TOLENTINO, Bruno. Poemas PDF
TOLENTINO, Bruno. Poemas PDF
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Bruno Lcio de Carvalho Tolentino (Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1940 So Paulo, 27 de
junho de 2007) foi um poeta brasileiro.
Nascido numa tradicional e rica famlia carioca, conviveu desde criana com intelectuais e
escritores, entre eles Ceclia Meireles, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Joo
Cabral de Melo Neto. Primo do crtico literrio brasileiro Antonio Candido e da crtica teatral
Brbara Heliodora, seu av foi conselheiro do Imprio e fundador da Caixa Econmica Federal.
Nesse ambiente familiar, foi instrudo em ingls e francs ao mesmo tempo de sua alfabetizao
no portugus.
Publica em 1963 seu primeiro livro, "Anulao e outros reparos". Com o advento do golpe militar de
1964, muda-se para a Europa a convite do poeta Giuseppe Ungaretti, onde viver 30 anos, tendo
residido na Itlia, Blgica, Inglaterra e Frana. Foi professor de literatura nas universidades de
Oxford, Essex e Bristol e tradutor-intrprete junto Comunidade Econmica Europia. Publica em
1971, em lngua francesa, o livro "Le vrai le vain" e, em 1979, em lngua inglesa, "About the Hunt",
ambos bem recebidos pela crtica literria europia. Sucedeu o poeta e amigo W. H. Auden na
direo da revista literria Oxford Poetry Now.
Em 1987, sob a acusao de porte de drogas, condenado a 11 anos de priso. Cumpriu apenas
pouco mais de um ano da pena, em Dartmoor, no Reino Unido. "Adorei e procurei tirar o mximo
de proveito", foi o que Bruno declarou sobre a experincia, numa entrevista em agosto de 2006.
Aos companheiros de priso, organizou aulas de alfabetizao e de literatura, estas ltimas
nomeadas de "Seminars of Drama and Literature", que, conforme posteriormente relatado por
Bruno, "em cujas sesses avanadas chegaram a comparecer psicanalistas de renome, ao lado de
personalidades do mundo das Letras tais como Harold Carpenter, o estudioso e bigrafo de Pound
e Auden, o dramaturgo Harold Pinter, ou Lady Antonia Fraser".
Tolentino retorna ao Brasil em 1993, publicando, no ano seguinte, o livro "As horas de Katharina",
escrito durante o perodo de 22 anos (1971-1993), ganhando com ele o Prmio Jabuti de melhor
livro de poesia. Em 1995, publica "Os Sapos de Ontem", uma coletnea de textos, artigos e
poemas originados de uma polmica intelectual com os irmos Haroldo de Campos e Augusto de
Campos, que nesse livro sero os principais alvos de sua "lngua ferina entortada pelo vcio da
ironia", frase que Bruno usou durante uma entrevista em que lhe foi pedido "um perfil abrangente
de si mesmo". Ainda em 1995 publica "Os Deuses de Hoje", e, em 1996, "A balada do crcere",
livro nascido da experincia de sua priso pouco menos de dez anos antes. Ainda nesse ano, foi
publicada uma polmica entrevista com Bruno para a Revista Veja[4], onde o poeta critica, entre
outras coisas, a atual situao intelectual do Brasil, o Concretismo, a concepo e aceitao da
letra de msica enquanto poesia e a elevao de msicos populares posio do intelectual.
Bruno ir publicar em 2002 e 2006, respectivamente, os livros que considerou como a culminao
de sua obra potica: "O mundo como Idia", escrito durante 40 anos (1959-1999), e "A imitao do
amanhecer", escrito durante 25 anos (1979-2004). Ambos lhe renderam o Prmio Jabuti, prmio j
alcanado em 1993 com "As horas de Katharina", tornando-o assim o nico escritor a ganhar trs
edies do prmio. Bruno tambm recebeu, por "O mundo como Idia", o Prmio Senador Jos
Ermrio de Morais, prmio nunca antes dado a um escritor, em sesso da Academia Brasileira de
Letras, com saudao proferida pelo acadmico, filsofo, poeta e terico do Direito Miguel Reale,
seu amigo.
Tolentino, que tinha Aids e j havia superado um cncer, esteve internado durante um ms na
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Emlio Ribas, em So Paulo, onde veio a falecer,
aos 66 anos de idade, vitimado por uma falncia mltipla de rgos, em 27 de junho de 2007.
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Quando em 1993 Bruno Tolentino retornou de um exlio voluntrio de quase trinta anos na
Inglaterra, sua obra potica em trs lnguas -- estava completa. S faltava dar-lhe uns ltimos
retoques, organiz-la em volumes e public-la. Vitorioso, seguro de si, reconhecido como igual
pelos maiores -- W. H. Auden e Saint-John Perse entre outros --, o poeta j nada mais tinha a
exigir da vida, ao menos para si mesmo. Voltei para ensinar, dizia. Era o que o Brasil mais
precisava: algum que o sacudisse de um torpor literrio de trs dcadas, que lhe devolvesse o
amor grande arte da palavra, base de toda vida civilizada.
-- Voc vai ser o nosso Matthew Arnold, profetizei, pensando em Culture and Anarchy (1869),
The Study of Poetry (1880) e outros ensaios nos quais tomara corpo, mais perfeitamente ainda
do que nas obras e atitudes do Doutor Samuel Johnson, a figura bem anglo-saxnica do crtico
literrio como educador de um povo.
Na poca eu estava terminando de expor em classe a minha Teoria dos Quatro Discursos, na
qual a Potica e a Retrica eram recolocadas no centro mesmo da filosofia aristotlica (portanto
de toda a cultura ocidental). Uma de suas concluses era a necessidade absoluta de comear toda
educao -- cientfica inclusive -- pelo aprendizado da poesia. O senso do smbolo, da unio
mgica de som e sentido, era o princpio e fonte do conhecimento, e ele s se realizava na poesia
na arte literria em sentido pleno. E era claro que eu no pensava s na educao escolar, mas
na educao do pblico em geral (do cidado, como ento eu ousava dizer, usando um termo
ainda no banalizado e prostitudo pelos programas partidrios). O meio para isso no eram
propriamente as escolas, mas a influncia direta do educador atravs dos jornais, da TV, do rdio,
de grupos de encontro, etc. S um grande poeta que fosse ao mesmo tempo um show man
poderia salvar o Brasil de afundar para sempre no poo da inpcia literria.
S que a vinha a pergunta: Cad o poeta? Nossos melhores escritores estavam octogenrios,
pendurados em bales de oxignio. A gerao seguinte, intoxicada de mitologia poltica to ftil
quanto vaidosa para no mencionar a cocana desconstrucionista --, perdera at mesmo o
sentido elementar da qualidade literria. A vida que poderia ser levava todo o jeito de que no seria
jamais.
De repente, o anjo, sob a forma de uma mulher majestosamente bonita Ktia Medeiros ,
irrompeu na minha sala de aula trazendo pela mo a soluo do problema.
O homem falava pelos cotovelos, mas tambm ouvia com ateno e, por instinto, sabia que
estava ali para fazer o que era preciso fazer. Voltei para ensinar foi a frase mais reconfortante
que ouvi naquele ano de 1993.
No sei quantas noites varamos analisando a situao, esboando planos, recenseando meios e
obstculos, preparando a edio dos seus Sapos de Ontem o primeiro tiro da longa batalha que
espervamos travar e rindo at passar mal s de imaginar a carantonha dos Campos, das
Chaus, dos Gianottis, dos Verssimos, da alta hierarquia inteira da mediocridade nacional, quando
vissem, pela primeira vez em suas pomposas vidas, algum que no os levava nem um pouco a
srio exceto como problemas de sade pblica.
Quando reagiram como reagiram -- com um manifesto de intelectuais, tentando suprir pelo
nmero de assinaturas a falta absoluta de respostas inteligentes --, olhamos um para o outro,
contendo o riso, e conclumos em unssono: Pediram penico.
Nos meses seguintes, voltamos carga, limpando o terreno, furando bales, cortando cabeas,
fazendo um estrago dos diabos. Quando nossos adversrios finalmente se calaram, achamos que
ento haveria espao para o nosso projeto de reeducao literria nacional.
Mas no contvamos com a malcia organizada. Vendo que no poderiam derrotar o poeta,
resolveram assimil-lo, digeri-lo, dilu-lo e neutraliz-lo. Nos anos que se seguiram, cumularam-no
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de prmios, de homenagens, de agrados, de festinhas, de prazeres, tudo sempre entremeado,
claro, de sussurros venenosos --, ao mesmo tempo que lhe sonegavam todos os meios de ao.
Ao homem que deveria no mnimo dirigir um suplemento cultural, uma revista, uma instituio de
ensino, no se deu sequer uma miservel coluna de jornal. Estendiam-lhe um trofu, um
dinheirinho (sabiam que ele precisava), davam-lhe um tapinha nas costas, e o mandavam ir para
casa escrever poesia. Mas ele no tinha mais poesia para escrever. Tinha uma misso a cumprir,
que foi ficando cada vez mais longe, mais longe, at desaparecer no horizonte. J cansado e
doente, ainda tinha a bravura de marcar posio, quando o deixavam falar aqui ou ali, numa
entrevista, numa palestra, numa roda de amigos. Mas sua voz nunca mais teve a presena, o
volume, a autoridade pblica dos primeiros momentos. O professor sem ctedra, o tribuno sem
tribuna, o lutador sem ringue, o soldado sem armas, no morreu em batalha. Morreu de tanto
esperar a chance de lutar. Sua vida no foi perdida, claro. Sua obra potica atravessar os
sculos. Ela a mais esplndida das vitrias, um testemunho vivo da soberania do esprito. No fim
das contas, Bruno Tolentino no perdeu nada. Foi o Brasil que o perdeu e, com ele, se perdeu
novamente a si mesmo.
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Por que escrevo (excerto)
Bruno Tolentino
(Fragmento do encarte do CD
O escritor por ele mesmo, Rio de Janeiro,
Instituto Moreira Salles, 2001)
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O ESPECTRO
Bruno Tolentino
(A Ivan Junqueira)
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seguindo a lgica ao seu belo fecho:
afinal, se a equao mais arbitrria
conseguiria amarrar a terra a um eixo,
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mas nele havia o ar dessas mentiras
que dizem a verdade: confrontou-me
e num rpido olhar deixou-me em tiras
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de lio em lio mesma treva.
tudo sempre a treva tumultuosa,
no por causa da carne, que se eleva
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para a altura cantando, e com certeza
essa cano no extremo transfigura
a coisa moritura e a alma surpresa
O ESPRITO DA LETRA
Bruno Tolentino
O ANJO ANUNCIADOR
Bruno Tolentino
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reter, ainda que leve,
desfez-se ao toque, assim como uma vez
tocado o sopro se desfaz a avara,
a dura contrao do peito ansiado...
Mas a haste, o jasmim despetalado,
tudo o que ainda resta
dos canteiros do cu aqui na terra,
que um seco vento cresta
e uma longa agonia dilacera.
No entanto a morte h de morrer se tu quiseres,
gota concebida
bendita entre as mulheres
para que houvesse vida
outra vez, e nascesse desse fundo
obscuro do mundo,
o ninho incompreensvel do teu ventre.
Em tumulto reunidas,
as cores da perdida Primavera
vo retornar, viro
numa enchente de asas, aluvio,
prpura, sempre-viva, nascitura
estranheza do amor da criatura,
constelao descendo ao rosto teu:
Ele, O que rene o corao
e o grande anel da esfera,
o fogo, a lngua ardendo, o incndio vivo,
a coluna de luz, o capitel que se perdeu...
Que eu
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do Infinito, o Seu vulto
e os tumultos da luz na travessia
entre a ddiva, a perda e a renncia:
quando de um certo dia
cheio de luz amarga
ptala intocada,
hs de sofrer
intensa madrugada
e num lago de luz como afogada
hs de durar suspensa
entre a graa imortal e a dor imensa.
Canta a alucinao,
o toque enfim possvel dessa mo
que h de colher para perder e ter
o infinito que nasce do deserto
e a semente que morre se socorre
tudo o que no estertor tentava ser.
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como o imenso te ampara,
voz to clara
que consolas e elevas,
vem, desperta,
matriz da eternidade e d'O sem-fim,
me de Deus, canta e roga por mim
Os falces
Bruno Tolentino
A opinio de Sileno
Bruno Tolentino
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de algum modo de uni-los, dar-lhes forma
e no raro to perto
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Mas por que me interrogas
tecer no ar e inevitavelmente
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da pomba vesperal lua cheia;
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dava enfim estatutos de nobreza;
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e imagin-la em Tua eternidade
di demais! Vou passar mais este teste,
sim, mas protesto contra a insanidade
as genuflexes.... Os potentados
e os humildes, a nata da esperana,
todos chegam por c meio esfolados,
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Dominus dixit... Mas quem merecia
mais do que uma aucena matinal
um manso desfolhar-se ao fim do dia,
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pegas no colo e entregas a Jesus;
Tu que fazes jorrar da rocha fria;
Tu que metaforizas Tua luz
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de defender-me como um parapeito
contra a queda e a revolta... Um Botticelli
despedaou-se todo, mas que jeito,
Os deuses de hoje
Bruno Tolentino
Nihil obstat
II
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Deus, que concebe o cntaro e o separa
da argila lentamente, foi fazendo
do meu aprendizado o Seu compndio
(1995)
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