Isabel Cristina Hentz
Isabel Cristina Hentz
Isabel Cristina Hentz
Resumo: Crispim Mira considerado por muitas pessoas como um dos maiores jornalistas
catarinenses. Sua morte precoce, provocada pelo atentado que sofreu na redao de seu jornal,
Folha Nova, chocou a populao e teve grande repercusso na imprensa catarinense e
brasileira. O objetivo deste artigo analisar a repercusso deste fato na imprensa e mostrar
como esse episdio foi utilizado na construo de um discurso em favor da liberdade de
imprensa. As fontes utilizadas so notcias sobre o atentado publicadas em diversos jornais,
transcritas e comentadas pelo jornal Folha Nova, do dia 18 de fevereiro, at o dia 10 de maro
de 1927.
Palavras-chave: Crispim Mira; Discurso; Liberdade de imprensa
Abstract: Crispim Mira is considered by many people one of the greatest journalists from
Santa Catarina. An attempt on his life made on the editorial room of his newspaper, Folha
Nova, caused his untimely death, which shocked the city people and was widely discussed in
Santa Catarinas and Brazils press. This paper aims to examine how Miras death was
reported in the press and show how it was used to praise the freedom of press. This papers
sources are news on the attempt from several newspapers, transcribed and commented by the
Folha Nova paper, from February 18th to March 10th, 1927.
Keywords: Crispim Mira; Discurse; Freedom of press
A histria real sobre a vida e a morte de Crispim Mira matria rica para
investigao dos jornalistas, anlise dos historiadores e pesquisa de tantos
quantos tm amor verdade.2
1
Manchete de capa do jornal Folha Nova do dia 7 de maro de 1927.
2
PEREIRA, Moacir. Imprensa e poder: a comunicao em Santa Catarina. Florianpolis: Lunardelli / FCC
Edies, 1992. p. 23.
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Isabel Cristina Hentz: A morte do jornalista mrtir 2
3
Nosso trabalho final da disciplina de TMH I, de 2006/1 foi sobre a reportagem do Folha Nova, do dia 18 de
fevereiro de 1927, que anunciava o atentado a Crispim Mira. HENTZ, Isabel Cristina; LUIZ, Kelly; TEIXEIRA,
Cristiane Garcia. Crispim Mira: O mrtir da liberdade de imprensa. Trabalho apresentado como requisito
parcial de avaliao para a disciplina de Teoria e Metodologia da Histria I, ministrada pela Profa. Dra. Joana
Maria Pedro, da 1 fase do curso de graduao em Histria, no semestre 2006/1.
4
As citaes foram transcritas conforme a grafia original, sendo reproduzidas a linguagem e as expresses
utilizadas na poca e sendo mantidos os erros de impresso dos jornais.
5
ATHANZIO, Enas. Jornalista por ideal: algumas consideraes sobre um catarinense esquecido: Crispim
Mira. Blumenau: Fundao Casa Dr. Blumenau, 1992. p. 9.
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encadernada a maior parte das edies deste peridico e que tem o mesmo ttulo do jornal, os
nmeros que tratam do atentado a Crispim Mira realmente no esto presentes. Esses
nmeros, no se pode dizer se na totalidade, mas pelo menos em sua maioria, esto em outra
encadernao: o livro Jornais Diversos, nmero 47. A dvida levantada por Enas Athanzio
vlida, embora difcil de ser respondida, pois de fato bastante curioso que justamente os
nmeros do Folha Nova que tratam do incidente, ao invs de serem encadernados com as
outras edies do jornal, se encontrem em um livro de jornais diversos, onde tambm se
encontram algumas edies de outros jornais catarinenses com notcias sobre o atentado.
6
Baseado na obra supracitada de Enas Athanzio e em uma pequena biografia de Crispim Mira, publicada no
jornal O Estado, no dia 05/03/1927, por ocasio de sua morte.
7
Notcia retirada do jornal O Pharol, de Itaja, e publicado no Folha Nova em 24/02/1927. p. 2.
8
Foram encontradas duas datas de nascimento: 14 de maio (ATHANZIO, 1992, p. 7) e 13 de setembro
(DOMINGOS, 2005).
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Sobre o atentado
Alguns dias antes do atentado, Crispim Mira vinha denunciando, sem citar nomes de
responsveis, irregularidades em uma repartio federal do Ministrio da Viao, a
Commisso de Melhoramentos do Porto, cujo diretor era Tito Lopes. No tive acesso direto
s notcias em que Mira acusava Lopes, mas a partir do que se pode ler nas notcias sobre o
atentado, publicadas em diversos jornais e transcritas pelo Folha Nova, pode-se perceber que
as denncias falam do mau uso do dinheiro pblico, demora na construo de obras pblicas e
uso do cargo pblico para benefcio prprio.
No dia 17 de fevereiro de 1927, Crispim Mira estava na redao de seu jornal, na rua
Tiradentes, junto com um filho pequeno e o redator, Petrarcha Callado, quando, por volta das
13 horas, foi surpreendido por um grupo de homens armados com revlveres e chicotes.
9
ATHANZIO, Op. Cit., p. 37.
10
PEREIRA, Op. Cit., 1992. p. 37.
11
Informaes baseadas no catlogo sobre o jornal Folha Nova. SCHLICHTING, Aida Melo. Catlogo analtico
descritivo dos jornais de Florianpolis, 1914-1930: o jornal como fonte histrica. V. 2. 1989a. Dissertao
(Mestrado em Histria). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis.
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Depois de momentos de luta corporal, os agressores dispararam dez tiros, sendo que um
atingiu o jornalista na boca. Petrarcha Callado, segundo relatos, tambm lutou, saiu ileso e
conseguiu disparar trs tiros de seu revlver, afugentando os invasores. Consta ainda que o
filho de Crispim Mira, presente na redao naquele dia, tambm foi atingido.12
importante destacar que dentre o grupo de homens que atacou Crispim Mira (Aecio
Lopes, Antonio Selva, Sebastio Coelho e Joo Pio Pereira), um deles, Aecio Lopes, era filho
de Tito Lopes, aquele que foi acusado por Crispim Mira. Este detalhe gerou muita revolta
entre os admiradores de Mira, como ser descrito mais adiante neste artigo.
Crispim Mira foi levado ao Hospital de Caridade, onde foram feitas diversas cirurgias
pelo Dr. Gottsmann para a retirada dos estilhaos de balas. Foi neste hospital que Mira ficou
internado at o momento de sua morte, no dia 5 de maro de 1927, s 4h e 40 min13.
Desde o dia do atentado at a morte do jornalista, e ainda por alguns dias depois, as
pginas do jornal Folha Nova noticiavam o incidente. Foram publicadas notcias sobre a
investigao do atentado, sobre o estado de sade de Mira, sobre as visitas ilustres ou no
recebidas no hospital, e ainda listas que ocupavam quase meia pgina de nomes de pessoas
que desejavam melhoras ao jornalista. Durante vrios dias, o Folha Nova, ento liderado por
Petrarcha Callado, centrou sua ateno no atentado. No sei dizer se a circulao do jornal
fundado por Crispim Mira era grande (acredito que sim, pelo que descrito em Schlichting,
1989a), mas, mesmo que no fosse, este peridico demandou notvel esforo para que o
atentado no fosse esquecido rapidamente pelo povo de Florianpolis.
12
Informaes baseadas em relato da edio do Folha Nova do dia 18 de fevereiro de 1927, um dia depois do
atentado.
13
Manchete de capa do jornal Folha Nova do dia 5 de maro de 1927.
14
ATHANZIO, Op. Cit., p. 9.
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(...) o dr. Tito Lopes, encheu-se de pudor, mandou terceiros desafiar o sr.
Crispim Mira para um duello, - esquecendo-se que os nossos costumes
repugnam o duello e que o Codigo Penal pune severamente os que
inflingem as leis. O duello a consequencia de um impeto de colera, de um
impulso de raiva, o desejo premeditado (...)15
Ao ser desafiado para um duelo, segundo consta nas notas analisadas, Crispim Mira
respondeu com a superioridade propria dos homens das lides de imprensa, que acceitaria o
desafio para um duello a penna16, ou seja, ofereceu o seu prprio jornal para servir de palco
(...) para o unico duello compatvel com a civilisao brasileira, - o da discusso pela
imprensa, e o do julgamento pelo tribunal recto e inflexivel da opinio publica.17
interessante destacar sobre essas citaes que elas se referem s profisses ligadas imprensa
como superiores e smbolos de civilidade.
Ainda sobre esse duelo, diversas notcias falam do desafio proposto por Tito Lopes
como a prova de que as denncias estavam corretas. Este argumento tambm utilizado por
15
Notcia retirada do jornal A Noticia, de Joinville, e publicado no Folha Nova em 24/02/1927. p. 2.
16
Notcia retirada do jornal O Diario da Tarde, de Curitiba, e publicada no Folha Nova em 25/02/1927. p. 2.
17
Notcia retirada do jornal O Dia, de Curitiba, e publicada no Folha Nova em 23/02/1927. p. 2.
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muitos jornais quando se referiam ao atentado em si, pois, segundo estes, se as acusaes
contra Tito Lopes fossem falsas, ele recorreria s leis contra as calnias da imprensa e no
teria tentado extinguir violentamente a fonte das denncias. Sobre isso, diz o jornal
Republica, de Florianpolis: Offensivos que sejam estes [os fatos denunciados], as nossas
leis comminam penalidades a respeito, e meio regular de se agir, seria, indubitavelmente, ou a
defeza impressa, ou o chamado responsabilidade, facilitado pela lei da imprensa.18, ou seja,
no havia justificativa para um duelo ou um atentado como o que ocorreu, j que havia meios
legais de punir os caluniadores da imprensa, se esse fosse o caso.
Outro tema presente nas notas analisadas uma certa martirizao de Crispim Mira.
Como comum acontecer depois de uma pessoa passar por uma situao em que corre risco
de vida, ainda mais se for uma pessoa pblica conhecida e admirada por muitos, foram
descritas as qualidades do jornalista como homem de bem e como profissional da imprensa
preocupado com a verdade. Provavelmente por conseqncia da brutalidade do atentado a
Mira, a imprensa criou sobre ele uma imagem de lutador, de algum que se sacrificou em prol
da verdade. Desse modo, Crispim Mira recebeu alcunhas gloriosas de diversos jornais como,
por exemplo, mrtir da liberdade de imprensa e jornalista-mrtir. A citao a seguir, do
jornal O Estado, exemplifica bem esta questo, ao falar do incidente como um sacrifcio
imolado:
A figura do jornalista que tombou irradia majestosa aos nossos olhos como
a imagem symbolica do sacrificio immolada pelo orgulho da sua profisso
ansiia ardente de cicatrizar, com o ferro em brasa da sua Penna causticante,
a pustula gragrenosa de uma repartio federal, que a consciencia lhe
dictava, erroneamente ou no, estar contanimando ruinosamente os cofres
pblicos, e, consequentemente, prejudicando os altos interessas nacionais.19
18
Notcia retirada do jornal Republica, de Florianpolis, e publicada no Folha Nova em 18/02/1927. p. 2.
19
Notcia retirada do jornal O Estado, de Florianpolis, e publicada no Folha Nova em 21/02/1927. p. 1.
20
Notcia retirada do jornal O Estado, de Florianpolis, e publicada no Folha Nova em 19/02/1927. p. 3.
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Ao invs disso, o que Tito Lopes fez para responder s denncias, como j foi dito, foi
desafiar Crispim Mira para um duelo. Nessas notas, os jornais argumentam que o desafio que
Tito Lopes fez a Mira e o fato de seu filho estar envolvido no atentado ao jornalista, se no
confirmaram as acusaes de Mira, pelo menos deixaram o diretor da repartio catarinense
do Ministrio da Viao em uma situao ainda mais delicada.
Algumas notas destacam o fato de Crispim Mira ser o nico que cumpria o papel de
provedor de sua famlia como um agravante do atentado, pois o ataque no s prejudicou a
vida do jornalista, mas poderia deixar uma famlia inteira sem algum que a sustentasse.
21
Notcia retirada do jornal O Estado, de Florianpolis, e publicada no Folha Nova em 21/02/1927. p. 1.
22
Notcia retirada do jornal O Pharol, de Itaja, e publicado no Folha Nova em 24/02/1927. p. 2.
23
Notcia retirada do jornal A Noticia, de Joinville, e publicada no Folha Nova em 24/02/1927. p. 2.
24
Notcia retirada do jornal O Estado, de Florianpolis, e publicada no Folha Nova em 19/02/1927. p. 3.
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Apesar de ser pouco citada nas notas analisadas, essa questo da figura do homem provedor
importante de ser destacada, j que este era um elemento crucial na construo do modelo
hegemnico de masculinidade presente em Desterro na segunda metade do sculo XIX25 e,
possivelmente, ainda fortemente presente na Florianpolis de 1927.
A famlia de Crispim Mira, apesar de ter perdido repentinamente seu homem
provedor, no ficou desamparada. Depois da morte do jornalista, quem assumiu a
responsabilidade de sustentar a famlia do jornalista foi o governo do Estado na figura do
ento governador Adolpho Konder, oferecendo emprego viva e matrcula em escolas
tradicionais da capital para os rfos. Essa atitude do jovem governador foi bastante elogiada,
como se pode perceber na citao a seguir, do jornal carioca A Vanguarda:
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uma viso positiva desse governante, ao menos no que diz respeito a suas atitudes em relao
ao ocorrido, j que s se encontram referncias positivas a ele, tanto de jornais catarinenses
quanto de outros estados.
28
Lei n 4.743 de 31 de Outubro de 1923. Regula a liberdade de imprensa e d outras providncias. In:
SCHLICHTING, Aida Melo. Catlogo analtico ..., op. cit., p. 1035.
29
O carter repressivo dessa lei apontado por Ibidem, p. 79 80.
30
Decreto n 4743 de 31 de outubro de 1923. Regula a liberdade de imprensa e d outras providncias. In:
SCHLICHTING, Aida Melo. Catlogo analtico ..., op. cit., p. 1035.
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O trecho acima citado explica a indignao da imprensa com a proposta de duelo feita
por Tito Lopes com o atentado ao jornalista, protagonizado pelo filho de Lopes. Este artigo
prev defesa queles que so vtimas de calnia na imprensa, obrigando ao jornal caluniador
publicar a defesa da vtima em suas prprias pginas. Dessa maneira, segundo essa lei e o
argumento da imprensa do perodo, no havia justificativa para a violncia efetuada por Tito
Lopes, pois, se ele realmente fosse vtima de falsas acusaes por Crispim Mira, havia aparato
legal para defend-lo, ainda mais que, nessa mesma lei, havia punio especfica, prevista no
artigo 22, para jornalistas que ofendessem autoridades pblicas.
Amparados pela Lei Gordo e pelo princpio da liberdade de imprensa, princpio este
consolidado no constitucionalismo moderno desde a Revoluo Francesa31, os jornalistas que
se manifestaram sobre o atentado a Crispim Mira nas notas analisadas aproveitaram este fato
para argumentar a favor da liberdade de imprensa. Talvez seja justamente esse tema da
liberdade de pensamento e de expresso da imprensa o mais importante de ser destacado das
notcias analisadas, principalmente porque est presente em praticamente todas elas.
O atentado a Crispim Mira no foi visto, por seus colegas de profisso, como uma
violncia destinada a apenas uma pessoas em particular; foi visto como uma violncia
liberdade de imprensa e, por isso, a todos os jornalistas brasileiros. O trecho a seguir, do
jornal O Diario da Tarde, de Curitiba, exemplifica essa questo, alm de desautorizar a
violncia cometida por Tito Lopes por haver meios legais de se defender de calnias da
imprensa:
31
PEREIRA, Moacir. Liberdade de imprensa e direito informao. In: _____. Imprensa: um compromisso
com a liberdade. Florianpolis: Lunardelli, 1979. p. 27.
32
Notcia retirada do jornal O Diario da Tarde, de Curitiba, e publicada no Folha Nova em 25/02/1927. p. 2.
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Em face de to vil ataque a um collega, nem mesmo aquelles que nas lidas
do jornalismo combatem em campo opposto, queremos crer, deixaro de
manifestar-se solidarios com o jornalista ferido, no s por um dever de
equidade, como tambem por esse attentado representa alguma coisa mais do
que uma questo pessoal; um crime barbaro commetido contra a liberdade
da imprensa.
De que nos serve, ento, essa famosa lei Gordo?
No tem ento o jornalista o direito de apontar irregularidades que se
relacionam administrao publica, quando de posse de documentos
comprobatorios?
No essa, mesmo, uma das finalidades da imprensa?
Ou, ento, no ha meios legaes a que possa []anca mos aquelle que se
julgar injustamente [malsinado] pelo jornalista mentiroso?33
A partir do que foi analisado nas notas de diversos jornais sobre o atentado, transcritas
no Folha Nova, pode-se dizer, ento, que nessas notcias sobre o atentado ao jornalista
catarinense Crispim Mira, os jornalistas construram um discurso pr-imprensa. Dizendo de
outra maneira, foi feita uma apologia da liberdade de imprensa, sendo utilizada a repercusso
de um fato atpico e chocante para a afirmao da profisso jornalstica e para ressaltar a
importncia da liberdade de expresso da imprensa.
33
Notcia retirada do jornal A Cidade, de Laguna, e publicada no Folha Nova em 23/02/1927. p. 2.
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Os temas nessa nota, presentes tambm em notas de outros jornais, como foi visto
neste artigo, so: a questo de no ser um atentado a uma pessoa individualmente, mas a toda
a imprensa e a sua liberdade de expresso; a idia que de havia meios legais de se contrapor a
uma falsa acusao, de modo que no era necessrio o uso da violncia; a idia de que o
ataque ao jornalista por parte de Tito Lopes foi uma forma de comprovar as acusaes feitas
pelo jornalista; e a irracionalidade e o barbarismo do ataque ao jornalista, identificado pela
imprensa como prprio de pessoas incivilizadas.
Pela anlise das notas transcritas no Folha Nova, se pode perceber que o argumento
utilizado pela imprensa para condenar a atitude de Tito Lopes foi que por piores (e at
mentirosas) que fossem as acusaes publicadas por Crispim Mira em seu jornal, nada
justificaria o atentado, j que havia meios legais para a defesa dos atingidos por calnias e
para punir a imprensa que mentia. exatamente nesses termos que o jornal O Dia, de
Curitiba, discorre: A verdade que, quaesquer que ellas [acusaes a Tito Lopes] fosse por
mais violentas, existe remedio e amparo nas leis brasileiras, para os offendidos.35 Outro
jornal que utiliza a mesma idia o Republica, de Florianpolis: Offensivos que sejam estes,
as nossas leis comminam penalidades a respeito, e meio regular de se agir, seria,
indubitavelmente, ou a defeza impressa, ou o chamado responsabilidade, facilitado pela lei
da imprensa.36.
O atentado foi utilizado pelos jornalistas para servir de mote para a discusso de
questes presentes da Lei Gordo, de 1923. Foi um momento em que a imprensa aproveitou,
tambm, para repensar e reafirmar seu papel na sociedade de defensora e propagadora da
verdade.
A repercusso do atentado foi grande, mas ela no aconteceu da mesma maneira em
todos os lugares. O modo como o atentado repercutiu nos jornais de Santa Catarina foi
diferente daquele nos jornais de outros estados. Parece que os jornais catarinenses eram mais
cautelosos e receosos em considerarem as acusaes de Mira como verdadeiras. Um caso o
do jornal O Estado, de Florianpolis, que, na edio de 21 de fevereiro de 1927, em uma
notcia sobre o atentado, diz que at o julgamento do processo judicial no faria mais
referncia aos acusados pelo atentado. J em relao aos jornais de outros estados, a
34
Notcia retirada do jornal A Vanguarda, do Rio de Janeiro, e publicada no Folha Nova em 21/02/1927. p. 2.
35
Notcia retirada do jornal O Dia, de Curitiba, e publicada no Folha Nova em 23/02/1927. p. 2.
36
Notcia retirada do jornal Republica, de Florianpolis, e publicada no Folha Nova em 18/02/1927. p. 2.
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impresso que se tem que estes assumiram e reproduziram o discurso do Folha Nova,
principalmente em relao s denncias feitas nas pginas do jornal fundado por Mira.
Talvez, o que tenha acontecido, que os jornais de Santa Catarina estivessem mais cientes da
situao, e por isso no foram to contundentes em defender ou acusar Tito Lopes, no que se
refere administrao da Commisso de Melhoramentos do Porto da Capital. Outra
possibilidade que os jornais catarinenses mantivessem vnculos poltico-partidrios com o
grupo poltico de Tito Lopes (a relao entre imprensa e partidos polticos era bastante
comum nesse perodo em Santa Catarina) e, por isso, devessem ter mais cuidado com a forma
que falavam de Lopes.
O julgamento dos acusados pelo atentado que levou Crispim Mira morte ocorreu em
28 de setembro de 1927, na comarca de So Jos.37 Os acusados foram absolvidos, levando a
uma onda de novos, embora muito mais tmidos, protestos da imprensa, principalmente do
jornal Folha Nova. Segundo diversos autores, dentre eles Enas Athanzio, o processo foi
extraviado.
Para finalizar este artigo, far-se- citao a trechos de uma ltima notcia, publicada no
jornal Folha Nova, no dia 24 de fevereiro de 1927. Esta notcia, intitulada Atravessando as
fronteiras / o protesto unanime do povo brasileiro echa na Argentina / E os nomes dos
covardes so pronunciados com repugnancia e asco por milhares de pessoas / La Nacion, de
Buenos Aires, protesta contra a selvageria, a transcrio de um telegrama, enviado do Rio
de Janeiro, que fala sobre a publicao no jornal argentino La Nacion, de uma notcia, de
autoria Juan Suarez, sobre o atentado a Crispim Mira:
37
HENTZ; LUIZ; TEIXEIRA, Op. Cit. p. 7.
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Esta ltima citao mostra como foi extensa a repercusso do atentado ao jornalista
catarinense, chegando a ser noticiada na Argentina. Alm de mostrar a popularidade de
Crispim Mira e sua reputao internacional, sugere que a imprensa argentina tambm estava
preocupada com questes relacionadas liberdade de imprensa. Por ltimo, vale destacar
desta nota, a pretensa solidariedade internacional dos jornalistas, baseada em supostos
princpios universais, que seria o elo de todos os jornalistas, independente de suas
nacionalidades.
Fontes
Arquivo: Biblioteca Pblica do Estado de Santa Catarina
38
Telegrama enviado do Rio de Janeiro, com trechos de uma notcia publicada no jornal La Nacion, de Buenos
Aires, transcrito no Folha Nova, em 24/02/1927.
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Referncias Bibliogrficas
HENTZ, Isabel Cristina; LUIZ, Kelly; TEIXEIRA, Cristiane Garcia. Crispim Mira: O mrtir
da liberdade de imprensa. Trabalho apresentado como requisito parcial de avaliao para a
disciplina de Teoria e Metodologia da Histria I, ministrada pela Profa. Dra. Joana Maria
Pedro, da 1 fase do curso de graduao em Histria, no semestre 2006/1.
_____. O direito informao na nova Lei de Imprensa. So Paulo: Global, 1993. p. 79 80.
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Anexos
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