
A disposição do positivismo em favor da afetividade foi potencializada nesta
“nova educação”, que seria mais estética que científica. “A instrução positivista familiarizará,
desde a infância, o mais subalterno proletário de cada sexo com todas as belezas da verdadeira
poesia, não somente nacional, mas também ocidental. O surto estético não pode ser
sinceramente eficaz senão aplicando-se primeiro às produções que retratam nosso próprio
modo de sociabilidade.”16 A educação do jovem positivista se iniciaria com a poesia e depois
passaria às artes especiais, pois, pelos tons e pelas formas, poderia exprimir com mais energia
suas criações. A contemplação e a meditação estética eram a base e preparação para os
estudos científicos.
As instituições educacionais também deveriam reformar-se, fugindo de uma
especialização viciosa, critica Comte. Todas as verdadeiras vocações estéticas devem ser
estimuladas na educação geral aos proletários e às outras classes. A educação deve ser geral e
não especialista e técnica, pois só assim atingiria o espírito e o coração, necessários para
produzir arte para os sentimentos.
13
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 310.
14
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 313.
15
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 314.
16
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 302.
44
Comte critica, assim, tanto a escola regular quanto a artística. A primeira por não
dar atenção devida ao desenvolvimento estético, a segunda por ignorar o conhecimento geral.
A saída, para ele, era unir ambas. A ousadia estava na proposta de supressão da escola
especialista: das Academias de Belas Artes. Se a arte positivista (Comte usa essa expressão)
deve ser criação de todos, não importando a qualidade técnica, pois a idealização é mais
importante que a expressão, qual a necessidade das Academias?
Sem abrir mão completamente das variadas formas de expressão artística, apenas
estendendo-as a todos, Comte entendeu que a criação artística era um exercício moral útil,
pois estimulava os sentimentos. Se as representações fossem idealizadas, não apenas a
reprodução fiel do real, então a aptidão da arte seria mais completa. Com isso, mais
importante que o produto final, a obra de arte, e inclusive sua execução, era a sua idealização.
Deslocando a razão da produção de arte ― o produto artístico ― para a intenção de produzi-la,
Comte estende a educação geral e estética a todos.
Comte tinha claro o papel das artes no projeto positivista de reconstrução social:
construir tipos (exemplos morais), e esta era a principal função; conter as utopias,
redirecionando-as; e avivar o passado, tornando familiar a ligação com o futuro.
No texto Aptitude Esthétique, apenas em uma rápida frase, Comte conceitua o que
é arte e para que serve: “Consiste sempre em uma representação ideal daquilo que é, destinada
a cultivar nosso instinto da perfeição.”18 Para ele, mais importante que reproduções fiéis da
realidade está a idealização de tipos, figuras exemplares que contribuíram para o bem da
Humanidade.
17
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 307.
18
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 282.
45
Então a arte se eleva para sua missão característica, a construção dos tipos os mais
animados, cuja contemplação usual pode aperfeiçoar tanto nossos sentimentos e
mesmo nossos pensamentos. O exagero dessas imagens é uma condição
necessária do destino delas, visto que elas devem ultrapassar a realidade a fim de
nos impelir a melhorá-la. Já muito eficazes para a vida privada, essas emoções
artificiais tornam-se muito mais poderosas para com a vida pública, seja segundo
a importância superior de seus objetos, seja pela excitação mútua proveniente do
concurso das impressões pessoais.19
A fórmula apresentada por Comte é esta: elenco de tipos ideais + produção, com
exageros, de suas imagens + sua contemplação = emoções. A canalização das emoções para
os tipos ideais preestabelecidos sistematiza, ordena e regulariza as utopias, subordinando-as à
realidade, como o passado indica para o futuro. O que garante a identificação com esses tipos
ideais é a História, pessoal e coletiva.
A Religião da Humanidade criada por Comte era uma religião da História e um
culto aos mortos, no sentido memorial. Essa religião era composta por um culto privado e um
culto público. O primeiro ocorria no espaço doméstico e era voltado para a lembrança dos
familiares mortos, estimulando diariamente a rememoração da história dos antepassados e sua
transmissão. Esta atividade coletivo-familiar dotava o indivíduo de um passado coletivo e
incluía, para isso, as narrativas históricas dos antepassados, atividades artísticas, como leitura
de poesias e audição de óperas, e leitura de livros, principalmente da história da humanidade.
A mulher era a coordenadora desse culto doméstico.
O culto público ou coletivo ocorria nos templos positivistas, era destinado a
celebrar a Humanidade e seu passado e era dirigido pelos sacerdotes (filósofos). Tratava-se de
uma “religião da memória e da cultura, [...] da história.”20 Esse culto público era uma forma
de cultura histórica, pois incluía uma narrativa da história da humanidade, uma espécie de
ensinamento enciclopédico que recapitulava toda a memória social. Como essa religião se
baseia no passado dos indivíduos, da comunidade, da nação, representações que estimulassem
lembranças eram fundamentais, sejam por textos ou imagens. Portanto, no desenho de templo
proposto por Comte, as treze capelas deveriam conter estátuas ou bustos dos homens que
contribuíram para a evolução da humanidade, reservando a décima quarta capela para o grupo
das mulheres.21 Estes eram os tipos ideais que deveriam ser contemplados nos templos e
encarados todos os dias no Calendário.
Tanto o Calendário como a Biblioteca expressam o desejo de Comte de que o
19
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 283.
20
GRANGE, Juliette. La religion positive. In: La Philosophie d’Auguste Comte: science, politique,
religion. Paris: PUF, 1996. p. 403.
21
COMTE, Auguste. Catecismo... p.189.
46
presente fosse continuamente marcado pelo passado e que a vida privada e pública também o
fosse. No plano individual, as figuras que se destacariam eram os familiares mortos que
contribuíram para a história pessoal de cada indivíduo; no plano nacional, as figuras
reverenciadas seriam os “heróis nacionais” que contribuíram para a evolução da história
pátria. Mas essas figuras cultuadas nunca o eram por razões personalistas, e sempre por suas
contribuições à coletividade humana – a Humanidade, que é síntese de passado e presente. Ao
fundar na História a identidade coletiva, familiar ou pública, elencando as figuras que
deveriam ser reverenciadas, Comte pretendeu redirecionar as utopias. Se a arte positivista
conseguisse realmente criar as emoções artificiais, as utopias então seriam planejadas.
O estímulo exagerado ao reino da imaginação, para ele mais corruptível que o da
razão, poderia perturbar a existência privada com uma exaltação artificial e mentirosa, restrita
aos estímulos sensuais, alterando a vida pública e provocando uma completa indiferença
social. Comte ressalta ainda mais um grande perigo social: as livres utopias. O poder da arte
estava na capacidade de regular a imaginação (utopia) individual e coletiva. É o que ele
chama de “idealidade estética.”22 Esta deve ser estendida aos fenômenos sociais e
convenientemente sistematizada, ordenada, para poder regularizar as utopias, subordinando-as
à ordem real, como o passado indica para o futuro. Com isso, Comte esclarece que o
positivismo não repudiava as utopias, mas incorporava-as ao regime, facilitando seu surto e
influência, desde que subordinadas ao conjunto das leis reais. É neste movimento que se pode
entender o estímulo aos tipos ideais, propostos no Calendário Positivista, trabalhados adiante.
Como Comte expressou, era fundamental a contemplação das figuras ideais. Por
isso, estipulou que, em todas as solenidades, privadas ou públicas, a arte devesse ser mais
pronunciada. Sua Religião da Humanidade possuía um culto coletivo e público, que era
reforçado por atividades que incentivassem a sociabilidade cívica, fora dos templos. As
comemorações públicas cívicas ou culturais, exaltando os grandes homens que contribuíram
positivamente para a história da humanidade, a construção de prédios públicos dedicados a
fins culturais e a confecção de monumentos públicos, estátuas, bustos, bandeiras, mausoléus
fúnebres, faziam parte da estratégia de ação religiosa, fora dos templos. “O espaço inteiro da
cidade será a comemoração, a adoração da Humanidade pela nominação de ruas, tecendo no
espaço o Calendário Positivista.”23 Em suma, a vida social, pública e coletiva, que estimulasse
a lembrança do passado e as diferentes formas de celebrá-lo, integrava também o culto da
Humanidade. Essa proposta de vida social e cultural visava criar uma unidade simbólica entre
22
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 285.
23
GRANGE, Juliette. La religion positive… p. 402.
47
os cidadãos. Era o conhecimento do passado, da história, que uniria os homens, e a arte era
um dos caminhos. “É a arte, que não é arte somente no sentido da estética, que permite dar
uma identidade imaginária ao coletivo. Esta identidade se expressa aos olhos de todos de uma
maneira indireta em um grande número de formas de expressão: estátuas e monumentos,
nomes de ruas e obras de arte.”24
A arte era uma auxiliar da razão e da verdade, mas tinha por base os sentidos
humanos, visando á sensibilização moral, sobretudo coletiva, porque tinha a função de educar
o homem e a sociedade e aperfeiçoar a humanidade, por meio da apreciação do belo e
admirável. Ela tinha função moralizadora e era a principal base da educação; portanto, era
essencialmente social e política e não era mais somente fruição do belo. Para isso, a arte se
voltou para o passado e para as figuras exemplares que deveriam ser imortalizadas em
representações.
Ao destacar as figuras exemplares no passado, a arte positivista marcava também
o futuro, pela mensagem de uma época a outra, por meio de uma linguagem universal,
entendida por todos ao longo do tempo. “Como a História que narra os fatos ocorridos no
passado, a arte também há-de sempre apresentar no esplendor de sua beleza o passado da
Humanidade, tornando-o presente.”25
Comte instituiu o uso de imagens e ritos que deveriam se transformar numa forma
de culto social, dando uma dimensão imaginária à vida cívica, tendo por âncora o passado. As
festas católicas e as festas públicas revolucionárias são modelos para Comte, ambas
utilizando-se fartamente de imagens e de evocações da História. Sua proposição era uma
síntese da alegoria republicana com a estatuária e da simbologia cristã com a pintura. Ambas
as formas de expressão artística tiveram a capacidade de ligar o passado ao presente. “Comte
espera sintetizar duas concepções opostas da mediação social e da figuração artística que se
reencontrarão e funcionarão espontaneamente: a imagem cristã e a estátua alegórica
republicana, a missa e a festa.”26 Comte lamentava que, desde a decadência do catolicismo,
não havia festas verdadeiras. Durante o “empirismo revolucionário” francês, houve tentativas
de agregar a arte às festas públicas, porém criticáveis para Comte.
24
GRANGE, Juliette. Rôle social de l’arte e art social. In: Auguste Comte – la politique et la science.
Paris: Odile Jacob, 2000. p. 237.
25
ROSA, E. R. Proença. Augusto Comte e a Arte. Rio de Janeiro: Oficina Gráfica da Universidade do
Brasil, 1957. p. 19.
26
GRANGE, Juliette. Rôle social de l’arte e art social... p. 244.
48
27
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 303.
49
humana, assinalado por um dos nomes mais expressivos que a história registra.”28 No
Calendário, Comte reconheceu a influência do passado sobre o presente e destacou os ciclos
marcantes da evolução da humanidade e os representantes mais destacados deles, que
deveriam ser consagrados por serem os exemplares da raça humana. Ele estabeleceu um
calendário que chamou de concreto, pois se baseou em seres reais, que pertencem à
humanidade e que contribuíram para sua evolução. Esse Quadro Concreto da Preparação
Humana não era fixo, podendo seus representantes serem substituídos com o tempo e as
necessidades locais de novos tipos, os heróis mais nacionais.
Para cada ciclo, representado por um mês com 28 dias, havia um homenageado.
Cada semana, com sete dias, havia um representante hierarquicamente inferior ao do mês, e
cada dia tinha outro representante hierarquicamente inferior ao da semana. Destaca-se aqui o
oitavo mês, dedicado à Epopéia Moderna, representado por Dante. Sua segunda semana tinha
como homenageados os artistas, cujo representante principal, no Domingo, era Rafael (1483-
1520), seguido sucessivamente dos também italianos Leonardo da Vinci (1452-1519),
Miguelangelo, do alemão Hans Holbein (1497-1543), do francês Nicolas Poussin (1594-
1665), do espanhol Diego Velásquez (1599-1660) e do belga David Teniers, filho (1610-
1690).
Não por acaso o único pintor francês homenageado, Poussin, viveu grande parte
de sua vida em Roma (e aqui se deve lembrar as reticências de Comte quanto aos pintores
franceses envolvidos em política das artes), residindo apenas doze anos em Paris; mesmo
assim ele foi marcante para a introdução dos valores clássicos na França durante os séculos
XVII e XVIII. A tendência moralizante, racional, ética e didática, expressa na pintura francesa
desse período, teve Poussin como precursor. “Raison e moralidade didática formavam o
méthode classique, representado no século XVII por Poussin [...] esse método clássico cria
uma base inabalável para todo o desenvolvimento posterior da pintura francesa.”29
Poussin ficou conhecido como um pintor do pensamento, um filósofo pintor,30
pois todos os seus quadros eram sempre a afirmação de uma possante doutrina.31 Ele mesmo
confirmou dizendo que “a pintura não é outra coisa que uma idéia de coisas incorporadas.”32
O caráter reflexivo, filosófico, dominado pelo pensamento, de Poussin foi um dos
28
SOARES, Mozart Pereira. O Positivismo no Brasil – 200 anos de Augusto Comte. Porto Alegre:
Age; Editora da Universidade. 1998. p. 79.
29
FRIEDLAENDER, Walter. De David a Delacroix. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. p. 13.
30
A expressão “filósofo pintor” será reforçada em outro capítulo pela expressão “filósofo em tintas”,
referindo-se a Eduardo de Sá. Ambas são inspiração para o título desta tese.
31
Encyclopédia de L’Agora. http://agora.qc.ca/mot.nsf/Dossiers/Nicolas_Poussin
32
POUSSIN, Nicolas. Observations sur la peinture. s/d.
50
33
FRIEDLAENDER, Walter. De David... p. 15.
34
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna – do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São
Paulo: Cia. das Letras, 1992. p. 33.
35
FRIEDLAENDER, Walter. De David... p. 23 e 40.
36
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 283.
51
resta sanar ainda algumas dúvidas: Comte esteve diante das obras desses homenageados? Ele
freqüentou museus ou Salões de arte franceses? Esteve ciente dos debates, polêmicas e
escândalos do mundo das artes francês? É possível apenas delinear a situação das artes
plásticas na França com o intuito de projetar os ambientes que Comte poderia ter freqüentado
ou os debates de que poderia ter participado.
O período em que Comte chegou à Paris para estudar na Escola Politécnica, então
com 16 anos, em 1814, coincide com um movimento de institucionalização das artes na
França. Desde 1794 que Paris concentrava grande número de obras de arte espoliadas,
provenientes tanto das coleções da nobreza quanto da Igreja. Aumentando este número, em
1798 chegaram com grande pompa à Paris obras provenientes da Itália. Em função disso, o
Museu Louvre foi reorganizado, redecorado e reinaugurado em 1800. O espólio de arte
principalmente italiano ficou na França até 1815 e depois foi devolvido. A “coleção francesa”,
então bastante reduzida, precisou ser reorganizada.
Em 1816, Luis-Nicolas de Forbin foi nomeado diretor dos museus reais, e em sua
administração, imprimiu grande direção política às artes, legando maior autonomia aos
museus e seus acervos em detrimento das pressões do clero e do governo e dirigindo uma
política de aquisição de obras de arte. Foi em sua administração que foram comprados
secretamente, e pela grande soma de 100.000 francos, dois quadros de David representando
37
Napoleão, além de O Rapto das Sabinas (1799) e Leônidas nas Termópilas (1814). Ele
também criou, em 1818, o Museu do Luxemburgo, uma inovação no mundo das artes. Era o
primeiro museu de arte contemporânea da Europa, que expunha obras de artistas vivos,
somente franceses. Teve como objetivo mostrar à França e ao estrangeiro a arte puramente
francesa. O museu foi um sucesso de público, tendo recebido verbas e apoio governamental,
além de grande propaganda.38 Comte visitou este Museu criado logo depois de sua chegada à
Paris?
Como foi comentado no início deste capítulo, Comte tinha a mesma idade de
Delacroix. Este artista teve o mais famoso de seus quadros, A Liberdade guiando o povo,
envolto em grande polêmica e a conseqüente publicidade. Acompanhando a situação política
francesa, ora o quadro era oficial e exaltado, ora era perigoso. O quadro foi comprado em
1831 pelo Ministério do Interior e exposto no Museu do Luxemburgo; em 1833, foi guardado
nas reservas e, em 1839, foi devolvido ao artista. Somente reapareceu com a Revolução de
37
MONNIER, Gerard. L’art... p. 88-90.
38
CHAUDONNERET, Marie-Claude. L’État e les artistes (1815-1833). Paris: Flammarion, 1999. p.
30-36.
52
1848 e depois é novamente escondido até a primeira grande exposição industrial francesa, em
1855, quando o próprio Delacroix atenua a cor vermelho escarlate do barrete frígio, pintando-
o um pouco amarronzado, e o expõe.39 A sorte do quadro, divulgada nos jornais, comentada
nas rodas intelectuais ou denunciada nas publicações especializadas de arte, ficou
desapercebida a Comte?
Os Salões, organizados para expor as obras de artistas vivos, já funcionavam com
grande afluxo de público desde o século XVIII. Estiveram “estreitamente articulados com a
vida social parisiense”,40 e foi uma instituição central e dominante no mundo das artes
plásticas. Comte freqüentou estes espaços de exposição artística tão “badalados” ou ficou
alheio?
É possível que ainda muito jovem Comte tivesse freqüentado esses espaços de
sociabilidade cultural. Porém, com o acirramento de sua crítica ao mundo moderno, e visto
que essa crítica acompanha o desenvolvimento de sua doutrina social positiva, propôs novos
espaços de encontros e convívio sociocultural. Os novos espaços públicos eram fundamentais
para o projeto positivista, pois a liberdade para pensar e discutir, após a conversão intelectual
à doutrina, era saudável. “Manipulando os espaços públicos e criando culturas secundárias
específicas para encorajar a troca de idéias e o desenvolvimento de relações interpessoais,
Comte acreditava que poderia difundir crenças gerais e sentimentos generosos por toda a
sociedade.”41 Mas não há referência em seus escritos que esses espaços públicos fossem
salões de arte ou museus; sua proposta tinha raízes em outros espaços de convívio de tradição
esquerdista ou revolucionária: os templos, espaços dominados pelos filósofos (sacerdotes),
eram uma adequação dos templos revolucionários da razão; os clubes, locais dirigidos pelos
operários, eram uma adaptação dos clubes socialistas sediados nos cafés; e os salões, espaço
de coordenação feminina, eram os salões do antigo regime, que, sediados em residências,
eram coordenados por mulheres.42 Filósofos, proletários e mulheres poderiam freqüentar
juntos todos esses espaços.
Com tal nível de detalhamento atribuído aos espaços positivistas de sociabilidade,
é possível que Comte não aprovasse os existentes, principalmente os Salões de arte, que, além
39
Após a exposição de 1855, o quadro foi novamente ocultado e reapareceu em exposição no Museu
do Luxemburgo em 1863, quando morreu Delacroix. O quadro foi definitivamente para a coleção do
Louvre em 1874. Sobre as idas e vindas deste quadro ver: COLI, Jorge. A alegoria da liberdade. In: Os
sentidos da paixão. São Paulo: Cia. da Letras, 1987. p. 381-382.
40
MONNIER, Gerard. L’art... p. 123.
41
PICKERING, Mary. Auguste Comte e a esfera pública de Habermas. In: TRINDADE, Hélgio
(org.). O Positivismo – teoria... p. 61.
42
PICKERING, Mary. Auguste... p. 64-65.
53
Como forma de culto ao passado, Comte propôs uma Biblioteca Positivista com
cento e cinqüenta volumes divididos em Poesia, Ciência, História e Filosofia, Moral e
Religião, visando dirigir intelectualmente a formação cultural do adepto do positivismo, de
forma que ele se inteirasse do passado da humanidade por meio da leitura desses livros.44 Na
parte dedicada à História, Comte recomenda a leitura de dois livros sobre as artes da forma:
Reflexões sobre a imitação da arte grega na pintura e na escultura (mais conhecido como
Reflexões sobre a arte antiga), de Winckelmann; O tratado da pintura, de Leonardo da Vinci
(esta obra ainda não está incluída neste capítulo). No grupo Filosofia, Moral e Religião,
sugeriu mais dois livros: Teoria do belo na natureza e nas artes, de Paul Joseph Barthez45, e
Ensaios sobre o belo, de Diderot.
O livro de Winckelmann, publicado em alemão em 1755 e traduzido para o
francês em 1766, foi fundamental para o advento do classicismo nas artes. “Sua importância
histórica não repousa apenas no fato de defender entusiasticamente os antigos, mas sobretudo
em saber problematizá-los, em perguntar o que se entende por antigos.”46 Os antigos, aqui, se
restringiam a cultura grega clássica. Dois aspectos das idéias de Winckelmann podem ser
destacados para pensar a teoria estética comtiana: o conceito de imitação e as possibilidades
de acesso ao passado.
43
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 281.
44
Ver listagem completa da Biblioteca Positivista em: COMTE, Auguste. Catecismo... p.132.
45
Comte também recomendou na parte da Ciência outro livro de Barthez: Nouveaux éléments de la
science de l’homme. 2. ed. Paris: Goujon Libraire, s/d. 2 tomes.
46
As considerações feitas aqui acerca desta obra foram retiradas do estudo introdutório de Gerd
Borrnheim publicado em: WINCKELMANN, Johann Joachim. Reflexões sobre a arte antiga. Porto
Alegre: Movimento, 1975. p. 8. (Estudo Introdutório).
54
47
WINCKELMANN, Johann Joachim. Reflexões sobre a arte antiga... p. 18. (Estudo Introdutório).
48
COMTE, Auguste. Aptitude Esthétique...p. 292.
49
COMTE, Auguste. Cours de philosophie positive. 5. ed. Paris: Societé Positiviste, Tome VI, 1892-
1894. p. 174.
55
que se tornou sede da Sociedade Positivista de Paris.50 Ou seja, é muito provável que tenha
sido uma edição sob a chancela da Sociedade.
Barthez repudiava a idéia da beleza em si, intrínseca aos objetos, da escola
platônica, e não desprezava a percepção, a sensação.51 Negando um padrão mental de
perfeição nas artes imitativas, Barthez entendia que não existe um “modelo ou arquétipo de
beleza ideal comum a todos os objetos da mesma espécie o qual vai imitar o artista. Existem
somente os tipos particulares de beleza ideal que sob imaginação se formam para cada objeto
do qual ele quer criar uma representação.”52
A recomendação de leitura dos Ensaios sobre o belo, de Diderot, vem completar
as reflexões sobre o belo e suas relações com as artes e a natureza, iniciadas com a leitura de
Barthez. Neste ensaio, Diderot apresenta inicialmente as idéias de alguns autores que tratam
da questão do belo: Wolff, Crousaz, Hutcheson, Leibnitz, o padre jesuíta André e o abade
Batteux, criticando todos. Para Diderot, suas concepções sobre belo eram equivocadas porque
o confundiam com os sentimentos agradáveis, com as aprovações ou não, com as sensações
de prazer. Para ele, os autores não discutiram o belo, mas os efeitos que ele provoca. Para ele,
o belo está nos objetos e não a sensação de prazer ou sentimentos que ele nos proporciona.
Diderot advoga nos Ensaios as idéias de Platão, seus exemplos de belo; e de Santo
Agostinho, o conceito de unidade e a relação exata das partes com o todo, e lança assim sua
idéia de belo como um termo sempre relativo, variando conforme a língua, os povos, o passar
do tempo. “Colocai a beleza na percepção das relações, e tereis a história de seus progressos
desde o nascimento do mundo até hoje; escolhei para caráter diferencial do belo em geral,
uma outra qualidade que vos agradar, e vossa noção se achará de repente concentrada num
ponto do espaço e do tempo. A percepção das relações é pois o fundamento do belo.”53
Esta percepção do belo seria fundamental para a crítica de Diderot ao conceito de
perfeição clássica ensinada nas academias e às regras vigentes sobre a arte, quando crítico e
comentador dos Salões de arte francês entre 1759 e 1781. Diderot se opôs a Winckelmann,
pois, para o primeiro, era o homem que fazia a mediação entre natureza e arte; não havia uma
natureza, ou beleza, intrínseca nos objetos. Essa natureza ou beleza era uma representação.
Para ele, não havia belo absoluto, mas diversos tipos de belo: belo moral, belo literário, belo
50
BARTHEZ, P. J. Théorie du beau dans la nature e les arts. 2. ed. Paris: Vigots Frères, 1895.
htpp://gallica.bnf.fr
51
ARRÉAT, Lucien. Analyses – Barthez. Théorie du beau dans la nature e les arts. Revue
philosophique de la France e de l’etranger. Année 21, n. 1, janv. - juin, 1896. htpp://gallica.bnf.fr
52
BARTHEZ, P. J. Théorie… htpp://gallica.bnf.fr
53
DIDEROT, Denis. Considerações sobre o belo. Rio de Janeiro: 1950. p. 35.
56
musical, belo natural, belo artificial, belo de imitação (aquele representado nas obras de arte).
Esse conceito de imitação também não era o mesmo de Winckelmann, pois postula a
semelhança com a natureza. Neste ponto, Comte também divergia de Diderot, pois, para ele,
uma obra de arte não precisaria ter semelhança absoluta com a natureza ou com a verdade.
Por outro lado, Diderot apresentou uma idéia de imaginação: o processo mental de
transportar a imagem pelo pensamento, que se assemelha ao conceito de idealização
apresentado por Comte. Vejamos o exemplo apresentado por Diderot:
54
DIDEROT, Denis. Considerações sobre o belo... p. 32.
55
CORRÊA, Hernani. Hierarquia Estética. Porto Alegre: Globo, 1945. p. 10.
57
indicando ideais para a humanidade e para o mundo, mas sempre auxiliada pela razão.56
Um ponto de distanciamento de Comte para com Diderot é que este foi um crítico
de arte. A partir de meados do século XVIII, formou-se uma base teórica para a avaliação
artística, em um contexto de ampliação do público apreciador e de críticos de arte. Este foi um
movimento de perscrutação dos sentidos, das sensações e da tradução pela palavra. Para
Diderot, a arte estava ligada à visão, ao sentimento e à ação.57 O processo apreciativo de uma
obra de arte consistia em ver e julgar ou criticar o que foi visto. Para Comte, por outro lado, a
arte não devia ser julgada; seu valor estava apenas na capacidade de emocionar, provocar os
sentimentos. O valor de uma obra de arte não estava na sua qualidade plástica. Quanto à
capacidade emotiva de uma obra, ambos concordavam, porém Diderot não abria mão da
qualidade técnica. Diderot também contribuiu para o sentimentalismo durante a Revolução.
Como connaisseur de arte, aliando conhecimento à capacidade de apreciar, disseminou uma
pedagogia estética sentimental. Nas análises, Diderot avaliava a capacidade que uma obra
tinha de comover. Dizia ao artista: “Primeiro me comova, me surpreenda, parta meu coração,
faça-me tremer, chorar, arregalar os olhos, enfurecer-me... só então deleite minha visão.”58
Se Comte tinha um projeto de renascimento artístico, que passava pela adesão do
artista à idéia de elevamento moral das artes, tinha um projeto de educação estética, que
estendia aos que desejavam realizar arte, tinha atribuições sociais à arte, que a atrelava à
história, seus seguidores franceses seguiram tais preceitos? É possível dizer que houve arte
desenvolvida por artistas e encomendantes positivistas que aceitavam as normas de estética
comtiana? Na França, com um campo artístico plenamente constituído, foi possível o
desenvolvimento de uma estética positivista? Tais questões trataremos no próximo capítulo.
56
GRANGE, Juliette. Le vocabulaire de Comte. Paris: Ellipses, 2002. p. 9. (Verbete: Art).
57
DIDEROT, Denis. Ensaios sobre a pintura. Campinas: Papirus; Unicamp, 1993. p. 11.
(Apresentação de A. Dobránszky)
58
Citado em: FRIEDLAENDER, Walter. De David... p. 19.
58
Cabe alertar de início para as dificuldades na elaboração deste capítulo que trata,
em geral, da arte francesa produzida no século XIX, principalmente monumentos públicos, e,
em específico, do envolvimento dos positivistas franceses nos debates sobre as artes e de suas
iniciativas na produção de obras de arte. Essas tentativas de intervenção no plano artístico
faziam parte da prática positivista e do culto cívico integrante da Religião da Humanidade.
O primeiro problema é de ordem doutrinária: na França também, diferentes
grupos se apropriaram do positivismo. O estado constante de cizânias, disputas e dissidências
fazia com que os positivistas de um grupo não se referissem às iniciativas de outro. Os
ortodoxos franceses, mais sistemáticos em suas práticas positivistas, principalmente quanto às
publicações, não costumavam se referir aos outros positivistas, pois os negavam enquanto tal.
Isto ocorria também com os ortodoxos brasileiros, que achavam os ortodoxos franceses não
positivistas. Esse quadro legou publicações bastante autocentradas, cujo conteúdo, além de
ufanista quanto às conquistas do positivismo, não dava conta da diversidade de suas ações.
Outra adversidade é que não foi possível pesquisar na França. Portanto, a
documentação utilizada para este capítulo são eminentemente publicações acessíveis no
Brasil, e não há apoio em documentos oficiais, nem correspondência, tampouco em um
inventário rigoroso de obras de arte feitas sob estímulo do positivismo. O recurso foi buscar
dados nas publicações dos positivistas franceses que integram os acervos da Igreja Positivista,
no Rio de Janeiro, e da Capela Positivista, em Porto Alegre. Foi possível consultar, por
exemplo, a Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique, editada pela Sociedade
Positivista de Paris entre os anos de 1878 e 1914, cuja coleção quase completa encontra-se na
sede da IPB. A revista dos positivistas franceses não ortodoxos, liderados por Émile Littré,
chamada La Philosophie Positive, publicada entre 1867 e 1881, pode ser consultada no site da
Biblioteca Nacional da França, na base de dados Gallica, que permite acesso e reprodução
eletrônica de todos os números. A despeito dos reveses dessa pesquisa à distância, busca-se
saber se e como os positivistas franceses estiveram envolvidos no apoio à produção de obras
de arte.
59
solicitação de trabalho. Os artistas mais consagrados, por terem sido alunos da Escola de
Belas Artes, ganhado o Prêmio de Roma ou medalhas no Salão de Paris, eram os que tinham
mais chance de receberem encomendas públicas. O preço da obra era fixado conforme suas
dimensões e técnica, mas a distinção do artista também era considerada. O contrato de
trabalho geralmente fixava o valor, o local e a técnica da obra.
Gerard Monnier destaca que a reprodução escultórica já era uma tradição e que no
século XIX tornou-se uma indústria. A invenção em 1839 de uma máquina que permitia a
redução da escultura monumental em peça menores e reprodutíveis, ampliou a clientela
privada, com encomendas para decoração doméstica; e também oficiais, com confecção de
obras para os espaços públicos.4 Tal possibilidade de produção reduzida de esculturas
monumentais estimulou que alguns artistas montassem seus catálogos de obras, realizando
uma propaganda de seu trabalho, já que poderia ser reproduzido e vendido inúmeras vezes.
Em 1860, Frémiet, por exemplo, que possuía sua própria revista de arte, recebeu a encomenda
de dez exemplares da estátua (reduzida) eqüestre do Imperador para os museus e
departamentos do Estado, além de vender cerca de uma centena de exemplares da escultura
eqüestre, reduzida, de Joana D’Arc.5
Nas encomendas oficiais, não havia referência ao estilo artístico que deveria ser
empregado na obra; no entanto, a escolha do artista incorporava tal elemento. Se a Terceira
República foi o regime mais profícuo na produção escultórica nos oitocentos, também foi o
mais criticado no que se refere à qualidade artística. Vaisse percebeu que parte dessa crítica,
feita posteriormente ao século XIX, vinha carregada de preconceitos políticos por ser esta
uma “arte oficial” e que apenas chamá-la de oficial não ajuda a caracterizá-la.6
4
MONNIER, Gérard. L’art et... p. 157.
5
MONNIER, Gérard. L’art et... p. 158
6
VAISSE, Pierre. La Troisième République et les peintres. Paris: Flammarion, 1995. p. 19.
61
7
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Da religião civil. In: Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural,
1973. p. 146. (Coleção Os Pensadores).
8
BENOIT, Lelita Oliveira. Igreja Positivista e Contrato Social. In: Sociologia Comtiana: gênese e
devir. São Paulo: Discurso Editorial, 1999. p. 377-384.
9
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Da religião.... p. 146.
62
10
GIRARDET, Raoul. Da religião civil ao poder espiritual. In: Mitos e Mitologias Políticas. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 147.
11
GRANGE, Juliette. La religión... p. 397.
63
coletivo, a uma emoção cívica, estas religiões procuram resolver, em parte, o paradoxo entre
política e religião. As obras de arte empregadas em celebrações públicas, festas e procissões,
as comemorações aos grandes homens ou eventos históricos, a construção de um panteon
cívico para a nação fazem parte de algumas estratégias de ação religiosa com fins políticos ou,
nas palavras de Girardet, “de uma teologia moral do político”12.
A historiografia já apontou que as festas revolucionárias francesas foram
experiências mais próximas da proposição de Rousseau; o Panthéon de la Nation em Paris,
onde suas cinzas foram depositadas em 1794, também. Ao analisar as demonstrações públicas
de fé republicana (festas, oratória, gestos, poesia, música), Shama entende que eram
carregadas de uma teatralidade emocional, eram um circo revolucionário, onde todos eram
iguais atores, visando criar uma identidade fraterna entre os cidadãos. Para ele, isso
correspondia à uma religião da fraternidade, uma espécie de “universalismo cristão
rousseauniano.”13 Para Girardet a festa revolucionária foi a realidade historicamente viva das
idéias de Rousseau. Citando Ozouf, Girardet destaca que ela expressava uma vontade
pedagógica, por seu caráter repetitivo, disciplinar e propagandístico dos ideais republicanos,
expressava também a vontade do indivíduo de pertencer a uma coletividade, de estar em uma
reunião fraterna.14
Este estímulo a uma religiosidade civil, que teve por inspiradores Rousseau e
Comte, mas também Saint-Simon e Voltaire, deu base às atividades que homenageavam os
grande homens. Agulhon informa que os homens distintos por suas ações à coletividade
humana é que passaram, no século XIX, a ser objetos de homenagens. Seus méritos, em todas
as áreas do conhecimento, mereciam ser lembrados e agradecidos por todos por meio de
monumentos. A heroicização de homens comuns ― nem reis, nem santos ― demonstrava o
ideal liberal e laico que imperava nos oitocentos.15 O ideal belo, estatuificado em praças
públicas, se materializava como exemplo do bem que o homem poderia fazer à humanidade,
sendo, portanto, modelo de virtudes.
O “novo” culto requeria novas liturgias em que o cidadão era agente. Os
monumentos eram, assim, suporte para uma pedagogia cívica e para a experimentação do
político. Sua confecção implicava a mobilização e às vezes, a disputa de grupos civis ou poder
público na realização da subscrição. Do ponto de vista artístico, seu conteúdo mobilizava
12
GIRARDET, Raoul. Da religião... p. 155.
13
SHAMA, Simon. Atos de Fé. In: Cidadãos: uma crônica da Revolução Francesa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p. 389.
14
GIRARDET, Raoul. Da religião... p. 149.
15
AGULHON, Maurice. Histoire... p. 143.
64
16
Sobre as atividade de Comte como professor ver: BENOIT, Lelita. Sob o paradigma da religião. In:
Sociologia Comtiana... p. 363-384.
65
17
PETIT, Annie. História de um sistema: o positivismo comtiano. In: TRINDADE, Hélgio (org.). O
Positivismo – teoria... p. 46.
66
Émile Littré, que não professava o positivismo religioso, publicou entre 1867 e
1881 a já citada revista La Philosophie Positive. Segundo Petit, nesta revista publicava a
intelligentsia do século XIX: de oposição, durante o Segundo Império, e do establishment,
durante a Terceira República e da franco-maçonaria, da qual Littré fazia parte desde 1875.
Entre seu colaboradores estavam políticos, cientistas, literatos ― franceses e estrangeiros. Por
muitos anos, esta foi a revista do positivismo, e Littré o filósofo positivo oficial, eclipsando o
próprio Comte.18
A revista travava de diversos assuntos: novidades literárias, poesias, atualidades
científicas, notas sociológicas e opinião sobre arte. Praticamente em todos os números era
publicado um artigo sobre arte ― seja música, pintura, escultura ou administração estatal das
belas artes. Dos 27 números publicados, foram levantados cerca de 35 artigos sobre esta
matéria. Os textos, em sua maioria assinados, se propunham em criticar os órgãos estatais,
que administravam os Salões de Belas Artes e os Museus; refletir sobre arte/Estado e arte/
República; e defender a estética positiva. Quase não havia textos que divulgassem iniciativas
ou envolvimentos desse grupo na promoção de obras de arte, com exceção da publicação de
uma lista de subscrição à estátua de Spinoza, no qual Littré colaborava por ser membro do
comitê.
Com isso, havia autores que analisavam as belas artes à luz do positivismo, como
o português Théophilo Braga, um anônimo que usava um pseudônimo (contrariando os
preceitos positivistas de anonimato na imprensa) e o próprio Littré, que escreveu alguns
artigos sobre o assunto. Havia também os não positivistas, ou não declarados positivistas, que
escreviam sobre as belas artes sem mencionar em seus textos a estética positiva. O mais
recorrente deles é Pierre Petroz, um crítico de arte que em 1855 já publicava no jornal La
Presse artigos analisando o Salão de Paris. Anualmente, ao longo dos 14 anos da revista
dirigida por Littré, Petroz colaborou com artigos de crítica ao Salão.19
Interessam aqui os artigos que defendiam a estética comtiana de forma claramente
expressa, notadamente o texto de Theóphilo Braga e os assinados por C. S., que nos permitem
entender dois aspectos: a crítica à arte contemporânea, segundo preceitos positivistas e a
definição de arte e estética positiva.
18
PETIT, Annie. La presse positiviste au XIXème siècle. p. 15-16
www.univ-montp3.fr/recherche/ ea738/chercheurs/petit/presse.pdf
19
Petroz também publicou: Esquisse d’une histoire de la peinture au Musse du Louvre. Paris: Felix,
1890. Outro autor não explicitamente positivista e que confirma a posição de Petit de que a revista
recebia a colaboração de intelectuais consagrados no mundo cultural francês é Luis Viardot, que além
de Diretor do Teatro Italiano de Paris era tradutor de espanhol de obras clássicas, como Dom Quixote
e de russo, de obras de Pushkin.
67
Dos oito textos publicados pelo positivista anônimo, três se destacam por
abordarem temas da teoria das artes, como a deformidade, o realismo, o grande e a relação
com o belo. Ao discutir esses tópicos e como são representados na arte contemporânea, ele
apresenta então suas idéias sobre arte positiva, embora não haja em seus artigos citações ou
referência a Comte, tampouco a artistas ou obras de arte positivas.
Comentando um texto de Charles Garnier20, arquiteto que projetou a Ópera de
Paris, C. S. discute o significado da deformidade e do feio segundo o método positivo.
Atacando a tese de Garnier de que a deformidade nas artes gera antes piedade do que choque,
e é a primeira impressão que ficaria na mente do observador, C. S. defende que a
deformidade, principalmente humana, provoca sempre uma emoção penosa, uma antipatia que
persistiria na imaginação do espectador, mesmo que existam na natureza seres disformes. Para
C. S., a deformidade humana nas artes deveria ser embelezada, pois embelezar é humanizar, é
dar às criaturas inferiores uma aparência humana, porque um “homem desproporcional é um
representante imperfeito da humanidade”21. Este aperfeiçoamento da imagem humana seria na
teoria positiva criar uma “deformidade humana simpática” ― um degrau inferior do belo.22
Em termos técnicos, C. S. explica que a deformidade é uma alteração da linha, da cor e da
massa, portanto, a “monstruosidade” ataca todo os elementos de uma imagem, seja no
desenho, na pintura, ou na escultura. Portanto, sentencia, “o feio não tem nenhum lugar nas
artes.”23
C. S., completando suas noções sobre o belo ― que não o nega, mas também não
aceita a idéia de belo absoluto ― publicou ainda outro texto que discute o uso corrente de
figuras colossais na estatuária contemporânea. Para o autor, a associação corrente entre “belo”
e “grande” era uma persistência das crenças metafísicas e politeístas da infância da
humanidade. Segundo a teoria positiva, a Humanidade passava por estágio de
desenvolvimento conforme a idade humana: infância, vida adulta e maturidade. “A expressão
do grande deveria se dividir teoricamente em duas fases. A arte da humanidade adulta, que
coloca o sentimento das proporções na base de toda a satisfação estética, e a arte da infância,
coletiva ou individual, que não tem proporções.”24
20
GARNIER, Charles. Les difformités de la nature morte e les difformités de la nature vivante.
Gazzette des Beaux-Arts. 2o. Período. Tomo IV, out. 1871. gallica.bnf.fr
21
S. C. Observation esthétiques sur la difformité. La Philosophie Positive. v. IX, jul.-ago. 1872. p. 49.
gallica.bnf.fr
22
S. C. Observation... p. 48.
23
S. C. Observation... p. 49.
24
S. C. Les figures colossales et l’idée du grand dans l’histoire de l’art. La Philosophie Positive. v.
XVIII, jan.-jun. 1877. p. 299. gallica.bnf.fr
68
Para confirmar essa teoria, o autor disserta então sobre a história das artes,
iniciando com a estatuária egípcia, no qual o grande se exprime pelo colossal, cujas figuras
em escala diferente representariam a diferença entre deuses e homens, homens e mulheres,
crianças e adultos, e as diferenças socioeconômicas. O politeísmo permitia que os deuses,
semelhantes aos humanos, fossem representados como colossais. Já na arte grega isto não
procede, visto o grau de progresso que alcançou. A perfeição das imagens gregas transformou
os objetos artísticos em objeto de adoração. A estátua se transformou no próprios deus. A
religião cristã, mesmo monoteísta, não deixou de representar a grandeza divina de seu Deus,
Jesus Cristo, como colossal. O problema se resumia na não distinção entre grande e colossal,
aplicada às artes indistintamente nas várias épocas, na escultura e na arquitetura.
“Os modernos não crêem mais em deuses”25; sentenciou C. S., portanto, sem
fundamentos nas crenças mitológicas não havia mais sentido o mundo moderno manter, nas
artes, as representações colossais como sinônimo do grande. Esta era a base do argumento do
autor para defender uma dimensão fixa, de proporções verdadeiras, para a estatuária
monumental, principalmente por se tratar da representação da figura humana; o mesmo não se
aplicaria à arquitetura, por exemplo. Portanto, os modernos, não mais na infância da
humanidade, deveriam abandonar a arte colossal ― “ilustração infantil da idéia do gigante e
da grandeza excessiva e desmesurada.”26
A condenação ao realismo completa as noções de C. S. sobre a arte
contemporânea. Se, na arte positiva, não havia espaço para as deformidades, nem para
representações colossais, certamente não havia também para as idealizações quiméricas de
igualdade que a arte realista estimulava. Para o autor, o realismo, ao proclamar a igualdade
dos seres retratados, ao estimular uma contemplação passiva diante dos objetos contemplados,
ao negar o ideal, ao excluir o sentimento, negava à arte um destino social; o realismo era a
negação mesma da arte, resumia o autor.
A época de entusiasmo em que viviam, afirmava C. S., requeria uma arte que
emocionasse. Ele exemplifica as falhas do realismo comentando um quadro de Epinal
representando um soldado armado, mas que não exprime na imagem seu patriotismo ou
coragem. Nesse quadro, para a expressão de idéias ou sentimentos, colocam-se legendas
escritas, conclui a crítica. Ainda assim, o autor admite alguns benefícios do realismo à arte,
como, por exemplo, o realismo revolucionário que se opôs energicamente ao tédio da arte
oficial, que cobriu os monumentos de bímanosrépteis, de quadrúpedes alados, de homens-
25
S. C., Les figures colossales... p. 297.
26
S. C., Les figures colossales... p. 304.
69
27
S. C. Réalisme. La Philosophie Positive. v. XXIV, jan.-jun. 1880. p. 251. gallica.bnf.fr
28
BRAGA, Theóphilo. Constitution de l’esthétique positive. La Philosophie Positive. v. XV, jul.-dez.
1875. p. 46. gallica.bnf.fr
70
29
PETIT, Annie. La presse... p. 18.
Obras de arte apoiadas ou feitas sob iniciativa dos positivistas franceses
71
Esquirol Busto Toulousse, 02.08.1897 Médico e proprietário da clínica onde Comte foi internado, em 1826. Esquirol também
Capitole assistiu ao curso de Comte em 1829. Discurso do médico positivista Antoine Ritti.
Etienne Dolet Estátua Guilbert Paris 19.05.1889 Tipógrafo da Renascença. Obra situada na mesma praça onde foi executado. Discurso
do positivista M. Keufer em nome da Federação Francesa dos Trabalhadores do Livro.
Fabien Magnin Busto e placa Abrets Operário-marceneiro, testamenteiro de Comte. A subscrição foi iniciativa dos
positivistas, mas não há informações se a obra foi executada. Subscrição entre 1911-
1913.
Félicien David Placa Cadente 11.08.1894 Músico francês. O positivista A. M. Auzende discursou. Não há referencia se a
Sociedade Positivista participou da iniciativa.
Gabriel Robinet Monumento Paris – Père- 20.07.1888 Médico de Comte, testamenteiro, dissidente de Laffitte Não há referência se os
fúnebre Lachaise positivistas participaram do projeto.
Gallilée Estátua (não Paris Auguste Vorbe, membro do Conselho Municipal de Paris, apresenta o projeto em
realizada) 1898, em jargão positivista, citando Comte. Foi montada uma comissão internacional.
Os positivistas da revista apenas apóiam a iniciativa, pois Galileu está no Calendário
Positivista.
Jeanne D’Arc Monumento Luis Ernest Rouen 1892 Conselho Municipal abriu subscrição e votou verba. Os positivistas apóiam a
Barrias iniciativa mas não há referência que tenham contribuído com a campanha.
Jeanne D’Arc Estátua Emmanuel Paris 1899 Obra condenada em 1872, primeira estátua realizada em 1874, e segunda instalada em
eqüestre Frémiet 1899. Subvenção estatal.
Jules Grévy Estátua Alexandre Dole 1893 Presidente da República. Obra feita pelo governo da República e municipalidade.
Falguières Positivistas não participaram. Discurso de inauguração de Pierre Pactet (jurista e
antigo prefeito de Mont-sou-Vaudrey), em jargão positivista.
Léon Gambetta Estátua Alexandre Cahors 14.04.1884 Advogado, Ministro do Interior, considerado um positivista. Laffitte foi convidado
Falguières pelo prefeito a discursar na inauguração, mas a Sociedade Positivista não contribuiu
com a obra. Subvenção municipal.
Luis Cons Monumento Paris - 01.11.1882 Historiador, positivista, colaborador da Revista. Discurso do positivista Paul Foucart,
fúnebre Montparnasse também colaborador da Revista.
M. Husson Monumento Paris - 17.04.1904 Positivista, colaborador da Revista. Verba familiar, os positivistasapoiaram.
fúnebre Montparnasse
Isaac Newton Estátua (não Paris Proposta, em 1895, de Pierre Baudin e Auguste Vorbe, membros do Conselho
realizada) Municipal de Paris. Os positivistas da revista apenas apóiam a iniciativa, pois Newton
está no Calendário Positivista.
Pierre Laffitte Busto Luis-Edouard Béguey 30.06.1905 O Comitê Municipal de Béguey fez a subscrição; a Sociedade Positivista de Paris
Fournier colaborou. Obra destruída na II Guerra e substituída em 1996.
Pinel Busto Toulousse, 02.08.1897 Comte havia destacado seu trabalho ao lado de Bichat, Cabanis e Cuvier. Discurso do
Capitole médico positivista Antoine Ritti.
Fonte: La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. 1878 a 1913.
72
73
30
AGULHON, Maurice. Histoire... p. 138.
74
Dr. Robinet esteve à frente de várias comissões para erguimento de monumentos e para
instalação de festas cívicas.31 Havia, ao mesmo tempo, campanhas de subscrição lançadas por
outras Sociedades e às quais os positivistas se somavam. As campanhas positivista oficiais,
aquelas que envolveram a confecção dos monumentos de Comte e Fabian Magnin, tiveram
destaque na revista, ao longo de vários números, desde a montagem da comissão promotora,
passando pela publicação das listas de subscrição até o relato da festa inaugural, neste caso
apenas no monumento a Comte. Sempre os artigos explicavam por que, segundo o
positivismo, o personagem merecia ser homenageado, estimulavam os leitores a contribuir
com a subscrição e a participar dos festejos inaugurais.
As estratégias de ação para erguer monumentos eram então variadas, e somente os
dois monumentos oficiais de fato foram financiados com subscrição positivista. Grande parte
dos demais foi erguida com verba municipal. No caso dos monumentos edificados em Paris,
percebe-se o trabalho de um Conselheiro Municipal, Auguste Vorbe, que embora não fosse
considerado um positivista, quando citado na revista, apresentava suas propostas ao Conselho
Municipal de Paris utilizando argumentações positivistas.32 Isto fazia com que os positivistas
liderados por Laffitte apoiassem suas propostas, publicando artigos na revista e, é possível,
buscando convencer os demais Conselheiros. Outra tática eram as campanhas, pela palavra
escrita e falada, do que eles chamavam de reabilitação histórica de um personagem. Foi o que
ocorreu com a figura de Danton, para alguns um sanguinário assassino e para os
positivistasum patriota. Familiares foram contatados, biografias foram escritas, homenagens
cívicas foram realizadas, versões da história da Revolução Francesa foram revistas por parte
dos positivistas, de forma a recuperar a imagem de Danton. Eles passaram a ser vistos como
autoridades no tema e, portanto, imprescindíveis em qualquer atividade pública que
envolvesse o reabilitado herói. O resultado dessa campanha foi sentido como vitorioso por
parte desses positivistas: o presidente do Conselho Municipal de Paris convidou Laffitte a
discursar na inauguração do monumento a Danton, além de reservar aos positivistas 40
lugares de honra no palanque oficial. Na carta-convite, justificava que a municipalidade
reconhecia a admiração professada dos positivistas de todo o país a Danton e que deveriam ter
31
Sobre a participação de Dr. Robinet nas festas cívicas francesas consultar: IHL, Olivier. La fête
républicaine. Paris: Gallimard, 1996.
32
VORBE, A. Érection d’une statue a Christophe Colomb. La Revue Occidentale Philosophique
Sociale et Politique. Tome IV, n. 7, 1891/2. p. 402-404; VORBE, Auguste. Erection d’une statue à
Galilée à Paris. La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XX, n. 3, 1900. p.
336-373; H. C. Proposition de Pierre Baudin e Auguste Vorbe: Le culte des grands hommes – une
statue a Newton. La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XII, n. 4, 1895. p.
53-71.
75
A primeira obra de arte que envolve a temática positivista foi feita quando Comte
ainda era vivo; trata-se de um quadro a óleo do pintor francês Antoine Étex, em 1852.34 O
33
LAFFITTE, Pierre. L’inauguration de la statue de Danton a Paris, le mardi 14 juillet 1891. La Revue
Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome IV, n. 5, 1891/2. p. 232-233.
34
Étex (1808-1888) ficou relativamente conhecido em função de suas alegorias no Arco do Triunfo de
l’Étoile, em Paris: La Paix e La Résistence de la France, encomendados ao artista em 1833, pelo
monumento fúnebre a Gericault e pelo monumento fúnebre de Ingres, seu antigo professor na Escola
de Belas Artes.
76
quadro Auguste Comte e seus três anjos é o que Comte chamou de uma idealização:
melhoramento e aperfeiçoamento da cena retratada mesmo que ela não represente a verdade.
Nele está Comte escrevendo a expressão “Religião da Humanidade”, e à sua direita estão sua
mãe Rosálie Boyer Comte, Clotide de Vaux e sua filha adotiva Sofia Bliaux Thomas, e ao
fundo, à esquerda, uma natureza morta. Comte, ao apresentar seus três anjos e o que eles
significavam, referiu-se assim ao quadro de Étex: “Inseparáveis daqui por diante, estes três
anjos se acham de tal modo ligados a mim que o concurso contínuo deles acaba de sugerir, ao
eminente artista de que o positivismo se honra hoje, uma admirável inspiração estética que
converteu um simples retrato num quadro profundo.”35 Para ele, o que convertia um simples
retrato em um quadro profundo eram as figuras das três mulheres que, mesmo não tendo
posado para esta composição, estando reunidas poderiam cumprir a tarefa da arte para o
positivismo: a lembrança e a inspiração de bons sentimentos.
Deste quadro foi feita uma litografia gravada por J. Tinayre e um cartão postal
acrescido com as fotografias dos testamenteiros de Comte, a rodearem a imagem. Étex pintou
ainda um outro quadro a óleo de Comte e confeccionou um busto em gesso, provavelmente
fundido em bronze, que figura nos altares da Humanidade da IPB. Ele pintou ainda dois
quadros a óleo de Clotilde, sendo que um, retratava ela lendo as cartas de Comte. Essas
imagens de Comte e Clotilde feitas por Étex foram litografadas e distribuídas aos adeptos.
Desde a Revolução Francesa, a litografia era usada como forma de divulgação e reprodução
de imagens, servindo bem aos propósitos propagandísticos dos positivistas.
Além de Étex, apenas um aluno de Comte o retratou em dois desenhos,
publicados no jornal Le Paternoster, em Dublin, quando o filósofo morreu, mas essa imagem
teve pouca circulação. Os trabalhos de Étex, busto e retrato, foram os que se tornaram
imagem oficial de Comte, modelo para as imagens feitas por outros artistas. No acervo da
Maison d’Auguste Comte, em Paris, existem algumas fotografias de Comte. A imagem a
seguir foi obtida a partir de um dagarreótipo.36
Os artistas Camille Monier e Louis Tinayre37 (irmão do gravador J. Tinayre)
também colaboravam na confecção de obras alusivas ao positivismo. O primeiro, membro da
Sociedade Positivista de Paris, assumiu entre 1900 e 1901 o curso de Laffitte no Colège de
35
COMTE, Auguste. Catecismo... p. 127.
36
Agradeço a gentileza de Aurélia Giuste, funcionária da Maison d’Auguste Comte, pelo envio
eletrônico das fotografias de Comte.
37
Luis Tinayre ficou conhecido como um artista repórter por sua expedição a Madagascar, em 1895; e
depois como pintor científico, por participar das expedições oceanográficas na equipe do príncipe
Alberto de Mônaco, a partir de 1906.
77
France, ministrando a cadeira de História Geral da Ciência38. Ele compôs o Comitê Executivo
para a subscrição do monumento a Comte, como será visto a seguir. Não há informação sobre
sua formação artística, no entanto, artigo na Revue Occidentalle informava que, naquele ano
de 1891, ele e Tinayre não apresentariam trabalhos no Salão de Paris. Tinayre estava
envolvido em um retrato de Laffitte, que inacabado, não poderia ser exposto. As informações
não são suficientes para se saber qual o grau de comprometimento dos artistas com a teoria
estética positiva. É provável que Tinayre tenha apenas recebido encomendas dos positivistas.
Ele também foi um dos subscritores do monumento a Comte.
38
MONIER, Camille. Essai sur la language. Paris: E. Pelletan, 1908. Esse trabalho é um resumo em
cinco lições do curso que ministrou no Colège de France. Também publicou: Exposé populaire du
positivisme. Paris: Societé Positiviste d’Enseignement Supérieur, 1888. gallica.bnf.fr
78
Injalbert (1845-1933).39
O primeiro projeto de uma estátua a Comte foi realizado por Eugène Delaplanche,
que ao morrer e deixar a maquete inacabada, teve o trabalho concluído por seu aluno Henri
Levasseur. A maquete foi exposta em 1891 no Salão de Paris, no Champs-Élysées.40 Na
estátua sedestre, Comte é representado em uma imagem doméstica: em sua poltrona fechando
seu livro predileto ― A Divina Comédia – da qual, por hábito, lia uma página por dia. A
análise da maquete foi feita por Edouard Pelletan, um editor de vários livros de positivistas41.
Sua reserva quanto à maquete se concentrava em dois pontos: Comte era representado de
forma triste, e não meditativa; e dois livros displicentemente largados sobre a poltrona, apenas
como recurso simbólico, não combinavam com Comte, que tinha a ordem a comandar suas
ações, hábitos e trabalho. Para ele, o artista precisava conhecer um pouco mais seu retratado e
recomendava que lesse alguns trabalhos que o instruísse sobre a personalidade e vida de
Comte. Neste mesmo ano, Laffitte lança a idéia de erguer esse monumento a Comte, para ser
instalado em frente ao Palácio de Luxemburgo, mas somente sete anos depois é que a
campanha de subscrição seria oficialmente lançada nas páginas da Revue Occidentale. Esse
projeto original acabou sendo abandonado por uma imagem mais representativa dos
positivistas.
Em 1898, foi lançada nas páginas da Revue Occidentale a campanha de subscrição
a cargo de um comitê executivo de membros da Sociedade Positivista de Paris: Pierre Laffitte,
presidente de honra; Charles Jeannolle, presidente; Emile Antoine, tesoureiro; Constant
Hillemand, secretário; Emile Corra; e ainda Louis Léon Auzende, Antoine Auguste Cancalon,
Auguste Keufer e Camille Monier. No mesmo ano, montou-se um comitê de patrocínio com
membros responsáveis pelas subscrições em diversos países da Europa, Ásia e América. Os
quadros a seguir mostram o perfil dos apoiadores da iniciativa e a extensão da campanha no
mundo.
39
Injalbert ganhou o prêmio do Salão de Roma em 1874, com a estatueta Orpheus. Em 1895, um
trabalho seu causou grande escândalo ao ser instalada em um espaço público, pois foi considerada
indecente. O tríptico La Poésie de l’Amour dans la Passion et la Mélancolie está hoje instalado no
pátio da Bibliothèque de France. Sua obra se concentra em esculturas públicas e trabalhos decorativos.
Um importante monumento comemorativo de Injalbert é a Octave Mirabeau, no Panthéon de Paris.
40
Explication des ouvrages de peinture, sculpture, architecture, gravure et lithographie des artistes
vivants, exposés au Palais des Champs-Elysées le 1er mai 1891. Société des artistes français,
exposition annuelle des Beaux-arts, salon de 1891, 109a. exposition depuis l’année 1673. p. 238.
41
PELLETAN, Edouard. La statue d’Auguste Comte au Salon. La Revue Occidentale Philosophique
Sociale et Politique. Tome IV, n. 5, 1891/2. p. 286-289.
79
Quadro I Quadro II
Profissão / Função Número Países Membros do
total Comitê
Advogado 11 Alemanha 23
Agricultor 2 Argélia 4
Agrimensor 1 Argentina 7
Arquiteto 3 Áustria 7
Arquivista 1 Bélgica 12
Artista escultor e pintor 7 Brasil 9
Bibliotecário 4 Canadá 1
Chefes de repartições públicas 17 Chile 1
Comerciante 8 China 1
Conselheiro Geral (governador) 15 Croácia 1
Conselheiro Municipal (vereador) 12 Cuba 1
Conservador de Arte 1 Dinamarca 2
Deputado no Parlamento 50 Espanha 5
Diretor de escola, universidade, instituto 9 Estados Unidos 8
Diretor de laboratório, clínica, hospital, 14 França 273
arquivo ou museu
Diretor de revista/jornal 29 Gana 1
Empregado dos Correios e Telégrafos 4 Grécia 5
Empregado nas estradas de ferro 5 Haiti 1
Empresário da construção 2 Holanda 2
Engenheiro 11 Hungria 10
Ex-aluno de Escola Politécnica 7 Índia 2
Farmacêutico 2 Inglaterra 9
Geólogo 2 Irlanda 2
Dirigente ou membro de Loja Maçônica 3 Itália 38
Joalheiro 1 Japão 1
Jornalista 1 Madagascar 1
Juiz 4 México 14
Médico 27 Não informado 46
Membro de sociedade, associação ou 19 Noruega 2
federação sindical
Membro de Sociedade Positivista 15 Peru 1
Militar 6 Polônia 4
Ministro 20 Portugal 6
Não informado 17 Praga 2
Operário ou trabalhador 16 Prússia 1
Padre católico 1 România 1
Prefeito 20 Romênia 1
Presidente de República 5 Rússia 2
Presidente de Tribunal 3 Suécia 3
Procurador de República 5 Suíça 4
Professor 73 Tchecoslováquia 3
Professor de Direito 8 Tunísia 2
Professor de Economia-política 8
Professor de Filosofia 40
Professor de História 10
Professor de Letras 11
Professor de Medicina 41
Publicista 5
80
Senador 19
Tipógrafo 14
Veterinário 1
Reitor de Universidade 3
Fonte: La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. 1898 a 1901. Tome XVI a XXIV.
81
82
42
LEMOS, Miguel. Jornal do Commércio, 13.10.1898.
43
CONGREVE, Richard. A estátua de Augusto Comte. Rio de Janeiro: IPB, 1901. p. 12. Tradução de
Miguel Lemos. 1. edição em Londres, 1898.
83
repudiaria, além de estar repleto de não positivistas. A defesa a Laffitte e ao projeto foi
publicada na Revue no ano seguinte.44
Não se tem informação sobre a continuidade dessa contenda, mas em 1902 foi
inaugurado o monumento em Paris, em frente à Capela da Sorbone.45 Sua composição mostra
uma conciliação entre as duas representações de Comte: o religioso e o filósofo. O
monumento é composto por uma herma de Comte, ladeada à direita, no primeiro plano, pela
imagem de uma mulher com uma criança ao colo, simbolizando a Humanidade; à esquerda,
um jovem sentado com um livro à mão, representando os operários sob o impulso da cultura
universal estimulado pelo positivismo. As divisas Viver para outrem, Ordem e Progresso e
Família, Pátria e Humanidade, além da dedicatória a Auguste Comte, completam o conjunto.
Esta composição escultórica não difere da maioria dos monumentos na França, produzidos
nos oitocentos, analisados por Agulhon. Suas figuras estáticas, sóbrias e realistas dos
homenageados se contrastavam às imagens femininas diáfanas, em belas vestes esvoaçantes,
seguindo um modelo totalmente clássico.46
A imagem da Humanidade era a representação de Clotilde de Vaux, já pintada por
Étex anos antes. As referências ao monumento, feitas pelos membros da Sociedade, não
mencionavam a semelhança com a inspiradora de Comte, apenas a chamavam de
Humanidade. Mas Comte havia sentenciado que a imagem da Humanidade deveria ter a face
de Clotilde, algo a que os positivistas da Sociedade resistiam, mas que acabou predominando
no monumento.
Não se sabe se a figura de Clotilde integrou o monumento por pressão dos
positivistas religiosos, pois a proposta inicial dos franceses excluía totalmente Clotilde do
conjunto. A presença do operário estudante é uma clara alusão ao positivismo praticado pelo
próprio Comte e seus seguidores franceses na Associação Politécnica e depois na Sociedade
Positivista, na área educacional. Mas, mesmo com a figura de Clotilde, os positivistas
religiosos ingleses e brasileiros nunca aceitaram o monumento, pois havia sido erguido e
inaugurado pelos seguidores de Laffitte. No Boletim de julho de 1902, Miguel Lemos
noticiou a inauguração do mesmo.47 Teceu severa crítica ao projeto e seus promotores e não
44
ANTOINE, Emile. Anniversaire de la naissance d’Auguste Comte : La statue d’Auguste Comte et
Pierre Laffitte. La Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XVIII, n. 2, 1899. p.
191-215.
45
Em 1980, o espaço foi remodelado e o monumento foi deslocado para o noroeste da praça.
http://www.insecula.com/oeuvre
46
AGULHON, Maurice. Histoire... p. 112-113.
47
LEMOS, Miguel. A propos de la statue d’Auguste Comte. Bulletin de L’Apostolat Positiviste du
Brésil. Rio de Janeiro. n. 9f, jul. 1902, p. 25.
84
ao monumento, que ao fim era uma imagem de conciliação, como queriam. Mais ainda,
Clotilde estava no primeiro plano, com relação ao operário. Ainda assim os positivistas
ortodoxos ingleses e brasileiros não reconheceram tal imagem.
Não há dados nos artigos da Revue que revelem a forma de escolha do artista
Injalbert, tampouco as negociações quanto ao conteúdo da obra. Em 1900, apenas se anunciou
que o artista havia sido designado e que tomaria o busto feito por Étex como modelo. Os
detalhes decorativos do monumento dependiam da verba a ser levantada.
O que chama a atenção é que as alegorias do monumento, a Humanidade e o
operário em vestes clássicas, iam de encontro à crítica de Comte ao abuso na arte moderna de
figuras clássicas. O monumento foi bem aceito e elogiado por toda a Comissão promotora.
Um deles, Dr. Concalon, assim se referiu à obra. “Ela é bem viva e real, e não será confundida
com tantas personagens de convenção, filhos ou filhas do lugar comum alegórico, esta
mulher, esta jovem mãe personifica a Humanidade reconhecida. Vestida à antiga ela é
bastante moderna pelos traços e intensidade do sentimento que anima seu olhar.”48 Para outro
membro, Injalbert havia conseguido simbolizar de forma sóbria, delicada e completa as
principais concepções sociais de Comte.49 Restringindo-se assim aos efeitos sentimentais da
obra e à sua coerência de conteúdo, os positivistas aceitavam-na, mas não compreendiam que
ela reunia problemas inconciliáveis para a estética positiva: o realismo inexpressivo no busto
de Comte, com o idealismo clássico nas figuras da Humanidade e do operário. É provável que
apenas aqueles positivistas que pregavam a estética positiva tivessem condições de apontar a
incoerência do monumento frente à doutrina, mas não ousaram fazer qualquer manifestação.
O monumento de Comte em Montpellier, sua cidade natal, não teve envolvimento
dos positivistas. Também feito por Injalbert, foi inaugurado em 1911. O monumento foi
edificado em uma grande esplanada perto do liceu onde Comte estudou quando jovem, não
sem controvérsias na cidade. Desde 1871, os cidadãos de Montpellier discutiam se convinha
erguer um monumento em praça pública a um filósofo conhecido como um “anti Cristo
revolucionário.”50 No entanto, o monumento foi executado. Em 1885, a Revue Occidentale
noticiou a iniciativa do monumento em Montpellier, mas disse que os positivistas não tinham
nenhuma ligação com os membros do Cercle des Réplublicaines de Hérault, departamento
onde de situa Montpellier.
48
CANCALON. Inauguration du Monument d’Auguste Comte sur la Place de la Sorbone, à Paris. La
Revue Occidentale Philosophique Sociale et Politique. Tome XXVI, n. 4, 1902. p. 23.
49
CORA, Emile. La Cérimonie du matin – Place de la Sorbone. Discours. La Revue Occidentale
Philosophique Sociale et Politique. Tome XXVI, n. 4, 1902. p. 35.
50
O monumento de Comte em Montpellier. O Estado de São Paulo, 21.07.1911.
85
51
O monumento de Comte...
86
52
WITTKOWER, Rudolf. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 252.
53
Citado em: TUCKER, William. A linguagem da escultura. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. p. 9.
87
A partir de 1851, o artista Antoine Étex passou a se encontrar com Comte para
executar um busto e um quadro a óleo, e para discutir a filosofia positiva.54 Seu Cours
elementaire de dessin 55 foi lido por Comte e auxiliou as discussões. Comte recomendou este
livro na Biblioteca Positivista apenas na primeira edição do Catecismo Positivista, em 1852.
No ano seguinte, Étex tornou-se membro da Sociedade Positivista de Paris. A impressão
invertida da litografia do quadro Auguste Comte e seus três anjos, mesmo assim vendida por
Étex, contra o desejo de Comte, iniciou o abalo do relacionamento entre ambos; por
conseqüência, Étex abandonou a Sociedade e teve seu livro suprimido da Biblioteca, nas
edições seguintes do Catecismo.
É importante analisar o relacionamento de Comte com este artista. Étex era um
artista famoso e estabelecido no mundo das artes e da política artística francesa quando
conheceu Comte. Desde muito jovem transitava com habilidade no mundo artístico francês e
tinha protetores importantes, como Madame Récamier, o duque de Orléans, M. Thiers
(Ministro do Comércio e Trabalhos Públicos), Hyppolyte Carnot, Alexandres Dumas, Eugène
Delacroix. Estes relacionamentos lhe garantiram notoriedade como artista, sendo admitido no
disputado salão de Madame Récamier, além de lhe garantir boas encomendas, como as
alegorias do Arco do Triunfo de l’Étoile, em Paris, encomendadas ao artista em 1833 pelo
próprio Ministro Thiers, mesmo sob grandes protestos, pois Étex era um jovem artista saído
há apenas dez anos da Academia. Certamente Comte não ignorava essa capacidade do artista
de travar relações com pessoas importantes, de conseguir vantajosas encomendas e de ter
pretensões políticas, pois, após a Revolução de 1848, Étex se candidatou à Assembléia
Nacional, com apoio de outros protetores importantes como Ledru-Rollin, Cavaignac e
Lamartine, mas não foi eleito. O comportamento de Étex como artista exemplificava as
características criticadas por Comte.
A questão é: por que Comte quis se aproximar de Étex? Primeiro, porque Étex
representava para Comte o início da conversão dos artistas ao Renascimento Positivista, e o
fato de ele ser famoso contribuía no projeto de propaganda. Comte sentia-se otimista com
relação à adesão do artista. Segundo, para modificá-lo. Como o artista estava fazendo diversos
quadros e bustos do próprio Comte e de Clotilde, esse artista deveria ser exemplar, nos
54
As informações sobre o relacionamento de Étex com Comte foram retiradas de: Sept Lettres
d’Auguste Comte a Antoine Étex. Paris: L. Bahl, 1895. (Notas explicativas do editor Montenegro
Cordeiro).
55
ÉTEX, Antoine. Cours elementaire de dessin. Paris. s/ed. 1853.
88
princípios comtianos. Comte, ao agradecer pelo quadro de Clotilde lendo as cartas dele,
escreve ao artista: “Você está consolidado à imortalidade por uma obra que vos associa
nobremente à fundação da Religião da Humanidade.”56
Na visão comtiana, os artistas deveriam ser nobres de coração e abdicar de
enriquecer com seus trabalhos; não deveriam desejar cargos diretivos nem políticos, nem se
deixar envolver por disputas e ambições estéticas; não deveriam buscar satisfações pessoais,
glórias, nem honras. Sua obra para a posteridade não seria em forma de quadros nem de
esculturas ou bustos; seria pela sua ação útil à Humanidade, como exemplo moral. Esse
comportamento exemplar era o que transformaria simples trabalhos em obras de arte. O editor
das cartas de Comte a Étex, referidas anteriormente, explicou a crítica positivista ao artista:
“Ele nos deixou um catálogo imenso de trabalhos em pintura, escultura, arquitetura, etc., mas
ele não nos legou uma só obra de arte. Quem verá na imagem fria e sem vida, sem expressão,
que M. Étex nos deixou de Auguste Comte os traços do homem extraordinário... Seu busto
não é mais que um documento plástico para os artistas do futuro.”57
O nível de exigência por parte de Comte era muito alto, e o artista, por seu turno,
não conseguiu alcançá-lo. Tampouco aceitou a reprimenda de Comte à venda da litografia
invertida. As cartas mostram que o artista vacilava em assumir a fé positivista, abandonando
os encontros e retornando espontaneamente um ano mais tarde, até desligar-se
definitivamente do positivismo. As razões do artista não foram, pelo menos explicitamente,
artísticas, mas religiosas, pois anunciou que estava retornando à fé católica.
Fora essa tentativa de conversão de um artista francês ao positivismo, não se têm
informações de outras iniciativas. Para evidenciar se ocorreram, faz-se necessária uma
pesquisa nos papéis da Sociedade Positivista de Paris, depositados na Association
Internationale Maison d’Auguste Comte, em Paris. Ao que parece, Comte e seus seguidores
na Europa não tiveram êxito no renascimento artístico positivista, nem na conversão de
artistas,nem no surgimento de obras de arte inspiradas pelos preceitos de estética positivista.
No período estudado, a produção estatuária na França foi imensa e os seguidores de Comte a
incentivaram para conseguir erguer monumentos e bustos aos nomes ligados ao positivismo,
mas não obtivemos qualquer referência de que tenham encomendado ou orientado a criação
de uma obra positivista. No Brasil, foi diferente. É o que veremos a seguir.
56
SEPT Lettres... p. 13.
57
SEPT Lettres... p. 36.
89
positivista da IPB) reuniu seus trabalhos e os guardou até morrer em 1928. O testamenteiro
de Generino, Sílvio Vieira Souto, também positivista, encarregou-se de doar em 1933, com a
anuência da nora de Almeida Reis, o espólio ao Museu Nacional de Belas Artes, após o
restauro de Eduardo de Sá, que foi o escolhido por Generino, por ser o artista capaz de
realizar tal tarefa sem que se “perca o emotivo surto que evolutivamente inspirou os ditos
trabalhos.”2 Para Generino, somente um artista positivista poderia realizar o trabalho de
restauração nas obras de Almeida Reis. Esse esforço de Generino em ligar o nome de
Almeida Reis ao positivismo também se revelou em sua obra póstuma, cujo sétimo volume
tem por tema Almeida Reis e suas obras, além de citar os trabalhos dos artistas positivistas
Eduardo de Sá e Décio Villares.3 A aproximação de Almeida Reis com o positivismo foi
muito tênue, mas percebe-se um esforço dos positivistas da IPB, ao construir seu túmulo, ao
se responsabilizar por seu espólio, ao escrever sua biografia, em associar o nome do artista ao
grêmio religioso.
Os textos de Gonzaga Duque, com destaque para o livro A Arte Brasileira, cuja
primeira edição saiu em 1888, portanto com o artista vivo ainda, apresentam Almeida Reis
como positivista. Almeida Reis venerava Auguste Comte e assumira um positivismo prático e
moralizador que o tornou “o mais bondoso, o mais modesto, o mais simples dos homens.”4
No aspecto artístico, o escultor guiava-se pelo método científico comtiano, o que tornava suas
obras adiantadas e perfeitas, segundo Gonzaga Duque. Era assim, no aspecto moral e
científico, e não estético e religioso, que Almeida Reis era reconhecido como positivista.
Assim como Villares, Almeida Reis também teve um personagem no livro Mocidade Morta –
Cesário Rios. A visita dos jovens artistas ao atelier de Cesário demonstrou que era muito
respeitado e admirado pelo grupo. O busto de Comte, que, posicionado no alto da parede
dominava seu atelier, além da inscrição positivista escrita a giz “Amor por princípio, Ordem
por base, Progresso por fim”, a encimá-lo não deixou de ser notado pelos visitantes.5
O artista Aurélio de Figueiredo também “flertava” com o positivismo, mas nunca
declarou publicamente essa tendência. As ligações de Aurélio de Figueiredo e de seu irmão
Pedro Américo com Villares eram antigas: desde a publicação da revista de caricaturas
Comédia Social, publicada pelos irmãos, a partir de 1870, na qual Villares colaborou como
2
Carta de Eduardo de Sá a Silvio Vieira Souto, inventariante e testamenteiro dativo do espólio de
Generino dos Santos. Rio de Janeiro. 28.09.1933. Museu D. João VI/EBA/UFRJ.
3
SANTOS, Generino dos. Humaniadas; o mundo, a humanidade, o homem... 7. v., Livro 11 – O
estatuário brasileiro C. C. Almeida Reis. Rio de Janeiro: J. Comércio Rodrigues e Cia, 1939. Alguns
trabalhos de Aurélio de Figueiredo também ilustram o livro.
4
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira. Campinas: Mercado de Letras, 1995. p. 243.
5
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1995. p. 96.
91
inverso.8
8
CORDEIRO, Montenegro. As Catedrais. Rio de Janeiro: Garnier Frères, 1920. p. 27-30.
9
CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro:
Pinakotheke, 1983. p. 11-12; RUBENS, Carlos. Décio Villares. Boletim de Belas Artes. n. 33, set.
1947. p. 281-282; RUBENS, Carlos. Pequena História das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro:
Cia. Editora Nacional, 1941. p. 96-100; LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. 3. vol. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1963. p. 864-866; BRAGA, Theodoro. Artistas pintores no Brasil. São
Paulo: Limitada, 1942. p. 79-80; REIS Jr., José Maria dos. História da pintura no Brasil. São Paulo:
Leia, s/d.
93
memória como fonte de informações. Percebe-se que a opção positivista do artista, não
somente no plano religioso, mas também no político e estético, determinou o julgamento que
os críticos e historiadores da arte fizeram de seu trabalho.
A coleta das informações sobre a vida privada de Villares e sobre suas obras e
quaisquer textos que tenha produzido foi dificultada porque não existe um acervo do artista,
como o de Rodolpho e Henrique Bernardelli e de Eliseu Visconti, no MNBA, o arquivo de
Antonio Parreiras, no Museu Parreiras, em Niterói. Villares morreu em 1931, e neste mesmo
ano sua viúva incendiou seu atelier, exceto suas principais telas. Esse episódio e o
relacionamento com a esposa serão abordados adiante. A falta de um material escrito pelo
próprio artista dificultou o acesso às suas idéias. Tal carência de documentação na primeira
pessoa foi suprida pelas informações de seus contemporâneos.
Longe de desejar fazer uma biografia estrita de Villares, o objetivo aqui é analisar
alguns aspectos de sua vida que ajudam a compreendê-lo como artista, principalmente como
artista positivista.
Bonito, elegante, culto e rico eram algumas das qualidades apontadas por esses
biógrafos, historiadores da arte e alguns contemporâneos de Villares. Quando nasceu em
1851, seu pai José Rodrigues Villares já havia sido vereador da Câmara Municipal de Nova
Iguaçu. Tinha também tios ligados a postos políticos importantes do Império; um deles havia
sido Deputado e depois Ministro do Supremo Tribunal de Justiça. Tais parentescos
garantiram-lhe a entrada no Colégio Pedro II e depois na Academia Imperial de Belas Artes.
Morales de los Rios Filho analisou a origem social dos alunos da Academia
Imperial concluindo que, em sua maioria, provinham de classes menos abastadas. O curso na
Academia concedia um diploma de nível secundário, pouco atraente para rapazes de famílias
ricas que visavam aos cursos nobres de medicina, direito, engenharia e aos militares.10
Villares fugia um pouco ao perfil socioeconômico dos alunos da Academia, visto que com 17
anos, idade com que se matriculou, já havia provavelmente terminado o curso secundário no
Colégio Pedro II.
10
DENIS, Rafael Cardoso. A Academia Imperial de Belas Artes e o ensino técnico. Anais do
Seminário EBA 180. Rio de Janeiro: UFRJ, 1998. p. 191.
94
Décio Villares
Duque.11 Tal justaposição de nomes nos fornece maior segurança na utilização do romance,
mesmo que os personagens pareçam ser às vezes caricaturais. Villares foi contemplado em
Mocidade Morta com um personagem assim descrito por Gonzaga Duque: “Julião Vilela, um
belo tipo de artista de romance, com a sua negra barba de nazareno num rosto pálido, de olhos
árabes.”12
A única aparição de Julião Vilela no romance ocorre quando este vai à casa de
Agrário, personagem de Belmiro de Almeida,13 para lamentar-se com o amigo de que suas
obras haviam sido recusadas para compra, pela Academia. O que surpreende Agrário era que
justamente Julião Vilela, que menos precisava vender quadros à Academia, se colocava a
fazer lamúrias. Gonzaga Duque mostra, no sentimento de inveja e falas de Agrário, que Julião
Vilela não era pobre, era figura refinada e tinha um padrinho riquíssimo – banqueiro.
Villares matriculou-se na Academia em 1868 e não terminou seus estudos de arte
no Brasil. Não se tem dados de porque abandonou a escola, mas ele acompanhou a tendência
da época de grande evasão nos cursos da Academia.14 Ao final de 1871 o pai de Villares
enviou uma carta ao Diretor da Academia justificando as muitas faltas de seu filho.15
Argumenta que ele tinha dores de cabeça devido ao cheiro das tintas e que morava em
Botafogo, local cuja linha de bonde estava interrompida. Tal carta já é um indício de que o
aluno-artista estava prestes a deixar a Academia, o que ocorreu ao final deste ano.
A documentação da Academia Imperial de Belas Artes, hoje depositada no Museu
Dom João VI, na UFRJ, nada revela de Villares estudante de arte. Ele não participou das
Exposições Gerais de 1871, quando ainda era aluno, e tampouco concorreu ao Prêmio Viagem
para aperfeiçoar os estudos de arte na Europa. Portanto, não há avaliações dos trabalhos de
Villares neste período. Normalmente, os estudos na Academia se davam durante três anos; ao
final de cada semestre, os alunos deveriam expor seus trabalhos, que seriam avaliados e
premiados; depois, o aluno expunha nas Exposições Gerais e concorria à bolsa-viagem.
Alguns artistas participavam dos Salões desde o início do curso; Rodolpho Bernardelli, por
11
EULÁLIO, Alexandre. Estrutura narrativa de Mocidade Morta. In: GONZAGA DUQUE. Mocidade
Morta... p. 289-290.
12
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 46.
13
Aluno da Academia Imperial a partir de 1874, várias vezes premiado, mas nunca ganhou o prêmio-
viagem. Em função disto, e por sua origem humilde, ganhou apoio financeiro de amigos e professores
para estagiar na Europa.
14
FERNANDES, Cybele V. N. A Reforma Pedreira na AIBA e a sua relação com o panorama
internacional do ensino nas academias de arte. Anais do Seminário EBA 180. Rio de Janeiro: UFRJ,
1998. p. 155.
15
Carta de Francisco Rodrigues Villares ao Diretor da IABA. Rio de Janeiro. 30.09.1871. Museu D.
João VI/EBA/UFRJ.
96
exemplo, tornou-se aluno da Academia em 1869 e expôs no Salão de 1870, mas normalmente
os alunos participavam ao final do curso visando concorrer ao prêmio viagem. Chama a
atenção que Villares não expôs nesse período, mesmo tendo ficado pelo menos quatro anos
matriculado no curso.
Isso reforça o argumento de que Villares pouco se dedicou, ou melhor, se
envolveu, como aluno da Academia de Belas Artes; uma passagem de Mocidade Morta em
que Agrário reflete sobre Julião Villela: um artista “ileso do contágio d’Academia”16, viajado,
independente, que se fez na Europa. Essa idéia a respeito da formação artística de Villares
também foi expressa pelo escritor em 1882, na primeira crítica às obras do artista, publicada
originalmente em O Globo. Diz Gonzaga-Duque:
Villares ficou nove anos no estrangeiro. Em 1872, foi para Paris e matriculou-se
no atelier de Alexandre Cabanel, artista francês dos mais influentes na pintura acadêmica e
opositor dos impressionistas. Além de ser artista com grande poder político no mundo das
artes francês, Cabanel era o preferido de Napoleão III. Ele participou da reforma dos estatutos
da Escola de Belas Artes de Paris e foi várias vezes premiado com a grande medalha de Honra
do Salão de Paris, além de fazer parte por muitos anos de seu júri. Segundo seus biógrafos,
Cabanel foi também um professor de muito sucesso, cujos pupilos ganhavam o Prêmio de
Roma e eram premiados no Salão de Paris.18
Nada se sabe da passagem de Villares pelo atelier de Cabanel, apenas que
seguindo a tradição dos alunos do artista francês também foi premiado no Salão de Paris de
1874, ganhando a medalha de ouro de melhor pintura de artista estrangeiro, com o quadro
Paolo e Francesca da Rimini.
Pesquisas nos jornais brasileiros de maio e meses seguintes de 1874 nada revelam
sobre o acontecimento, ainda que não fosse corriqueiro artistas do Brasil ganharem tal prêmio
e serem elogiados pelo temido crítico de arte Eugène Verón. Os textos sobre a biografia de
16
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 47.
17
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas (O Globo, 15.09.1882). In: Impressões de um amador. Belo
Horizonte; Rio de Janeiro: Ed. UFMG; Fundação Casa de Rui Barbosa, 2001. p. 52.
18
Paris Gide: Art – Smartweb. The Grove Dictionary of Art. 05.09.2001. http://www.smartweb.fr
97
Villares, na quase totalidade, citam o prêmio do Salão parisiense, mas não acrescentam
maiores detalhes. Artigo de jornal, não assinado, saído na data da morte de Villares, em 1931,
informa, mas não explica muito bem, um incidente envolvendo a inscrição do artista neste
Salão. Segundo o artigo, o júri havia assumido uma atitude estranha e inesperada rejeitando o
primeiro quadro que o artista tentara inscrever, argumentando que a obra não satisfazia as
exigências regulamentares. O jornal insinua que parecia que tentavam afastá-lo da exposição.
Ainda com dez dias de prazo para a inscrição, Villares inscreveu-se com o quadro Paolo e
Francesca da Rimini, que acabou levando a medalha de ouro para artista estrangeiro.19
Foram consultados os Catálogos do Salão de Paris da década de 1870, com
atenção ao Salão de 1874, mas estranhamente Villares e seu quadro vencedor não são
arrolados.20 Sem a pesquisa nos jornais franceses não é possível saber o que ocorreu, apenas
se pode especular alguma tentativa de vetar mais um aluno, possível premiado, de Cabanel. O
artista francês Edouard Théophile Blanchard, também aluno de Cabanel, ganhou a medalha de
ouro em pintura naquele mesmo Salão de 1874. Ainda sobre a estada na França, mais um
evento é recorrentemente referido nos escritos sobre o artista: Villares venceu o concurso para
professor na Escola de Belas Artes de Paris. Nenhum dos autores informa qual foi o ano do
concurso, mas todos destacam que Villares não assumiu por não querer naturalizar-se francês.
Não há informações sobre quanto tempo Villares freqüentou o atelier de Cabanel,
mas os biógrafos afirmam que também freqüentou o atelier de Pedro Américo, em Florença,
quando este pintava a grande tela A Batalha do Avahy. O quadro foi executado entre os anos
de 1872 e 1875, e Pedro Américo aceitava a colaboração de outros artistas para pintá-lo.
Villares foi um deles e também pousou de modelo para um dos muitos rostos a compor a cena
de batalha. Pedro Américo havia sido professor da Academia Imperial no mesmo período em
que Villares fora aluno, ministrando as disciplinas de Pintura histórica e História das belas
artes, estética e arqueologia. Viu-se que os laços de amizade e colaboração artística de
Villares com o artista da Batalha, e com seu irmão Aurélio de Figueiredo, era antigo. Uma
carta enviada de Florença a Rodolpho Bernardelli indica que Villares estava ou ainda
permanecia na Itália em 1878.21 Mas não se têm informações se ficou todos esses anos
colaborando com Pedro Américo ou se regressou a Paris e continuou a freqüentar o atelier de
Cabanel.
Villares retornou ao Brasil em 1881 e, no ano seguinte, começou a participar de
19
Décio Villares – a morte do illustre artista. 1941. Recortes de jornais, Livro 07. p. 01. CPPA. (Sem
título do jornal).
20
Tal pesquisa foi feita no site da Bibliothèque Nationale de France.
21
Carta de Décio Rodrigues Villares a Rodolpho Bernardelli. Florença. 23.01.1878. MNBA.
98
exposições que, pela primeira vez, mostravam seu trabalho. Datam desta época os primeiros
textos dos críticos Gonzaga Duque e Felix Ferreira acerca de suas telas pintadas no
estrangeiro. Não tendo exposto nos Salões da Academia Imperial quando aluno, seu trabalho
era desconhecido do público brasileiro. A partir desse ano expôs em galerias privadas, como a
Casa Moncada e o Salão Vieitas, e nos Salões do Liceu de Artes e Ofícios.
Gonzaga Duque e Felix Ferreira estavam de acordo que Villares era um artista
feito quando regressou ao Brasil. O segundo crítico foi econômico ao comentar as obras do
artista no Salão do Liceu de 1882, no qual Villares primeiro expôs seus trabalhos. Para ele,
era um artista seguro, com nobres aspirações, que fazia uma obra de mestre e que muito
impressionava.22 Já a crítica de Gonzaga Duque às obras de Villares ao longo da década de
1880 era mais contundente: o crítico não gostava do apego de Villares ao dogma acadêmico
francês, velharia de épocas remotas.23 Para ele, o artista deveria estar mais atualizado nos
processos estéticos de sua época, embora admitisse que Villares, fora esses “defeitos
capitais”, era um pintor muito bom.
O seu desenho é fácil e elegante, as suas tintas são de um brilho claro e puro,
reunindo-lhes uma graciosa e segura maneira de dar a pincelada que distingue
suas obras das de outros artistas contemporâneos. A linha curva de um busto de
senhora, a cabeça altiva de uma aristocrata, as roupagens custosas, veludos e sedas
e pedrarias finas, são, em suas telas, pedaços admiráveis, magníficas, esplêndidas
partes de um todo bonito, porém quase sempre fraco.24
22
FERREIRA, Felix. Belas Artes: estudos e apreciações. Texto de publicação digital. ® Artedata,
1998. s/paginação. Agradeço a gentileza de Maraliz de Castro Vieira Christo pela cedência deste texto
de difícil acesso.
23
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas. O Globo, 15.09.1882. In: Impressões... p. 52.
24
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira... p. 189.
25
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas. O Globo, 04.11.1882. In: Impressões... p. 60-61.
99
também já era um estacionário, como seu mestre francês. O artista havia se deixado seduzir, e
atrofiar, segundo o crítico, pela arte chic à maneira de alguns pintores franceses do século
dezoito; e essa falta de originalidade artística era imperdoável, justamente por Villares ter tido
acesso à moderna arte européia, ter conhecido todos os processos artísticos e as novas
doutrinas. Conclui o crítico: compreende-se isso em um velho artista, mas não em um moço
que agora começa a carreira, sobretudo um moço viajado.26
Nesta década de 1880, Villares expunha quadros com temas bíblicos, como Fuga
para o Egito, uma cópia de Cristo de Prudhon, uma série de quadros de São Jerônimo, a tela
premiada em Paris Paolo e Francesca da Rimini, e também estava se fixando como retratista
de mulheres, sobretudo. A essa última especialidade de Villares, Gonzaga Duque dirigia
crítica implacável: “Seus quadros são visões sutis durante um sonho de embriaguez de ópio.
Pobres criaturas!”27
Villares estava se especializando nessas pinturas de retratos femininos e tendo um
certo sucesso com as encomendas. As informações sobre essas obras são também
provenientes dos textos de Gonzaga Duque. Mocidade Morta possui uma passagem que
caracteriza o tipo de arte que o artista produzia neste momento: Villares empregava “em
móveis raros, estofos caros, bibelôs encantadores o bem cotado preço dos seus magníficos
quadros.”28 Em outro texto, mostra a temática desta fase do artista: retratos de senhoras,
imagens altivas de aristocratas com “roupagens custosas, veludos e sedas e pedrarias finas.”29
Para Maria Barreto, curadora da exposição em homenagem ao centenário de Villares montada
no Museu Nacional de Belas Artes em 1953, a finura, imponência e ar de distinção
característicos nas pinturas do artista não eram apenas uma opção fútil pela beleza, como
entendeu Gonzaga Duque, mas refletem a sua própria sensibilidade requintada. Finaliza: “A
natureza também o contemplou com bela estampa física completada por uma distinção de
maneiras, inata, revelando-lhe a qualidade do seu berço. Vale-nos ressaltar, que todos os seus
retratos, lá está patente, essa afinidade.”30
Gonzaga Duque sentia-se inconformado com o encaminhamento frívolo que
Villares estava dando à sua obra, somado a um arcaico idealismo. Para o crítico, ele era um
“belo talento corrompido”, cujo temperamento indomável e apaixonado fazia do artista um
26
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira... p. 188-189.
27
GONZAGA DUQUE. Belas-Artes, Salão Vieitas. A Semana, 13.03.1886. In: Impressões... p. 95.
28
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 47.
29
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira... p. 189.
30
BARRETO, Maria. Décio Rodrigues Villares - a comemorativa do centenário de seu nascimento.
Anais do Museu Nacional de Belas Artes. 1954. p. 87.
100
teimoso. Vários biógrafos ressaltam que Villares tinha um incontido sentido poético, o que
para Gonzaga Duque era um “impulso indomável de temperamento.”31 O caráter apaixonado
do artista atirava-o a profundas idealizações porque acreditava que a arte idealista era a única
capaz de gerar emoções. Para Gonzaga Duque, Villares negava-se a produzir arte
“atualizada”, por acreditá-la, assim, estéril às emoções, e também por seguir as noções
estéticas aprendidas com Cabanel e Pedro Américo, ambos clássicos demais para aqueles
tempos modernos, na ótica do crítico.32
A intolerância de Gonzaga Duque à obra de Villares reflete sua visão de arte
moderna no final dos oitocentos. Como explica Jorge Coli, Gonzaga Duque assumiu,
precocemente até para aquela realidade brasileira, a posição de quem advogava “a pintura do
futuro, aquela que vingará.”33 Como crítico, ele se posicionou a favor de novas linguagens
estéticas, estas longe de serem as desenvolvidas por Villares. Mas eram as de Almeida Júnior
e Rodolpho Amoedo, por exemplo, ambos também alunos de Cabanel, que para o crítico
tiveram o mérito de caminharem para uma arte contrária à do mestre francês, diferentemente
de Villares, que insistia em segui-lo.34
Entre 1882 e 1888, Gonzaga Duque publicou nos jornais seis críticas a respeito de
obras de Villares.35 Destas, apenas na última crítica, feita em maio de 1888, ele demonstrou
simpatias pelo artista e elogiou a iniciativa de Villares de pintar um quadro sobre a abolição
da escravatura no Brasil. Neste momento, o crítico suspendeu suas impressões sobre o
trabalho plástico do artista e concentrou-se na intenção política da obra. As condições para a
fatura do quadro serão abordadas no próximo capítulo. Neste momento, é importante apenas
destacar que, desde o lançamento da idéia do quadro ― um esboço exposto ainda no mês de
maio na Glace Elegante ―, Villares mostrava-se publicamente cada vez mais próximo dos
membros do Clube Positivista. Data desta época o folheto publicado pelo Clube apoiando a
obra, explicando o esboço e divulgando que estavam recolhendo a subscrição para o artista.
Para Gonzaga Duque, tal ligação do artista com o Clube Positivista não era relevante. Para
Gonzaga Duque, também militante do Partido Abolicionista, a intenção política do quadro
31
GONZAGA DUQUE. A arte brasileira... p. 188.
32
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas. O Globo, 15.09.1882. In: Impressõe... p. 52-53.
33
COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do século XIX. In: O Brasil Redescoberto. Rio de
Janeiro: Minc/IPHAN; Paço Imperial, 1999. p. 129.
34
GONZAGA DUQUE. Quadros e telas – Almeida Júnior e Rodolpho Amoedo. O Globo,
04.11.1882; Quadros e telas – Almeida Júnior e Rodolpho Amoedo – II – Conclusão. O Globo,
16.11.1882. In: Impressões... p. 61-72.
35
Aqui estamos levando em conta o levantamento extenso feito nos jornais do Rio de Janeiro para o
livro-coletânea Impressões de um Amador.
101
Villares tomou contato com a doutrina positivista quando estudava arte em Paris.
Lá conheceu o positivista brasileiro Miguel Lemos que estava na cidade entre 1878 e 1881 e
que por lá também se convertera ao positivismo religioso difundido por Pierre Laffitte.
Quando voltou ao Brasil em 1881, o artista reencontrou Teixeira Mendes, antigo colega do
Colégio Pedro II, reafirmando os laços com ambos os líderes da Igreja. Se Villares já se
considerava um positivista quando retornou ao Brasil, isto não fica evidente em sua obra e em
seu posicionamento político antes de 1888.
Somente a partir da exposição do quadro sobre a abolição da escravidão, que
segundo Villares diz ter recorrido ao Centro Positivista, pois lhe faltavam “luzes” para
elaborar a síntese da tela36, é que o artista assumiu de forma pública sua ligação com o Clube
e Igreja Positivistas e que passou a imprimir à sua obra os conceitos da estética comtiana.
Nota-se no texto de divulgação do esboço do quadro, conquanto não houvesse uma tentativa
de conceituação de estética, que Villares já estava seguindo o processo estético positivista
composto por imitação, idealização e expressão, no qual o artista concebe a idéia da obra, os
“filósofos” aperfeiçoam-na, e o artista novamente atua executando o quadro, pois, nesse
trabalho conjunto, apenas ele tem as habilidades técnicas para isso. Neste folheto, Villares
expressa claramente que seu quadro seguiria a doutrina inspiradora do mestre (Augusto
Comte).37
A proposição deste quadro foi a primeira demonstração pública do artista de que
recebia orientação doutrinária de Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Isto ocorreu em maio de
1888. É possível que o artista tenha manifestado sua adesão ao positivismo antes disso, mas
viu-se que a arte chic que produziu antes desta década era incompatível com a filosofia que
assumira. Se olharmos o inventário dos trabalhos do artista (página ???), disposto
cronologicamente, ver-se-á que o ano de 1888 é divisório em sua obra. A partir desse ano,
passou cada vez mais a produzir trabalhos com temática política, inclusive aperfeiçoando-se
na escultura, o que o tornaria um artista positivista mais completo. A admissão pública do
positivismo por parte de Villares coincidiu com a chegada da República ao Brasil e a
36
VILLARES, Décio. Discurso pronunciado pelo pintor Décio Villares ao inaugurar os trabalhos de
seu quadro commemorativo no dia 13 de maio de 1889. Rio de Janeiro: Typ. Central, 1889. p. 5-6.
Inventário Benjamin Constant/MCBC.
37
VILLARES, Décio. Discurso... p. 7.
102
38
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio de Castilhos. Porto
Alegre: Edição do Governo do Estado, 1922. p. 14-15. ( 1. ed. 1913).
39
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 15.
103
Chaves Pinheiro, professor de escultura da IABA, Cândido Caetano de Almeida Reis, que
como vimos também colaborou com a IPB, e Rodolpho Bernardelli. Villares não era nesse
momento considerado escultor. Seu inventário na página ??? mostra que seus primeiros
trabalhos em escultura, bustos principalmente, foram realizados somente na década de 1890,
quando já estava plenamente estabelecido como artista da IPB.
Por meio do texto descritivo do monumento a Castilhos, referido anteriormente,
podem-se recuperar algumas idéias de Villares e compreender como se refletiram em seu
trabalho. O primeiro aspecto é com relação ao idealismo estético de Villares, criticado por
Gonzaga Duque como arcaico e escravizante. Como foi visto, no positivismo a arte válida era
aquela que tinha capacidade de mobilizar os sentimentos e de emocionar. Talvez esse apego
de Villares à arte voltada às emoções, mais do que ao realismo, tenha-lhe sido o aspecto mais
atraente da proposta estética comtiana, embora não se tenham dados a respeito da conversão
filosófica do artista. Para o positivismo, tal característica da arte não era tão distante do
idealismo clássico que Villares aperfeiçoara em sua formação artística sob orientação de
Cabanel e de Pedro Américo. O idealismo clássico acadêmico desenvolvido em sua formação
artística foi assim ratificado no contato com as idéias estéticas comtianas de idealização e
sentimento.
A habilidade retratista de Villares pôde ser sancionada pelos princípios estéticos
comtianos, na medida em que estes tinham a figura humana como centro. Como observou
Maria Barreto, Villares era um humanista, e paisagens sem figura humana não tinham valor
para ele.40 A ausência de natureza-morta e paisagens em sua obra atesta essa característica.41
Se inicialmente Villares pintava os retratos de mulheres, ainda que a arte chique, como
observou Gonzaga Duque, estes já eram a expressão de seu interesse pela figura humana. Mas
não diferente de seus colegas pintores, Villares também se dedicou a esse gênero de pintura
por ser o mais vantajoso no que se refere às encomendas, embora o comércio de obras de arte
fosse visto como destruidor da pureza artística, o que o próprio Villares criticaria mais tarde
como o materialismo da arte.
A partir do final da década de 1880, essa habilidade técnica de Villares serviria
plenamente aos postulados positivistas para a produção de uma arte que visava à mobilização
de sentimentos cívicos para com heróis nacionais cuja personalidade e caráter deveriam ter
também expressividade plástica. Saber pintar retratos e esculpir bustos, não mais de mulheres
40
BARRETO, Maria. Décio Rodrigues Villares - a comemorativa... p. 92.
41
Conhece-se apenas uma paisagem assinada por Villares, feita em conjunto com o paisagista Antonio
Parreiras, que decora uma das salas do Museu da República, no Rio de Janeiro.
104
requintadas, mas de heróis republicanos, eram habilidades vantajosas para Villares, mesmo o
artista perdendo status em seu meio à medida que se aproximava e se apropriava do
positivismo e se dedicava à produção de uma arte cívica republicana. Ver-se-á no próximo
capítulo que foi muito mais por sua militância e adesão positivista, no plano político e
pessoal, do que por seu status e qualidade como pintor e escultor, que Villares perdeu terreno
no campo artístico.
No plano pessoal, a ligação de Villares com a Igreja Positivista não era formal.
Embora freqüentasse o Templo da Humanidade e quisesse casar segundo os ritos positivistas,
Villares jamais foi seu adepto oficial, pois não fez o Sacramento Positivista da Apresentação.
Ou seja, nunca foi um positivista seguidor da Religião da Humanidade pregada pela Igreja
Positivista do Brasil, o que implicava uma série de comprometimentos na vida pessoal e
profissional que Villares se sentia despreparado para atender. Mas ele considerava que esta
era a sua religião. Tal declaração de fé ficou expressa em uma carta dirigida a Miguel Lemos,
em novembro de 1901, por ocasião de seu casamento com Maria Dolores de Souza Martins.
Villares queria realizar o que os positivistas chamavam de casamento misto:
ambos os noivos, se de religião distinta, receberiam os dois diferentes ritos religiosos, o
católico e o positivista. Mas somente o primeiro acabou ocorrendo, porque Villares não se
sentia “incorporado sistematicamente” ao grêmio religioso positivista devido a obstáculos não
revelados.42 Não podendo então casar segundo a sua religião, ele e Maria Dolores apenas
declararam à Igreja Positivista o compromisso conjugal de viuvez eterna, o fundamento
básico do casamento positivista. Villares também se comprometeu com a Igreja Católica,
declarando que jamais impediria que sua esposa praticasse a religião que desejasse; e que os
filhos poderiam ser batizados e educados na religião da mãe.43
Os positivistas religiosos não aceitavam nenhuma forma de dissolução conjugal,
nem mesmo depois da morte. O compromisso de viuvez eterna assegurava que os cônjuges
não casariam novamente quando viúvos.44 Tal nível de comprometimento com a
42
Carta de Décio Villares a Miguel Lemos. 30/11/1901. Boletim do Apostolado Positivista do Brasil.
n. 27P, 07 janeiro de 1902. p. 11-12.
43
Carta de Décio Villares ao Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Joaquim Arcoverde. 09/03/1904.
Boletim do Apostolado Positivista do Brasil. n. 32P, 16 julho de 1904. p. 23-24.
44
Sobre o casamento positivista e o compromisso da viuvez eterna ver: LEAL, Elisabete. O
Positivismo...
105
indissolubilidade do casamento marcou a vida pessoal de Villares, pois seu casamento não foi
tranqüilo, mas tampouco desfeito. Longe de apenas um interesse curioso a respeito da vida
conjugal do artista, esse aspecto de sua biografia revela a forma como o positivismo
conformou sua vida.
Primeiro, porque a convivência entre o casal era difícil: a esposa, viciada em
morfina, colocara fogo no apartamento e fora presa pela polícia e enviada a um sanatório;
Villares, ausente por prolongado tempo em viagem a trabalho, mandara mantê-la no
sanatório; e esta, por sua vez , após um ano de internação, o acusou de crueldade psicológica,
abandono e roubo de herança familiar. A despeito deste quadro doméstico, e por conta do
compromisso positivista assumido, a união jamais foi desfeita.
Segundo, porque essa situação conjugal do artista angariou muita solidariedade
por parte de membros da Igreja Positivista. A correspondência de Teixeira Mendes revela, por
exemplo, que se tornou confidente e amigo de Maria Dolores, tentando inclusive gerenciar os
conflitos do casal. Maria Dolores enviou, entre os anos de 1911 e 1912, durante de sua
internação, nove cartas, um telegrama e um bilhete a Teixeira Mendes, que lhe respondia
imediatamente, conforme anotado em toda a missiva. Nas cartas, ela solicitava informações
sobre o esposo em viagem, que, segundo ela, não dava notícias; pedia alguma ajuda
financeira; explicava a situação do vício em morfina; prometia curar-se; entre esses variados
assuntos, pedia que Teixeira Mendes intercedesse junto a Villares para que desse mais
atenção à família.
Outros positivistas da Igreja deram apoio financeiro e doméstico à família Villares
quando o artista estava em viagens; Ernesto de Otero, por exemplo, pagou a conta do hospital
em que Maria Dolores fora internada.45 A defesa da privacidade familiar do artista também foi
exigida por parte do grêmio religioso quando a imprensa noticiou o incêndio e a internação de
Maria Dolores.46 Embora o artista não tivesse feito os sacramentos de entrada na Religião da
Humanidade, estas relações de amizade faziam com que o positivismo estivesse
profundamente enraizado em sua vida pessoal, assegurando a manutenção de seu casamento e
as condições cotidianas para trabalhar como artista. A ligação de Villares com os membros da
IPB lhe garantiu a indicação para sua principal encomenda: o monumento a Castilhos. Esta
45
MENDES, Teixeira. Pelo escrupulozo respeito a reputação privada, - pessoal e doméstica, -
intimamente ligado à regeneração social. A propózito da iníqua difamação jornalística de que acaba de
ser vítima a Família Décio Villares, com a deplorável conivência de autoridades policiais, tanto
judiciais como médicas. Rio de Janeiro: Igreja Positivista do Brasil, 1913.
46
Carta de F. Simões Corrêa, diretor da Casa de Saúde São Sebastião à Redação. Jornal do
Commércio, Rio de Janeiro, 23.01.1913. p. 3.
106
rede de positivistas religiosos à qual Villares era ligado se estendia ao Rio Grande do Sul.
Essas poderiam ser palavras de Eduardo de Sá. Ele tinha cerca de 20 anos quando
começou a coletar os papéis que comporiam o arquivo de sua vida, depositado na sede da
Igreja Positivista após sua morte. Trata-se de material que reúne descrição de obras de arte,
estudos, desenhos, croquis, fotos de maquetes, monumentos e quadros, correspondência,
cadernos com recortes de jornais, contratos de obras, convites e catálogos de exposições e um
caderno de lembranças da infância.
47
ARTIÈRES, Philippe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos – Arquivos Pessoais. Rio de
Janeiro, vol.11, n. 21, 1998. p. 9.
107
concorreu, e a classificação. O quadro abaixo mostra, assim, seu perfil como aluno.48
O documento emitido pela AIBA informava ainda que Sá havia sido aprovado em
todas as disciplinas. Tal histórico escolar do artista nos mostra que se dedicava ao estudo de
Pintura Histórica e Modelo-vivo, concorrendo aos prêmios nestas categorias, e que nunca
freqüentou aulas de escultura.50 Até 1887, Sá havia sido aluno de Pintura-histórica de Victor
Meirelles e, a partir deste ano, de João Zeferino da Costa. A cada final de semestre, os alunos
expunham seus trabalhos e eram premiados. Sá seguia esse caminho.
Em 1884, participou da 26a. Exposição Geral de Belas Artes apresentando um
quadro de frutas, recebendo menção honrosa.51 Esta foi a última exposição do segundo
Reinado e decisiva nas manifestações de descontentamento de professores e alunos que
sacudiram o mundo das artes brasileiro no final dos oitocentos, como será visto no próximo
capítulo. A presença de Sá nesse meio, como aluno descontente e mobilizado da AIBA, é
perceptível. Com a suspensão das exposições nos anos seguintes, os alunos da Academia
resolveram montar uma exposição própria, organizada por uma comissão de alunos; na
48
Certidão da AIBA a Eduardo de Sá. Rio de Janeiro. Março de 1888. IPB/ES.
49
As premiações a cada final de semestre eram: Grande e Pequena Medalha de Ouro, Medalha de
Prata e Menção Honrosa. FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O ensino de pintura e escultura na
AIBA. 185 Anos da Escola de Belas Artes. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. p. 34.
50
Sobre as diferentes estruturas curriculares da AIBA ver: FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O
ensino... p. 34-36.
51
MELLO JÚNIOR, Donato. As Exposições Gerais na Academia de Belas Artes no Segundo
Reinado. Revista do IHGB. Anais do Congresso de História do Segundo Reinado. 1. v. 1984. p. 332.
108
imprensa foi tratada como Exposição Livre. Tal iniciativa dos alunos pareceu à imprensa um
ato de rebeldia quanto à estética: “Estas exposições, em todas as cidades do mundo, tem dado
magníficos resultados. Nellas, muitas vezes, despontão verdadeiras individualidades artísticas
que, até então, apenas vegetavão, atrophiadas pelas severas regras clássicas das academias.”52
Gonzaga Duque, apoiador do evento, contribuiu decisivamente para o acirramento dos ânimos
descontentes, a exposição dos alunos era “o mais forte e o mais arrojado protesto contra a
ditadura acadêmica.”53 No entanto, a exposição Livre não foi autônoma da Academia, pois
recebeu apoio dos professores, foi realizada nas suas dependência e visitada pelo Imperador.
Segundo a crítica às obras, publicadas na imprensa, permaneciam ainda apegadas ao cânone
acadêmico.
Eduardo de Sá
52
Exposição de Bellas-Artes. Jornal do Commércio, 03.08.1886.
53
PALHETA, Alfredo. Bellas Artes. Exposição organizada apelos alumnos da Imperial Academia de
Bellas Artes. A Semana, 04.08.1886. (Alfredo Palheta, pseudônimo de Gonzaga Duque).
109
54
Catálogo do Salão de 1886 ― Exposição organizada pelos alunos da Academia das Belas Artes.
Rio de Janeiro: Typ. Almeida Marques, 1886. IPB/ES.
55
O Paiz, 09.08.86; Jornal do Commércio, Lisboa, 24.8.86; Província do Rio, 03.08.86; A Semana,
14.08.86.
56
Bellas-artes. Revista Ilustrada, 13.11.1887.
110
menos surpreendente se fosse de Belmiro de Almeida, conhecido por ser um rebelde, dizia um
articulista anônimo do Jornal do Commércio. Para ele, o que levou Sá a representar Jesus
caído era a sua tendência para concepções grandiosas e para emoções sinceras.57 Para outro
crítico, Sá havia sido original e expressivo na representação de Jesus caído e que era injusta a
crítica do professor Bethencourt da Silva, membro da comissão julgadora, de que o quadro de
Sá havia saído da convenção da arte.58 A análise de sua obra, principalmente pintura, mostra a
obediência de Sá à cor e à forma. A análise de Ribeiro para obras posteriores demonstra a
continuidade do apego de Sá ao desenho e às concepções grandiosas. Diz ele, que seu desenho
era seguro e rigorosamente certo; sua palheta se atinha a um rigorismo realista que moderava
e freava seu gênio; e suas composições mostravam um profundo senso de equilíbrio e pouco
movimento, “[...] todas tinham um ar de majestade, quase tocando ao patético.”59
Os estudos na Europa
Sá, que havia participado do concurso, mas não fora bem classificado, pois
Hilarião da Silva e Belmiro de Almeida o precederam, partiu então, em março de 1888, para
aperfeiçoar-se nos ateliês europeus, custeado pela família. Em Paris, matriculou-se na
Academia Julian, o alternativo atelier-escola que recebia estudantes de arte e artistas
amadores de todo o mundo. Ele se matriculara no polêmico e inovador atelier que aceitava a
matrícula de mulheres nas disciplinas que estudavam com modelo masculinos nus. Os
artistas-alunos pensionistas da AIBA ou do próprio Imperador se matriculavam na École des
Beux-Arts;60 os que iam com recursos próprios, como Décio Villares, Belmiro de Almeida,
Henrique Bernardelli e o próprio Eduardo de Sá, matriculavam-se em ateliês privados como o
de Alexandre Cabanel e a Academia Julian.
A matrícula de Sá no Atelier Julian foi para assistir aulas de pintura de Gustave
Boulanger e Jule Lefebvre, durante um ano, a partir do final de abril de 1888; e pagou
adiantado seu ano de estudos.61 Nos papéis de Sá, não há informações de sua estada de
estudos na Europa, exceto um artigo coletado por ele da Revista Ilustrada, em que reproduz
uma carta de Angelo Agostini, diretor da Revista, que cita o artista e a sua dedicação ao
57
Bellas-Artes. Jornal do Commércio, 15.11.1887.
58
ZEUXIS. A Academia de Bella-Artes. Jornal do Commércio, 15.11.1887.
59
RIBEIRO, Victor de Miranda. Eduardo de Sá. Arquivos da Escola de Belas Artes. Ano XII. n. 12.,
12.08.1966.
60
CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. Os prêmios de viagem da Academia em pintura. 185 Anos da
Escola...p. 69-91.
61
Recibo. Académie Julian. 28.04.1888. IPB/ES.
111
desenho:
Sá ficou dois anos e meio na Europa; pretendia ficar mais, como seus colegas que
estagiavam no mínimo três anos, porém, quando estava em Florença, contraiu pleurisia, uma
espécie de tuberculose, e ficou muito doente. Durante este período de cuidados médicos,
ganhou um exemplar do livro de Comte ― Catecismo Positivista ― leu-o e se converteu à
Religião da Humanidade. Não há informações sobre o doador do livro, tampouco relatos do
próprio artista informando sobre sua conversão. Seu irmão Francisco de Sá foi buscá-lo em
Gênova; ambos chegaram ao Brasil em outubro de 1890.63
Em 1927, Angyone da Costa publicou o livro A Inquietação das Abelhas, uma
espécie de diagnose das artes, seguida de entrevistas com alguns artistas, entre eles o próprio
Sá. Costa explica o significado da conversão religiosa do artista ao positivismo.
62
Carta de Angelo Agostini à Redação da Revista Ilustrada (Paris, 04.12.1888). Revista Ilustrada,
05.01.1889. Agostini errou a data, Sá concorreu ao prêmio viagem em 1887.
63
Notas – Paquete. Jornal do Commércio, 14.10.1890; Notas – Paquete. Gazeta de Notícias,
13.11.1890.
112
64
COSTA, Angyone da. A Inquietação das Abelhas. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, 1927. p. 37-
38. Novamente a expressão “filósofo em tintas” aparece para se referir aos artistas que assumem uma
doutrina filosófica e serve de orientação para o título desta tese.
65
GUIMARÃES, Argeu. Auréola de Victor Meirelles. Rio de Janeiro: IHGB, 1977. p. 81 e 112.
66
ACQUARONE, Francisco. História da Arte no Brasil. Rio de Janeiro: Oscar Mano & Cia. 1939. p.
235.
67
GONZAGA DUQUE. A Estatua do Marechal Floriano, Kosmos, out. 1907. s/p.
68
FREIRE, Laudelino. Um Século de Pintura. Rio de Janeiro: Röhe, 1916.
69
COSTA, Angyone da. A Inquietação... p. 15.
113
70
VAISSE, Pierre. La troisième... p. 19.
114
Pôr a arte ao serviço social, eis, portanto, o único modo de cuidar do seu
desenvolvimento. Fazer com que no poema, na symphonia, no painel, na estatua,
no edificio se sinta o cunho sincero de um digno culto, a marca decisiva de uma
alma inteiramente cheia das grandes inspirações humanas em vez de só mostrar-
nos uma pretendida perfeição technica, sempre ao alcance das mediocridades
laboriosas, eis o remédio único para que a arte se engrandeça, para que encontre
no publico a sympatia que não podem despertar-lhe as banalidades artísticas da
actualidade.71
E tu, República adorada, [...] não lhe sendo mais possível, portanto senão com
patente ingratidão, accusar-te de faltas que essencialmente são suas, aceitas os
votos filiaes que neste dia te dirigem aquelles que, cidadãos republicanos,
subordinam o ideal artístico ao teu ideal e se hoje te saúdam por meio da arte,
amanhã se precisares das suas vidas, sem hesitar trocarão a penna, o lápis, o
71
Sá, Eduardo de. Exposição Republicana de Bellas-Artes em homenagem a Benjamin Constant. 15 de
novembro de 1898. 110. anno da República. Rio de Janeiro: Typ. Pinheiro e Cia. 1898. p. 6.
115
escopro [cinzel] pelo fuzil e firmemente mostrarão com quanta dignidade artística
tentaram idealisar os vultos dos teus mais gloriosos filhos!72
A troca do cinzel pelo fuzil na defesa republicana foi apenas um artifício retórico
usado pelo artista, que, além de ser incongruente com a idéia pacifista do positivismo,
também o era com a própria personalidade cordial de Sá. Aliar militância política florianista
com positivismo foi a dificuldade de muitos seguidores de Floriano, o que será visto no
capítulo V.
A arte regenerada de Eduardo de Sá
72
Sá, Eduardo de. Exposição Republicana... p. 7-8.
Obras de Eduardo de Sá para culto cívico
116
reconheceu seu verdadeiro valor cívico nacional. Independência.
Monumento à Alto do monumento ― imagem da Pátria envolta na bandeira auriverde criada por Homenagear pessoalmente a Pátria Monume Folheto
Independência José Bonifácio. nto impresso.
do Brasil Alto-relevo central ― José Bonifácio entregando à princesa D. Leopoldina os 28.08.1922. 1p.
documentos recebidos de Lisboa.
Frisas ― Dom Pedro proclamando a independência.
Escadaria ― Bandeira dos inconfidentes como símbolo do esforço e martírio da obra
de fundação da Pátria.
A comunhão da Destaque para dois momentos da história brasileira: 1888 e 1890. A abolição da Comemorar a liberdade e fraternidade Painel A Noite.
Pátria brasileira escravidão e a decretação da liberdade espiritual no Brasil. Representa o enlace de nacionais com três 07.01.1931.
dois regimes políticos, o de José Bonifácio e o de Benjamin Constant, em uma partes
mesma realização de liberdade e de continuidade histórica. Ambos os acontecimentos
são marcos gloriosos da história e obra da Pátria e devem ser cultualmente
lembrados, religiosamente respeitados. O painel representa a Pátria libertada. Lado
esquerdo: D. Isabel, sob a bandeira do Império, entrega ao conselheiro João Alfredo o
decreto assinado. Presença de outros personagens que contribuíram para o evento:
Castro Alves, Nysia Floresta e José Bonifácio.
Lado direito: Benjamin Constant mostra o decreto de liberdade espiritual, junto a ele,
Demétrio Ribeiro, que o apresentou ao Conselho de Ministros. A Miguel Lemos e
Teixeira Mendes, com o estandarte da Humanidade, são dirigidos agradecimentos
cívicos por tal conquista moral.
No centro: altar da Humanidade, ladeado por São Paulo e Auguste Comte e rodeado
por um cortejo de santos e heróis. Sobre o altar, a imagem da Pátria celebra a união
nacional, tendo, na mão esquerda, as algemas partidas dos escravizados e, na direita,
um livro aberto, símbolo da liberdade da alma humana.
Tiradentes – a Tiradentes é a intemerata vítima da emancipação política brasileira. Histórico do Comemorar a ascensão de Tiradentes Painel Texto
cabeça do desaparecimento da cabeça de Tiradentes. Aquele que a resgatou e a enterrou o fez ao culto pátrio e dedicar a obra ao manuscrito.
martyr heroicamente e possibilitou a ascensão de Tiradentes ao culto pátrio. O quadro é uma herói desconhecido. 21.04.1931. 5p.
interpretação poética do acontecimento. Oferecido para venda ao Presidente do O Globo.
estado de Minas Gerais, em 1925. 21.04.1931.
A Glória da Baixos-relevos dos episódios relevantes da história da cidade do Rio de Janeiro: Estabelecer um “padrão cívico”de Monume O Globo.
Cidade ! Tamoios (mas não a sua dizimação); a confirmação da sentença de Tiradentes; a comemoração da fundação da cidade. nto 20.01.1932.
sessão de ministros presidida por D. Leopoldina; o decreto de 13 de maio de 1888; a
proclamação da República; o decreto de liberdade espiritual de 07 de janeiro de 1890;
a proteção aos índios, mostrando a fraternidade nacional; o templo positivista,
mostrando o 10. marco da Religião da Humanidade no Brasil.
Estátuas – Representações da Continuidade – símbolos ocidentais ; Solidariedade –
símbolos nacionais; Sociabilidade cívica – figura feminina como representação da
cidade do Rio de Janeiro.
117
A Glória da Idealização dos fatos que tiveram por sede a cidade do Rio de Janeiro, tornando-a Comemorar no seio do governo Painel Texto
Cidade ! digno elemento da nacionalidade brasileira. Ficam de fora os atos praticados temporal da cidade, na Prefeitura 5mX3m manuscrito.
desordenadamente. A obra evocará lembranças inspiradas no altruísmo e na Municipal, a sua ascensão para a 1934. 1p.
sociabilidade coletiva. Figurará a beleza natural da baia da Guanabara e o ato do grandeza a que aspira toda a Pátria
governo da República nascente instituindo a proteção oficial de todos os aborígines brasileira.
do Brasil.
Decoração dos 1o. Painel – Laço afetivo – Poesia, música, pintura, escultura e arquitetura – que Decorar o Teatro de forma a tocar o 4 painéis Texto
camarotes de preside a cidade e seu engrandecimento; 2o. Painel – Lendas da cidade – um cavaleiro coração e o espírito brasileiro a de manuscrito.
honra do teatro vestido de negro, empunhando uma espada flamejante, que em sangrento combate serviço da cultura individual e da dimensõe 03.06.1935. 2p.
Municipal do com os franceses e protestantes em terras dos Tamoios deu-as ao domínio espiritual confraternização coletiva s e forma
Rio de Janeiro do catolicismo e temporal dos portugueses; 3o. Painel – A Ciência – a História e a iguais
Ciência da Alma Humana; 4o. A Pátria – guiada pela política republicana.
Painel da Pátria Alusivo às nove comemorações públicas destinadas a firmar e desenvolver a Protestar pela mudança do calendário Painel Texto
adoração da Pátria. Explicação de cada uma das datas nacionais. oficial e supressão das datas de 14 de manuscrito.
julho e 13 de maio. 02.11.1935. 5p.
Monumento ao O monumento abrange todos os modos de ação humana no Planeta ― o Trabalho. Influir na massa humana a idealização Monume Texto
trabalho Grupo principal ― Ação real e útil da Humanidade sobre a terra: Ação moral – da poética e apelar para a paz. nto manuscrito.
mulher; Ação intelectual – do sacerdócio da Religião da Humanidade; ação material 16.01.1936. 4p.
– dos chefes do Patriciado e do Proletariado.
Altos-relevos: 1 - Preparo do Planeta: devastação pelo incêndio das florestas;
extermínio dos animais ferozes; a fase guerreira da espécie humana; e a submissão
dos vencidos; 2 - Começo do conjunto humano: descoberta do fogo; domesticação
dos animais sociáveis; plantio da árvore; defesa da prole; e a instituição do túmulo
como forma de cuidado da vida subjetiva do ente amado; 3 – Sistematização do
trabalho: conhecimento do planeta com as grandes navegações; a agricultura; a
fabricação; o comércio; e a moeda e; 4 – Glorificação do trabalho: contribuição dos
animais; das máquinas; homenagem às vítimas do trabalho; e o livro.
O Beijo de Inicia citando Danton, no tribunal revolucionário. Compara o evento de Danton no Chamar à meditação religiosa dos Painel Folheto
Tiradentes – 20. tribunal com os momentos decisivos de Tiradentes, quando, num ato religioso, beija compatriotas para o ato maior de impresso.
painel os pés do carrasco. Sá argumenta que a idade o fez ver que era o momento do beijo o Tiradentes, verdadeira expressão do 21.04.1936. 1p.
comemorativo mais importante no episódio de Tiradentes, e não a confirmação da sentença, que altruísmo exaltado até a santidade.
havia pintado anos antes. O artista orienta que a obra deve ser colocado no futuro
acima do 10. painel, mostrando a mais alta sublimidade moral que atingiu Tiradentes.
Paz ! O painel pretende representar a “generosidade brasileira e a vitória do altruísmo Despertar, do adormecimento Painel Texto
nacional.” O texto repassa a história do Brasil em uma narrativa crescente, evolutiva, coletivo, a conseqüência moral dos manuscrito,
ligando os episódios, personagens e emblemas representativos de cada período. Tem dois capitais impulsos da vida sem data.
como representação a abolição dos escravos e a devolução dos troféus de guerra ao brasileira em prol da concórdia
Paraguai, como exemplo do altruísmo brasileiro. humana.
118
119
Estas propostas de obras por parte de Sá revelam seu contínuo desejo de interferir
politicamente, em diferentes períodos, por meio da arte. A História, ou melhor,
reinterpretações de eventos históricos, é estratégia de ação política do artista. O que chama a
atenção nessas obras arroladas é como a História é central na estratégia militante positivista.
Retoma-se assim a conceituação de Comte em que considera a História como essência e
resultado do Positivismo. Mas a arte, para o filósofo, não deveria ter função de agir sobre a
realidade social, nem de corrigi-la, apenas de idealizar melhorias. Com isso, pode-se pensar
que Sá foi ortodoxo e também fez uma adequação do positivismo. Ele seguia à risca a noção
de culto cívico-religioso integrante da Religião da Humanidade, cujo papel do artista era
idealizar imagens e personagens históricos de forma a evocar sentimentos patrióticos, mas não
conseguia abandonar o desejo de interferir politicamente na realidade brasileira. Vide sua
ligação com os florianistas e propostas de vários quadros a Floriano. Esse era o paradoxo do
próprio positivismo. As noções de Comte sobre arte e sua função social não foram concluídas,
ficando ao artista positivista a tarefa de resolver o problema de produzir obras que
estimulassem o culto cívico, tendo por base a História, mas que não visassem à ação política.
Paradoxo que Sá não resolveu.
O quadro mostra dois períodos fundamentais para a política brasileira e para o
positivismo: os anos de 1890, de intenso debate político sobre a forma de República
estabelecida com a Constituição Federal e, portanto, de grande interesse e mobilização dos
positivistas, e a década de 1930, que para estes foi destruidora de suas conquistas. Se para Sá
as obras da década de 1890 visavam homenagear, comemorar, cultuar, consagrar, as de 1930
pretendiam protestar, relembrar o altruísmo, despertar do adormecimento coletivo, apelar para
a paz. Na descrição de suas obras, é perceptível, assim, o entusiasmo do artista quando jovem,
mobilizado com os florianistas pela defesa da República, e, anos mais tarde, decepcionado
com os rumos que o regime tomara.
Décio Villares e Sá foram os artistas positivistas que aderiram aos preceitos de
estética positivista quanto à criação artística e quanto a uma militância para as artes. O
entusiasmo e envolvimento destes com o regime republicano os levou, mais Décio Villares
que Sá, a uma militância política visando reestruturar os fundamentos do ensino artístico no
país. A defesa da extinção da Academia de Belas Artes, somada à adesão crescente à estética
positivista, lhes resultou em inimizades, dificultou encomendas, angariou críticas severas às
suas obras e consolidou a visão de seus contemporâneos que eram artistas fanáticos. Tal
quadro demonstrativo do relacionamento dos artistas em questão com seu meio profissional
será analisado a seguir.
120
As versões da historiografia
1
GALVÃO, Alfredo. Resumo histórico do ensino das artes plásticas durante o Império – A influência
benéfica e decisiva do Imperador D. Pedro II. Revista do IHGB – Anais do Congresso de História do
Segundo Reinado. 1. v.. Rio de Janeiro, 1984; MELLO Jr. Donato. As exposições gerais na AIBA no
20. Reinado – sua importância artística e a presença do D. Pedro II. Revista do IHGB – Anais do
Congresso de História do Segundo Reinado. 1. v.. Rio de Janeiro, 1984; FREIRE, Laudelino. Um
século de pintura. Época de desenvolvimento - quarto período: 1889-1916.
http://www.pitoresco.com/laudelino
2
DURANT, José Carlos. Arte, privilégio e distinção. São Paulo: Perspectiva, 1989. p. 62.
GUIMARÃES, Argeu. Auréola... p. 122-124.
3
A afirmação de Flavio Mota de que os signatários do projeto positivista de reforma da AIBA não
eram os “ortodoxos da Igreja Positivista” é grandemente equivocada, já que isto se aplica apenas a
Aurélio de Figueiredo. MOTA, Flavio. Visconti e o início do século XX. PONTUAL, Roberto (org.).
Dicionário das artes plásticas no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.
121
segundo, por Frederico Barata, em livro de memórias sobre o pintor Eliseu Visconti,
publicado em 1944, em que os personagens centrais nos movimentos de rebeldia dos artistas
eram o próprio Visconti e os professores da Academia Rodolpho Bernardelli e Rodolpho
Amoedo. Evidenciou-se que, primeiro, existe uma discordância entre as versões de Gonzaga
Duque e Barata quanto à autoria e liderança da rebeldia contra a Academia; e, segundo, que a
bibliografia que trata do assunto adotou a versão de Barata a respeito do episódio Modernos X
Positivistas.4
Procurar-se-á mostrar também que os eventos que evidenciam o inconformismo
dos artistas remontam a meados do século XIX e se acirram em 1890, com os projetos de
reforma da AIBA. Neles não há um protagonista que lidera a ação dos artistas descontentes,
tampouco uma acirrada dicotomia, apenas duas propostas de reforma de ensino que se
defrontaram ― a de Rodolpho Bernardelli e a de Décio Villares. A proposta de Pardal Mallet
acirrou o debate na imprensa, mas não chegou a ser apresentada formalmente ao Ministro da
Instrução Pública.
4
CAMPOFIORITO, Quirino. História... p. 130-131; MOTA, Flavio. Visconti e o inicio...; MORAIS,
Frederico. Cronologia das artes plásticas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 1995. p. 101-
103; Enciclopédia de artes visuais. Verbetes Academicismo, Atelier Livre e Reforma de
Ensino/ENBA. www://http://itaucultural.org
5
Exposição de Bellas Artes. O Paiz, 08.08.1886; Bellas Artes. A Vida Moderna, 21.08.1886.
6
Salão de 1886. Província do Rio, 03.08.1886.
7
Exposição de Bellas Artes. Diário de Notícias, 02.08.1886.
123
8
Bellas Artes. O Paiz, 09.08.1886.
9
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta...p. 46-47.
10
Prêmio – protestos dos professores da Academia. Novidades. 11.11.1887.; De palanque. Novidades.
19.11.1887.
11
As críticas á AIBA vindas de São Paulo também se direcionavam ao Prêmio Viagem, entre outras.
O governo do Estado criou em 1892 um Prêmio próprio, destinado exclusivamente aos paulistas.
Sobre o assunto ver: CHIARELLI, Tadeu. A EBA vista de São Paulo: instrumentalizando a instituição
a partir de um nacionalismo de viés paulista. 180 anos da Escola Nacional de Belas Artes. Rio de
Janeiro: UFRJ, 1998.
124
Notou-se nos artigos de jornais sobre o assunto que, neste momento, ocorria a
construção de idéias importantes para os anos subseqüentes, quando estourou a revolta dos
alunos da AIBA em 1890: que as proteções pessoais nas artes eram inaceitáveis, pois geravam
injustiça, e por conseqüência, revolta; que Rodolpho Bernardelli era um revolucionário; que
os alunos deveriam se coligar e fazer uma gritaria contra o governo; que ou a Academia se
reformava ou fechava suas portas; e que dois grupos estavam constituídos, os a favor e os
contra a Academia.13 Havia também artigos defendendo o resultado do Prêmio Viagem,
argumentando que o princípio do favoritismo era louvável, que os críticos dos jornais não
tinham condições de julgar, que Bernardelli e Zeferino eram ingratos e que era inacreditável a
Princesa Regente ter seu favorito e influir no resultado.14 Com o debate instituído na imprensa
e provavelmente discutido de forma acalorada nos cafés e “em frente à espuma dos chopes”,
usando uma expressão de Vera Lins,15 estavam lançadas as bases da revolta dos insubmissos.
As exposições particulares que se intensificaram entre 1887 e 1889, inclusive com
a participação de Villares, também são demonstrativas do desejo da ampliação do campo
artístico para além do círculo oficial da Academia. Exemplo dessa demanda é a criação do
Atelier Moderno, em 1889. Um atelier privado, inédito no Brasil, criado especialmente para
exposições artísticas, com cuidados de iluminação inclusive, onde vários artistas expunham e
vendiam suas obras. 16 Havia alguns outros Salões de exposição no Rio de Janeiro, como o
Vieitas, a Galeria Moncada, Clement, De Wilde, mas não eram espaços criados
adequadamente para exposição de pinturas.
12
Um acto de R. Bernardelli – Carta e subscrição a Belmiro de Almeida. Revista Ilustrada,
07.04.1888.
13
De palanque. Novidades, 10.11.1887; GUANABARINO, Oscar. Artes – Academia de Bellas Artes.
O Paiz, 10.11.1887; Bellas Artes – Premio. Revista Ilustrada, 13.11.1887; FRIVOLINO. Scena XVIII.
A Época, 13.11.1887; GUANABARINO, Oscar. Artes – Academia de Bellas Artes. O Paiz,
10.11.1887; VERON. Academia de Bellas Artes – A Sereníssima Princeza Regente. 15.11.1887;
Notas – Premio Viagem. Gazeta da Tarde, 15.11.1887.
14
Prêmio - protesto dos professores da Academia. Novidades, 11.11.1887; Premio Viagem. A Época,
13.11.1887; Microcosmo. Jornal do Commercio, 13.11.1887; Chronica da Semana. Gazeta de
Noticias, 13.11.1887; Noticiário. O Paiz, 15.11.1887; Academia de Bellas Artes. Jornal do
Commercio, 16.11.1887.
15
LINS, Vera. Gonzaga Duque – a estratégia do franco-atirador. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
1991. p. 21.
16
Bellas Artes – Atelier Moderno. Diário do Commercio, 16.06.1889; Bellas Artes – Atelier
Moderno. Gazeta de Noticias, 14.07.1889; Ecchos Fluminenses – Atelier Moderno. O Paiz,
15.07.1889; Bellas Artes – Atelier Moderno. Revista Ilustrada, 20.07.1889; 27.07.1889; 07.08.1889;
17.08.1889 e 1.08.1889; Bellas Artes – Atelier Moderno. Diário de Noticias, 13.09.1889.
125
Menos de uma semana após 15 de novembro, ocorreu uma grande reunião dos
“homens de letras e jornalistas” no foyer do jornal/revista Variedades, para redigir um
manifesto de adesão à República, criar uma subscrição para erguer um obelisco a Tiradentes,
no local da forca, e organizar uma passeata em comemoração ao novo regime. Durante o ano
de 1890, outras reuniões foram feitas visando consolidar uma organização representativa do
grupo, destinada a definir uma legislação sobre a propriedade literária e tratar dos interesses
econômicos da classe.17 No mesmo período, reuniões de artistas também ocorriam visando
regulamentar o meio profissional, idéia a que Villares, Cordeiro e Aurélio se opuseram.
O trio iniciou suas intervenções políticas tentando neutralizar a petição que outro
grupo de artistas ― pintores, desenhadores, escultores, gravadores e arquitetos ― enviou ao
Ministro do Interior, Aristides Lobo, em dezembro de 1889.18 Estes artistas, entre eles
Rodolpho Bernardelli, Amoedo, Estevão Silva, Fachinetti e outros, reunidos em três sessões,
redigiram o requerimento que reivindicava a obrigatoriedade do ensino de desenho em todos
os níveis escolares, a exigência de que operários das oficinas do governo tivessem noções de
desenho, a proteção profissional aos habilitados a darem aulas de desenho e o direito de
somente arquitetos e engenheiros construírem edificações.
Cardoso mostra que o ensino técnico e industrial, cuja base eram as disciplinas de
desenho, tinha na AIBA uma situação ambígua, dividindo as opiniões e balizando sua política
institucional. Ora a instituição fundava aulas noturnas, voltadas para a formação de artífices,
ora encerrava as disciplinas de gravura de medalhas ou de desenho de ornatos e figuras. A
baliza dessas tendências era a divisão nas artes entre útil e belo, entre a formação de um
artífice ou de um artista, que para o autor era fruto de uma contraposição positivista.19 No
entanto, viu-se que o positivismo defendia a manutenção do belo nas artes, na sua forma mais
clássica, como maneira de atingir o aperfeiçoamento moral. O sentido prático dado às artes se
devia a seu poder regenerador social. A leitura que os brasileiros fizeram do positivismo
contribuiu para a institucionalização do ensino mais profissionalizante ou prático. No que
17
Homens de letras. Diário do Commercio, 21.11.1889; Jornal do Commercio, 21.11.1889;
18.05.1890; O Paiz, 07.05.1890; 08.05.1890; 15.05.1890; Diário de Noticias, 05.06.1890.
18
Estudo de desenho. Diário do Commercio,. 05.12.1889, 09.12.1889, 21.12.1889; Floccos. Correio
do Povo, 09.12.1889. Os artistas que participaram da reunião foram os seguintes: Rodolpho
Bernardelli (Relator), Rodolpho Amoedo (Relator), Facchinette (Presidente), Valle Souza Pinto,
Teixeira da Rocha (Secretário), Vasconcelos (Secretário), Souza Lobo (Relator), Estevão Silva, Vilas
Boas, Rocha Fragoso.
19
DENIS, Rafael Cardoso. A Academia Imperial... p. 181.
126
tange à proposta de Villares, de cunho mais ortodoxo, era manter o ensino nos ateliês em uma
relação de mestre e aprendiz, abolindo o ensino acadêmico.
É possível que a petição dos artistas, com um caráter nitidamente regulatório e de
proteção à profissão de “desenhadores”, portanto extensivo a todos os artistas, fosse uma
tentativa de prevenção às idéias de Miguel Lemos e Teixeira Mendes sobre a liberdade das
profissões e contra os privilégios dos títulos acadêmicos, que vinham sendo publicadas desde
o início do século XIX, mas isto é apenas uma hipótese.20 Se esse era o intuito dos artistas, o
texto de Villares e seus colegas ia no outro sentido. Pretendiam protestar, pois o momento
republicano, diziam eles, era de advento das liberdades públicas, e não dos privilégios e
monopólios de castas e diplomas que mascaravam as aptidões reais dos artistas. Com este
texto, o trio positivista inaugurou suas relações de divergência com os artistas liderados por
Rodolpho Bernardelli quanto ao destino das belas artes na República e assumiu uma posição
de outsider do meio artístico oficial.
Já na esperada primeira exposição republicana, aberta em 26 de março e encerrada
em abril de 1890, a ausência de Villares e Aurélio foi notada. “Foi com magoa que notei a
lamentável ausência dos dous pintores brasileiros dos mais distinctos, Décio Villares e
Aurélio Figueiredo, arredados da Academia por prejuízos de seita, que sou, aliás, o primeiro a
respeitar.”21 Entre os boatos de que os estatutos da Academia seriam reformados, surgiu o de
que se chamaria Congresso de Pintura e Arquitetura e de que também já havia o projeto
positivista que a extinguia, criando um ensino livre de artes.
O Salão de 1890 foi muito controverso, pois os professores que compunham a
comissão julgadora ― Pedro Américo, Domingos de Araújo e Silva e João Maximiliano
Mafra ― teceram severas críticas aos trabalhos dos participantes, afirmando que entre as 300
obras expostas avultavam as mediocridades, que tinham dificuldades em atribuir os prêmios e
que após cinco anos de espera por uma exposição oficial, ela deveria ser menos pobre e
decepcionante. Críticas sobraram para os professores Rodolpho Bernardelli e Rodolpho
Amoedo, que participavam, mas não concorriam.22 Viu-se que décadas antes vinha se
formando a idéia de que a salvação da Academia estava na mudança de seu quadro docente.
20
As primeiras publicações da IPB sobre o assunto foram estas: MENDES, Teixeira. Contra a criação
de uma Universidade. 1882; OLIVEIRA. J. Mariano. O ensino obrigatório no Paraná. 1885; LEMOS,
Miguel e MENDES, Teixeira. A obrigatoriedade do ensino. 1886; LEMOS, Miguel. A liberdade
espiritual e o exercício da Medicina. 1887. IPB
21
Flocos. Correio do Povo, 14.03.1890.
22
FREIRE, Laudelino. Um século de pintura. Época de desenvolvimento – quarto período: 1889-
1916. O parecer da Comissão está transcrito quase na íntegra. http://www.pitoresco.com/laudelino
127
Os professores antigos – os velhos – deveriam se aposentar e dar lugar aos novos. Nos jornais,
Rodolpho e Henrique Bernardelli, Antonio Parreira, Rodolpho Amoedo, Eliseu Visconti,
todos com quadros expostos no Salão de 1890, eram chamados os novos. Com a República,
esse conflito de gerações se acirrou, e é possível que a crítica da comissão julgadora do Salão
o refletisse. Mas é possível também que a crítica fosse eminentemente artística, fruto de um
diálogo estético interrompido entre os velhos mestres e seus pupilos, muitos destes expondo
suas obras feitas no estrangeiro que demonstravam o entusiasmo por novas tendências
plásticas, ainda que acadêmicas.23
Na imprensa, especialmente na Gazeta de Noticias e na Revista Ilustrada, os
elogios aos expositores eram abundantes, principalmente a Rodolpho Bernardelli, que era
visto como operando um Renascimento artístico no Brasil. As críticas negativas a ele e
Amoedo vinham do Diário do Commercio, expressas nos artigos de um certo Cosme Peixoto,
pseudônimo que chegou a ser considerado do Centro Positivista, pela coincidência das iniciais
e pelos elogios ao projeto e trabalho de Villares e Aurélio, expostos em um Barracão no Largo
de São Francisco.24 A imprensa estava dividida quanto aos projetos de Villares e de
Bernardelli; os alunos também estavam.
Em 17 de junho de 1890, Aurélio de Figueiredo presidiu uma reunião de alunos-
artistas, sem a presença de Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoedo e Décio Villares, ou de
qualquer outra autoridade da Academia, em que foi questionada a utilidade da AIBA, assim
como a qualidade de seu corpo docente. A primeira proposta não causou maior discussão, e
concluíram que a Academia era nociva às artes e inútil; no entanto, os presentes se dividiram
quanto à quarta proposta, de criar oficinas de belas artes em vez de manter a Academia. A
votação desse ponto foi adiada.25 Diante do perigo de que tema de tal monta ficasse restrito à
23
Existe grande controvérsia na historiografia e crítica de arte sobre as origens do modernismo no Rio
de Janeiro e São Paulo. Alguns contestam que esses alunos da AIBA, ainda com uma produção no
final dos oitocentos afinada com o academicismo, já estivessem produzindo rupturas estéticas. Para
Migliaccio, Rodolpho Amoedo era a liderança da renovação estética na passagem para o século XX,
até mais que os irmãos Bernardelli.
MIGLIACCIO, Luciano. Rodolfo Amoedo. O Mestre, deveríamos acrescentar. In: MARQUES, Luiz
(org.). 30 mestres da pintura no Brasil. São Paulo: MASP. 2001. p. 32-33.
24
Cosme Peixoto era o pseudônimo de Carlos de Laet, um dos fundadores da Academia Brasileira de
Letras. Era católico fervoroso e professor do Colégio Pedro II. Monarquista convicto, na República
discursou a favor da manutenção do nome do Colégio em homenagem ao Monarca e foi exonerado.
Até 1888 escrevia textos na coluna Microcosmos, do Jornal do Commercio, inclusive criticando “os
descalabros do positivismo ortodoxo”. No Diário do Commercio, em 1890, escrevia muitos editoriais.
www.academia.org.br Sobre a participação de Carlos de Laet na fundação da ABL consultar:
RODRIGUES, João Paulo C. S. A dança das cadeiras – literatura e política na ABL. Campinas:
Unicamp, 2001. p. 44-48.
25
Reunião de artistas. Diário do Commercio; 17.06.1890. Gazeta de Noticias. 17.06.1890.
128
discussão de alguns artistas e um grande grupo de alunos, quatro dias depois, os professores
Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo conduziram uma outra reunião, agora com a
presença de Villares, que a secretariou. Nesta havia uma aliança entre os proponentes dos
diferentes projetos visando pressionar o governo para que a Academia passasse por alguma
reforma. Aurélio também colaborava emprestando seu Barracão-atelier para sediar o
recolhimento de assinaturas dos aderentes da idéia.26
A união, assim, de todos os artistas, inclusive dos positivistas, e de alunos e
professores demonstrava uma estratégia de enfraquecimento e desqualificação da Academia,
além de seu abandono, visando obter um posicionamento do governo provisório e do Ministro
da Instrução Publica, que ainda não havia se manifestado. A tática funcionou, pois, em 25 de
junho, Benjamin Constant recebia Rodolpho Bernardelli, Rodolpho Amoedo, Aurélio de
Figueiredo, Manoel Teixera da Rocha, Baptista Castagneto, Francisco Ribeiro e Pardal Mallet
(que também tinha um projeto de reforma da Academia) para ouvir as demandas da classe
artística.27 Nota-se que Villares não foi mencionado, mas é provável que também estivesse
presente. Havia neste período uma grande animosidade da imprensa com o Centro Positivista,
ao qual o nome do artista era associado e, por isso, omitido de eventos que liderava. Benjamin
Constant prometeu que iria considerar os três projetos de reforma e montar uma comissão
para estudá-los.
Aguardando assim as providências do Governo Provisório, lançaram na imprensa
um apelo de subvenção para cursos públicos e gratuitos, que seriam temporários, pois, dizia o
artigo, o General Benjamin Constant prometera resolver o problema do ensino artístico.28 Vê-
se assim que a montagem do Atelier Livre era uma medida provisória de pressão política
junto ao governo, não de iniciativa de Rodolpho Bernardelli e Rodolpho Amoedo apenas,
como costuma ser afirmado na historiografia, mas uma ação conjunta de todos os artistas
insubmissos, inclusive Villares, visando aguardar as providências do Governo Provisório
quanto aos projetos de reforma do ensino artístico em discussão pela categoria artísitica.
26
Artes e artistas – reunião de artistas. O Paiz. 21.06.1890; 22.06.1890.
27
MALLET, Pardal. Pela Academia III. Gazeta de Noticias. 26.06.1890.
28
Artes e artistas – Cursos de Belas Artes. O Paiz. 26.06.1890.
129
extinção em dezembro de 1889, o assunto não era novidade; via-se o assunto tratado na
maioria dos artigos jornalísticos que faziam crítica de arte e à Academia. O impactante foi a
formalização da idéia sob forma de projeto encaminhado ao Governo Provisório. Não
esqueçamos que ainda em dezembro a imprensa se dedicava à outra polêmica envolvendo
Villares: a bandeira nacional de inspiração positivista, que encontrou forte resistência,
inclusive entre os republicanos.29
Visando se diferenciar dos proponentes dos demais projetos, iniciam alertando
que eram republicanos desde adolescentes e que não haviam ganho favores monárquicos, nem
participado de arranjos acadêmicos. Eles identificavam que o problema artístico estava no
monopólio da Academia, que levava a duas conseqüências negativas: a concentração do
ensino na capital, que fomentava o clientelismo nas províncias para que os estudantes fossem
estudar no Rio de Janeiro, e a venalidade artística. O projeto atacava assim dois problemas: o
ensino e a profissão. A proposta positivista de uma política para as artes se fundava na
distribuição de pensões artísticas para alunos e professores, que em contrapartida
contribuiriam para a difusão das artes a todas as classes e idades, nas escolas e museus
públicos. Para a viabilização de tal projeto, fazia-se necessário extinguir a Academia e fundar
um Museu Nacional de Belas Artes, que reuniria obras originais, e museus estaduais, cujo
acervo seria formado por cópias realizadas por pensionistas do Estado.30
Os alunos receberiam pensões para estudar em ateliês dos mestres, fazer trabalhos
para participar das exposições gerais anuais e lecionar rudimentos das artes nas escolas
públicas; para isso, deveriam estar dispostos a viajar a outros estados do país. Os artistas
mestres receberiam pensões para lecionar artes em seus ateliês, participar de comissões de
júri, fazer cópias das obras importantes para serem distribuídas nos futuros museus dos
estados e estar dispostos a perder a posse de seus trabalhos que também iriam para o museu.
Mas os pensionistas só receberiam tal proteção artística se dessem provas de moralidade e
civismo.
Com esse sistema, a Academia seria totalmente prescindível, já que o ensino
artístico se daria nos ateliês, e cada aluno poderia escolher que mestre, técnica, especialidade
e escola artística gostaria de seguir. As exposições e premiações, tão importantes em um meio
29
Sobre a resistência à bandeira positivista consultar: CARVALHO, José Murilo. A Formação...
30
A idéia positivista de fundar museus era para que os adultos, que não freqüentavam mais a escola,
pudessem ainda tomar contato com as artes.
Segundo Durant, com a República, o ensino de artes via Escolas de Belas Artes se ampliou nos
estados. Foram fundadas escolas em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Manaus e Belo Horizonte.
DURANT, José Carlos. Arte, privilégio... p. 64.
130
que se regula pela competição, também seriam mantidas, pois o Estado assumira o
compromisso de realizar as exposições anuais dos alunos e premiar os artistas que realizassem
obras de “largo fôlego”, atentando: “1º. ao arrojo e magnitude da concepção, 2º. à nobreza e
importância do assunto e 3º. à maestria de execução técnica.”31 Vê-se assim que Villares
manteve uma coerência com a concepção positivista de estética em que não é a qualidade
técnica que predomina na avaliação de uma obra de arte. A exigência de credenciais morais e
cívicas do artista reforça esse aspecto positivista.
Outro ponto que caracteriza o positivismo do projeto, polêmico como o da
qualidade técnica, é o do Prêmio Viagem extensivo a todos os brasileiros que se julgassem
capazes de competir. Tentando garantir o Prêmio Viagem aos não artistas, os positivistas
defendiam, assim, que a arte poderia ser executada por todos, independente do talento técnico,
bastava a intenção moral de realizá-la. Lembramos ainda que o apoio que a IPB deu a
Montenegro Cordeiro, que era professor e queria tornar-se pintor de retratos, exemplifica bem
a flexibilidade do positivismo com relação aos que estariam habilitados a realizar arte.
O trio positivista propôs um projeto baseado na observação da realidade do ensino
artístico brasileiro, da situação dos alunos de belas artes e da profissão dos artistas. Percebe-se
que aproveitaram parte das discussões dos artistas sobre o futuro profissional da classe,
expressas na petição de obrigatoriedade do ensino de desenho, que também estavam atentos a
uma categorização entre artistas aprendizes (aos que ainda estavam estudando) e artistas
profissionais e que não deixaram de tratar do sensível assunto das premiações, que mobilizava
a atenção dos jovens estudantes de arte. Com um projeto contextualizado nos problemas do
mundo artístico, Villares buscava responder às demandas da classe, como a venalidade, as
contratações, as exposições, o ensino, porém de uma forma que implodia com seus principais
pilares. Ver-se-á mais adiante que a estratégia tomada pelos artistas insubmissos foi
questionar o sistema artístico, forçar mudanças, mas mantê-lo.
31
VILLARES, Décio, CORDEIRO, Montenegro, FIGUEIREDO, Aurélio de. Projecto de reforma no
ensino das artes plásticas apresentada ao Cidadão Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do
Interior. Rio de Janeiro: Tip. Central, 1890. MCBC
131
transformação da sua realidade. Para essa juventude militar, o cientificismo, para uns, e, para
outros, o positivismo eram referencial da visão de mundo e de intervenção social.32 Um grupo
de jovens literatos, inicialmente liderados por José do Patrocínio na folha abolicionista
Cidade do Rio, foi analisado por Silva. A autora percebeu que essa geração boêmia da década
de 1880 ficou caracterizada pela imagem de um literato militante, cuja literatura e exercício
jornalístico eram vistos como “campo privilegiado de intervenção política, onde a pena era
antes de tudo uma arma dotada de forte poder transformador.”33
Gonzaga Duque, também integrante do Partido Abolicionista liderado por José do
Patrocínio, iniciou sua carreira muito jovem, e suas propostas estéticas “se articulam com um
projeto político específico e um programa de modernidade estética e social para o Brasil, com
o qual artistas contemporâneos estavam comprometidos.”34 Para Alexandre Eulálio, o
romance Mocidade Morta é uma crônica de grupo (de uma mocidade), um balanço da geração
de uma época e um impiedoso retrato coletivo, mas também “uma visão subjetiva do
protagonista doente do egotismo.”35 Gomes mostra que Gonzaga Duque publicou Mocidade
Morta dois anos após a controversa fundação da Academia Brasileira de Letras. Esta
Academia, tal qual a AIBA, era “situada como um lugar avesso ao progresso estético e ao
engajamento político das novas gerações de artistas”36 e também tinha seus “velhos”,
representados por Machado de Assis.
O romance situa-se entre os anos de 1886 e 1888 e tem como foco a articulação de
um movimento que o autor chamou de Zut! (Basta! Chega!), cujo principal protagonista é o
próprio Gonzaga Duque, auxiliado por Belmiro de Almeida, e apoiado por outros alunos
artistas, e por Villares. Tal movimento, levado por “os novos” ou “os insubmissos”, tinha
como liderança Gonzaga Duque (Camilo Prado) e Belmiro de Almeida (Agrário de Miranda),
participando ainda os artistas-alunos Isaltino Barbosa e Firmino Monteiro (ambos Sabino
Gomes), Benevenuto Berna (Lossio), Maurício Jubim (Franklin) e Arthur Lucas (Artur de
32
LEMOS, Renato. Benjamin Constant – vida e história. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. p. 271-272.
33
SILVA, Ana Carolina Ferracin da. Entre a pena e a espada: literatos e jacobinos nos primeiros
anos da República. Campinas: Unicamp. 2001. p. 5-6. (Dissertação de Mestrado)
34
VERMEERSCH, Paula F. Por uma arte brasileira: a pintura acadêmica no final do segundo Reinado
e a crítica de Gonzaga Duque. Rotunda. Campinas. n. 2, agosto de 2003. p. 23.
___ Notas de um estudo crítico sobre A Arte Brasileira, de Gonzaga Duque. Campinas: Unicamp,
2002. (Dissertação de Mestrado)
35
EULÁLIO, Alexandre. Estrutura Narrativa de Mocidade Morta. GONZAGA DUQUE. Mocidade
Morta... p. 278.
36
GOMES, Ângela de Castro. Os intelectuais cariocas, o modernismo e o nacionalismo: o caso de
Festa. Luso-Brazilian Review. v. 42. n. 1. 2004. p. 85.
132
37
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 88-89.
38
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 80.
39
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 48.
40
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 153.
133
historiografia o faz; eles nem sequer têm personagens fictícios no romance. Agrário e Camilo
são os cabeças da idéia e buscaram o apoio de Julião Vilela. Preocupado, assim, com a autoria
da revolta do Zut, Gonzaga Duque se questionava em 1897: “Quem havia criado essa revolta?
Quem a fizera?...”41 O próprio romance era a resposta...
Podem-se levantar três hipóteses sobre porque o autor assume a protagonização
dos eventos de revolta contra a Academia e não há referência a Bernardelli e outros artistas. 1
– O romance foi escrito em 1897, quando Rodolpho Bernardelli já estava consagrado como
diretor da EBA e era escultor oficial do governo republicano, reproduzindo as atitudes
clientelistas que Gonzaga Duque condenava. 2 – Visto que o livro foi escrito com dez anos de
distanciamento dos eventos, pode-se considerar também que o autor, desiludido com os rumos
que a EBA tomara sob o projeto de Rodolpho Bernardelli, passou a demonstrar simpatias pelo
positivismo e pelo projeto de Villares de extinção da Academia.42 Por isso, coloca Villares
como um dos insubmissos e omite os demais artistas. 3 – É possível ainda que Gonzaga
Duque guardasse mágoas de Bernardelli por ter sido o responsável pela viagem de Belmiro à
Europa, que durou seis anos, tirando o artista, o mais insubmisso, segundo o crítico, do
circuito brasileiro. Uma rápida passagem de Mocidade Morta revela que o crítico se sentia
abandonado pelo companheiro de revolta, mas compreendia a atitude de Belmiro em
aproveitar a oportunidade de estudos na Europa; no entanto, com decepção, comparava-o a
Pedro Américo pela capacidade de adaptar-se às exigências e colher benefícios.43
Em 1907, Gonzaga Duque retomou o assunto da revolta dos insubmissos e
esclareceu um pouco mais a participação de Villares nos eventos. Coerente com a narrativa de
Mocidade Morta, ele situa o início da revolta dos alunos contra o arcaísmo dos regulamentos
da AIBA em fins de 1887. O autor, junto com um grupo de artistas alunos da AIBA
41
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta... p. 226.
42
Estudiosos da biografia e obra de Gonzaga Duque afirmam que ele era influenciado pelo
positivismo. Para Chiarelli, o crítico apegara-se a uma concepção de arte moderna que abandonava os
temas ligados à tradição e, tal qual o positivismo, enaltecia os valores morais da contemporaneidade,
representados nos temas doméstico e familiar. Gonzaga Duque também era influenciado por Taine e
Veron, que não se distanciavam das concepções de Comte acerca da imitação e expressão dos
sentimentos nas artes. CHIARELLI, Tadeu. Gonzaga Duque: a moldura e o quadro da arte brasileira.
Gonzaga Duque. A Arte Brasileira... p. 32-36, 39. Vermeersch salienta que a admiração de Gonzaga
Duque pelo escultor Almeida Reis não se restringia apenas à sua obra, mas também ao positivismo,
como pode ser visto no livro Mocidade Morta. A influência de Taine (que tomou conhecimento da
estética positiva) no livro A Arte Brasileira é inegável. VERMEERSCH, Paula F. Notas de um
estudo... p. 39, 78. Para Vera Lins, no entanto, Gonzaga Duque era um crítico irônico do positivismo.
LINS, Vera. Imagens que pensam os trópicos. http://www.casaruibarbosa.gov.br e Gonzaga Duque:
crítica e utopia na virada do século. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa. 1996. p. 13.
43
GONZAGA DUQUE. Mocidade Morta… p. 228-229.
134
44
GONZADA DUQUE. O aranheiro da Escola. Kosmos, Ano IV/08. Agosto de 1907.
45
GONZADA DUQUE. O aranheiro...
46
GONZADA DUQUE. O aranheiro...
47
A exposição do quadro Rendição de Uruguaiana, de Pedro Américo, e a atitude e elogios dos
visitantes, ficcionada em Mocidade Morta, revelam um pouco das críticas de Gonzaga Duque ao
sistema bajulador e clientelista em que a Academia estava envolvida. GONZAGA DUQUE. Mocidade
Morta… p. 15-28.
135
aranheiro.
48
Uma conversa que tive com Mário Barata, na sede da Associação Brasileira de Imprensa – Rio de
Janeiro ― revelou que seu tio, Frederico Barata, havia feito durante anos uma extensa pesquisa nos
jornais cariocas sobre a polêmica Modernos X Positivistas, mas perdera a pasta com todas as suas
notas. É possível que ao escrever o livro Eliseu Visconti e seu tempo, o autor tenha contado então
apenas com suas memórias e a entrevista com Visconti.
49
CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. O conceito de modernidade e a Academia Imperial de Belas
Artes do Rio de Janeiro. Relatório Final de Bolsa de Recém-Doutor EBA/UFRJ/CNPq. 2001.
Agradeço à autora pela gentileza da disponibilização de seu texto inédito, que foi fundamental para a
confirmação de minha pesquisa.
136
Modernos nada tinham de revolucionários quanto à estética; mesmo seu principal mentor,
Rodolpho Amoedo, continuava sendo artista acadêmico. Quanto aos anseios de mudança no
ensino das artes, o grupo dos Modernos visava a uma reforma ampla nos estatutos da
Academia, dando maior liberdade de didática aos professores, renovando sua direção e
restabelecendo o Prêmio Viagem.50
Os positivistas eram os mais radicais, defendiam a extinção da Academia e
pareciam diferentes “mas no fundo, eram os mesmos depositários fidelíssimos do espírito da
Missão Francesa”51. Eles também eram insubmissos, até mais que os Modernos, porém
ficaram apenas no plano das idéias e não das ações. Para Barata, os positivistas Décio
Villares, João Montenegro Cordeiro e Aurélio de Figueiredo não eram contra o ensino
acadêmico, apenas desejavam ampliá-lo aos alunos mais desfavorecidos e garantir emprego
aos artistas no magistério das artes; para isso, não bastava somente reformar os estatutos da
Academia, como queriam os Modernos, mas era necessário modificar a base do ensino
artístico.52 Viu-se porém, que a garantia de emprego, na ótica dos positivistas, não se daria por
meio da regulamentação profissional via diplomas acadêmicos.
Para pressionar o governo, os dois professores da Academia e um grupo de alunos
a abandonaram e fundaram o Atelier Livre. O governo, por seu turno, não resistiu à revolta e
acabou por nomear esses professores para montar um projeto de reforma da Academia. Barata
conclui que a vitória dos Modernos foi completa.
O primeiro problema evidenciado na descrição de Barata é quanto ao período dos
acontecimentos: o autor situa a disputa entre os Modernos X Positivistas nas vésperas
republicanas e mais adiante no texto refere-se à insubmissão como ocorrida em 1888.53
Problema menor de cronologia, apenas uma troca de datas, se os eventos não fossem
50
BARATA, Frederico. Eliseu Visconti e seu tempo. Rio de Janeiro: Zelio Valverde, 1944. p. 29-37.
51
BARATA, Frederico. Eliseu Visconti... p. 27-37.
52
BARATA, Frederico. Eliseu Visconti... p. 29-37.
53
Quando li pela primeira vez o livro de Frederico Barata fiquei muito intrigada com as datas
apresentadas para os eventos dos insubmissos. Perguntava-me se tal movimento teria ocorrido ainda
na Monarquia. Parecia-me que um movimento de rebelião e questionamento institucional por que
passava a Academia combinava mais com os ânimos republicanos. Quando fiz a pesquisa nos jornais
cariocas publicados neste período, consultei todo o ano de 1888 e não encontrei informação alguma
sobre o assunto. Concluí que aquele primeiro jornal consultado não tratou do assunto. Assim,
pesquisei no AEL-Unicamp os jornais Gazeta da Tarde (MR1587), Gazeta de Noticias (MR967),
Jornal do Commercio (MR 1389) e Revista Ilustrada (MR 837), e nada foi encontrado com relação ao
tema. O mistério se avolumava, e passei a consultar os jornais publicados em 1889. As primeiras
notícias sobre o projeto de Villares apareceram em dezembro deste ano. Acrescentei então à pesquisa
os jornais O Paiz (MR1082) e Correio do Povo (MR2114) e a estendi a 1890, quando o movimento
dos insubmissos se acirrou.
137
Alunos citados/obra
54
CAVALCANTI, Ana Maria Tavares. O conceito de modernidade... p. 34 e 40.
55
MARQUES, Luiz. 30 mestre... p. 22.
139
ensino artístico, que cada grupo ou personagem reivindicava a primazia das idéias de reforma
ou extinção da Academia e também a autoria e liderança do Atelier Livre. É possível notar,
nos relatos biográficos e em narrativas memorialisticas de políticos, militares, escritores e
artistas que viveram a passagem do século XX e os anos iniciais de República, um tom
ufanista acerca daqueles tempos, em que esses narradores se colocavam como os
protagonistas das mudanças e os autores das idéias, normalmente projeções que homens no
final da vida tinham de sua juventude. Isto parece ter ocorrido também com Visconti.
56
FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O ensino de pintura....p. 37.
57
Oficio ao Ministro dos Negócios do Império. 27.02.1888. IE7 - 49 -1888. n. 263. AN.
Oficio ao Ministro dos Negócios do Império. 05.09.1888. IE7 - 49 -1888. n. 255. AN.
140
diretores da Academia que o recomendavam ao Ministro. Pode-se pensar que não era bem
claro para os colegas que o avaliavam o significado e extensão da adesão de Villares à estética
comtiana. Talvez não percebessem que o programa de Comte para as artes ia, como se viu no
primeiro capítulo, de uma narrativa histórica e avaliação das escolas artísticas à luz dos
conceitos positivos, passando por uma crìtica às artes contemporâneas, até uma proposta de
renascimento positivista, essencialmente fundamentado no ensino de artes; Villares aderiu à
tal proposta, porém não foi o que aconteceu com a linha de ensino artístico implementada por
Branardelli.
A disseminação de textos sobre estética positivista era muito tímida no Brasil e na
França também não foi corrente. O levantamento bibliográfico para a pesquisa indicou que,
exceto as publicações da IPB, que serão analisadas no próximo capítulo, poucos textos sobre
arte positivista foram publicados no Brasil. Um crítico de arte chamado Luiz de Andrade,
publicou uma série de artigos na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, sobre o quadro A
Batalha do Avahy, de Pedro Américo. Ele se dizia “discípulo humilde da grande escola
positivista”58, no entanto não recorreu à conceituação de estética positivista para analisar o
quadro da Batalha. Em 1917, Vicente Licínio Cardoso, engenheiro e ex-aluno da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro, se candidatou a cadeira de história da arte na ENBA
apresentando uma tese de filosofia da arte, baseada no positivismo, mas não obteve aprovação
neste concurso. Ele se tornou professor da Escola anos mais tarde.59 Levantamento
bibliográfico no acervo do MNBA, que originalmente pertencia à biblioteca da ENBA,
revelou que não havia livros sobre estética positivista a disposição dos alunos estudantes de
belas artes. Nem mesmo o livro de Hippolyte Taine, Philosophie de l’art, influenciado pelo
cientificismo comtiano, integrava a biblioteca da Escola.60
Defendendo os princípios estéticos positivistas é que Villares recusou o cargo de
professor e, mais tarde, propôs o projeto de reforma do ensino artístico e de extinção da
Academia. Em maio de 1889, enviou, assim, ofício ao Ministro dos Negócios do Império
declinando do cargo para o qual havia sido eleito. Vale reproduzir parte da carta pela
58
ANDRADE, Luiz de. A Batalha de Avahy, quadro do Dr. Pedro Américo. Gazeta de Notícias,
23.10.1877; Bellas Artes ― A Batalha de Avahy. Gazeta de Notícias, 29.10.1877; Bellas Artes ― A
Batalha de Avahy. Gazeta de Notícias, 02.11.1877.
Agradeço a gentileza de Hugo Guarilha que me forneceu cópias destes artigos, fruto de sua pesquisa
de mestrado na Unicamp.
59
CARDOSO, Vicente Licínio. Filosofia da Arte ― síntese positiva e notas à margem. Rio de Janeiro:
Leite Ribeiro, 1918.
60
TAINE, Hippolyte. Philosophie de l’art. Paris: Libririe Hachette, 1905.
Agradeço a gentileza de Mary K. Shinkado, bibliotecária do MNBA, pelas informações sobre o acervo
bibliográfico.
141
argumentação que o artista fazia sobre o mal de instituições de ensino como a AIBA. Essas
são suas primeiras opiniões públicas sobre a Academia, as quais, ao final deste mesmo ano,
empolgado pelas esperanças republicanas, transformou na campanha pela extinção.
61
Oficio ao Ministro do Império. 03.05.1889. IE7 - 49 -1888. n. 261. AN.
62
WEIZ, Suely de Godoy. O caráter ideológico da estatuaria comemorativa – o monumento ao
General Osório. Anais da ANPAP 1996. http://www.arte.unb.br/anpap/weisz.html
142
confecção de telas e painéis, etc, ou minutas de cartas do mesmo indicando colegas artistas
para realizarem obras para o governo.
O poder que Rodolpho Bernardelli atingiu no meio artístico ia além de sua
qualidade escultórica e também lhe legou um grande número de desafetos, inclusive Villares,
que havia sido seu colega de Academia e grande amigo quando das estadas de ambos na
Europa. Em 1895, a administração de Bernardelli na Escola parecia sofrer um duro golpe:
alguns de seus antigos colegas que haviam apoiado o Atelier Livre e a reforma da Academia
novamente se rebelavam, agora contra sua administração. Era a “injustiça dos colegas
desafeiçoados”, segundo Rodolpho Bernardelli. Villares era o terceiro a subscrever o abaixo-
assinado e enquete feita por Antonio Parreiras em que questionava se a ENBA promovia o
desenvolvimento das artes no país e se seu ensino era bem orientado. 24 artistas, pintores,
arquitetos e escultores votaram que não.63
Cosme Peixoto, conhecido por ter uma rusga pessoal com o escultor Bernardelli e
que em 1890 criticou seu projeto e aproveitava para chamar a atenção que as demais folhas
nada mais eram do que seus louvadores, voltou à carga de repreensões, cinco anos depois,
quando o artista já era Diretor da Escola, reclamando do monopólio do escultor:
“Multipliquem-se, pois, as estátuas dos grandes homens – mas para fazel-as [sic] todas não
haja um só projetista, o sr. Rodolpho; um só estatuário o sr. Bernardelli; um só contractante o
sr. Director da Escola Nacional; e um só privilegiado o sr. Professor sem discípulos.”64
Gonzaga Duque também não se furtava de criticar suas atitudes concentradoras: “O Sr.
Professor Rodolpho Bernardelli, Diretor perpétuo e senhor absoluto da escola de Bellas Artes,
não sei commendador de várias ordens estrangeiras, conselheiro esthetico do governo e outras
instituições, monopolizava todas as admirações e todos os trabalhos.”65
Com o “aparelhamento” que Rodolpho Bernardelli fez da ENBA e com o poder
alcançado ao longo de quase 25 anos na direção, sua situação sempre foi alvo de muitas
críticas por parte dos artistas atentos à estrutura clientelista que se estabelecera na Escola após
a República. Os favorecimentos a seu irmão Henrique Bernardelli, por exemplo a compra do
quadro Os Bandeirantes, contra o parecer da comissão de professores encarregada de julgar a
obra e por um valor também contestado, pois foi o quadro de maior valor adquirido pela
Escola entre 1890 e 1903, segundo levantamento na documentação sobre a ENBA no Arquivo
63
Abaixo-Assinado. 15.11.1895. Pasta n. 8, doc n. 413. MNBA.
64
Citado em: WEIZ, Suely de Godoy. O caráter ideológico...
65
Citado em: WEIZ, Suely de Godoy. Rodolpho Bernardelli, um perfil do homem e do artista segundo
a visão de seus contemporâneos. 180 anos de Escola... p. 251.
143
66
IE7 107 – 1890 a IE7 117 – 1903. AN.
67
FREIRE, Laudelino. Um século de pintura. Época de desenvolvimento...
68
Carta de Décio Villares a Borges de Medeiro. Porto Alegre. 28.10.1916. n. doc. 6365. IHGRS.
144
69
Outros esboços também estavam sendo propostos, como o de Firmino Monteiro, de Pedro Américo
e de seu irmão Aurélio de Figueiredo. O esboço de Pedro Américo é de 1889 e pertence ao acervo
artístico dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo. O quadro não foi realizado.
70
VILLARES, Décio. Discurso pronunciado pelo pintor Décio Villares ao inaugurar os trabalhos de
seu quadro commemorativo no dia 13 de maio de 1889. Rio de Janeiro: Typ. Central, 1889. MCBC
145
71
VILLARES, Décio. A Epopéia Africana no Brazil – 1ª. Circular. Rio de Janeiro. 01.07.1888.
MCBC.
72
VILLARES, Décio. A Epopéia Africana no Brazil – 2ª. Circular. Rio de Janeiro. 21.04.1889. p. 1.
MCBC.
73
LEMOS, Miguel e MENDES, Teixeira. A Epopéia Africana no Brazil do Sr. Décio Villares –
Adezão motivada e apelo ao povo brazileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: IPB. 1935. p. 11-12.
146
74
MENDES, Teixeira. Esboço de uma apreciação sintética da vida e da obra do Fundador da
República Brazileira.2ª.ed. Rio de Janeiro:IPB, 1913. p. 415.
75
Carta de Décio Villares ao redator do jornal O Paiz, 31.01.1898. Agradeço a gentileza de Fabiana A.
Guerra Grangeia de me fornecer este artigo e outros do jornal O Paiz, de sua pesquisa de mestrado na
Unicamp. Tais textos ajudaram muito a esclarece o destino do quadro A Epopéia.
147
Presidencial, no Catete. Por conta desse trabalho, conseguiu colocar neste espaço muitas de
suas obras, que integram hoje a pinacoteca do Museu da República, com 12 trabalhos,
principalmente óleo sobre tela. Essa coleção foi composta por objetos artísticos procedentes
do próprio Palácio da República e do Museu Nacional de Belas Artes. 76
O Museu Nacional de Belas Artes foi criado em 1937 e absorveu grande parte da
pinacoteca da ENBA. No seu acervo encontrou-se 22 trabalhos de Villares na sessão de
pintura. É surpreendente o número de obras do artista neste Museu, visto sua difícieis
relações com o meio oficial das artes. Mas nenhuma destas pinturas foi vendida pelo próprio
Villares. Quando ele morreu em 1931, sua esposa colocou fogo no atelier, mas não no seu
espólio artístico, que foi comprado pela ENBA, em 1936, e transferido ao Museu de Arte em
1937.77 Na pinacoteca da ENBA, Museu Dom João VI da UFRJ, existem apenas dois
trabalhos de Villares.
A estratégia de Villares, tendo poucas chances de trabalho no governo federal, foi
conquistar outros nichos de encomendantes, como será visto no próximo capítulo.
76
A documentação dessa contratação de Villares não foi localizada no Arquivo Nacional. Grande
parte da documentação gerada pelo Ministério dos Negócios do Interior, responsável pela contratação
de artistas para trabalhos em prédios públicos, está no fundo GIFI deste Arquivo, um fundo não
identificado que abrange todo o Brasil, sendo assim inexeqüível uma pesquisa sobre encomendas de
obras de arte por parte do governo republicano. O Arquivo do Museu da República não possui
documentação sobre a reforma do prédio.
77
ACTOS DO PODER LEGISLATIVO. Lei n. 58 de 24 de maio de 1935. Autoriza a aquisição de
obras de pintura e escultura deixadas pelo artista brasileiro Décio Villares. MNBA.
Termo de ajuste firmado entre a ENBA e a Exma. Sra. D. Dolores de Souza Martins Villares, herdeira
do falecido pintor Décio Villares. Rio de Janeiro, 22.01.1936. MNBA.
148
1
BOEIRA, Nelson F. O Rio Grande... e CARVALHO, José M. O positivismo...
2
CARVALHO, José M. A Formação... p. 129-140.
3
LEMOS, Renato. Benjamin... p. 235-236.
4
CASTRO, Celso. Os militares e a República – um estudo sobre cultura e ação política. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1995. p. 66-67.
149
Rio Grande do Sul.5 Leal mostrou como Júlio de Castilhos, que estampou na Constituição
gaúcha nítida influência de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, leitores estritos de Comte,
recomendou à noiva Honorina leituras de filosofia positiva do dissidente Émile Littré, mas
nenhuma obra comtiana.6
Percebe-se, assim, que não basta comparar a teoria comtiana com as ações dos
positivistas brasileiros; é necessário mostrar de que maneira essa doutrina foi reprocessada no
ambiente intelectual de forma a inspirar práticas de intervenção social. Com isso, veremos que
nem todas as atividades cívicas de exaltação a heróis foram promovidas por indivíduos que
aceitavam o positivismo, nem todos os quadros de pintura histórica sobre Tiradentes tiveram
o positivismo a instruir o artista, e nem todos os projetos de monumento a Benjamin Constant
ou a República tiveram por fundamento a doutrina comtiana. Viu-se inclusive que mesmo os
artistas Décio Villares e Eduardo de Sá, que acreditavam na sua tarefa no renascimento
artístico positivista, nem sempre conseguiam ser coerentes, porque, às vezes, vender um
quadro ou conseguir um contrato eram necessidades que se impunham.
Tem-se como argumento neste capítulo que houve no Brasil encomendantes de
obras de arte que tinham condições de negociar com os artistas positivistas, já que conheciam
a doutrina comtiana no que se referia à estética, até publicando opúsculos e folhetos sobre
arte. Outros encomendantes, com uma idéia meio vaga do positivismo e usando-o como uma
forma de distinção política, contrataram os artistas por estes integrarem uma rede ampla de
positivistas, neste caso, sãos as redes pessoais, as influências e recomendação que imperam.
Ambos os tipos de encomendantes são fundamentais: os primeiros nos ajudam a mostrar que
as obras de arte encomendadas integram práticas políticas que lhes dão mais ou menos caráter
positivista. Ou seja, não é apenas no conteúdo que uma obra é positivista, mas também nos
usos e práticas políticas que os encomendantes farão delas. Os outros nos ajudam a perceber
como o positivismo foi usado para práticas não positivistas, como, por exemplo, o
intimidamento, a exclusão política, o cerceamento das liberdades civis e da opinião pública, e
como obras de arte serviam para esse fim. Como evidenciou Catroga para a o ritualismo
comemorativista português, também influenciado pelo positivismo, a exaltação dos mortos,
5
PEZAT, Paulo R. Carlos Torres Gonçalves, a família, a pátria e a humanidade: a recepção do
positivismo por um filho espiritual de Auguste Comte e Clotilde de Vaux no Brasil (1875-1974). Porto
Alegre: PPG/História – UFRGS, 2003. (Tese de Doutorado)
6
LEAL, Elisabete. Castilhos e Honorina: fragmentos biográficos em cartas de amor. Métis – História
e Cultura. UCS. v. 2, n. 3. 2003. p. 109-127.
150
sob forma de monumento inclusive, pode servir para adular ou ferir os vivos.7 Analisaremos,
assim, três exemplos de encomendantes: os membros da IPB, alguns militares integrantes do
Clube Militar do Rio de Janeiro, mais detidamente Agostinho Raymundo Gomes de Castro, e
os dirigentes do governo do Estado do Rio Grande do Sul.
7
CATROGA, Fernando. Ritualizações da História. In: História da História de Portugal. Lisboa:
Temas e Debates, 1998. p. 222.
8
LEMOS, Renato. Benjamin... p. 239-240.
9
As atividades da Sociedade Positivista do Rio de Janeiro estão relatadas em: MENDES, Raymundo
Teixeira. Rezumo cronológico da evolução do pozitivismo no Brazil. Rio de Janeiro: IPB, 1930;
LEMOS, Miguel. Resumo histórico do movimento positivista no Brasil. Ano de 1881. Relatório anual
enviado ao Diretor Supremo do Positivismo em Pariz. 2. ed. Rio de Janeiro: IPB, 1981. 1. ed. 1881.
151
10
Um duplo evento levou ao rompimento. O ex-presidente da Sociedade Positivista do Rio de Janeiro,
Joaquim Ribeiro de Mendonça, fazia parte da Igreja. Ele se candidatou à Câmara dos Deputados e
publicou no jornal a fuga de um de seus escravos. Imediatamente Miguel Lemos o repreendeu pelos
dois erros, já que o positivismo condenava a participação parlamentar e a propriedade de escravos por
adeptos da Religião da Humanidade. Joaquim Mendonça abandonou a Igreja e escreveu a Laffitte
reclamando da ortodoxia de Lemos na direção da mesma. Laffitte, por sua vez, escreveu a Lemos
repreendendo-o por sua intransigência doutrinária, o que levou ao desvinculamento da Igreja brasileira
da orientação religiosa francesa.
11
LEMOS, Miguel. Resumo histórico... p. 21.
152
Carvalho chamou a atenção para o quanto Miguel Lemos não estava sendo
ortodoxo ao designar as classes médias como veículos da transformação social brasileira. A
tática dos ortodoxos brasileiros tinha finalidade sobretudo política, “com idéias precisas sobre
a tarefa a realizar e os meios a utilizar [...] era um bolchevismo de classe média.”13 Parte
dessas intervenções se deram por meio de textos, e outra, de imagens.
12
LEMOS, Miguel. Resumo histórico... p. 22.
13
CARVALHO, José M. A Formação... p. 138.
14
Em 1996, organizei juntamente com o historiador Paulo R. Pezat o acervo da Capela Positivista de
Porto Alegre. Nesse trabalho, foi possível fazer um arrolamento completo de todas as publicações da
Igreja Positivista, aquelas editadas oficialmente pela instituição no Rio de Janeiro, em Porto Alegre e
em Paris. Esse arrolamento foi publicado em: LEAL, Elisabete e PEZAT, Paulo Ricardo (org.).
Capela Positivista de Porto Alegre: acervo bibliográfico, documental e iconográfico. Porto Alegre:
SMC/Fumproarte; PPG/História-Ufrgs, 1996. 155p.
153
Miguel Lemos entendia que a sociedade brasileira estava ávida por uma solução
civilizatória para o país, além de ser muito favorável a celebrações de todo tipo, e o
positivismo oferecia isso. Relatando as festas da Sociedade Positivista, e depois da IPB,
15
A partir de 1930, nota-se um contínuo decréscimo no número das publicações, tendo-se nas décadas
de 1930, 52 títulos; 1940, 26 títulos; 1950, 8 títulos e 1960, 3 títulos. Nas décadas de 1930 e 40 existe
uma porcentagem elevada de publicações políticas e mistas versando sobre o militarismo e a II
Guerra.
154
afirmou que essas manifestações acabaram por despertar a curiosidade do público brasileiro
pela nova religião. Comte já havia adiantado que as nações americanas, por sua colonização
ibérica, seriam as mais indicadas a aceitarem a Religião da Humanidade. Primeiro, porque
não tinham ainda um clero poderoso, corporações dominantes, tradições parlamentares e nem
um industrialismo opressor; segundo, porque o entusiasmo natural das populações ibéricas,
combinado com as tradições católicas de adoração à Maria, iria acolher com simpatia a nova
religião e suas festas.
A IPB seguiu os preceitos comtianos do uso de obras de arte em celebrações
religiosas e cívicas. Miguel Lemos afirmou: “O Positivismo é sobretudo uma religião
cívica.”16 Essa visão de positivismo mostra a estratégia adotada pelos líderes da IPB voltada
para as classes médias, com mais condições escolares de compreender a mensagem positivista
nos textos e imagens do que a população imigrante, proletária ou escrava. Os anos anteriores à
proclamação da República, justamente o período de afirmação da IPB enquanto uma
instituição que se propunha debater e influenciar a sociedade brasileira, foram propícios para
arregimentar essas classes médias para um projeto político com fins religiosos, e, por isso, a
IPB tornou-se tão empenhada no emprego de imagens dos heróis nacionais. A seguir,
apresenta-se a reprodução de duas fotografias sem referência de data, de altares cívicos
organizados pelos positivistas membros da IPB, cujos elementos de culto religioso e cívico se
integravam.
16
LEMOS, Miguel. Resumo histórico... p. 29.
155
separação entre Igreja e Estado, na República, não havia qualquer iniciativa deles para instalar
quadros ou bustos de Comte em espaços públicos.
O quadro a seguir apresenta um inventário do acervo de obras de arte da IPB, no
Templo da Humanidade ― no Rio de Janeiro, na Capela Positivista ― em Porto Alegre, e na
Capela da Humanidade (Casa de Clotilde) ― em Paris.17 Entende-se, assim, por obras da
Igreja as que estão depositadas nestes locais ou que estão em espaços públicos, como é o caso
de monumentos e hermas, mas que foram financiadas pela IBP ou algum de seus membros.
Estão arrolados os quadros, bustos, estandartes, estatuetas, maquetes, monumentos,
litografias, bandeiras e medalhões feitos apenas por artistas brasileiros. Não estão incluídas as
fotografias dos membros da IPB, ilustrações em geral e fotografias de obras de arte. O período
do levantamento inicia-se em 1880, ainda durante a atuação da Sociedade Positivista do Rio
de Janeiro, pois seu acervo foi incorporado à IPB. O inventário possibilita visualizar a
extensão do envolvimento de Décio Villares e Eduardo de Sá na confecção de obras de arte
tanto de culto religioso quanto cívico para a IPB.
Foi possível fazer o inventário porque a IPB costumava fazer inauguração das
obras que eram incorporadas ao acervo, sempre em datas que coincidiam com o calendário
sociolátrico e cívico. Estas festas eram relatadas nos Boletins Mensais e nas Circulares
Anuais, ou em folhetos específicos, mas raramente a Igreja publicava textos dedicados
exclusivamente às obras. Estas podem ser divididas em religiosas (representações de Comte,
Clotilde, homenageados do Calendário, diretores da Igreja) e as cívicas (heróis nacionais).
Somente as obras envolvidas nas festas cívicas tiveram folhetos explicativos publicados.
O quadro está organizado por artista e pelo ano em que a obra passou a integrar o
acervo da IPB. O material consultado não menciona informações como dimensões, valor e
forma de aquisição das obras. Um levantamento in loco no Templo do Rio de Janeiro e na
Capela Positivista de Porto Alegre confirmou os dados obtidos nos folhetos da IPB. O quadro
mostra a implicação da IPB com a confecção de obras de arte, inclusive envolvendo artistas
não positivistas, ao longo de seus 50 anos de atuação sistemática.
17
Esses são os três espaços de culto da IPB. O templo no Rio de Janeiro foi construído entre 1890 e
1897. A casa de Clotilde foi comprada pelos brasileiros e transformada em sala de culto entre 1903 e
1905. A capela de Porto Alegre foi erguida entre 1912 e 1928. A casa de Comte, seu acervo
documental e biblioteca ficaram com os positivistas franceses. A casa foi transformada em sede da
Sociedade Positivista, dirigida por Laffitte. Os positivistas brasileiros, chilenos e ingleses sentiam-se
inconformados com isso e, durante vários anos, fizeram uma subscrição para comprar a casa e resgatar
os papéis de Comte, mas não conseguiram.
157
gesso
Óleo sobre
1911 Viuvez eterna Eduardo de Sá Rio de Janeiro
tela
Estandarte da Óleo sobre
1912 Décio Villares Porto Alegre Inauguração da Capela de Porto Alegre
Humanidade tecido
Estatueta em Celebração do 4o. centenário do
1915 Santa Tereza Décio Villares Rio de Janeiro
barro nascimento de Santa Tereza
A Primeira Óleo sobre
Celebração do 1o. centenário do
1915 Comunhão de tela Décio Villares Rio de Janeiro
nascimento de Clotilde de Vaux
Clotilde
Medalhão em Comemoração de 6o. centenário de morte
A Festa Inaugural
1921 bronze Décio Villares ? de Dante. Obra para ser colocada no
da Redenção
túmulo de Dante, em Ravena, Itália
Calendário Aquarela
Original para fazer edições
1923 Positivista sobre papelão Décio Villares Rio de Janeiro
cromolitográficas
Histórico
São Francisco de Óleo sobre
Assis, em êxtase, tela Celebração do 7o. centenário de morte de
1924 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
institui o Cântico São Francisco de Assis
do Sol
Jazigo de Candido Medalhões
1924 Caetano de em bronze Eduardo de Sá Rio de Janeiro Homenagem da IPB ao artista
Almeida Reis
Busto em
1925 Tiradentes gesso, Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Busto em
1925 José Bonifácio gesso, Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Busto em
Benjamin
1925 gesso, Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
Constant
colorido
Busto em
1925 Floriano Peixoto gesso, Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Busto em
1925 Rio Branco Décio Villares Porto Alegre Encomendado para a Festa Cívica
gesso
Busto em
1925 Heloisa Décio Villares Porto Alegre
gesso
A Festa Inaugural Óleo sobre
1926 Décio Villares Rio de Janeiro Ornar o coro do Templo
da Redenção tela
Benjamin Monumento Décio Villares e Homenagem a “Benjamin Constant,
1926 Rio de Janeiro
Constant em bronze Eduardo de Sá Fundador da República Brasileira”
Monumento a São Maquete em Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Francisco de Assis gesso São Francisco de Assis
São Francisco de Monumento Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Assis em bronze São Francisco de Assis
A despedida de Óleo sobre
Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Irmã Jacquelina de tela Eduardo de Sá Rio de Janeiro
São Francisco de Assis
Settesoli
A glorificação de Óleo sobre
Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 São Francisco de tela Eduardo de Sá
São Francisco de Assis
Assis
A penúltima Óleo sobre
estrofe do Cântico tela Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
do Sol – Graças São Francisco de Assis
pelos que perdoam
A última estrofe – Óleo sobre Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Graças pela morte tela São Francisco de Assis
160
corpórea
A vocação de São Óleo sobre Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
Francisco de Assis tela São Francisco de Assis
A vocação de São Óleo sobre Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Francisco de tela Eduardo de Sá Porto Alegre São Francisco de Assis. Doação de
Assis, cópia Ernesto de Otero
Óleo sobre tela, Óleo sobre
Francisco de Assis tela Celebração do 7o. centenário de morte de
1926 Eduardo de Sá Rio de Janeiro
confraternizando São Francisco de Assis
com os leprosos
Medalhão em
Imagem da Frontão da Capela Positivista de Porto
1926 alto relevo Luís Sanguin Porto Alegre
Humanidade Alegre
em gesso
Imagem da Óleo sobre Ornamentação do Altar da Capela em
1927 Eduardo de Sá Porto Alegre
Humanidade tela Porto Alegre
Monumento Marcar o local onde morreu Tiradentes,
1931 Tiradentes Eduardo de Sá Rio de Janeiro
em bronze hoje Escola Municipal Tiradentes
Raimundo Busto em Celebração do 1o. cinqüentenário de morte
1977 Bruno Giorgi Rio de Janeiro
Teixeira Mendes bronze de Raimundo Teixeira Mendes
Percebe-se que, entre os anos de 1889 e 1901, houve uma entrada maior de obras
de arte no acervo da IPB, apenas no Rio de Janeiro, coincidindo com a Proclamação da
República (incorporação ao acervo de vários bustos que seriam usados nas celebrações
cívicas) e com a construção e conseqüente decoração do Templo da Humanidade, construído
entre 1890 e 1897. Entre 1922 e 1928, os números de obras novamente sobem devido à
decoração da Capela Positivista de Porto Alegre.
Neste período, final dos anos vinte, com a morte de Teixeira Mendes em 1927, a
IPB entrou em situação de franco esvaziamento de poder, e seus membros, dirigidos por uma
delegação executiva, se esforçavam para manter as atividades. Destaca-se, nesse momento,
um membro que atuou como um mecenas positivista – Amaro Corrêa da Silveira.
161
Um mecenas positivista
18
SILVEIRA, Amaro. Commemorando o terceiro lustro da fundação da Firma Amaro da Silveira &
Cia. Rio de Janeiro. 1930.
162
duas nações. Amaro da Silveira publicou vários folhetos relatando a história da construção da
obra, mas nunca escreveu sobre estética. Nas publicações oficiais da IPB ― Circulares Anuais
e Boletins ―, Teixeira Mendes se preocupava em esclarecer que a obra havia sido feita por
iniciativa e encomenda de Amaro da Silveira. Embora Amaro tenha financiado o trabalho e o
tenha oferecido em seu nome à cidade, a concepção filosófica da obra coube a Teixeira
Mendes, que discutiu a encomenda diretamente com Villares.
19
Todas as publicações da IPB sobre arte ou artistas estão arroladas nas referências bibliográficas.
164
A Nudez
Étex, o artista deveria ser purificado de seus erros estéticos e assim estaria para sempre ligado
à história do positivismo. O erro de Almeida Reis foi ter feito a escultura O gênio e a miséria
representando a mulher em uma imagem angustiosa e sofrida.20 Gonzaga-Duque assim
descreve a imagem da Miséria – mulher – de Almeida Reis: “Alta, óssea, andrajosa,
sinistramente majestosa na sua compostura atrevida e nojenta!”21 Se Almeida Reis tivesse se
convertido ao positivismo, jamais teria imaginado tal representação das mulheres, diziam os
positivistas. Era a impropriedade da imagem feminina o mote para o tema da nudez.
A representação da figura feminina era importante para os positivistas, pois,
segundo Comte, essa seria sempre a imagem da Humanidade. O culto da mulher deve,
segundo os princípios comtianos, se voltar para a mulher mãe, esposa, filha e irmã, e suas
imagens devem ser compatíveis com essas funções. Portanto, reproduzir corpos femininos
desnudos ou em poses sensuais, ou representar a mulher em imagens degradantes, como a
Miséria, de Almeida Reis, era despropositado para os líderes da IPB. Eles explicavam que é
no rosto, e não no corpo, que as qualidades morais devem ser representadas; “o pé ou a perna
não têm a expressão de um olhar.”22
Os positivistas brasileiros viam a arte de forma muito pragmática, inclusive em
temas menos práticos como a moral. Se a arte servia para estimular o sentimento do altruísmo,
a nudez na arte levaria à degradação moral humana. Mostrando cenas de virtude, formavam-
se virtuosos, mostrando cenas sensuais, estimulava-se o sexo, que para Comte era, mesmo que
necessário à reprodução humana, fruto de sentimentos egoístas e grosseiras excitações
masculinas.23 Assim, “os quadros de degradação tendem a desmoralizar os que os contemplão
e os que os imaginam, por cauza de ecitação [sic] que prodúzem nos instintos egoístas, já de si
tão enérgicos.”24
A questão é por que o tema da nudez e da sensualidade, sempre femininas, aparece
nos textos da Igreja? Não que Comte não tivesse tratado do assunto. Ele abordou o tema
comentando as esculturas gregas, que haviam exagerado nos seus melhoramentos,
apresentando imagens muito reais e representações corporais perfeitas que camuflavam a falta
de elevação moral.25 As esculturas gregas a que Comte se referiu eram em grande parte
20
A obra O Gênio e a Miséria, em bronze, está em exposição no Museu Nacional de Belas Artes.
21
GONZAGA-DUQUE. A arte brasileira... p. 248.
22
MENDES, Raimundo Teixeira. O escultor brasileiro Candido... p. 44.
23
Sobre as funções de mulheres e homens no casamento positivista e a abstinência sexual ver: LEAL,
Elisabete. O Positivismo... p. 60-64.
24
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 9.
25
COMTE, Auguste. Système de Politique Positive. Tomo III... p. 287-288.
166
representações de homens. Por que os positivistas brasileiros adaptaram esse discurso à nudez
feminina? Os textos não revelam a resposta; portanto, tem-se apenas uma hipótese: talvez eles
quisessem reverter o discurso da imoralidade intrínseca da mulher, principalmente, da negra,
presente nos textos antiabolicionistas e no imaginário social, resquício do período escravista.
26
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 10.
27
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 11.
28
LEMOS, Miguel. Resumo histórico... p. 32-33.
29
LEMOS, Miguel. Circular acerca da festa nacional do 7 de setembro. In: Resumo histórico... p. 72.
30
CARVALHO, José M. A Formação... p. 139.
167
31
MENDES, Raimundo Teixeira. O Barão do Rio Branco. 2. ed. Rio de Janeiro: IPB, 1937. p. 32. (1.
ed. 1912)
32
LEMOS, Miguel. Determinação do lugar em que foi supliciado o Tiradentes. 2. ed. Rio de Janeiro:
IPB. 1936. p. 7. (1. ed. 1892)
168
mais ainda, ele deveria estar representado com as mesmas roupas. Os monumentos a
Tiradentes e a Benjamin Constant serão analisados no próximo capítulo.
As homenagens com o busto a Danton giraram em torno também do
agradecimento, mas o importante era a recuperação de sua memória, caluniada por seus
inimigos. Os positivistas entendiam que Comte e Congreve haviam feito a reabilitação
histórica de Danton, em textos, e esta se consolidava com a recuperação de sua imagem física,
por meio do busto. No passado, Danton fora representado como brutal, feio, feroz, venal,
cínico e poltrão. O busto era uma reabilitação da verdadeira imagem do herói francês: de
fisionomia distinta, demonstrando inteligência, cultura, fina educação, mas sobretudo
representando sua energia máscula e sua bondade. O busto, por ter sido bem representado, na
visão dos membros da Igreja, conseguiu retratar as qualidades morais do homenageado. O
busto de Almeida Reis operava a reabilitação estética de Danton, completando a reabilitação
histórica feito por meio de textos.33
A preocupação dos positivistas da IPB com a verdade histórica, com o local dos
episódios, com a vestimenta ou aparência dos representados é significativa se considerarmos
as intenções políticas dos mesmos. Assegurar suas versões ou interpretações da história era
uma forma de garantir a intervenção política, e, interpretando Comte, era uma forma de
controlar as utopias.
A concepção estética pouco teorizada por Comte (imitação, idealização e
expressão) ganhou maior atenção por parte dos líderes da IPB, em uma tentativa de explicar a
verdade e a invenção em uma obra de arte. Concepção, composição e expressão não eram
apenas outros nomes para as mesmas fases propostas por Comte, mas eram adequações às
necessidades da IPB.
A concepção não era atributo do artista, mas do filósofo ou sacerdote, e consistia
na construção da imagem (homenageado e episódio histórico) no cérebro. Também pode ser
chamada de invenção. Portanto, cabia aos líderes da Igreja definir quem e que fato seria
representado nas obras de arte.
A composição, que se refere à idealização, era feita pelo artista. Ele abstraía
elementos que não se ligavam aos afetos, depois atenuava ou aumentava certas características,
33
LEMOS, Miguel e CORDEIRO, Julio Montenegro. Inauguração de um busto de Danton... p. 5-9.
169
34
Este processo estético positivista dos brasileiros foi publicado em: LEMOS, Miguel e MENDES,
Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 7.
35
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 17.
36
LEMOS, Miguel e MENDES, Raimundo Teixeira. A epopéia africana... p. 18.
170
experiência africana no Brasil e era eficiente, pois, por meio da concatenação das cenas,
provocava sentimento no espectador.
Inventar uma cena histórica para eles não era mentir, já que estavam realmente
convencidos da síntese histórica, e a arte servia para assegurar sua perpetuidade, seja junto ao
público, seja junto ao governo. Essas versões da história e seus heróis cívicos,
propagandeados repetidamente nos textos da IPB, serviam também para “criar” a necessidade
das obras de arte, cujas idéias já estavam “inventadas” nas mentes dos líderes da Igreja e cujos
esboços ou maquetes, muitas vezes, já haviam sido feitos pelos artistas ligados à Igreja.
Os melhores suportes
Percebe-se, nos textos da IPB, que os positivistas faziam uma escala hierárquica
entre os diferentes tipos de suportes artísticos: medalhas, placas, baixos-relevos, bustos,
estátuas, monumentos e templo cívico, conforme a importância do homenageado ou sua
contribuição à evolução histórica ocidental ou nacional. A um homenageado que pouco fez
pela nação seria um exagero erguer-lhe um monumento; bastava uma placa em um
monumento de outro, desde que condizente com a fase histórica.
Outro ponto que se revela nesses folhetos é que os positivistas da Igreja não
gostavam muito de apenas estátuas ― eram suportes muito simples e que não comportavam
narrativas, embora muitas vezes a falta de verba permitisse apenas erguer este tipo de obra. Já
que a composição ou invenção reunia homenageado e narrativa histórica, o artista deveria
imaginar cenas carregadas de emotividade e, mantendo a unidade, deveria expressá-las
visualmente, somente um monumento, ou um equivalente em pintura – um grande painel,
poderia comportar tudo isso.
Mas um prédio também poderia ser adequado para uma homenagem se o herói
realmente fosse merecedor. Um panteon, a exemplo das grandes catedrais medievais, reuniria
todas as artes da forma: pintura, escultura e arquitetura. Veremos no próximo capítulo que os
membros da IPB tinham um projeto de Panteon a Tiradentes. A seguir, veremos como alguns
militares positivistas também promoviam ações voltadas à cultura cívica, inclusive a
Tiradentes.
171
Dentre os diferentes tipos de positivistas, havia no meio militar aqueles que tinham
sido alunos de Benjamin Constant na Escola Militar da Praia Vermelha, o Tabernáculo da
Ciência, segundo a alcunha dada pelos próprios alunos. Castro demonstrou como esses alunos
adquiriram uma cultura cientificista tendo por base a matemática, opondo-se assim à
formação dos bacharéis de Direito, que se centravam nos estudos clássicos. Em meio aos
diversos ismos que compunham essa cultura cientificista, estava o positivismo, assumido por
alguns alunos como culto religioso e por outros apenas como uma filosofia científica.
Independentemente do credo assumido por cada aluno, eram as comemorações cívicas que os
mobilizavam em conjunto; porém, o autor demonstra também que a Religião da Humanidade
― um culto aos homens ilustres ― dera substância a essas comemorações.37
Viu-se como o positivismo, por possuir um culto público e político, necessitava de
suporte artístico para a realização de homenagens cívicas. No esforço de realizar esses
eventos, visualizam-se alguns militares envolvidos na promoção de obras de arte. Destaca-se
aqui um ex-aluno de Benjamin Constant que se dizia positivista: Agostinho Raimundo Gomes
de Castro. Longe de ser uma escolha aleatória, essa figura esteve envolvida em homenagens
cívicas de toda a ordem, inclusive na confecção de monumentos públicos. Ele escreveu sobre
suas atividades, publicando livros e folhetos ou polemizando nos jornais, e é nestes textos que
buscamos respostas para, primeiro, que positivismo professava, segundo, o que entendia por
arte e, terceiro, como o positivismo deu suporte para suas atividades na promoção artística
voltada ao civismo.
Veremos, no próximo, capítulo como mais dois militares positivistas estiveram
envolvidos na promoção de atividades cívicas e na produção e imagens a heróis nacionais.
Ximeno de Villeroy, que recebeu orientação da IPB para as homenagens a Tiradentes,
inclusive para o erguimento de uma coluna comemorativa na casa onde nasceu o inconfidente;
e Lauro Sodré, positivista totalmente independente da IPB, que concedeu uma pensão artística
a Carlos Gomes e presidiu a comissão para o monumento a Benjamin Constant. É interessante
como esses militares estiveram envolvidos em celebrações cívicas e confecção de obras de
arte e imagens em geral, o que certamente era fruto de uma influência do positivismo,
reforçada pelos hábitos ritualísticos do exército e por uma aguda sensibilização cívica no
início da República. Na correspondência de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, encontram-se
37
CASTRO, Celso. Os militares... p. 52-84.
172
cartas de vários outros jovens militares pedindo orientação para os mais diversos assuntos,
contribuindo com os subsídios para a Igreja e relatando suas iniciativas concernentes às
comemorações e produção de imagens para a consolidação de um panteão cívico. A
orientação “espiritual” dos mestres positivistas também se estendia a assuntos pessoais, como
casamento, carreira militar e vida política.38
Lemos analisou as estratégias dos positivistas da IPB e de alguns militares para
emplacar a idéia de que Benjamin Constant foi o Fundador da República, isto por meio da
construção de sua biografia, escrita por Teixeira Mendes, e pelas ações dos deputados
constituintes militares, antigos alunos de Benjamin Constant.39 A defesa para a manutenção
da bandeira nacional também serviu de catalisador para ambos os grupos. Veremos no
próximo capítulo como os membros da IPB e alguns ex-alunos de Benjamin Constant se
uniram para organizar a comemoração cívica de um ano de sua morte. A frustração de não
realizá-la uniu o grupo na defesa do princípio positivista de separação entre Igreja e Estado.
Muitos desse militares incentivadores da memória de Benjamin Constant, se dedicaram
também à glorificação de Floriano Peixoto, a ponto dos florianistas/jacobinos atuantes na
Revolta da Vacina de 1904 serem chamados na imprensa de positivistas orientados pela IPB.
Esse fato foi negado por alguns e principalmente pela IPB, que não queria ver-se ligada às
ações violentas promovidas por militares.
Independentemente do grau ou tipo de adesão dos militares ao positivismo,
importa aqui destacar que alguns militares tiveram ligações com a IPB e que estas passavam
pela promoção cívica e de obras de arte. Indo de encontro à idéia consagrada na historiografia
de que os alunos de Benjamin Constant na Escola Militar assumiram um positivismo mais
intelectualizado e pouco cultual, mostrar-se-á que ao menos Gomes de Castro foi positivista
bastante completo, incentivador de um culto religioso com fins políticos, sendo, com isso,
promotor positivista de obras artísticas e encomendante de Décio Villares e Eduardo de Sá.
38
Entre os militares, ex-alunos de Benjamin Constant, que se correspondiam com Miguel Lemos e
Teixeira Mendes, temos: Agostinho Raymundo Gomes de Castro, Alexandre A. Leal, Aníbal Eloi
Cardoso, Augusto Tasso Fragoso, Barbosa Lima, Candido Mariano da Silva Rondon, Carlos
Agostinho Gomes de Castro, Inocêncio Serzedelo Corrêa, José Beviláqua, Lauro Sodré, Manoel
Rabello, Pedro Dantas, Saturnino Cardoso, Ximeno de Villeroy.
39
LEMOS, Renato. Benjamin Constant...
173
40
SODRÉ, Lauro. Os sucessos de 14 de novembro de 1904, os republicanos, a nação brasileira, o
major Gomes de Castro no plenário militar. Rio de Janeiro: Typ. Jornal do Commércio. 1905. p. 13.
202, 7, 1, n. 17. IHGB.
41
Carvalho situa o manifesto positivista dos alunos da Escola Superior de Guerra contra a idéia de
modificação da bandeira. CARVALHO, José M. A Formação... p. 115.
Lauro Sodré relata que tal manifesto foi levado pelos alunos diretamente a Floriano, acompanhados
pelo professor Gomes de Castro, que lá discursou, afirmando que entre os íntimos de Floriano, havia
aqueles abusavam de favores para modificar a bandeira. Floriano respondeu que ignorava tudo isso, e
Gomes de Castro retrucou, por duas vezes, que o Marechal vivia às cegas. “Floriano contemplou o
audacioso official e o auditório e calou-se.” SODRÉ, Lauro. Os sucessos de 14 de novembro... p. 15.
174
fosse filiado à IPB, era correspondente assíduo com seus líderes e contribuinte com o subsídio
positivista. Na correspondência passiva de Teixeira Mendes, também se encontram inúmeros
telegramas de Francisca Gomes de Castro, esposa de Gomes de Castro. Nesta missiva,
inúmeras vezes ela solicitava a visita do apóstolo positivista, para levar palavras de conforto,
pois seu marido estava doente, além de convidar para o casamento dos vários filhos.
Em 1922, Gomes de Castro tinha 9 filhos. Todos tinham nomes que seguiam uma
tradição positivista de homenagens aos mortos que deveriam ser venerados. Rosália Beatriz,
Marina, Clotilde, Sophia e Francisca Heloíza eram nomes que lembravam o positivismo;
Branca Bathilde, Bathilde Mônica e Carmem, provavelmente nomes de mulheres da família; e
José Bonifácio e Benjamin Constant eram nomes visando a evidentes homenagens cívicas.
Este último tinha por madrinha Maria Joaquina (esposa de Benjamin Constant) e Teixeira
Mendes (o diretor da IPB), por padrinho.42
As relações de Gomes de Castro com os diretores da IPB sempre foram um misto
de reverência e impertinência. Ele tinha uma leitura própria do positivismo que lhe dava
subsídios para as práticas cívicas e nunca conseguiu ter a aprovação da Igreja. Sua
correspondência com os líderes da IPB não é volumosa, algumas cartas em 1894 e 95 tratando
das colaborações ao subsídio positivista e depois, entre 1911 e 1920, tratando com Teixeira
Mendes de assuntos familiares e de uma homenagem cívica organizada pelo militar, fruto
inclusive de grande divergência entre ambos. Mas esse desacordo não impedia o militar de
tratar Teixeira Mendes como mestre, amigo, confrade (tratamento usado pelos crentes do
positivismo).
As exigências doutrinárias aos aderentes da IPB eram inúmeras, e poucos
conseguiam atendê-las para ingressar formalmente. Mas isso não impedia que militares como
Gomes de Castro, não adeptos formais da Igreja, tivessem um relacionamento reverente para
com os líderes da IPB, aceitando conselhos nas atividades cívicas e também no plano pessoal.
Por exemplo, quando alguém da família Gomes de Castro morreu em 1915, o militar solicitou
a visita de Teixeira Mendes para confortar pelo duro golpe. Isto mostra como os líderes da
IPB tinham uma rede de influências ampla que ultrapassava os limites do ser adepto ou não.
Com isso, não basta afirmar que estes militares não eram positivistas religiosos porque não
fizeram o sacramento da apresentação na IPB; eles aceitavam a autoridade religiosa dos
sacerdotes e tentavam viver religiosamente o positivismo, mesmo que não institucionalmente.
42
Carta de Gomes de Castro a Maria Joaquina Botelho de Magalhães. Rio de Janeiro. 27.02.1897;
Natal. 15.11.1898; Maranhão (sic). 01.03.1897. MCBC/Inventário Maria Joaquina.
175
Suas atividades voltadas à promoção artística demonstram que buscavam desenvolver o culto
público do positivismo. Gomes de Castro liderou algumas promoções cívicas não
referendadas pela IPB, demonstrando que, embora tivesse reverência às suas lideranças,
apresentava independência na atuação positivista.
O pozitivismo e o recurso às insurreições é o título de um folheto lançado pela
Igreja Positivista em 1906, em resposta ao artigo O pozitivismo e o direito de insurreição,
publicado nos jornais por Gomes de Castro. No artigo, o militar justificava a insurreição de
novembro de 1904, contra a vacinação obrigatória no Rio de Janeiro, em que foi um dos
líderes, argumentando que Comte condenava o recurso às revoluções apenas quando estas
eram injustas, mas quando representavam um recurso extremo contra a tirania (que, para ele,
era o caso brasileiro), estavam plenas de direito. Mas o que mais revoltou os positivistas da
Igreja foi que o militar se utilizou de seus folhetos para justificar a insurreição, dizendo sobre
o ano de 1904: "Os monumentais artigos do próprio Sr. Teixeira Mendes contra o despotismo
me fês pegar aínda uma vês em armas em defeza da liberdade."43
O artigo de Gomes de Castro é revelador porque mostra a relação conflituosa entre
a juventude militar idealista ligada aos eventos da proclamação da República, e ainda
mobilizada na Revolta da Vacina em 1904, e a ortodoxia da Igreja. Gomes de Castro
representou bem esses militares. Junto com ele poderíamos citar Ximeno de Villeroy, Barbosa
Lima, Tasso Fragoso, Aníbal Eloi Cardoso ― correspondentes com Miguel Lemos e Teixeira
Mendes e contribuintes com o subsídio positivista ― todos com cerca de 40 anos na Revolta
da Vacina, sentiam-se traídos pelo excesso de purismos doutrinários dos líderes da Igreja
Positivista e por aquilo que Gomes de Castro chamou de uma "teoria clerical da obediência
passiva."44 O final do artigo é um manifesto de independência da Igreja Positivista: embora
não negasse que devia muito ao ensino e às prédicas religiosas de Teixeira Mendes, Gomes de
Castro dizia que não necessitava de seu placet e do seu Apostolado para ser positivista. O
desfecho desta contenda é ele arrependido, pedindo desculpas a Teixeira Mendes e à Igreja
Positivista, dias depois. Porém, essa disputa por competências da interpretação de Comte e de
práticas condizentes com a doutrina já estava estabelecida, inclusive na promoção de obras de
arte. Gomes de Castro e a Igreja Positivista iriam disputar aptidão na promoção de atividades
cívicas.
É surpreendente a variedade de comissões glorificadoras, sociedades, clubes
43
MENDES, R. Teixeira. O pozitivismo e o recurso às insurreições. Rio de Janeiro: IPB, 1906. p. 23.
44
MENDES, R. Teixeira. O pozitivismo e o recurso às insurreições... p. 107.
176
45
LEMOS, Renato. Benjamin Constant... p. 221 e 330.
177
46
CASTRO, Gomes de. Culto Pátrio. Comissão Glorificadora do Marechal Floriano Peixoto. 5ª.
Comemoração Cívica. Rio de Janeiro. 29.06.1900.
47
ALMEIDA, Isnard Pereira de. Resumo Histórico dos 91 Anos do Clube Militar. Anexo 1 – Ata da
sessão de reabertura do Clube Militar. 14.07.1901. Mimeografado. 1979.
48
SÁ, Francisco, Cavalcanti, Thomas e Guedes, Raul. Comissão Glorificadora do Marechal Floriano
Peixoto – Culto Cívico. Rio de Janeiro. 29.06. 1903. 1p. MCBC/Inventário José Bevilaqua.
179
49
Carta de Gomes de Castro a Miguel Lemos. Rio de Janeiro. 08.12.1895. IPB
50
Quadro de Benjamin Constant. O Paiz,s/d.
51
A Independência do Paraguay. Jornal do Brazil, 15.10.1901.
52
A Independência do Paraguay. s/r. 15.05.1901.
180
Benjamin Constant
53
Carta de Gomes de Castro a Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Rio de Janeiro. 08.11.1911. IPB
54
MENDES, R. Teixeira. Ainda a comemoração social e a situação modérna - reflessões a propozito
da subscrição pública para erigir-se no Cemitério São João Batista, um monumento a Imperatriz D.
Leopoldina e seus decendentes. Rio de Janeiro: IPB, 1912.
55
Carta de Gomes de Castro ao Conde de Affonso Celso, Presidente do IHGB. Rio de Janeiro.
21.02.1922. Lata 565, Pasta 106. IHGB.
182
informando que, sob sua responsabilidade, fora montada uma comissão para erguer a obra e
recolhidos subsídios em vários órgãos do governo e em diferentes classes sociais.56 Em 1937,
o corpo da Princesa foi transferido para um Mausoléu no interior do Convento de Santo
Antonio construído por iniciativa do Frei Basílio Roewer e, em 1957, novamente transladado,
agora para o Monumento do Ipiranga, em São Paulo. Não há informações de por que Gomes
de Castro não concluiu a iniciativa do Panteon; importa apenas destacar sua mobilização
doutrinária para realizá-lo ― razões cívicas de gratidão à família imperial por sua
contribuição ao passado brasileiro. Tal dedicação e reconhecimento à Família Imperial
valeram a Gomes de Castro o convite de Max Fleiuss, Secretário do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, para tornar-se sócio da instituição; no entanto, o militar declina do
convite alegando que, por ser positivista, estaria em antagonismo com membros daquele
grêmio.57 Anos antes também havia se exonerado do cargo de professor de economia política
da Escola Superior de Guerra, também por razões de doutrina.58 Sendo positivista ortodoxo
também no aspecto pessoal, veremos o que Gomes de Castro entendia por arte e se se
mantinha guiado pela doutrina comtiana.
56
Carta de Gomes de Castro ao Conde e a Condessa d’Eu. Rio de Janeiro. 28.11.1911. Lata 479, Pasta
18. IHGB.
57
Carta de Gomes de Castro a Max Fleiuss. Rio de Janeiro. 10.04.1912. Lata 471, Pasta 14. IHGB.
58
SODRÉ, Lauro. Os sucessos de 14 de novembro... p. 15.
59
CASTRO, Gomes de. O monumento a Floriano Peixoto – escultura epopéia do Brasil por Eduardo
de Sá. Rio de Janeiro: Typ Leuzinguer, 1910. Sem paginação.
183
Eis como a arte se eleva à sua missão característica, a construcção dos typos os
mais animados, cuja contemplação familiar póde tanto aperfeiçoar nosso
sentimentos, e até mesmo nossos pensamentos. A exageração dessas imagens é
uma condição necessária de sua destinação, pois que elles devem exceder a
realidade a fim de nos impellir a melhoral-a. Tal é, em summa, a disciplina
religiosa da arte.61
A ARTE
Arte Geral Arte Especial
Poesia Som Forma
Arte das Artes Música Pintura Escultura Arquitetura
Mais abstrata Mais estética Mais técnica
60
CASTRO. A. R. Gomes de. O monumento...
61
CASTRO. A. R. Gomes de. O monumento...
184
O major Gomes de Castro tem sido o principal senão o único organizador das
romarias cívicas de 29 de junho, mantendo até esta data todo o fervor desse culto
cívico ao grande brazileiro (Floriano Peixoto).63
62
CASTRO. A. R. Gomes de. O monumento...
63
Major Gomes de Castro. Folha do Dia. 22.04.1910.
64
Sobre o governo de Floriano, os florianistas e jacobinos brasileiros ver: CARVALHO, José M. Os
Bestializados – o Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. ed. São Paulo: Cia. da Letras, 2000;
PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso da Ordem – o florianismo e a construção da República. Rio
de Janeiro: Sette Letras, 1997; PENNA, Lincoln de Abreu. República brasileira. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999; QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Os radicais da República. São Paulo: Brasiliense,
1986; QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo na historiografia republicana. In: LAPA, José
R. do Amaral (org.). História política da República. Campinas: Papirus, 1990.
185
violentas nas ruas, ou não, era o que distinguia jacobinos dos outros florianistas.65 Seus
opositores eram qualquer um que demonstrasse inclinações à monarquia; os estrangeiros,
principalmente os comerciantes portugueses; e os liberais, chamados de “casacas”, que
estavam mais interessados em seus negócios do que na consolidação do regime republicano.66
Os florianistas militares se ressentiam especialmente dos bacharéis, herança do civilismo da
época da Império.67
Simas destaca que a imagem de Floriano, para seus seguidores, era um misto de
herói militar, antiportuguês, brasileiro por essência; era também um índio, e um Cristo
republicano.68 Ao analisar o meio literário carioca, composto de escritores/militantes críticos
de Floriano e de florianistas exaltados, como Raul Pompéia, Ferracin da Silva demonstra o
ambiente de paixões doutrinárias e perseguições políticas.69
A imprensa e os críticos do Marechal não distinguiam com nitidez os florianistas,
sendo todos denominados de jacobinos: a facção mais radical e violenta dos florianistas. Até
mesmo os positivistas da IPB eram vistos assim, embora negassem qualquer vínculo com os
tumultos e ações violentas. Durante a Revolta da Vacina em 1904, reforçou-se a idéia de que
todos os florianistas eram positivistas.
Floriano desenvolveu em seu governo uma administração moralizadora dos
serviços públicos, fiscalizadora dos gastos do erário público e um governo central forte. Em
termos políticos, embora não tenha se engajado nas campanhas republicanas anteriores a
1889, Floriano promoveu a defesa intransigente da República e de suas instituições, e
defendeu a idéia de um Estado nacionalista forte. Essas idéias também eram defendidas pelos
positivistas, com exceção do nacionalismo. “Floriano combinou o ideal positivista da ditadura
da ‘coisa pública’ com a pregação do jacobinismo mais chegado ao nacionalismo exacerbado
e aos interesses sociais.”70
A propaganda florianista difundia a idéia de que o Marechal não estava só, tinha o
“povo” a seu lado; isto é o que dava legitimidade à sua obra política e coletiva. Era uma
“relação dialética que se justificava porque Floriano e florianistas se apropriavam
65
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo... p. 72.
66
PENNA, Lincoln de Abreu. República... p. 63-64.
67
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo... p. 79.
68
SIMAS, Luiz Antonio. O Evangelho segundo os jacobinos - Floriano Peixoto e o mito do salvador
da República brasileira. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ. 1994. (Diss. Mestrado)
69
SILVA, Ana Carolina Feracin da. Entre a Pena e a Espada: literatos e jacobinos nos primeiros anos
da República. Campinas: Unicamp. 2001. (Diss. Mestrado)
70
PENNA, Lincoln de Abreu. República... p. 66.
186
71
PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso... p. 18.
72
MEDEIROS E ALBUQUERQUE. Quando eu era vivo. Citado em: CARVALHO, José M. A
Formação... p. 41.
73
LEMOS, Miguel. 13ª. Circular Anual do Apostolado Positivista no Brasil. (Ano de 1893). Rio de
Janeiro: IPB, 1894. p. 19.
74
LEMOS, Miguel. 13a. Circular Anual... p. 33.
187
princípios básicos da doutrina. A familiaridade dos militares com a doutrina positivista, por
um lado, e o respeito dos positivistas à hierarquia, à disciplina e à ordem, por outro,
possibilitaram que os dois grupos comungassem de valores simbólicos comuns, o que não
implicou necessariamente a defesa das mesmas idéias, práticas e soluções para o país. O
apreço por demonstrações públicas de patriotismo, por cerimônias cívicas e por solenidades
em exaltação a figuras nacionais admiráveis é estratégia comun a positivistas e militares.
O apoio incondicional à República uniu positivistas e jacobinos, embora seus
métodos não coincidissem. Os positivistas atuavam principalmente pela via editorial, que
propiciava a discussão, a polêmica e o debate público, buscando o convencimento pela força
das idéias; os jacobinos se centravam nas ações de rua, com manifestações públicas, tumultos
e confrontos violentos, e menos na palavra.75 A radicalidade das estratégias de ambos os
grupos fez com que fossem vistos, pelos opositores políticos, como atuando conjuntamente,
por mais que os positivistas da Igreja negassem essa associação.
Os funerais do Marechal
A vós, que sois moços e trazeis vivo e ardente no coração o amor da Pátria e da
República, a vós corre o dever de ampará-la e defendê-la dos ataques insidiosos
dos inimigos. Diz-se e repete-se que ela está consolidada e não corre perigo. Não
vos fieis nisso, nem vos deixeis apanhar de surpresa. O fermento da restauração
agita-se em uma ação lenta, mas contínua e surda. Alerta! pois. A mim me
chamais o consolidador da República. Consolidador da obra grandiosa de
Benjamin Constant e Deodoro são o Exército Nacional e uma parte da Armada,
que à Lei e às instituições se conservaram fiéis [...] é a Guarda Nacional, são os
corpos de polícia da Capital e do Estado do Rio [...] é a mocidade das escolas
civis e militares [...] finalmente, é o grande e glorioso Partido Republicano, que,
tomando a forma de batalhões patrióticos...76
Sob grande comoção foi realizado seu enterro, a maior manifestação popular
ocorrida até então no Rio de Janeiro para cultuar a memória de um político. Assim afirmou
Luiz Edmundo, jornalista que esteve presente em toda a solenidade: “Jamais uma romaria
cívica, até hoje, logrou, que eu saiba, uma imponência igual. Os funerais de Rio Branco foram
75
PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso... p. 112-113.
76
Citado em: CARONE, Edgar. A República Velha... p. 163.
188
notáveis, foram, mas não tiveram, como os de Floriano, a solenidade, a magnificência e até
mesmo o concurso de uma tão grande massa popular.”77
Seu corpo foi embalsamado e colocado na Igreja da Cruz dos Militares, e a semana
inteira recebeu multidões que passavam silenciosamente para ver seu corpo. As flores extras
vindas de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo para abastecer as floriculturas, logo se
acabaram. Ao enterramento precedeu um cortejo pela cidade, formado por populares e onze
Batalhões Patrióticos (formados por militares e civis, organizados durante a Revolta da
Armada para defender o governo do Floriano). Completa Edmundo sobre a multidão:
Um terço dos moradores da cidade ou, talvez, mais, assistiu à solene passagem
desse cortejo, que levou horas e horas a desfilar. Pelas calçadas, portas e janelas
das casas, toda uma multidão se aglomerava, em cachos. Vi homens de joelhos,
pelas ruas, senhoras que choravam. Gente trepada pelos combustores da
iluminação, pelos postes dos fios telegráficos e até pelos beirais de altos e
íngremes telhados...78
Irmãos d’armas
Junto aos túmulos de
BENJAMIN CONSTANT E FLORIANO PEIXOTO
77
EDMUNDO, Luiz. De um livro de memórias. Rio de Janeiro: s.ed., 1958. In: SODRÉ. Nelson
Werneck. História Militar do Brasil. 2. ed, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 176.
78
EDMUNDO, Luiz. De um livro... p. 176.
79
PENNA, Lincoln de Abreu. O Progresso... p. 159-161; CARONE, Edgar. A República Velha... p.
163.
189
80
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. O jacobinismo... p. 79.
81
LEMOS, Miguel. 17a. Circular Anual do Apostolado Positivista no Brasil. (Ano de 1897). Rio de
Janeiro: IPB, 1899. p. 53.
190
No ano de 1904, quando o terceiro mandato civil parecia ter debelado as forças
florianistas/jacobinas, houve a tentativa do Clube Militar de entregar um ultimatum ao
presidente Rodrigues Alves e tomar o poder com o apoio dos alunos da Escola Militar do
Realengo e da Praia Vermelha, mas a ação foi frustrada pelas forças do governo.82
Contribuiram para o ano de conflitos as greves operárias em abril e maio, e a Revolta da
Vacina, a partir de outubro.
As ações dos florianistas contra a vacinação obrigatória aparecem novamente em
sintonia com as dos positivistas da Igreja, que se engajaram na Revolta, lançando inúmeros
folhetos indignados contra a invasão do governo na vida íntima dos cidadãos. A Igreja tentou
se desvincular das ações violentas, mas a associação foi feita tanto pelos revoltosos que liam
seus textos, quanto pela imprensa que os criticou. O governo também achava que florianistas
e positivistas da Igreja atuavam em conjunto, como consta no relatório do Chefe de Polícia
acerca das agitações de novembro, afirmando que todos estavam conjurados, até a Igreja
Positivista, para que o povo pudesse falar em nome dos direitos individuais.83
A campanha contra a vacina se deu também no âmbito parlamentar, com a
oposição de militares, positivistas e florianistas, que formaram na Câmara de Vereadores uma
frente de oposição aos projetos de lei que regulamentassem a obrigatoriedade da vacina, e
uma frente de luta pela “purificação da República, contra o governo do ex-monarquista e
conselheiro Rodrigues Alves e contra as oligarquias estaduais que dizia serem o sustentáculo
da República prostituída.”84 Os positivistas da Igreja não faziam parte da Câmara, mas
participaram dessa campanha parlamentar publicando manifestos nos jornais e editando seus
folhetos, que eram enviados aos políticos.
Juntamente com artigos incendiários nos jornais, dava-se a organização de abaixo-
assinados, com milhares de assinaturas, de meetings, de passeatas, de agressões à polícia, de
queima de bondes, de barricadas nas ruas, de sublevações nos quartéis. Os que participavam
eram positivistas, militares, jacobinos, operários e uma grande massa da população em geral.
As razões dos líderes eram de ordem política, contra o governo das oligarquias,
com intenções inclusive de tomar o poder e devolvê-lo a um militar que estivesse disposto a
82
CARONE, Edgar. A República Velha... p. 223-224.
83
MENDES, R. Teixeira. Uma reclamação urgente – a propózito de um trecho do relatório do Sr.
Chefe de Polícia, acerca dos sucessos de novembro ultimo. In: Boletim do Apostolado Pozitivista do
Brazil. n. 33p, 29 de dezembro de 1904, Rio de Janeiro.
84
CARVALHO, José M. Os Bestializados... p. 97.
191
85
CARVALHO, José M. Os Bestializados... p. 136.
192
86
ALBECHE, Dayse L. Imagens do Gaúcho – história e mitificação. Porto Alegre: Edipucrs, 1996.
PACHECO, Ricardo de A. O cidadão está nas ruas – representações e práticas acerca da cidadania
republicana em Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001.
87
TOSCANI, Nadima Vieira. A iconografia de Getúlio Vargas em monumentos escultóricos do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: PPGA/Ufrgs. 1998. (Diss. Mestrado)
88
SIMON, Círio. Origens do Instituto de Artes da Ufrgs – etapas entre 1908-1962 e contribuições na
constituição de expressões de autonomia no sistema de artes visuais do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: PUCRS/PPG História. 2002. (Tese de Doutorado)
89
LOPES, Aristeu Elisandro Machado. Traços da política: representações do mundo político na
imprensa ilustrada e humorística pelotense do século XIX. Porto Alegre: PPGHistória/Ufrgs. 2005.
(Diss. Mestrado)
193
90
ABREU, Marcelo Santos de. Regionalismo e imaginária urbana. Escultura pública e política na
cidade de Niterói no século XIX. Niterói: UFF, 2003. p. 130. (Diss. Mestrado)
194
partido, com um pensamento sectário e ortodoxo.91 Um episódio relatado por João Neves da
Fontoura exemplifica como essa cisão dividia as opiniões, talvez melhor dizendo, as paixões,
no interior do partido. O Prefeito de São Francisco de Assis, Nunes Nogueira, enviara carta ao
novo diretor d’A Federação, Olavo Godoy, provavelmente para publicar no jornal, dizendo-se
zangado com a liderança de Borges, que estava querendo “lafitizar” a obra de Castilhos. A
questão a ser feita é se e como essa controvérsia doutrinária se transpôs para o âmbito da
produção de imagens.
Se havia um regime visual capaz de sustentar a produção sistemática e usos de
imagens políticas, é necessário aqui refletir se a cisão do PRR entre não positivistas,
positivistas comtianos e positivistas heterodoxos se revelava também no âmbito da produção
de imagens de Castilhos. Qual a especificidade do governo estadual, dito positivista, enquanto
encomendante de obras de arte? Como Borges e Carlos Barbosa à frente do governo estadual,
grande responsável pela produção de imagens de Castilhos, definiram-lhe uma visualidade?
A ligação de Villares e Sá com a IPB era evidente, e no RS se dava por meio dos
positivistas religiosos e funcionários da Secretaria de Obras Públicas – SOP: Faria Santos,
Felizardo Júnior e Carlos Torres Gonçalves, este último procurador de Villares no RS.92 Eles
foram os elos de ligação entre os artistas, Castilhos e Borges. Antes de Castilhos morrer
Villares já freqüentava o RS à procura de oportunidades de trabalho, provavelmente a convite
destes funcionários da SOP. Quando Castilhos morreu em outubro de 1903, Villares estava
trabalhando em uma encomenda de monumento a Floriano Peixoto para ser colocado em
Porto Alegre,93 acompanhando a moda nacional de homenagens ao Marechal. O próprio
Castilhos o havia incumbido desta tarefa.
O projeto de lei para o erguimento do monumento a Floriano foi aprovado na
Assembléia dos Representantes em novembro de 1895, cinco meses após a morte do militar.
91
FONTOURA, João Neves da. Memórias – Borges de Medeiros e seu Tempo. Porto Alegre: Globo,
1969. p. 28.
92
Estes funcionários da SOP eram membros da IPB e fundaram o núcleo positivista religioso gaúcho.
Eles também estiveram envolvidos na construção da Capela Positivista, em Porto Alegre. Consultar:
LEAL, Elisabete e PEZAT, Paulo Ricardo. La propagande de la Religion de l’Humanité dans le sud
du Brésil. Imprévue. Montpellier: Centre d’Études et de Recherches Sociocritiques – Université Paul
Valery. n. 1/2, 1997.
93
Relatório de Júlio de Castilhos à Assembléia dos Representantes do Estado do Rio Grande do Sul.
1897. AHRS; Carta de Carlos Torres Gonçalves a Raymundo Teixeira Mendes. 02.07.1908. IPB.
195
94
Maços e Códices da SOP. Ofício 316/1 (OP54, 1ª. Série). 02.05.1913. AHRS.
95
Carta de Décio Villares a Borges de Medeiro. Porto Alegre. 15.11.1915. Num. Doc. 6151. IHGRS.
96
Ata de Concorrência para a construcção de um monumento, que será levantado em uma das praças
desta capital à memória de Bento Gonçalves e seus gloriosos companheiros da cruzada republicana.
27.07.1920. Assinado: José Coelho Parreira, João Luis de Faria Santos e Carlos Torres Gonçalves.
Documentação avulsa do grupo documental Obras Públicas OP120, Lata 416 (56). AHRS.
196
97
Sobre as negociações para a fatura do quadro, consultar: Arquivo Borges de Medeiros: Antonio
Parreiras – O pintor da República Rio-grandense. Revista do IHGRGS. n. 134. 1999.
98
Carta de Décio Villares a Borges de Medeiros. 04.09.1921. Documentação dos Governantes, Maço
66, Pasta Diversos, 1921. AHRS.
99
SIMON, Círio. Origens do Instituto... p. 122.
100
PARREIRAS, Antonio. História de um pintor contada por ele mesmo. Niterói: Diário Oficial,
1943.
197
101
Decoração do edifício da Biblioteca Pública. Porto Alegre Correio do Povo, 1916.
102
Hélios Seelinger e Eduardo de Sá. Porto Alegre. A Federação, 29.04.1915.
103
As maquete premiadas. A Noite. 14.01.1917. .
104
Carta de Décio Villares a Borges de Medeiros. Porto Alegre. 28.10.1916. Num. doc. 6365. IHGRS
198
105
O mausoléu a Pinheiro Machado – Uma carta do sr. Eduardo de Sá. A Noite. 16.01.1917.
200
Para Sá, os túmulos, desde o começo da espécie humana, são objetos de culto e
demonstração de apreço dos vivos ao morto. Eles são objetos de veneração que fazem
recordar, que evocam os sentimentos, portanto, devem refletir respeito. Para ele, a maquete de
Couto era desrespeitosa, pois, fundada sobre a morte, apresentava Pinheiro Machado nu e
aniquilado. A sua maquete, por outro lado, tinha por base a continuidade da influência cívica
de Pinheiro Machado sobre a República, apesar da morte.
Para compreender a comparação que Sá procurava fazer a respeito das concepções
das maquetes, abaixo reproduzo os excertos descritivos selecionados por ele.
106
O mausoléu a Pinheiro Machado...
201
fazia alusão à República, portanto, era antipatriótica. Sá ainda argumentou sobre a falta de
unidade na proposta do concorrente e a superabundância de figuras (crítica de que também
havia sido alvo seu trabalho, alguns anos antes, para o monumento a Floriano) que se
apresentam soltas, como num palco de teatro.
É claro que a crítica que Sá fazia da maquete vencedora não era desligada da sua
concepção positivista de arte. A nudez, o corpo e a ferida expostos do morto, a mão que
silenciava, a República ausente eram elementos que não caberiam em uma obra positivista,
uma vez que causavam repulsa, sofrimento e esquecimento. Para ele, a proposta não tinha
síntese histórica, pois não havia alusão à obra cívica e republicana de Pinheiro Machado. O
excesso de alegorias, soltas e sem diálogo, para Sá, demonstra que não via representatividade
nas figuras clássicas da arte, como Clio, presente na maquete. Com seu olhar positivista, Sá
questionava a própria concepção de monumento tumular, que, com excesso de figuras e
visando a um sentimentalismo vago, provocava admiração estética, mas não comovia. Em
suma, para Sá, o túmulo que seria erguido para Pinheiro Machado estava muito longe de ser
uma composição correta e jamais seria positivista.
Com essa crítica de Sá, percebe-se que havia uma diferença na composição de um
202
monumento público e de um túmulo, ao menos na leitura do artista. Mas essa não era a visão
da crítica de arte, que elogiou a maquete de Couto, nem da comissão que o escolheu e nem de
Borges que o contratou. O monumento-túmulo de Pinheiro Machado foi feito por Couto e
inaugurado em novembro de 1923.
Com as recusas de Borges aos artistas positivistas e com o esforço por contratar
outros artistas do Rio de Janeiro, dever-se-ia questionar: o que Borges pensava sobre arte? O
que entendia de arte positivista? Será que percebeu, anos antes, o positivismo a fundamentar o
monumento a Castilhos? As respostas são vagas, uma vez que Borges foi um encomendante
que não escreveu sobre o assunto, embora conhecesse a doutrina positivista e a desejasse
203
107
HEBERT, Affonso. Edifício da Bibliotheca. Documentação avulsa do grupo documental Obras
Públicas. OP114, Lata 413 (53). AHRS.
Atualmente não há bustos sobre o frontão da porta de entrada do prédio da Biblioteca.
204
108
Proposta de J. Jamardo para pintura decorativa do prédio da Biblioteca Pública. 16.09.1921. .
Documentação avulsa do grupo documental Obras Públicas. OP121, Lata 416 (56). AHRS.
205
Anuais desta Secretaria revela que, entre os anos de 1910 e 1915, houve o maior investimento
estadual na construção desses prédios e entre estas despesas estavam aquelas relacionadas à
imagem de Castilhos.109 As críticas nos jornais diziam que seria gasto o total de 500.000$000
(quinhentos contos de réis) nas obras que envolviam as homenagens a Castilhos.110 Esta soma
era equivalente ao que foi gasto em 1910 nas obras do Palácio do Governo. Para todos esses
trabalhos que portariam a imagem do líder morto foi contratado somente um artista: Décio
Villares. O artista encontrava-se na seguinte situação: amigo de positivistas ortodoxos,
contratado por um governo dividido pelo positivismo e tendo que construir a imagem de um
Castilhos que lembrasse a unidade do PRR.
Como foi comentado anteriormente, Borges precisava assegurar a unidade
partidária do PRR, que parecia fragmentar-se logo após a morte de Castilhos. Os
correligionários poderiam estar descontentes com a nova liderança, divididos quanto ao
castilhismo e positivismo, mas eram unânimes quanto à pessoa e memória de Castilhos. João
Neves revela que havia uma cisão latente no interior do PRR que se consolidou em 1907, na
disputa ao governo estadual entre Fernando Abbott, representando o desejo de caminhos
doutrinários diferentes do positivismo expresso na Constituição de 14 de Julho, e Carlos
Barbosa, o candidato situacionista apoiado por Borges.
A vitória de Carlos Barbosa representou a continuidade da liderança de Borges no
partido e de sua influência na implementação das políticas públicas no Estado. Porém, o mais
importante é que reafirmou a manutenção da Constituição, considerada a principal obra
política de Castilhos. Para os políticos vitoriosos, a Constituição era a expressão máxima de
Castilhos positivista. A disputa interna estava ganha, a imagem de Castilhos definida no PRR,
e os descontentes, “amigos com os corações pisados”, para usar a frase de Pinheiro Machado
ao se referir a este pleito eleitoral, tornaram-se dissidentes.111 A imagem de Castilhos foi
então afirmada no monumento público construído durante o mandato de Carlos Barbosa. Esta
se tornou a imagem vitoriosa, representação do grupo que se afirmou no PRR.
Na correspondência de Borges, percebe-se a agilidade com que a rede política foi
acionada para garantir que Villares executasse os monumentos. Borges telegrafou ao Senador
Pinheiro Machado, no Rio de Janeiro, para que orientassem o artista quanto ao projeto.112 No
109
Relatórios da Secretaria de Obras Públicas e da Diretoria de Obras Públicas do Estado do Rio
Grande do Sul. n. 023 (1910) a 044 (1916). AHRS.
110
Estátuas. A Reforma, Porto Alegre, 14.04.1910, p. 1.
111
FONTOURA, João Neves da. Memórias... p. 76.
112
Telegrama de Borges de Medeiros ao Senador Pinheiro Machado. Porto Alegre. 31.10.1903. Num.
Doc. 31540. IHGRS.
206
âmbito local, Borges encarregou Felizardo Júnior, que era engenheiro da SOP e positivista
religioso, de executar o trabalho de cantaria no monumento fúnebre. Suas orientações iniciais
sobre o monumento foram passadas ao artista por telegrama e, em lacônica linguagem própria
desse tipo de comunicação, determinou o que desejava na obra: as principais fases da vida de
Castilhos consagradas à República e ao Rio Grande do Sul.113 A história da fatura do
monumento e dos elementos que o compõem será analisada no próximo capítulo.
113
Telegrama de Borges de Medeiros a Décio Villares. Porto Alegre. 31.10.1903. Num. Doc. 31532.
IHGRS.
207
1
LEMOS, Renato. Benjamin Constant... p. 531-532.
2
MENDES, Raymundo T. Benjamin Constant... p. 474-484.
3
Sobre os funerais de Rui Barbosa, consultar: GONÇALVES, João Felipe. Enterrando Rui Barbosa:
um estudo de caso da construção fúnebre de heróis nacionais na Primeira República. Estudos
208
Históricos. v. 14, n. 25, 2000. Sobre os de Floriano Peixoto, ver: MUZZI, Amanda. Entre a comoção e
a rejeição: um ensaio sobre as reações à morte e às exéquias de Floriano Peixoto propagadas pela
imprensa do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2005. Texto inédito.
209
4
Citado em: MENDES, Raymundo T. A commemoração cívica de Benjamin Constant e a liberdade
religiosa. Rio de Janeiro: IPB, 1892. p. 5.
210
haveria um estrado com uma mesa destinada ao presidente da cerimônia Miguel Lemos, e um
púlpito de onde seria lida a oração fúnebre a Benjamin Constant.
A cerimônia acabou não ocorrendo e resultou em vários protestos: José
Bevilacqua fez um discurso na Câmara dos Deputados; Miguel Lemos enviou protesto ao
Congresso Nacional; Oscar da Cunha Corrêa, Presidente do Clube Republicano Sul Rio-
Grandense, publicou nos jornais seu descontentamento; Ximeno de Villeroy, Saturnino
Nicolau Cardoso e Gomes de Castro e alunos das Escolas Militares enviaram uma petição ao
Presidente Floriano; uma comissão de alunos da Escola Politécnica fez o mesmo, mas nada
surtiu efeito.5
Esses dois relatos dos preparativos para as homenagens fúnebres a Benjamin
Constant são reveladores de como a imagem era importante no culto cívico positivista; viu-se
que o grupo envolvido se dedicou a compor uma cena cujos elementos do positivismo eram
ligados a Benjamin Constant, refletindo sua adesão na vida privada e política: a imagem de
Comte, a bandeira republicana e o estandarte da Humanidade. Esse esforço de colar o
positivismo à imagem de Benjamin Constant seria empreendido pelos positivistas da IPB de
forma incansável, e a consagração dessa campanha foi a inauguração do monumento na Praça
da República, em 1926. Mas veremos que não havia consenso, pois grupos unidos
inicialmente no mesmo objetivo de glorificação de Benjamin Constant passaram a disputar
competências e legitimidade para fazê-lo. Vários grupos e indivíduos disputavam o direito de
também construir uma imagem a Benjamin Constant, como os militares Gomes de Castro e
Lauro Sodré, o escultor Rodolpho Bernardelli, os professores ligados ao Instituto dos Cegos,
os deodoristas que tentaram erguer uma estátua a Deodoro no local da Proclamação, e
Benjamin Constant apareceria como coadjuvante do episódio da proclamação.
5
MENDES, Raymundo T. A commemoração cívica...(Apêndice documental). p. 81-95.
6
Todas as propostas de glorificação de Constant estão reproduzidas em: MENDES, Raymundo T.
Benjamin... p. 484-501.
211
Para garantir essas considerações, propunha que o júri responsável por escolher o
monumento fosse composto por representantes do Congresso, um membro da Escola
Nacional de Belas Artes, um artista brasileiro, pintor ou escultor, mas não da Escola, e "um
adepto reconhecido da doutrina a que se filiava o Fundador da República Brasileira."8 Com
isso, a Igreja assegurava que um de seus membros estivesse na comissão, caso esse projeto
fosse aprovado, e que Décio Villares ou Eduardo de Sá fossem os encarregados de executar o
monumento.
Após essas várias propostas, ainda em 1891, Deodoro decretou, entre outras
medidas, a execução do monumento na Praça da República. Quando a biografia de Benjamin
Constant foi publicada pela IBP, um ano após esse decreto, seus positivistas já denunciavam
que nada havia sido feito para as devidas homenagens, tampouco para o monumento. Em
1894, Floriano Peixoto mandou lançar a pedra fundamental do monumento.
7
MENDES, Raymundo T. Benjamin... p. 488.
8
MENDES, Raymundo T. Benjamin... p. 489.
212
Viu-se que, após 1904, os laços entre os positivistas da IPB e os antigos alunos de
Benjamin Constant, como Gomes de Castro, Aníbal Eloi Cardoso, Ximeno de Villeroy,
Barbosa Lima, se romperam. A ligação desses militares com o governo de Floriano, o
episódio da Revolta da Vacina, o atentado a Prudente de Morais contribuíram para que se
distanciassem dos positivistas da IPB, somando-se ainda as exigências da ortodoxia religiosa,
que muitos não agüentaram seguir. Se antes estavam juntos nas iniciativas de consagração
cívica de Benjamin Constant, depois passaram a disputá-la. Em 1913, alguns deles formaram
uma comissão para a subscrição do monumento, cujo presidente era o Senador Lauro Sodré, e
o tesoureiro, Gomes de Castro. Tentando ampliar o alcance da homenagem e da subscrição,
foram incluídas na comissão pessoas ligadas ao Instituto Benjamin Constant (antigo Instituto
Nacional dos Cegos): o professor de geografia Mauro Montagna, a professora de piano
Zulmira Miranda e Macedo Soares, amigo de Benjamin Constant e Diretor do Instituto
Nacional dos Cegos, em 1891.
No discurso de lançamento da subscrição, em 23.01.1913, feito à beira do túmulo
de Benjamin Constant, Gomes de Castro lançava as bases da concepção da obra: representaria
o elemento feminino, os amigos de Benjamin Constant e seus “filhos espirituais da Praia
Vermelha e do Instituto dos Cegos.”9 Nota-se que não havia referência à IPB.
Quando uma das listas de subscrição foi enviada a Teixeira Mendes, este não
deixa de colocá-la à disposição dos confrades, mas publicou uma circular ponderando que
Benjamin Constant fora homenageado com um túmulo semelhante ao de Comte, logo, que
monumento algum poderia se tornar mais digno.10 Dez anos depois, o monumento que seria
encomendado pelos militares ainda não havia sido feito, e diante da ameaça do erguimento de
um monumento a Deodoro, no local da Proclamação, Teixeira Mendes reformulou sua
posição. Veremos mais adiante sua diligência para a rápida inauguração do monumento a
Benjamin Constant na Praça da República.
Mas, antes de tratar da análise do monumento erguido pelos positivistas da IPB, é
importante discutir as outras iniciativas de monumento a Benjamin Constant ou em que ele
fosse representado reunido aos outros personagens da Proclamação da República.
Viu-se, no capítulo IV desta tese, que Rodolpho Bernardelli, ao se tornar diretor
da Escola Nacional de Belas Artes, passou a ser muito solicitado por parte do governo federal,
recebendo diversas encomendas de monumentos, sem que houvesse concurso de maquetes,
9
Romaria ao túmulo de Benjamin Constant. Jornal do Commércio, 23.10.1013. Microfilme/BN.
10
MENDES, Teixeira. Circular Anual do Apostolado Positivista no Brasil. (Ano de 1913). Rio de
Janeiro: IPB, 1914. p. 65.
213
pois dificuldades se impunham: quase não havia escultores no país e o concurso tinha que ser
internacional, tornando-se mais moroso. Com isso, Rodolpho Bernardelli teve grande parte
das encomendas de monumentos públicos realizadas com verba federal enquanto foi diretor
da ENBA, até 1915. Isto também ocorreu com o monumento a Benjamin Constant.
Após Deodoro decretar as variadas formas de homenagem a Benjamin Constant, o
Ministro do Interior João B. Uchoa Cavalcanti encarregou o escultor Rodolpho Bernardelli de
fazer as maquetes para o mausoléu fúnebre e para o monumento público. O artista, muito
ocupado com as encomendas dos monumentos a Caxias e a Osório, que estava fazendo
concomitantemente, apresentou os estudos dos monumentos a Benjamin Constant em fins de
1894.
O assunto da comissão formada por representante positivista e da execução por
artista afinado com a filosofia do homenageado chegou a ser debatido no Senado em 1893. O
então Senador João Uchoa Cavalcanti, o ex-Ministro, criticou o sectarismo dessa proposta e
defendeu que Bernardelli já havia sido encarregado do projeto, mas a votação do assunto foi
adiada. Vê-se com isso o esforço de não positivistas em erguer um monumento a Benjamin
Constant, Rodolpho Bernardelli, pois Benjamin Constant havia sido o Ministro da Instrução
Pública que sancionou seu projeto de reforma da ENBA. Não há dados de por que Bernardelli
não prosseguiu com o projeto de monumento, e sua homenagem acabou resumindo-se em um
busto em bronze de Benjamin Constant, inaugurado em um dos corredores da Escola, em
1892. Mas este nunca foi o busto usado pelos positivistas da IPB nas celebrações cívicas, uma
vez que Bernardelli resumia tudo o que eles criticavam a respeito de um artista “mercenário.”
A proposta de monumento de Bernardelli seguia um modelo de estatuária
monumental cujo homenageado estaria sobre um pedestal, rodeado de alegorias alusivas à sua
obra pública e política. Devido ao local de instalação, em frente ao Quartel General, a obra
deveria ser colossal, descreveu o artista, medindo 13 metros de altura. O conjunto seria
formado por uma base circular, encimada pela estátua de Benjamin Constant com espada
sobre um pedestal; sobre os raios haveria pedestais com as seguintes alegorias: A Liberdade,
A Ordem, A Ciência, O Trabalho e O Progresso. A inscrição “À memória de Benjamin
Constant Botelho de Magalhães consagra a gratidão dos brasileiros” seria coroada por
escudos de todos os estados brasileiros. Na página seguinte, apresenta-se uma fotografia da
maquete para o monumento de Bernardelli, hoje entre seus papéis no arquivo da MNBA.
Percebe-se, no projeto de Bernardelli, a ausência de qualquer elemento que
identificasse o positivismo ou os diferentes grupos políticos atrelados ao nome de Benjamin
214
11
Minutas de Ofício de Rodolpho Bernardelli ao Ministro da Justiça e dos Negócios do Interior.
Novembro de 1894. MNBA
215
12
A proposta de monumento vencedora, do italiano Luigi Brizzolara, também não foi executada. O
monumento a Deodoro foi inaugurado no Passeio Público em 1937 e foi criação do escultor brasileiro
Modestino Kanto, ex-aluno de escultura de Rodolpho Bernardelli e posteriormente professor do Liceu
de Artes e Ofício do Rio de Janeiro.
216
sob guarda da IPB, texto semelhante ao do memorial do concurso aludido. Outro aspecto que
converge para pensarmos em uma possível autoria deste artista é que, em várias proposições
de monumento, ele tinha os altares cívicos como solução. Isto ocorreu no monumento a
Floriano, como se verá a seguir.
Sobretudo é a argumentação do artista quanto a necessidade de representar a
formação nacional, “sinteticamente nomeada”, ou seja, não é toda história pátria, nem todos
os seus heróis, mas dos principais fundadores da República, que nos indica a possível autoria
de Sá, principalmente porque o início do memorial descritivo indicava que a obra visava
lembrar as ações de Benjamin Constant, Deodoro da Fonseca e Quintino Bocayuva como os
principais fundadores da República brasileira. Colocados nesta ordem, o artista desviava a
protagonização do evento da Proclamação da República e de Deodoro, que teoricamente
deveria ser o homenageado, para Benjamin Constant. Em ternos escultóricos, Deodoro ficaria
mais alto que os outros dois personagens da Proclamação, só que na mesma escala, tendo
reduzida, assim, a sua visualidade, no conjunto.
Essa estratégia foi percebida e criticada por um membro da Comissão
Glorificadora do Monumento a Deodoro da Fonseca ― o Marechal Antonio Ilha Moreira ―,
ironicamente um antigo aluno de Benjamin Constant, que não concordava com a versão de
que este havia sido o fundador da República. A maquete supostamente positivista recebeu
alguns votos de segundo, terceiro e quarto lugar e somente um voto de primeiro lugar de
Coelho Netto, que argumentou que os monumentos são sínteses e a única proposta que
apresentava uma síntese era a de altar pátrio.
Antes do resultado do concurso ser divulgado, em outubro de 1923, os positivistas
da IPB, temerosos que fosse Deodoro o principal protagonista do monumento à Proclamação
da República a ser estatufiado no local do evento, agilmente realizaram uma cerimônia, em 14
de julho, de início dos trabalhos de assentamento do monumento a Benjamin Constant,
recorrendo ao decreto de 1891, do próprio Deodoro, que assegurava o quadrilátero em frente
ao Quartel General como o de consagração ao militar positivista. Com isso, os membros da
IPB contavam com a chance de o possível projeto positivista ser o vencedor do concurso e
Benjamin Constant receber as devidas homenagens, ainda que tendo outros companheiros no
monumento; caso contrário, o espaço estava garantido, pois seu monumento já começara a ser
erguido e o risco de Deodoro ser lá homenageado estava acabado. Facilitou essa estratégia, a
circunstancia de que a obra de iniciativa da IPB não dependeria de demorada subscrição, já
que Amaro da Silveira dispôs-se a pagar a construção do monumento.
217
Monumento a Benjamin Constant, autoria de Décio Villares e Eduardo de Sá, Rio de Janeiro
13
MENDES, Teixeira. O monumento a Benjamin Constant – a fundição do busto da estátua. Rio de
Janeiro. IPB. 1925. p. 63-64.
223
sobretudo como um produto social, resultado histórico das disputas em torno da significação
do território [...] e disputas de poder da sociedade."14 O local e o monumento concretizam
uma ritualização da história, pois marcam os poderes simbólicos dos diversos grupos e
interesses que integram a sociedade.15 No caso do monumento a Benjamin Constant, viu-se
que serviu para assegurar a versão da história de que ele foi o proclamador da República, já
que tal fato não era consenso. Sendo a obra colocada no local do evento, essa versão ganhava
força diante dos grupos opositores, inclusive dos militares ex-alunos de Benjamin Constant,
antigos aliados dos membros da IPB.
Na década de 40, o monumento foi afastado para um lugar mais lateral da Praça,
sob protestos infrutíferos dos positivistas da Igreja. Caso contrário ficaria confrontando o
monumento a Caxias, obra de Rodolpho Bernardelli, que estava sendo transferido do Largo
do Machado para a remodelada Praça em frente ao Ministério da Guerra. Era momento da
reabilitação de outro militar, representando o projeto político de base conservadora do Estado
Novo.16
Embora fosse um local sacralizado pelos militares devido o prédio do Ministério
da Guerra e a Proclamação da República ― o que foi confirmado com o erguimento do
mausoléu a Caxias nos anos 40 ― o monumento a Benjamin Constant erguido neste sítio não
continha exaltação do militarismo. Mesmo Benjamin Constant estando representado de farda
e portando a mesma casaca que usava na manhã de 15 de novembro de 1889, ele não portava
arma alguma.17 Um dos decretos mais importantes para os positivistas da IPB, proposto por
Benjamin Constant quando Ministro da Guerra, era a devolução dos troféus de guerra aos
paraguaios e o perdão de suas dívidas de guerra. Na ótica dos positivistas esses eventos
militaristas deveriam ser lembrados, já que o decreto não foi aceito por Deodoro, mas sem
fazer apologias a Guerra do Paraguai. A solução encontrada foi eminentemente simbólica: a
fundição de fragmentos de canhões brasileiro e paraguaio, da época da Guerra. Assim foi
descrita a solenidade de fundição da estátua de Benjamin Constant em que os pedaços de
bronze dos canhões foram anexados.
14
KNAUSS, Paulo (org.). Cidade Vaidosa - imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sette
Letras, 1999. p. 7-8.
15
CATROGA, Fernando. Ritualizações... p. 222.
16
SOUZA, Adriana B. de. Osório e Caxias - os heróis que a República manda guardar. Revista Varia
História. n. 25, jul. 2001.
17
Carta de Tasso Fragoso a Aracy Botelho de Magalhães. s/d. Inventário Aracy/MCBC .
224
18
LEMOS, Miguel & MENDES, Teixeira. Comemoração do Primeiro... p. 80.
19
SILVEIRA, Amaro. Monumento a Benjamin Constant Botelho de Magalhães – notícia dos festejos
preliminares da inauguração. Rio de Janeiro: IPB. 1925. p. 38. O grifo é meu.
225
20
MENDES, Teixeira. Em commemoração da lei de 13 de maio de 1888, que declarou extincta a
escravidão no Brasil. Rio de Janeiro: IPB. 1926.
21
VILLEROY, Augusto Ximeno de. Benjamin Constant e a Política Republicana. Rio de Janeiro.
1928. Agradeço a gentileza de Renato Lemos ao me dar acesso a esse livro, hoje raro.
226
vinte, contou com a colaboração financeira de Amaro da Silveira, que também via na arte
grande potencialidade cívica. Às críticas da qualidade dos objetos produzidos respondiam que
o belo estético positivista não estava na qualidade, mas no elevamento moral de quem o
produzia e também de quem o contemplava.
Mais do que o texto, as imagens eram vistas como grandes portadoras de verdades
ou inverdades. Os folhetos tinham um impacto imediato à sua publicação e logo caiam no
esquecimento. A imagem era mais perene, talvez por isso causasse mais inconformismos. Não
era possível aos militares seguidores de Benjamin Constant, que se tornaram dissidentes da
IPB, ignorar o monumento que os lembrava constantemente de uma versão da história
republicana de que haviam sido alijados.
O monumento a Benjamin Constant foi muito criticado, considerado um aleijão a
enfeiar a Praça da República. Apesar da intenção cívico-pedagógica de monumentos, nem
sempre serviam bem para esse fim. Muitas vezes, o público não aceitava o conteúdo
simbólico positivista ou a forma artística; outras vezes, apenas não compreendia o
monumento. Um relato jornalístico registrou uma anedota que corria durante a inauguração do
monumento, em 14 de julho de 1926. As pessoas se perguntavam quem seria afinal a mulher
com a criança ao colo que estava lá no alto da obra de arte.
22
EDMUNDO, Luiz. De um livro de Memórias - Eduardo de Sá. Artigo de jornal sem referência.
227
23
COELHO, Geraldo Mártires. No coração... p. 91.
24
ABREU, Marcelo Santos de. Regionalismo... p. 127-128.
25
Carta de David Carneiro a Aracy Botelho de Magalhães. Curitiba, 27.01.37. Anexo artigo de jornal
sobre o assunto. MCBC/Inventário Aracy.
228
durante a Revolução Federalista, defendida “bravamente” por Gomes Carneiro, seu avô. Esse
argumento servia também para erguer o monumento a Benjamin Constant, em Curitiba.
Razões semelhantes encontradas por Abreu para o caso fluminense: o desejo regionalista de
ver-se integrante no movimento republicano nacional. A Praça Tiradentes, no centro de
Curitiba, possuía, na década de vinte, três monumentos, formando um triângulo, um em cada
vértice. Além de Benjamin Constant, havia a estátua de Tiradentes, obra também de João
Turim, e a estátua de Floriano Peixoto, erguida no final do século XIX. David Carneiro assim
reorganizou o desenho da praça ao acrescentar os dois monumentos nos anos vinte. No final
de sua vida, na década de 1980, empreendeu grande campanha contra as tentativas de
instalarem lá o busto de Getúlio Vargas, considerado traidor dos princípios positivistas
republicanos, pois isso romperia com a concepção da Praça.
26
LACERDA, Cassiana Lícia de. Monumento à República. Registro - Casa Erbo Stenzel. Curitiba,
1998. p. 37-38. Agradeço ao pessoal do Museu Casa João Turim que gentilmente forneceu o material
acerca do monumento a Benjamin Constant em Curitiba.
230
27
LEMOS, Renato. Benjamin Constant... p. 19-20.
231
28
CARVALHO, José M. A Formação... p. 60-61.
29
LEMOS, Miguel. Determinação... p. 7.
30
Tiradentes – expropriação do terreno do local da forca. Gazeta de Notícias, 26.11.1889. p. 1.
31
LEMOS, Miguel. Determinação... p. 30.
232
com os positivistas desta versão. Isto ainda ocorria nos anos 30, quando o monumento a
Tiradentes foi finalmente lá erguido.
Mas o empenho desse grupo não se restringiu a apenas esse local; eles também se
envolveram em descobrir o exato local da casa onde nasceu Tiradentes, e lá o militar
positivista Ximeno de Villeroy construiu ele próprio uma pilastra de 6 metros de altura, cujo
interior continha uma urna com ata de cerimônia de inauguração em 28.03.1899.32 A placa de
bronze instalada na Pilastra Tiradentes também foi redigida por Miguel Lemos. Todas as suas
diligências em torno do Inconfidente foram relatadas minuciosamente a Miguel Lemos, por
cartas. Ximeno, a serviço militar em Minas Gerais, por lá ficou certo tempo e pôde se dedicar
a outras iniciativas concernentes a Tiradentes: conseguiu a doação da cama do Inconfidente,
para ser exposta no panteon que seria construído no local do suplício, fez pesquisas sobre sua
vida, visitou seus descendentes tentando organizar uma genealogia e adquiriu cartões postais e
medalhas do monumento a Tiradentes em Ouro Preto, que, segundo o militar positivista, teve
como modelo de rosto o desenho de Villares, publicado pela IPB.33
Viu-se no capítulo anterior as iniciativas de Gomes de Castro concernentes a
celebrações cívicas e erguimento de monumentos e seu envolvimento com as lideranças da
IPB. Assim como ele, Villeroy também se sentia ligado à Igreja Positivista, colaborava com o
subsídio e prestava obediência a Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Ximeno de Villeroy, um
gaúcho, cujos irmãos participaram da Revolução Federalista, vinha de uma família de
militares e esteve envolvido na maioria das ações florianistas.34 Suas cartas a Miguel Lemos
demonstram obediência e respeito religioso. Veremos mais adiante que Villeroy rompreu com
os líderes da IPB e passou a criticar a ortodoxia positivista inclusive com relação aos
monumentos feitos por Villares e Sá. Mas no período de confecção da pilastra Tiradentes,
Villeroy parecia ser um entusiasmado colaborador da IPB.
Tanto empenho relativo a Tiradentes por parte da IPB é porque ele era talvez o
herói brasileiro de maior potencialidade emocional, portanto digno de receber um panteon:
um conjunto de obras que reunidas em um prédio operariam uma completa glorificação. Viu-
32
Segundo Ximeno de Villeroy em carta a Miguel Lemos, a Fazenda Pombal onde nasceu Tiradentes
localizava-se à margem direita do Rio das Mortes, em frente ao poste do kilômetro 110 da Estrada de
Ferro Oeste de Minas. Carta de Ximeno de Villeroy a Miguel Lemos. 02.02.1899. Boletim do
Apostolado Positivista do Brasil. n. 11. 01 de maio de 1899.
33
O monumento a Tiradentes é obra do escultor italiano Virgílio Cestari e foi inaugurado em Ouro
Preto em 1894. O monumento atinge uma altura total de 19 metros, o que dificulta obter-se fotografias
da estátua e verificar alguma semelhança com o desenho de Villares.
34
BARATA, Carlos E. A. e BUENO, Antonio H. C. Dicionário das famílias brasileiras. São Paulo:
Ibero América, 1999. p. 2280.
233
se no capítulo anterior que, na escala hierárquica, o panteon ou templo era o suporte da mais
alta honraria positivista. Eles propuseram que fosse construída uma capela ou templo cívico a
Tiradentes reunindo a estátua, relíquias, documentos, manuscritos, impressos e imagens
referentes ao homenageado e à conjuração mineira. As iniciativas de Ximeno iam nesse
sentido. Seguindo a orientação comtiana, eles estavam propondo uma obra de arte perfeita: a
que combinava arquitetura, pintura e escultura em uma unidade construtiva, com a função de
lembrar e glorificar. O interessante é como eles adaptaram a capela católica de adoração às
imagens dos santos (geralmente mártires) à capela cívica consagrada à memória do também
mártir Tiradentes. O projeto não foi executado. Knauss identificou três vertentes de
homenagens aos grandes homens na experiência francesa: o Panteon, a estátua e a coluna,
obelisco ou pirâmide. A tendência panteonizadora voltou-se para um homenageado de um
passado mais distante.35 No caso brasileiro, isto pode ser atribuído a Tiradentes.
Nos papéis de Eduardo de Sá, encontrou-se o rascunho de uma idéia que o artista
chamou de Templo a Tiradentes. O prédio seria composto por um altar central chamado
Incorporação de Tiradentes e seis altares laterais intitulados: Pregação da Liberdade, Prisão de
Tiradentes, Sessão em que foi apresentada a bandeira, Generosidade feminina, Leitura da
sentença e Perdão de Tiradentes. O teto seria pintado com uma idealização da Pátria brasileira
se votando à Humanidade. O Templo a Tiradentes não foi erguido, mas Sá conseguiu fazer-
lhe um monumento, com total síntese católico-positivista, visto a seguir.
Carvalho concluiu, que na construção mítica de Tiradentes em textos e imagens, o
herói acabou sendo identificado como mártir religioso e não cívico, “o patriota virou mítico.”
Para o autor, “isso calava profundamente no sentimento popular, marcado pela religiosidade
cristã.”36 Miguel Lemos percebeu que a população brasileira era piedosa e gostava de festas e
ritos; portanto, construir uma capela cívica ou um templo vinha ao encontro dessa cultura
ritualística onde as imagens de adoração e de culto operavam a mobilização emocional e
cívica positivista. Milliet, que também analisou a construção do mito Tiradentes e o papel da
imagem na personificação do herói, concluiu que foi grande a participação dos positivistas da
IPB, sobretudo no que tange à sincrasia religioso-política.37 O monumento a Tiradentes
encomendado por Amaro da Silveira e idealizado por Sá realizava essa operação.
35
KNAUSS, Paulo. Imagens urbanas e poder simbólico ― esculturas e monumentos públicos nas
cidades de Rio de Janeiro e Niterói. Niterói: UFF, 1998. p. 73-74. (Tese de Doutorado)
36
CARVALHO, José M. A Formação... p. 68
37
MILLIET, Maria Alice. Tiradentes... p.140.
234
38
PEZAT, Paulo Ricardo. Augusto Comte e os fetichistas: estudo sobre as relações entre a Igreja
Positivista do Brasil, o Partido Republicano Rio-Grandense e a política indigenista na República
Velha. Porto Alegre: PPG/História – UFRGS, 1997. p. 101. (Dissertação de Mestrado)
235
39
Agradeço a gentileza de Tiago Luis Gil por fazer as fotografias do monumento a Tiradentes.
236
40
Análise do quadro pode ser conferida em: CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Pintura, História e
Heróis no século XIX: Pedro Américo e “Tiradentes Esquartejado.” Campinas: Unicamp. 2005. (Tese
de Doutorado)
238
41
A glorificação de Tiradentes. Correio da Manhã, 20.04.1928; O 21 de abril e as comemorações
cívicas. O Imparcial, 20.04.1928; As grandes homenagens de hoje a Tiradentes. O Imparcial,
21.04.1928.
42
21 de Abril. Correio da Manhã, 21.04.1931; Estátua de Tiradentes. O Malho, 02.05.1931.
43
Artigo de Revista sem título. IPB/ES
239
44
Cenotáfio é um monumento sepulcral erigido em memória de um defunto sepultado em outro lugar.
Coerentemente com a doutrina positivista, Sá pensava em um cenotáfio, pois é uma espécie de túmulo
que dispensa a transladação de restos mortais, já que a doutrina positivista condenava tal prática.
45
SÁ, Eduardo de. Floriano Peixoto ― a resistência republicana ― Quadro commemorativo da defesa
da Republica. Artigo de jornal sem referência. 09.02.1898. IPB/ES.
46
Sá, Eduardo de. Ao mais Digno! 29.06.1900. Folheto. 1 p. IPB/ES.
241
47
A Estatua do Marechal Floriano. A Notícia. 10.12.1907.
48
MENDES, R. Teixeira. A propózito da comemoração do Marechal Floriano. In: Boletim do
Apostolado Pozitivista do Brazil. n. 32P, 16 de julho de 1904, Rio de Janeiro. p. 21.
49
GONZAGA-DUQUE. Estatua do Marechal... out. 1907.
242
1ª. Maquete para o monumento a Floriano Peixoto, autoria de Eduardo de Sá, IPB
A maquete foi rechaçada pelo público não só pelo excesso de figuras e elementos
simbólicos que a compunham, mas diziam as críticas nos jornais que ela era muito feia e mal
acabada, referindo-se à forma. Havia uma incompreensão acerca da função de uma maquete
no processo criativo do artista, pois nela ocorre o ato de criação artística, o momento em que o
artista dá forma à idéia, sem preocupações com os acabamentos.50
O concurso gerou revolta no meio artístico, pois a concorrência foi entendida
como sectária, privilegiando a posição ideológica de Sá. Outro questionamento dos artistas
dizia respeito à capacidade de Sá em fazer escultura, pois conheciam-no como pintor. Além
disso, a verba para execução do monumento foi adquirida por subscrição popular e por
subvenção votada no Congresso Nacional; portanto, havia verba pública, e isso não era
condizente com as condições excludentes impostas pelo concurso.
50
WITTKOWER, Rudolf. Escultura. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 240.
243
Descrição do monumento
51
Notas de um Fluminense. A Tribuna, 17.12.1907.
52
A descrição do monumento foi adquirida em dois textos: GONZAGA-DUQUE. Estatua do
Marechal... out. 1907 e CASTRO, Gomes de. O monumento a Floriano...
244
53
FALCONET, E. M. Refléxions sur la Sculpture. In: WITTKOWER, Rudolf. Escultura. p. 233.
54
LEMOS, Miguel. Circular n. 4. In: LEMOS, Miguel. 13a. Circular Anual do Apostolado Positivista
no Brasil. (Ano de 1893). Rio de Janeiro: IPB, 1894. p. 55.
246
55
MENDES, R. Teixeira. A candidatura prezidencial do Cid. J. de Castilhos. In: Boletim do
Apostolado Pozitivista do Brazil. n. 5p, 6 de março de 1898, Rio de Janeiro. p. 8.
56
La statue du maréchal Floriano. Le Courrieur du Brèsil, 04.04.1907.
57
Correio da Noite. 21.04.1910.
58
GONZAGA-DUQUE. Estatua do Marechal... out. 1907.
247
59
GONZAGA-DUQUE. Estatua do Marechal... out. 1907.
60
Floriano - o iniciador e o consolidador. A imprensa, 22.04.1910.
248
4 ― A contribuição da “raça
africana” ao povo brasileiro é
representada pelos personagens
Lucas e Maria, do poema
Cachoeira de Paulo-Affonso, de
Castro Alves, que retrata o amor
impossível dos escravos. Nesta
imagem, o artista abordou o tema
da preponderância dos sentimentos
na raça negra e do sofrimento a
que esta foi submetida no
61
cativeiro.
61
Floriano - o iniciador...
249
Altar Cívico
62
GONZAGA-DUQUE. Estátua do Marechal... out. 1907.
63
La statue du maréchal Floriano. Le Courrieur du Brèsil, 04.04.1907.
64
AGULHON, Maurice. Histoire Vagabunde... p. 112-113.
250
personalidade. No entanto, são usadas alegorias que revelam a função social do herói: ele
aparece ao lado de um canhão e empunhando uma espada, pois era a representação do
principal militar combatente na defesa do regime republicano. Portanto, as armas não podiam
ser totalmente omitidas. Mesmo que essa fosse a representação da defesa da República, era
militarista e bélica demais para o gosto dos positivistas. A solução encontrada pelo artista foi
colocar uma mulher ascendendo sobre Floriano, que está rodeado de crianças, em uma
posição no monumento que não é a mais privilegiada para ser vista. Sá foi acusado por artistas
e pela imprensa de ter feito apenas um resumo da história pátria, com um civismo confuso e
uma prodigiosa propaganda à Religião da Humanidade, quase esquecendo Floriano. Um
crítico importante, porque florianista, foi Ximeno de Villeroy. Ao se referir aos monumentos
de Benjamin Constant, Floriano e Castilhos, Ximeno criticou a estatuária positivista dizendo
que, do ponto de vista da forma, era dura, rígida e que predominavam as linhas retas; quanto
ao conteúdo, entendia que os amontoados de figuras e letreiros não permitiam que se
entendesse se comemorava a Religião da Humanidade ou Clotilde de Vaux.65 O monumento a
Floriano também sofreu críticas pela multidão de acompanhantes de Floriano, 25 figuras.
Todas eclipsavam o homenageado.
Apesar da intenção cívico-pedagógica dos monumentos, pois, segundo Comte, a
arte servia para “educar as mentes e sensibilizar os corações”, nem sempre serviam bem para
esse fim. Muitas vezes, o público não aceitava o conteúdo simbólico positivista ou a forma
artística; outras vezes, não compreendia o monumento ou não concordava com a exaltação do
herói. Gonzaga-Duque afirmou em artigo, mas sem se referir ao monumento a Floriano, que
monumentos de rua só devem homenagear heróis já admirados pelo povo; senão, a sua estátua
não tem sentido e vira apenas uma peça decorativa em praça pública. Floriano foi figura
muito controversa, sendo fanaticamente seguido por uns e duramente criticado por outros,
principalmente por ter fomentado as ações violentas de seus seguidores. Parece que o artista
comungou dessa impressão negativa, pois confessou em entrevista, muitos anos após a
inauguração do monumento, que fez grande esforço para enquadrar Floriano no monumento,
pois ele era a “negação do homem retratável [...]. Era tudo o que havia de mais chão [...].Tudo
nele era caimento, moleza e falta de expressão.”66 Essas impressões o artista teve de uma
viagem de bonde em um domingo, em que Floriano, então presidente da República, era um
dos passageiros. Disse Sá que teve dificuldade em identificar que era o Presidente, pois tanto
65
VILLEROY, Augusto Ximeno de. Benjamin Constant... p. 191 e 233.
66
Convivendo, por momentos, com Eduardo de Sá. O Jornal, Rio de Janeiro. 01.08.1926.
251
67
Convivendo...
68
EDMUNDO, Luiz. De um Livro de Memórias ― Eduardo de Sá. Artigo de jornal sem referência.
IPB/ES
69
Floriano Peixoto - a inauguração do monumento. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro. 22.04.1910.
252
70
Carta de Joaquim José Felizardo Júnior a Raymundo Teixeira Mendes. 06.09.1904. IPB
253
concorrer.71
Em 1903, Teixeira Mendes, muito radical na ortodoxia positivista, substitui
Miguel Lemos na direção da Igreja, e a posição quanto a Castilhos mudou. No Relatório
Anual da Igreja de 1904, Teixeira Mendes escreveu um texto criticando Castilhos, que
morrera no ano anterior. Ele condenava Castilhos por nunca ter assumido o positivismo
religioso; por nunca ter admitido a influência da IPB, preferindo dizer-se inspirado pelas
leituras diretas de Comte; por não ter influenciado seus correligionários do PRR a aceitarem o
positivismo; e por fim, criticava Castilhos por ter limitado sua obra política ao Rio Grande do
Sul e não ter se interessado pelo resto do Brasil. Essas críticas, lançadas ainda no período de
impacto da morte do líder republicano, causaram grande comoção entre os correligionários,
que publicaram artigo na Federação defendendo Castilhos e rompendo com os religiosos.72
Os membros gaúchos da Igreja Positivista viram-se diante de um impasse: o
respeito à memória de Castilhos ou a obediência a seus chefes religiosos. Tentaram conciliar
estes dois caminhos. A cada visita ao seu túmulo, os positivistas gaúchos pronunciavam
discursos que elogiavam a conduta de Castilhos como político republicano e defendiam
ferrenhamente a execução da Constituição de 14 de julho, mas o criticavam por sua
indeterminação quanto ao positivismo. De forma um pouco mais realista que a atitude
intransigente de Teixeira Mendes, eles procuraram reconhecer o positivismo político de
Castilhos e conviver com os correligionários do PRR.
A partir da leitura das cartas entre os membros gaúchos e a direção da Igreja,
Dinnebier chega a uma importante conclusão, que pode ser verificada também nas Memórias
de João Neves da Fontoura: Castilhos, exercendo por muitos anos uma liderança incontestável
e única, fazia com que os correligionários do PRR aceitassem à força o positivismo e com que
os opositores odiassem cada vez mais essa doutrina. Assim se refere Felizardo Júnior em carta
a Teixeira Mendes:
E no meio dessa agitação ouve-se um grito uníssono, que resume todo o ódio
concentrado durante uma porção de anos em que preponderou exclusivamente a
vontade de um homem superior, grito de guerra contra os positivistas,
denominação que abrange todos aqueles que ousam defender ou prosseguir a obra
política de Castilhos.73
71
DINNEBIER, Débora. Júlio de Castilhos e a Igreja Positivista do Brasil: diálogos de aproximações
e divergências. Porto Alegre: PUC/RS, 2004. (Dissertação de Mestrado)
72
DINNEBIER, Débora. Júlio de Castilhos... p. 70-75.
73
Carta de Joaquim José Felizardo Júnior a Raymundo Teixeira Mendes. 06.09.1904. IPB. (Os grifos
são meus).
255
Com uma visão mais lúcida que a de Teixeira Mendes, Felizardo Júnior entendia
que o positivismo havia avançado no Rio Grande do Sul em função de Castilhos, e isso
deveria ser preservado, sob o risco da doutrina sumir, visto os ódios ao positivismo. Ele
tentou explicar ao diretor da Igreja que no RS havia um sentimento difuso quanto ao
positivismo, não tão dividido entre político e religioso como a ortodoxia de Teixeira Mendes
desejava que fosse. Portanto, associar o nome de Castilhos ao positivismo, inclusive religioso,
era uma forma de angariar capital simbólico também para a IPB, visto a indistinção da
doutrina para muitos. Mas Teixeira Mendes não concordou com essa visão, nem com as
homenagens prestadas a Castilhos depois de morto, achando-as exageradas.
74
Carta de Joaquim José Felizardo Júnior a Miguel Lemos. 08.02.1904. IPB.
256
75
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 23.
76
Telegrama de Borges de Medeiros a Décio Villares. 31.10.1903. n. doc. 31532. IHGRS.
77
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 23.
257
78
SOARES, Mozart P. Júlio de Castilhos. Porto Alegre: IEL, 1991. p. 31.
79
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 26.
80
Sobre representações da República, ver: AGULHON, Maurice. Mariana, objecto de 'cultura'? In:
RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (org.) Para uma história cultural. Lisboa: Estampa,
1998; CARVALHO, José Murilo de. República-mulher: entre Maria e Mariane. In: A formação...
258
maduro e, em seu entorno, pelas alegorias que representam qualidades de sua personalidade.
Assim explicou o artista: a Coragem é representada por um jovem ofegante e impaciente que
se lança ao ar; em uma das mãos traz os louros da vitória e, com a outra, incita Castilhos a
agir; a Firmeza, à direita de Castilhos, está ereta e inabalável representada em uma figura
atlética masculina vestida com uma armadura; e, enfim, a Prudência, temerosa da ameaça de
um Dragão que se aproxima, esforçando-se para deter a impetuosidade da Coragem e, ao
mesmo tempo, alertando-a do perigo, é uma representação feminina.81 Essas peculiaridades da
personalidade são coerentes com a representação de Castilhos como um tipo prático, e não
intelectual. As qualidades práticas ― Coragem, Firmeza e Prudência ― foram estipuladas por
Comte na Classificação Positiva das Dezoito Funções Interiores do Cérebro.82 Mesmo que
estas três características tenham sido representadas por figuras absolutamente clássicas, isto
não invalidou a origem positivista das mesmas.
Como se percebe, Villares seguiu a orientação inicial de Borges de representar as
fases da vida de Castilhos, e os demais elementos que compõem o monumento foram criações
do artista, orientado pelos positivistas religiosos. Na carta referida anteriormente, Felizardo
Júnior sugere a Miguel Lemos que conversasse pessoalmente com Villares e o aconselhasse
sobre as representações laterais do monumento, que ainda estavam indefinidas. Não se têm
informações se isto ocorreu, mas essas três características da personalidade de Castilhos são
alusões claras ao positivismo. Se Felizardo Júnior não conseguiu colocar a Política Positiva
na mão de Castilhos, parece que ajudou a definir as representações de sua personalidade.
A Firmeza A Coragem
A Prudência
81
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 23-25
82
COMTE, Auguste. Catecismo... p. 246.
259
Dois aspectos podem ser ressaltados desta carta. Primeiro: a Igreja Positivista
sempre reivindicou que Castilhos assumisse a influência recebida quando era Deputado
Federal Constituinte, no início da República; que reconhecesse que, ao elaborar a
Constituição Estadual, tomou como modelo a Constituição elaborada pelos Diretores da IPB e
proposta à Assembléia Nacional Constituinte; que revelasse as leituras dos folhetos da Igreja
que ganhava dos funcionários positivistas da SOP. Castilhos nunca admitiu tal ligação com a
IPB, sempre se disse leitor, desde jovem, diretamente das obras de Comte. Como interpretar
então essa atitude dos membros da IPB querendo aumentar a representação do positivismo
religioso no monumento de Castilhos? Parece contraditório; afinal, Castilhos nunca assumiu
tal caráter. A resposta está ligada à função da arte para o positivismo. A arte serve para
reparar fatos históricos, consolidando a verdade e a justiça. Na ótica dos positivistas
religiosos, se Castilhos não reconheceu a influência da IPB na sua obra política, o monumento
poderia fazê-lo. Na lógica forçada dos membros da Igreja, isto não era uma mentira, pois
Castilhos nunca negou sua influência, apenas não a reconheceu publicamente. Portanto, o
monumento era a oportunidade de reparar esta falta e marcar para sempre no bronze, e às
claras, aquilo que Castilhos nunca assumiu.
83
VILLARES, Décio. O Monumento... p. 24-25.
84
ALBECHE, Dayse L. Imagens...p. 142.
260
85
FORTINI, Archymedes. O monumento de Júlio de Castilhos. Correio do Povo, 12.05.1963. p.18.
261
ridículo da cena, mudou o modelo e esculpiu o cavalo erguido sob as duas patas traseiras.
A posição do gaúcho a cavalo relativamente ao monumento também é importante:
ele está separado das demais figuras, solitário, e não pode ser visto quando o monumento é
olhado de frente, onde predominam apenas as alegorias que caracterizam a vida e as virtudes
de Castilhos. A disposição da figura com relação ao núcleo escultórico central não é aleatória.
O gaúcho a cavalo, mesmo sendo republicano, está em oposição a Castilhos. Por outro lado, a
imagem do gaúcho, que busca o apelo popular, está voltada para a praça, espaço do lúdico,
enquanto a frente do monumento está voltada para a rua.
O cívico e o lúdico
86
VILLARES, Décio; GONÇALVES, Carlos Torres. O Monumento a Júlio... p. 22.
87
MACEDO, Francisco R. História de Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1993.
p. 28.
88
PACHECO, Ricardo de A. O cidadão...
89
FRANCO, Sérgio da C. Júlio de Castilhos e sua Época. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS,
1988. p.110-111.
262
monumento a recepcionar quem ousasse fazer novamente este percurso. Simbolicamente, foi
colocado na escadaria que leva ao monumento, de costas para a cidade, como se estivesse
concluindo este trajeto, um dragão, normalmente representação do mal e do adversário que
deve ser vencido.90
O monumento está localizado na borda da praça, não ao centro em meio às
árvores, perto da rua, voltado para o rio. Na época em que foi construído, apenas dois prédios
altos o circundavam ― o Teatro São Pedro e o Tesouro do Estado, depois Tribunal de Justiça,
formando uma moldura para o monumento, pois quem subia a Rua da Ladeira tinha uma
visão enquadrada do mesmo. Quem chegava à cidade pelo rio também tinha uma visão
privilegiada da obra. Mas havia os que achavam que os prédios eclipsavam o monumento,
atrapalhando que seja visto do porto.
O articulista do jornal resumiu bem a função do monumento ― ser visto por todos
e representar a fórmula, ou versão, vitoriosa. Colocado na praça palco das manifestações
políticas, criava-se a ilusão de que a única política possível era a que seguia Castilhos. A
oposição nunca conseguiu erguer em Porto Alegre um monumento a Silveira Martins,92 talvez
o único contraponto a altura de Castilhos, no âmbito regional. Com isso, Castilhos permanece
na praça, adulando ou ferindo os vivos, no dizer de Catroga.93
Desconfio que Borges nunca soube que Teixeira Mendes e Miguel Lemos
influenciavam as obras que Villares fazia para governo estadual, inclusive com poder de veto.
A terceira grande encomenda da SOP a Villares exemplifica esse poder: instalar 67 bustos de
90
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dictionaire des Symboles. Paris: Robert Laffont,
1982. p.366.
91
Diário, 12-08-1912. p. 1. Citado em DOBERSTEIN, Arnoldo W. RS (1893-95) nos monumentos:
profanação e crítica. In: FLORES, Moacyr (org.) 1893-95 - A Revolução dos Maragatos. Porto
Alegre: Edipucrs, 1993. p. 89.
92
DOBERSTEIN, Arnoldo W. RS (1893-95) nos monumentos... p. 92.
93
CATROGA, Fernando. Ritualizações... p. 222.
263
Castilhos, em bronze, nas praças de todos os municípios do estado. Durante o ano de 1910,
Villares chegou a visitar alguns municípios do interior para definir o local das obras e fez o
modelo de busto em gesso, apresentado abaixo.
94
Estátuas. A Reforma, 14.04.1910. p. 1.
95
A Federação, 11.10.1916. p. 4.
264
96
Sobre a vulgarização das fórmulas positivistas, ver: CARVALHO, José M. O positivismo
brasileiro...; BOEIRA, Nelson. O Rio Grande...
265
Considerações Finais
que deu origem à Academia Imperial de Belas Artes. A disputa entre os projetos de Villares e
Rodolpho Bernardelli não apenas mostrou visões divergentes para o futuro das artes no Brasil,
mas também refletiu uma luta de e por classificação no interior do campo artístico, e aí
mostrou-se que o positivismo estava no centro do debate. Independentemente desse resultado,
a pesquisa revelou que Villares propôs uma política para as artes que causou grande polêmica
no meio e forçou a reinstitucionalização da Academia de Belas Artes para adequá-la à
estrutura organizacional da República. Viu-se que se Villares, com suas idéias de extinção do
ensino artístico oficial, não serviu para realizar tal reforma institucional, Rodolpho
Bernardelli, por seu status consolidado no campo artístico, foi o artista alçado para fazê-la.
A tentativa frustrada dos artistas positivistas no campo da política das artes os
restringiu quanto às encomendas oficiais e lhes legou uma carga pesada de críticas,
resistências às suas obras, ridicularizações e dificuldades de reconhecimento no meio artístico.
Parte dessa situação vinha da resistência crescente ao positivismo assumido pelos artistas e às
suas ligações com a IPB e os florianistas – ambos os grupos possuíam seguidores militantes
quase fanatizados, na mesma medida em que colhiam opositores, ódios e resistências.
A tese também analisou a ligação de alguns florianistas, principalmente militares,
com o positivismo e com a IPB, e de como a produção de objetos artísticos reforçava tal
aproximação entre ambos os grupos. Ao abandonar o hábito de ver o positivismo somente
como doutrina filosófica e adotar o procedimento de analisá-lo como prática política, revelou-
se que artistas, líderes da IPB e militares florianistas estiveram unidos em muitas ocasiões
para promover atividades cívicas. Nestas atividades, os objetos artísticos tiveram centralidade,
pois, além de ajudarem a lembrar o herói homenageado, serviam para a veiculação de um
conteúdo da história brasileira ― a síntese histórica ― cuja culminância está na fase
republicana, estando as conquistas do positivismo na consolidação deste regime.
Em termos documentais, o trabalho teve por apoio a documentação de Eduardo de
Sá, recolhida por ele ao longo de sua trajetória artística e depositada na sede da IPB, no Rio
de Janeiro. Este material é inédito, e, não apenas por isso, foi um privilégio encontrar um
conjunto documental sobre um artista, principalmente um não consagrado pela “boa crítica
artística”. Normalmente, quando acervos de artistas são reunidos e ficam acessíveis em
instituições de pesquisa, isso acontece com artistas renomados como Visconti, Parreiras e os
irmãos Bernardelli, para citar somente os casos dos artistas atuantes no Rio de Janeiro.
Os papéis de Sá foram fundamentais para se visualizar uma rede de positivistas
que unia ― e a união não queria dizer suspensão das diferenças ― adeptos da IPB, militares
florianistas, ex-alunos de Benjamin Constant na Escola Militar, lideranças do governo do
267
estado do Rio Grande do Sul, parlamentares federais, Ministros de Estado e artistas. Todos
demonstravam o desejo comum de promover ou estimular a fatura de objetos artísticos
alusivos ao positivismo.
Esse circuito extenso de positivistas foi confirmado pela pesquisa na
correspondência de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, também inédita nas investigações
historiográficas da Primeira República. Esse material revelou que as lideranças da IPB tinham
uma rede externa de colaboradores influentes na instituição do novo regime, sem que eles
fossem, necessariamente, adeptos formais do grêmio religioso. A tese demonstrou, por
exemplo, a atuação de Gomes de Castro e Ximeno de Villeroy voltada à promoção artística e
sua reverencia à autoridade “apostolar” dos chefes da IPB.
Outro aspecto do trabalho foi a demonstração de que a IPB era uma instituição
voltada às práticas políticas que levariam à consolidação republicana e, num futuro, à
instituição da sociedade positiva. Na defesa de seu projeto político e de organização social, as
lideranças da IPB disputaram com grupos ou indivíduos que também empreendiam alguma
forma de promoção do civismo e de confecção de obras artísticas. Isto ocorreu com Gomes de
Castro, com Borges de Medeiros e com Lauro Sodré; todos tiveram suas iniciativas
concernentes às artes questionadas pelas lideranças da IPB. Analisou-se o quanto a arte era
fundamental para o culto público e político positivista; daí o investimento na constituição de
um acervo de imagens e no apoio financeiro aos artistas. Isto foi demonstrado no inventário
de obras da IPB e em uma identificação de objetos artísticos utilizados nas atividades cívicas
em que Gomes de Castro estava envolvido.
Da produção artística promovida pelos positivistas destacou-se a confecção de
bustos, estátuas e monumentos públicos. Com vistas à identificação de tais obras pela
historiografia, a tese revelou mais alguns trabalhos importantes para a compreensão do
positivismo artístico no Brasil. Foi revelada a existência do monumento a Benjamin Constant,
em Curitiba, que, embora não tenha sido feito por artista positivista, foi idealizado por um
adepto da IPB ― David Carneiro; e do monumento a Tiradentes, feito por Sá, que, por estar
no interior de um prédio de uma escola, no Rio de Janeiro, era praticamente desconhecido.
Porém, mais do que somente revelar monumentos que a historiografia não
conhecia, o trabalho se interessou em identificar os elementos que davam às obras o estatuto
de obra positivista, segundo os envolvidos na sua execução. Chegou-se à importante
conclusão de que o termo “arte positivista” se aplica ao conteúdo de uma obra e aos usos a
que este objeto se prestará no culto cívico. Não se pôde falar de “arte positivista” quanto à
forma. Restringindo-a, assim, ao conteúdo e aos usos, investigou-se como a arte positivista
268
depois, com sua consolidação. Agremiações como o Clube Republicano Benjamin Constant, a
Comissão Glorificadora Floriano Peixoto, o Clube Republicano Lopes Trovão, o Clube
Tiradentes, o Clube Militar do Rio de Janeiro não foram ainda analisadas. Perde-se, assim,
uma parte da história republicana em que se poderiam visualizar formas de organização
política não partidárias. Porém, mais do que isso, poder-se-ia avançar na história política para
além das idéias, para uma história na qual as práticas, rituais e objetos artísticos são também
fruto de disputas políticas.
Chega-se então a um resultado a que a tese não visava tratar com atenção: as
festividades e ritualizações cívicas em que os positivistas estiveram envolvidos e nas quais os
objetos artísticos tiveram centralidade. O assunto foi aqui iniciado, e a necessidade da
historiografia republicana tratá-lo com absoluta atenção continua. Faz-se necessária uma
investigação exaustiva das festas cívicas republicanas, do papel dos positivistas no seu
incentivo e da participação de outros grupos, como os católicos, que lutaram contra um
calendário laico de festas cívicas. Miguel Lemos acreditava que a sociedade brasileira era
piedosa e gostava de festas; portanto, o positivismo tinha chance de se consolidar e, por isso,
tantas imagens se faziam necessárias. Por ingerências da história, o positivismo não se
consolidou, mas os objetos artísticos seguem nas praças e salas públicas comemorando os
mortos e “adulando ou ferindo os vivos”.
270
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Museu Nacional de Belas Artes – Rio de Janeiro: Pasta de Décio Villares, Pasta de Eduardo
de Sá, Pasta de Rodolpho Bernardelli e Inventário de obras de Décio Villares e Eduardo de
Sá.
A imaginação Painel Rio de Janeiro RJ Salão de leitura - Sala João Antonio Marques, da Biblioteca
Nacional
A má notícia ? Arquivo Público Mineiro
A República Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Clube Militar. 0,80X0,70 cm
A República Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Templo da Humanidade
A Virgem Maria
Après la lecture Óleo sobre tela Esteve na ENBA. 55X47 cm
Benjamin Constant Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Benjamin Constant Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Instituto Benjamin Constant
Benjamin Constant Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Museu Casa Benjamin Constant. 46,5X80,0 cm
Benjamin Constant no Óleo sobre Rio de Janeiro RJ Museu Casa Benjamin Constant. 20,5X26,0 cm. Atribuído.
Gabinete de Trabalho madeira
Bernardina Joaquina da Silva Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Casa Benjamin Constant. 73,0X58,0 cm. Atribuído. Mãe de
Guimarães Botelho de BC.
Magalhães
Borges de Medeiros Busto em bronze Porto Alegre RS Biblioteca Pública do Estado do RS
Cabeça da República Brasileira Óleo sobre tela Esteve na ENBA. 61X49 cm
Cabeça de Cristo Óleo sobre tela Museu Mariano Procópio. 0,36X0,28 cm
Cabeça de Cristo Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 41,6X33,3 cm.
Cabeça do Christo Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Sala de conferências da Candelária - Catedral Metropolitana do Rio
de Janeiro
Cardeal D. Joaquim Arcoverde Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro
Carlos Gomes ? Pousado pelo próprio.
Clarice Índio do Brasil Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 61X50,5 cm.
Clarice Índio do Brasil e Silva Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Clotilde Álvares de Azevedo Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes, 55,3X46,7 cm.
Macedo de Magalhães
Clotilde de Vaux Medalhão em Porto Alegre RS Capela Positivista de Porto Alegre
gesso de
Colombo Busto em gesso Rio de Janeiro Museu Nacional de Belas Artes
Conselheiro Óleo sobre tela Niterói RJ Palácio do Ingá
Coração de Jesus Óleo sobre cartão Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 58X30,5 cm.
Deodoro da Fonseca Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Câmara Municipal do Rio de Janeiro
289
Inventário de obras de Décio Villares
Deodoro da Fonseca Busto em gesso Rio de Janeiro RJ Clube Militar ? (Não está no inventário)
Deodoro da Fonseca Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. 229X146 cm
Despeitada Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 50,2X39,4 cm.
Dom Pedro II Óleo sobre tela Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio. 0,72X0,36
Ecce Homo
Esmeralda
Estudo para retrato de Óleo sobre cartão Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 62X50,4 cm.
Tiradentes
Floriano Peixoto Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Câmara Municipal do Rio de Janeiro
Francisco de Paula Mayrink , Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência do MHN e José Pires dos
Conselheiro Santos. O retratado foi proletário do Palácio Nova Friburgo
(Palácio do Catete), hoje sede do Museu da República. 90X79 cm
Francisco de Paula Mayrink , Óleo sobre tela Petrópolis RJ Museu Imperial de Petrópolis
Conselheiro
Francisco Portela , Conselheiro Óleo sobre tela Niterói RJ Palácio do Ingá
Graciosa Óleo sobre papel Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 48,8X38 cm.
Humanidade Estatueta em Rio de Janeiro RJ Doação à IPB
gesso
Índio Rio de Janeiro RJ Museu Histórico Nacional
Inglez de Souza Monumento Porto Alegre RS Cemitério São João Batista
funerário
José Bonifácio Busto, gesso Rio de Janeiro RJ Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
patinado
José Bonifácio Pastel Rio de Janeiro RJ Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Júlio de Castilhos Busto em bronze Porto Alegre RS Biblioteca Pública do Estado do RS
Madona Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes 20,5X17 cm
Maria Amália Óleo sobre Museu Mariano Procópio. 0,42X0,34 cm
papelão
Moça de cabelos soltos
Moça do vestido azul
Moema Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 157X236 cm.
Murais Rio de Janeiro RJ Sala Inglesa, contígua a das sessões dos vereadores na Câmara
Municipal do Rio de Janeiro. Tema da natureza e trabalho nas
290
Inventário de obras de Décio Villares
estâncias gaúchas.
No bosque Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 56X71 cm
Operaria Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes 30,2X24,9 cm
Perfil de moça
Quintino Bocaiúva Óleo sobre tela ? Senado Federal
Quintino Bocayuva Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes
República Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência MHN e MNBA. 56X45 cm
República Óleo sobre papel Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência MHN. 22X29 cm
Retrato da mãe do artista Óleo sobre Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes 21,7X16,6 cm.
madeira
Retrato de Menina Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 56,3X47,8 cm.
Rosto de Jesus Cristo Sanguínea Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio 30X23 cm
Rosto de Jesus Cristo Sanguínea Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio 42,5X35,5 cm
Sagrado Coração de Jesus Óleo sobre tela e Rio de Janeiro RJ Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. 48X37 cm
madeira
Sagrado Coração de Jesus Lápis Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio. 33,5X26 cm
Salve! República Argentina Óleo sobre tela e ? Presenteado ao presidente argentino Julio Rocca por Campos Sales,
madeira como retribuição do presente de dois puros-sangue.
São Paulo Busto em bronze Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio. 62X54X45
São Paulo Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes
Setembrino de Carvalho Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Clube Militar 1,30X1,00 cm
Sorriso infantil Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes. 41,8X37,9 cm.
Tiradentes Óleo sobre cartão Rio de Janeiro RJ Museu Histórico Nacional
Tiradentes Sanguínea Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio
Tiradentes Busto em bronze Juiz de Fora MG Museu Mariano Procópio. 81X56X47 cm
Tiradentes Busto em bronze Rio de Janeiro RJ Museu Nacional de Belas Artes
Urânia Marruflagem Rio de Janeiro RJ Museu Dom João VI – EBA – UFRJ. 262,5X181cm
Visão Dantesca Quadro oferecido ao Rei Alberto I. Foi exposto na Associação dos
Empregados do Comércio do RJ?
Cabeça de Menina Óleo sobre Rio de Janeiro RJ 1823 ? Museu da República. Procedência Museu Histórico Nacional.
madeira 17X23 cm.
Retrato de Senhora Rio de Janeiro RJ 1872 ? Museu Nacional de Belas Artes. Embaixatriz Maria Azambuja de
Alencastro Guimarães – RS
291
Inventário de obras de Décio Villares
Paolo e Francesca da Rimini Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1874 Museu Nacional de Belas Artes. Ganhou o prêmio do Salão de
Paris em 1874 com esse quadro. 75X75 cm
Cristo de Prudhon 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882.
Fuga para o Egito 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
Passeio a bordo do lago 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
Rodolfo Amoedo Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1882 Museu Nacional de Belas Artes. Doação de Adelaide Amoedo, em
1941. 21X17,5 cm.
São Jerônimo em Oração 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
São Jerônimo traduzindo a 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
bíblia hebraica
Sonho de José 1882 Citado por Gonzaga Duque em 1882 e por Félix Ferreira.
Retrato de Menina Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1887 Museu Dom João VI – EBA – UFRJ. 110,3X80 cm
Epopéia Africana no Brasil Esboço de tela Rio de Janeiro RJ 1888 Danton Voltaire Pereira, diretor da IPB.
Desenho da Bandeira Rio de Janeiro RJ 1889 Adoção pelo Governo Provisório
Republicana
Dom Pedro II Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1889 Museu Nacional de Belas Artes.247X160 cm.
Escobar, Senhora artista Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1889 Museu Nacional de Belas Artes. 54,6X44,8 cm.
Pequeno músico ambulante 1889 Coleção Onestaldo de Pennafort. Citado por Carlos Rubens em
Boletim de Belas Artes, n. 33, set 1947.
Retrato de Senhora Rio de Janeiro RJ 1889 ? Museu Nacional de Belas Artes. Embaixatriz Maria Azambuja de
Alencastro Guimarães – RS
Benjamin Constant Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1890 Clube Militar
Danton Litografia Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Festa cívica de 14 de julho de 1890
Deodoro da Fonseca Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1890 Clube Militar. 1,66X1,15cm
Estandarte da Humanidade Óleo sobre tecido Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Abriu a procissão cívica a Tiradentes
José Bonifácio Litografia Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Festa cívica de 07 de setembro de 1890
Tiradentes Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Procissão cívica de Tiradentes
Tiradentes Litografia Rio de Janeiro RJ 1890 Templo da Humanidade. Procissão cívica de Tiradentes
Imagem da Humanidade Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1891 Ornamentação do Altar do Templo da Humanidade.
Retrato de Mulher (ou Retrato técnica mista Rio de Janeiro RJ 1891 Museu Nacional de Belas Artes, comprada de Amélia Werneck de
de Moça) sobre papel Sousa em 1959. 61X51 cm.
Retrato de uma jovem 1891 Coleção particular. Citado em José R. T. Leite. Dicionário Crítico...
Décio Villares fez um auto-retrato no medalhão usado pela jovem.
292
Inventário de obras de Décio Villares
Benjamin Constant Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1892 Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. Atualmente
emprestado para Museu Casa Benjamin Constant. 200X134 cm
José Vieira de Araújo Peixoto Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1892 Museu da República. Pai de criação de Floriano Peixoto.
Procedência do Museu Histórico Nacional. 50X40 cm
Floriano Peixoto Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1895 Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. 120X93 cm
A esposa de Clóvis rezando Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Celebração do 14o. centenário do batismo
de Clóvis
Benjamin Constant Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Aniversário da Proclamação da República
no Brasil
Colombo Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Aniversário do descobrimento da
América
Decartes Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade Comemoração do 3o. centenário do
na.scimento de Decartes
Decartes Litografia Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Comemoração do 3o. centenário do
nascimento de Decartes
José Bonifácio Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Festa cívica de 07 de setembro de 1896
colorido
Tiradentes Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1896 Templo da Humanidade. Festa de Tiradentes
segunda versão
A morte de Auguste Comte e à Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1897 Templo da Humanidade. Celebração do 40o. aniversário de morte
cabeceira sua filha adotiva de Auguste Comte
Sophie Bliaux
Heloíza Bustos em gesso Rio de Janeiro RJ 1897 Templo da Humanidade. Ornar os nichos do Templo
Moizés Bustos em gesso Rio de Janeiro RJ 1897 Ornar os nichos do Templo da Humanidade
Paisagem Óleo sobre parede Rio de Janeiro RJ 1897 Museu da República. Co-autoria com Antônio Parreiras. 367X295
cm
Santo Ambrózio Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1897 Templo da Humanidade. Celebração do 14o. centenário de morte de
Santo Ambrózio
São Paulo Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1897 Inauguração da nave do Templo da Humanidade
segunda versão
Tiradentes Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1897 Templo da Humanidade. Celebração do martírio de Tiradentes
colorido
Lei treze de maio Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1898 Museu Nacional de Belas Artes. 315X596,5 cm
293
Inventário de obras de Décio Villares
Deodoro da Fonseca Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1900 Villares deixou o Busto no Templo da Humanidade, mas Miguel
colorido Lemos não o queria
Floriano Peixoto Busto em gesso, Rio de Janeiro RJ 1900 Villares deixou o Busto no Templo da Humanidade, mas Miguel
colorido Lemos não o queria
A morte de Clotilde de Vaux Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1903 Templo da Humanidade. Comemoração de morte em 05/04/1903.
Júlio de Castilhos Busto em bronze - RS 1903 Encomendados pelo Governo estadual para serem distribuídos nos
municípios do interior (67 cópias em bronze)
Júlio de Castilhos Monumento Porto Alegre RS 1904 Cemitério da Santa Casa de Misericórdia
fúnebre em bronze
Júlio de Castilhos Maquete em Porto Alegre RS 1904 Doação aos membros do Núcleo do Rio Grande do Sul
gesso, monumento
fúnebre
A morte de Clotilde de Vaux Óleo sobre tela Paris – França 1905 Templo da Humanidade. Celebração da Festa dos Mortos
São Paulo Busto em gesso Rio de Janeiro RJ 1908 Ornar os nichos do Templo da Humanidade e celebração da Festa
das Mulheres Santas de 1908
Assinatura do Tratado do Óleo sobre papel e Rio de Janeiro RJ 1909 Museu da República. Procedência do MHN e MNBA. 24X30 cm
Uruguai madeira
Júlio de Castilhos Busto em gesso Porto Alegre RS 1910 Doação aos membros do Núcleo do Rio Grande do Sul
Estandarte da Humanidade Óleo sobre tecido Porto Alegre RS 1912 Inauguração da Capela de Porto Alegre
Júlio de Castilhos Monumento em Porto Alegre RS 1913 Praça da Matriz
bronze
A Primeira Comunhão de Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1915 Templo da Humanidade. Celebração do 1o. centenário do
Clotilde nascimento de Clotilde de Vaux
Santa Tereza Estatueta em Rio de Janeiro RJ 1915 Templo da Humanidade. Celebração do 4o. centenário do
barro, nascimento de Santa Tereza
Depois da grande guerra Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1920 Museu Nacional de Belas Artes. 240,2X155,7 cm.
A Festa Inaugural da Medalhão em Rio de Janeiro RJ 1921 Templo da Humanidade
Redempção gesso
A Festa Inaugural da Medalhão em Rio de Janeiro RJ 1921 Templo da Humanidade. Comemoração de 6o. centenário de morte
Redempção bronze de Dante. Obra para se colocada no túmulo de Dante, em Ravena,
Itália
José Bonifácio Monumento em Santo Ângelo RS 1922 Praça Pinheiro Machado
bronze
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Inventário de obras de Décio Villares
Calendário Positivista Aquarela sobre Rio de Janeiro RJ 1923 Templo da Humanidade. Original para fazer edições
Histórico papelão cromolitográficas
Benjamin Constant Busto em gesso, Porto Alegre RS 1925 Templo da Humanidade. Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Floriano Peixoto Busto em gesso, Porto Alegre RS 1925 Capela Positivista. Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Heloíza Busto em gesso Porto Alegre RS 1925 Capela Positivista de Porto Alegre
José Bonifácio Busto em gesso, Porto Alegre RS 1925 Templo da Humanidade. Encomendado para a Festa Cívica
colorido
Rio Branco Busto em gesso Porto Alegre RS 1925 Templo da Humanidade. Encomendado para a Festa Cívica
Tiradentes Busto em gesso, Porto Alegre RJ 1925 Templo da Humanidade. Encomendado para a Festa Cívica
colorido
A Festa Inaugural da Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1926 Ornar o coro do Templo da Humanidade
Redempção
Benjamin Constant Monumento em Rio de Janeiro RJ 1926 Praça da República
bronze
Cabeça de Cristo com coroa de Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1928 Museu Nacional de Belas Artes. 27X26 cm
espinhos
Tiradentes Óleo sobre tela Juiz de Fora MG 1928 Museu Mariano Procópio 0,68X0,51 cm
Silva Jardim Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1929 Museu da República. Procedência do MHN. 106X85 cm
Getúlio Vargas Óleo sobre tela Rio de Janeiro RJ 1931 Museu da Cidade do Rio de Janeiro. Retrato comprado pelo
interventor Adolfo Bergamini.
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Inventário das obras de Eduardo de Sá
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Inventário das obras de Eduardo de Sá
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Inventário das obras de Eduardo de Sá
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