Segunda Semana - Muito Antes Do SPHAN A Política de Patrimônio Histórico No Brasil PDF
Segunda Semana - Muito Antes Do SPHAN A Política de Patrimônio Histórico No Brasil PDF
Segunda Semana - Muito Antes Do SPHAN A Política de Patrimônio Histórico No Brasil PDF
(1838-1937).
Resumo: Pretendemos com este breve ensaio mostrar que a gnese da construo da
memria no Pas se deu a partir da formao do estado nacional, mais precisamente com a
criao de duas instituies culturais- o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB)
e o Arquivo Nacional, ambas de 1838. Costuma-se atribuir ao Servio do Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional (SPHAN), criado em 1937 durante a Era Vargas na gesto
do Ministro Capanema, o papel pioneiro na implementao da poltica patrimonial.
Esquece-se, entretanto, a atuao do Poder Pblico dos estados e do Poder Legislativo
federal na elaborao de leis tendentes preservao de nosso acervo cultural nas primeiras
dcadas da Repblica.
Palavras-Chave: Poltica Cultural- Patrimnio Histrico- Memria e Identidade Nacional.
guisa de introduo
1
Professor do Departamento de Histria da Universidade Federal do Cear (1992-1994). Mestre em Direito
Pblico pela Faculdade de Direito da UFC. Doutor em Histria da Educao pela Universidade de So Paulo
(USP). Atualmente, Consultor Legislativo da rea de educao e cultura da Cmara dos Deputados, onde
tem se especializado no assessoramento tcnico s questes de poltica cultural. E-mail: groof@uol.com.br
2
2
HARDMAN, Francisco F. Antigos Modernistas. In: NOVAES, Adauto (org.). Tempo e Histria. So
Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 290.
3
O primeiro concurso proposto pelo IHGB consistia em apresentar um projeto de Histria do Brasil Como
se deve escrever a Histria do Brasil. O vencedor foi o naturalista alemo Karl Friedrich Philipp Von
Martius. A partir deste trabalho, o tema da miscigenao racial passa a ser bastante recorrente no pensamento
social brasileiro.
3
a outras naes do mundo - algo que permeia o pensamento social brasileiro, desde do
sculo XIX at os dias de hoje, e tem sido objeto de anlises e debates, sobretudo de
antroplogos, historiadores e demais cientistas sociais.
H momentos de nossa Histria em que esta discusso acerca da nacionalidade foi
bastante acentuada e ocupou a ateno de intelectuais e do prprio governo numa tentativa
de se forjar uma determinada viso do Pas para os brasileiros e o restante do mundo. Alis,
o tema da identidade nacional tem sido bastante recorrente na produo das Cincias
Sociais em nosso pas, mudando-se apenas as categorias analticas em que essa temtica
abordada.
Assim, na segunda metade do sculo XIX, em meio s teorias raciais que grassavam
na Europa, o Brasil era visto como um grande laboratrio, despertando, sobretudo, o
interesse de naturalistas estrangeiros que viam na miscigenao racial e na riqueza de nossa
fauna e flora, elementos para a confirmao ou negao de suas teses cientficas 4.
Essa discusso ser tambm realizada pela inteligncia nacional. Toda a gerao
de intelectuais, jornalistas e pensadores brasileiros que viu nascer a Repblica esforou-
se por forjar um conhecimento sobre o Brasil em todas as suas peculiaridades, pois
aquele momento, que se seguiu ao advento da Repblica, parecia uma rara, e talvez
nica, oportunidade histrica de o pas se pr no nvel do sculo, integrando-se de uma
forma definida no mundo ocidental. 5
Em pleno sculo XIX, logo aps nossa emancipao poltica, vo ser criadas
instituies educacionais e cientficas no pas, cujo objetivo primordial era formar os
quadros da burocracia estatal, mas que, ao abrigar parte influente da inteligncia nacional,
serviu para definir o que era o nacional. Assim, tivemos os Institutos Histricos, os
Museus Etnogrficos, as Faculdades de Medicina, as Escolas Politcnicas e,
principalmente, as Faculdades de Direito, que iro fornecer os quadros da elite burocrtica
do Imprio e dos primeiros anos da Repblica 6.
4
Ver NAXARA, Mrcia Regina Capelari. O Brasil no inventrio do mundo: literatura de viagens In:
Cientificismo e Sensibilidade Romntica: em busca de um sentido explicativo para o Brasil no sculo
XIX. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 2004.
5
SALIBA, Elias Thom. A Dimenso Cmica da Vida Privada na Repblica In: SEVCENKO, Nicolau
(org.). Histria da Vida Privada no Brasil. Repblica: da Belle poque Era do Rdio. So Paulo: Cia.
das Letras, 1998, p. 296.
6
SCHWARCZ, Llia M. O Espetculo das Raas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil (1870-
1930). So Paulo: Companhia das Letras, 1993.
4
7
SCHWARCZ, Llia M. Os guardies de nossa histria oficial. So Paulo: IDESP, 1989, p. 04.
8
GUIMARES, Manoel L. S. Nao e Civilizao nos Trpicos: o Instituto Histrico e Geogrfico
Brasileiro In: Estudos Histricos, v. 1, n 1, 1988, p. 17.
9
RODRIGUES, Jos Honrio. A Evoluo da pesquisa Pblica Histrica Brasileira In: A pesquisa
Histrica no Brasil. 4 ed., So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982, p. 51.
6
10
ABREU, Regina. A Fabricao do Imortal: memria, histria e estratgias de consagrao no Brasil.
Rio de Janeiro: Rocco, 1996, p. 180.
11
Conforme HOBSBAWN, Eric e RANGER, Terence. A Inveno das Tradies. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1984.
12
Conforme NORA, Pierre. "Entre Memria e Histria: a problemtica dos lugares" In: Projeto Histria:
Revista do Programa de Ps-Graduao em Histria da PUC-SP. So Paulo, n 10, dez. 1993, p. 13. Para este
historiador francs, Os lugares de memria nascem e vivem do sentimento que no h memria
espontnea, que preciso criar arquivos, que preciso manter aniversrios, organizar celebraes,
pronunciar elogios fnebres, notariar atas, por que essas operaes no so naturais.(...) Os lugares de
memria so, antes de tudo, restos."
7
Williams, ao analisar a poltica cultural do Governo Vargas:, afirma que: "Since its
foundation, the IHGB has been an enlightened academic institution which tried to
represent the history of white, European civilization living in a tropical setting. Nation-
building through the creation and shaping of a national historical memory was at the
core of the IHGB's mission."13
A concepo tradicional, j consolidada no meio acadmico, a de que a poltica de
preservao do patrimnio histrico em nosso pas nasce com a criao do antigo SPHAN
(hoje IPHAN), herdeiro da tradio modernista dos anos 20. Veremos, pois, que alm do
pioneiro IHGB, outras instncias da sociedade e do Poder Pblico em alguns estados j se
preocupavam com a preservao dos bens culturais no Pas.
13
WILLIAMS, Daryle. Ad perpetuam rei memoriam: The Vargas Regime and Brazils National Historical
Patrimony, 1930-1945 In: Luso-Brazilian Rewiew, volume 31, number 2, winter 1994, p. 47.
8
14
Sobre a construo de monumentos cvicos e comemorativos, consultar nosso trabalho ORI, Ricardo. O
Cear de pedra e bronze: os monumentos histricos em praa pblica In: CHAVES, Gilmar (org.). Cear
de Corpo e Alma: um olhar contemporneo de 53 autores sobre a Terra da Luz. Rio de Janeiro: Relume
Dumar, 2002. J as comemoraes do Centenrio da Independncia foram analisadas por SANDES, No
Freire. A Inveno da Nao: entre a Monarquia e a Repblica. Goinia: Editora UFG, 2000.
15
A construo de Tiradentes como heri nacional analisada por CARVALHO, Jos Murilo de.
Tiradentes: um heri para a Repblica In: Formao das Almas: o imaginrio da Repblica no Brasil.
So Paulo: Companhia das Letras, 1990.
10
16
MAGALHES, Aline Montenegro. A curta trajetria de uma poltica de preservao: a Inspetoria dos
Monumentos Nacionais In: Anais do Museu Histrico Nacional. vol. 36, 2004.
11
aquela sua disposio de servir, queria apenas duas semanas para o trabalho. Decorrido
o prazo, eis Mrio de Andrade no Rio de Janeiro, trazendo o projeto." 17
18
Ao tomar essa iniciativa, o Ministro Gustavo Capanema afirmava a posio do
Estado enquanto agente promotor da cultura e legitimava a competncia da "intelligentsia"
nacional, oriunda sobretudo do movimento modernista, junto ao Estado, para a criao de
novos campos simblicos para a construo da identidade da nao.
O texto por Mrio sugerido, bastante avanado para a poca, pois incorporava ao
conceito de patrimnio artstico as manifestaes populares e os bens culturais imateriais,
sofreu injunes polticas no Ministrio da Educao e somente parte dele aproveitado
posteriormente na edio do Decreto-Lei n 25/37, j no contexto ditatorial do Estado
Novo (1937-1945).
O Decreto-Lei n 25, assinado por Getlio Vargas em 30 de novembro de 1937,
viria organizar o trabalho do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
(SPHAN), que, integrando a estrutura burocrtica do Ministrio da Educao e Sade,
funcionava a ttulo experimental desde janeiro daquele ano. Esse diploma legal criava,
tambm, a figura jurdica do tombamento como instrumento tutelar de preservao aos bens
culturais. Estava, portanto, institucionalizada a poltica federal de proteo ao Patrimnio
Histrico nacional.
Com o SPHAN, estava criado um novo campo de representaes simblicas na
construo da identidade do estado-nao representado pelo "Patrimnio Histrico e
Artstico Nacional".
Consideraes finais
17
CAPANEMA, Gustavo. Rodrigo, espelho de critrio In: A Lio de Rodrigo. Recife: Amigos do
DPHAN, 1969, p. 41.
18
Sobre a atuao de Capanema frente do Ministrio da Educao e Sade, e sua influncia na
implementao de uma poltica educacional e cultural durante o Regime Vargas, consultar os trabalhos
SCHWARTZMAN, Simon et al. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra: So Paulo: EDUSP,
12
1984 e GOMES, ngela de Castro (org.). Capanema: o ministro e seu ministrio. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2000.
13
forjar uma memria nacional nica para o Pas, excluindo as diferenas e a riqueza de nossa
pluralidade cultural, evidenciada atravs de outras matrizes tnicas que contriburam na
formao do nacional.
Em sntese, podemos afirmar que, no Brasil, a preservao do Patrimnio Histrico
nasceu sob a gide estatal, ou seja, em ltima instncia, foi quase sempre o Poder Pblico
quem determinou o que deveria ou no ser preservado, o que deveria ser lembrado ou
esquecido. Construiu-se uma memria nacional oficial, excludente e celebrativa dos feitos
dos heris nacionais. Privilegiou-se o barroco como cone da identidade nacional e
excluiram-se outros estilos estticos, como o neo-clssico, o art-nouveau, e o ecletismo.
Elegeram-se determinados bens como representativos da memria nacional em detrimento
de outros, que pudessem mostrar a diversidade cultural do Pas.
Referncias Bibliogrficas:
CARVALHO, Jos Murilo de. Tiradentes: um heri para a Repblica In: Formao
das Almas: o imaginrio da Repblica no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras,
1990.
NORA, Pierre. "Entre Memria e Histria: a problemtica dos lugares". In: Projeto
Histria: Revista do Programa de Ps-Graduao em Histria da PUC-SP. So Paulo,
n 10, dez. 1993.
WILLIAMS, Daryle. Ad perpetuam rei memoriam: The Vargas Regime and Brazils
National Historical Patrimony, 1930-1945 In: Luso-Brazilian Rewiew, volume 31,
number 2, winter 1994.