As Contradições Da Sociedade Punitiva - o Caso Britânico - David Galland
As Contradições Da Sociedade Punitiva - o Caso Britânico - David Galland
As Contradições Da Sociedade Punitiva - o Caso Britânico - David Galland
1999
David Garland
AS CONTRADIES DA SOCIEDADE PUNITIVA: O CASO BRITNICO
Revista de Sociologia e Poltica, novembro, nmero 013
Universidade Federal do Paran
Curitiba, Brasil
pp. 59-80
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 13: 59-80 NOV. 1999
David Garland
New York University
RESUMO
O autor procura mostrar, examinando o caso britnico, como as polticas penais atuais so dilaceradas por
duas tendncias contraditrias: de um lado, a percepo da necessidade de enfrentar a criminalidade como
um aspecto constitutivo e inexpurgvel da vida social contempornea, o que resulta numa criminologia
do eu, do criminoso como agente racional nossa imagem e semelhana, e aponta para uma administra-
o desse fato social normal; e, de outro, a negao histrica dessa realidade, o que resulta numa
criminologia do outro, do criminoso como monstro, e que aponta para um recuo a estratgias de combate
ao crime mais primitivas e de eficcia meramente simblica.
PALAVRAS-CHAVE: sistema penitencirio; punio; criminalidade; penalogia.
para delinqentes reincidentes (alguns delitos, se , outros viram nela o surgimento de uma nova
repetidos uma nica vez, podendo levar priso poltica da crueldade sustentada pelo Primeiro-
perptua), que permitam limitar e eventualmente Ministro, John Major, para apaziguar a ala direita
suprimir as libertaes antecipadas, e anunciar em do Partido Conservador. Comentadores como
alto e bom tom que a priso funciona. Uma tal John Gray ou Will Hutton interpretaram essa nova
declarao nutre-se da inteno de punir e de tor- poltica punitiva como a inevitvel reao de socie-
nar incuos os delinqentes, ao invs de corrigi- dades e, aqui, os Estados Unidos representam
los. o caso certamente mais exemplar em que a ta-
xa de criminalidade muito alta, as divises soci-
Talvez o exemplo mais extremo que ilustre essa
ais tendem a agravar-se, a insegurana pessoal e
poltica seja aquele programa de televiso onde
econmica crescente e as solues sociais exis-
pudemos assistir, em 1996, s tomadas de uma
tentes caram em descrdito. Nesse contexto, a
filmagem feita numa sala de partos, mostrando
compaixo para com os delinqentes cada vez
uma presa imobilizada por algemas e uma corren-
mais suplantada por uma preocupao mais ex-
te atando-a sua guarda enquanto dava luz o
clusiva com as vtimas, e os polticos de todos os
seu filho. Essa imagem de crueldade penal cho-
partidos vem-se encorajados a tomar medidas
cou inmeros espectadores, os comentadores cr-
firmes, no desprovidas de conotaes po-
ticos vendo nela um exemplo bem representativo
pulistas4.
do exagero atual em termos de segurana que pros-
pera em detrimento das consideraes humanit- Se esta anlise pode parecer correta em suas
rias e de polticas de reabilitao3. grandes linhas, resta que a punitividade no mais
que uma dimenso de um tipo de represso cri-
Tudo isso provocou inmeros comentrios nos
minal mais complexa e mais contraditria5 que
jornais e nas revistas especializadas. Se alguns
no se vincula exclusivamente a um regime polti-
comentadores vincularam essa poltica punitiva a
co e que cabe reinserir no quadro de uma evolu-
alguns polticos no caso, o efeito Howard
o mais ampla.
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Talvez os mais claros casos de medidas penais punitivas sejam aqueles a que uma linguagem
penal mais antiga se refere quando fala de penas exemplares ou aflitivas. J. F. Stephen (1993, vol.
2, p. 451) propunha a idia de castigos exemplares para descrever medidas como o enforcamento
ou o aoite que justificavam categoricamente e satisfaziam o desejo de vingana do pblico com
relao a tais delinqentes. Durante uma boa parte do sculo XX, a expresso abertamente confessa-
da do sentimento de vingana foi virtualmente tabu, pelo menos da parte dos representantes do
Estado, mas, nesses ltimos anos, tentativas explcitas de expressar a clera e o ressentimento do
pblico tornaram-se um tema recorrente da retrica que acompanha a legislao penal e a tomada de
decises. Os sentimentos da vtima, ou da famlia da vtima, ou um pblico temeroso, ultrajado, so
agora constantemente invocados em apoio a novas leis e polticas penais. O castigo no sentido de
uma sano significativa que apela para o sentimento do pblico uma vez mais um objetivo penal
respeitvel, abertamente reivindicado.
Jeremy Bentham (s/d, p. 83) caracterizava como penas infamantes essas penas como os
castigos corporais nas quais sempre se mistura uma parcela de ignomnia. De modo indiscutvel,
todas as sanes criminais so ignominiosas, mas algumas carregam um fator de humilhao
particularmente chocante. Medidas recentes como a reintroduo do grilho em vrios Estados ame-
ricanos, ou o porte do uniforme listrado do preso, ou o fato, na Gr-Bretanha, de que os delinqentes
sexuais libertados sejam sinalizados para a comunidade certamente poderiam ser ditas punitivas
nesse sentido.
De fato, essas formas de mortificao e de humilhao pblicas, que durante dcadas foram
consideradas como obsoletas e extremamente aviltantes, so hoje valorizadas por seus partidrios
exatamente devido a seu carter inequivocamente punitivo.
Caberia lembrar, no entanto, que todas as medidas penais tm uma qualificao polissmica,
concentrando objetivos, imagens e sentidos diferentes, significando coisas diferentes para pessoas
diferentes, inclusive as medidas que parecem ser (aos olhos de seus crticos) simples e
indubitavelmente punitivas. Assim, a maior parte das medidas penais recentes engajadas em um
modo de ao significativo punir para seu prprio bem, traduzir o sentimento do pblico, insistir nos
objetivos punitivos ou denunciadores atestam ao mesmo tempo uma lgica mais instrumental.
Cada medida opera em dois registros diferentes, um registro punitivo que emprega os smbolos de
condenao e de sofrimento para entregar sua mensagem, e um registro instrumental mais adequa-
do aos objetivos de proteo do pblico e de gesto do risco.
Os modos de expresso punitiva favoritos so tambm, e importante not-lo, modos de segrega-
o penal e de incapacitao. A preocupao poltica dos dias de hoje no puramente punitiva (tal
que pudesse ser satisfeita por medidas como castigo corporal) nem puramente orientada para a
proteo pblica (o que, antigamente, levava a medidas de deteno preventiva que minimizavam seu
contedo punitivo). Tem-se a preocupao de produzir sanes que combinem os dois modos de ver
sob a forma de uma segregao e de uma incapacitao punitivas. O novo ideal penal que o pblico
seja protegido e que seus sentimentos sejam expressos. A segregao punitiva penas de longa
durao em prises sem frescuras e uma existncia estigmatizada, controlada de perto, para aque-
les que so, finalmente, libertados cada vez mais a escolha que se impe.
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do conjunto das formas de criminalidade que pu- uma srie de transformaes na percepo oficial
deram ser constatadas no Reino Unido nos anos do crime, no discurso da criminologia, nos mo-
90 so totalmente insignificantes6. dos de ao do governo e, finalmente, na estrutu-
ra dos rgos de justia criminal.
Muito embora a criminalidade seja socialmen-
te desigual na sua distribuio, o crime e o medo Em primeiro lugar, o discurso oficial mudou.
do crime so hoje em dia amplamente vividos Se comparamos os documentos polticos do go-
como fatos da vida moderna. Pouco a pouco, o verno dos anos 50 e 60 com os de hoje, podemos
crime tornou-se, para as geraes atuais, um ris- distinguir uma sutil mas importante transforma-
co cotidiano que deve ser avaliado e administrado o. Documentos como o relatrio de 1959, Pr-
de forma rotineira um pouco como nos com- tica penal numa sociedade em transformao
portamos com relao aos riscos de acidentes vi- (MINISTRIO DO INTERIOR, 1959), ou o de
rios. Cartazes nos nibus britnicos recomendam 1964, intitulado A guerra contra o crime (MINIS-
a compra de travas de segurana, pois ocorre TRIO DO INTERIOR, 1964), reconhe-cem que
um roubo de carro por minuto. A publicidade de houve um recrudescimento do crime e da delin-
seguro de cartes de crdito proclama que um qncia a partir de meados dos anos 50. Mas
carto de crdito perdido ou roubado a cada dez acreditava-se ento que era apenas uma questo
segundos na Gr-Bretanha. Enfim, o crime j faz de tempo at que a tendncia se invertesse, e no
parte do meio-ambiente cotidiano. se duvidava, na poca, da capacidade do Estado
em administrar o problema. Pensava-se que o
Se essas taxas de criminalidade elevadas so
Estado ganharia a guerra contra o crime do mes-
consideradas normais, no apenas porque nos
mo modo como havia ganho a guerra contra
acostumamos a elas, mas tambm porque elas
Hitler.
so consideradas como uma espcie de dado so-
ciolgico, como um trao distintivo de todas as Nos anos 80 e 90, o discurso oficial distan-
sociedades similares em um estgio similar de ciou-se dessa atitude confiante. Fala-se muito
desenvolvimento7. Isto significa que elas no so menos de guerra contra o crime a expresso
uma aberrao de que nos pudssemos livrar pela foi simplesmente abolida no Ministrio do Interior
aplicao de novas polticas ou por um reforo nos anos 80 e, ainda que essa retrica tenha
das antigas, mas a contrapartida de nossas liber- sido brevemente reavivada nos anos 90, ela tor-
dades individuais e de nossos mercados no re- nou-se arcaica9. As declaraes do Estado no
gulamentados, a dimenso externa de nossas de- campo da represso criminal tornaram-se mais
cises econmicas, um derivado de nossos esti- modestas e mais hesitantes. Hoje, admite-se tran-
los de vida mutveis e de nossa cultura de consu- qilamente a existncia de limites para o poder do
mo desenfreado, um efeito de nossa preferncia Estado e cita-se com freqncia uma estatstica,
geral por um estilo de controle social no auto- estabelecida por um departamento de pesquisa do
ritrio. Ministrio do Interior, segundo a qual menos de
3% de todos os delitos so de fato perseguidos
III. MUDANAS NO DISCURSO
judicialmente at o fim, a grande massa das vti-
Como os governos e os outros intermedirios mas e dos culpados permanecendo fora do alcan-
responderam ao que visto como um novo fato ce do sistema (MINISTRIO DO INTERIOR,
social8? A minha hiptese a de que se produziu 1995, p. 25).
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1986; COMISSRIO DE POLCIA DA Ocorrem variaes, no entanto, em delitos como ferimentos, nos quais 14% dos
delitos desembocam em uma advertncia ou em um indiciamento contra 2% nos
METRPOLE, 1987; PARTIDO CONSERVA- roubos de domiclios e no vandalismo.
DOR, 1987). A guerra contra o crime assim Roubos
como a Guerra Fria j so guas passadas, Ferimentos de domiclio Vandalismo
mas continua-se a ouvir o discurso de guerra de Delitos cometidos 100% 100% 100%
alguns polticos. Todavia, os objetivos mudaram: Delitos declarados 54% 69% 27%
propem-se uma melhor gesto dos riscos e dos Delitos registrados 24% 41% 14%
recursos, uma reduo do medo e dos custos da Delitos esclarecidos 19% 8,4% 2%
criminalidade e da justia criminal e um maior Delitos desembocando
em uma advertncia 2,3% 2,5%
14,4%
amparo s vtimas, todos objetivos pouco hericos ou em um indiciamento
Delitos resultando em 10,6% 2,0% 1,6%
e difceis de expor na retrica clssica do discurso uma condenao
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A difcil situao que os governos tm que Encontramos a mais explcita adaptao a esse
enfrentar reside no fato de que eles no podem novo estado de coisas num novo tipo de discurso
mais ser a principal fonte da segurana e da repres- criminolgico, cada vez mais influente nos crcu-
so criminal, ao mesmo tempo em que sabem que los governamentais do Reino Unido a partir de
a curto prazo uma tal confisso pblica tem todas meados dos anos 70. Esse discurso foi montado
as chances de ser politicamente desastrosa. Da a partir de um conjunto de estruturas um tanto
um esquema de ao poltica notavelmente ambi- similares e um tanto radicalmente tericas, abar-
valente: de um lado, a preocupao em enfrentar cando a teoria da escolha racional, a teoria da
o problema e desenvolver novas estratgias que atividade de rotina, o crime como oportunida-
lhe sejam racionalmente adequadas; mas, de ou- de e a preveno da criminalidade situacional,
tro, ao lado dessas novas e s vezes dolorosas conjunto que poderamos caracterizar globalmente
adaptaes, uma tendncia recorrente a uma es- como as novas criminologias da vida cotidiana.
pcie de negao histrica e reafirmao enf- Essas teorias so simples e insistem no fato de
tica do velho mito da soberania do Estado. A ca- que os delinqentes calculam suas aes, que a
racterstica distintiva do perodo atual no a maior parte dos crimes so oportunistas e que a
punitividade, mas antes a ambivalncia. Ele os- melhor resposta a de tornar as coisas mais dif-
cila de modo errtico entre adaptao e nega- ceis para os delinqentes, aumentando os contro-
o, entre tentativas de enfrentar a situao e ten- les judicirios (CLARKE & CORNISH, 1986;
tativas de faz-la desaparecer magicamente. HEAL & LAYCOCK, 1986; FELSON, 1994;
CLARKE & MAYHEW, 1980).
IV. AS CRIMINOLOGIAS DA VIDA COTIDIA-
NA
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as formas de racionalidade que organizam essas prticas e lhes fornecem seus objetivos, seu saber
e suas formas de reflexo.
As racionalidades so, portanto, prticas, antes que entidades tericas ou discursivas. Elas foram
forjadas no campo da resoluo dos problemas e na tentativa de fazer as coisas funcionarem. Em
conseqncia, exprimem uma lgica da prtica, antes que da anlise, e tendem a trazer a marca da
prtica institucional de que provieram. Se nos valemos dessa idia de racionalidades para pensar a
represso criminal, surgem questes como as seguintes: Como as autoridades compreenderam seu
papel frente ao problema da criminalidade? Como foi problematizada e racionalizada a tarefa de
governar o crime? Por meio de que tecnologias e de que construes, e valendo-se de que formas de
saber as autoridades exerceram seu modo de governar nesse campo?
Parece sensato sugerir que, nessas ltimas dcadas, chegou-se a problematizar o governo do
crime a partir de novos critrios, em parte como reao s taxas cronicamente elevadas da criminalidade
e ao fracasso dos controles judicirios, em parte sob a influncia de mudanas mais amplas, que nos
distanciam dos estilos de governo de auxlio social e apontam para a direo neoliberal. Parece
tambm plausvel sustentar que, em resposta a esse campo emergente de problemas e de foras
polticas, se esboa uma nova racionalidade no governo do crime e da justia criminal. Descritos em
seus largos traos, trata-se de um estilo governamental que se organiza em torno de formas econmicas
de raciocnio, contrastando com as formas sociais e legais predominantes na maior parte do sculo
XX.
Por racionalidade econmica, no quero dizer simplesmente que as consideraes da relao
qualidade/preo e de coero fiscal tornaram-se, hoje em dia, excessivamente determinantes, ao
ponto de se explicitarem nos aspectos do discurso e da prtica da represso criminal embora este
seja certamente um trao caracterstico da cena contempornea. Quero, com isso, chamar a ateno
para a dependncia crescente para com uma linguagem analtica do risco, da racionalidade, da
escolha, da probabilidade, da determinao de alvos, da oferta e da demanda de ocasies uma
linguagem que transfere as formas econmicas de raciocnio e de clculo para o campo da
criminologia; para a importncia crescente de objetivos como a compensao, o controle do custo e a
reduo dos danos; e, enfim, para o recurso crescente a tecnologias como o audit, o controle fiscal, a
competio de mercado e a gesto restrita tomada de deciso do controle penal. Por exemplo, a
imagem, hoje em dia recorrente, do criminoso racional, e a preocupao de governar esse
personagem manipulando o reforo positivo e o negativo, reproduz os esquemas de pensamentos
clssicos das anlises econmicas. A imagem da vtima funciona, na mesma direo, como fornecedor
de ocasies criminais; e assim tambm a figura idealizada do homo prudens, tal como desenhada
pela literatura de preveno da criminalidade e dos contratos de seguro. Essas novas formas de
pensar, que fazem explodir os estratos sociolgicos e psicolgicos com os quais a criminologia do
sculo XX recobria sua concepo do delinqente criminal, procuram repensar as dinmicas da
criminalidade e do castigo em termos pseudo-econmicos. Isto tem como efeito facilitar o recurso a
um discurso moral simplificado sobre o crime e o castigo. Se o crime no seno uma questo de
escolha racional, ento podemos compreender menos e condenar mais, como o Primeiro-Ministro
John Major ressaltava em 1993.
Essa forma de pensamento desenvolveu-se de incio no setor privado nas prticas das
companhias de seguro, das empresas de segurana privada e das empresas comerciais, preocupadas
em reduzir os custos do crime que lhes pesam sobre os ombros. O pensamento comercial e fundado
no seguro acerca da represso criminal devota-se a reduzir ou deslocar os custos do crime na direo
da preveno antes que na do castigo e a minimizar o risco antes que garantir a justia. Tentativas
comerciais de controlar o risco reativo, o perigo moral e o risco de indenizao, ou de pr na
balana os custos do crime contra os custos para a empresa de sua preveno ou de sua
persecuo judicial, conduziram elaborao dessa forma de pensar o crime e sua represso.
somente mais tarde, nos anos 80, que essa forma de pensamento comeou a influenciar os
organismos e as prticas do Estado, as quais, na sua maior parte, esto sob o controle de grupos
profissionais vinculados a concepes sociais e legais do problema da criminalidade.
Essa forma de pensar invoca tambm outras fontes. Uma delas o trabalho de Gary Becker e de
outros analistas econmicos do crime, cujas idias foram recentemente transplantadas para a
linguagem da poltica criminal. Outra delas o conjunto das teorias criminolgicas teoria da escolha
racional, teoria da atividade de rotina, e as abordagens variadas que vem no crime uma questo de
ocasio , que eu aqui descrevo como as novas criminologias da vida cotidiana. Contrastando com
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as criminologias mais antigas, que pressupunham que fosse possvel distinguir e corrigir a pessoa
do delinqente, essas teorias tm uma viso do crime como acontecimento normal, banal, no exigindo
nenhuma disposio especial ou anormal por parte do delinqente. O crime visto como um fenmeno
de rotina, como algo que acontece no curso ordinrio das coisas, antes que como uma perturbao da
normalidade que requeira algum tipo especial de explicao. A conduta cotidiana na vida econmica e
social fornece infindveis ocasies de transaes ilegtimas. Vistos em larga escala, os acontecimentos
criminais so regulares, previsveis, sistemticos como os acidentes de trnsito. De onde se segue
que a ao sobre o crime deveria deixar de ser antes de tudo uma ao sobre pessoas desviantes
para tornar-se preferencialmente uma ao concebida para governar os hbitos sociais e econmicos.
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2. Controle de acesso 6. Vigilncia formal 10. Identificar a proprie- 14. Estimular a conscin-
guarita de acesso ao cmeras de controle de dade cia
estacionamento velocidade marcar a propriedade lombadas eletrnicas
ptios cercados alarmes carteira de motorista exija nota fiscal
interfone guardas de segurana marcar o gado beber ou guiar
3. Afastar os delinqentes 7. Vigilncia por funcion- 11. Reduzir a tentao 15. Controle dos
localizao dos pontos de rios anurios sem o prenome desinibidores
nibus localizao das cabines (no indicam o sexo leis sobre idade e bebida
localizao dos bares telefnicas gender-neutral listings) trava de ignio
fechamento de ruas vigias de parque estacionamento privado bloqueador de canais de
circuito interno de TV auto-socorro rpido TV (V-chip )
4. Controlar os 8. Vigilncia natural 12. Impedir os benefcios 16. Facilitar a conformi-
facilitadores espao defensvel mercadorias com anti- dade
carto de crdito com foto iluminao das ruas furto de tinta (ink-tags) registro fcil nas
controle de armas rdio-taxi aparelhos com cdigo bibliotecas banheiros
identificador de chamada personalizado pblicos
limpeza das pichaes cestas de lixo
Fonte: Quadro de CLARKE, 1997, p. 18.
11 Veja-se BAYLEY, 1994. Acerca da manuteno da ordem
A estratgia de responsabilizao leva o Esta- de cooperao, veja-se HER MAJESTYS INSPECTORA-
do a tentar delegar sua responsabilidade na repres- TE OF CONSTABULARY, 1995, p. 3.
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so criminal para as organizaes privadas e para dadeiramente o crime, e inventar formas de obrig-
os indivduos, incitando-os a agir em direes lo a faz-lo.
suscetveis de reduzir os delitos 12. Fala-se em
A mensagem recorrente a de que a respon-
movimentar as comunidades, em estabelecer
sabilidade da preveno e do controle do crime
uma cooperao entre organismos e criar uma
no recai mais apenas sobre o Estado, mas tam-
nova gerao de cidados ativos. A primeira eta-
bm sobre varejistas, sobre os industriais, os ur-
pa a de identificar as pessoas e as organizaes
banistas, as autoridades escolares, as empresas
que tm a capacidade de reduzir de forma eficaz
de transporte, empregadores, pais, etc. Uma tal
as oca-sies criminais, e [...] avaliar [...] se estes
mensagem provoca muita resistncia, dada a his-
esto autorizados a faz-lo, e se possvel tornar
tria das pretenses de monoplio do Estado nes-
isso obrigatrio (HOUGH, CLARKE &
se setor e a cultura de dependncia que dela de-
MAYHEW, 1980, p. 16). Em outras palavras, iden-
corre inevitavelmente13.
tificar quem est em condies de controlar ver-
A ESTRATGIA DE RESPONSABILIZAO
Precisamos reduzir as ocasies do crime [...] A represso criminal responsabilidade de todos.
Devemos nos devotar todos tarefa de produzir um ambiente em que o crime no possa prosperar.
Sir Brian Cubbon, sub-secretrio de Estado no Ministrio do Interior. Citado em MINISTRIO DO
INTERIOR, 1986, p. 8.
extremamente improvvel que o grupo ou a pessoa moral que privada de sua responsabilidade
saiba imediatamente que seus bens ou negcios constituem para a polcia um acrscimo considervel
de tenses, que ele aceite dessa mesma polcia que ela cumpra, por suas prerrogativas, seu dever de
represso criminal e que ela tome as medidas necessrias. A nosso ver, pode-se atribuir o fracasso
de numerosos esforos no campo da represso criminal ausncia de meios de garantir que os
membros da comunidade envolvidos aceitem e se encarreguem efetivamente de suas
responsabilidades (p. 452). ENGSTAD & EVANS, 1980, p. 6-7. (Os editores e autores trabalhavam, na
poca, na Unidade do Centro de Anlise e de Planejamento do Ministrio do Interior).
Por muito tempo a expanso do Estado em cada esfera da vida nacional, social e econmica
serviu para enfraquecer a responsabilidade da pessoa moral. Parte da censura deve recair sobre as
polticas educativas e sociais que freqentemente tiveram como conseqncia a reduo da
responsabilidade dos pais para com seus filhos e do sentido de responsabilidade dos filhos com
relao s suas prprias aes. O Ministro do Interior, o sr. Douglas Hurd, ressaltou a extrema
necessidade de um reforo do sentido da responsabilidade, para reverter essas tendncias nocivas
do ps-guerra. essa abordagem que subjaz abordagem conservadora daquilo que se reconhece
ser o aspecto mais crucial do problema a saber, a necessidade de reinventar atitudes sociais
responsveis e engajar plenamente a populao em uma campanha para dar fim ao crime (p. 354).
PROGRAMA DE CAMPANHA DO PARTIDO CONSERVADOR.
O sr. Hurd ressaltou as responsabilidades que pesam sobre os membros da sociedade como um
todo, tanto no plano individual quanto no coletivo. Os planejadores e os gestores imobilirios, os
professores e os assistentes sociais, os responsveis pelos transportes comunitrios, as grandes
empresas locais e os grupos de voluntrios em posies estratgicas, todos deveriam integrar essa
dimenso de preveno do crime em seu trabalho (PROGRAMA DA CAMPANHA DO PARTIDO
CONSERVADOR, 1989, p. 366).
12 Essa estratgia de responsabilizao foi elaborada e 13 Essa dependncia para com o Estado ativamente
tornada possvel pelo ressurgimento, nos anos 70 e 80, de encorajada durante boa parte do sculo XX criou aquilo
uma indstria de segurana privada e pela adoo ampla- que, no terreno econmico da anlise do risco,
mente disseminada de precaues rotineiras dos cidados e freqentemente se denomina de compensao do risco ou
dos lares. De fato, o governo procura endurecer e incrementar risco moral, isto , a parte certa de estar perfeitamente
um leque de controles sociais dirigidos pelo setor privado coberta pelo seguro desobriga-se de esforos no sentido de
que se desenvolveu na sombra do sistema de justia criminal prevenir o mal. Desavisadamente, a polcia criou uma reao
em larga medida como resultado dos limites e dos erros desse tipo, em sua tentativa de assumir o controle dos riscos
desse sistema. do crime.
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A lei e a ordem no podem ser relegadas polcia, aos tribunais e ao governo: cada um tem o
dever de ajudar na preveno do crime. A preveno do crime pode assumir formas diferentes, do
ensino s crianas da diferena entre o bem e o mal participao nas guardas de quarteiro. Isto
melhora a vida da comunidade, diminui o medo do crime e reduz o fardo da polcia. Um tero dos
roubos de domiclio, por exemplo, so conseqncia de uma porta no trancada ou de uma janela
pouco segura. 25% de todos os delitos relacionados a carros do-se porque o proprietrio no trancou
a porta do carro. Uma grande responsabilidade pesa sobre cada membro da sociedade (PROGRAMA
DA CAMPANHA DO PARTIDO CONSERVADOR, 1991, p. 463).
As pessoas tm o dever de certificar-se de que esto efetivamente tomando todas as medidas de
preveno da criminalidade para aliviar o fardo da polcia e para melhorar a qualidade de vida da
comunidade (PROGRAMA DA CAMPANHA DO PARTIDO CONSERVADOR, 1991, p. 479).
O fato de passar por cima dos princpios s amplia a extenso dos problemas (HER MAJESTYS
INSPECTORATE OF CONSTABULARY, 1995, p. 173).
14 Acerca de agir distncia, veja-se LATOUR, 1987. 15 Essa criminologia aplicada descrita, s vezes, como
Essas formas de exercer a regra e seus anlogos em outros uma criminologia administrativa pertence quilo que
campos da poltica social e econmica foram analisados como chamo de projeto governamental, que sempre pertenceu
uma forma de governamentalidade. Veja-se BURCHELL, razo de ser da criminologia. Para uma discusso a esse
GORDON & MILLER, 1991; e BARRY, OSBORNE & respeito e sobre o projeto lombrosiano na criminologia, veja-
ROSE, 1996. se GARLAND, 1994.
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reduzir a dependncia para com o Estado, mas ela mente ao longo dos ltimos vinte anos. Isto se
aumenta, simultaneamente, a dependncia para deve sobretudo ao nvel crescente da criminalidade
com o mercado e o capital privado. O investi- e ao fato de que a tendncia sinalizando a baixa foi
mento na criminalidade e os dispositivos de segu- compensada por uma tendncia oposta que defi-
rana so, portanto, cada vez mais impostos an- niu o vis de alta, mais especialmente no que
tes pelas foras econmicas do que pela poltica diz respeito aos delitos de natureza sexual, os atos
pblica. de violncia ou os casos de drogas.
VI. DEFINIR O VIS DE BAIXA O ltimo exemplo de adaptao reside na
redefinio do sucesso e do fracasso. Os orga-
A terceira adaptao consiste em definir o vis
nismos de justia criminal reagiram s crticas jo-
de baixa16, mtodo que assume diversas formas:
gando suas previses para baixo, redefinindo seus
em primeiro lugar, o recurso amplamente dissemi-
objetivos e procurando mudar os critrios a partir
nado advertncia policial que, hoje, freqen-
dos quais so julgados. A polcia, por exemplo,
temente uma resposta normal delinqncia de
continua a proclamar seu sucesso no combate ao
menores e dos jovens, mas representa tambm
crime grave e na deteno de criminosos impor-
uma alternativa s persecues judiciais (por exem-
tantes; ela exibe agora, no entanto, intenes mais
plo, na Esccia, o procurador j no recorre a
modestas com relao ao controle da totalidade
persecues seno em 50% dos casos que so
que inclui o crime normal17. As autoridades
objeto de um relatrio policial) (YOUNG, 1996);
carcerrias insistem cada vez mais na sua capaci-
tambm a instituio de penas fixas e de breves
dade de ministrar castigos e proteger o pblico
audincias para delitos que eram perseguidos an-
pelo simples fato de trancafiar os delinqentes na
tigamente em nveis mais srios; ou ainda o uso
priso. No se do mais ao trabalho de se empe-
de multas para crimes que teriam antigamente re-
nhar na reabilitao ou, se mantm essa esperan-
cebido penas de encarceramento e a descrimi-na-
a como freqente no caso dos departamen-
o de condutas que foram, em outros tempos,
tos da priso escocesa , cuidam em no fazer
regularmente perseguidas; finalmente, a nova po-
disso um indicador de desempenho18.
ltica policial que decide que a polcia no tem mais
tempo para perder com investigaes fadadas ao Simultaneamente, o discurso desses organis-
fracasso. mos desloca cada vez mais a responsabilidade dos
resultados para os clientes com os quais lidam.
Definindo o vis de baixa, tende-se a margina-
Por exemplo, diz-se do preso ou do cliente,
lizar a criminologia crtica em proveito do Minis-
como so agora chamados nas prises escocesas
trio das Finanas e da Comisso de Verificao
que ele pode dispor de toda ocasio de corri-
das Contas e das iniciativas de gesto financeira
gir-se que a priso possa oferecer. Do mesmo
do governo cuja preocupao a de encontrar
modo, a polcia ressalta o fato de que cabe agir
meios para reduzir as despesas pblicas e melho-
rar o desempenho do governo. Assim, em um re-
latrio recente, a Comisso de Verificao de Con-
tas advertiu o Executivo no sentido de evitar am-
pliar a malha, segundo a expresso de Cohen 17 Devem ser notadas as reaes recentes contra essa posi-
no porque isso traz mais pessoas para o sistema o, surgidas nos departamentos de polcia de Nova Iorque.
e aumenta a rede de represso penal, mas porque As reformas de que tanto se falou e que foram apresentadas
pelo comissrio William Bratton regrediram, como o indi-
tais prticas so pouco vantajosas do ponto de cam novos slogans policiais como tolerncia zero e No
vista financeiro (THE AUDIT COMMISSION, somos multadores, somos a polcia!. Veja-se BRATTON,
1989). 1998 e KELLING & COLES, 1996. Caberia realmente de-
terminar at que ponto uma polcia financiada pelos impos-
A despeito dessa tendncia em definir o vis tos e politicamente influencivel pode se mostrar derrotista
de baixa, os nmeros que circularam nos crcu- face ao crime hediondo e desordem.
los do aparelho de Estado aumentaram sensivel- 18 Os programas teraputicos e de reinsero foram manti-
dos nas prises britnicas ao longo dos anos 80 e 90; no
entanto, eles so agora vistos como servios especializados
antes que como a ponta de lana de uma poltica geral de
16 Essa frase foi emprestada e adaptada de MOYNIHAN, reabilitao, e essas caractersticas atpicas do regime j no
1992. sustentam a ideologia geral do sistema.
70
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 13: 59-80 NOV. 1999
com cautela, e que responsabilidade da vtima polcia, em um recurso mais amplo ao encarcera-
proteger sua propriedade evitando situaes peri- mento. Nesta linha, nos anos 80 e 90, governos
gosas. freqentemente adotaram uma posio punitiva que
visa a reafirmar a aptido do Estado a governar
Cada vez mais, essas organizaes almejam ser
simplesmente pela exibio de seu poder de pu-
avaliadas a partir de objetivos internos, organiza-
nir. Essa mudana anuncia um novo realismo da
cionais, por elas controlados, antes que em fun-
representao, mas assinala tambm o modo pelo
o de objetivos externos ou sociais, como a re-
qual a justia criminal se desligou das ideologias
duo das taxas de criminalidade ou a correo de
de solidariedade.
presos, sempre coisas que implicam demasiadas
contingncias e um excesso de incerteza. Chega- Essas polticas punitivas do tipo lei e ordem
se a apresentar os objetivos que eram, de incio, a so, pelo menos em parte, uma manipulao mal-
razo de ser da organizao como inatingveis. dosa e cnica dos smbolos do poder do Estado e
Os novos indicadores de desempenho medem as das emoes de medo e de insegurana que con-
sadas antes que as entradas, o que a organi- ferem a esses smbolos o seu poder. Tais smbo-
zao faz antes que, na falta de melhor opo, o los mostram-se particularmente carregados de
que ela consegue. Desse modo, os novos sentido quando corre um sentimento geral de in-
objetivos da direo, em termos de racionaliza- quietao como evidentemente o caso no
o, de rentabilidade e de relaes com os clientes nosso clima econmico e social. Michel Foucault
vo, pouco a pouco, substituindo o objetivo soci- descreveu o modo particularmente horrvel pelo
al da reduo da criminalidade, que era o objetivo qual o jovem regicida Robert Damiens foi execu-
inicial do sistema e de seu poder. Fracassando nos tado em 1757, por ter atacado o rei da Frana
objetivos que se havia proposto, o sistema, por com uma faca (FOUCAULT, 1975). A partir da,
uma espcie de defesa organizacional burocrti- Foucault mostra como castigos duros eram em-
ca, altera seus antigos objetivos e confere para si pregues como demonstrao pblica de um po-
mesmo novos objetivos, que lhe convm melhor der soberano, visando a reafirmar a fora da lei e
e que ele pode atingir. redourar o mito da soberania do Estado. O Pri-
meiro Ministro, John Major, no Lus XV, mas a
VII. A NEGAO
cada vez em que ele ou um de seus Ministros se
Essas respostas s crescentes dificuldades de aferram a uma postura de firmeza para com os
controle da criminalidade na sociedade contem- criminosos, decidem tornar as prises mais auste-
pornea caracterizam-se por um certo grau de ras e condenar mais e compreender menos, a
racionalidade administrativa e de criatividade cada vez em que eles acenam com novos poderes
organizacional. Todavia, elas no so mais que uma para enviar os delinqentes em campos de traba-
parte de uma resposta bastante contraditria. Ao lho penitencirio, nas prises de choque ou em
mesmo tempo em que a mquina administrativa prises perptuas, eles adotam deliberadamente
do Estado procurou adaptar-se a seus limites e essa mesma estratgia arcaica. Emprega-se uma
acabar com realidades desconfortveis, o brao demonstrao de fora punitiva contra o indiv-
armado poltico do Estado freqentemente enve- duo condenado para recalcar toda confisso da
redou por uma espcie de negao que se mos- incapacidade do Estado de controlar o crime. A
tra cada vez mais histrica (no sentido clnico
do termo)19.
Uma das respostas criminalidade consiste em
penas severas20, em novos poderes conferidos
encarceramento em massa, concebida para tornar delinqentes
incuos em um nmero muito expressivo por perodos tam-
bm expressivos, lograria reduzir as taxas de criminalidade,
19 Quero dizer, com isso, que o governo parece frear como talvez j venha ocorrendo nos Estados Unidos. Veja-
ativamente a difuso de informaes que ele sabe verdadei- se, a este respeito, MASSING, 1996; ZIMRING &
ras e agir a partir daquilo que ele gostaria que fosse verdadei- HAWKINS, 1995. Os custos sociais e financeiros envolvi-
ro, atitude que Freud identifica em seus paciente neurticos dos na reduo do crime por esses meios tornam pouco
e que atualmente constitui um dos riscos da funo de Mi- provvel o aparecimento de uma opo poltica sria no
nistro do Interior no Reino Unido. Reino Unido de hoje. , no entanto, perfeitamente possvel
escorregar para um esquema de encarceramento em massa
20 Temos todas as razes para crer que uma poltica de sem que isto seja um objetivo poltico planejado.
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AS CONTRADIES DA SOCIEDADE PUNITIVA: O CASO BRITNICO
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 13: 59-80 NOV. 1999
Todos os criminosos provocam a clera de seus concidados. Mas dois grupos (os jovens delinqentes
reincidentes e os vndalos) nos enraivecem a todos ns e nos pem em xeque.
Quero proteger a pessoa vulnervel e ajudar a vtima, e quero punir o grande criminoso, duramente.
K. Baker, Ministro do Interior (Discurso na conferncia do Partido Conservador. Blackpool, 6 de outubro de 1991).
Velhos valores. Nova tecnologia. desse modo que tenho a inteno de instalar o medo no corao dos
criminosos e de trazer amparo para a vtima.
Fui asperamente criticado pela brigada politicamente correta que no cr no castigo. Muito se falou das razes
do crime. Devemos fazer todo o possvel para encontr-las e trat-las. Mas se vocs falarem com as vtimas, elas
vos fornecero em uma palavra a razo do crime: os criminosos. Quero que os criminosos sejam verdadeiramente
punidos.
M. Howard, Secretrio de Estado, 31 de maro de 1995.
Que mais pessoas acabem na priso no me detm.
No julgaremos mais o sucesso de nosso sistema judicirio pela queda da populao carcerria.
Nossos opositores dizem que um excesso de pessoas encarcerado. Concordo. H um excesso de pessoas
encarceradas em suas casas, amedrontadas frente idia de sair, de medo de serem atacadas ou de terem suas
casas roubadas. So estas as pessoas que eu quero libertar.
Sejamos claros. A priso funciona. Ela nos d a segurana de estarmos protegidos dos assassinos, dos
agressores e dos estupradores, e isto faz pensar duas vezes aquele que atrado pelo crime.
Quero ter a certeza de que so os criminosos que tm medo, e no aqueles que respeitam a lei.
M. Howard, Ministro do Interior, Discurso na conferncia do Partido Conservador. Blackpool, 6 de outubro de
1993.
pressa em condenar a penas pesadas alguns indi- WILLIAMS, 1991) defrontaram-se com o re-
vduos esconde, na verdade, o fracasso da busca crudescimento da demanda de penas duras de
da segurana do conjunto da populao. encarceramento: o pblico e os jornalistas da im-
prensa popular pressionaram ento o governo, na
Essa punitividade tem razes complexas. Tem,
ocasio das fugas de presos do IRA ou no caso
hoje em dia, um aspecto profundamente arraiga-
de delinqentes violentos tais como Willie Horton,
do na cultura britnica. Tentativas deliberadas do
nos Estados Unidos, que so libertados condicio-
governo no sentido de modificar essa cultura
nalmente, e depois reincidem no crime, ou ainda
por exemplo, a tentativa de promover penas de
quando jovens delinqentes parecem gozar de uma
interesse social no fim dos anos 80 (veja-se MI-
certa imunidade etc.
NISTRIO DO INTERIOR, 1988; MINISTRIO
DO INTERIOR, 1990; REES & HALL
CRIMINOLOGIA E ORIENTALISMO
Durante a maior parte de sua histria, a criminologia foi um saber destinado ao poder um
assunto valorizado antes por sua utilidade do que por sua exatido cientfica. um saber que cresceu
na sombra de prticas administrativas na cela da cadeia e na investigao psiquitrica prvia
condenao , onde o que est em jogo no a compreenso dos seres humanos envolvidos, mas
trata-se de conhec-los para control-los.
Sob este aspecto, a criminologia tradicional pode ser comparada literatura do orientalismo que
Edward Said descreveu to bem no livro de mesmo ttulo. (E se essa comparao parece excessiva-
mente extica, lembremos que de incio se caracterizava a criminologia como uma antropologia
criminal e se acreditava que os criminosos eram uma raa parte). O orientalismo enquanto tema
surge em meados do sculo XIX aproximadamente ao mesmo tempo em que a criminologia
porque as relaes geopolticas entre Este e Oeste o tornavam til (para ns, potncias coloniais) para
a formao de um saber sistemtico e prtico acerca deles (isto , os orientais de todo tipo, como
73
AS CONTRADIES DA SOCIEDADE PUNITIVA: O CASO BRITNICO
eram chamados). Nos textos acadmicos dos orientalistas, a diversidade de milhes de seres huma-
nos distintos, que viviam na sia, na ndia e no que se chamava de Oriente Mdio, reduz-se a um
pequeno nmero de traos raciais e esteretipos culturais. O oriental retratado como um outro
problemtico, um estrangeiro extico difcil de classificar e de controlar, mas do qual, no entanto, os
experts ocidentais podem falar com autoridade e compreenso cientfica. A descrio de sua inferiori-
dade, de sua irracionalidade, de sua imaturidade emocional e de sua necessidade de ser governado
vem nos confirmar, a ns, ocidentais, em nossa identidade de raa superior cujo domnio sobre as
outras sancionada pela razo e pelo destino, e no apenas pela fora das armas.
Tradicional, a criminologia lombrosiana modela-se de forma perfeitamente similar. Ela opera no
interior de uma estrutura de poder dominante que faz das pessoas delinqentes objetos de adminis-
trao problemtica, e essa criminologia funda-se numa distino fundamental, de variada expres-
so, entre eles e ns, o criminoso e o no-criminoso. essa estrutura de poder, o sistema penal,
que torna possvel e necessrio dispor de um saber desse tipo. E, como o orientalismo, a criminologia
tende ao esteretipo, reduo, objetivao e reduo ao silncio dos seres humanos que caem
sob seu olhar.
Ali onde as novas criminologias da vida cotidiana normalizam o desviante, consideram o
delinqente como sendo essencialmente um de ns, o tropo recorrente das antigas criminologias o
de diferenciar, de tornar patolgico, de acentuar a alteridade e seus perigos.
74
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 13: 59-80 NOV. 1999
iniciativa individual e os limites da assistncia so- Esse pensamento duplo e a situao so-
cial. Cada caso ilustra o que Mary Douglas cha- cialmente estruturada que lhe subjaz ajuda a
ma de usos polticos do perigo (DOUGLAS, compreender alguns traos da situao atual. Ex-
1992, p. 10). Essas caracterizaes sugerem uma plica o desenvolvimento, no Reino Unido, de uma
mar montante da criminalidade, ameaando en- poltica penal voltil e contraditria. Iniciativas
golir nosso modo de vida, antes que uma ima- polticas cuidadosamente planificadas, notadamen-
gem normalizada do crime como incmodo roti- te a lei de justia criminal de 1991 (que introduziu
neiro mas administrvel. A iconografia sofre uma a proporcionalidade da multa renda, que imps
brusca mudana de gnero, passando do doms- os princpios de condenao em funo do mrito
tico para o demonaco. Os delinqentes so retra- e que estimulou as penas de interesse social antes
tados como seres ameaadores e violentos pelos que as de encarceramento), e o programa de refor-
quais no podemos ter simpatia e para os quais ma da priso que seguia o relatrio Woolf (que
no h ajuda concebvel. A nica resposta prtica propunha reduzir as penas de encarceramento e
coloc-los fora de jogo para a proteo do melhorar o regime dos presos), foram brusca-
pblico, o que, no Reino Unido, significa faz-los mente reduzidas a propores mais modestas por
sofrer pesadssimas penas de priso e, nos Esta- sbitas mudanas de humor poltico21 . Esforos
dos Unidos, a condenao morte. combinados de reduzir os custos da represso
criminal ou de reduzir as taxas de encarceramento
A criminologia oficial mostra-se, assim, cada
foram subitamente abandonados em proveito de
vez mais dualista, polarizada e ambivalente. H uma
decises punitivas que fizeram o processo regredir
criminologia do eu que faz do criminoso um
na sua totalidade. Num quadro conflituoso e
consumidor racional, nossa imagem e semelhan-
ambivalente, dados contingentes como escnda-
a, e uma criminologia do outro, do pria ame-
los produzidos pela mdia, a nomeao de um novo
aador, do estrangeiro inquietante, do excludo e
Ministro ou a procura de uma vantagem poltica a
do rancoroso. A primeira invocada para banali-
curto prazo podem ter enormes efeitos.
zar o crime, moderar os medos despropositados
e promover a ao preventiva, ao passo que a se- Essa situao complexa pode ajudar a explicar
gunda tende a satanizar o criminoso, a provocar o estranho paradoxo, de que as reformas liberais
os medos e as hostilidades populares e a sustentar do fim dos anos 80, que reduziram radicalmente
que o Estado deve punir ainda mais. as taxas de encarceramento e introduziram medi-
das progressivas como a unidade de multa (unit
Seria lgico que as autoridades adotassem uma
fines), foram produzidas pela administrao de
perspectiva diferenciada e multicausal da conduta
direita, politicamente segura de si, relativamente
criminal, e que estabelecessem uma abordagem
forte, ao passo que as medidas punitivas que des-
diferenciada da sano. De fato, essa bifurca-
de ento predominaram so a obra de um gover-
o do raciocnio foi proposta para justificar as
no mais fraco e menos seguro de si em pratica-
reformas, nos anos 80, instaurando penas de in-
mente todos os campos.
teresse social. Tais reformas endereavam-se
ao pblico de uma forma extremamente sofistica- As medidas que foram adotadas ao mesmo
da, fundada numa anlise diferenciada do proble- tempo preventivas e punitivas fizeram surgir
ma da criminalidade e da resposta penal adequa- um discurso crtico de acompanhamento que co-
da. Mas essa estratgia de reforma foi invertida, meou a identificar os problemas ocasionados
alguns meses aps ter sido iniciada, em proveito nesse novo esquema de pensamento e de ao.
de uma penologia ao mesmo tempo mais primiti- As razes que se opem a uma volta punitividade
va e mais punitiva que solapou em larga medida a mal precisam ser relembradas, uma vez que elas
abordagem racionalmente diferenciada da gesto esto na base da penalogia liberal que dominou a
do risco e dos recursos da criminalidade que aca- maior parte do sculo XX. Mas o comentrio cr-
bava de ser adotada. O que vimos nos ltimos
anos no foi seno conflito e pensamento duplo
um criminologia esquizide , um raciocnio
diferenciado sem mediaes. 21 Para os detalhes sobre essas reviravoltas polticas, veja-se
REINER & CROSS, 1991; ASHWORTH & GIBSON,
IX. O PARADOXO DAS REFORMAS LIBERAIS
1994, p. 101-109; FAULKNER, 1993; LORD WIND-
DOS ANOS 80 LESHAM, 1993.
75
AS CONTRADIES DA SOCIEDADE PUNITIVA: O CASO BRITNICO
tico concernente a modos mais recentes de gover- muito eficaz em conseguir que sua poltica seja
no da criminalidade importante, uma vez que aplicada pelos seus prprios organismos. A des-
identifica perigos que talvez sejam menos eviden- peito de seus protestos, os governos dos anos 80
tes (veja-se BLAGG & PEARSON, 1986; BOT- e 90 no conseguiram decidir-se firmemente a
TOMS, s/d; KINSEY, LEA & YOUNG, 1986). delegar o poder ou a criar o tipo de democracia
associativa que poderia ter tornado essas polti-
Um dos problemas que foi freqentemente res-
cas realizveis (HIRST, 1994; DURKHEIM,
saltado o de que a responsabilizao de orga-
1974). Ao invs disso, tenderam a combinar os
nismos no estatais e o funcionamento rotineiro
movimentos de responsabilizao com medidas
da preveno da criminalidade podem provocar
concebidas para reforar o poder central, dirigin-
enormes disparidades no financiamento social e
do as aes dos outros de forma mais ou menos
na rede de segurana. Uma vez que a segurana
coercitiva.
deixa de ser garantida para todos os cidados por
um estado soberano, ela se torna um produto cuja As perspectivas dessa estratgia tendem a pi-
distribuio est antes merc das foras do mer- orar, na medida em que a criminalidade no uma
cado do que sendo executada em funo das ne- prioridade para a maior parte dos organismos no
cessidades. Os grupos que mais sofrem a governamentais capazes de fazer alguma coisa
criminalidade tendem a ser os membros mais po- nesse campo. Em conseqncia, essas organiza-
bres e menos poderosos da sociedade, que so es tendem a optar por seguir seus objetivos prin-
desprovidos quer de recursos para comprar se- cipais (rentabilidade, distribuio etc.) sem se pre-
gurana, quer de flexibilidade para adaptar suas ocupar de fato com as conseqncias criminais,
vidas cotidianas e se organizar de forma eficaz pelo menos enquanto a experincia e os custos da
contra o crime. Essa disparidade entre ricos e criminalidade no criarem uma interrupo direta
pobres que coincide com a diviso entre as e substancial de suas prprias atividades (PEASE,
classes detentoras da propriedade e os grupos 1994). At agora, o Estado no avanou muito na
sociais que so considerados como uma ameaa direo da redistribuio dos custos do crime em
para a propriedade tende a nos arrastar para opes que modificassem esses clculos, mas isto
uma sociedade fortificada, caracterizada pela se- talvez mude consideravelmente, no futuro. De fato,
gregao e o abandono de todo ideal cvico (veja- nesse momento, a despeito dos discursos, a crimi-
se BAUMANN, 1987; DAVIS, 1994; BOTTOMS nalidade nada tem de prioritrio, nem mesmo para
& WILES, 1994). o governo central, que continua a seguir polticas
reconhecidamente crimingenas e fracassa em dar
Tambm se disse que as novas polticas de
sustentao s iniciativas de preveno do crime
preveno da criminalidade foram seriamente so-
no grau em que seria necessrio para torn-las
lapadas pelas polticas sociais e econmicas das
realmente eficazes (SWENSON, 1986). Finalmen-
duas ltimas dcadas, assim como pelas trans-
te, o Estado est mais inclinado a recuar para es-
formaes estruturais do mercado de trabalho e
tratgias punitivas (mais fceis de serem enuncia-
da estratificao social (veja-se SIMON, 1993;
das) do que a sacrificar os objetivos econmicos
HALL & JACQUES, s/d). Fazer agir as comu-
ou sociais em proveito da represso criminal.
nidades, as famlias e os indivduos torna-se mui-
to menos plausvel se estes foram enfraquecidos X. A ATUALIDADE DE MILE DURKHEIM
e socialmente excludos. Tanto mais que os hbi-
Pode-se dizer, para concluir, que a Gr-Bre-
tos de pensamento, estabelecidos de longa data e
tanha desenvolve uma criminologia oficial que con-
alimentados pelos organismos de Estado numa fase
vm sua sociedade profundamente dividida e in-
precedente, monopolizante, preconizaram a admi-
crivelmente angustiada. a poltica de uma socie-
nistrao dos problemas de desordem e de desvio
dade bloqueada num perodo de transio. Uma
nica e exclusivamente pelos especialistas e as
sociedade que reconhece o fracasso do antigo re-
autoridades competentes.
gime e que se aproxima, no sem alguma hesita-
Uma avaliao realista provavelmente haveria o, de novos estilos e de novas formas de gover-
de reconhecer que as perspectivas da estratgia no, mas que ainda no desenvolveu a vontade
de responsabilizao so, no presente momento, poltica ou o contra-poder necessrios para reali-
de fato muito medocres. O Estado, na verdade, zar as reformas radicais que aqueles exigem.
no opera bem distncia e no nem mesmo
Todas as tentativas de criar novas instituies
76
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLTICA N 13: 59-80 NOV. 1999
e novos modos de governo quer no campo da hoje: o consumo de drogas), nveis baixos de de-
preveno criminal e da responsabilizao, quer tenes e um sentido amplamente disseminado de
em outros campos da reforma constitucional e anomia moral. Como vemos agora, suas predi-
econmica so solapadas pela recusa em aba- es revelaram-se por demais profticas. A solu-
lar os pilares do antigo regime e transferir um poder o de Durkheim era delegar mais poder s asso-
efetivo s outras instituies, pelas polticas ciaes e s organizaes da sociedade civil, apoiar
econmicas e sociais que enfraquecem as redes seus esforos de autonomia de forma ao mesmo
do controle social e que destrem a capacidade tempo moralmente significativa e eficaz do ponto
das famlias e das comunidades de moralizar e de vista do comportamento, e desenvolver um
motivar os seus membros. Toda tentativa tam- Estado residual cujo trabalho consistisse em ga-
bm solapada por uma economia de livre merca- rantir os direitos e as liberdades individuais, assim
do que exclui do trabalho remunerado massas de como os nveis de igualdade, o investimento e o
po-pulao e que nutre ativamente o crime, engen- fundo social necessrios para transformar isso
drando desejos e expectativas de consumidor in- numa realidade. Acima de tudo, ele procurava in-
sacivel ao lado de novos nveis de pobreza da troduzir cooperao e coero moral na vida
criana, de disfuno da famlia e de desigualdade econmica, um objetivo que parece absurdo para
social. os pensadores do livre mercado, at o momento
em que eles comeam a se perguntar pelas razes
A anlise de Durkheim, que j comemora um
que fazem com que pases como a Sucia, a Ale-
sculo, revela-se mais pertinente ainda em nossos
manha e o Japo ultrapassem em muito o Reino
dias (DURKHEIM, 1997a). Ele sustentava que os
Unido na maior parte dos indicadores econmicos
dispositivos de estilo punitivo eram um fenmeno
e sociais, inclusive o indicador da taxa de crimi-
autoritrio e primitivo. Em compensao, ressal-
nalidade. A soluo de Durkheim olhava para alm
ta-va nas sociedades modernas a importncia da
do Estado centralizado. Ele procurava estabelecer
preveno e da reparao para o controle do cri-
formas de solidariedade e meios de governar que
me. Ele tambm previra que se tornaria cada vez
se adequassem s caractersticas da sociedade
mais impossvel, para um Estado soberano cen-
moderna e pluralista, garantindo que as pessoas
tralizado, governar sociedades complexas e
livres fossem ao mesmo tempo moralmente con-
pluralistas com algum grau de autoridade ou de
tidas e socialmente vinculadas. A tragdia de hoje
sensibilidade moral.
que os nossos governos comeam finalmente a
Um simples cdigo moral no poderia ser im- sentir a necessidade desse tipo de organizao
posto de cima, seno ao preo de uma represso social, mas permanecem engajados numa poltica
e de um descontentamento macios. Da resul- e numa economia que a tornam impossvel.
tariam altos nveis de desvio (medido pelas taxas
Recebido para publicao em abril de 1999.
de crime e de suicdio, e Durkheim acrescentaria
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