Acesso e Sucesso No Ensino Superior Uma Sociologia Dos Estudantes-9788542103779
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Coordenação editorial
Isadora Travassos
Produção editorial
Eduardo Süssekind
Rodrigo Fontoura
Victoria Rabello
cip-brasil. catalogação-na-fonte
sindicato nacional dos editores de livros, rj
A158
isbn 978-85-421-0377-9
2015
Viveiros de Castro Editora Ltda.
Rua Visconde de Pirajá, 580/ sl. 320 – Ipanema
Rio de Janeiro – rj – cep 22410-902
Tel. (21) 2540-0076
editora@7letras.com.br – www.7letras.com.br
Sumário
Introdução:
Acesso e sucesso no ensino superior e a pesquisa
no curso de pedagogia da ufrj
Gabriela Honorato
Rosana Heringer7
7
A despeito do avanço representado pela Lei 12.711/2012,2 a estrutura de
oportunidades por ela criada, ao reservar 50% das vagas de ingressantes, a
cada ano, nas instituições federais de ensino superior (IFES) para candidatos
oriundos de escola pública e com renda mensal familiar per capita inferior
a um salário mínimo e meio, não leva em consideração a realidade – obje-
tivamente distinta – dos vários estados e regiões do país. Quanto menor a
competitividade dentro de cada grupo criado pela Lei, maiores as chances
de se conseguir uma vaga (CARVALHAES; FERES Jr; DAFLON, 2013). E, no
cálculo para o Brasil, a reserva de vagas para os de maior renda oriundos
de escola pública (em 50%) acaba sendo maior do que o contingente que
poderia se candidatar a uma vaga. No interior desse grupo de renda, o con-
tingente de “pretos, pardos e indígenas” (PPI) seria ainda menor, o que os
levaria a ter mais vantagens que os brancos. Mas a Lei não leva tal cálculo
em consideração. A maior dificuldade para se obter uma vaga encontra-se,
justamente, no grupo menos privilegiado, que acumula desigualdade étni-
co-racial e de renda. Há duas vezes mais alunos PPI no Brasil com renda
menor do que alunos brancos nesta situação.
E o quadro se agrava quando são analisados os estados e as regiões bra-
sileiras. Os estados da Região Sul, com menor proporção de PPI na popula-
ção, acabam possibilitando que este grupo com renda inferior a um salário
mínimo e meio, oriundo de escolas públicas, tenha maiores vantagens em
comparação com os outros. Em Santa Catarina, os PPI pobres têm cinco
vezes mais chances de conseguir vaga do que nos estados do Maranhão,
Bahia, Pará ou Amazonas (CARVALHAES; FERES Jr.; DAFLON, 2013).
Assim, os estados mais pobres e com maior proporção demográfica de PPI
são aqueles em que a desvantagem para os PPI mais pobres é maior. Isso
significa que o padrão de desigualdades regionais característico do Brasil
não é revertido pela lei. Ajustes nesse sentido deveriam ser feitos.
Outro problema observado com a ampliação das oportunidades de
acesso ao ensino superior diz respeito à sobra de vagas disponibilizadas
2 A Lei estabelece que 50% das vagas disponíveis nas instituições federais de ensino superior
(IFES) sejam reservadas, no processo de seleção de alunos ingressantes, em cada ano, àque-
les oriundos de escolas públicas. Dessas, 50% devem ser reservadas para os candidatos com
renda mensal familiar per capita inferior a um salário mínimo e meio. Os outros 50% restantes
devem ser destinados àqueles com renda superior a esta marca. E, dentro de cada grupo de
renda, devem ser reservadas vagas para pretos, pardos e indígenas (PPI) de acordo com a
proporção do agregado dessas categorias demográficas em cada estado, aferidos pelo censo
demográfico mais recente (CARVALHAES; FERES Jr.; DAFLON, 2013).
8
para alunos ingressantes (tanto no sistema público quanto privado). Para
termos uma ideia, no ano de 2010, quase metade dessas vagas (49%) ofe-
recidas por universidades, centros universitários e faculdades sobraram
no Brasil. Somente 1.590.212 foram preenchidas num universo de 3.120.192
disponíveis. A maioria delas se concentrou em estabelecimentos privados,
mas sobraram 36 mil em instituições públicas, particularmente nas muni-
cipais. Seria preciso melhorar o aproveitamento de vagas no sistema como
um todo e nas instituições municipais em particular.
Para Gabriel Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de
Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), no setor privado “a oferta não
é preenchida porque o aluno não aceita essas vagas por diferentes razões”.
Ou, as instituições solicitam ao Ministério autorização para um número
maior de vagas do que pretende preencher. Especialmente, esse parece ser
o caso das faculdades que não têm autonomia para solicitar outra autori-
zação de funcionamento com novas vagas. Assim sendo, seria necessário
que o sistema adequasse a oferta às necessidades de mão de obra do país
e às demandas dos estudantes, inclusive regionalmente. O planejamento
da oferta deveria ser feito com critérios mais transparentes. Entre as cinco
regiões brasileiras, é o Centro-Oeste, atualmente, com a maior proporção
de vagas não preenchidas (53%).3
Até mesmo com relação ao Programa Universidade para Todos
(ProUni), que, na prática, funciona como uma política de distribuição de
vagas nas instituições privadas, com pagamento parcial ou isenção total de
mensalidades, observamos sobra de vagas. No primeiro semestre de 2011,
a oferta foi de 123 mil bolsas, mas apenas 117 mil estudantes foram convo-
cados em primeira chamada para matrícula. Muitos deles, mesmo entre os
convocados, não conseguiram comprovar o atendimento aos critérios de
renda exigidos pelo Programa. Das vagas não preenchidas, 87% foram para
cursos de educação a distância (EaD).
Mas a sobra de vagas também parece estar se constituindo como um
problema recente entre as IFES. Com a adesão delas ao Sistema de Seleção
Unificada (Sisu) e ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como a
prova de seleção por excelência, é possível perceber uma dificuldade das
instituições em preencher todas as oportunidades de acesso. A maior parte
9
das vagas não é ocupada na primeira fase de matrículas. De acordo com
o Coordenador do Sisu na Universidade Federal do Ceará (UFC), Miguel
Franklin, vários fatores poderiam explicar o baixo índice de compareci-
mento às matrículas. Os candidatos prestam o Exame apenas para testar se
passariam em determinado curso, ou se inscrevem várias vezes até obterem
uma vaga no curso de preferência (provocando aparente evasão).4
Em 2012, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), institui-
ção com o maior número de inscritos no Sisu (152.196), segundo a então
pró-reitora de graduação, Ângela Rocha,5 o preenchimento de vagas na pri-
meira chamada foi de, aproximadamente, um terço. Com relação ao curso
de medicina, um dos mais disputados tradicionalmente, a UFRJ teria con-
vocado 62 candidatos aprovados para matrícula na segunda chamada. Ou
seja, apenas 34 se matricularam na primeira chamada, para uma turma de
96 alunos. No curso de engenharia civil, que ofereceu 60 vagas, apenas nove
candidatos se matricularam na primeira chamada. Para a pró-reitora, tal fato
pode estar ocorrendo também porque o Sisu facilita a inscrição de candi-
datos de outros estados que, depois, desistem de vir para o Rio de Janeiro.6
O processo de interiorização dos campi das instituições federais tam-
bém tem se constituído como um problema, quando se observa, de forma
mais objetiva, a implementação das políticas de democratização do acesso
ao ensino superior. Entre 2003 e 2011, o número de municípios atendidos
passou de 114 para 237 (VARGAS, 2014, p. 290). O objetivo (da interiori-
zação), instituído pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (Reuni), é o de atenuar desigualdades
regionais. Mas, para ilustrarmos a questão que estamos querendo destacar,
tomemos o exemplo da Universidade Federal Fluminense (UFF), que é, no
Rio de Janeiro, a instituição federal mais interiorizada, com campi em 16
10
municípios, além de integrar o consórcio CEDERJ,7 que oferece cursos a
distância em mais 22 cidades.
Em seu estudo, Vargas (2014) observa baixa atratividade (ou baixa
demanda) pelas vagas da UFF no interior do Rio de Janeiro e possível disso-
ciação entre cursos oferecidos e as realidades econômicas das regiões. Entre
2008 e 2012, a relação candidato-vaga decresceu ou se manteve contínua. A
única exceção foi o curso de engenharia em todos os municípios e moda-
lidades ofertadas. Há baixíssima relação candidato-vaga, no interior do
estado, nos cursos voltados ao magistério (como as licenciaturas em ciên-
cias sociais, física, geografia, história, matemática e pedagogia), não che-
gando a um candidato por vaga ou girando em torno de um. Haveria uma
inadequação entre locais de oferta e cursos ofertados? Que outros fatores
poderiam explicar o pequeno interesse de candidatos a cursos oferecidos
no estado do Rio?
O processo de expansão, portanto, pode não estar sendo discutido nem
com a comunidade acadêmica nem com a população local onde estão pre-
sentes os novos campi. Há a instalação de cursos que não atendem a necessi-
dades locais. Assim, o problema de baixa demanda constatado requer ações
de planejamento mais acuradas. Ao mesmo tempo, alocação de recursos e
professores para que as novas unidades se sustentem e se desenvolvam com
toda a estrutura requerida são também fundamentais. Por fim, não é possível
conceber políticas “agressivas” de inclusão social sem assistência estudantil
estritamente consistente. Isso porque “não se amplia o número de matricula-
dos na universidade da mesma forma como se amplia uma linha de produção
de sapatos ou carros” (MANCEBO, 2008, p. 59 apud VARGAS, 2014, p. 311).
Assistência e/ou permanência do estudante parecem ser os principais
desafios do processo de democratização das oportunidades de acesso ao
ensino superior no Brasil. Uma vez admitidos às instituições de ensino,
como fazer com que um amplo contingente de alunos tenha condições de
permanecer “efetivamente” em seus cursos de graduação? (HERINGER;
HONORATO, 2014). A fim de responder e essa preocupação, o governo
brasileiro criou, em 2010, o Programa Nacional de Assistência Estudantil
(PNAES), com o objetivo de democratizar as condições de permanência
11
dos jovens na educação superior pública federal, minimizar os efeitos das
desigualdades sociais e regionais, reduzir taxas de retenção e evasão e con-
tribuir para a promoção da inclusão social pela educação (BRASIL, 2010).
O PNAES define ações que devem ser adotadas para se chegar a esses
objetivos em diferentes áreas: moradia, alimentação, transporte, atenção à
saúde, inclusão digital, cultura, esportes, educação infantil para filhos de
estudantes, acesso, participação e aprendizagem de alunos portadores de
deficiência. Os recursos destinados ao PNAES têm se ampliado, mas várias
críticas têm sido feitas. Particularmente, se tem alegado que os recursos
ainda são insuficientes para atender à demanda. Os dados do Censo da
Educação Superior 2010, por exemplo, apontavam que apenas 18,3% dos
alunos ingressantes em instituições públicas por meio de políticas de ação
afirmativa e/ou de reserva de vagas recebiam algum tipo de assistência estu-
dantil. Entre os estudantes em geral, apenas 9% recebiam, tal como escla-
rece Paixão et al. (2011).
Outros dados disponíveis das IES demonstram que há uma série de
evidências de que o volume de recursos é insuficiente para responder à
crescente demanda por assistência. Na UFRJ, por exemplo, apenas 5,1% dos
estudantes recebem algum tipo de apoio financeiro e somente 1,2% tem
acesso à residência estudantil ou a alguma forma de auxílio financeiro para
moradia (INEP, 2010). Mas nessa universidade foi estabelecido, em 2011,
que os cotistas, no ano de ingresso, teriam direito à “Bolsa de Acesso e
Permanência”. Tal fato leva à necessidade de se questionar se o benefício
será assegurado nos anos posteriores. Em 2012, a UFRJ contou com cerca
de R$ 21 milhões para o pagamento de benefícios a estudantes. Em 2013,
o gasto foi de R$ 31.718.643,00 e orçado em R$ 30,3 milhões (SUPEREST,
2012b; 2013b).
No dia 9 de maio de 2013, o então ministro da educação, Aloizio
Mercadante, lançou o “Bolsa Permanência”, um pagamento de R$ 400,00 por
mês a estudantes de baixa renda de universidades e institutos federais matri-
culados nos chamados “cursos integrais”, ou seja, com carga horária diária de
cinco ou mais horas, como medicina e algumas engenharias, e de R$ 900,00
a indígenas e quilombolas. Considerado de “baixa renda” seria o aluno com
renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo e meio. O mais
interessante foi o fato de o secretário de educação superior, Paulo Speller, ter
declarado não saber quantos estudantes têm direito ao benefício e, menos
12
ainda, quantos irão solicitá-lo:8 evidência contundente de que é possível que
não haja recursos necessários para se efetivar este programa.
Além da questão dos recursos, as ações de permanência e assistência
estudantil têm se desenvolvido por meio de diferentes programas comple-
mentares que devem, idealmente, estar articulados entre si dentro de cada
instituição de ensino superior. Mas, dada a diversidade de ações, em algu-
mas delas essas atividades são gerenciadas por diferentes órgãos, levando,
muitas vezes, a problemas de coordenação e gestão; em outras, a estrutura
de gestão para implementação das políticas de permanência e assistência
são as pró-reitorias ou sub-reitorias próprias. Há casos, ainda, em que são
gerenciadas por uma superintendência ou divisão. Tal diversidade traria
incertezas sobre o tipo de prioridade dada às políticas estudantis.
No caso da UFRJ, há a Superintendência de Políticas Estudantis
(Superest).9 Em seu documento de “Apresentação” (SUPEREST, 2013a), é
possível perceber a força da distribuição de bolsas sociais como ação mais
evidente da UFRJ em termos de assistência ao estudante. Tendo como base
o PNAES, a Superest registra a implementação do “Programa de Auxílio
ao Estudante”, destinado à distribuição da Bolsa -Auxílio e Moradia (geral-
mente disputadas por estudantes da universidade a partir do terceiro período
de seus cursos de graduação). A partir de 2012, a Divisão de Assistência
ao Estudante (DAE) da Superest passou a ser responsável também pelo
“Programa de Bolsa de Acesso e Permanência”, destinado aos ingressantes
por reserva de vagas, no ano de ingresso, a partir de 2012. Todas as moda-
lidades de bolsa foram, a partir de 2012, acrescidas do “Auxílio Transporte”.
De acordo com dados sistematizados por meio de informações divul-
gadas no site da Superest em 2012, quando consideramos somente a Bolsa
Auxílio, podemos perceber que a maior parte delas é dirigida ao Centro
de Ciências da Saúde (CCS), mas este é o Centro onde se concentra o
maior número de matrículas discentes. No Centro de Ciências Jurídicas e
Econômicas (CCJE) e no CT (Centro de Tecnologia), há poucas bolsas, em
comparação com a concentração de matrículas. Impressiona muito a dife-
rença entre a concentração de matrículas e o grande volume de bolsas no
Centro de Letras e Artes (CLA). No Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
temos 16% das matrículas desta universidade e 16% das bolsas-auxílio
8 O GLOBO. Universitários de baixa renda terão bolsa de R$ 400,00 em federais. Caderno O
País. Rio de Janeiro, p. 4, 10 mai. 2013.
9 Foi criada em julho de 2011, com a perspectiva de que se tornasse uma pró-reitoria.
13
concedidas. Mas licenciatura em pedagogia é o segundo curso com o maior
número de bolsas de toda a UFRJ.
Esse fato nos chamou atenção e nos motivou a desenvolver a pesquisa
registrada sob o título de “Introdução a uma ‘Sociologia dos Estudantes’:
uma análise dos estudantes cotistas e bolsistas no curso de pedagogia da
UFRJ”.10 Num primeiro momento, desenhamos o projeto de tal modo a nos
reduzirmos aos ingressantes de 2011 e 2012 (primeiras turmas de cotistas
desta universidade),11 que cursaram o ensino médio em escolas públicas e que
eram beneficiários do Programa de Auxílio ao Estudante. Posteriormente,
avaliamos que seria mais interessante trabalharmos com os ingressantes de
2011 e 2012 em geral, uma vez que poderíamos estabelecer análises também
quantitativas (com um maior número de casos, e não apenas qualitativas),
além de comparativas (“cotistas” versus “não cotistas”, entre outras).
Adicionalmente, na medida em que duas integrantes da equipe de pes-
quisa eram professoras da Faculdade de Educação da UFRJ, inclusive com
atuação na Coordenação de Orientação e Acompanhamento Acadêmico
10 O projeto de pesquisa foi contemplado com auxílio financeiro pelo Edital FAPERJ 15/2011 –
Programa “Apoio a Projetos de Pesquisa na Área de Humanidades – 2011”.
11 Em 2011, os ingressantes por vestibular foram submetidos à resolução CONSUNI 16/2010,
onde: 40% das vagas foram preenchidas por meio de concurso de acesso próprio; 40% das
vagas oferecidas em cada curso foram preenchidas por candidatos selecionados pelo Enem/
Sisu; 20% das vagas oferecidas em cada curso foram preenchidas por candidatos selecionados
pelo Enem/Sisu e que tinham cursado o ensino médio, integralmente, em estabelecimentos da
rede pública vinculados às Secretarias Estadual e Municipal de Educação do Rio de Janeiro e à
Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (evitando, desse modo, que
alunos de escolas públicas ditas “de elite”, como as da rede federal presentes no Rio de Janeiro
– Pedro II, CEFET, por exemplo – pudessem conseguir a maior parte das vagas). Em 2012, os
ingressantes por “vestibular” foram submetidos à resolução CONSUNI 14/2011, onde: utilizou-
se, exclusivamente, a prova do Enem/Sisu, preservada a etapa de teste de habilitação específica
(THE) para os cursos que o exigiram (tais como arquitetura e urbanismo; artes cênicas; artes
visuais; dança e música); e, 30% das vagas oferecidas em cada curso foram preenchidas por
candidatos que tinham cursado o ensino médio, integralmente, em escolas públicas e que
possuíam renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo e meio (1,5 SM) nacio-
nal vigente. Desse modo, a partir de 2012, pela primeira vez, a UFRJ abriu mão de vestibular
próprio, procurando reunir os candidatos num único sistema de reserva de vagas, e tomar o
critério “escola pública” atrelado ao critério de renda. Nesta mesma resolução se afirmou a
garantia da continuidade das políticas de apoio a todos os estudantes ingressantes na modali-
dade “reserva de vagas” (ou chamados “cotistas”) por meio de “bolsas de acesso e permanên-
cia”; meios de transporte gratuitos; acesso à rede e equipamentos de informática; acompanha-
mento acadêmico e oferta de disciplinas suplementares, de apoio e introdutórias. Também
foi reafirmado o compromisso de “dar continuidade à ofensiva política junto ao Ministério
da Educação” para garantir acesso aos recursos do Reuni; para a participação na elaboração
e aplicação da prova do Enem e para que os recursos da UFRJ que deixaram/deixarão de ser
utilizados com vestibular próprio sejam realocados em programas de melhoria do ensino de
graduação e assistência ao estudante.
14
do curso de pedagogia e licenciaturas (COAA), teríamos acesso facilitado a
algumas informações, dando continuidade a trabalhos anteriores por elas
realizados, voltados à produção do conhecimento sobre acesso, perma-
nência e conclusão do ensino superior entre grupos desfavorecidos e/ou
populares, isto é, que histórica e tradicionalmente estiveram menos presen-
tes neste nível escolar no Brasil. Cabe destacar a dissertação de mestrado
de Honorato (2005) e artigos de Heringer (2003; 2005; 2010; 2013a; 2013b;
2013c), Heringer e Ferreira (2009) e Heringer e Honorato (2014), Honorato
(2011), entre outros trabalhos.
Outro motivo para a escolha de alunos do curso de pedagogia como
objeto de estudo deveu-se ao fato de este ser apontado, em alguns trabalhos,
como uma escolha possível para jovens de origem popular. O trabalho de
Amaral e Oliveira (2011), por exemplo, confirma, entre estudantes benefi-
ciários do ProUni, que o curso de pedagogia, em particular, e os cursos de
licenciatura, em geral, têm sido escolhidos não como um desejo, mas como
uma possibilidade viável, economicamente inclusive (seria um curso mais
barato para a permanência do que outros). A maior parte dos alunos anali-
sados pelas autoras encontra-se nesta situação. Em nossa experiência como
docentes de disciplinas do curso de pedagogia da UFRJ, também ouvimos,
frequentemente, de nossos alunos, a mesma afirmação, o que justificou,
mais uma vez, a escolha do objeto.
Resumidamente, as questões iniciais, norteadoras do desenho da pro-
posta de pesquisa foram as que seguem: Em que medida as políticas de
democratização da educação superior estão contribuindo, de fato, para
ampliar as oportunidades sociais de grupos populares? Que fatores têm
limitado as chances de estudantes de origem popular ingressar no ensino
superior, e, por outro lado, quais seriam aqueles que se associam às expec-
tativas positivas de acesso/ingresso, permanência e conclusão dos estudos e
inserção no mercado de trabalho? Considerando o caso específico do curso
de pedagogia da UFRJ, o que identificamos? Os resultados visam contribuir
para o aprimoramento das recentes políticas, para ajustes institucionais em
geral e para os programas de permanência e assistência estudantil na UFRJ,
em particular.
Iniciamos a pesquisa com um levantamento bibliográfico sobre a temá-
tica da seleção social na educação superior no Brasil, sobre as medidas de
expansão e democratização recentemente adotadas e, especialmente, as
políticas de ação afirmativa. Tal bibliografia foi consultada, sistematizada e,
15
também, debatida em grupo de estudo, com encontros mensais. Este grupo,
além da participação da coordenadora da pesquisa (Maria Ligia de O.
Barbosa, do IFCS/UFRJ) e das duas professoras/pesquisadoras da Faculdade
de Educação da UFRJ (Gabriela Honorato e Rosana Heringer), contou com
a presença de alunos dos cursos de graduação em pedagogia e ciências
sociais (bolsistas de iniciação científica e voluntários), além de mestrandos,
doutorandos (em ciências humanas) e pesquisadores de outras instituições
interessados no tema.
Em seguida, foi realizado um levantamento de dados sobre acesso
e permanência nas IFES e na UFRJ, com atenção ao curso de pedagogia,
incluindo:
1 – compilação e análise das resoluções do Conselho Universitário (Consuni) –
entre 2007 (ano de aderência da UFRJ ao Reuni) e 2012, ano de início daquela
que passa, a partir de agora, a ser denominada como “Pesquisa Pedagogia” ou
“Pesquisa” sobre acesso, permanência e assistência ao estudante. O trabalho de
Heringer e Honorato (2014) apresenta os resultados deste exercício;
2 – sistematização e análise de dados sobre matrícula discente e distribuição de
bolsas acadêmicas e sociais das IFES brasileiras (ver capítulo 8 deste livro) e sobre
a UFRJ e o curso de pedagogia, a partir de informações disponibilizadas pela
pró-reitoria de graduação, pela coordenação do curso de pedagogia, pela Superest
e por meio do Censo da Educação Superior, disponibilizadas no site do INEP.
16
solicitavam numeração crescente ou decrescente quanto à preferência sobre
algo; 2) questões que faziam referência a dimensões da educação superior
para além do ensino (por exemplo, à “extensão”); 3) questões que faziam
referência à organização da UFRJ e da Faculdade de Educação, e 4) questões
que faziam referência ao tipo de bolsa recebida, pois não sabiam informar
o “nome” da bolsa.
Após a realização do pré-teste, questões de numeração crescente ou
decrescente foram reformuladas. Também houve melhor organização de
questões por tema. Os alunos levaram, em média, 50 minutos para respon-
dê-lo. Alguns o consideraram “cansativo”. Os dados foram digitados no
SPSS,12 com a criação de 173 variáveis. Para as respostas das questões abertas
foram criadas categorias relacionadas às expectativas futuras sobre inserção
profissional e características associadas ao sucesso no mercado de trabalho.
As respostas também foram codificadas e digitadas em SPSS e, posterior-
mente analisadas juntamente ao restante do questionário. A partir do banco
de dados criado nesse software, foram gerados vários relatórios de cruza-
mentos de dados que permitiram ampla análise dos resultados do survey.
O questionário (aplicado com a colaboração voluntária de duas alunas
do próprio curso e de duas bolsistas de iniciação científica, devidamente
orientadas e treinadas pela equipe de pesquisadoras) versou sobre: 1) infor-
mações socioeconômicas e culturais do aluno (de sua família de origem
e de sua atual família, se fosse o caso); 2) trajetórias educacionais até che-
gar ao curso de pedagogia da UFRJ; 3) a escolha pela UFRJ e pelo curso de
pedagogia; 4) demandas materiais e culturais para a permanência no curso;
5) organização do tempo entre trabalho, estudos e tarefas domésticas; 6)
expectativas quanto ao acesso ao ensino superior e à inserção profissional, e
7) participação em atividades complementares (eventos científicos e cultu-
rais, iniciação científica, monitoria, extensão, entre outros programas aca-
dêmicos da universidade).
Ainda na tarefa de digitação, foi possível observar algumas evidências
interessantes: 1) alguns alunos cotistas não se identificaram como tal e tive-
ram que ser identificados por outros meios (colaboração da PR1/UFRJ); 2)
outros alunos não declararam receber bolsa social. Em um dos casos, o
aluno que acumulava bolsas só declarou a acadêmica; 3) houve baixo per-
centual de respostas à atividade principal do pai, da mãe e do/a esposo/a;
12 Statiscal Package for Social Sciences (IBM SPSS ou, simplesmente, SPSS) é um software de tipo
científico, utilizado para a sistematização e análise de dados quantitativos.
17
4) também observamos baixo percentual de resposta à questão “se estudava
na instituição que gostaria” (problema na formatação do questionário); 5)
em questões do tipo “marque até 3 opções”, os estudantes marcaram quan-
tas desejaram; 6) muitos declararam o “estágio” (curricular obrigatório do
curso de pedagogia) como uma situação de que “trabalha atualmente”.
Na Tabela 1, apresentamos o número de alunos ingressantes no curso
de pedagogia da UFRJ nos anos de 2011 e 2012, por período. Há duas moda-
lidades de ingresso: “vestibular” e “outras formas”. Os ingressantes por
“outras formas” foram aqueles matriculados pela primeira vez no período e
que tiveram acesso à instituição por meio de programas de “Transferência
Ex-Officio”, “Mudança de Curso”, “Transferência Externa”, “Transferência
Externa Especial”, “Isenção de Vestibular”, “Mobilidade Acadêmica”,
“Intercâmbio” e pelo “Convênio Parfor”. Como vimos, desde 2012 a UFRJ
abriu mão de seu concurso de acesso próprio, denominado “vestibular”,
e, de lá para cá, os ingressantes vêm obedecendo a resoluções distintas de
acesso à universidade, até ser implementada integralmente a lei 12.711/2012.
18
pode ter contribuído de forma significativa para o aumento da evasão foi a
ocorrência da greve de professores das universidades federais entre maio e
setembro de 2012.13
19
curso de pedagogia); beneficiários de bolsa social; beneficiários de bolsa
acadêmica (iniciação científica, extensão, monitoria e outras). Tentamos
entrevistar cada um dos perfis formados pela combinação desses critérios.
Conseguimos realizar 11 entrevistas, com duração de cerca de uma hora. A
maior dificuldade foi o aluno comparecer na data e local combinado.
No roteiro da entrevista, optamos pelo aprofundamento qualitativo de
questões que envolviam o sentido atribuído ao ensino superior; à escolha
do curso de pedagogia; ao acesso à UFRJ; à satisfação com o curso e com
a universidade; ao relacionamento institucional; a representações sobre o
próprio desempenho no curso; dificuldades para a permanência no curso
(várias, desde econômicas às “simbólicas”); a relação com o “trabalho aca-
dêmico” (leitura, escrita e apresentação oral) e expectativas de inserção
profissional. Também havia um grupo de perguntas apenas para cotistas,
outro para bolsistas acadêmicos e para beneficiários das bolsas sociais da
universidade e, finalmente, um conjunto de questões dirigidas somente a
alunos que não eram nem cotistas nem bolsistas.
20