MARX - Glosas Críticas Marginais Ao Rei Da Prússia de Ruge
MARX - Glosas Críticas Marginais Ao Rei Da Prússia de Ruge
MARX - Glosas Críticas Marginais Ao Rei Da Prússia de Ruge
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deveria eliminar a si mesmo, uma vez que ele só tão longe quanto o seu rei. Toda essa declaração foi
existe como oposição a ela. Mas nenhum ser vivo ainda mais insensata na medida em que o "prussiano"
acredita que os defeitos de sua existência tenham a nos confessa: "As boas palavras e as boas intenções
sua raiz no princípio da sua vida, na essência da sua são baratas, o que é caro são a perspicácia e as ações
vida, mas, ao contrário, em circunstâncias externas à eficazes; neste caso, elas são mais do que caras, são
sua vida. O suicídio é contra a natureza. Por isso, o impossíveis de serem adquiridas".
Estado não pode acreditar na impotência interior da
sua administração, isto é, de si mesmo. Ele pode 51- Se não são adquiríveis, então é preciso
descobrir apenas defeitos formais, casuais, da mesma, reconhecer aquele que faz as coisas da melhor forma
e tentar remediá-los. Se tais modificações são possível na posição que ocupa. No mais, deixo a
infrutíferas, então o mal social é uma imperfeição critério do leitor julgar se, neste caso, a linguagem
natural, independente do homem, uma lei de Deus, ou mercantil, cigana, em termos de "barato", "caro",
então a vontade dos indivíduos particulares é por "mais do que caro", "impossível de adquirir", possa
demais corrupta para corresponder aos bons objetivos ser incluída na categoria das "boas palavras" e das
da administração. E quem são esses pervertidos "boas intenções".
indivíduos particulares? São os que resmungam
52- Suponhamos, porém, que as observações do
contra o governo sempre que ele lhes limita a
"prussiano" sobre o governo alemão e sobre a
liberdade e pretendem que o governo impeça as
burguesia alemã – esta última está, sem dúvida,
conseqüências necessárias dessa liberdade.
compreendida na “sociedade alemã” – tenham pleno
49- Quanto mais poderoso é o Estado e, portanto, fundamento. Será que essa parte da sociedade está
quanto mais político é um país, tanto menos está mais perplexa na Alemanha do que na Inglaterra ou
disposto a procurar no princípio do Estado, portanto na França? Pode-se estar mais perplexo do que na
no atual ordenamento da sociedade, do qual o Estado Inglaterra, onde a perplexidade foi erigida em
é a expressão ativa, pretensiosa e oficial, o sistema? Se, hoje, em toda a Inglaterra eclodem
fundamento dos males sociais e a compreender-lhes o revoltas de trabalhadores, isso não significa que a
princípio geral. O entendimento político é burguesia e o governo locais estejam mais lúcidos do
precisamente político na medida em que pensa dentro que no último trintênio do século dezoito. Seu único
dos limites da política. Quanto mais agudo ele é, expediente é o poder material e, uma vez que o poder
quanto mais vivo, tanto menos é capaz de material decresce na mesma medida em que cresce a
compreender os males sociais. O período clássico do extensão do pauperismo e o entendimento do
entendimento político é a Revolução Francesa. Bem proletariado, do mesmo modo aumenta, em
longe de descobrir no princípio do Estado a fonte dos proporção geométrica, a perplexidade inglesa.
males sociais, os heróis da Revolução Francesa
53- Enfim é falso, efetivamente falso, que a burguesia
descobriram antes nas misérias sociais a fonte dos
alemã desconheça inteiramente a importância geral
males políticos. Deste modo, Robespierre vê na
da revolta silesiana. Em várias cidades, os mestres
imensa pobreza e na imensa riqueza somente um
artesãos procuram associar-se aos aprendizes. Todos
obstáculo à democracia pura. Por isso, ele quer
os jornais liberais, os órgãos da burguesia liberal,
estabelecer uma frugalidade espartana geral. O
estão repletos de referências à organização do
princípio da política é a vontade. Quanto mais
trabalho, à reforma da sociedade, à crítica aos
unilateral, isto é, quanto mais perfeito é o
monopólios e à concorrência etc.. Tudo isso em
entendimento político, tanto mais ele crê na
conseqüência dos movimentos dos trabalhadores. Os
onipotência da vontade e tanto mais é cego frente aos
jornais de Tréveris, Aquisgrana, Colônia, Wesel,
limites naturais e espirituais da vontade e,
Mannheim, Breslau e até de Berlim trazem
conseqüentemente, incapaz de descobrir a raiz dos
freqüentemente artigos sociais facilmente
males sociais. Não é preciso argumentar mais contra
compreensíveis, dos quais o "prussiano" pode até
a insensata esperança do "prussiano", segundo a qual
aprender alguma coisa. Mais ainda, em cartas da
o "entendimento político" é chamado a descobrir as
Alemanha se exprime constantemente o espanto
raízes da miséria social na Alemanha.
diante da fraca resistência da burguesia contra as
50- Foi insensato não somente exigir do rei da Prússia tendências e idéias sociais.
um poder que nem a Convenção e Napoleão juntos
54- O "prussiano – se tivesse maior familiaridade
tiveram; foi insensato exigir dele um modo de ver que
com a história dos movimentos sociais – teria
ultrapassa os limites de toda a política, um modo de
formulado a sua pergunta ao contrário. Por que
ver do qual o inteligente "prussiano" está pelo menos
também a burguesia alemã vê na miséria parcial uma
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miséria relativamente tão universal? De onde provém revolta de trabalhadores ingleses foi conduzida com
a animosidade e o cinismo dos políticos, de onde tanta coragem, reflexão e duração.
provém a inércia e as simpatias da burguesia não-
política para com o proletariado? 60- No que concerne ao grau de instrução ou à
capacidade cultural dos trabalhadores alemães em
Vorwärts!, no 63, sete de Agosto de 1844. geral, remeto aos geniais escritos de Weitling, os
quais, sob o aspecto teórico, muitas vezes
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ultrapassam o próprio Proudhon, embora
55- Vamos agora aos oráculos do "prussiano" sobre permaneçam aquém dele no que se refere à exposição
os trabalhadores alemães. (Ausführung). Onde poderia a burguesia – incluídos
os seus filósofos e eruditos – exibir uma obra,
56- "Os alemães pobres", graceja, "não são mais relativa à emancipação da burguesia, à emancipação
inteligentes do que os pobres alemães, quer dizer, não política, igual à de Weitling: “Garantias da Harmonia
enxergam nada além do seu lar, da sua fábrica, do seu e da Liberdade”? Caso se compare a insossa e
distrito; até agora toda a questão está ainda pusilânime mediocridade da literatura política alemã
abandonada pela alma política que penetra em tudo". com essa enorme e brilhante estréia literária dos
operários alemães; caso se compare esse gigantesco
57- Para poder comparar a situação dos trabalhadores calçado de criança do proletariado com a disforme
alemães com a situação dos trabalhadores franceses e pequenez do gasto calçado político da burguesia
ingleses, o "prussiano" deveria comparar a primeira alemã, deve-se prognosticar para a Cinderela alemã
etapa, o início do movimento dos trabalhadores um estatuto de atleta. Deve-se admitir que o
franceses e ingleses com o movimento alemão que proletariado alemão é o teórico do proletariado
começou agora. Mas ele negligencia isto. Deste europeu, assim como o proletariado inglês é o seu
modo, o seu raciocínio cai em obviedades, como essa economista e o proletariado francês o seu político.
de que a indústria na Alemanha ainda não está tão Deve-se admitir que a Alemanha tem uma vocação
desenvolvida como na Inglaterra, ou então de que um tão clássica para a revolução social quanto é incapaz
movimento no seu início se apresenta diferente do de uma revolução política. Com efeito, assim como a
que numa etapa posterior. Ele gostaria de falar das impotência da burguesia alemã é a impotência
particularidades do movimento dos trabalhadores política da Alemanha, assim a aptidão do proletariado
alemães. No entanto, não diz uma palavra a respeito alemão – ainda que prescindindo da teoria alemã – é
desse assunto. a capacidade social da Alemanha. A desproporção
entre o desenvolvimento filosófico e o
58- Que o "prussiano" se situe, pois, do ponto de vista
desenvolvimento político na Alemanha não é
correto. Verá que nenhuma das revoltas dos operários
nenhuma anormalidade. É uma desproporção
franceses e ingleses teve um caráter tão teórico e
necessária. Somente no socialismo pode um povo
consciente como a revolta dos tecelões silesianos.
filosófico encontrar a prática correspondente, quer
59- Lembremo-nos, antes de mais nada, o canto dos dizer, somente no proletariado pode encontrar o
tecelões, aquela audaz palavra-de-ordem de luta na elemento ativo da sua libertação.
qual lar, fábrica e distrito não são mencionados uma
vez sequer e na qual, pelo contrário, o proletariado 61- Mas, nesse momento, não tenho nem tempo nem
proclama, de modo claro, cortante, implacável e disposição para explicar ao “prussiano” a relação da
poderoso, o seu antagonismo com a sociedade da "sociedade alemã" com a revolução social, e, a partir
propriedade privada. A revolta silesiana começa dela, de um lado a fraca reação da burguesia alemã
exatamente lá onde terminam as revoltas dos contra o socialismo e, de outro, as excelentes
trabalhadores franceses e ingleses, isto é, na disposições para o socialismo do proletariado alemão.
consciência daquilo que é a essência do proletariado. Na minha “Introdução à Crítica da Filosofia do
A própria ação traz este caráter superior. Não só são Direito de Hegel” (nos Deutsch-Französische
destruídas as máquinas, essas rivais do trabalhador, Jahrbücher), ele encontrará os primeiros elementos
mas também os registros da contabilidade, os títulos para compreender esse fenômeno.
de propriedade, e enquanto todos os outros 62- A inteligência dos alemães pobres está, portanto,
movimentos se voltavam primeiramente contra o em uma relação inversa com a inteligência dos pobres
senhor da indústria, o inimigo visível, este alemães. No entanto, pessoas para as quais qualquer
movimento volta-se também contra o banqueiro assunto deve servir para exercícios públicos de estilo,
(Bankier), o inimigo oculto. Enfim, nenhuma outra acabam caindo, através dessa atividade formal, em
um conteúdo falso, enquanto este conteúdo, por sua
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vez, imprime novamente à forma o selo da 66- Tão falso é que a miséria social gere o
vulgaridade. Deste modo, a tentativa do "prussiano", entendimento político, como mais verdadeiro é antes
em uma ocasião como essa das revoltas dos operários o contrário, isto é, que o bem-estar social gera o
silesianos, de expressar-se na forma de antíteses, entendimento político. O entendimento político é um
leva-o à maior antítese contra a verdade. A única espírito concedido a quem já possui e desfruta das
tarefa de uma mente pensante e amiga da verdade comodidades. Que o nosso "prussiano" ouça, a esse
frente à primeira explosão da revolta dos propósito, um economista francês, o senhor Michel
trabalhadores silesianos, não consistia em Chevalier: "No ano de l789, quando a burguesia se
desempenhar o papel de pedagogo desse sublevou, para ser livre faltava-lhe apenas a
acontecimento, mas, pelo contrário, em estudar o seu participação no governo do país. Para ela, a libertação
caráter peculiar. Mas para isto requer-se, antes de consistiu em arrebatar das mãos dos privilegiados que
mais nada, uma certa perspicácia científica e um certo tinham o monopólio dessas funções, a direção dos
amor pelos homens, ao passo que, para a outra negócios públicos, as mais altas funções civis,
operação, é suficiente uma fraseologia ligeira, já militares e religiosas. Sendo rica e ilustrada, podendo
pronta, embebida em um amor-próprio vazio. bastar-se e dirigir-se a si mesma, ela queria para ela o
régime du bon plaisir (regime do arbítrio)".
63- Por que o "prussiano" julga com tanto desprezo
os trabalhadores alemães? Porque ele acha que “toda 67- Já demonstramos ao "prussiano" quanto o
a questão” – isto é, a questão da miséria dos operários entendimento político é incapaz de descobrir a fonte
– está abandonada "ainda até hoje" pela "alma da miséria social. Apenas mais uma palavra sobre
política que penetra tudo". Eis como ele vai essa sua concepção. Quanto mais evoluído e geral é o
derramando o seu amor platônico pela alma política: entendimento político de um povo, tanto mais o
proletariado – pelo menos no início do movimento –
64- "No sangue e na incompreensão serão sufocadas gasta suas forças em insensatas e inúteis revoltas
todas as revoltas que explodem nesse desesperado sufocadas em sangue. Uma vez que ele pensa de
isolamento dos homens da comunidade e de suas forma política, vê o fundamento de todos os males na
idéias dos princípios sociais; mas logo que a miséria vontade e todos os meios para remediá-los na
tiver gerado a compreensão, e o entendimento violência e na derrubada de uma determinada forma
político dos alemães tiver descoberto as raízes da de Estado. Demonstração: as primeiras revoltas do
miséria social, então também na Alemanha esses proletariado francês. Os operários de Lyon julgavam
acontecimentos serão percebidos como sintomas de perseguir apenas fins políticos, ser apenas soldados
uma grande mudança". da república, enquanto de fato eram soldados do
socialismo. Deste modo, o seu entendimento político
65- Permita-nos o "prussiano", primeiramente, uma
lhes tornou obscuras as raízes da miséria social,
observação estilística. Sua antítese está incompleta.
falseou a compreensão dos seus objetivos reais e,
Na primeira metade, diz-se: a miséria gera a
deste modo, o seu entendimento político enganou o
compreensão e na segunda metade: o entendimento
seu instinto social.
político descobre as raízes da miséria social. A
simples compreensão, na primeira metade da antítese, 68- Mas se o "prussiano" acha que a miséria gera o
torna-se, na segunda metade, o entendimento político, entendimento, por que então coloca junto os
como a miséria simples da primeira metade da "sufocamentos no sangue" e os "sufocamentos na
antítese torna-se, na segunda, uma miséria social. Por incompreensão"? Se a miséria é, em geral, um
que motivo o nosso estilista tratou de maneira tão remédio, a miséria sangrenta será então um meio
desigual as duas metades da antítese? Não creio que muito mais agudo para gerar o entendimento.
tenha notado isso. Vou mostrar-lhe como foi Portanto, o "prussiano" deveria ter dito: o
verdadeiro seu instinto. Se o "prussiano" tivesse sufocamento em sangue sufocará a incompreensão e
escrito: "A miséria social gera o entendimento trará ao entendimento uma oportuna lufada de ar.
político e o entendimento político descobre as raízes
da miséria social", nenhum leitor atento teria deixado 69- O "prussiano" prognostica o fim das revoltas que
de perceber a falta de sentido dessa antítese. Todo irrompem no "desesperado isolamento dos homens da
mundo se teria perguntado, depois, por que o comunidade e na separação de suas idéias dos
anônimo não opõe o entendimento social à miséria princípios sociais".
social e o entendimento político à miséria política,
como manda a lógica mais elementar. Mas vamos ao 70- Já demonstramos que a revolta silesiana de modo
que interessa! nenhum se realizou num estado de separação entre as
idéias e os princípios sociais. Temos agora que nos
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haver com o "desesperado isolamento dos homens da revolução com alma política organiza também, de
comunidade". A comunidade é entendida aqui como acordo com a natureza limitada e discorde dessa
comunidade política, o Estado. É sempre a velha alma, um círculo dirigente na sociedade às custas da
cantilena da não-politicidade da Alemanha. sociedade.
71- Por acaso não rebentam todas as revoltas, sem 76- Gostaríamos de confidenciar ao "prussiano" o que
exceção, no desesperado isolamento do homem da é "uma revolução social com uma alma política"; com
comunidade? Será que toda revolta não supõe isso também lhe revelamos o segredo de porque ele
necessariamente esse isolamento? Teria havido a não consegue, mesmo nos seus torneios estilísticos,
revolução de l789 sem o desesperado isolamento dos elevar-se para além do limitado ponto de vista
burgueses franceses da comunidade? Ela estava político.
destinada exatamente a suprimir esse isolamento.
77- Uma revolução "social" com uma alma política
72- Mas a comunidade da qual o trabalhador está ou é um completo absurdo, se o "prussiano" entende
isolado é uma comunidade inteiramente diferente e de por revolução "social" uma revolução "social"
uma outra extensão que a comunidade política. Essa contraposta a uma revolução política, e confere à
comunidade, da qual é separado pelo seu próprio revolução social uma alma política no lugar da alma
trabalho, é a própria vida, a vida física e espiritual, a social, ou, então, uma "revolução social com uma
moralidade humana, a atividade humana, o prazer alma política" não é mais do que uma paráfrase do
humano, a essência humana. A essência humana é a que já se chamou uma "revolução política" ou
verdadeira comunidade dos homens. E assim como o simplesmente uma “revolução”. Toda revolução
desesperado isolamento dela é incomparavelmente dissolve a velha sociedade; nesse sentido é social.
mais universal, insuportável, pavoroso e Toda revolução derruba o velho poder; neste sentido
contraditório, do que o isolamento da comunidade é política.
política, assim também a supressão desse isolamento
e até uma reação parcial, uma revolta contra ele, é 78- Que o "prussiano" escolha entre a paráfrase e o
tanto mais infinita quanto infinito é o homem em absurdo! Contudo, se é parafrásico ou absurdo uma
relação ao cidadão e a vida humana infinita em revolução social com uma alma política, ao contrário
relação à vida política. Deste modo, por mais parcial é racional uma revolução política com uma alma
que seja uma revolta industrial, ela encerra em si uma social. A revolução enquanto tal – a derrubada do
alma universal; e por mais universal que seja a poder existente e a dissolução das velhas relações – é
revolta política, ela esconde, sob as formas mais um ato político. Por isso, o socialismo não pode
colossais, um espírito estreito. efetivar-se sem revolução. Ele tem necessidade dessa
derrubada e dessa dissolução. No entanto, logo que
73- O "prussiano" fecha dignamente o seu artigo com tenha início a sua atividade organizativa, logo que
esta frase: apareça o seu próprio objetivo, a sua alma, então o
socialismo se desembaraça do seu revestimento
74- "Uma revolução social sem alma política (isto é, político.
sem uma visão organizativa do ponto de vista da
totalidade) é impossível". 79- Toda essa digressão foi necessária para rasgar o
tecido de erros que se esconde em apenas uma coluna
75- É óbvio. Uma revolução social se situa do ponto de jornal. Nem todos os leitores podem ter a cultura e
de vista da totalidade porque – mesmo que aconteça o tempo necessários para perceber uma tal
apenas em um distrito industrial – ela é um protesto charlatanice literária. Não tem, portanto, o
do homem contra a vida desumana, porque brota do "prussiano", diante do público leitor, o dever de
ponto de vista do indivíduo singular real, porque a renunciar momentaneamente a qualquer atividade de
comunidade, contra cuja separação o indivíduo reage, escritor com objetivo político e social, bem como às
é a verdadeira comunidade do homem, é a essência declarações sobre a situação da Alemanha, e de
humana. Ao contrário, a alma política de uma começar um consciencioso exame da sua própria
revolução consiste na tendência da classe privada de situação?
influência política a superar o seu isolamento do
Estado e do poder. A sua perspectiva é o Estado, uma
totalidade abstrata, que subsiste apenas a partir da
separação da vida real, que é impensável sem o Vorwärts!, no 64, 10 de Agosto de 1844.
antagonismo organizado entre a idéia geral e a
existência individual dos homens. Por isso, uma
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próprio de uma sociedade política. Alemanha e Inglaterra
partilham, assim, a despeito da diferente magnitude que o
Comentário Crítico pauperismo apresenta em cada um destes países, da mesma
(Extrato de “A Crítica da Política”, capítulo III da dissertação mentalidade política que os impede de visualizar a dimensão
ONTOLOGIA E POLÍTICA: A FORMAÇÃO DO universal dos problemas sociais. Como afirma Marx:
PENSAMENTO MARXIANO DE 1842 A 1846) “Se a burguesia da apolítica Alemanha não se apercebe da
importância geral que possui uma penúria parcial, a burguesia
Rubens M. Enderle da política Inglaterra desconhece também, por sua vez, a
(...) importância geral que reveste uma penúria universal, penúria
Além dos textos publicados nos Anais Franco-Alemães, Marx que manifesta sua importância geral tanto por sua reiteração
ainda colabora, no ano de 1844, com três artigos para o periódica no tempo quanto por sua extensão no espaço e pelo
periódico Avante! (Vorwärts!). Dentre estas colaborações, duas fracasso de todas as tentativas de remediá-la”.
são de notável importância na consolidação da determinação À estreiteza da mentalidade política sobre a importância dos
ontonegativa da politicidade. Referimo-nos, aqui, às duas partes males sociais corresponde a ineficácia das ações políticas contra
que compõem as Glosas Críticas ao Artigo “O Rei da Prússia e estes mesmos males. Assim, Marx, detendo-se sobre três
a Reforma Social. Por um Prussiano”, redigidas em franca expoentes da inteligência e da energia políticas – o parlamento
contraposição às teses de Ruge sobre a revolta dos tecelões da inglês, Napoleão Bonaparte e a Convenção francesa –, procura
Silésia. demonstrar que “todos os Estados que se ocuparam do
Em um artigo publicado no mesmo periódico, Ruge pauperismo limitaram-se a aplicar medidas administrativas e de
argumentara contra a afirmação, feita pelo jornal francês La beneficência, ou permaneceram abaixo desta classe de
Reforme, de que a ordem de gabinete do rei Frederico medidas”. O Estado dá provas, com isso, de sua limitação
Guilherme IV diante da greve dos trabalhadores silesianos seria intrínseca, sua natureza formal, abstrata. Ele é a organização da
o prenúncio de profundas reformas sociais. A idéia central de sociedade sob o ponto de vista político, isto é, sob o ponto de
Ruge era a de que a Alemanha, por ser um país apolítico, não vista de sua separação em relação à sociedade civil. Fundado
estava à altura de tais reformas, pois não compreendia a sobre o “caráter antisocial” da propriedade privada, o Estado
“penúria parcial dos distritos fabris” como um “assunto geral”, não pode buscar a origem dos problemas sociais na “essência do
mas sim como um evento localizado. Como ele mesmo afirma Estado”, uma vez que, ao eliminar a contradição entre os
nesta passagem, citada por Marx na abertura de seu artigo: interesses gerais e os interesses particulares, ou entre a
“O rei e a sociedade alemã não chegaram ainda ao administração da sociedade civil e a própria sociedade civil, ele
„pressentimento de sua reforma‟, e nem tampouco as estaria promovendo sua autodestruição. De acordo com Marx:
insurreições da Silésia e Boêmia provocaram este sentimento. É “O Estado não pode superar a contradição entre a
impossível fazer compreender a um país apolítico como a disposição e boa vontade da administração, por um lado, e seus
Alemanha que a penúria parcial dos distritos fabris constitui um meios e sua capacidade, por outro, sem destruir a si mesmo, já
assunto geral e, menos ainda, que representa um dano para todo que está assentado nesta mesma contradição. Assenta-se na
o mundo civilizado. Estes acontecimentos têm para a Alemanha contradição entre a vida pública e a vida privada, na
o mesmo caráter que pode ter qualquer penúria local contradição entre os interesses gerais e os interesses
relacionada com a água ou com a fome. Daí que o rei os particulares. Daí que a administração deva limitar-se a uma
considere como uma falha administrativa ou uma falta de atividade formal e negativa, pois sua ação termina lá onde
caridade”. começa a vida civil e seu trabalho. Mais ainda, frente às
Para refutar esta tese, Marx toma como exemplo a Inglaterra, conseqüências que derivam do caráter antisocial desta vida civil,
país político e, ao mesmo tempo, país do pauperismo. Diz ele: desta propriedade privada, deste comércio e desta indústria,
“Não resta dúvida de que a situação da Inglaterra constitui o deste saqueio mútuo dos diversos círculos civis, a impotência é
experimento mais seguro para conhecer a atitude de um país a lei natural da administração. Com efeito, este desvio, esta
político frente ao pauperismo. Na Inglaterra, a penúria dos vileza, esta escravidão da sociedade civil, constitui o
operários não é parcial, mas universal /.../. E estes movimentos fundamento natural em que se baseia o Estado moderno /.../. Se
não se encontram, ali, em sua fase inicial, mas se repetem o Estado moderno quisesse acabar com a impotência de sua
periodicamente há quase um século”. A realidade mostra, no administração, teria que acabar com a atual vida privada. E se
entanto, que, nem a burguesia da política Inglaterra, nem quisesse acabar com a vida privada, teria que destruir a si
tampouco o governo e a imprensa associados a esta classe, mesmo, pois o Estado existe somente em oposição a ela. Porém,
tratam o pauperismo de modo diferente do modo alemão. Ou nenhum ser vivo crê que os defeitos de sua existência radiquem
seja, para os ingleses a penúria é, assim como para Frederico no princípio de sua vida, na essência de sua vida, mas sim em
Guilherme IV e a burguesia prussiana, uma falha circunstâncias exteriores a ela. O suicídio é contrário à natureza.
administrativa, um defeito político a ser resolvido Decorre daí que o Estado não pode crer na impotência
politicamente. Cada partido inglês vê a causa do pauperismo na intrínseca de sua administração, isto é, de si mesmo. Ele pode
política do partido contrário, que deve ceder lugar a sua própria somente reconhecer e procurar corrigir seus defeitos puramente
política, supostamente resolutiva: “Enquanto a burguesia inglesa formais e fortuitos. E se estas modificações mostram-se estéreis,
põe a culpa do pauperismo na política, os whigs acusam os ele concluirá que os males sociais são uma imperfeição natural,
tories e os tories acusam os whigs de serem a causa deste mal. independente do homem, uma lei de Deus, ou que a vontade dos
/.../ Nenhum dos dois partidos encontra a razão na situação particulares acha-se demasiadamente corrompida para
política em geral, mas somente na política do partido contrário. acomodar-se aos excelentes fins da administração”.
E sequer sonham com uma reforma da sociedade”. De modo Esfera abstrata dos interesses gerais a flutuar sobre a
que, aquilo que Ruge imagina ser a conseqüência do caráter escravidão da vida privada que a engendra, o Estado esbarra na
apolítico de um país, a saber, a compreensão dos problemas lei natural de sua impotência sempre que procura atacar
sociais como acontecimentos parciais, desprovidos de problemas que radicam na essência de sua vida. O caráter
importância geral e decorrentes de falhas administrativas, formal e negativo da administração não diz respeito, portanto, a
mostra-se, segundo Marx, ao contrário, como o procedimento uma falha acidental, mas sim a uma determinação ontológica
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essencial: para tornar-se uma ação concreta e positiva, ela teria circunstancial; numa expressão mais enfática, enquanto
que atentar contra sua própria existência. A perfeição do ser do predicado típico do ser social, apenas e justamente, na
Estado é a perfeição de sua incapacidade para compreender e particularidade do longo curso de sua pré-história. É no interior
solucionar os males sociais. Seus limites são os limites próprios da intrincada trajetória dessa pré-história que a politicidade
da política e do entendimento político, cujo princípio é a adquire sua fisionomia plena e perfeita, sob a forma de poder
vontade: político centralizado, ou seja, do estado moderno /.../. Esse
“Quanto mais poderoso seja o Estado e mais político seja, traçado marxiano é o oposto, sem dúvida, de qualquer expressão
portanto, o país, menos ele se inclinará a buscar no princípio do própria ao âmbito secularmente predominante da determinação
Estado, e, por conseguinte, na atual organização da sociedade, onto-positiva da política, para a qual o atributo da politicidade
cuja expressão ativa, consciente de si mesma e oficial é o não só integra o que há de mais fundamental do ser humano-
Estado, o fundamento dos males sociais e a compreender seu societário – é intrínseco a ele – mas tende a ser considerado
princípio geral. O entendimento político o é, precisamente, como sua propriedade por excelência, a mais elevada,
porque pensa dentro dos limites da política. E quanto mais vivo espiritualmente, ou a mais indispensável, pragmaticamente;
e sagaz seja, mais incapacitado estará para compreender os tanto que conduz à indissolubilidade entre política e sociedade,
males sociais. /.../ O princípio da política é a vontade. Quanto a ponto de tornar quase impossível, até mesmo para a simples
mais unilateral e, portanto, mais perfeito seja o entendimento imaginação, um formato social que independa de qualquer
político, tanto mais acreditará na omnipotência da vontade, tanto forma de poder político”i.
mais resistirá a ver as barreiras naturais e espirituais que se A crítica ontológica distingue o que é essencial do que é
levantam frente a ela, mais incapaz será, por conseguinte, de acidental, o que é determinante do que é determinado. Ela
descobrir a fonte dos males sociais”. desvenda o modo como as categorias do ser social se engendram
Para Marx, o “período clássico” do entendimento político foi e se determinam umas às outras, bem como a necessidade de sua
a Revolução francesa. Neste evento, os “defeitos sociais” eram existência. Sua tarefa principal consiste, desse modo, em
vistos, não como problemas originários, localizados no localizar o pólo determinante do ser do homem; e todo o
“princípio do Estado”, mas sim como um entrave para se atingir itinerário marxiano desde a Crítica de Kreuznach resulta na
a perfeição da política. “Assim, diz Marx, Robespierre entende constatação de que tal pólo não pode ser encontrado na esfera
que a grande pobreza e a grande riqueza representam política, mas sim na sociabilidade. A esfera política é, pelo
simplesmente um obstáculo para a democracia pura”. O contrário, a expressão da perda, pelo homem, de seu próprio ser,
entendimento político não reconhece que o Estado brota da de sua vida genérica, que precisa então ser figurada de modo
“fonte dos males sociais”. Invertendo a ordem determinativa abstrato, como vida política, separada da vida privada. A
entre sociedade civil e Estado, ele entende estes males como sociabilidade é o locus ontológico do humano, não sua essência
meros acidentes que impedem a realização do princípio político. antropológica. Ela representa a esfera da existência do homem,
O que é essencial – a sociedade civil e seus males – aparece a base a partir de onde se formam as diversas categorias que
como acidental, e o que é acidental – a política – aparece como constituem seu ser. Entre tais categorias, figura a política, que
a esfera originária, essencial. Desse modo, pode-se conferir à corresponde a um dado modo de efetivação do ser social,
idéia de democracia pura uma preponderância ontológica sobre justamente aquele modo no qual o homem aliena sua capacidade
a pobreza e a riqueza reais, bem como atribuir à vontade um de autodeterminação. Razões pelas quais pode-se afirmar que a
caráter omnipotente, acima das barreiras naturais e espirituais politicidade constitui, para Marx, um atributo negativo do ser
que, na realidade, determinam seus limites. social, a separação, do homem e pelo homem, de suas forças
As Glosas Críticas sobressaem como o momento em que próprias, suas forças humanas, enfim, suas forças sociais.
Marx, retomando o percurso iniciado a partir da Crítica da Em Marx, portanto, a política é ontologicamente determinada
Filosofia do Direito de Hegel e desenvolvido nos Anais Franco- – o que vale para todas as categorias do ser social – pelo modo
Alemães, deixa evidente o caráter ontológico de sua crítica à através do qual o homem produz sua existência. O entendimento
política. Concebido em termos incisivos e inequívocos, este da política remete à análise da “anatomia da sociedade civil”,
artigo representa uma síntese das linhas fundamentais da análise que eleva as “categorias econômicas” ao patamar de
determinação ontonegativa da politicidade, teoria que Chasin categorias ontológicas, que dizem respeito à autoprodução do
explicita da seguinte forma: ser social. Como afirma Lukács, destacando a importância dos
“Tratando-se de uma configuração de natureza ontológica, o Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 no conjunto da
propósito essencial dessa teoria é identificar o caráter da obra marxiana: “/.../ pela primeira vez na história da filosofia, as
política, esclarecer sua origem e configurar sua peculiaridade na categorias econômicas aparecem como as categorias da
constelação dos predicados do ser social. Donde, é onto- produção e reprodução da vida humana, tornando assim possível
negativa, precisamente, porque exclui o atributo da política da uma descrição ontológica do ser social sobre bases
essência do ser social, só o admitindo como extrínseco e materialistas”ii.
contingente ao mesmo, isto é, na condição de historicamente (...)
i
CHASIN, J. Marx: Estatuto Ontológico... Op. cit., pp. 367-368.
ii
LUKÁCS, G. Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx. São Paulo: Ciências Humanas, 1979, p. 15.
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