Perspectivas Político-Criminais Sob o Paradigma Da Sociedade Mundial Do Risco PDF
Perspectivas Político-Criminais Sob o Paradigma Da Sociedade Mundial Do Risco PDF
Perspectivas Político-Criminais Sob o Paradigma Da Sociedade Mundial Do Risco PDF
CONSELHO CONSULTIVO:
Carina Quito, Carlos Alberto Pires Mendes, Marco Antonio Rodrigues Nahum,
Sérgio Salomão Shecaira, Theodomiro Dias Neto
DEPARTAMENTO DE INTERNET
Coordenador-chefe:
Luciano Anderson de Souza
Coordenadores-adjuntos:
João Paulo Orsini Martinelli
Regina Cirino Alves Ferreira
EDITORIAL
ENTREVISTA
ARTIGOS
BATE-BOLA
RESENHA
FILME
IBCCRIM (Prof.ª Dr.ª Ana Elisa Bechara): O que levou o senhor ao Direito
Penal?
IGNACIO BERDUGO (IB): Acredito que, no início da carreira, eu não era um
típico estudante vocacionado de Direito.
Escolhi Direito por exclusão. A opção
era fazer letras ou história, matérias das
quais eu realmente gostava. Direito era
para mim desconhecido. Escolhi esse
curso por exclusão, porque eu tampouco
queria ser um professor de História, pois
toda a vida planejei objetivos talvez mais
ambiciosos. Também houve a influência
familiar, principalmente da minha mãe, que
me incentivou a estudar Direito, conforme,
aliás, tinha feito meu avô, embora sem nunca ter exercido a profissão.
Comecei a fazer Direito e logo me apaixonei pelo curso. Claro que, como em
qualquer outra área, havia matérias mais atrativas do que outras. E as matérias
2) Para um curso que começou por exclusão, sua carreira cresceu muito
rápido...
IB: Só no começo a opção por minha carreira foi por exclusão. Logo as
coisas mudaram. Eu vivi em uma época de expansão na Espanha, em que a
universidade apresentava oportunidades que agora já não há. Nesse contexto, a
fim de aproveitar tais oportunidades, tinha-se que ir mais rápido do que hoje se
entende razoável. De fato, fiz minha tese muito rapidamente, três anos depois
de terminar a graduação (1976). No ano seguinte, conquistei, por meio de um
concurso nacional, o cargo de professor adjunto – fui o professor titular mais
4) O sr. foi reitor de Salamanca por quase uma década. O que essa
experiência acrescentou em sua carreira?
IB: Posso tratar dessa sob dois aspectos distintos. No âmbito pessoal, creio
que o cargo mais alto que um acadêmico pode ambicionar na Espanha é ser
reitor de Salamanca, em razão do significado dessa Universidade, que é a mãe
das universidades espanholas e de muitas universidades ibero-americanas.
10) O que o sr. julga que foi sua maior contribuição ou realização no
Direito Penal?
IB: Escrevi dois livros que, para mim, são especialmente importantes.
O primeiro foi um estudo intitulado Delito de lesiones, que fiz durante minha
estada na Universidade de Colônia, na Alemanha, e que traz minhas posições
sobre várias questões fundamentais do Direito Penal, como a própria ideia do
bem jurídico. O outro trabalho intitula-se Honor y libertad de expresión, com o
qual conquistei a cátedra. Esse tema traz dificuldades políticas e dogmáticas,
11) Quais são suas ambições hoje no Direito Penal? Depois de tanta
coisa, o que ainda falta fazer?
IB: Tenho uma ambição muito concreta e estou trabalhando nesse momento
sobre ela. Não sei quanto tempo levará para atingi-la, mas, tentar buscá-la já é,
para mim, um prêmio. Estou escrevendo um livro dirigido a estudantes que pela
primeira vez tomam contato com o Direito Penal. Não é um manual, até porque
já escrevi livros com esse tipo de conteúdo. Na verdade, esse livro representa
um desafio, porque nós, juristas, costumamos a nos proteger por meio de uma
linguagem complexa, só para iniciados, e, às vezes, pensamos que quanto
mais obscuro escrevemos, melhores penalistas somos. Isso é, para mim, um
equívoco. O fundamental é ter clareza e simplicidade na transmissão das idéias.
Esse é o meu desafio. Se conseguir concretizá-lo, isso será para mim um prêmio
importante.
12) Além do Direito Penal, quais são seus objetos de interesse, seus
hobbies?
IB: Sempre gostei muito de ler. Sou um leitor compulsivo, leio tudo. Gosto
de ler romances, inclusive os policiais, muito interessantes para a formação
profissional vinculada ao Direito Penal.
Por exemplo, agora que venho bastante ao Brasil, gosto de ler a História deste
país, justamente para que eu saiba onde estou e com quem estou. Mas digamos
que esse é um hobby de uma pessoa já madura.
Na época em que estudava Direito em Valladolid, eu era o capitão da equipe
de rugby da Universidade, e também joguei na equipe nacional. Há esportes
que nos ensinam valores importantes para toda a vida, não apenas em relação
a nossos companheiros de equipe, mas também em relação aos rivais, com
***
Vivian Calderoni
Sumário:
Resumo:
Pretende-se, a partir do estudo do fundamento jurídico e das teorias das
penas, entender as motivações explícitas e implícitas da aplicação de medida
sócio-educativa de internação a adolescentes acusados de praticar ato
infracional, ao incluir a questão da ideologia em sua análise. Para isso buscam-
se elementos na Teoria do Labelling Approach, na Teoria Crítica e no Conceito
Crítico de Criminologia Clínica, somados aos elementos da Psicanálise, da
Psicologia desenvolvimentista e da Psicologia sócio-histórica, para que possam
auxiliar na reflexão do que ocorre antes da aplicação da medida de internação
e verificar quais os efeitos de sua aplicação nos adolescentes que a elas são
submetidos. Por se tratar de um tema complexo, que não encontra unanimidade
em suas análises, recorre-se, no presente, a diferentes visões da problemática.
1 Este artigo é a síntese da Tese de Láurea apresentada à Faculdade de Direito da USP, realizada
sob a orientação do Prof. Dr. Alvino Augusto de Sá, intitulada “Justiça Juvenil: uma análise crítica da medida
de internação” apresentada no final de 2008. Compôs, também, a banca examinadora a Profa. Dra. Ana
Elisa Bechara.
I. Introdução
3 SPOSATO, Karyna B. O direito penal juvenil. São Paulo: RT, 2006. p. 76-7.
§2.º Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
11 JESUS, Maurício Neves. Op.cit., p. 154-5.
12 Art.121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Nesse ponto, fica destacado o fato de que, no Direito Penal Juvenil, a principal
finalidade da aplicação da medida de internação é a preventiva especial, ou
seja, a tentativa de evitar a reincidência, a vulnerabilidade do adolescente e
a marginalização secundária. E, isso se justifica exatamente no já comentado
parágrafo 2° do art. 121 do ECA, que não fixa prazo para o cumprimento da
medida, de modo a vinculá-la não à gravidade da infração, e sim ao desenvolvi
mento do adolescente durante o cumprimento da medida sócio-educativa. “A
própria verificação das necessidades pedagógicas do adolescente (arts. 100/
113 do ECA) como uma das diretrizes mestras de definição do regime
adequado prestigia o entendimento de que o foco é mais no autor do que no
crime propriamente dito”14. Para que isso seja efetivo, deve-se seguir um plano
individualizado de medida. Deve-se, no entanto, tomar cuidado para que o Direito
Penal do autor não passe a vigorar no Direito Penal Juvenil.
19 MARIN, Isabel da Silva Kahn. Febem, família e identidade: o lugar do outro. 2. ed. São Paulo:
Escuta, 1999, p. 49.
V. Criminologia Crítica
as chamadas penas alternativas – penas outras que não a prisão, restritivas e não
privativas da liberdade [surgem], não como reais substitutivos da prisão, no sentido de
uma amenização de seus sofrimentos, de uma humanização da pena, mas sim como um
meio paralelo de ampliação do poder do Estado de punir28.
27 PASSETTI, Edson. A atualidade do abolicionismo penal. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso livre
de abolicionismo penal. Rio de Janeiro, Renavan, 2004, p. 33.
28 KARAN, Maria Lucia. Pela abolição do sistema penal. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso livre
de abolicionismo penal. Rio de Janeiro, Renavan, 2004, p. 88
29 SÁ, Alvino Augusto. Criminologia clínica. Palestra proferida em 31 de maio de 2004, no Laboratório
de Ciências Criminais no Auditório do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo.
30 SÁ, Alvino Augusto. Criminologia clínica e psicologia criminal. São Paulo: RT, 2007, p. 18.
31 CALLIGARIS, Contardo. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000 (Série Folha Explica). p.
19-21; BOCK, Ana Mercês Bahia. A perspectiva sócio-histórica de Leontiev e a crítica à naturalização da
formação do ser humano: a adolescência em questão. Caderno CEDES, Campinas, v. 24, n. 62, 2004, p.
32.
32 Idem, p-21. PAPALIA, Diane E., OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2000, p. 310; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil,
p. 9.
33 “O termo ‘personalidade’ deriva de persona, que significa máscara. Está em relação estreita com
as noções de pessoa e personagem, ao passo que caráter origina-se do grego kharasséin ou kharakter
significando, respectivamente gravação e marca. A primeira destas noções, a de personalidade, é usada
na teoria psicanalítica, no sentido de compreender os interesses gerais da pessoa e o jogo conflitivo destes
interesses enquanto se acordam ou se opõem. Personalidade é, tomada, então, como sinônimo de aparelho
psíquico ou aparelho mental. Já o termo caráter é mais específico. Implica na aquisição e estruturação de
um certo número de traços ou marcas, deixadas no sujeito ao longo de seu processo de desenvolvimento,
e que determinam, no interior da personalidade, uma postura típica face aos diferentes acontecimentos
e situações da vida”. REIS, Alberto O. Advincula. Personalidade e caráter. In. Rappaport, Clara Regina
(coord.). Teorias da personalidade em Freud, Reich e Jung. São Paulo: EPU, 1984. Temas Básicos de
Psicologia, v. 7, p. 24.
34 ABERASTURY, Arminda e KNOBEL, Mauricio. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico.
Porto Alegre: Artmed, 1981, p. 9-10.
35 “O Ego, enquanto sistema, encontra-se voltado principalmente para o meio externo, sendo o
instrumento perceptível básico daquilo que surge de fora. Constituindo-se como órgão sensorial de toda
personalidade, o Ego é, entretanto, receptivo também às excitações provenientes do interior do sujeito. É,
portanto, durante seu funcionamento que surge o fenômeno da consciência.” Reis, Alberto O. Advincula,
cit., p. 49.
Enquanto está sob forte controle, uma criança anti-social pode parecer muito bem; mas,
se lhe for dada liberdade, ela não tardará em sentir a ameaça da loucura. Assim, ela
transgride contra a sociedade (sem saber o que está fazendo) a fim de restabelecer o
controle proveniente do exterior43.
O resultado desse processo não pode ser o esperado, visto que opera de
acordo com uma lógica que na realidade é ilógica para seus receptores.
Se pensarmos na relação que Winnicott estabelece entre privação emocio-
nal e delinqüência, podemos entender que a internação de adolescentes, cuja
história de vida é permeada de privações emocionais, não pode trazer resulta-
dos positivos, pois a instituição não tem características ambientais propícias a
um bom desenvolvimento emocional, prejudicando “ainda mais a habilidade do
adolescente em realizar trocas com o meio e ampliar um sentimento de envolvi-
mento amoroso com a coletividade, com a vida e consigo mesmo”53.
O que é mais importante é a possibilidade de simbolização e de superação
dos conflitos via significação. Estes processos é que devem ser incentivados na
atuação da Fundação Casa na relação com esses jovens. O olhar assistencialis-
ta, com o significado de que esses adolescentes são pobres coitados, a visão de
que é melhor não explicitar as faltas para não relembrá-los do já sofrido, isso sim
pode gerar problemas sérios na formação desses futuros adultos.
Trabalhar com as questões reais, sem esconder os problemas, é a única saída
para a construção de algo positivo. Deve-se tomar cuidado para não perpetuar o
estereótipo atribuído a esses jovens: carente, logo, marginal. Quando o indivíduo
é tratado dessa forma, visto assim por todos – o tempo todo –, a possibilidade de
ele incorporar para si esta visão, introjetando os estigmas, e começar a desem-
penhar esse papel é grande.
55 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Sistema de garantias e o direito penal juvenil, cit., p. 110.
56 Para Goffman o fato de que “todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob uma
única autoridade (...) Cada fase da atividade diária do participante é realizada na companhia imediata de um
grupo relativamente grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as
mesmas coisas em conjunto (...) todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários
(...) a seqüencia de atividades é imposta de cima, por um sistema de regras formais explícitas e um grupo
de funcionários. (...) As várias atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente
planejado para atender aos objetivos oficiais da instituição” fazem de qualquer instituição, uma instituição
total. GOFFMAN, Erving. Op. cit., p. 17-8.
Dessa forma, as medidas de internação nada mais são do que a efetiva res
trição de liberdade em estabelecimento próprio destinado a isso, onde convivem
somente adolescentes que praticaram atos infracionais. Apesar das diferenças
existentes entre as cadeias e as instituições destinadas à internação de ado
lescentes, a semelhança em sua essência é muito grande, pois não fogem de
suas características de instituições totais.
A relevância dessa discussão é realçada pelo fato de que o discurso mais
presente nos meios de comunicação, que, a um só tempo, formam e expressam
a opinião pública, é de que as medidas de internação não são penas e de que
os adolescentes infratores não são punidos pela Justiça, como se houvesse uma
espécie de complacência com estes.
Contudo, segundo Ervin Goffman,
o que se procura reconstruir nessa técnica de correção não é tanto o sujeito de Direito,
que se encontra preso nos interesses fundamentais do pacto social: é o sujeito obediente,
o indivíduo sujeito a hábitos, regras, ordens, uma autoridade que se exerce continuamente
sobre ele e em torno dele, e que ele deve deixar funcionar automaticamente nele59.
se, no julgamento perante o juiz, o jovem é “ouvido”, tem (ou deveria ter) valorizada a sua
“fala”, se ele é respeitado como um sujeito que participa (ou deveria participar) ativamente
do processo das decisões a seu respeito, todo esse enfoque muda posteriormente,
sobretudo ao ser encaminhado a uma instituição fechada62.
60 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 11.
61 FRASSETO, Flávio. Op. cit.
62 SÁ, Alvino Augusto. Criminologia clínica e psicologia criminal, cit., p. 102.
63 Disponível em <www.casa.sp.gov.br>. Acesso em 28.07.2008. p. 103.
a evidência derivada da análise do comportamento nos diz que mesmo quando a coerção66
atinge seu objetivo imediato ela está, a longo prazo, fadada ao fracasso (...) plantamos
as sementes do desengajamento pessoal, do isolamento da sociedade, da neurose,
da rigidez intelectual, da hostilidade e da rebelião67.
É um choque, é muito assustador ver o filho que nunca raspou a cabeça com ela desse
modo. Acredito que o mesmo acontece quando o menino sai na rua. Todo mundo olha
e sabe que aquele já teve passagem. Acho que no máximo poderiam cortar bem
baixinho, mas não raspar70.
70 Liminar proíbe ex-Febem de raspar cabeça de menor infrator. Clipping da Defensoria Pública do
Estado de São Paulo. Recebido por e-mail: imprensa@dpesp.sp.gov.br, em 28.08.2008.
71 Disponível em <www.casa.sp.gov.br>. Acesso em 28.07.2008. p. 7.
o controle coercitivo não deixa alternativa para o infrator que carece de certas habilida
des socialmente desejáveis. As privações impostas dentro dos muros das prisões dificil
mente são mais severas do que os conhecidos rigores de fora. Jogados de volta ao
mesmo e antigo cenário, sem um novo modelo de comportamento e desta vez rotulados
como criminosos, sujeitos a restrições ainda maiores, por que, então, dever-se-ia esperar
que eles agissem de modo diferente do que agiram antes?72
a reclusão é uma marca simbólica que “pune” o sujeito, por um crime contra a socieda
de, mas, paradoxalmente, acaba por incentivar e reforçar as causas que impulsionaram o
ato, ou seja, é uma medida que contribui para o aumento do nível de pressão e revolta
interna, tornando insuportáveis os níveis de violência80.
não é de admirar, frente a tal conjuntura, que os estabelecimentos observem uma ativida
de marcadamente ambígua – quando não assumem, o que é pior, uma postura burocrati
zada, ora cínica, ora hipócrita – haja vista ser impossível operacionalizar a incoerência86.
IX. Proposta
87 SICA, Leonardo. Bases para o modelo brasileiro de justiça restaurativa. Novas direções na
governança da justiça e da segurança. Brasília: Ministério da Justiça, 2006. p. 455.
Bibliografia:
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 33. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
KARAM, Maria Lúcia. Pela abolição do sistema penal. In: PASSETI, Edson
(coord.). Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro, Renavan, 2004.
PAPALIA, Diane E., OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento humano. 7. ed. Porto
Alegre: Artmed, 2000.
_________. Sistema de garantias e o direito penal juvenil. São Paulo: RT, 2008.
____. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: RT, 2002.
SPOSATO, Karyna Batista. O direito penal juvenil. São Paulo: RT, 2006.
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. 4. ed. São Paulo: RT. 2003.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São
Paulo: Palas Athena, 2008.
Site:
<www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/.spdca/sinase_
integra1.pdf/>. Acesso em 28.07.2008.
Vivian Calderoni
Mestranda em Criminologia pela USP.
Advogada.
Sumário:
Resumo:
Palavras-chave:
1. Considerações Iniciais
1 RODRIGUES, Anabela Miranda. Crimes Contra a Vida em Sociedade – Art. 279o. Comentário
Conimbricense do Código Penal – Parte Especial – Tomo II. Jorge de Figueiredo Dias (Org.). Coimbra:
Coimbra Editora, 1999, p. 947.
2 Figueiredo Dias é, também, partidário de uma concepção teleológico funcional e racional de bem
jurídico. Para ele, o bem jurídico deve ser transcendente ao sistema normativo jurídico-penal, político-
criminalmente orientado, “intra-sistemático relativamente ao sistema social” e à Constituição, além
de traduzir um conteúdo material, um “padrão crítico” normativo. DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões
Fundamentais do Direito Penal Revisitadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 65.
3 ROXIN, Claus. Strafrecht – Allgemeiner Teil. Vol I. 4a.ed. München: Verlag C.H.Beck, 2006, p. 69 e
p. 70.
4 TAVARES, Juarez. Critérios de Seleção de Crimes e Cominação de Penas. Revista Brasileira de
Ciências Criminais – Especial de Lançamento. São Paulo, 1992, p. 77.
5 TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3ª.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 199.
6 ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002, p. 20.
7 Idem. Ibidem, p. 20.
8 Idem. Ibidem, p. 20.
9 Idem. Claus. Strafrecht – Allgemeiner Teil. Vol I. 4a.ed. München: Verlag C.H.Beck, 2006, p. 222.
10 MENDES, Paulo de Souza. Vale a Pena o Direito Penal do Ambiente?. 1a.Reimpressão. Lisboa:
A.A.F.D.L., 2000.
11 HASSEMER, Winfried. ¿Puede Haber Delitos que no Afecten a un Bien Jurídico Penal?. La Teoría
del Bien Jurídico -¿Fundamento de Legitimación del Derecho Penal o Juego de abalorios dogmático?.
Hefendehl (Org). Madrid: Marcial Pons, 2007, p.98.
21 PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. 3ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003, p.52 e p.53.
22 A Carta Constitucional portuguesa reconhece o conceito extensivo de Meio Ambiente. Constitui
ção da República Portuguesa – Art. 66.º(Ambiente e qualidade de vida) (...) 2. Para assegurar o direito
ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organis
mos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) Prevenir e controlar a poluição e
os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do território,
tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-econó
mico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio,
bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a
preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racio
nal dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica,
com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarqui
as locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico
e da protecção das zonas históricas.
23 FARIA, Paula Ribeiro de. Danos Contra a Natureza – Art. 278o. In: FIGUEIREDO DIAS, Jorge de.
(Org.) Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial – Tomo II. Coimbra: Coimbra Editora,
1999, p.954.
24 DELMANTO, Roberto; DELMANTO Jr, Roberto; DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Leis Penais
Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.429. Como noticia Martos Nuñez, a doutrina
encontra-se dividida quanto ao que se entende por Meio Ambiente. Há autores, tais como Bacigalupo,
que adotam o conceito restritivo de Meio Ambiente natural. NUÑEZ, Juan Antonio Martos. Introducción al
Derecho Penal Ambiental. Derecho Penal Ambiental. Juan Antonio Martos Nuñez (Org.). Madrid: Exlibris
Ediciones, 2005, p.26
25 SIRACUSA, Licia. La Tutela Penale Dell’Ambiente – Bene Giuridico e Tecniche di Incriminazione.
Milano: Giuffrè Editore, 2007, p.32.
60 STRATENWERTH, Günter. Derecho Penal - Parte General I – El Hecho Punible. Trad. Manuel
Cancio Meliá; Marcelo A. Sancinetti. Cizur Menor: Editorial Aranzadi – Thomson Civitas, 2005, p.56.
61 Idem. Ibidem, p.56.
62 Lei Fundamental de Bonn. Art. 20a - O Estado protegerá, também em responsabilidade às
gerações futuras, os fundamentos naturais da vida e os animais, dentro do marco constitucional, por meio
da legislação e dos Poderes Executivo e Judiciário conforme a lei e o direito. No caso brasileiro, art. 225,
caput, da CRFB/1988 -Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações; Art. 225, §3º da CRFB/1988 - As condutas
e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
63 STRATENWERTH, Günter. Op. cit., p. 61.
64 GRECO, Luís. Op. cit., p. 110.
84 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; et al. Direito Penal Brasileiro – I. 1a.ed. Rio de Janeiro:
Editora Revan, 2003, p. 230.
85 A referida ponderação deve ser realizada a partir dos três subprincípios do princípio da
proporcionalidade, ou seja, idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
86 CRUZ, M. Luis. La Constitución como Orden de Valores – Problemas Jurídicos y Políticos.
Granada: Editorial Comares, 2005, p. 115.
87 TAVARES, Juarez. Critérios de Seleção de Crimes e Cominação de Penas. Revista Brasileira de
Ciências Criminais – Especial de Lançamento. São Paulo, 1992, p. 84.
88 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; et al. Op. cit., p. 225. e p. 239.
100 Código Penal Español. Art. 325 - Será castigado con las penas de prisión de seis meses a cuatro
años, multa de ocho a veinticuatro meses e inhabilitación especial para profesión u oficio por tiempo de
uno a tres años el que, contraviniendo las Leyes u otras disposiciones de carácter general protectoras del
medio ambiente, provoque o realice directa o indirectamente emisiones, vertidos, radiaciones, extracciones
o excavaciones, aterramientos, ruidos, vibraciones, inyecciones o depósitos, en la atmósfera, el suelo,
el subsuelo, o las aguas terrestres, marítimas o subterráneas, con incidencia, incluso, en los espacios
transfronterizos, así como las captaciones de aguas que puedan perjudicar gravemente el equilibrio de los
sistemas naturales. Si el riesgo de grave perjuicio fuese para la salud de las personas, la pena de prisión se
impondrá en su mitad superior.
101 MUÑOZ CONDE, Francisco; ARÁN, Mercedes García. Derecho Penal – Parte General. 6ª.ed.
Valencia: Tirant lo Blanch. 2004, p. 303.
102 GRECO, Luís. Op. cit., p. 113.
5. Considerações Finais
Bibliografia:
CIRINO, Juarez. A Moderna Teoria do Fato Punível. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Editora
Revan, 2002.
FARIA, Paula Ribeiro de. Danos Contra a Natureza – Art. 278o. In: FIGUEIREDO
DIAS, Jorge de. (Org.) Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte
Especial – Tomo II. Coimbra: Coimbra Editora, 1999.
GALVÃO, Fernando. Direito Penal – Parte Geral. Niterói: Editora Impetus, 2004.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Vol I. 6a.ed. Niterói:
Editora Impetus, 2006.
JESUS, Damásio E. de. Crimes de Trânsito. 5ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – 1º. Volume – Parte Geral. São Paulo:
Editora Saraiva, 1999.
MILARÉ, Edis; COSTA JR., Paulo José da. Direito Penal Ambiental – Comentários
à Lei 9.605/98. Campinas: Millennium, 2002.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral – Arts 1º. a 120
do CP. São Paulo: Editora Atlas, 1999.
PARDO, José Esteve. Derecho del Medio Ambiente. Madrid: Marcial Pons, 2005.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 1 – Parte Geral.
4a.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. São Paulo: RT, 2005.
ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Trad. Luís Greco. Rio
de Janeiro: Renovar, 2002.
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3ª.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
Sumário:
Resumo:
Palavras-chave:
MARX E ENGELS,
Manifesto Comunista.
De onde surge esta mobilização política, esta – quem sabe – ‘democratização forçada’
pelo risco do conflito? Sociedade do risco significa: o passado perdeu o seu poder
de determinação sobre o presente. Entra em seu lugar o futuro – ou seja, algo que
não existe, algo fictício e construído – como a causa da vida e da ação no presente.
Quando falamos de riscos, discutimos algo que não ocorre mas que pode surgir se não
for imediatamente alterada a direção do barco. Os riscos imaginários são chicote que
fazem andar o tempo presente. Quanto mais ameaçadoras as sombras que pairarem
sobre o presente anunciando um futuro tenebroso, mais fortes serão os abalos, hoje
solucionados pela dramaturgia do risco2.
Seria preciso, por fim, criar ou inventar um novo sistema de regras que redefina e
refundantemente as questões a respeito do que é uma ‘prova’, e o que significam
‘adequação’, ‘verdade’ e ‘justiça’ perante todos os riscos prováveis (e que atingem a todos)
na ciência e no Direito. Seria preciso nada menos do que uma Segunda Ilustração, por
intermédio da qual nosso entendimento, nossos olhos e nossas instituições pudessem
Apesar disso, para ele, o problema que se coloca reside, sobretudo, no fato
de as ameaças potenciais não somente escaparem à percepção sensorial –
inclusive excedendo à nossa imaginação – como também não poderem ser
inteiramente determinadas pela ciência4.
Neste particular, constata-se que a teoria da reflexividade afasta-se de uma
certa fé inocente na modernização simples quanto à possibilidade de controle
antecipado dos eventos, diante das características que emergem dos novos
riscos tecnológicos.
Quem tiver a curiosidade de saber qual experiência política está associada à consciência
da crise ecológica acabará se deparando com uma infinidade de afirmações, entre estas
a de que se trata de uma autopunição da civilização, algo que não deve ser atribuído a
Deus, deuses ou à natureza, a decisões humanas e progressos da indústria que emergem
das exigências de controle e direcionamento desta mesma civilização. A outra face desta
mesma experiência é o desmantelamento desta mesma civilização que, aplicado à
política, pode dar luz à experiência de um destino comum. ‘Destino’ é a palavra correta,
pois todos podem estar expostos (em casos-limite) às decisões científico-industriais;
‘destino’ é a palavra incorreta, pois estes riscos ameaçadores são o resultado de
decisões humanas9.
8 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do Risco e Direito Penal: uma avaliação de
novas tendências político-criminais. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2005, pp. 38-44.
9 Cf. BECK, O que é globalização?..., p. 77, grifo do autor.
(...) os chamados riscos globais abalam as sólidas colunas dos cálculos de segurança: os
danos já não têm limitação no espaço e no tempo – eles são globais e duradouros; não
podem mais ser atribuídos a certas autoridades – o princípio da causação perdeu a sua
eficácia; não podem mais ser compensados financeiramente – é inútil querer se garantir
contra os efeitos de um worst case da ameaça em espiral10.
14 Cf. HASSEMER, Winfried. “Perspectivas de uma moderna política criminal”. In: Revista Brasileira
de Ciências Criminais. São Paulo, n. 8, out-dez, 1994, p. 43.
15 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003,
p. 68.
16 BARATTA, Alessandro. Funciones instrumentales y simbólicas del derecho penal: una discusión
en la perspectiva de la criminologia crítica. Pena y Estado, Barcelona, n. 1, 1991, pp. 37-55.
Se considerarmos essa primeira conclusão com mais detalhes – uma pessoa, pro
fundamente apegada a seus bens, é protegida das ameaças de outras pessoas a esses
bens –, conclui-se que, em vez de afirmar que o direito penal obedece à proteção dos
bens jurídicos – pode-se entender que o direito penal também garante a expectativas de
que não se produzam novas ameaças a esses bens.
Isso seria uma mera reformulação? À primeira vista, pareceria não haver nada mais
do que isso; uma vez que a expectativa é de que os bens não serão ameaçados,
pareceria que em última instância, tudo se resumiria à proteção dos bens jurídicos. (...)
Em outras palavras, do ponto de vista do direito penal, o bem não deve ser representado
como um objeto físico ou algo do gênero, e sim, como norma, como expectativa
garantida. Como o direito poderá ser representado enquanto estrutura da relação entre
pessoas, ou seja, o direito como espírito normativo, em um objeto físico?21
A violação da norma (delito) é tida como socialmente disfuncional, não porque lesio
ne ou ponha em risco determinados bens jurídicos, mas porque questione a ‘confiança
institucional’ no sistema. Assim, o direito penal não se limita a proteger bens jurídicos,
mas funções, como a segurança institucional no sistema e a segurança dos cidadãos22.
21 JAKOBS apud CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José (Coord.). Direito Penal e
Funcionalismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, pp. 33-34.
22 BICUDO, Tatiana Viggiani. “A globalização e as transformações no direito penal”. In: Revista
Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 23, jul-set, 1998, p. 106.
26 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do Risco e Direito Penal: uma avaliação de
novas tendências político-criminais. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2005, p. 106.
27 Cf. HASSEMER, “Perspectivas de..., p. 46
28 Cf. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 210.
32 KUHLEN, Lothar. Umweltstrafrecht – aut de Suche nach einer neuen Dogmatik, ZStW, 105 (1993),
p. 697-716, apud SILVA SÁNCHEZ, A expansão...p. 121.
33 Cf. SILVA SÁNCHEZ, A expansão..., p. 116.
34 Cf. BECK, Modernização reflexiva..., p. 14.
Esse modelo clássico de direito penal serviu durante a fase pré e recém-industrial,
perdendo, contudo, eficácia, após a Segunda Guerra Mundial, principalmente depois
do advento da revolução tecnológica e da sociedade pós-moderna, após o que se
exige uma atuação mais efetiva de um novo direito penal mais preparado para enfrentar
a criminalidade organizada e difusa que existe atualmente. É necessário que um novo
direito penal seja construído, diferentemente daquele oriundo do positivismo jurídico,
ou seja, um direito penal moderno e inerente a um sistema aberto para fazer frente à
criminalidade da sociedade do risco37.
Não está o direito penal, por outra parte – argumenta-se –, preparado para a tutela
dos grandes riscos se teimar em ancorar a sua legitimação substancial no modelo do
contrato social rousseauniano, fundamento último de princípios político-criminais até
agora tão essenciais como o da função exclusivamente protetora de bens jurídicos, o
da secularização, o da intervenção mínima de ultima ratio. Porque se se quiser manter
37 GEMAQUE, Sílvio César Arouck. “Limites do direito penal na moderna sociedade de riscos”. In:
Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, v. 2, n. 8, jul-set, 2003, p. 141.
38 GARCIA, Rogério Maia. “A sociedade do risco e a (in)eficiência do direito penal na era da glo
balização”. In: Revista de Estudos Criminais, v. 5, n. 17, jan-mar, 2005, p. 102.
39 DIAS, Jorge de Figueiredo. “O direito penal entre a ‘sociedade industrial’ e a ‘sociedade de risco’”.
In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 33, 2001, p. 45, grifos do autor.
40 A esse respeito, salienta GARCIA, aludindo ao pensamento de DIAS: “(...) a sociedade apela,
desde logo a uma crescente intervenção do direito penal, suscitando a este ramo da ciência jurídica
problemas novos e incontornáveis, que seguramente se acentuarão no futuro próximo, acabando por
realizar uma transformação radical do modelo em que atualmente vivemos, mas isto porque o catálogo
clássico e individualista dos bens jurídicos já não é suficiente para responder adequadamente às novas
necessidades. O sistema punitivo antropocêntrico e liberal já não serviria, assim, para fazer frente aos
novos desafios”. Cf. GARCIA, Op. cit., p. 93.
41 MACHADO, Marta Rodriguez de Assis. Sociedade do Risco e Direito Penal: uma avaliação de
novas tendências político-criminais. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2005, p. 178.
Verifica-se, desde logo, que a combinação entre a tutela penal dos bens jurídicos supra-
individuais e o avanço da intervenção estatal a esferas anteriores ao dano agrava as
contradições ligadas à necessária ofensividade das condutas típicas. Isso porque
a nebulosidade do objeto de proteção e da titularidade de tais bens jurídicos conjuga-
se à falta de concreção lesiva dos tipos penais que prescindem de uma consideração
posterior do resultado43.
45 A propósito, nas palavras de MACHADO: “(...) a partir dessa linha político-criminal de antecipação
da intervenção penal, idealizada por muitos como o ponto central da estratégia de segurança contra os
novos riscos, é possível vislumbrar um forte indício de que o princípio da precaução esteja por trás das
formulações do direito penal do risco”. Cf. MACHADO, Sociedade do risco..., p. 135, grifo da autora. Sobre
o princípio da precaução, da prudência ou da cautela, conceitua BOTTINI: “(...) como a diretriz para a
adoção de medidas de regulamentação de atividades, em casos de ausência de dados ou informações
sobre o potencial danoso de sua implementação.” Cf. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. “Princípio da precaução,
direito penal e sociedade de risco”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 61, 2006, p.
53.
46 BOTTINI, Op. cit., p. 65.
47 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, pp. 136-147.
4. Conclusão
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002.
O senhor sempre desejou tornar-se professor? E como tem sido sua ex
periência em lecionar para os estudantes de Direito?
AAS – Eu não pensava nisso antes de me formar. Foi um convite que me foi
feito. Comecei e gostei da experiência, mas não pensava nisso. Comecei no
magistério em psicologia social, uma disciplina que não era bem a minha área de
atuação, já que gosto de lecionar aquilo em que trabalho. Posteriormente, passei
a lecionar sobre técnicas de exame psicológico, que foi no que me desenvolvi
mesmo, pois os alunos gostavam muito mais. Enfim, foi nisto que dominei a
coisa e conquistei um espaço bastante significativo na Universidade.
Após essa experiência, comecei a dar aulas de criminologia na Faculdade de
Direito da USP, onde passei realmente a lecionar aquilo que é o meu exercício
profissional, qual seja, o diagnóstico de tratamento penitenciário e a criminologia
clínica. Matérias em que me encontrei ainda mais, até mesmo mais que na
própria Psicologia.
Porque eu gosto muito de lecionar na área do Direito e de fazer palestras
nessa área. Parece um pessoal mais interessado, eles vibram mais com essa
questão penitenciária do que se eu projecionar em uma turma de Psicologia.
Por exemplo, em uma turma de Psicologia de 80 alunos, se você for pesquisar
e observar quem tem interesse na área de criminologia e psicologia jurídica,
encontrar 4 alunos já é muito. O restante não tem interesse, ao passo que, se eu
for lecionar para uma classe de direito, diria que 80 a 100% têm interesse nessa
área, mesmo não que vá trabalhar com isso. Além disso, agora que a crimino
logia tornou-se uma matéria optativa, espera-se que realmente quem escolha
já tenha interesse na área penal. Então, eu gosto muito de lecionar no Direito,
pois eu me encontro e me identifico.
E, ainda, qual seria a aplicabilidade dessa tese, vez que um dos métodos
mais importantes para a “ressocialização” de um indivíduo seria a inserção
no mercado do trabalho, conforme observamos, atualmente, em projetos
como o “Começar de novo” do CNJ? No entanto, apesar do grande proble
ma do desemprego em nossa sociedade, não é paradoxal que o próprio
Estado exija que, para a ocupação de determinados cargos públicos, se
apresente uma declaração de bons antecedentes criminais?
AAS – É uma hipocrisia perfeita, não é? Porque, para o sujeito ocupar, ou até
mesmo estagiar, um cargo do Estado, seja ele uma ocupação simples, de início
de carreira, como a de assistente administrativo etc., exige-se que ele tenha uma
vida pregressa limpa. Se ele tiver algum antecedente, há cinco anos atrás, às
vezes, só o fato de ele estar sendo processado, já não pode assumir esse cargo
de assistente administrativo.
No entanto ele pode assumir o cargo de deputado federal, senador, governa
dor e presidente. Portanto, é uma hipocrisia perfeita desse governo, desse
Estado, desse país e dessa sociedade. Eu não tenho como responder, senão
reforçar o paradoxo que você está apontando, e isso tudo passa para os presos
e disso tudo eles têm consciência e sabem que essas coisas acontecem. Esse
mesmo Estado que luta pela sua inserção, propõe as empresas “vamos começar
de novo” e cria programas de estímulo para eles encontrarem seu lugar, ele
próprio, não os aceita. Não sei o que responder a você a não ser que isso é
uma grande hipocrisia, e mais, esse mesmo Estado que não aceita, aceita
pessoas com ficha suja, que têm não sei quantos processos em andamento,
verdadeiros ladrões, assaltantes do povo.
***
8 Walzer defende algumas exceções que podem justificar moralmente a guerra, consistindo por isso
causa justa: a) a intervenção por antecipação em casos em que a agressão esteja iminente, pondo em risco
a integridade territorial e a soberania do Estado; b) a intervenção para anular os efeitos de uma intervenção
anterior; c) a ingerência em situações provadas de violações dos direitos humanos, assumindo como que
um estatuto de “intervenção policial” para por cobro a atuações criminosas de Estados; d) a prestação de
auxílio a movimentos secessionistas, desde que provado o seu caráter representativo.
9 Para Walzer, o termo “inocência” define o grupo de não combatentes, de civis, de homens e de
mulheres que não estejam implicados materialmente em esforço bélico (WALZER. Op. cit., p. 10).
3 Ficha Técnica: título original: Modern Times; gênero: comédia; tempo de duração: 87 minutos;
ano de lançamento (EUA): 1936; estúdio: United Artists/Charles Chaplin Productions; distribuição: United
Artists; direção, produção e roteiro: Charles Chaplin.
Outro autor que coloca essa ambivalência de forma clara é Krishan Kumar,
que separou dois processos diferentes: a modernidade e o modernismo,
considerando esse último como uma crítica à modernidade. Kumar (1997, pág.
96-97) colocou a divergência nos seguintes termos:
5 GOMBRICH, E.H. A História da Arte. 16ª ed. Rio de Janeiro: LTC Editora S.A, 1999. pág. 309.
Bibliografia:
6 Ficha Técnica: título original: O Outro Lado da Rua; gênero: drama; tempo de duração: 97 minutos;
ano de lançamento (Brasil): 2004.
7 Prédios ou apartamentos. Pensando semanticamente, apartamento não vem de apartar, separar?
_____. Microfísica do Poder: Verdade e Poder. 16ª ed. Rio de Janeiro: Edições
Graal Ltda, 2001 b. p.01 – 14.
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 21ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
Guanabara Koogans S.A, 1986.
Sumário:
Resumo:
1. Introdução
[...] simples (portanto, podem viver com menos dinheiro do que os brancos), humildes,
dóceis, afáveis (característica positiva, que por outro lado caracteriza a personalidade
do escravo ideal), talentoso do ponto de vista musical e da dança (“pode não estar tudo
bem com ele, mas vive com mais prazer do que nós”), muito forte (portanto, adequado
aos trabalhos mais pesados), religioso (“eles são pobres, mas encontram na fé mais
alento do que nós no dinheiro”), sensuais, dotados de sexualidade (a mulher negra como
10 ARAÚJO, Joel Zito. Identidade racial e estereótipos sobre o negro na TV brasileira, 2000, p. 79.
11 José Bezerra da Silva (1927–2005) é pernambucano de origem, chegando ao Rio de Janeiro ainda
jovem, por meio de uma viagem clandestina de navio. Depois de arrumar emprego na construção civil, foi
morar no Morro do Galo (Cantagalo). “Um tempo depois eu já tocava tamborim no Galo e um rapaz me
chamou pra fazer um programa de rádio. Aí eu passei mais dez anos na rua da amargura. Nesse tempo
eu ganhava 300 por semana. E naquele dia eu fui gravar das dez da manhã até as duas da tarde, gravei
seis músicas e ganhei 240 mil réis. Aí eu pensei: não vou mais para obra de jeito nenhum, não passo nem
perto. Virei artista. Só que não sabia o que estava me esperando. Um contrato de exclusividade com a fome
por tempo indeterminado. [...] Depois, quando tava melhor, tocando surdo, estudando violão, trompete,
apareceu um louco, só podia ser. Me disse que a minha música tinha sido classificada, assina aqui que
agora você vai ser cantor, vai gravar cantando. Aí cantei, fiz um disco, gravei, fez sucesso. Isso foi em 75,
meu primeiro disco.” (SILVA. Discursos sediciosos entrevista Bezerra da Silva, p. 13). Segundo Letícia C.
R. Vianna, “ele [Bezerra da Silva] divide sua vida em quatro fases: a infância no nordeste, a vida no Rio
antes da sarjeta, os sete anos de sarjeta, dos quais três na mendicância e quatro se recuperando em um
terreiro de umbanda, e a vida depois da sarjeta, quando virou sambista de sucesso. [...] No Rio, não tinha
Meu samba é duro na queda ... Sou porta-voz de poetas que ninguém dá chances
assim como eu / Uns vêm da favela outros da baixada ... Falo a língua de um povo
que me ajudou a chegar onde estou ... porque mostro a realidade com dignidade e sem
demagogia / cantando tento amenizar o sofrimento cruel do nosso dia-a-dia / Meu
samba é duro ...12
casa nem trabalho, nem quem o ajudasse. E como alternativa dada a tantos migrantes na mesma condição,
foi se integrando no mercado de trabalho da construção civil como ajudante em obras e se qualificou como
pintor. A partir de então não era mais José e sim Bezerra, de modo a se distinguir de tantos josés da silva
vindos do Nordeste que trabalhavam como peões” (Bezerra da Silva, 1999, p. 16-21). O samba Preço
da glória conta os momentos mais dramáticos da vida de Bezerra da Silva: “É malandro / pra chegar até
aqui não foi mole não / passei um tremendo sufoco / Eu sou aquele que chegou do Nordeste pra tentar/
na cidade grande minha vida melhorar / Graças a Deus consegui o que eu queria / Hoje estou realizado /
terminou minha agonia / ESTRIBILHO / É... mas o preço da glória pra mim / ele foi doloroso e cruel / comi
o pão que o diabo amassou / em seguida uma taça de fel / Me prenderam várias vezes / porém sem nada
dever / Morei na rua das Amarguras sem ter nada pra comer / Longos anos dormi na sarjeta / nem assim
me revoltei / e na universidade da vida foi nela que me formei / e como penei / Quem não acreditar em
tudo que falo / minha testemunha ocular é o morro do Cantagalo / minha testemunha ocular é o meu
morro do Galo / ESTRIBILHO / Não é mole não” (Caboré / Pinga / Jorge Portela. In: SILVA. Produto do
morro, lado B, faixa 4).
12 Guilherme do Ponto Chic / Laís Amaral / Pinga. In: SILVA. Meu samba é duro na queda, faixa 4,
3’55 (Transcrição parcial).
13 VIANNA, Letícia C. R. Bezerra da Silva, 1999, p. 86.
... Somos crioulos do morro / mas ninguém roubou nada ... Isso é preconceito de cor
... A lei só é implacável para nós favelados / E protege o golpista / ele tinha que ser o
primeiro da lista ... Eu assumo o compromisso / pago até a fiança da rapaziada / Porque
que é que ninguém mete o grampo / no pulso daquele de colarinho branco ...14
Sou negro e peço me trate direito / eu exijo mais respeito pois também sou cidadão ...
Não nego sou carente de riquezas / mas tu podes ter certeza não aturo humilhação ...
Tudo que tenho na vida fiz por merecer / Eu não compreendo o motivo da sua revolta /
se eu sempre fui à luta pra poder sobreviver / Com garra provei para o mundo que posso
vencer / e o seu preconceito e recalque só me faz crescer / cansei de ser discriminado
só por ser da cor ...15
14 Naval / G. Martins. In: SILVA. Justiça social, lado B, faixa 2 (Transcrição parcial).
15 Nilson Reza Forte. In: SILVA. Meu samba é duro na queda, faixa 5, 3’28 (Transcrição parcial).
Foi o dr. delegado que disse / ele disse assim está piorando / até filho de bacana hoje em
dia está roubando ... E na semana passada quase perdi a patente / só porque grampeei
um rapaz boa pinta em Copacabana botando pra frente / Dei um flagrante perfeito / mas o
meu direito foi ao léu / o esperto além de ter costa-quente ainda era filho de um coronel
... O meu livro de ocorrência a cada dia está aumentando / Eu também prendi um pastor
com a Bíblia na mão em um supermercado roubando16.
O inverossímil
Portanto, o pano de fundo estaria na demanda de igualdade em relação à
prisão e na rejeição à caracterologia do suspeito natural. A cogitação de um
religioso com o Livro sagrado nas mãos17 sugere, por inesperada, uma ruptura
da lógica do suspeitável, solapando as percepções mais assentadas sobre o
suspeito natural com recurso ao inverossímil. Porém, trata-se de uma rejeição
indireta e não incisiva. Em Defunto grampeado, não só as personagens são
insuspeitas, a situação mesma é indesconfiável:
... Parem o enterro / gritaram os homens da lei ... Nós temos ordem pra levar esse
16 Caboré / Pinga / Jorge Portela. In: SILVA. É esse aí que é o homem, lado A, faixa 2 (Transcrição
parcial).
17 Também elaborada em Bom pastor (Pedro Butina / Regina do Bezerra. In: SILVA. Se não fosse o
samba, lado A, faixa 1).
... O dr. delegado que estava presente quis saber como foi que o defunto morreu ... A
viúva assim respondeu é melhor perguntar o defunto doutor / Deu zebra sim ... /
Sujou sujou / Defunto morto não fala / O dr. delegado entrou logo em ação / gritando com
o bronco o presunto tá preso / em nome da lei para averiguação / algemou o cadáver
na hora / e jogou na caçapa de um rabecão ...20
A polícia era o seguinte: eles queriam na época uma carteira profissional assinada, o
documento era esse; se não tivesse, eles levavam para averiguação. Sempre existia
arbitrariedade, já iam botando no xadrez. Tinha até o xadrez dos pobres, para averigua
18 Evandro Galo / Pedro Butina. In: SILVA. Aplauso, faixa 5, 3’38 (Transcrição parcial).
19 Alba Zaluar destaca que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, a “prisão para averiguações”
disseminou-se na virada de século, em razão do crescimento urbano, sobretudo como forma de controle
e de moralização de vadios, de desordeiros, de ébrios e dos famosos capoeiras: “Por isso as estatísticas
sobre os detidos nessas cidades, alguns colocados nas casas de detenção ou prisões sem nenhuma
acusação concreta, são muito altas; havia muito mais detidos ‘para averiguações’ do que presos com
base num processo. Em São Paulo, entre 1892 e 1916, os detidos por contravenções ou para averigua
ções correspondiam a 83,8% do total, enquanto os presos sob acusação de ter cometido crimes somavam
apenas 16,2%. E o que é mais importante: enquanto os brasileiros (em geral negros e mulatos) eram
logo tachados de vadios, os estrangeiros continuavam sendo considerados bons trabalhadores e iam
presos por desordem” (Da revolta ao crime S.A., 1996, p. 81).
20 Adelzonilton / Franco Texeira. In: SILVA. Perólas, faixa 5, 3’11 (Transcrição parcial).
Um dia eu tava no morro do Macaco, Vila Isabel, tinha ido buscar duas músicas com o
rapaz. Duas horas da manhã, seis crioulos descendo o morro... Metralhadora no peito.
Daqui a pouco, pintou um helicóptero, vinha subindo um montão de polícia. Eu tava
com quatro crioulos. Não prenderam ninguém, foram embora. Os policiais de hoje são
meus fãs22.
Aí meu irmão / Cuidado pra não dá mole a Cojac / Quando os homem da lei grampeia
o coro come toda hora amizade / Vou apertar mas não vou acender agora ... É você
não está vendo que a boca tá assim de corujão / e dedo-de-seta [fio desencapado]
adoidado / todos eles a fim de entregar os irmãos ... É que o 281 foi afastado / o 16
e o 12 no lugar ficou / E uma muvuca de espertos demais / deu mole e o bicho pegou /
Quando os homens da lei grampeia / o coro come toda hora / é por isso que eu vou
apertar mas não vou acender agora ...24
Aí meu irmão / Vocês não tomam vergonha / Ainda não aprenderam a votar / Ele subiu
o morro sem gravata / dizendo que gostava da raça / foi lá na tendinha bebeu cachaça
... Eu logo percebi é mais um candidato para a próxima eleição ... É ele fez ques
tão de beber água da chuva / foi lá no terreiro pedir ajuda / bateu cabeça no congar /
23 Moacyr Bombeiro / Adivinhão da Chatuba. In: SILVA. Samba partido e outras comidas, Lado A,
faixa 6 (Transcrição parcial).
24 Adelzonilton / Moacyr Bombeiro. In: SILVA. Aplauso, faixa 14, 3’51 (Transcrição parcial).
25 Expressão retirada de As 40 DP’S (Gil de Carvalho. In: SILVA. Se não fosse o samba, lado A, faixa 5).
... Canalha tu é um verdadeiro canalha ... Você vive de trambique deita na sopa e
se atrapalha / Olha aí seu canalha ... Se elegeu com o voto da favela depois mandou
nela meter bala / isso é que é ser canalha ... Comprou carrão, fazenda e mansão / e o
povo na miséria comendo migalha ... Quem judia de um povo sofrido é um tremendo
patife, um estorno, uma tralha ... E no dia do Juda tu fica na tua se tu for pra rua a
galera te malha / fica em casa canalha ... Comeu bebeu fumou e cheirou / depois
caguetou o cabeça-de-área / Olha a bala canalha ... Nunca vi ninguém dá dois em
nada e também se vê cadeado não fala / aprende isso canalha ...27
A ética da malandragem
A dubiedade em relação aos organismos policiais – denúncia da violência e
responsabilização esquiva do político canalha – estará refletida na construção
da ética da malandragem, o principal tema da discografia de Bezerra da Silva.
Com essa expressão, quer-se designar a afirmação de uma identidade positiva
do favelado socialmente injustiçado e perseguido pelas incursões policiais.
Trata-se de uma identidade reivindicada pela valorização do ambiente local (a
favela / o morro / a colina) e resgate de atributos morais do malandro (lealdade
/ solidariedade / astúcia / desprendimento), como também pela afirmação de
uma religiosidade clandestina (especialmente a umbanda). Essas três vertentes
permitem explicar razoavelmente como se plasmou, na discografia de Bezerra
da Silva, a identidade do favelado nos contextos sobrepostos de discriminação
penal e de discriminação racial.
Em Prepara o pinote, alguns desses elementos podem ser claramente iden
tificados:
26 Walter Meninão / Pedro Butina. In: SILVA. Violência gera violência, lado A, faixa 1. (Transcrição
parcial). Na contracapa do referido disco consta a seguinte definição: “N. B.: Candidato Caô Caô – Político
safado, mentiroso, 171, canalha e colarinho branco que promete mas não cumpre”.
27 José Mirim / Rodrigo / Sérgio Fernandes. In: SILVA. Contra o verdadeiro canalha, Lado A, faixa 1,
participação especial de Genaro (Transcrição parcial).
“Malandro” é aquele que não entrega o ouro na hora do pau, aquele que,
em nenhuma hipótese, alcagueta os amigos para a polícia. Ser malandro, antes
de mais nada, é garantir um mínimo de solidariedade num cenário específico de
perseguições policiais. O primeiro mandamento da ética da malandragem é, pois,
jamais delatar os companheiros. A necessidade de reiteração desse princípio
sugere que, no dia-a-dia, o estereótipo do suspeito, para além de amealhar a
clientela do sistema penal, inibe as chances de resistência solidária. A propósi
to, Alessandro Baratta vale-se do termo “obrigação de coalizão” para designar
a união entre terceiros não interessados contra aqueles afetados pela aplicação
das leis penais (processo de criminalização), alertando, simultaneamente, para
o fenômeno correlato da “proibição de coalizão”, ou seja, a estigmatização penal
encarrega-se de dificultar a solidariedade entre os próprios criminalizados29.
Os efeitos da rotulação, portanto, referem-se tanto à “coesão fictícia das
maiorias silenciosas” como ao “desalento de solidariedade” entre os sujeitos
estigmatizados30.
Nesse passo, o malandro se ergue antagonicamente ao indivíduo que mina
a possibilidade de solidarização entre os favelados suspeitos (E aí que a gente
vê quem é malandro e quem não é). De um lado, tem-se o malandro, o cadeado
blindado, o sangue puro; no lado oposto, o mané, o corujão, o dedo-duro, o
judas, o otário, o radar, o língua nervosa. Percebe-se, mais uma vez, que a
revolta está dirigida ao delator (e não ao aparelho de torturas, pois o malandro
aceita o cacete de boca fechada). Aqui, surge um dos aspectos fundamentais da
discografia examinada. A construção da identidade do favelado nas interações
com os órgãos policiais enfatiza a necessidade de uma resistência solidária
às práticas persecutórias, mas não a ponto de se indispor frontalmente com o
estereótipo do suspeito. A perseguição policial transforma-se, pois, no campo
identitário, em perseguição ao informante, contudo, sem que isso represente
uma antítese clara ao estereótipo em questão.
28 Franco Teixeira / Nilo Dias / Adelzonilton. In: SILVA. Aplauso, faixa 2, 4’13 (Transcrição parcial).
29 BARATTA, Alessandro. Por una teoría materialista de la criminalidad y del control social, 1989, p.
39-40.
30 Idem. Ibidem, p. 40-41.
... E se vocês estão a fim de prender o ladrão / podem voltar pelo mesmo caminho /
O ladrão está escondido lá embaixo atrás da gravata e do colarinho ... Só porque
moro no morro / a minha miséria você despertou / A verdade é que vivo com fome /
nunca roubei ninguém sou um trabalhador / Se há um assalto a banco / como não
podem prender o poderoso chefão / aí os jornais vêm logo dizendo que aqui no morro
só mora ladrão ... Falar a verdade é crime / porém eu assumo o que vou dizer ... Não
tenho curso superior / nem o meu nome eu sei assinar / onde foi que se viu um pobre
favelado com passaporte pra poder roubar ... Somos vítimas de uma sociedade
famigerada e cheia de malícia / No morro ninguém tem milhões de dólares depositados
nos bancos da Suíça ...33
31 Expressão utilizada por VIANNA, Letícia C. R. Bezerra da Silva, 1999, p. 125-146 passim.
32 Idem. Ibidem, p. 123.
33 Crioulo Doido / Bezerra da Silva. In: SILVA. Malandro rife, lado 2, faixa 2. (Transcrição parcial).
Mas é que eu fui num velório ... O bicho esticado na mesa / era dedo nervoso e eu não
sabia / Enquanto a malandragem fazia a cabeça o indicador do defunto tremia ... Eu só
sei que a polícia pintou no velório / o dedão do safado apontava pra mim ... Eu já
vi que a polícia arrochou o velório e o dedão do coruja apontava pra mim / Caguete é
mesmo um tremendo canalha / Nem morto não dá sossego / Chegou no inferno e
entregou o diabo / e lá no céu caguetou São Pedro ... Quando o caguete é bom caguete /
ele cagueta em qualquer lugar ...34
... Está escrito assim / Todos têm que respeitar / Não vi não sei não conheço / É somente
a resposta que se pode dar / Quem caguetar na favela / já está ciente que vai dançar
/ Não adiante pedir segurança a ninguém / De qualquer maneira o bicho vai pegar ...
Essa lei tem um artigo exonerando o defensor / cujo número é 00 / que doutor nenhum
estudou / Ela não dá direito a perdão / mesmo sendo primário não vai dar sorte / A
sociedade apóia o delator / na favela ele é condenado à morte...35
A mesmice da violência
O fato de ser uma condenação à morte, em especial, revela que os métodos
de abordagem policial têm, ainda, o efeito dramático de naturalizar a violência,
de planificá-la, de torná-la uma moeda de troca, um patrimônio de todos. A
violência converte-se, enfim, em linguagem de fácil entendimento. O próprio
Bezerra da Silva narra um marco divisor em sua vida, após o qual conquistou
definitivamente o respeito do morro:
34 Adelzonilton / Franco Teixeira / Ubirajara Lúcio. In: SILVA. É esse aí que é o homem, lado A, faixa
1 (Transcrição parcial).
35 Ary Guarda / Pinga. In: SILVA. É esse aí que é o homem, lado B, faixa 2 (Transcrição e destaques
do autor).
... Se eu não derrubasse eu caía / porque o malandro era forte / ele dava pernada dava
cabeçada / ele era de morte ... A própria lei é quem diz que a defesa é um direito
sagrado / Aí eu também meti a mão no meu berro / saí dando pipoco / derrubei o
malvado ...37
A linguagem da rapaziada
Bezerra da Silva é embalado por uma típica situação de legítima defesa (A
própria lei é quem diz que a defesa é um direito sagrado), a ponto de impressionar
a perfeita caracterização do instituto legal. Assim, outro importante aspecto da
discografia estudada é exatamente a estilização de uma linguagem da rapaziada
que reelabora a linguagem policial em favor do malandro. Um número apreciável
de letras, portanto, é dotado de profundo sentido pedagógico para os contatos
com a polícia. Como as intervenções policiais são conhecidas pelo desrespeito
aos direitos fundamentais, a própria linguagem policial é “invadida” ou “captura
da” como forma de se criar uma alternativa de diálogo. O conhecimento da lei
– logo, o conhecimento dos limites da ação policial – torna-se uma estratégia de
defesa desde o primeiro momento, como mostra A fumaça já subiu pra cuca:
... Não tem flagrante porque a fumaça já subiu pra cuca / olha aí / ESTRIBILHO /
Deixando os tira na maior sinuca / e a malandragem sem nada entender / Os federais
queriam o bagulho e sentou a mamona na rapaziada / só porque o safado de
antena ligada ligou 190 para aparecer / Já era amizade quem apertou queimou já
36 SILVA, Bezerra da. Discursos Sediciosos entrevista Bezerra da Silva, 1999, p. 13-14.
37 Pinga / Netinho. In: SILVA. Malandro rife, lado 2, faixa 3 (Transcrição parcial).
Orixás perseguidos
A ética da malandragem se afirma, ainda, no campo de uma religiosidade
clandestina, resgatando as tradições afro-brasileiras pelo culto às entidades da
umbanda39. As perseguições policiais, agora, têm o “terreiro” como espaço de
atuação e, como vítimas, as próprias entidades sobrenaturais. Em Feitiço do
Tião, tem-se uma perfeita descrição de intolerância religiosa, de violência policial
extremada e de controle social da fé:
Nossa Senhora / é feitiço no terreiro do Tião amizade / Tá pra existir feitiço igual
esse que eu fui conhecer ... Era o feitiço do Tião / juro fiquei bolado sem nada entender /
Ao invés dos médiuns bater a cabeça / fazia a cabeça do santo descer ... Na gíria de
Preto-velho falei com Vovó Joaninha ... Foi aí que eu conheci um tal de Preto-velho
Alcatraz ... Mas quando deu meia-noite sujou / o bicho pegou de verdade / a 39ª baixou
no feitiço / descendo a lenha em toda entidade / Exu macaco saiu de fininho /
Seu Ogum Ventarola selou seu cavalo / Iansã do Brejo se arrancou pro morro / Vovô
Tanajura ficou grampeado / E o coitado do Tião foi prestar conta na Delegacia /
apanhava igual a tambor de macumba / De longe seus gritos o povo ouvia / deses
38 Tadeu do Cavaco / Adelzonilton. In: SILVA. Pérolas, faixa 6, 3’54 (Transcrição parcial).
39 De acordo com Wagner Gonçalves da Silva: “A umbanda, como culto organizado segundo os
padrões atualmente predominantes, teve sua origem por volta das décadas de 1920 e 1930, quando
kardecistas de classe média, no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, passaram a mesclar com
suas práticas elementos das tradições religiosas afro-brasileiras, e a professar e defender publicamente
essa ‘mistura’, com o objetivo de torná-la legitimamente aceita, com o status de uma nova religião.
A umbanda constituiu-se, portanto, como uma forma religiosa intermediária entre os cultos populares
já existentes. Por um lado, preservou a concepção kardecista de carma, da evolução espiritual e da
comunicação com os espíritos e, por outro, mostrou-se aberta às formas populares do culto africano”
(Candomblé e umbanda, 1994, p. 106-112).
Com efeito, a religião torna-se uma questão de polícia. Nem bem chegaram
ao terreiro de umbanda, os agentes foram logo descendo a lenha em toda enti
dade. Por fim, o líder foi obrigado a dar explicações na Delegacia, onde apanha
va igual a tambor de macumba. Nesse samba, obviamente, está sendo retra
tada uma ínfima parte da história de perseguições aos orixás africanos, que,
depois de se transvestirem de santos católicos, associaram-se ao espiritismo
kardecista em busca de maior aceitação social41. Em várias outras composi
ções, os rituais e símbolos da umbanda são exaltados ou vivenciados segun
do o contexto de patrulhamento policial, como nos sambas Sai encosto42, Vovó
D’Angola43, Zé Fofinho de Ogum44 e Deixa uma paia pro véio queimá45. Neste
último, é interessante notar como a própria entidade assume por completo a
gíria da malandragem (esse otário é metido a malandro / ele não é malandro
é vacilador).
40 Gil de Carvalho / Marcio Pintinho. In: SILVA. Violência gera violência, lado A, faixa 2 (Transcrição
parcial).
41 Como salienta Reginaldo Prandi: “Nos seus primórdios, a umbanda se autodenominava es
piritismo de umbanda, e se ela nunca logrou reproduzir completamente esses traços tão caros ao
kardecismo, no mínimo sua preocupação em valorizar o modelo muito contribuiu para arrefecer em
parte o preconceito contra religiões de origem negra e assim atrair mais facilmente boa parte de
seu contigente de adeptos brancos” (Herdeiras do axé, 1996, p. 80).
42 J. Canseira / Marimbondo. In: SILVA. Pérolas, faixa 3, 3’29.
43 Moacyr Bombeiro / Popular P. In: SILVA. Bezerra da Silva e um punhado de bambas, lado 2, faixa
5.
44 Dario Augusto / Embratel do Pandeiro. In: SILVA. Malandro rife, lado 1, faixa 2.
45 Adelzonilton. In: SILVA. Bezerra da Silva e um punhado de bambas, lado 1, faixa 4.
Bibliografia:
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a Lei dos sexagenários
e os caminhos da abolição no Brasil. São Paulo: Unicamp, 1999. 417 p.
MOURA, Clovis. Dialética radical do Brasil negro. São Paulo: Anita, 1994. 249 p.
SILVA, Bezerra da. Aplauso. São Paulo: BMG Ariola, 1995. 1 CD-ROM.
________. Contra o verdadeiro canalha. São Paulo: RGE, 1996. 1 disco de vinil.
________. É esse aí que é o homem. São Paulo: RCA, 1984. 1 disco de vinil.
________. Meu samba é duro na queda. São Paulo: Som livre, 2000. 1 CD-
ROM. (CD original remasterizado digitalmente – Bambas do Samba).
________. Samba partido e outras comidas. São Paulo: RCA, 1981. 1 disco de
vinil.
________. Se não fosse o samba. São Paulo: RCA, 1989. 1 disco de vinil.
________. Violência gera violência. São Paulo: RCA, 1988. 1 disco de vinil.
ZALUAR, Alba. Da revolta ao crime S.A. São Paulo: Moderna, 1996. 128 p.
(Polêmica).