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Estudos Na Economia Política Mutualista
Estudos Na Economia Política Mutualista
Estudos Na Economia Política Mutualista
Fayetteville, Ark. Anti-copyright 2004. Pode ser citado ou reproduzido sem limites, com devida atribuio.
1
2
Eu tenho criticado a lei do Valor Trabalho com toda a
severidade que uma doutrina to completamente falsa para
mim parecia merecer. Pode ser que minha crtica tambm
esteja aberta a muitas objees. Mas uma coisa, de qualquer
maneira, me parece certa: os escritores srios, preocupados
em encontrar a verdade, no iro, no futuro, ousar se contentar
em afirmar a lei do valor como tem sido feito at agora.
3
4
Dedicatria:
minha me, Ruth Emma Rockert, sem cujo amor e apoio eu jamais poderia ter feito este livro.
5
6
Contedo
Prefcio----9
Captulo Um--O Ataque Marginalista Economia Poltica Clssica: Uma Avaliao e Contra-
Ataque----15
A. Declarao da Teoria Clssica do Valor-Trabalho----15
B. "Economia Poltica Vulgar", Marginalismo e a Questo da Motivao Ideolgica----16
C. Os Marginalistas versus Ricardo----20
D. Excees ao Princpio do Custo: Os Clssicos em Sua Prpria Defesa----26
E. Generalidade e Paradigmas----39
F. A Sntese Marshalliana---44
G. Rothbard versus a Sntese Marshalliana----49
7
Captulo Seis--A Ascenso do Capitalismo Monopolista----211
Introduo----211
A. Corporativismo Progressista, Cartelizao Regulatria e o Estado de Guerra
Permanente----213
B. A Teoria da Elite do Poder----232
C. Capital Monopolista e Superlucros----236
D. Socializao dos Custos como uma Forma de Cartelizao----239
Parte Trs--Prxis----311
Bibliografia----348
8
Prefcio
Na metade do sculo XIX, uma vibrante escola anarquista americana nativa, conhecida
como anarquismo individualista, existia em conjunto com outras variedades. Como a maioria
dos outros pensamentos socialistas contemporneos, era embasada numa interpretao
radical da economia ricardiana. O anarquismo individualista clssico de Josiah Warren,
Benjamin Tucker e Lysander Spooner era tanto um movimento socialista quanto uma
subcorrente do liberalismo clssico. Concordava com o resto do movimento socialista que o
trabalho era a fonte do valor de troca e que o trabalho tinha o direito a seu produto completo.
Ao contrrio do resto do movimento socialista, os anarquistas individualistas acreditavam que a
recompensa natural do trabalho em um livre mercado era o seu produto e que a explorao
econmica s poderia acontecer quando capitalistas e senhorios atrelavam o poder do estado
a seus interesses. Dessa maneira, o anarquismo individualista era uma alternativa tanto ao
crescente estatismo do movimento socialista mainstream, quanto ao movimento liberal clssico
que estava se movendo em direo a uma mera apologtica ao poder das grandes empresas.
1
Nota do Tradutor: Voluntary Cooperation Movement, no original.
9
trabalho deve responder.
Na Parte I, que diz respeito teoria do valor, construmos o aparato terico para nossa
anlise posterior. Nessa seo, tentamos ressuscitar a teoria clssica do valor-trabalho,
responder aos ataques de seus crticos marginalistas e subjetivistas e, ao mesmo tempo,
reformular a teoria de uma maneira que tanto aborde suas crticas vlidas quanto incorpore
suas inovaes teis. A Parte I comea com uma avaliao da revoluo marginalista e suas
alegaes sobre ter demolido a teoria do valor-trabalho e ento procede a refutar tais crticas
ou incorpor-las.
A Parte II analisa as origens do capitalismo sob a luz desse aparato terico; uma
tentativa de explicar, se o leitor perdoar a expresso, as leis do movimento da sociedade
capitalista de estado - de suas origens no estatismo ao seu colapso por contradies internas
inerentes coero. Analisamos o capitalismo sob a luz da compreenso central do
anarquismo individualista: de que a recompensa natural do trabalho num livre mercado o seu
produto e que a coero o nico meio de explorao. a interveno estatal que distingue o
capitalismo do livre mercado.
A Parte III, finalmente, uma viso da prtica mutualista, construda tanto de nossa
anlise terica anterior quanto da rica histria do pensamento anarquista.
2
Nota do Editor: Disponvel on-line em http://www.mutualist.org/id4.html. Traduo feita por Erick
Vasconcelos para o C4SS, disponvel em: https://c4ss.org/content/33058
10
Marxist Theories of Monopoly Capitalism: A Mutualist Synthesis"3. O Captulo Oito incorpora
algum material do mesmo artigo, junto com o subttulo "Political Repression" do "Iron Fist". O
Captulo Nove inclui material do meu artigo "A 'Political' Program for Anarchists"4.
Kevin Carson
P.O. Box 822
Fayetteville, AR 72702-0822 - USA
3
N. do E.: Disponvel on-line em http://mutualist.org/id10.html.
4
N. do E.: Disponvel on-line em http://www.mutualist.org/id5.html
11
12
Nota do Editor e Tradutor
As citaes em todo o livro foram traduzidas diretamente do texto original deste livro,
sem referncia s tradues realizadas das obras citadas. Dessa maneira, mantivemos as
referncias de pginas e de edio nas notas, assim como os nomes dos livros, na forma como
esto no texto original. Fornecemos, no entanto, na Bibliografia no final do livro, alternativas em
portugus aos textos e livros citados, onde essas existam. Alguns links para referncias
bibliogrficas fornecidos nas notas do original expiraram ou sofreram alteraes, assim, onde
possvel, um novo link contendo o texto referido foi adicionado.
Ao longo do livro, foram inseridas notas explicativas sobre eventos, pessoas ou
legislaes mencionadas pelo autor, a fim de situar minimamente os leitores que possivelmente
no tenham conhecimento detalhado sobre as histrias da Inglaterra e dos E.U.A. Essas notas,
na maioria dos casos, foram traduzidas das sees iniciais dos respectivos artigos da
Wikipedia em ingls. O link para esses artigos fornecido no final da nota. O Tradutor no
reclama para si autoria desses textos.
Onde h palavras de uso tcnico e/ou especfico de uma rea de conhecimento que
no possuam traduo adequada para o portugus, manteve-se o vocbulo original com nota
de rodap explicativa.
Buscou-se, na traduo, ponderar entre a clareza do texto em portugus e a fidelidade
ao texto original, inclusive no estilo.
13
Parte I--Fundaes Tericas: Teoria do Valor
14
Captulo Um: O Ataque Marginalista Economia Poltica
Clssica: Uma Avaliao e Contra-Ataque
Ela foi apresentada por Adam Smith de forma ambgua: "O preo real de cada coisa
ou seja, o que ela custa pessoa que deseja adquiri-la a labuta e o incmodo que
custa a sua aquisio... O trabalho foi o primeiro preo, o dinheiro de compra original que foi
pago por todas as coisas."2 Na mesma passagem, no entanto, ele falou do valor de uma
mercadoria na posse de algum como consistindo na "quantidade de trabalho que ele pode
comandar...". E, em outros momentos, ele parecia fazer do preo de mercado do trabalho a
fonte de seus efeitos no valor de troca.
1
Como definido por Ronald Meek, o termo "teoria de custo" inclui "qualquer teoria que aborde o
problema do preo de uma mercadoria a partir do ngulo dos 'custos' (incluindo lucros) que devem
ser cobertos para que valha a pena para o produtor continuar a produzi-la. Algumas 'teorias do custo'
no dizem mais do que que o preo de equilbrio determinado pelo custo de produo; outras vo
mais longe e buscam um determinante final do custo de produo em si". Studies in the Labour
Theory of Value, 2nd ed. New York e London: Monthly Review Press, 1956. p. 77 (nota). Neste
captulo, a teoria do custo de produo e a teoria do valor-trabalho sero usadas de forma
intercambivel, exceto onde especificado de outra maneira. Na teoria mutualista, os componentes
no referentes ao trabalho do custo so, eles mesmos, redutveis ao valor-trabalho ou a rendas de
escassez; a teoria do valor-trabalho mutualista, portanto, simplesmente uma subespcie da teoria
do custo que a leva sua concluso lgica.
2
SMITH, Adam. An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Chicago, London,
Toronto: Encyclopaedia Britannica, 1952. p. 13.
3
RICARDO. Principles of Political Economy and Taxation, 3rd ed. London: John Murray, Albemarle
Street, 1821. Separata de: SRAFFA, Piero (Ed.). The Works and Correspondence of David Ricardo.
Cambridge: Cambridge University Press, 1951. v. 1. p. 11.
15
seu empregador, quanto maior a proporo dada ao primeiro, tanto menos resta ao ltimo."4
Marx, por sua vez, foi inspirado pela interpretao socialista Ricardiana da economia
poltica clssica, assim como por Proudhon. De acordo com Engels, o socialismo moderno
era um produto direto das compreenses da "economia poltica burguesa" sobre a natureza
dos salrios, da renda, e do lucro.
4
Ibid., p. 35.
5
HODGSKIN, Thomas. Labour Defended Against the Claims of Capital. New York: Augustus M.
Kelley, 1963 [1825]. pp. 27-8.
6
ENGELS, Friedrich. Preface to the First German Edition of The Poverty of Philosophy by Karl Marx.
In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International Publishers, 1990[1884]. v. 26. p. 279.
7
Vide, por exemplo, STRUIK, Dirk J. Introduction a MARX, Karl. The Economic & Philosophical
Manuscripts of 1844. New York: International Publishers, 1964.; FISCHER, Norman. The Ontology of
Abstract Labor. Review of Radical Political Economics, vol. 14, n. 2, vero 1982.; e HUNT, E. K.
Marx's Concept of Human Nature and the Labor Theory of Value. Review of Radical Political
Economics, vol. 14, n. 2, vero 1982.
16
concluses socialistas, ela era naturalmente vista como problemtica pelos defensores do
recm-surgido sistema de capitalismo industrial. Marx fez uma distino fundamental, a este
respeito, entre os economistas polticos clssicos e os "economistas vulgares" que vieram
aps eles. Smith, James Mill e Ricardo haviam desenvolvido suas economias polticas
cientficas sem medo de suas implicaes revolucionrias, porque o capital industrial ainda
era o progressista oprimido numa luta revolucionria contra os proventos imerecidos de
senhores feudais e monopolistas privilegiados. Mas essa situao chegou ao fim com a
aquisio de poder poltico por parte dos capitalistas.
8
MARX, Karl. Afterword to Second German Edition of Capital (1873). In MARX; ENGELS. Collected
Works. New York: International Publishers, 1996. v. 35. p. 15.
9
DOBB, Maurice. Political Economy and Capitalism: Some Essays in Economic Tradition, 2nd
revised ed. London: Routledge & Kegan Paul Ltd, 1940, 1960. p. 53.
17
aplicado a seu papel no desenvolvimento dessa tradio Smithiana e no da
abordagem Ricardiana.10
Que tantos dos economistas do ltimo quarto do sculo anunciassem seus artigos
como uma novidade que marcou poca e inclinassem suas lanas to
ameaadoramente contra seus antecessores parece ter uma explicao bvia, se
pouco lisonjeira: a saber, o perigoso uso ao qual as noes ricardianas haviam sido
recentemente colocadas por Marx.12
10
DOBB. Theories of Value and Distribution Since Adam Smith: Ideology and Economic Theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 1973. p. 118.
11
Ibid., p. 166.
12
DOBB. Political Economy and Capitalism. pp. 24, 136.
13
Ibid., pp. 24-5.
18
vulgares". Ainda mais do que por brandir seu machado contra Marx, Bhm-Bawerk parece
ter sido motivado por um desejo de demonstrar a originalidade de suas prprias ideias s
custas de defesas anteriores dos juros, como a de Nassau Senior.
Uma vez que Bhm-Bawerk no estava acima de tal crtica de seus prprios predecessores,
no temos nenhuma obrigao de poup-lo de tratamento similar por um excesso de
cavalheirismo.
14
BHM-BAWERK, Eugen von. Capital and Interest: A Critical History of Economical Theory.
Traduo de William Smart. New York: Brentanno's, 1922. p. 286.
19
temporal) sero integradas, nos captulos seguintes, a uma teoria do valor-trabalho
retrabalhada.
15
JEVONS, William Stanley. The Theory of Political Economy, 5th ed. [S.l.]: Kelley & Millman, 1957.
p. 1-2.
20
excees teoria do trabalho e ao princpio do custo. Ao faz-lo, no entanto, ele foi forado
a admitir uma correlao estatstica grosseira entre custo e preo nos casos de bens
reprodutveis; e ao admiti-lo, ele foi forado a reduzir seu argumento a tergiversar sobre o
nvel necessrio de generalidade para uma teoria de valor. Assim, tendo Bhm-Bawerk
estabelecido os termos da discusso, vamos proceder a examinar sua lista de excees
teoria do preo-custo de Ricardo. Ele comea com uma declarao geral de sua crtica:
A experincia mostra que o valor de troca dos bens est em proporo com
aquela quantidade de trabalho que sua produo custa apenas no caso de uma
classe de bens e mesmo assim apenas aproximadamente. To bem conhecido
como isso deve ser, considerando-se que os fatos sobre os quais repousa so to
familiares, isso raramente estimado com seu devido valor. Claro que todos,
inclusive os escritores socialistas, concordam que a experincia no confirma
inteiramente o Princpio do Trabalho. Comumente se imagina, no entanto, que os
casos em que os fatos reais confirmam o princpio do trabalho formam a regra e que
os casos que contradizem o princpio formam uma exceo relativamente
insignificante. Essa viso muito errnea e, para corrigi-la de uma vez por todas, eu
colocarei em grupos as excees pelas quais a experincia prova que o princpio do
trabalho limitado na vida econmica. Veremos que as excees prevalecem tanto
que dificilmente deixam espao para a regra.16
A primeira exceo teoria do valor trabalho que Bhm-Bawerk listou foi a dos bens
escassos com uma oferta inelstica.
16
BHM-BAWERK. Capital and Interest, p. 383.
17
Ibid., p. 383-4.
21
mais fundamental teoria do valor-trabalho de Ricardo. Tais bens completamente
inelsticos so, no entanto, uma poro relativamente menor de todas as mercadorias. A
produo da maioria dos bens pode, eventualmente, ser expandida a um nvel suficiente
para satisfazer a demanda. Para tais bens elsticos, a nica questo a durao
necessria para tal ajuste. Bhm-Bawerk falou sobre essa "exceo" (que no realmente
uma exceo de qualquer modo, como veremos, uma vez que no viola de qualquer
maneira a correspondncia entre o valor-trabalho e o preo de equilbrio) em seu quarto
ponto, citado a seguir. Quanto ao exemplo de obras de arte raras, etc., Bhm-Bawerk
mesmo admitiu que Ricardo os reconhecia.
O grupo final de excees - terra, patentes, etc. - merece uma anlise de perto.
Bhm-Bawerk amontoou todos os bens com uma oferta inelstica, independentemente de
se sua inelasticidade resulta de "obstculos reais ou legais". Mas a verso mutualista da
teoria do valor-trabalho afirma que, excetuando-se bens naturalmente inelsticos em oferta,
o lucro resulta de trocas desiguais - em si mesmas um resultado da interveno estatal no
mercado. Na medida em que a escassez de terra natural e reivindicaes de senhorios
absentestas no so impostas pelo estado, a renda econmica sobre a terra uma forma
de renda por escassez que prevalecer sob qualquer sistema. Mas na medida em que a
escassez artificial, resultando de restries do governo ou de senhorios absentestas
sobre o acesso terra desocupada ou de aluguis de senhorios sobre aqueles que
efetivamente ocupam e usam a terra, a conteno mutualista que tal renda um desvio
do valor de troca normal, causado por troca desigual. Patentes, da mesma maneira, so um
desvio desse tipo, no sendo nada alm de um monoplio imposto pelo estado. Tais
exemplos, portanto, no tm influncia alguma sobre a validade da teoria do valor-trabalho.
A exceo mais importante, aps a primeira, era a quarta: as flutuaes dos preos
das mercadorias acima e abaixo do eixo do seu valor-trabalho, em resposta s mudanas
na oferta e na demanda.
18
Ibid., pp. 384-5.
19
Ibid., pp. 385-6.
22
4. Uma quarta exceo ao Princpio do Trabalho pode ser encontrada
no fenmeno familiar e admitido de forma universal de que mesmo aqueles bens
cujo valor de troca corresponde inteiramente aos custos do trabalho no
demonstram essa correspondncia a todo o tempo. Pelas flutuaes de oferta e
demanda seu valor de troca colocado s vezes acima, s vezes abaixo do nvel
correspondente quantidade de trabalho incorporada neles. A quantidade de
trabalho indica o ponto em direo ao qual o valor de troca gravita, - no qualquer
ponto fixo de valor. Essa exceo, tambm, os adeptos socialistas do princpio do
trabalho me parecem fazer muito pouco caso dela. Eles a mencionam, de fato, mas
eles a tratam como uma pequena irregularidade transitria, cuja existncia no
interfere com a grande "lei" do valor de troca. Mas inegvel que essas
irregularidades so justamente muitos casos onde o valor de troca regulado por
outros determinantes que no a quantidade de custos de trabalho. Elas poderiam,
em todo caso, ter sugerido a investigao se talvez no existe um princpio mais
universal do valor de troca, ao qual pode ser traado, no s as formaes regulares
de valor, mas tambm aquelas formaes que, do ponto de vista da teoria do
trabalho, parecem ser "irregulares". Mas procuraramos em vo por qualquer
investigao do tipo entre os tericos dessa escola.20
Ricardo tratava na maior parte do tempo "valor" e "preo" como sinnimos e alegava
somente que o valor se aproximava do trabalho incorporado ao longo de um perodo de
tempo. Marx, por outro lado, usava "valor" num sentido muito mais prximo de preo de
equilbrio. Ambos, ento, afirmavam nada mais de que o preo de equilbrio de um bem em
oferta elstica se aproxima de seu valor-trabalho. E, para ambos, as flutuaes de preo
sob a influncia da oferta e da demanda eram o prprio mecanismo pelo qual a lei do valor
operava.
20
Ibid., p. 386.
23
de trabalho 'prvio'..."21. Se ele estava se referindo aqui ao custo de amortizao de gastos
passados com capital, isso no apresenta qualquer problema para a teoria do trabalho,
dada sua viso do capital como trabalho prvio acumulado. Se ele estava se referindo aos
problemas apresentados teoria do valor-trabalho por capitais de composies orgnicas
diferentes e taxa geral de lucro, um estudo extensivo dessa questo est alm do nosso
escopo aqui. Basta dizer que Ricardo, assim como Marx, reconhecia composies
diferentes de capital como um fator de distoro; e Marx via a taxa geral de lucro somente
como redistribuio da mais-valia e, desse modo, tornando indireta a operao da lei do
valor. E, do ponto de vista mutualista, lucro e juros so retornos de monoplio sobre o
capital resultando da interveno estatal no mercado; ento para o mutualismo, a taxa de
lucro (excetuando-se a parte relativamente menor do lucro lquido resultando da preferncia
temporal, com a qual lidaremos no Captulo 3) simplesmente outro exemplo das
distores pelas quais a troca desigual causa um desvio dos "valores normais".
21
Ibid., pp. 386-7.
22
Ibid. p. 387.
24
irrelevante em todos os casos de escassez, eles no foram claros sobre o que exatamente
eles queriam dizer com escassez.
23
MENGER, Carl. Principles of Economics. Traduo de James Dingwall e Bert F. Hoselitz. Grove
City, PA: Libertarian Press, 1976. p. 101.
24
Ibid., p. 116-7.
25
Nota do Tradutor: A Cocanha um pas mitolgico, conhecido durante a Idade Mdia. Nesta terra
mitolgica, no havia trabalho e o alimento era abundante, lojas ofereciam seus produtos de graa,
casas eram feitas de cevada ou doces, sexo podia ser obtido livremente, o clima sempre era
agradvel, o vinho nunca terminava e todos permaneciam jovens para sempre. Vivia-se entre os rios
de vinho e leite, as colinas de queijo (queijo chovia do cu) e leites assados que ostentavam uma
faca espetada no lombo. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cocanha.
26
N. do T.: "Big Rock Candy Mountain", primeiro gravada por Harry McClintock, em 1928, uma
cano de msica folk sobre a ideia de paraso de um vagabundo, uma verso moderna do conceito
medieval da Cocanha. um lugar onde "galinhas colocam ovos cozidos moles" e h "rvores de
cigarro". McClintock afirmou ter escrito a cano em 1895, baseado em contos de sua juventude
viajando atravs dos Estados Unidos, mas alguns acreditam que pelo menos alguns aspectos da
msica j existiam h muito mais tempo. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Big_Rock_Candy_
Mountain.
27
BHM-BAWERK. The Positive Theory of Capital. Traduo de William Smart. London e New York:
MacMillan and Co., 1891. pp. 135-6.
25
E essa escassez, como Bhm-Bawerk colocou, era uma escassez de "bens presentes":
Esse conceito de "escassez", como usado por Menger e Bhm-Bawerk, tem trs
problemas. Primeiro, como j sugerimos anteriormente, fazer a escassez e a utilidade
dependerem do balano entre a demanda e os "bens presentes" no momento presente,
ignora o fator dinmico. Ao se tomar o equilbrio entre oferta e demanda em um mercado
em particular, em um momento em particular, como um "instantneo", e se derivar o valor
da "utilidade" nesse contexto, se ignora o efeito do preo de curto prazo sobre o
comportamento futuro dos agentes de mercado: o prprio mecanismo atravs do qual o
preo se faz aproximar do custo ao longo do tempo.
Segundo, confunde dois tipos de escassez: 1) o tipo de escassez que torna bens
econmicos (ou seja, uma dificuldade de produo ou apropriao suficiente para exigir
algum esforo ou desutilidade para adquiri-los em uma forma utilizvel); e 2) o tipo de
escassez em que um bem est numa oferta mais ou menos inelstica, de maneira que ele
no pode ser produzido em quantidades proporcionais ao esforo. De certo modo, o
primeiro tipo construdo em oposio a um espantalho: como dissemos anteriormente,
no existem virtualmente quaisquer bens no-econmicos.
Uma vez que Bhm-Bawerk e outros fizeram tanto das vrias excees de escassez
ao princpio do custo, iremos examinar o tratamento de tais excees nos escritos dos
prprios economistas polticos clssicos e socialistas. Se, como veremos a seguir, os
clssicos livremente admitiram tais excees, se segue que os marginalistas e subjetivistas
estavam atacando um espantalho; ou, no mnimo, que eles tinham uma ideia bem diferente
do nvel de generalidade necessria para uma teoria de valor.
28
Ibid., p. 332.
26
Embora Adam Smith figurasse muito menos proeminentemente que Ricardo nos
ataques subjetivistas s teorias de valor-trabalho e custo, ele ainda assim no escapou
inteiramente s suas atenes. Ento ser interessante examinar declaraes, em seus
escritos, de excees ao princpio do custo.
Se, a qualquer momento, ela excede a demanda efetiva, algumas das partes
constituintes de seu preo devem ser pagas abaixo de sua taxa natural. Se for
renda, o interesse dos senhorios imediatamente os levar a retirar uma parte de sua
terra; e se forem salrios ou lucro, o interesse dos trabalhadores, em um caso, e de
seus empregadores, no outro, os levar a retirar a parte de seu trabalho ou estoque
desse emprego. A quantidade trazida ao mercado logo no ser mais que o
suficiente para prover a demanda efetiva. Todas as diferentes partes de seu preo
subiro sua taxa natural e o todo ao seu preo natural.
Smith, nessa anlise, ofuscou os Austracos em dois pontos. Primeiro, ele admitiu a
29
SMITH. Wealth of Nations, p. 24.
27
oferta como um fator dinmico, em vez de tratar o equilbrio entre oferta e demanda em
algum dado momento, fora de qualquer contexto maior. E, segundo, em vez de tratar a
demanda como absoluta e, portanto, praticamente ilimitada em comparao com a oferta,
ele considerou apenas a demanda "efetiva" por um bem ao seu preo "natural". Ateno a
esses dois pontos j uma boa parte do caminho para evitar a impresso enganadora da
teoria de valor da "utilidade", como grosseiramente formulada pelos Austracos.
Esses diversos tipos de produtos naturais podem ser divididos em trs categorias. A
primeira engloba aqueles que dificilmente o trabalho humano pode multiplicar. A
segunda, aqueles que ele pode multiplicar, em proporo demanda. A terceira,
aqueles em que a eficcia do trabalho para multiplic-los limitada ou incerta. Com
o avano da riqueza e do desenvolvimento, o preo real dos primeiros pode
aumentar indefinidamente e parece no ter qualquer limite fixo. O dos segundos,
embora possa aumentar muito, tem, no entanto, um certo limite, para alm do qual
no pode passar, conjuntamente, por qualquer tempo considervel. O dos terceiros,
embora sua tendncia natural seja a aumentar com o avano do desenvolvimento,
pode s vezes at cair no mesmo grau de desenvolvimento, s vezes continuar
inalterado, e s vezes aumentar mais ou menos, conforme acidentes diversos
tornem os esforos do trabalho humano... mais ou menos bem-sucedidos.
A primeira categoria inclua aqueles bens que "a natureza produz apenas em certas
quantidades"31
Quanto a Ricardo, ele deixou claro no comeo que sua teoria do trabalho do valor de
troca se aplicava apenas quelas mercadorias cuja oferta pudesse ser aumentada em
resposta demanda. (Como os outros economistas polticos clssicos e Marx, ele tambm
criou um critrio de utilidade para o valor de troca - assim dispensando a falsa pista da
"torta de lama", favorita dos subjetivistas.)
30
Ibid., p. 25-6.
31
Ibid., p. 94-5.
28
seu valor no pode ser baixado por uma oferta aumentada. Algumas esttuas e
quadros raros, livros e moedas escassos, vinhos de uma qualidade peculiar, que s
podem ser feitos de uvas cultivadas em um solo particular, do qual existe uma
quantidade muito limitada, so todos dessa descrio. Seu valor inteiramente
independente da quantidade de trabalho originalmente necessria para produzi-los e
varia com a variao de riqueza e com as inclinaes daqueles que esto desejosos
de possu-las.
Nesta passagem, Ricardo lida com bens cuja oferta totalmente inelstica como
excees nas quais o valor de troca determinado pela escassez, em vez de pelo trabalho.
Ele tambm mencionou a livre concorrncia como uma exigncia para a lei do valor operar.
Essas so duas das principais excees listadas por Bhm-Bawerk como falhas
condenatrias no sistema de Ricardo, devidamente notadas por Ricardo e, aparentemente,
sem nenhum grande embarao para ele. A principal deficincia de Ricardo nessa passagem
foi ter tratado a escassez e o trabalho como fatores conjunta ou simultaneamente
determinantes, em vez de tratar o trabalho como um fato primrio e as rendas de escassez
como desvios secundrios do valor-trabalho.
32
RICARDO. Principles of Political Economy and Taxation, p. 12.
33
Ibid., p. 88.
29
Aqui ele implicitamente admitiu que os preos da maioria das mercadorias, em qualquer
dado momento, esto acima ou abaixo de seu valor-trabalho e em processo de
movimentao em direo a ele. Sem dvida, ele no tratou adequadamente os graus de
elasticidade e os diferentes intervalos de tempo que eram necessrios, como resultado,
para que oferta e demanda estabeleam um equilbrio em torno do valor-trabalho. Mas,
novamente, at mesmo isso estava pelo menos implcito nessa discusso. Tambm est
claro, a partir dessa passagem, que Ricardo via tais oscilaes de preo como o
mecanismo pelo qual a lei do valor operava, em vez de excees a ela.
34
Ibid., p. 382.
35
Ibid., pp. 67-84.
36
Ibid., pp. 364-5.
37
Ibid. p. 385.
30
Aqueles que introduzem novas tecnologias de produo podem derivar excedentes de
produo temporrios, mas a propagao generalizada da nova tecnologia, induzida por
tais lucros aumentados, faria com que eventualmente o preo casse ao nvel do custo de
produo.38
John Stuart Mill estava bastante na tradio Ricardiana ao lidar com o efeito do
custo e da escassez sobre o preo. Como Ricardo, ele mantinha que os custos eram o fator
determinante para bens reprodutveis.
Como uma regra geral, ento, as coisas tendem a ser trocadas umas pelas
outras a valores tais que permitiro que a cada produtor seja pago o custo de
produo junto ao lucro ordinrio40
31
, portanto, estritamente correto dizer que o valor de coisas que podem ser
aumentadas em quantidade vontade, no depende (exceto acidentalmente e
durante o tempo necessrio para a produo ajustar-se) da demanda e da oferta; ao
contrrio, a demanda e a oferta dependem dele. H uma demanda por uma certa
quantidade de mercadoria ao seu valor natural ou de custo e, a essa, a oferta no
longo prazo esfora-se para se conformar.41
Assim como Smith, Mill dividia as mercadorias em trs grupos baseado em sua
reprodutibilidade. Em alguns casos, existia uma "limitao absoluta da oferta" devido ao fato
de que era "fisicamente impossvel aumentar a quantidade alm de certos limites estreitos".
Como exemplos, ele listou os mesmos tipos de mercadorias que Smith: obras de arte e
produtos cultivados em tipos especficos de solos raros. Outras mercadorias poderiam ser
multiplicadas sem limite, dada a disposio para se incorrer em uma certa quantidade de
trabalho e despesa para obt-los. Finalmente, algumas mercadorias poderiam ser
multiplicadas indefinidamente com trabalho e despesa suficientes, "mas no por uma
quantidade fixa de trabalho e despesa". Nveis maiores de produo requeriam maiores
custos unitrios de produo (aqui ele se referia principalmente produo agrcola). 42
Mill foi um pouco mais explcito do que Ricardo ao lidar com o elemento temporal na
determinao do grau de elasticidade. O perodo de tempo envolvido na gravitao do
preo em direo ao custo dependia da durao de tempo necessria para se ajustar a
produo a mudanas na demanda ou para se dispor da produo excedente.
Assim como Ricardo, Mill acreditava que o preo era governado pelo custo de
produo daqueles produtores nas circunstncias mais desfavorveis. Aqueles numa
situao mais vantajosa receberiam um excedente de produo equivalente s suas
economias de custo. E, assim como Ricardo, ele aplicava o princpio no somente renda
econmica sobre a terra, mas a semi-rendas sobre bens manufaturados.
41
Ibid. p. 475.
42
Ibid. p. 464-5.
43
Ibid. p. 469.
32
rende mais do que o lucro ordinrio. Se essa vantagem depende de qualquer
exceo especial, tais como se estar livre de um imposto, ou de quaisquer
vantagens pessoais, fsicas ou mentais, ou de qualquer processo peculiar apenas
conhecido por eles mesmos, ou da posse de um capital maior do que de outras
pessoas, ou de vrias outras coisas que podem ser enumeradas, eles a retm para
si mesmos como um ganho extra, acima e alm dos lucros gerais do capital, da
natureza, de certo modo, de um lucro de monoplio44
44
Ibid. p. 490.
45
Ibid. p; 494-5.
33
atravs da presso sobre os preos da nica maneira em que ela pode ser
estabelecida , portanto, meramente provar que... se adotou o desdm utpico usual
pelas leis econmicas.
O valor das mercadorias determinado pelo tempo de trabalho apenas seu valor
mdio....
46
ENGELS. Preface to the First German Edition of The Poverty of Philosophy by Karl Marx. pp. 286-
7.
47
MARX. The Poverty of Philosophy. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International
Publishers, 1976. v. 6 pp. 134-5.
34
so sempre distintos e nunca coincidem, ou apenas muito fortuita e
excepcionalmente. O preo das mercadorias sempre fica acima ou abaixo de seu
valor, e o valor das mercadorias em si existe apenas nos ALTOS E BAIXOS dos
preos das mercadorias. A demanda e a oferta continuamente determinam os
preos das mercadorias; elas nunca coincidem ou apenas o fazem acidentalmente;
mas os custos de produo determinam, por sua vez, as flutuaes da demanda e
da oferta.48
E tais desvios do valor incluam semi-rendas para aqueles que primeiro introduziam
mtodos mais eficientes de produo. Era apenas atravs do incentivo de mercado
apresentado por tais semi-rendas e atravs da concorrncia resultante que os mtodos
aprimorados eram universalmente adotados e vinham a definir a forma padro de produo.
"Um capitalista trabalhando com mtodos de produo aprimorados, mas ainda no
geralmente adotados, vende abaixo do preo de mercado, mas acima de seu preo
individual de produo; sua taxa de lucro cresce at que a concorrncia a nivele"49.
Finalmente, para trazer o espantalho da "torta de lama" para outra surra, Marx fez do
trabalho socialmente necessrio o regulador do valor. A teoria do valor-trabalho se aplicava
somente a mercadorias, que eram objetos da necessidade humana. O trabalho gasto
produzindo bens no demandados ou o excesso de trabalho desperdiado em mtodos de
produo menos eficientes do que a norma, eram um peso-morto. Era a funo do preo de
mercado, ao negar pagamento por tal trabalho desnecessrio, que punha o produtor em
acordo com os desejos da sociedade.
Cada uma dessas unidades a mesma que qualquer outra, contanto que tenha o
carter do poder de trabalho mdio da sociedade e tenha efeito como tal: isto ,
contanto que no seja necessrio produo de uma mercadoria nenhum tempo a
mais do que necessrio em mdia, no mais do que socialmente necessrio. O
tempo de trabalho socialmente necessrio aquele exigido para produzir um artigo
sob as condies normais de produo e com o grau mdio de habilidade e
intensidade predominante no momento...
48
MARX. Grundrisse. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International Publishers,
1986-87. v. 28-29. pp. 75-6.
49
MARX; ENGELS, Friedrich. Capital vol. 3. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York:
International Publishers, 1998. v 37 p. 229.
50
MARX; ENGELS, Friedrich. Capital vol. 1, 1st English ed. (1887). In: MARX; ENGELS. Collected
Works. (New York: International Publishers, 1996). v. 35 p. 49.
35
por elas sustentaria apenas um pequeno nmero de trabalhadores. Como resultado, o
preo de mercado informaria os caadores de borboleta suprfluos que a maior parte de
seu trabalho era socialmente desnecessrio, e o trabalho poderia ser retirado de tal
"produo" at que o preo fosse suficiente para recompensar o trabalho de apanh-las. Os
economistas polticos clssicos e Marxistas, tanto quanto os Austracos, entendiam que o
trabalho gasto em produo para a qual no havia demanda era um "custo irrecupervel".
Claro, como Marshall apontou mais tarde, essa irrelevncia da demanda para o preo de
equilbrio era complicada pelo fato de que o nvel de demanda efetiva pode afetar a escala
de produo e, portanto, afetar tambm os custos unitrios de produo.
Meek criticou Vilfred Pareto, quase nos mesmos termos que temos criticado Bhm-
51
MEEK. Studies in the Labour Theory of Value, pp. 178-9.
36
Bawerk, por seus ataques contra uma verso de espantalho da teoria do valor-trabalho de
Marx.
A resposta apropriada a tal critica, Meek argumentou, seria "que os preos de equilbrio de
longo prazo de mercadorias livremente reprodutveis (distinto de seus preos dirios no
mercado) no sero de fato afetados por uma mudana na demanda ao menos que seja
acompanhada por uma mudana nas condies de produo53.
Finalmente, uma vez que nossa verso da teoria do valor-trabalho deve mais a
Benjamin Tucker do que a Marx, apropriado fornecer alguns exemplos em que Tucker
reconhecia "excees" teoria do trabalho. Tucker aceitava a existncia de semi-rendas de
curto prazo sobre as mercadorias para as quais a demanda havia aumentado ou sobre
mercadorias para as quais novos processos de produo haviam sido introduzidos. Assim
os Clssicos e Marx, ele via a concorrncia como o mecanismo pelo qual o preo seria
reduzido ao custo, quando a entrada no mercado era livre e os bens eram livremente
reprodutveis. " verdade que a utilidade do produto [do trabalhador] tem uma tendncia a
aumentar seu preo; mas esta tendncia imediatamente compensada, onde quer que a
concorrncia seja possvel, ...pelo mpeto de outros trabalhadores de criar este produto, que
dura at que o preo caia de volta aos salrios normais do trabalho"54.
Tucker tambm reconhecia que a renda econmica sobre a terra com vantagens de
localizao ou de fertilidade persistiria, mesmo quando a renda do senhorio absentesta
fosse abolida. E, igualmente, ele via os excedentes de produo que resultassem de uma
habilidade inata superior como anlogos renda econmica sobre a terra e, portanto, como
inevitveis mesmo com a abolio do privilgio. Embora a abolio do monoplio da terra
fosse reduzir a renda a "uma frao muito pequena de suas propores atuais", ainda
restaria um pouco. A "frao restante", no obstante,
37
princpio do custo, provavelmente sempre permitir que alguns indivduos ganhem
salrios maiores do que a taxa mdia.55
Tucker estava disposto a aceitar tais rendas de escassez permanentes como males
necessrios. Ele distinguia entre deficincias competitivas que resultavam de "intromisso
humana" e aquelas que no resultavam.57 Ao contrrio da usura e da renda do senhorio,
que resultavam do privilgio legal coercitivamente mantido dos proprietrios do capital e da
terra, as formas restantes de excedentes de produo resultavam apenas de circunstncias
gerais ou "atos de Deus" e no eram, portanto, exploradoras. Os males envolvidos em se
criar um mecanismo coercitivo para resolver tais desigualdades e coletar pagamento de
oportunistas excederiam os males das desigualdades em si.
55
TUCKER. A Criticism That Does Not Apply. Liberty, 16 jul. 1887. In: Ibid., p. 323.
56
TUCKER. Protection, and Its Relation to Rent. Liberty, 27 out. 1888. In: Ibid., pp. 328, 331.
57
TUCKER. Pinney His Own Procrustes. Liberty, 23 abr. 1887. In: Ibid., p. 251.
58
TUCKER. Liberty and Land. Liberty, 15 dez. 1888. In: Ibid., pp. 336-6.
59
TUCKER. Voluntary Cooperation. Liberty, 24 mai. 1890. In: Ibid., p. 105.
60
TUCKER. Rent: Parting Words. Liberty, 12 dez. 1885. In: Ibid., p. 306.
61
TUCKER. Protection, and Its Relation to Rent, p. 332.
38
E. Generalidade e Paradigmas
Com efeito, fora os desvios causados pela "frico" e pelo elemento temporal, a
correlao entre o custo de produo e preo estaria bem prxima.
62
BHM-BAWERK. Capital and Interest, p. 387.
63
BHM-BAWERK. The Positive Theory of Capital, p. 233.
39
Frico. Quase invariavelmente h algum obstculo, grande ou pequeno,
permanente ou temporrio, ao devido investimento das foras produtivas originais
nos empregos e formas de consumo que so as mais remuneradoras no momento.
Em consequncia, a proviso dos desejos e, igualmente, os preos so um tanto
assimtricos. s vezes, que ramos individuais do desejo so, relativamente, mais
amplamente ofertados do que outros.... Mas, s vezes, pode ser que grupos de
materiais produtivos, sucessivamente transformados at que sejam finalmente
convertidos na mercadoria finalizada, no sejam igualmente valorizados em todos os
estgios do processo [aqui ele usou uma analogia de um crrego para ilustrar
gargalos em vrios estgios do processo de produo]...
64
Ibid., pp. 233-4.
40
Mas todas as abstraes permanecem apenas aproximaes da realidade: essa
sua natureza essencial; e no nenhuma crtica a uma teoria do valor meramente
dizer que ela assim. Se tais suposies so permissveis ou no, uma questo
do tipo de pergunta, da natureza do problema com que o princpio concebido para
lidar. A crtica s se torna vlida se ela mostra que as suposies implcitas
impedem a generalizao de sustentar aqueles corolrios que ela empregada para
sustentar.... muito raramente lembrado, hoje em dia, que a preocupao da
Poltica Econmica clssica era com o que se pode chamar de problemas
"macroscpicos" da sociedade econmica e apenas muito secundariamente com os
problemas "microscpicos", na forma dos movimentos de preos particulares de
mercadorias.
Dobb comparou a lei geral do valor de Marx, enquanto uma primeira aproximao, e as
aproximaes secundrias, que a ajustavam aos desvios resultantes da escassez e de
diferenas na composio orgnica de capital, s sucessivas aproximaes da lei dos
projteis na fsica tornadas necessrias pela resistncia do vento e outras influncias de
compensao.65
Por exemplo, Leif Johansen tentou, em dois artigos, mostrar como a utilidade
marginal poderia ser incorporada a uma teoria do valor-trabalho. Em "Marxism and
Mathematical Economics", ele descreveu os termos gerais de uma sntese dessas:
65
DOBB. Political Economy and Capitalism, pp. 14-7.
66
DOBB. Theories of Value and Distribution, pp. 10-1.
41
aceitar a teoria da utilidade marginal do comportamento dos consumidores.67
67
JOHANSEN, Leif. Marxism and Mathematical Economics. Monthly Review, jan. 1963, p. 508.
68
JOHANSEN, Leif. Labor Theory of Value and Marginal Utilities. Economics of Planning, vol.3, n. 2,
p. 100, set. 1963.
42
Uma construo imaginria uma imagem conceitual da sequncia de
eventos logicamente desenvolvida dos elementos de ao empregados em sua
formao. um produto da deduo, derivado, em ltima anlise, da categoria
fundamental da ao, do ato de preferir e de pr de lado...
69
MISES, Ludwig von. Human Action. Chicago: Regnery, 1949, 1963, 1966. pp. 236-8.
70
Ibid. 546-7.
43
consequentemente, nenhuma posio dessa jamais atingida na prtica. Mas muito
embora ela jamais seja atingida na prtica, ela tem uma importncia muito real. Em
primeiro lugar, como o coelho mecnico sendo perseguido pelo cachorro. Nunca
atingido na prtica e est sempre mudando, mas explica a direo na qual o
cachorro est se movendo.71
F. A Sntese Marshalliana
71
ROTHBARD, Murray. Man, Economy and State: A Treatise on Economic Principles. Auburn
University, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 1993. pp. 275-6.
72
DOBB. Theories of Value and Distribution, pp. 112-3; MEEK. Studies in the Labour Theory of
Value, pp. 123, 245-6.
73
MARSHALL, Alfred. Principles of Economics: An Introductory Volume, 8th ed. New York: The
MacMillan Company, 1948. pp. 580, 587-8.
44
Sobre essa noo de lucro ou juro como uma recompensa pela "abstinncia" ou
"espera" (ou "preferncia temporal", como os Austracos preferiam colocar), teremos muito
a dizer nos prximos dois captulos. No momento, basta dizer que o valor de mercado da
abstinncia, assim como da taxa de preferncia temporal Austraca, varia em grande parte
junto a fatores tais como a distribuio de propriedade e as deficincias legais impostas
concorrncia no mercado de capital.
crescente opinio de que mal foi feito pelo hbito de Ricardo de pr nfase
desproporcional no lado do custo de produo, ao analisar as causas que
determinam o valor de troca. Pois, embora ele e seus principais seguidores
estivessem cientes que as condies de demanda desempenhavam uma parte to
importante quanto aquelas da oferta na determinao do valor, ainda assim eles no
expressaram seu significado com clareza o suficiente e foram mal-entendidos por
todos exceto os leitores mais cuidadosos.75
74
Ibid., p. 348.
75
Ibid., p. 84.
76
Ibid., p. 349.
45
usou uma linguagem bastante similar de Mises a respeito do valor de "construes
imaginrias":
E, com uma semelhana inquietante com Bhm-Bawerk, ele escreveu que os preos
a curto prazo "so governados pela relao da demanda com os estoques de fato no
mercado" em qualquer dado momento.78 Os estoques existentes de bens so todos os que
esto disponveis durante o lapso de tempo necessrio para maior produo, independente
da demanda; e bens excessivos so um "custo irrecupervel", independente do dficit de
demanda.
O custo de produo uma influncia sobre o preo somente ao longo do tempo, conforme
a oferta ajustada em resposta demanda efetiva e oferta, e demanda se aproximam do
equilbrio.
Mas, como Marshall apontou, a oferta , por si mesma, uma varivel dependente: "a
oferta atual , ela mesma, parcialmente devida ao de produtores no passado; e essa
ao foi determinada como o resultado de uma comparao dos preos que eles esperam
receber por seus bens com as despesas que eles iro incorrer ao produzi-los"80. A operao
da oferta e da demanda sempre operava, ao longo do tempo, para harmonizar a produo
com a demanda efetiva ao custo de produo e, assim, equacionar o preo ao custo de
produo. O preo de demanda estava sempre sinalizando aos produtores para que
reduzissem ou aumentassem a produo, at que o preo de demanda se igualasse ao
preo de oferta.
77
Ibid., p. 366.
78
Ibid., p. 372.
79
Ibid., p. 402.
80
Ibid., p. 372.
46
de uma pedra pendendo livremente de uma corda; a comparao seria mais exata
se a corda pendesse nas guas turbulentas de uma calha de moinho, cuja
correnteza fosse, em um momento, deixada fluir livremente e, em outro,
parcialmente interrompida... Pois, de fato, as programaes da oferta e da demanda
no permanecem inalteradas na prtica por um longo tempo consecutivo, mas esto
constantemente sendo alteradas, e toda mudana nelas altera a quantidade de
equilbrio e o preo de equilbrio e, assim, d novas posies aos centros em torno
dos quais a quantidade e o preo tendem a oscilar.
Se Ricardo havia exagerado seu caso em uma direo, Marshall acreditava que os
pais da revoluo marginalista haviam exagerado o deles ainda mais na direo oposta.
Marshall sustentava "que as fundaes da teoria, da forma como foram deixadas por
Ricardo, permanecem intactas; esse tanto foi adicionado a elas, e esse mesmo tanto foi
construdo por sobre elas, mas pouco foi tirado delas"83.
Quanto a Jevons, no apenas ele exagerou sua prpria doutrina, mas ela dependia
de uma m leitura diligente de Ricardo e Mill.
81
Ibid., pp. 346-7.
82
Ibid., p. 577.
83
Ibid., p. 503.
47
inteiramente da utilidade"... Essa declarao parece ser no menos unilateral e
fragmentria e muito mais enganadora do que aquela em que Ricardo
frequentemente deslizava com brevidade negligente, quanto dependncia do valor
sobre o custo de produo; mas que ele jamais considerou como mais do que uma
parte de uma doutrina maior, o resto da qual ele havia tentado explicar.
verdade que o prprio Jevons estava ciente disso e que sua descrio pode se
tornar consistente com os fatos da vida por uma srie de interpretaes que, com
efeito, substituem "utilidade" e "desutilidade" por "preo de demanda" e "preo de
oferta": mas, quando assim corrigidas, elas perdem muito de sua fora agressiva
contra as doutrinas mais antigas e, se ambas fossem severamente sustentadas com
base em uma interpretao estritamente literal, ento o mtodo mais antigo de se
falar, embora no perfeitamente preciso, parece estar mais prximo da verdade do
que aquele pelo qual Jevons e alguns de seus seguidores se esforaram para o
substituir.87
84
Ibid., p. 817.
85
Ibid., p. 818.
86
Ibid., p. 95.
87
Ibid., p. 818.
48
Em defesa da sofisticao da doutrina de Ricardo, da forma como ele a entendia,
Marshall salientou a declarao, na carta de Ricardo a Malthus, de que: " a oferta que
regula o valor, e a oferta , ela mesma, controlada pelo custo comparativo de produo". E,
em sua prxima carta, "eu no disputo nem a influncia da demanda sobre o preo do
milho, nem sobre o preo de nenhuma das as outras coisas: mas a oferta segue perto em
seu encalo e logo toma o poder de regular o preo em suas prprias mos e, ao regul-lo
ela, determinada pelo custo de produo". Ele citou Mill, igualmente, no sentido de que "a
lei da demanda e da oferta... controlada, mas no posta de lado, pela lei do custo de
produo, uma vez que o custo de produo no teria efeito sobre o valor se no tivesse
nenhum sobre a oferta". Dessa maneira, a doutrina "revolucionria" de Jevons, de que a
influncia do custo de produo se fazia sentir atravs das leis da oferta e da demanda, era
parte da doutrina de Ricardo e Mill.88
Murray Rothbard rejeitou, nos termos mais fortes, essa tentativa Marshalliana de
uma sntese das inovaes marginalistas com o legado de Ricardo. E, com isso, ele rejeitou
a tentativa de Marshall de uma sntese do trabalho e da espera como elementos do "custo
real". Para entender por qu, devemos comear com a distino de Rothbard entre o
julgamento de aes ex ante e ex post. Ao julgar ex ante, um agente determina qual curso
futuro de ao mais provvel que maximize sua utilidade. O julgamento ex post, em
contraste, uma avaliao dos resultados da ao passada. Rothbard negava que "custos
irrecuperveis" poderiam conferir valor. "...custo incorrido no passado no pode conferir
qualquer valor agora"90. " evidente... que, uma vez que o produto foi feito, o 'custo' no
tem qualquer influncia sobre o preo do produto. Custos passados, sendo efmeros, so
irrelevantes para a determinao presente dos preos..."91.
88
Ibid., p. 819.
89
Ibid., p. 821.
90
ROTHBARD. Man, Economy and State, p. 239.
91
Ibid., p. 292.
49
O preo do produto final determinado pelas valorizaes e demandas dos
consumidores, e esse preo determina qual ser o custo. Os pagamentos de fatores
so o resultado das vendas aos consumidores e no determinam as ltimas
antecipadamente. Os custos de produo, ento, esto merc do preo final e no
o contrrio...92
Uma doutrina revolucionria, de fato! Exceto que, numa inspeo mais de perto, no
parece to revolucionria afinal. E o Marshall e o Ricardo a quem Rothbard se ops to
dramaticamente, acabam por ser caricaturas grosseiras. Suas declaraes do princpio do
custo no eram nada to cruamente metafsico quanto "o preo do produto final
determinado pelos 'custos de produo...'"93. (Rothbard foi, se qualquer coisa, mais caridoso
que Bhm-Bawerk, que se sentiu compelido a negar que houvesse poder "em qualquer
elemento da produo de infundir valor imediatamente ou necessariamente em seu
produto"94.)
92
Ibid., p. 302-3.
93
Ibid., p. 304.
94
BHM-BAWERK. Capital and Interest, p. 140.
50
prazo existe ou que de alguma forma mais permanente ou mais persistentemente
existente do que os dados reais do mercado... O fato de que custos se igualam aos
preos no "longo prazo" no significa que os custos iro realmente se igualar aos
preos, mas que a tendncia existe, uma tendncia que est continuamente sendo
rompida na realidade pelas prprias mudanas espasmdicas nos dados de
mercado que Marshall aponta.95
(J vimos, alis, que o longo prazo de Marshall no equivalente ao hipottico mundo sem
mudana dos Austracos, ou EUR, mas sim ao "equilbrio final" Austraco em direo ao
qual a economia tende, mas nunca se aproxima).
Mais importante do que o desvio da maioria dos preos de seu valor normal, em
qualquer dado momento, o fato de que eles tendero em direo a esse valor ao longo do
tempo, se no impedidos por privilgio monopolista. Como Schumpeter escreveu, embora
possa sempre existir uma taxa mdia positiva de lucro, " suficiente que... o lucro de cada
fbrica individual seja incessantemente ameaado pela concorrncia real ou potencial de
novas mercadorias ou mtodos de produo, que mais cedo ou mais tarde ir transform-lo
em uma perda". A trajetria do preo de qualquer bem de capital ou de consumo, sob a
influncia da concorrncia, ser em direo ao custo: "pois nenhuma coleo individual de
95
ROTHBARD. Man, Economy and State, p. 305.
96
MARSHALL. Principles of Economics, pp. 346-7.
97
Ibid., p. 577.
51
bens de capital permanece como uma fonte de ganhos excedentes para sempre..."98. Ou
nas palavras de Tucker, "a concorrncia [] o grande nivelador de preos ao custo de
trabalho de produo"99.
Deixando de lado a caricatura de Rothbard das vises de Marshall (ou seja, sua
suposta viso do longo prazo como efetivamente existindo em algum senso real, como um
modelo esttico como a Economia Uniformemente Rotativa), descobrimos que Marshall, na
verdade, disse algo bastante parecido com o que Rothbard disse: o preo de reproduo
dos bens tende em direo ao custo de produo. O preo de equilbrio e o "longo prazo",
assim como o "equilbrio final" Austraco, no so vistos em termos conceitualmente
realistas como coisas efetivamente existentes. Em vez disso, eles so constructos tericos
para tornar os fenmenos do mundo real mais compreensveis. A postura Austraca de
ceticismo radical, quando ideologicamente conveniente, efetivamente priva os
economistas da capacidade de fazer generalizaes teis sobre as regularidades
observadas nos fenmenos do mundo real.
O problema com a crtica de Rothbard a Marshall que ela poderia ser aplicada com
quase tanta justia ao prprio Rothbard. Por exemplo, Rothbard admitiu que o custo de
produo poderia ter um efeito indireto sobre o preo, atravs de seu efeito sobre a oferta.
Em sua discusso da distino entre julgamentos ex ante e ex post, que citamos
anteriormente, ele tambm proclamou estar "claro que os julgamentos ex post [do agente]
so principalmente teis para ele ao pesar suas consideraes ex ante para ao futura"100.
E diretamente aps sua declarao citada acima de que o "'custo' no tem qualquer
influncia sobre o preo do produto", ele continuou, de forma mais extensa:
Mas isso quase exatamente a forma como o prprio Marshall explicou a ao do princpio
do custo, em detalhe, em sua discusso da crtica de Jevons a Ricardo, no Apndice I de
Principles of Economics. Na verdade, pode-se achar muitas passagens em Principles of
Economics em que Marshall descreve a ao do custo sobre o preo atravs da oferta,
numa linguagem quase idntica de Rothbard acima. Marshall no alegou que o preo de
um bem presente especfico era misticamente "determinado" pelo seu custo passado de
produo. Ele argumentou, na verdade, que os preos ao longo do tempo tendiam ao custo
de produo atravs das decises dos produtores quanto a se os preos de mercado
98
SCHUMPETER. Ten Great Economists From Marx to Keynes. New York: Oxford University Press,
1965. pp. 40-1.
99
TUCKER. Does Competition Mean War? Liberty, 04 ago. 1888. In: ______. Instead of a Book, p.
405.
100
ROTHBARD. Man, Economy and State, p. 239.
101
Ibid., p. 292.
52
justificavam a produo futura.
Isso verdadeiro tanto da teoria de utilidade do valor dos bens de consumo dos
Austracos, que assume estoques fixos no ponto de troca, quanto de sua teoria da
imputao dos preos dos fatores, que similarmente supe um estoque fixo de bens de
ordem superior. Como Dobb criticou a ltima,
102
BHM-BAWERK. The Positive Theory of Capital, p. 148.
103
ROTHBARD. Power and Market: Government and the Economy. Kansas City: Sheed Andrews
and Mcmeel, 1970, 1977. pp. 88-9.
104
ROTHBARD. Man, Economy and State, p. 303.
105
DOBB. Theories of Value and Distribution, pp. 205-6.
53
Dobb tambm escreveu dos Austracos sobre a "suposio de suprimentos dados de
vrios fatores, com a consequente determinao de todos os preos pela demanda..."106.
Mais tarde, na mesma obra, Dobb fez uma observao sobre a artificialidade das teorias do
valor embasadas inteiramente no equilbrio de curto prazo entre a oferta e a demanda:
para fazer tais afirmaes, uma srie de coisas tem que ser tomada como
dada (como - para pegar o caso extremo - em todas as afirmaes sobre as
situaes Marshallianas de "curto perodo", ou perodo semi-curto): os dados que
so variveis dependentes de outro, e "mais profundo", nvel de anlise....
106
Ibid., p. 114.
107
Ibid., pp. 179-82.
108
DOBB. Political Economy and Capitalism, p. 160.
109
Ibid., p. 160 (nota).
54
mercadoria, adquiririam um preo igual ao servio marginal que eles poderiam render na
produo: esses preos formavam os elementos constituintes do custo"110. Isso exigia
abstrair deliberadamente do custo a "teoria do valor" dos fatores de produo ou de
quaisquer "caractersticas que afetassem a demanda"111.
110
Ibid., p. 160.
111
Ibid., p. 140.
112
BUCHANAN, James. Cost and Choice: An Inquiry in Economic Theory. In: ______. Collected
Works. Indianapolis: Liberty Fund, 1999. vol. 6. p. 9.
55
somente pelos estoques existentes de suprimentos em relao demanda de mercado em
qualquer dado momento. E essas qualificaes, tomadas com a admisso de Rothbard de
que o custo de produo indiretamente afetava o preo atravs de seus efeitos sobre a
oferta, trazem a essncia da teoria de Rothbard para bem perto daquela de Marshall.
56
Captulo Dois: Uma Reformulao Subjetiva da Teoria do
Valor-Trabalho
A crtica de Eugen von Bhm-Bawerk teoria do valor-trabalho foi a mais completa
at hoje. Muitas de suas crticas, como vimos anteriormente, eram ataques a espantalhos
ou baseadas em suas prprias vises idiossincrticas sobre o nvel de generalidade
necessrio para uma teoria do valor. Mas algumas de suas crticas eram bastante vlidas.
Bhm-Bawerk citava Smith em particular como um exemplo desse defeito. Aps cit-
lo sobre o "estado bruto da sociedade" antes da acumulao de capital, em que a
quantidade de trabalho "parec[ia] ser" a nica base para a troca entre caadores de veados
e castores, Bhm-Bawerk comentou:
Nessas palavras tambm devemos buscar em vo por qualquer trao de uma base
racional para a doutrina. Adam Smith simplesmente diz, "parece ser a nica
circunstncia", "deveria naturalmente", " natural", e assim por diante, mas por toda
a parte ele deixa para o leitor convencer a si mesmo da "naturalidade" de tais
julgamentos - uma tarefa... que o leitor crtico no achar fcil.3
Mas apesar da crtica de Bhm-Bawerk, a base terica para a teoria do trabalho est
implcita em outras partes da obra de Marx, assim como daquelas dos economistas
clssicos. Eles chegaram muito prximo de formul-la explicitamente por vezes e
frequentemente pelo menos a sugeriam de soslaio. Enfim, no entanto, eles falharam em
formul-la deliberada e conscientemente.
Em sua forma implcita, ela aparece na obra de Adam Smith como seu entendimento
1
BHM-BAWERK, Eugen von. Capital and Interest: A Critical History of Economical Theory.
Traduo de William Smart. New York: Brentanno's, 1922. p. 338.
2
Ibid., p. 376.
3
Ibid., p. 379-80.
4
Ibid., p. 382-3; BHM-BAWERK. Karl Marx and the Close of His System. Publicado em volume
nico com HILFERDING, Rudolf. Bhm-Bawerk's Criticism of Marx. New York: Augustus M. Kelley,
1945. pp. 68-77.
57
da natureza do trabalho como "labuta e incmodo". No tempo aps a diviso do trabalho,
mas antes da acumulao de capital em larga escala, escrevia Smith, todas as trocas eram
trocas entre produtores de produtos excedentes de seu respectivo trabalho.
O "preo real" de uma coisa, Smith prosseguia dizendo, o que ela "realmente custava ao
homem que deseja adquiri-la" era "a labuta e o incmodo que custa a sua aquisio..."
O que comprado com dinheiro ou com bens obtido pelo trabalho tanto quanto
ns adquirimos pela labuta de nosso prprio corpo... O trabalho foi o primeiro preo,
o dinheiro de compra original que foi pago por todas as coisas. No foi por ouro ou
prata, mas pelo trabalho, que toda a riqueza do mundo foi originalmente obtida...
.... Em todos os momentos e lugares, aquilo que caro o que difcil de se
conseguir, o que custa muito trabalho para adquirir; e aquilo que barato o que
pode ser conseguido facilmente ou com muito pouco trabalho.6
E Smith deixou claro que "o trabalho e o incmodo" deveriam ser medidos do ponto
de vista subjetivo do trabalhador: "Quantidades iguais de trabalho devem em todos os
momentos e em todos os lugares ter o mesmo valor para o trabalhador. Em estado normal
de sade, fora e atividade e com o grau mdio de habilidade que ele possa possuir, ele
deve sempre abrir mo da mesma poro de seu descanso, de sua liberdade, e de sua
felicidade"7.
Como Maurice Dobb comentou, "Talvez se pudesse traduzir isso para a terminologia
Marshalliana e dizer que era equivalente a alegar que o trabalho era o custo real ltimo
envolvido na atividade econmica"8. Eric Roll a chamou de uma "teoria de valor do custo
psicolgico"9.
Podem me perguntar o que eu quero dizer com a palavra valor e por qual
5
SMITH, Adam. An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Chicago, London,
Toronto: Encyclopedia Britannica, 1952. p. 10.
6
Ibid., pp. 13-4.
7
Ibid., p. 14.
8
DOBB. Theories of Value and Distribution Since Adam Smith: Ideology and Economic Theory.
Cambridge: Cambridge University Press, 1973. p. 48.
9
ROLL, Eric. A History of Economic Thought, 3rd ed. Englewood, New Jersey: Prentice-Hall, 1956. p.
159.
58
critrio eu julgaria se uma mercadoria havia ou no mudado seu valor. Eu respondo,
eu no sei de nenhum outro critrio de uma coisa ser cara ou barata exceto pelos
sacrifcios de trabalho feitos para obt-la. Todas as coisas so originalmente obtidas
pelo trabalho - nada que tem valor pode ser produzido sem ele e, portanto, se uma
mercadoria, tal como o pano, exige o trabalho de dez homens por um ano para
produzi-la uma vez e exige apenas o trabalho de cinco homens pelo mesmo tempo
para produzi-la uma outra, ela ser duas vezes mais barata...
Que a quantidade maior ou menor de trabalho empregada nas mercadorias
pode ser a nica causa de sua alterao em valor completamente compreendido
assim que estivermos combinados que todas as mercadorias so o produto do
trabalho e no teriam nenhum valor seno pelo trabalho gasto nelas.10
Mas quanto a por que isso deveria ser assim ou por que as mercadorias deveriam ser
trocadas de acordo com o tempo de trabalho exigido para sua produo, ele no elaborou.
10
RICARDO, David. Absolute Value and Exchangeable Value (A Rough Draft). In: SRAFFA, Piero
(Ed.). The Works and Correspondence of David Ricardo. Cambridge: Cambridge University Press,
1951. v. 4. p. 397.
59
irracional da parte dos caadores.
11
BUCHANAN, James. Cost and Choice: An Inquiry in Economic Theory. In: ______. Collected
Works. Indianapolis: Liberty Fund, 1999. vol. 6. p. 4.
60
e proventos, no possam ser claramente distinguidos e precisamente separados.
No h nada que apenas aproximada ou incompletamente se ajuste categoria
econmica de uma troca...12
Ento, no apenas a desutilidade nica do trabalho fornece uma base terica para uma
teoria do valor-trabalho; mas historiadores econmicos, econometristas, etc. podem dar
maior sentido aos movimentos de preo observados usando tal teoria do trabalho como um
paradigma.
12
MISES, Ludwig von. Human Action. Chicago: Regnery, 1949, 1963, 1966. pp. 32, 34, 38-40.
13
Ibid., p. 64.
14
Ibid., pp. 867-8.
61
William Stanley Jevons, um dos fundadores da revoluo marginalista e um
originador da ideia marginalista de desutilidade, explicitamente ligou a ltima ao "trabalho e
incmodo" de Adam Smith. A concepo de trabalho de Smith, escreveu ele, era
"substancialmente verdadeira". "O trabalho", comeava ele provisoriamente, " o esforo
doloroso ao qual nos submetemos para repelir dores de maior quantidade ou para obter
prazeres que deixam a balana a nosso favor"15. Defrontado com questes sobre o suportar
de brincadeiras e outros esforos aprazveis e de trabalho produtivo que fosse prazeroso
por si s, ele foi forado a definir o trabalho mais exatamente para excluir o esforo que
fosse "completamente recompensado pelo resultado imediato...". O trabalho, para ser mais
exato, era "qualquer esforo doloroso da mente ou do corpo sofrido parcial ou totalmente,
tendo em vista um bem futuro"16. Dessa maneira, ele correspondia ao que Mises mais tarde
chamaria de "trabalho extraversivo". Embora mesmo o trabalho empreendido primariamente
por causa do resultado possa ser inatamente prazeroso, incrementos adicionais de tal
trabalho deixariam de fornecer prazer adicional muito antes que o trabalhador tivesse
satisfeito sua necessidade de consumo. Mesmo depois que o trabalhador tiver deixado de
auferir qualquer satisfao do trabalho, no entanto, a utilidade marginal do produto de
incrementos adicionais de trabalho superaria a desutilidade marginal de trabalhar: "
verdade que o trabalho pode ser tanto agradvel no momento quanto conducente a um bem
futuro; mas ele s agradvel numa quantidade limitada, e a maioria dos homens
compelida por seus desejos a se esforar mais tempo e mais severamente do que eles de
outra maneira o fariam"17. A oferta de trabalho era governada pela utilidade marginal de
cada incremento de salrio comparada desutilidade marginal do trabalho.18
Para Marshall, assim como para Jevons, a desagradabilidade era s outro fator
quantitativo, ao lado do prazer do trabalho, que entrava no clculo geral da utilidade vs. a
desutilidade. Para deixar o princpio mais claro, ele deu o exemplo de uma pessoa
trabalhando diretamente para seu prprio consumo:
15
JEVONS, William Stanley. The Theory of Political Economy, 5th ed. [S.l.]: Kelley & Millman, 1957.
p. 167.
16
Ibid., p. 168.
17
Ibid., p. 168-9.
18
Ibid., p. 172-4.
19
MARSHALL, Alfred. Principles of Economics: An Introductory Volume, 8th ed. New York: The
MacMillan Company, 1948. p. 330.
62
2. Todo trabalho direcionado produo de algum resultado. Pois
embora alguns esforos sejam feitos meramente por si mesmos, como quando um
jogo jogado por diverso, eles no so contados como trabalho. Podemos definir o
trabalho como qualquer esforo da mente ou do corpo sofrido parcial ou inteiramente
tendo em vista algum bem outro que no o prazer derivado diretamente do
trabalho.20
20
Ibid., p. 65.
21
Ibid., p. 65n.
22
BHM-BAWERK. Capital and Interest, p. 282-3.
63
desutilidade qualitativa inerente, desde o princpio de uma tarefa de trabalho e
independentemente da quantidade da agradabilidade ou da desagradabilidade dela.
A ideia do trabalho enquanto desutilidade fez com que alguns objetassem que isso
reflete um entendimento de um homem econmico cru da motivao humana e ignora o fato
de que o trabalho criativo uma parte essencial da natureza humana. Se um homem
percebe o trabalho como mera labuta ou como uma expresso de sua natureza interior
depende da natureza das relaes de poder no processo de produo. Por exemplo, Marx
objetava que a viso de "trabalho e incmodo" de Smith tratava o gasto de fora de trabalho
"como o mero sacrifcio de descanso, liberdade e felicidade e no como, ao mesmo tempo,
a atividade normal de seres vivos. Mas a, ele tem o trabalhador assalariado moderno em
vista"24.
Mas a desutilidade, como Mises a entendia, no era afetada pelo prazer ou pelo
tdio do trabalho. O trabalho pode ser especialmente desagradvel ou difcil. Mas tambm
pode ser aprazvel. O prazer no trabalho resulta da "expectativa da gratificao mediata do
trabalho, a antecipao do gozo de seu sucesso e produto"; ela tambm resulta da
"apreciao esttica da habilidade [do trabalhador] e de seu produto" (isto , o orgulho da
percia); e, finalmente, o prazer resulta da satisfao "de ter superado com sucesso toda o
trabalho e incmodo envolvidos". Mas nenhuma dessas coisas afeta a desutilidade do
trabalho como tal, pela razo de que as pessoas trabalham por causa da gratificao
mediata fornecida pelo produto do trabalho e no pelo prazer intrnseco ao trabalho em si.25
23
MISES. Human Action, pp. 131-2.
24
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Capital vol. 1, 1st English ed. (1887). In: MARX; ENGELS.
Collected Works. (New York: International Publishers, 1996). v. 35. pp. 529-33.
25
MISES. Human Action, pp. 589-91.
64
o decrscimo em lazer". possvel que, includo nesse "retorno" de satisfao
produzido pelo trabalho, possa estar a satisfao com o prprio trabalho, com o
gasto voluntrio de energia em uma tarefa produtiva... Conforme a quantidade de
esforo aumenta, no entanto, a utilidade das satisfaes oferecidas pelo trabalho em
si declina, e a utilidade das unidades consecutivas do produto final declina tambm...
Que o trabalho constitui um custo em sentido nico era, claro, uma suposio. Mas
era uma suposio nascida de uma viso particular do que era a essncia do
problema econmico... O ponto crucial do problema econmico, como essa teoria o
representava, e da maneira em que ele havia tradicionalmente sido visto, repousa na
luta do homem com a natureza para arrebatar um sustento para si, sob diversas
formas de produo, em vrios estgios da histria. Como Petty disse, o trabalho o
pai, a natureza a me, da riqueza. Para esse relacionamento, o contraste entre a
atividade humana e os processos da natureza era fundamental... E se buscamos dar
qualquer expresso quantitativa a esse relacionamento - ao domnio do homem
26
ROTHBARD, Murray. Man, Economy and State: A Treatise on Economic Principles. Auburn
University, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 1993. pp. 38-9.
27
Ibid., p. 39.
65
sobre a natureza - difcil ver que noo simples se pode usar alm do gasto de
energias humanas necessrias... para produzir um dado resultado... A essncia do
valor, ...em contraste com as riquezas, era concebida como sendo o custo, e a
essncia do custo como repousando no trabalho, em contraste com a natureza. O
trabalho, concebido objetivamente como a sada da energia humana, era a medida e
a essncia da "dificuldade ou facilidade de produo" de Ricardo.28
Como Dobb explicou, no havia nenhum limite ao "custo real", fora imput-lo "a
quaisquer meios pelos quais uma renda pudesse ser adquirida numa sociedade de troca"30.
Ele argumentou que a noo de custo real no possua "de qualquer contedo real", mas
era
E como Dobb apontou, Alfred Marshall mesmo admitiu isso, vendo como ele "definia
o termo 'espera' como se aplicando, no a 'abstemiosidade', mas ao simples fato de que
28
DOBB, Maurice. Political Economy and Capitalism: Some Essays in Economic Tradition, 2nd
revised ed. London: Routledge & Kegan Paul Ltd, 1940, 1960. pp. 19-20.
29
Vide BUCHANAN. Cost and Choice, op. cit., para uma excelente pesquisa histrica nessa linha de
pensamento.
30
DOBB. Political Economy and Capitalism, pp. 141-2.
31
Ibid., pp 147-8.
66
'uma pessoa se absteve de consumir qualquer coisa que ele tinha o poder de consumir,
com o propsito de aumentar seus recursos no futuro'". Se seguido consistentemente, esse
princpio poderia produzir resultados distintamente absurdos:
Isso parece implicar que o conceito no estava limitado pela qualificao de Senior,
que exclua a propriedade herdada, e que ele poderia ser igualmente bem aplicado
terra - ao fato de que um senhorio arrendava sua terra para cultivo, em vez de us-la
para sua prpria satisfao ou de sujeit-la ao cultivo "exaustivo" ele mesmo. Caso
no qual, como uma categoria de "custo real", ele era claramente to geral que perdia
qualquer significado distinto.32
Para pegar a ilustrao de Dobb, "Suponha que os pedgios fossem uma instituio geral,
arraigada no costume ou no direito legal antigo".
32
Ibid., p. 143 (nota).
67
Em todo caso, onde est a linha lgica a ser traada entre os pedgios e os direitos
de propriedade sobre recursos escassos em geral?33
Ou ainda melhor, como Marx colocou quase um sculo antes, "a terra se torna
personificada no senhorio e.... fica sobre as patas traseiras para exigir, como uma fora
independente, sua parte do produto criado com sua ajuda. Dessa maneira, no a terra
que recebe sua devida poro do produto para a restaurao e a melhoria de sua
produtividade, mas, em vez disso, o senhorio toma uma parte desse produto para
pechinchar ou desperdiar"34. A "frmula trinitria" de salrio-trabalho, lucro-capital, e renda-
terra "um mundo encantado, pervertido e s avessas, em que Monsieur le Capital e
Madame la Terre fazem sua caminhada fantasma como personagens sociais e, ao mesmo
tempo, diretamente como meras coisas"35.
33
Ibid., p. 66.
34
MARX; ENGELS, Friedrich. Capital vol. 3. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York:
International Publishers, 1998. v 37. p. 811.
35
Ibid., p. 817.
36
DOBB. Theories of Value and Distribution, p. 169.
37
Ibid., pp. 33-4.
38
Ibid., pp. 172-3.
39
Ibid., p. 175.
68
economia enquanto arma na guerra contra o socialismo. Como alguns historiadores
econmicos Marxistas apontaram, a economia poltica clssica foi uma doutrina
revolucionria. Smith, Ricardo e Mill, todos adotaram uma viso hostil aos senhorios
enquanto classe essencialmente parasitria, cuja nica "contribuio" para a produtividade
era estar numa posio de reter a terra da produo e, ento, permitir que ela fosse usada
pelos realmente produtivos. A "produtividade" da terra era ento imputada a seu
proprietrio. Esse aspecto da economia poltica clssica sugeria uma possvel base para um
tratamento radical anlogo dos juros e do lucro. A questo naturalmente parecia se sugerir
em relao aos fundamentos extra-econmicos atravs dos quais os capitalistas estavam
em posio de controlar o acesso ao capital (isto , a forma em que vieram a estar em
posse dele) e de ret-lo ou liber-lo da produo dependendo da receita que eles
obtivessem dele. Os herdeiros da economia poltica clssica estavam divididos em como
reagiram a essas questes. Uma escola, aquela de Senior e Longfield, rejeitava as
concluses potencialmente revolucionrias de Ricardo, pondo de lado sua teoria do
arrendamento enquanto renda parasitria e relegando a terra categoria de outro "fator"
cuja proviso implicava um "custo real" ao senhorio; ao faz-lo, essa escola lanou as
bases ideolgicas para o marginalismo. Outra escola, aquele dos socialistas Ricardianos
orientado ao mercado como Hodgskin e os individualistas americanos, se apoderaram das
implicaes radicais de Ricardo e tiraram as concluses bvias. E o marginalismo, ao definir
a "produtividade" simplesmente como a capacidade de reter um fator produtivo da
produo, ps essas questes potencialmente explosivas de lado.40
40
DOBB. Political Economy and Capitalism, pp. 49-50.
41
Ibid., p. 22.
69
classes dominantes derivam renda presumem um conjunto de alternativas que inclui,
digamos, controlar o acesso terra que no se usa ou controlar o acesso ao crdito num
mercado de vendedores.
E na seo sobre "Revenues and Its Sources", ele escreveu muito mais
extensamente sobre a qualidade fetichista do pensamento envolvido em atribuir o valor de
troca produtividade da terra e do capital:
42
MARX, Karl. Theories of Surplus Value. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York:
International Publishers, 1988-89. v. 30-32. p. 398
43
Ibid., p. 450.
44
Ibid., p. 514.
70
contrrio, o valor de troca de um bem deriva do trabalho envolvido em faz-lo; a
desutilidade do trabalho e a necessidade de persuadir o trabalhador a trazer seus servios
ao processo de produo, nica entre todos os "fatores de produo", que cria o valor de
troca.
Como Marx disse, atribuir o valor de troca produtividade de bens naturais gratuitos,
como tais, uma confuso de valor de troca com valor de uso. Valores de uso tm valor de
troca apenas na medida em que requerem algum esforo para se apropriar deles ou
modific-los. O valor de troca de um balde de gua, quando o acesso a gua livre,
determinado pelo esforo necessrio para puxar a gua e carreg-la a seu destino (mais o
esforo amortizado envolvido em fazer o balde ou ganhar seu preo de compra). Pode-se
cobrar pelo valor de uso da gua, em si, somente se se controla a oferta. De outra forma,
um concorrente, vendo uma oportunidade, vai entrar no mercado e cobrar um preo mais
prximo de seu esforo real, at que o preo marginal seja apenas o suficiente para
compensar pelo esforo de se puxar e carregar a gua.
Um produtor ser, no longo prazo, capaz de repassar apenas aquilo que realmente
um custo: o esforo vinculado produo direta e aquele vinculado compra dos meios de
produo. Ele ser capaz de cobrar por aquilo que no um custo genuno (isto ,
encargos pelo uso de capital, baseados na abstinncia, para alm do esforo pelo qual ele
foi adquirido) somente quando alguma forma de renda de escassez estiver envolvida.
Algumas rendas de escassez resultam de mudanas na demanda (caso em que elas sero
corrigidas pelas foras de mercado e eventualmente cairo a zero). Algumas rendas de
escassez resultam de uma escassez natural, como dons inatos e terras com fertilidade
acima da mdia ou com vantagens de local (caso em que as rendas de escassez so, para
todos os efeitos, permanentes). Mas uma grande quantidade das rendas de escassez
resulta da interveno do Estado para criar barreiras de entrada no mercado ou para
restringir artificialmente o acesso oferta de terra e capital, de modo que senhorios e
capitalistas privilegiados possam tirar rendas de monoplio da terra e do capital; essas
rendas de escassez sero abolidas junto com as formas de interveno que as criam.
Assim, todo valor de troca redutvel ao esforo subjetivo total envolvido na produo, mais
as rendas de escassez. Como Benjamin Tucker argumentou, "sob a livre concorrncia, no
h preo onde no h fardo"45. E como um corolrio, "h alguma coisa que custe algo,
exceto o trabalho ou o sofrimento (um outro nome para o trabalho)?"46.
Como Ronald Meek apontou, as suposies compartilhadas por Marx e Smith sobre
o trabalho enquanto um padro de valor na troca simples de mercadorias eram dificilmente
arbitrrias. O preo de custo, incluindo tanto o trabalho gasto na produo direta quanto
aquele gasto na aquisio dos meios de produo incorporados numa mercadoria, era um
padro natural do ponto de vista dos artesos.
45
TUCKER, Benjamin R. Shall the Transfer Papers Be Taxed?. Liberty, 18 ago. 1888. In: ______.
Instead of a Book, By a Man Too Busy to Write One, Gordon Press facsimile. New York:[s.n.], 1897,
1973. p. 214.
46
TUCKER, Benjamin R. Should Labor Be Paid or Not?. Liberty, 28 abr. 1888. In: ______. Ibid., p.
403.
71
"valores", na acepo de Marx. E esses preos de oferta no so, de maneira
alguma, hipotticos: durante a maior parte do perodo de produo de mercadorias
eles estiveram firmemente arraigados nas conscincias dos prprios produtores.
Mesmo em sociedade primitivas, pode-se ver os primrdios da ideia de que a troca
de mercadorias "a seus valores", no sentido Marxiano, "a maneira racional, a lei
natural de seu equilbrio". Em um bom nmero de casos, os preos solicitados e
recebidos pelas mercadorias em mercados primitivos eram baseados nos custos de
produo... Depois de um tempo, os produtores de mercadorias vieram a pensar
bastante naturalmente sobre o preo efetivo que eles ocorrem de receber por sua
mercadoria em termos da medida em que esse preo desvia do preo de oferta - isto
, aproximadamente do valor da mercadoria, na acepo de Marx. O valor da
mercadoria, embora o preo de mercado possa frequentemente no "tender" a se
conformar a ele em qualquer estgio particular de desenvolvimento, devido
existncia de certas formas especficas de monoplio, interferncia estatal, etc.
caractersticas daquele estgio, considerado pelos prprios produtores como um
tipo de base atravs da qual os desvios causados por esses fatores podem ser
legitimamente medidos.
72
ser considerado como diretamente determinado pelo valor da mercadoria.47
justo dizer que os produtores medievais, com seus conceitos de "preo justo",
tinham um entendimento mais de senso comum da realidade do que os atuais sofisticados,
que montam espantalhos caricaturais da teoria para ridicularizarem. Os ltimos esto, em
tempo, abertos a acusaes de provincianismo.
O conceito medieval de usura corresponde bem de perto ao uso do termo por Gary
Elkin: "a exao de tributo pelo uso de qualquer objeto cuja a escassez artificial e a
monopolizao por uma classe de elite so criadas e protegidas pelo Estado"49.
47
MEEK, Ronald L. Studies in the Labour Theory of Value, 2nd ed. New York e London: Monthly
Review Press, 1956. pp. 294-6.
48
TAWNEY, R. H. Religion and the Rise of Capitalism. New York: Harcourt, Brace and Company,
1926. pp. 130-1.
49
ELKIN, Gary. Mutual Banking. O original que Elkin publicado na web est fora do ar, mas foi
reproduzido em um post no Google Groups alt.politics.communism, 12 jul. 1999. Disponvel em: <
https://groups.google.com/d/msg/alt.politics.communism/c8z9ESklbiY/DBzggcqQsfsJ>. Acesso em:
26 abr. 2016.
73
o trabalho de intensidades, habilidades e outras qualidades diferentes recebiam diferentes
taxas de pagamento. Os resultados eram comparveis ao elaborado sistema de epiciclos
adicionados astronomia de Ptolomeu para faz-la corresponder aos fatos observados. O
que isso significou, na prtica, foi que eles se moveram em direo a um padro de
mercado para alocar o pagamento ao trabalho baseado em sua desutilidade, sem
explicitamente abandonar seu padro de tempo de trabalho.
O que ambos finalmente conseguiram, ento, foi o princpio de que, dados dois
trabalhos de uma certa qualidade idntica, a nica base para compar-los era sua
respectiva durao. E era atravs do mercado que o valor das vrias intensidades ou
habilidades do trabalho era determinado. Na prtica, o resultado era algo tremendamente
parecido com a "pechincha e barganha do mercado" de Smith enquanto mecanismo para a
distribuio da produo do trabalho entre os trabalhadores. Mas apesar de isso retirar
qualquer significado prtico do tempo de trabalho enquanto base para o valor, eles nunca o
abandonaram em teoria.
Ricardo, por exemplo, no processo de falar do trabalho como "o fundamento de todo
o valor, e a quantidade relativa de trabalho como quase exclusivamente determinante do
valor relativa das mercadorias", ao mesmo tempo reconhecia
O seu trabalho de uma hora vale o meu? Essa uma questo que decidida
pela concorrncia.51
50
RICARDO, David. Principles of Political Economy and Taxation, 3rd ed. London: John Murray,
Albemarle Street, 1821. Separata de: SRAFFA, Piero (Ed.). The Works and Correspondence of David
Ricardo. Cambridge: Cambridge University Press, 1951. v. 1. p. 126.
51
MARX. The Poverty of Philosophy. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International
Publishers, 1976. v. 6. p. 126.
74
Em A Contribution to the Critique of Political Economy, Marx argumentou que o
tempo de trabalho era a nica medida possvel para se comparar diferentes quantidades de
trabalho; ele argumento ao mesmo tempo que o padro de tempo de trabalho assumia
qualidade uniforme e que o trabalho especializado ou intenso poderia ser reduzido ao
"trabalho simples" por um sistema de multiplicadores.
Assim como o movimento medido pelo tempo, tambm o o trabalho pelo tempo
de trabalho. Variaes na durao do trabalho so a nica diferena possvel que
pode ocorrer se a qualidade do trabalho assumida como sendo dada...
52
MARX. A Contribution to the Critique of Political Econonomy. In: MARX; ENGELS. Collected Works.
New York: International Publishers, 1987-88. v. 29-30. pp. 271-3.
75
trabalho so reduzidos ao trabalho no especializado como seu padro so
estabelecidas pelo progresso social que prossegue, por trs das costas dos
produtores e, consequentemente, parecem estar fixadas pelo costume.53
Em todo o caso, a nica maneira de fazer tal reduo sem circularidade, atravs das
foras de mercado, seria por referncia a alguma caracterstica comum a tanto o trabalho
"complexo" quanto o "simples", em termos do que eles podem ser comparados em uma
escala comum: isto , a desutilidade subjetiva experienciada pelos trabalhadores enquanto
participantes no mercado de trabalho (incluindo a desutilidade passada envolvida em
aprender as habilidades em particular). E Marx rejeitava qualquer fator subjetivo desses
como quantificador do trabalho.
Uma vez que Marx se recusava a estabelecer a teoria do trabalho sobre qualquer
mecanismo causal alternativo, como a psicologia dos agentes econmicos, ele ficou, como
resultado, apenas com uma lei geral, inverificvel e afirmada de forma circular, sem
qualquer ponto de referncia independente para explic-la.
Smith, por outro lado, comeou com um "trabalho e incmodo" subjetivo como seu
padro para a teoria do valor-trabalho. Em contraste com Marx, seu padro de tempo de
trabalho no clebre modelo "veados e castores" de troca primitiva era uma simplificao
53
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 54.
54
BHM-BAWERK. Capital and Interest, pp. 384-5; veja uma crtica similar em BHM-BAWERK.
Karl Marx and the Close of His System, pp. 80-5.
76
deliberada; ele assumia, para efeito de ilustrao, que o trabalho era de igual intensidade.
Mas ele rapidamente passou para a suposio de que, embora as mercadorias fossem
trocadas de acordo com a quantidade de trabalho ("[i]guais quantidades de trabalho, em
todos os momentos e locais, podem ser consideradas de igual valor para o trabalhador"55),
as quantidades de trabalho no eram de maneira alguma necessariamente comparadas em
unidades de tempo. E sua qualificao "para o trabalhador" deixa claro que a percepo
subjetiva do trabalhador da desutilidade do trabalho era a base do valor de troca.
55
SMITH. Wealth of Nations, p. 14.
56
Ibid., p. 13.
57
Ibid., p. 20.
77
A contrrio do conceito de troca de Marx, que pode ser parodiado como um "sinal
externo e visvel" do fenmeno mstico do trabalho social, o mercado de trabalho de Smith
era o resultado cumulativo de inumerveis atos individuais de troca. Smith sempre voltava
percepo do trabalhador e necessidade por "compensao" para persuadi-lo, enquanto
agente econmico, a trazer o produto de seu trabalho ao mercado. Para Smith, a
"pechincha e barganha" do mercado resultaria em salrios tendendo a um equilbrio entre
as vantagens e as desvantagens em vrias linhas de trabalho, de modo que o pagamento
seria distribudo de acordo com a desutilidade lquida do trabalho.58
Um pressuposto no propriamente abordado por Smith era que, para tal "pechincha
e barganha" distribuir os salrios equitativamente de acordo com os sentimentos subjetivos
de desutilidade dos trabalhadores, eles tinham que estar numa posio de igualdade uns
com os outros e com seus empregadores. A troca desigual foraria os trabalhadores a
vender seu trabalho por menos do que seria necessrio para compensar sua desutilidade
num mercado livre. A interveno do estado, ao criar uma troca desigual entre o trabalhador
e o capitalista, resulta nos trabalhadores vendendo seu trabalho num mercado de
compradores e na famosa diferena de Marx entre o valor da fora de trabalho enquanto
mercadoria e o valor do produto do trabalho.
Essa questo foi explicitamente abordada por Hodgskin em sua prpria verso do
padro de "trabalho e incmodo". Em Labour Defended Against the Claims of Capital, ele
argumentou que a interferncia do Estado no livre mercado em nome dos empregadores
era a razo pela qual o trabalho recebia menos do que seu produto completo em salrios.
Hodgskin foi um dos primeiros escritores a usar o termo "capitalismo" e pode, na verdade,
ter sido o primeiro a cunh-lo. Por "capitalismo", ele queria dizer um sistema de privilgio
em que o Estado possibilitava que os donos do capital extrassem rendimentos de
monoplio sobre ele, no mesmo sentido em que a classe dominante feudal era capaz de
extrair rendimentos de monoplio sobre a terra; ou, como o Rothbardiano de esquerda
Samuel Konkin colocou, "O capitalismo o governo do estado por e para aqueles que
possuem grandes quantidades de capital"59.
Mas embora isso [que a produo inteira do trabalho deve pertencer ao trabalhador],
enquanto proposio geral, seja bastante evidente e bastante verdadeira, h uma
dificuldade, em sua aplicao prtica, que nenhum indivduo pode sobrepujar. No
h nenhum princpio ou regra, at onde eu sei, para dividir a produo do trabalho
conjunto entre os diferentes indivduos que contribuem na produo, alm do
julgamento dos prprios indivduos; esse julgamento, dependente do valor que os
homens possam definir para diferentes espcies de trabalho, nunca pode ser
58
Ibid., pp. 48-9.
59
KONKIN III, Samuel Edward. Bad Capitalists Good Entrepreneurs. Message 3758 (24 jul. 2000) no
grupo LeftLibertarian@Yahoogroups.com. Disponvel em: <http://groups.yahoo.com/group/
LeftLibertarian/message/3758>. Acesso em: 4 ago. 2004.
78
conhecido, nem pode qualquer regra ser dada para sua aplicao por uma nica
pessoa...
60
HODGSKIN, Thomas. Labour Defended Against the Claims of Capital. New York: Augustus M.
Kelley, 1963 [1825]. pp. 83-6.
61
HEIMANN, Eduard. Franz Oppenheimer's Economic Ideas. Social Research, New York, vol. 11, n.
1, p. 34, fev. 1944.
62
OPPENHEIMER, Franz. A Post Mortem on Cambridge Economics, part I. The American Journal of
Economics and Sociology, vol. 2, n. 3, pp. 373-4, 1942-43.
79
Os neo-ricardianos Dobb e Meek, entre outros, criticaram uma TVT "trabalho e
incmodo" por criar uma abertura para um tratamento Marshalliano: isto , consolidar o
esforo com a desutilidade da "espera" ou "abstinncia" como simplesmente um elemento
do "custo real". Ricardo e Marx, em contrapartida, teriam concebido adequadamente o
trabalho objetivamente como "o gasto de um determinado quantum de energia humana"63.
Concebido como desutilidade, no entanto, era inevitvel
que a prpria justaposio do trabalho (que Ricardo sempre considerara como algo
objetivo) e da abstinncia (que tinha necessariamente que ser considerada como
algo subjetivo) deva ter encorajado a crescente tendncia a conceber as categorias
econmicas em termos subjetivos, em abstrao das relaes da produo...64
E uma teoria dos lucros enquanto recompensa pela "abstinncia", a ser incorporada
em uma teoria do "custo real", exigia que o trabalho fosse reformulado teoricamente em
termos puramente subjetivos.
O dualismo essencial dessa teoria de custo real foi admitido por Marshall quando,
em um artigo de 1876, ele se referiu ao fato de que s era possvel medir "um
63
DOBB. Political Economy and Capitalism, p. 13.
64
MEEK. Studies in the Labour Theory of Value, p. 246.
65
DOBB. Political Economy and Capitalism, p. 140-1.
80
esforo e uma abstinncia... em termos de alguma unidade comum" por intermdio
de algum modo artificial de medi-los - a saber, atravs de seus valores de mercado...
Essa dificuldade ele considerava se aplicar similarmente medio de "dois
esforos diversos". Embora a dificuldade nesse ltimo caso seja muito menor do que
no caso de duas coisas bastante dessemelhantes como "esforo" e "abstinncia",
continua sendo um problema muito maior quando o esforo concebido em termos
subjetivos do que quando ele concebido objetivamente em termos da sada de
energia fsica.66
Afinal, no fim das contas, que base vlida qualquer teoria do valor-trabalho pode ter,
exceto a desutilidade do trabalho como experienciada pelo prprio trabalhador? Deveria ser
auto-evidente que a razo pela qual o trabalho nico em criar valor de troca que o
trabalhador (ao contrrio da terra, das foras naturais, etc.) nico em ter de ser
persuadido de que vale a pena trazer bens ao mercado. Para usar as prprias palavras de
Dobb na citao acima contra ele, o trabalho "enquanto atividade humana" deve ser
caracterizado por algo mais do que "um certo gasto de energia fsica", uma vez que mesmo
um pedao de carvo capaz do ltimo. A razo pela qual o humano demanda pagamento
por seu "gasto de energia fsica", e o pedao de carvo no o faz, que ele se sente de um
modo um tanto diferente sobre o gasto do que o pedao de carvo.
Essa relao entre o custo subjetivo como uma fonte de valor de troca e a resultante
falta de valor de troca por parte de bens naturais (no contando o esforo de apropriao)
era amplamente reconhecida entre os economistas polticos clssicos. Jean-Baptiste Say,
por exemplo, se referia "ao produtiva dos agentes naturais", tais como a fertilidade do
solo, o potencial biolgico da semente e a soma total dos "processos realizados pelo solo,
pelo ar, pela chuva e pelo sol, em que a humanidade no tem qualquer parte, mas que, no
obstante, colabora para o novo produto que ser adquirido na estao de colheita"67. Mas
ele passou a minar, numa passagem posterior, qualquer implicao que isso pudesse ter
para o valor de troca dos agentes naturais como tais:
O trabalho de um tipo improdutivo, isto dizer, tal que no contribui para o aumento
dos produtos de algum ramo da indstria ou de outro, raramente empreendido
voluntariamente; pois o trabalho... implica em incmodo, e incmodo assim
outorgado no poderia produzir qualquer compensao ou benefcio resultante...68
Isso implica fortemente que o trabalho era nico, enquanto fator de produo, na
necessidade de ser persuadido a contribuir suas prprias foras no processo de produo.
E disso pareceria se seguir que agentes naturais, que no experimentavam tal desutilidade
66
Ibid., p 144 (nota).
67
SAY, John-Baptiste. A Treatise on Political Economy. Traduo de C. R. Prinsep a partir da 4 ed.
francesa. Philadelphia: John Grigg, 1827. p. 14.
68
Ibid., p. 26.
81
e, portanto, no precisavam de tal persuaso, careciam da base do valor de troca:
Desses desejos, alguns so satisfeitos pela ao gratuita dos objetos naturais; como
do ar, da gua ou da luz solar. Estes podem ser denominados riqueza natural,
porque eles so a oferta espontnea da natureza; e, como tal, a humanidade no
convocada a ganh-la por qualquer sacrifcio ou esforo que seja; razo pela qual
eles nunca so dotados de qualquer valor de troca.69
Claro, bens puramente naturais so bastante raros. A maior parte das ddivas da
natureza requerem algum trabalho humano para se tornarem utilizveis; e, nessa medida,
elas adquirem valor de troca. Mesmo bens naturais que surgem espontaneamente como
mel, frutas, etc., escreveu John Stuart Mill, exigiam "uma considervel quantidade de
trabalho..., no para o propsito de criar, mas de encontrar e se apropriar delas. Em todos
exceto esses poucos... casos, os objetos fornecidos pela natureza so apenas
instrumentais para os desejos humanos, aps terem sofrido algum grau de transformao
pelo esforo humano"71.
Os bens naturais, por vezes, realmente obtm valor de troca da escassez apenas e
no somente do trabalho de alterao ou apropriao. Bhm-Bawerk repudiou como
"simplesmente falsa" a alegao de Rodbertus de que os bens naturais no possuem valor
econmico: "Mesmo bens puramente naturais tm um lugar na considerao econmica,
69
Ibid., p. 237.
70
RICARDO. Principles of Political Economy and Taxation, pp. 285-7.
71
MILL, John Stuart. Principles of Political Economy: with Some of Their Applications to Social
Philosophy. In: Collected Works of John Stuart Mill. University of Toronto Press, 1965. vols. II-III. p.
25.
82
contanto apenas que eles sejam escassos se comparados com a necessidade por eles"72.
Mas isso deixa em aberto a questo, como a ltima frase de Mill sugere, de quanto
dessa escassez natural e quanto convencional ou legal. (Essa ltima questo
estudaremos muito mais a fundo em nosso exame, num captulo posterior, da apropriao
poltica da terra.) Mill distinguiu entre escassez natural e artificial em um caso hipottico
envolvendo o ar:
Em todo caso, o valor de troca provenientes dos bens naturais como tal , junto com
outras rendas de escassez, um desvio secundrio da lei do valor-trabalho. No caso de
recursos naturais tornados escassos artificialmente por apropriao poltica, senhorio
absentesta, etc., uma renda de monoplio imposta pelo Estado. No caso da escassez
72
BHM-BAWERK. Capital and Interest, p. 338.
73
MILL. Principles of Political Economy, pp. 29-30.
74
Ibid., p. 8.
83
natural da maior parte da terra frtil nos arredores de uma cidade em particular, uma
renda de escassez que ocorre espontaneamente, assim como as diferenas de habilidade
inatas.
Bhm-Bawerk mesmo sugeriu por que uma abordagem subjetiva da economia era
necessria, em seus comentrios sobre o contraste de Sombart entre a abordagem objetiva
de Marx e a abordagem subjetiva do marginalista. Bhm-Bawerk apontou que "o
conhecimento de tal conexo objetiva, sem o conhecimento dos elos subjetivos que ajudam
a formar a cadeia de causalidade, no , de forma alguma, o grau mais alto de
conhecimento, mas sim que uma compreenso completa s ser atingida por um
conhecimento dos elos tanto internos quanto externos da cadeia". As abordagens objetiva e
subjetiva, portanto, eram necessariamente complementares. E ele adicionou, "como uma
questo de opinio", que
75
ROTHBARD. Man, Economy and State, pp. 307-8.
84
conhecimento, a fonte objetiva, pode no mximo contribuir com uma parte muito
pobre e, especialmente quando sozinha, uma parte completamente inadequada do
total de conhecimento atingvel.76
Ou para abordar a partir da direo oposta, podemos comear com a lei de custo
como a base do preo e da sistematicamente eliminar todos os fatores subordinados que
s tm um preo por causa da escassez artificial, deixando apenas o trabalho como um
criador de valor de troca em si mesmo (a menos para os preos de equilbrio de bens em
oferta elstica).
76
BHM-BAWERK. Karl Marx and the Close of His System, p. 115.
77
Ibid., 116.
85
Captulo Trs: Preferncia Temporal e a Teoria do Valor-
Trabalho
No ltimo captulo, nos referimos a uma crtica marginalista vlida Teoria do
Trabalho: sua carncia de um mecanismo explcito. Mas h outra contribuio vlida dos
marginalistas ou, mais especificamente, dos Austracos que deve ser levada em conta por
qualquer Teoria do Trabalho moderna, se for para ela ter alguma reivindicao de
relevncia. Essa contribuio a teoria da preferncia temporal.
O princpio da preferncia temporal foi afirmado primeiro por Eugen von Bhm-
Bawerk. Aps uma pesquisa histrica meticulosa das teorias passadas dos juros - no
apenas as teorias de "produtividade" e "abstinncia" dos economistas polticos clssicos
mais recentes (ou economista polticos vulgares, como Marx diria), mas tambm as teorias
de explorao de Rodbertus, Marx e outros socialistas - ele exps sua prpria explicao:
O emprstimo a troca real de bens presentes por bens futuros... [B]ens presentes
invariavelmente possuem um valor maior do que bens futuros do mesmo nmero e
tipo e, portanto, uma determinada soma de bens presentes s pode, por via de
regra, ser comprada por uma soma maior de bens futuros. Este gio so os juros.
No um equivalente separado para um uso separado e durvel dos bens
emprestados, pois isso inconcebvel; uma parte equivalente da soma
emprestada, mantida separada por razes prticas. A substituio do capital + os
juros constituem o equivalente completo.1
Esse um lugar to bom quanto qualquer outro, antes de irmos s questes mais
centrais da relao da preferncia temporal com nossa teoria do trabalho desenvolvida
nesse livro, para examinar um outro lado da questo: a medida em que a preferncia
temporal mutuamente exclusiva com outras defesas dos juros e do lucro, como os
Austracos alegaram. Bhm-Bawerk, claro, enfatizou tanto a singularidade de sua
contribuio quanto a inadequao das tentativas anteriores de se justificar os juros. Ele foi
especialmente desconsiderado com a teoria de abstinncia de Senior, apontando que
Lasalle estava certo em argumentar
1
BHM-BAWERK, Eugen von. Capital and Interest: A Critical History of Economical Theory.
Traduo de William Smart. New York: Brentanno's, 1922. p. 259.
2
Ibid., p. 269.
86
abstinncia muito grande. O soberano3 arduamente economizado que o
empregado domstico pe na caixa econmica rende, absoluta e relativamente,
menos juros do que os milhares facilmente dispensados que o milionrio pe a
frutificar em debnture e fundos hipotecrios. Esses fenmenos se ajustam mal
numa teoria que explica os juros de forma bem universal como um "salrio da
abstinncia4
3
Nota do Tradutor: A libra em ouro ou Soberano (em ingls, Sovereign) uma moeda do Reino
Unido, equivalente a uma libra esterlina. No entanto, utilizada na prtica como reserva de valor a
usar no futuro e no como moeda de troca. Vide:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Soberano_(moeda_inglesa)
4
Ibid., p. 277.
5
Ibid., p. 281.
6
Ibid., p. 303.
87
consumo presente em nome do consumo futuro. Faz mais sentido trat-las como um grupo
de teorias relacionadas do que como rivais mutualmente exclusivas.
Para retornar a nossa linha de discusso principal: tem havido uma grande
relutncia entre os Austracos, de um modo geral, em lidar explicitamente com os papis
comparativos da preferncia temporal e dos fatores institucionais como influncias sobre as
taxas de juros, ou com a medida em que a inclinao da preferncia temporal pode ser
alterada pelos fatores institucionais. s vezes, os Austracos explicitamente negam que
fatores institucionais no tenham qualquer influncia sobre os juros.
Por exemplo, Bhm-Bawerk negou que a diferena em valor entre uma dada
quantidade de dinheiro hoje e a mesma quantidade daqui cinco anos seja, "como pode-se
pensar, um resultado das instituies sociais que criaram os juros e o fixaram em 5 por
7
ROTHBARD, Murray. Man, Economy and State: A Treatise on Economic Principles. Auburn
University, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 1993. pp. 294-95, 298.
8
GARRISON, Roger W. Professor Rothbard and the Theory of Interest. In: BLOCK, Walter;
ROCKWELL JR, Llewellyn H. (Eds.). Man, Economy and Liberty: Essays in Honor of Murray N.
Rothbard. Auburn, Alabama: Auburn University Press, 1988. p. 49.
88
cento"9. A preferncia temporal sozinha a razo para o valor relativamente baixo dos bens
em produo (futuros), comparados com os bens finalizados (presentes):
Ento aqui Bhm-Bawerk reconheceu, pelo menos em princpio, que fatores institucionais
poderiam afetar as taxas de juros e que a distribuio de riqueza poderia afetar a inclinao
da preferncia temporal.
9
BHM-BAWERK. Capital and Interest, p. 346.
10
BHM-BAWERK. The Positive Theory of Capital. Traduo de William Smart. London e New York:
MacMillan and Co., 1891. p. 301.
11
Ibid., p. 361.
89
O que, ento, so os capitalistas quanto comunidade? - Em uma palavra,
eles so mercadores que tem bens presentes para vender. Eles so os afortunados
possessores de um estoque de bens que eles no necessitam para as necessidades
pessoais do momento. Eles trocam seu estoque, portanto, por bens futuros de uma
forma ou de outra12
Bhm-Bawerk foi demasiado modesto em nome deles, ao atribuir essa possesso de bens
presentes "fortuna". Longe de serem, enquanto classe, os recipientes passivos de mera
boa sorte, os capitalistas FIZERAM sua prpria sorte. E a histria disso, de sua boa fortuna,
est escrita em letras de sangue e fogo.
Ele ento ilustrou o princpio com o exemplo de um homem solitrio poupando o produto de
seu trabalho e vivendo do excedente de comida, enquanto construa um arco e flechas e
outras ferramentas. Desse cenrio de ilha, ele passava sociedade em geral, descrevendo
como uma nao de dez milhes poupou tantos milhes de seus dez milhes de anos de
trabalho anualmente.14 Que aqueles adiando o consumo dos proventos de seu trabalho
poderiam no ser os mesmos investindo aquelas poupanas ou colhendo os frutos do
investimento, ou que eles poderiam no ter nenhuma influncia na matria, foi uma questo
posta de lado por completo - talvez por complicar o quadro de forma desnecessria.
12
Ibid., p. 358.
13
Ibid., p. 100.
14
Ibid., pp. 100-18.
15
N. do T.: Topsy uma personagem do livro Uncle Toms Cabin de Harriet Beecher Stowe. Ela
uma jovem escrava que, quando perguntada sobre quem a criou, responde Eu acho que cresci. No
acho que ningum me fez. Vide: http://en.wikipedia.org/wiki/Uncle_Tom's_Cabin#Other_characters
90
pagar um gio pelos bens presentes.16
...na perda de tempo que est, por via de regra, ligada com o processo capitalista,
repousa o nico fundamento da muito falada e muito lamentada dependncia do
trabalhador sobre o capitalista.... apenas porque os trabalhadores no podem
esperar at que o processo completo... entregue seus produtos prontos para o
consumo, que eles se tornam economicamente dependentes dos capitalistas que j
mantm em sua posse o que ns chamamos de "produtos intermedirios".17
Ser o bastante para o momento dizer que, embora a preferncia temporal, sem
dvida, seja universalmente verdadeira, mesmo quando a propriedade est uniformemente
distribuda, as presentes sequelas da acumulao primitiva tornam a preferncia temporal
muito mais inclinada do que ela de outra forma seria. A preferncia temporal no uma
constante. Ela est enviesada muito mais para o presente para um trabalhador sem acesso
independente aos meios de produo, subsistncia ou segurana. Mesmo os
economistas polticos vulgares reconheciam que o grau de pobreza entre as classes
trabalhadoras determinava seu nvel de salrio e, consequentemente, o nvel de lucro.18
16
Ibid., p. 330-1.
17
Ibid., 83.
18
PERELMAN, Michael. Classical Political Economy: Primitive Accumulation and the Social Division
of Labor. Totowa, New Jersey: Rowman & Allanheld; London: F. Pinter, 1984, ca. 1983. pp. 18-9.
91
seus prprios meios de produo? Como o princpio da preferncia temporal pode ser
reconciliado com a teoria do valor-trabalho?
Mesmo se o trabalho de hoje for trocado pelo trabalho de amanh com gio, essa
ainda uma troca de trabalho. Maurice Dobb, por exemplo, sugeriu que a preferncia
temporal poderia ser tratada como uma renda de escassez sobre o trabalho presente.
Dobb no fez uma distino adequada entre a escassez do trabalho presente versus
o futuro, que existe naturalmente como resultado da preferncia humana por consumo
presente versus postergao; e a escassez artificial criada por certos monoplios de classe
sobre o acesso aos meios de produo. Mas, mesmo assumindo-se uma economia de
mercado baseada em cooperativas de produtores, o ponto vlido. Quando o trabalho se
abstm do consumo presente para acumular seu prprio capital, a preferncia temporal
simplesmente uma forma adicional de desutilidade do trabalho presente, em oposio ao
trabalho futuro. apenas outro fator na "pechincha do mercado", pelo qual o produto do
trabalho alocado entre os trabalhadores.
19
DOBB. Political Economy and Capitalism: Some Essays in Economic Tradition, 2nd revised ed.
London: Routledge & Kegan Paul Ltd, 1940, 1960. p. 154.
92
Parte II--Capitalismo e o Estado: Passado, Presente e Futuro
93
Introduo Parte II: A Explorao e os Meios Polticos
A pergunta permanece: se o trabalho a fonte do valor normal de troca para os
bens reprodutveis, e a recompensa natural do trabalho em um livre mercado seu produto
completo, qual a explicao para o lucro no "capitalismo realmente existente"?
Um ponto central de disputa entre Marx e os utpicos era a medida em que a teoria
do valor-trabalho era uma descrio da existente troca de mercadorias ou uma prescrio
de regras de troca em um sistema reformado. Marx criticava os utpicos por elevar a lei do
valor a um padro normativo para uma sociedade utpica, em vez de uma lei descritiva do
capitalismo existente. Pera ele, a lei do valor descrevia o processo de troca sob o
capitalismo da forma em que existia; a lei do valor era completamente compatvel com a
existncia da explorao. Suas generalizaes sobre a explorao assumiam que as
mercadorias eram trocadas de acordo com seu valor-trabalho; longe de tornar os lucros
impossveis, a troca de acordo com a lei do valor era pressuposta como o fundamento da
mais-valia. O lucro resultava da diferena em valor entre a fora de trabalho enquanto
mercadoria e o produto do trabalho; isto era verdade mesmo (ou melhor, especialmente)
quando todas as mercadorias eram trocadas a seu valor.
Mas, alm destas duas teorias opostas, havia uma possvel terceira alternativa que
diferia significantemente das duas primeiras. Esta terceira alternativa considerava que a
explorao era baseada na fora e que as caractersticas de explorao da sociedade
existente eram resultantes da intruso do elemento da coero. Ao contrrio do utopismo, a
terceira teoria tratava a lei do valor como algo que operava automaticamente quando no
sujeita a interferncia. Ao contrrio do Marxismo, ela acreditava que a operao irrestrita da
lei do valor era incompatvel com a explorao. Esta escola inclua, em especial, o socialista
Ricardiano orientado ao mercado Thomas Hodgskin e os posteriores anarquistas
individualistas na Amrica; eles viam o capitalismo como explorador na medida em que a
troca desigual prevalecia, sob a influncia do Estado. Sem tal interveno, a operao
1
Nota do Tradutor: Em ingls Labour Notes. As ordens de pagamento trabalhistas so uma moeda
alternativa baseada na troca de horas de trabalho, idealizadas inicialmente por Josiah Warren e
Robert Owen, quando procuravam estabelecer suas comunidades utpicas. Vide:
http://en.wikipedia.org/wiki/ Labor_notes_(currency)
2
N. do T.: LETS (do ingls local exchange trading system, sistemas locais de trocas comerciais)
um empreendimento comunal iniciado localmente, organizado democraticamente e sem fins
lucrativos, que tem o objetivo de fornecer comunidade um servio de informao e um registro de
transaes dos membros que trocam bens e servios usando a moeda de Crdito LETS localmente
criada. Vide: http://en.wikipedia.org/wiki/LETS
94
normal da lei do valor resultaria automaticamente no trabalho recebendo seu produto
completo. Para eles, a explorao no era o resultado natural de um livre mercado; a
diferena entre o valor da fora de trabalho enquanto mercadoria e o valor do produto do
trabalho resultava no da existncia do trabalho assalariado em si, mas da troca desigual
imposta pelo estado no mercado do trabalho. Para eles, a lei do valor era tanto o
mecanismo automtico pelo qual um mercado verdadeiramente livre operava quanto, ao
mesmo tempo, incompatvel com a explorao.
Se seguia que a lei do valor no era algo a ser superado. Ao contrrio dos
Marxistas, que ansiavam por uma economia de abundncia baseada num princpio de "de
cada qual de acordo com sua habilidade e etc.", os individualistas e Ricardianos de
mercado viam o elo entre o esforo e a recompensa como fundamental para a justia
distributiva. A caracterstica definidora da explorao era o benefcio de uma parte s custas
do trabalho de outra. Como Benjamin Tucker escreveu em "Should Labor Be Paid or Not?"
[Johann] Most, sendo um Comunista, deve, para ser coerente, objetar compra ou
venda de qualquer coisa que seja; mas por que ele deveria objetar compra e
venda do trabalho em particular mais do que eu posso entender. Na verdade, em
ltima anlise, o trabalho a nica coisa que tem qualquer direito de ser comprada
ou vendida. Existe qualquer base justa para o preo, alm do custo? E existe
qualquer coisa que custe, alm do trabalho e do sofrimento (outro nome para o
trabalho)? O trabalho deveria ser pago! Terrvel, no mesmo? Ora, eu pensava
que o fato de que ele no era pago era toda a queixa. O "trabalho no pago" tm
sido a reclamao principal de todos os Socialistas e que o trabalho deveria receber
sua recompensa tm sido sua principal contenda. Suponha que eu tivesse dito a
Kropotkin que a real questo era se o Comunismo permitir que os indivduos
troquem seu trabalho ou produtos em seus prprios termos. Most ficaria, ento, to
chocado?... Ainda assim, de outra forma, eu disse precisamente isso.3
Dada a base moral da teoria do valor-trabalho, assim como entendida pelos socialistas
pequeno-burgueses, do princpio da auto-propriedade e da propriedade do produto de seu
prprio trabalho se seguia que o pagamento de acordo com o trabalho no era um resqucio
da sociedade capitalista, mas a base legtima de uma futura ordem socialista. No era nem
um pouco mais aceitvel que o coletivo se apropriasse do produto do trabalho do indivduo
para uso geral, do que o senhorio e o capitalista se apropriassem dele para seu prprio uso.
Para explicar a natureza geral dos lucros, voc deve comear do teorema que, na
mdia, as mercadorias so vendidas ao seu valor real, e que os lucros so
derivados da venda delas a seus valores, ou seja, em proporo quantidade de
trabalho realizado nelas. Se voc no pode explicar o lucro sobre esta suposio,
3
TUCKER, Benjamin R. Should Labor Be Paid or Not?. Liberty, 28 abr. 1888. In: ______. Instead of a
Book, By a Man Too Busy to Write One, Gordon Press facsimile. New York:[s.n.], 1897, 1973. p. 403.
95
voc no pode explic-lo de forma alguma.4
Esta "resposta fcil" era exatamente a abordagem adotada por Thomas Hodgskin e
pelos anarquistas individualistas da Amrica. O maior dos ltimos, Benjamin Tucker,
repreendido como meramente um "coerente homem de Manchester", usava esse rtulo
como uma medalha de honra.
4
MARX, Karl. Value, Price and Profit. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International
Publishers, 1985. v. 20. p. 127.
5
DOBB, Maurice. Introduo a MARX. A Contribution to the Critique of Political Economy. New York:
International Publishers, 1970. p. 13.
6
Ibid., p. 14.
96
Dobb, em Political Economy and Capitalism, negou que a explorao do trabalho
pudesse acontecer somente atravs da troca desigual em "uma ordem de livre contrato".
Aps citar a mesma passagem de Marx sobre a suposio dos valores normais de troca
como consistentes com a explorao, Dobb continuou:
Claro, isso um raciocnio circular. A medida em que a assim chamada era do "laissez-
faire" era "uma ordem de livre contrato" precisamente o ponto em questo. E o argumento
de Dobb foi tautolgico. Por definio, um sistema de livre contrato exclui a troca desigual
imposta pela interveno estatal no mercado. medida em que tal troca desigual imposta
politicamente prevalecia, o sistema econmico no era "um regime de 'valores normais'". As
questes permanecem: em que medida a economia real do sculo XIX era um sistema de
privilgio e um afastamento do livre mercado; e em que medida este afastamento era a
causa principal do lucro sobre o capital? Claro, Dobb estava certo que uma taxa geral de
lucro no poderia resultar da "'prtica desleal' individual". Tais desvios se cancelariam uns
aos outros numa economia de equilbrio, tal como o lucro empresarial Austraco. Para
explicar uma taxa de lucro enquanto fenmeno geral, deve-se recorrer a alguma causa
sistmica. Os Austracos a buscavam na preferncia temporal como uma caracterstica
fundamental da natureza humana. Os mutualistas buscam-na, antes, na interveno
sistemtica do estado no mercado em nome de interesses privilegiados.
Uma "teoria da distribuio" que dissesse apenas que a renda imerecida era o fruto
do trabalho excedente daqueles empregados na produo dificilmente se qualificaria
como teoria de qualquer modo.... Na melhor das hipteses, tal "teoria" poderia ser
pouco mais do que uma descrio generalizada da apropriao pelos proprietrios
dos meios de produo, em todos os tipos de sociedades de classes, do produto do
trabalho excedente das classes exploradas. Mas certamente existem dois pontos
salientes que uma teoria da distribuio apropriada para os nossos prprios tempos
deveria se concentrar em explicar: Primeiro, como que rendas imerecidas
continuam a ser recebidas numa sociedade em que os preos da grande maioria
das mercadorias so determinados num mercado impessoal pelas foras da oferta e
da demanda e em que a relao entre o produtor direto e seu empregador
baseada em contrato em vez de status? E, segundo, como so determinadas as
respectivas quotas das principais classes sociais na renda nacional em tal
sociedade? A menos que se esteja satisfeito em confiar em algum tipo de explicao
7
DOBB. Political Economy and Capitalism: Some Essays in Economic Tradition, 2nd revised ed.
London: Routledge & Kegan Paul Ltd, 1940, 1960. p. 60.
97
em termos de "fora" ou "luta", impossvel dar respostas adequadas a estas
questes sem basear seu sentimento em uma teoria do valor.8
Em vez de esclarecer tais questes, os Marxistas tm (talvez por uma boa razo)
sido em geral bastante ambguos a respeito da relao entre a coero estatal e a
explorao econmica. Por exemplo, Maurice Dobb escreveu vagamente sobre a coero
por "circunstncias de classe" na ausncia da coero legal pelo estado, evitando a questo
da fora passada em criar tais circunstncias ou da fora presente em mant-las:
Uma vez que o proletrio estava privado da terra ou dos instrumentos de produo,
no existia nenhum meio de vida alternativo para ele; e, embora a coero legal a
trabalhar para outrem tivesse desaparecido, a coero da circunstncia de classe
permanecia... [S]em a circunstncia histrica de que existia uma classe que tinha a
venda de sua fora de trabalho, tal qual uma mercadoria, como seu nico meio de
vida, a defrontar o capitalista com a possibilidade dessa transao remunerativa, o
capitalista no teria estado numa posio de anexar a mais-valia para si mesmo.9
E sem o estado para roubar do campesinato a sua terra, para aterrorizar o proletariado
urbano de se organizar e para proscrever legalmente formas alternativas da classe
trabalhadora para crdito auto-organizado, esta condio de falta de propriedade da classe
trabalhadora sem dvida nunca teria se sucedido e teria sido insustentvel mesmo aps se
suceder.
Precisamente. Relaes de soma zero esto excludas pela prpria definio de um livre
mercado. Mas a pergunta, de novo, se o mercado existente livre ou competitivo. Abstrair
as relaes de produo e os padres de posse de propriedade a partir de uma teoria do
processo de troca, sem primeiro examinar o papel da coero nessa relaes e padres, ,
8
MEEK, Ronald L. Studies in the Labour Theory of Value, 2nd ed. New York e London: Monthly
Review Press, 1956. p. 215.
9
DOBB. Political Economy and Capitalism, pp. 61-2.
10
Ibid., p. 65.
98
claramente, tornar o paradigma irrelevante para o mundo real. Somente quando todos os
dados so considerados que se torna um modelo til para avaliar a realidade.
Infelizmente, os apologistas mais vulgares do capitalismo, assim como seus mais vulgares
oponentes, compartilham o erro de tomar o presente sistema como um representante do
"mercado". O mito do sculo XIX, ou mesmo do governo Hoover, como um tempo de
"laissez-faire" cinicamente adotado tanto por propagandistas corporativos quanto
socialistas de estado, cada um por suas prprias razes.
Marx e Engels vacilaram um bom tanto em suas anlises do papel da fora em criar
o capitalismo e em seu julgamento de se tal fora tinha sido essencial em sua ascenso. No
Grundrisse, Marx repetidamente levantava a questo das origens "pr-burguesas" ou "extra-
econmicas" da economia capitalista, mas nunca com uma resposta inequvoca. Marx
entendia que a situao existente, em que um trabalhador sem propriedade enfrentava "as
condies objetivas de seu trabalho como algo separado de si, como o capital...,
pressup[unha]
Marx ridicularizava a ideia de que a "acumulao primitiva" tinha sido realizada pelos
diligentes e parcimoniosos, que economizaram gradualmente at que tivessem adquirido
capital suficiente e que, ento, se voltaram para o trabalhador com a oferta de trabalho
11
MARX. Grundrisse. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International Publishers,
1986-87. v. 28. pp. 412-3.
99
e despossudas foras de trabalho vivas, e comprar uma com a outra.12
Est claro, no entanto, que Marx entendia que as origens do processo eram
extraordinrias e estavam fora do processo normal de troca; uma vez que o processo
estava encaminhado, ele era intensificado atravs da troca de mercadorias.
No Capital, Marx foi mais explcito sobre a exigncia do roubo atravs de fora
efetiva, pelo menos para pr a bola em jogo.
12
Ibid., p. 432.
13
Ibid., p. 435.
14
MARX; ENGELS, Friedrich. Capital vol. 1, 1st English ed. (1887). In: MARX; ENGELS. Collected
Works. (New York: International Publishers, 1996). v. 35. p. 726.
100
Primeiro de tudo, se a fora foi essencial para criar o sistema (e veremos no captulo
sobre a acumulao primitiva, a seguir, a escala horripilante dessa fora, como descrita pelo
prprio Marx), o fato de que ele flui em sua rotina sem intervenes diretas adicionais no
torna o sistema nem um pouco menos estatista em sua estrutura. Mas de fato, as
"condies da produo" exigem a interveno estatal macia para sua continuidade;
algumas das formas desta interveno foram descritas por Benjamin Tucker em sua anlise
do suposto sistema "laissez-faire" do sculo XIX.
Todo trabalhador socialista [como todo aluno britnico?]... sabe muito bem
que a fora apenas protege a explorao, mas no a causa; que a relao entre o
capital e o trabalho assalariado a base de sua explorao e que isto surgiu por
causas puramente econmicas e de maneira alguma por meio da fora [nfase
adicionada].16
Isto levanta a questo de em que medida o sistema legal est pressuposto at mesmo nas
relaes "puramente econmicas" e se mais do que uma situao "puramente econmica"
possvel, dependendo do grau do envolvimento de tal estado. Por exemplo, as leis das
associaes17, a lei do assentamento18 e leis sobre a emisso de crdito sem lastreamento
em espcie so essenciais ao processo de livre troca em si ou apenas ao carter capitalista
de tal troca?
15
Ibid., pp. 744-5.
16
ENGELS, Friedrich. Anti-Dhring. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International
Publishers, 1987. v. 25. p. 141.
17
N. do T.: Em ingls Combination Laws. Dois atos do parlamento ingls, aprovados em 1799 e
1825, que proibiam sindicatos, greves e outros tipos de aes e organizaes trabalhistas. Vide:
http://en. wikipedia.org/wiki/Combination_Act_1799 e
http://en.wikipedia.org/wiki/Combination_Act_1825.
18
N. do T.: Em ingls, "Laws of Settlement". Um ato do parlamento ingls que definia a que parquia
cada pessoa pertencia, e exigia comprovantes sancionados pelo governo para que esta pessoa
pudesse se mudar. Vide: http://en.wikipedia.org/wiki/Poor_Relief_Act_1662
101
Engels exps a questo em termos ainda mais absolutos mais tarde, negando que a
fora era necessria (ou mesmo particularmente til, aparentemente) em qualquer estgio
do processo.
Para se opor tese da fora de Dhring, Engels teve que recorrer a uma incrvel
massa de sofismas e non sequiturs - no completamente um crdito da posio de Engels,
dada a absoluta excentricidade de Dhring. Em resposta ao exemplo de Robinson Cruso
de Dhring, em que Cruso s poderia explorar Sexta-feira aps escraviz-lo, Engels
observou:
19
Ibid., p. 151.
20
Ibid., p. 148.
102
"Hein?". claro que o uso da fora tem como objetivo o benefcio do usurio - quem foi que
negou isso? Quem, em s conscincia, alegaria que a explorao motivada por pura Mal-
dadd, em vez de por ganho material? E, uma vez que, por definio, os meios so sempre
subordinados aos fins, os fins so sempre mais fundamentais. O que isso tem a ver com a
questo de se um meio em particular necessrio para um fim em particular? O ponto
que o objetivo da explorao econmica no pode ser realizado sem o meio da fora. O fato
de que a meta a explorao no altera a dependncia da explorao sobre a fora.
De fato, "como que isso aconteceu?". De onde que estes meio pr-existentes de
trabalho e subsistncia vieram? Ou eles so o resultado do roubo passado, em que a
questo da fora simplesmente regrediu mais um estgio; ou eles so o resultado da
concentrao passada de renda atravs de um mecanismo puro de mercado (uma coisa a
ser demonstrada, no assumida); ou eles so o resultado da absteno pelo capitalista, na
pessoa de Robinson Cruso. Se for uma das duas ltimas, notvel que Engels esteja
abandonando o processo original e violento de expropriao de Marx em favor do "conto de
fadas" da acumulao pacfica to querida dos "economistas polticos vulgares". Mas se
Cruso de fato acumulou os meios pr-existentes de produo e subsistncia pela ao de
seu trabalho sobre a natureza, esta suposio carrega certas implicaes claras. Se Sexta-
feira no for forosamente privado de acesso similar aos bens naturais gratuitos da ilha (por
exemplo, atravs da ao de Cruso como senhorio absentesta sobre todos os recursos
naturais da ilha), Cruso ter que oferecer a ele uma recompensa por seu trabalho, pelo
21
Ibid., pp. 148-9.
103
menos igual ao provvel retorno sobre o trabalho e o incmodo de Sexta-feira ao duplicar o
progresso do trabalho e da absteno de Cruso. So a disponibilidade de alternativas e a
ausncia de compulso que tornam a explorao impossvel.
Em ainda outro argumento que era completamente irrelevante, Engels fez muito dos
pr-requisitos materiais da fora. Aquela espada no caiu simplesmente de uma rvore,
sabe:
[E] ento, mais uma vez, a fora condicionada pela situao econmica,
que fornece os meios para o armamento e para a manuteno dos instrumentos da
fora.22
Pela terceira vez, e da? Engels ainda no mostrou que a explorao era inerente a um
dado nvel das foras produtivas, sem o uso da coero. Ele precisava mostrar, no que o
parasitismo depende da pr-existncia de um organismo hospedeiro (d!), mas que ele no
pode ser realizado sem a fora. Todo aumento na produtividade econmica criou
oportunidades para o roubo atravs de um sistema de classes estatista; mas a mesma
tecnologia produtiva sempre foi utilizvel em maneiras no-exploratrias. O fato de que um
dado tipo de parasitismo de classe pressupe uma certa forma de tecnologia produtiva no
altera o fato de que essa forma de tecnologia tem, potencialmente, aplicaes tanto
22
Ibid., p. 154.
104
libertrias quanto exploradoras, dependendo da natureza da sociedade que a adota.
Engels, ao fazer tais argumentos, parece estar ignorando a real tese de Dhring (e
de Hodgskin e de Tucker) de que a explorao depende da fora e, em vez disso, refutando
uma tese de sua prpria inveno: de que o desenvolvimento das foras produtivas
depende da fora. "Se, de acordo com a teoria de Herr Dhring, a situao econmica e,
com ela, a estrutura econmica de um dado pas fossem dependentes simplesmente da
fora poltica..."23. "Ordem econmica" significa o que? Tecnologia produtiva ou o uso
explorador dessa tecnologia? A teoria anarquista do estado completamente diferente do
que Engels parece implicar: ela mantm que o surgimento do estado tornado possvel
quando o desenvolvimento das foras produtivas, atravs do livre trabalho das pessoas,
atinge um ponto em que elas produzem um excedente suficiente para sustentar uma classe
dominante.
23
Ibid., p. 170.
105
explorao, ento, ns procederemos a partir deste entendimento de que a fora
essencial ao processo e que a histria do estado tem sido uma histria de interveno nas
relaes voluntrias entre seres humanos a fim de beneficiar um s custas de outro. Este
o princpio orientador a partir do qual Thomas Hodgskin e os anarquistas individualistas
Americanos comearam. Ao longo de toda a histria, o estado tem sido um meio pelo qual
as classes produtivas foram roubadas de sua produo a fim de sustentar uma classe
dominante ociosa. Sem a interveno estatal no mercado, a recompensa natural do trabalho
seria o seu produto. o estatismo que est na raiz de todas as caractersticas exploradoras
do capitalismo. O capitalismo, na verdade, somente existe na medida em que os princpios
da livre troca so violados. "Capitalismo de livre mercado" um oximoro.
24
HODGSKIN, Thomas. The Natural and Artificial Right of Property Contrasted. London: B. Steil,
1832. p. 49.
106
o outro; ambos, no entanto, apoiam de bom grado o governo e a igreja; e ambos
tomam partido contra o trabalhador para oprimi-lo; um prestando seu auxlio para
impor as leis das associaes, enquanto o outro apoia as leis da caa25, e ambos
impem a cobrana de dzimos e da receita. Capitalistas em geral tm formado uma
unio muitssimo ntima com os proprietrios de terra e, exceto quando o interesse
dessas classes se choca, como no caso das leis dos gros26, a lei extremamente
meticulosa em defender as reivindicaes e as cobranas do capitalista.27
25
N. do T.: Em ingls, "Game Laws". Atos do parlamento ingls que proibiam ou regulamentavam a
caa em certas reas do reino. Vide: http://en.wikipedia.org/wiki/Game_law
26
N. do T.: Em ingls, "Corn Laws". Uma srie de medidas protecionistas decretadas pelo
parlamento ingls impondo tarifas importao de gros estrangeiros. Vide:
http://en.wikipedia.org/wiki/Corn_ Laws
27
Ibid., p. 53.
28
Ibid., pp. 148-9.
107
homem e precede todos os planos do legislador para regul-lo ou preserv-lo.29
Embora seu trabalho tenha precedido o de Pareto e eles no usassem tais termos,
os socialistas de livre mercado como Hodgskin e Tucker estavam bastante familiarizados
com a substncia do timo de Pareto e da transao de soma zero. Em uma ordem de troca
livre e voluntria, todas as transaes so mutualmente benficas para ambas as partes.
apenas quando a fora entra em cena que uma parte se beneficia s custas da outra. Na
verdade, o uso da fora necessariamente implica na explorao, uma vez que, por
definio, a fora usada apenas para compelir uma parte ou a outra a fazer algo alm
daquilo que ela teria de outra forma feito, fosse ela livre para maximizar suas utilidades da
maneira que lhe aprouvesse.
Ora, o Socialismo quer mudar tudo isso. O Socialismo diz que o que a
carne de um no mais deve ser o veneno do outro; que nenhum homem deve ser
capaz de adicionar s suas riquezas exceto atravs do trabalho; que, ao adicionar
s suas riquezas atravs do trabalho apenas, nenhum homem torna outro homem
mais pobre; que, ao contrrio, todo homem, assim adicionando s suas riquezas,
torna todo outro homem mais rico; que o aumento e a concentrao da riqueza
atravs do trabalho tende a aumentar, baratear e diversificar a produo; que todo
aumento de capital nas mo do trabalhador tende, na ausncia do monoplio legal,
a pr mais produtos, produtos melhores, produtos mais baratos e uma maior
variedade de produtos dentro do alcance de todo homem que trabalha; e que este
fato significa o aperfeioamento fsico, mental e moral da humanidade e a
concretizao da fraternidade humana.31
29
Ibid., p. 77.
30
Ibid. p. 156.
31
TUCKER. Socialism: What It is. Liberty, 17 mai. 1884. In: ______. Instead of a Book, By a Man Too
Busy to Write One, p. 361-2.
108
Oppenheimer. Oppenheimer se denominava um "socialista liberal": "um socialista em que
ele considera[va] o capitalismo como um sistema de explorao e a receita de capital como
o ganho dessa explorao, mas um liberal em que ele acredita[va] na harmonia de um
mercado genuinamente livre". Ao contrrio de Marx, que no reconhecia qualquer papel
legtimo para o monoplio em seu sistema terico (que assumia o preo de custo),
Oppenheimer culpava inteiramente pela explorao o monoplio e a troca desigual.32 O
lucro era um rendimento de monoplio, resultante da troca desigual, revertido para a classe
que controlava o acesso aos meios de produo.33 Este controle se tornava possvel
apenas atravs do estado.
Oppenheimer contrastava "o Estado", pelo que ele queria dizer "aquela soma de
privilgios e posies dominantes que so trazidas existncia pelo poder extra-
econmico", com a "Sociedade", que era "a totalidade dos conceitos de todas as relaes e
instituies puramente naturais entre homem e homem..."34. Ele fazia uma distino paralela
entre os "meios econmicos" para a riqueza, isto , "o seu prprio trabalho e a troca
equivalente de seu prprio trabalho pelo trabalho de outros" e os "meios polticos": "a
apropriao no recompensada do trabalho de outros..."35. O estado era simplesmente a
"organizao dos meios polticos"36. O estado existia para um propsito econmico, a
explorao, que no poderia ser alcanado sem a fora; mas ele pressuponha a pr-
existncia dos meios econmicos, que tinham sido criados pelo trabalho pacfico.37
32
HEIMANN, Eduard. Franz Oppenheimer's Economic Ideas. Social Research, New York, vol. 11, n.
1, pp. 27-39, fev. 1944. pp. 29, 33.
33
OPPENHEIMER, Franz. A Post Mortem on Cambridge Economics, part III. The American Journal
of Economics and Sociology, vol. 3, n. 1, pp. 115-24, 1944. p. 117.
34
OPPENHEIMER. The State. Traduo de John Gitterman. San Francisco: Fox & Wilkes, 1997. p.
lvi.
35
Ibid., p. 14.
36
Ibid., p. 15.
37
Ibid., p. 15.
38
Ibid., p. 14.
109
meios polticos eram o roubo violento.39 Ou, como Voltaire o definia, o estado era "um
dispositivo para tirar dinheiro de um conjunto de bolsos e coloc-lo em outro"40.
Esta teoria do estado como agente da explorao foi desenvolvida tanto por Albert J.
Nock, quanto por Murray Rothbard. De acordo com Nock, um Georgista, o estado
Murray Rothbard, mais tarde, utilizou estes mesmos princpios em sua elaborao
tentativa de teoria Misesiana, fazendo basicamente os mesmos pontos substantivos na
linguagem da economia marginalista.
Esta ltima no era simplesmente algo que o estado s vezes fazia, um efeito
colateral de m poltica a ser retificada pelo "bom governo" ou pela "reforma" poltica. Ela
39
Ibid., p. 14.
40
NOCK, Albert Jay. Our Enemy, the State. Delavan, Wisconsin: Hallberg Publishing, 1983. p. 74.
41
Ibid., p. 37.
42
Ibid., p. 40.
43
ROTHBARD, Murray. Man, Economy and State: A Treatise on Economic Principles. Auburn
University, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 1993. pp. 768-9.
110
era a caracterstica definidora do governo.
O principal ato de coero pelo qual o estado explora o trabalho, como a nossa
escola socialista de livre mercado o tem entendido, restringindo, em nome de uma classe
dominante, o acesso das classes trabalhadoras aos meios de produo. Ao estabelecer tais
barreiras, a classe dominante capaz de cobrar tributo, na forma de trabalho no pago,
44
N. do T.: bromide no original, significando uma frase utilizada repetidamente como um
tranquilizador, da mesma maneira que sais de brometo costumavam ser utilizados na medicina. Vide:
http://en.wikipedia.org/wiki/Bromide_(language)
45
ROTHBARD. The Anatomy of the State. Rampart Journal of Individualist Thought vol. 1, n. 2, vero
1965. Reimpresso pela Libertarian Alliance. Disponvel em: <http://www.la-articles.org.uk/
rothbard.pdf>. Acesso em 27 abr. 2016. pp. 1-2.
111
para permitir o acesso em seus prprios termos. apenas por causa da separao, imposta
pelo estado, entre o trabalho e os meios de produo que o trabalho adquire o hbito
perverso de pensar no sobre o trabalho como uma atividade criativa realizada pelo
trabalhador com o auxlio de pr-requisitos materiais da produo, mas de um emprego que
a ele dado. O trabalho no algo que se faz; um benefcio concedido pela classe
dominante, por sua benevolncia.
46
NOCK. Our Enemy, the State, p. 82 (nota).
112
Captulo Quatro--Acumulao Primitiva e a Ascenso do
Capitalismo
Introduo
Como Marx resumiu, a lenda da acumulao primitiva foi um tipo de variao sobre
a fbula da formiga e da cigarra:
1
OPPENHEIMER, Franz. A Post Mortem on Cambridge Economics, part II. The American Journal of
Economics and Sociology, vol. 2, n. 4, pp. 533-41, 1943. p. 533.
2
OPPENHEIMER. The State. Traduo de John Gitterman. San Francisco: Fox & Wilkes, 1997. pp.
li-lii.
113
suas prprias peles. E deste pecado original data a pobreza da grande maioria que,
apesar de todo seu trabalho, at agora no tem nada para vender alm de si
mesma, e a riqueza de alguns, que aumenta constantemente, embora eles tenham
h muito parado de trabalhar. Tal infantilidade inspida pregada a ns todo dia em
defesa da propriedade.... Na histria real, notrio que a conquista, a escravizao,
o roubo, o assassinato, em suma, a fora desempenha a grande parte.3
Talvez Engels devesse ter intitulado sua obra Anti-Marx, em vez de Anti-Dhring.
Este mito ahistrico sobreviveu ao sculo XX, e ainda est vivo e bem - pelo menos
enquanto ele no for contestado pelos historicamente letrados. Ele foi exposto por Mises em
Human Action:
Ele pode ser ilustrado por um nmero qualquer de artigos clich em The Freeman:
Ideas on Liberty derrubando o "mito" dos moinhos satnicos sombrios ou das fbricas de
suor do Terceiro Mundo, com o fundamento de que os trabalhadores os achavam
preferveis s "alternativas disponveis":
3
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Capital vol. 1, 1st English ed. (1887). In: MARX; ENGELS.
Collected Works. (New York: International Publishers, 1996). v. 35. pp. 704-5.
4
OPPENHEIMER. The State, pp. 5-6.
5
MISES, Ludwig von. Human Action. Chicago: Regnery, 1949, 1963, 1966. pp. 619-20.
114
Mas os trabalhadores Equatorianos "com baixos salrios, sem sindicato" esto
melhores agora trabalhando para alguma corporao estrangeira? Aparentemente
eles acham que sim ou ento eles teriam ficado com o que estavam fazendo
anteriormente. (Voc deixaria seu trabalho por um com menor remunerao e piores
condies?) [LOBERFELD, Barry. A Race to the Bottom. jul. 2001.]
O que a Revoluo Industrial tornou possvel, ento, foi que estas pessoas, que no
tinham nada mais a oferecer ao mercado, fossem capazes de vender seu trabalho
aos capitalistas em troca de salrios. por isso que elas ao menos foram capazes
de viver... Como Mises argumenta, o prprio fato de que as pessoas aceitaram
empregos nas fbricas em primeiro lugar indica que estes empregos, desagradveis
quanto o sejam para ns, representavam a melhor oportunidade que eles tinham.
[WOODS JR, Thomas E. A Myth Shattered: Mises, Hayek, and the Industrial
Revolution. nov. 2001.]
Nos Estados Unidos do sculo XIX, o ativismo anti-fbricas de suor estava focado
em instalaes de produo domsticas que empregavam homens, mulheres e
crianas imigrantes pobres. Embora as condies fossem horrendas, elas forneciam
um meio para muitas das pessoas menos capacitadas do pas ganharem a vida.
Tipicamente, aqueles que trabalhavam l o faziam porque era sua melhor
oportunidade, dadas as escolhas disponveis
O conto de fadas foi recontado recentemente por Radley Balko, que se referiu s fbricas
de suor do Terceiro Mundo como "a melhor de uma srie de opes de emprego ruins
disponveis" para os trabalhadores de l.6 Dentro de poucos dias, esta pea foi novamente
circulada pela blogosfera de "livre mercado" [sic], juntamente com numerosos comentrios
no sentido de que "as fbricas de suor so bem superiores s prximas melhores opes
6
BALKO, Radley. Third World Workers Need Western Jobs, Fox News, 6 mai. 2004. Disponvel em:
<http://www.foxnews.com/story/0,2933,119125,00.html>. Acesso em: 6 mai. 2004.
115
dos trabalhadores de terceiro mundo..." ou em algum sentido similar.7
7
CARDEN, William. "Sweatshops". Mises Wire, 6 mai. 2004. Disponvel em: <https://mises.org/blog/
sweatshops>. Acesso em: 26 abr. 2016.
116
Os filsofos da lei natural, ento, assumiam que a completa ocupao da
terra deve ter ocorrido bastante cedo, por causa do crescimento natural de uma
populao originalmente pequena. Eles tinham a impresso de que, em seu tempo,
no sculo XVIII, ela havia ocorrido muitos sculos antes e ingenuamente deduziram
o agrupamento de classe existente a partir das supostas condies daquele ponto
no tempo h muito passado.8
Mas, em anlise, Oppenheimer apontou, a terra no poderia ter sido ocupada por
meios naturais e econmicos. Mesmo no sculo XX, e mesmo no Velho Mundo, a
populao no era suficiente para pr toda a terra arvel em cultivo.9
A terra havia, de fato, sido "ocupada" - mas no atravs dos meios econmicos da
apropriao individual pelo cultivo. Ela tinha sido politicamente ocupada por uma classe
dominante, agindo atravs do estado.
8
OPPENHEIMER. The State, p. 6.
9
Ibid., pp. 7-8.
10
Ibid., p. 8.
11
Ibid.
117
sobrevivncia inimaginvel. A atual estrutura da propriedade de capital e da organizao
da produo em nossa chamada economia "de mercado" reflete a anterior interveno
coercitiva do estado e alheia ao mercado. Desde o incio da revoluo industrial, o que
nostalgicamente chamado de "laissez-faire" foi, na verdade, um sistema de contnua
interveno estatal para subsidiar a acumulao, garantir o privilgio e manter a disciplina
do trabalho.
Para que o capitalismo como o conhecemos acontecesse, foi essencial, em primeiro lugar,
que o trabalho fosse separado da propriedade. Marxianos e outros economistas radicais
normalmente se referem ao processo como "acumulao primitiva"12:
12
O termo "acumulao primitiva" (ou "acumulao original") foi originalmente usado pelos
economistas clssicos em referncia ao processo pelo qual, nas brumas do tempo, o capital havia
sido originalmente acumulado por uma classe proprietria distinta dos trabalhadores (a "acumulao
de estoque" de Adam Smith); assumia-se que ele havia sido o resultado do sucesso no mercado.
Marx usou o termo ironicamente, virando-o de ponta cabea. O termo, sucintamente, se referia a
"uma acumulao que no era resultado do modo de produo capitalista, mas seu ponto de
partida". MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 704.
118
Mas esta mesma transformao s pode se suceder em certas circunstncias que
se centrem nisto, a saber, que dois tipos muito diferentes de possuidores de
mercadorias devem se pr frente a frente e entrar em contato, de um lado
proprietrios de dinheiro, de meios de produo e de subsistncia...; do outro lado
trabalhadores livres, os vendedores da prpria fora de trabalho e por isso
vendedores de trabalho... O sistema capitalista pressupe a completa separao
entre os trabalhadores e toda a propriedade dos meios pelos quais eles podem
realizar seu trabalho... O processo, portanto, que abre o caminho para o sistema
capitalista no pode ser outro que no o processo que tira do trabalhador a
propriedade de seus prprios meios de produo... A chamada acumulao
primitiva, portanto, nada seno o processo histrico de divrcio de produtor e
meios de produo...13
Isto foi provocado pela expropriao da terra " qual [o campons] tinha o mesmo
ttulo de direito feudal que prprio senhor, e pela usurpao das terras comunais"16. Embora
alguma forma de roubo violento tenha se sucedido em todo pas da Europa, focamos na
Inglaterra como o caso mais relevante s origens do capitalismo industrial.
13
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, pp. 705-6.
14
Ibid., pp. 179-80.
15
Ibid., p. 706.
16
Ibid., p. 709.
17
Nota do Tradutor: William I da Inglaterra, dito o Conquistador (William the Conqueror), tambm
conhecido William II da Normandia, foi o primeiro rei normando da Inglaterra, do Natal de 1066 at a
sua morte. Pressionando sua reivindicao coroa inglesa, Guilherme invadiu a Inglaterra em 1066,
conduzindo um exrcito de normandos, bretes, flamengos e franceses (de Paris e le-de-France)
vitria sobre as foras inglesas do rei Harold II de Inglaterra na batalha de Hastings. Alm disso, ele
tambm suprimiu revoltas inglesas subsequentes. Essa sequncia de eventos ficou conhecida como
conquista normanda da Inglaterra. Seu reinado, que trouxe a cultura normando-francesa Inglaterra,
119
por nenhum outro direito alm da fora, compelira estes proprietrios camponeses a pagar
aluguel em sua prpria terra.
120
Tawney,
Por que, afinal, um senhorio deveria ser mais melindroso do que a Coroa?
"Vs no sabeis", disse o donatrio de um dos feudos de Sussex do monastrio de
Sio, em resposta a alguns camponeses que protestavam contra a apreenso de
suas terras comuns, "que a graa do Rei derrubou todas as casas de monges,
frades e freiras? Portanto, agora chegou o momento em que ns cavalheiros
derrubaremos as casas de to pobres patifes como vs sois".
Entre as vtimas, como casos ilustrativos, estavam os habitantes da vila cercada pela famlia
Herbert para construir o parque em Washerne e os inquilinos de Whitby, cujos aluguis
anuais foram aumentados de 29 para 64.21
Ainda outra forma de expropriao foi o cercamento das terras comuns - qual,
novamente, os camponeses tinham, comunitariamente, um direito de propriedade to
absoluto quanto qualquer outro defendido pelos partidrios dos "direitos de propriedade"
atuais. Os cercamentos ocorreram em duas grandes ondas: a primeira, que se tornou um
poderoso surto sob os Tudors e reduziu-se a uma goteira sob os Stuarts, foi o cercamento
da terra para pastos de ovinos. A segunda, que consideraremos posteriormente, foi o
cercamento dos campos abertos para a agricultura capitalista de larga escala.
21
TAWNEY, R. H. Religion and the Rise of Capitalism. New York: Harcourt, Brace and Company,
1926. p. 120.
22
N. do T.: No perodo final do sculo XV, medidas legais foram estabelecidas quanto a pobreza, que
focavam em punir o indivduo por atos como vagabundagem e mendicncia. Em 1495, durante o
reino de Henry VII da Inglaterra, o Parlamento aprovou o Vagabond Act (Ato do Vagabundo). Este
ato determinava que os oficiais prendessem e mantivessem sob custdia "todos as pessoas
vagabundas, ociosas e suspeitas vivendo de forma suspeita e, ento, assim levadas para ficarem
nos estoques, l devem ficar por trs noites e no ter nenhuma outra sustncia alm de po e gua;
e, aps os ditos trs dias e trs noites, serem tiradas e liberadas e serem ordenadas a evitarem a
cidade". Diversos outros atos similares foram aprovados durante a dinastia Tudor. Para maiores
informaes vide: http://en. wikipedia.org/wiki/Poor_law#Tudor_era. Acessado em: 24 mai. 2016.
23
PIVEN, Frances Fox; CLOWARD, Richard. Regulating the Poor. New York: Vintage Books, 1971,
1993. pp. 3-42.
121
1605 foi "algo como meio milho de acres". O nmero de despojados de terras cercadas
entre 1455 e 1637 foi de 30-40.000. "Isto pode bem ter representado uma cifra de mais de
10 por cento de todos os pequenos e mdios proprietrios e entre 10 e 20 por cento
daqueles empregados por salrios...; caso no qual as reservas de trabalho assim criadas
teriam sido de dimenses comparveis quelas que existiam apenas nos piores meses da
crise econmica dos anos 1930". Embora "o nmero absoluto de pessoas afetadas em cada
caso possa parecer pequeno para os padres modernos, o resultado foi grande em
proporo demanda por trabalho contratado na poca"24. E aqueles camponeses no
sujeitos aos cercamentos foram vitimados pelos aluguis extorsivos e por multas arbitrrias,
que frequentemente resultavam neles sendo afugentados da terra pela incapacidade de
pagar.25
Outro grande roubo de terra camponesa foi a "reforma" da lei de terras no sculo
XVII pelo Parlamento da Restaurao29. ( legislao pode ser atribuda mais de uma data,
uma vez que, como toda a legislao aprovada durante o Interregno, ela teve que ser
confirmada sob Charles II). Os direitos dos senhorios na teoria legal feudal foram
transformados em direitos absolutos de propriedade privada; os inquilinos foram privados de
todos os seus direitos tradicionais terra que eles lavravam e foram transformados em
inquilinos30 no sentido moderno.
24
DOBB, Maurice. Studies in the Development of Capitalism. London: Routledge and Kegan Paul,
Ltd, 1963. pp. 224-5, 224-5 (nota).
25
WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World System. Part I: Capitalist Agriculture and the
Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century. New York: Academic Press, 1974.
p. 251 (nota).
26
N. do T.: O Interregno na Inglaterra foi o perodo entre a execuo de Charles I em 30 de janeiro
de 1649 e a chegada de seu filho Charles II em Londres em 29 de maio de 1660, que marcou o incio
da Restaurao. Durante o Interregno, a Inglaterra ficou sob diversas formas de governo republicano.
Vide: http://en.wikipedia.org/wiki/Interregnum_(England). Acessado em: 24 mai. 2016.
27
HILL, Christopher. The Century of Revolution: 1603-1714. New York: W.W. Norton & Co., 1961. p.
147.
28
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, p. 172.
29
N. do T.: A restaurao da monarquia inglesa comeou quando as monarquias inglesa, escocesa e
irlandesa foram todas restauradas sob Charles II depois do interregno que se seguiu Guerra dos
Trs Reinos. O termo restaurao utilizado para descrever tanto o evento real pelo qual a
monarquia foi restaurada, quanto o perodo de vrios anos depois, em que um novo acordo poltico
foi estabelecido. Ele muito utilizado para cobrir todo o reinado de Charles II (1660-1685) e muitas
vezes o breve reinado de seu irmo mais novo, James II (1685-1688). Em determinados contextos,
pode ser usado para cobrir todo o perodo dos posteriores monarcas Stuart at a morte da rainha
Anne e ascenso do hanoveriano George I em 1714. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Restoration_(England). Acessado em: 24 mai. 2016.
30
N. do T.: Em ingls, "tenancy-at-will". Um inquilino num arrendamento de tal forma que nem o
senhorio ou o inquilino podem rescindir o contrato a qualquer tempo, mediante aviso prvio razovel.
Geralmente ocorre na ausncia de um contrato de arrendamento.
122
Aps a restaurao dos Stuarts31, os aristocratas fundirios conduziram, por meios
legais, um ato de usurpao, efetuado em todo lugar no Continente sem qualquer
formalidade legal. Eles aboliram a posse feudal da terra, isto , eles se livraram de
todas as obrigaes para com o Estado, "indemnizaram" o Estado atravs de
impostos sobre o campesinato e o resto do povo, reivindicaram para si mesmos os
direitos da propriedade privada moderna s terras s quais eles tinham somente
ttulo feudal e, finalmente, aprovaram essas leis do assentamento que, mutatis
mutandis, tiveram o mesmo efeito sobre o trabalhador agrcola ingls que o dito do
Tartar Boris Godunof32 sobre o campesinato russo.33
(Os efeitos das leis do assentamento34, como uma forma de controle social, sero tratadas
31
N. do T.: A Casa de Stewart (posteriormente galificado para Stuart), uma casa real europeia.
Fundada por Robert II da Esccia, os Stewarts se tornaram monarcas do Reino da Esccia durante o
final do sculo XIV e, posteriormente, ocuparam o cargo de Reis de Inglaterra, Irlanda e Gr-
Bretanha. Seus antepassados patriarcais (da Bretanha) ocuparam o cargo de Alto Administrador da
Esccia desde o sculo XII, depois de chegar por meio da Inglaterra normanda. A dinastia herdou
mais territrio, no sculo 17, que cobria todas as ilhas britnicas, incluindo o Reino Unido da
Inglaterra e da Irlanda, alm de manter uma reivindicao ao Reino da Frana. No total, nove
monarcas Stewart governaram apenas a Esccia desde 1371 at 1603. Depois disso houve uma
unio das coroas sob James VI & I que se tornou o reclamante genealgico snior Coroa da extinta
Casa de Tudor. Assim, houve seis monarcas Stewart que governaram a Inglaterra e a Esccia assim
como a Irlanda (embora a era Stuart depois tenha sido interrompida por um interregno que durou de
1649 at 1660, como resultado das Guerras dos Trs Reinos). Alm disso, a fundao do Reino da
Gr-Bretanha aps os Atos de Unio, que uniram oficialmente Inglaterra e Esccia politicamente, a
primeiro monarca foi Anne, Rainha da Gr-Bretanha. Aps sua morte, os reinos passaram para a
Casa de Hanover, sob os termos do Ato de Assentamento de 1701 e do Ato de Segurana de 1704,
que privaram a linha legitimista catlica dos Stewarts do direito de subir ao trono.
https://en.wikipedia.org/wiki/ House_of_Stuart. Acessado em: 24 mai. 2016.
32
N. do T.: Boris Fyodorovich Godunov foi o regente de facto da Rssia a partir de c.1585-1598 e,
em seguida, o primeiro czar no Rurikid, de 1598 a 1605. O fim de seu reinado viu a Rssia se
degradar em direo ao Tempo de Dificuldades. A reforma interna mais importante do Boris foi o
decreto de 1597 proibindo os camponeses de irem de um proprietrio de terras para outro, assim
vinculando-os ao solo. O objeto do desse decreto-lei era garantir as receitas dos proprietrios, mas
levou instituio da servido em sua forma mais opressiva. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Boris_Godunov. Acessado em: 24 mai. 2016.
33
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 713.
34
N. do T.: A Lei de Ajuda aos Pobres (Poor Relief Act) de 1662 foi um ato do Parlamento Cavalier
da Inglaterra. Foi um ato para a "Melhor Assistncia aos Pobres deste Reino" (Act for the Better
Relief of the Poor of this Kingdom) e tambm conhecida como a Lei de Assentamento (Settlement
Act) ou, mais honestamente, Lei de Assentamento e Remoo (Settlement and Removal Act).
A finalidade da lei foi estabelecer a parquia qual uma pessoa pertence (ou seja, o seu
lugar de "assentamento") e, portanto, esclarecer qual parquia era responsvel por ele, caso ele
tivesse necessidade da Assistncia aos Pobres. Esta foi a primeira ocasio em que um documento
provando domiclio tornou-se oficial: estes foram chamados "certificados de assentamento". Depois
de 1662, quando um homem deixava sua parquia estabelecida para mudar para outro lugar, ele
tinha que levar seu Certificado de Assentamento, que garantia que sua parquia natal iria pagar por
seus custos "de remoo" (da parquia de acolhimento) de volta para sua casa, caso ele precisasse
da Assistncia aos Pobres. Como as parquias muitas vezes relutavam em emitir tais certificados,
frequentemente as pessoas ficavam onde estavam - sabendo que em caso de emergncia teriam
direito Taxa dos Pobres de sua parquia.
A Lei de 1662 estipulava que, se uma pessoa pobre (ou seja, residente de um contrato de
arrendamento com um valor tributvel inferior a 10 por ano, que no fosse abrangida pelas outras
categorias protegidas), se mantivesse residncia na parquia por quarenta dias sem perturbao, ela
poderia adquirir o "direito de assentamento" naquela parquia. No entanto, dentro desses 40 dias,
123
posteriormente.)
Como Christopher Hill coloca, "as posses feudais foram abolidas apenas para cima,
no para baixo". Ao mesmo tempo que os senhorios tinham garantias contra toda incerteza
e capricho vindo de cima, os camponeses foram colocados merc absoluta dos senhorios.
O Ato de 1660 insistia que ele no deveria ser interpretado para alterar ou mudar
qualquer mandato por enfiteuse35. Os enfiteutas no obtiveram nenhum direito
absoluto de propriedade s suas terras arrendadas, permanecendo em abjeta
dependncia de seus senhorios, suscetveis impostos sucessrios arbitrrios que
podiam ser usados como um meio para despejar o recalcitrante. O efeito foi
completado por um ato de 1677 que assegurou que a propriedade de pequenos
locatrios no vinculados36 no deveria estar nem um pouco menos insegura do que
aquela dos enfiteutas, a menos que apoiada por ttulo legal. Ento a maioria dos
obstculos aos cercamentos foi removida: a exploso da produo agrcola do final
sob qualquer reclamao local, dois juzes de paz poderiam remover o homem e devolv-lo sua
parquia natal. Como resultado, os chefes das paroquiais frequentemente despachavam seus pobres
para outras parquias, com instrues para permanecerem escondidos durante 40 dias antes de se
revelarem. Esta lacuna foi fechada com o ato 1685 que obrigava os recm-chegados para se
registrar com as autoridades paroquiais. Mas os oficiais paroquiais simpatizantes muitas vezes
escondiam o registro e no revelavam a presena de recm-chegados at que o perodo de
residncia exigido tivesse acabado. Como resultado, a lei ficou ainda mais estrita em 1692, e os
oficiais paroquiais foram obrigados a divulgar publicamente os registros da chegada, por escrito, na
circular de domingo da igreja local, e ler para a congregao e que os 40 dias s comeariam a
contar a partir da.
As Leis de Assentamento beneficiaram os donos de grandes propriedades que controlavam
a habitao. Alguns proprietrios de terra demoliam habitaes vazias, a fim de reduzir a populao
de suas terras e impedir as pessoas de voltarem.
Tambm era comum o recrutamento de trabalhadores de parquias vizinhas, para que
pudessem ser facilmente demitidos. Magistrados poderiam ordenar s parquias para que
concedessem assistncia aos pobres. No entanto, muitas vezes os magistrados eram proprietrios
de terras e, portanto, pouco propensos a emitirem ordens de assistncia, que aumentariam a Taxa
dos Pobres. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Poor_Relief_Act_1662. Acessado em: 24 mai. 2016.
35
N. do T.: A posse por enfiteuse ("copyhold") era uma forma de posse feudal de terra, comum na
Inglaterra da Idade Mdia at o sculo 19 e sobrevivendo de forma residual at 1922. As terras eram
mantidas de acordo com o costume do feudo, e o modo de posse de terra recebeu seu nome do fato
de que o "ttulo de propriedade" recebido pelo inquilino era uma cpia da entrada relevante no rol do
tribunal feudal. Um inquilino que ocupasse a terra dessa maneira era conhecido como um enfiteuta.
Os privilgios concedidos a cada inquilino e os servios exatos que ele deveria prestar ao senhor
feudal em troca deles eram descritos no rol ou livro mantido pelo administrador, que fazia uma cpia
da entrada relevante para o inquilino. Em consequncia, estes inquilinos eram posteriormente
chamados "copyholders", em contraste com "freeholders". Os direitos e deveres especficos dos
enfiteutas variavam muito de um feudo para outro e muitos foram estabelecidos pelo costume, mas
geralmente eles estabeleciam direitos de utilizao de vrios recursos da terra, tais como a madeira
e o pasto, e era muito comum o pagamento de um imposto sobre a morte chamado de Heriot pela
morte do enfiteuta. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Copyhold. Acessado em: 24 mai. 2016.
36
N. do T.: Em certas jurisdies, incluindo a Inglaterra, Pas de Gales e Esccia, uma locao no
vinculada ("freeholder") a propriedade de bens imveis, sendo a terra e todas as estruturas de
imveis ligados a essas terras. Isto o oposto de um arrendamento, em que a propriedade reverte
para o proprietrio da terra aps o perodo de locao ter expirado. Para um imvel ser uma locao
no-vinculada deve possuir duas qualidades: a imobilidade; e os direitos de propriedade devem ser
de durao indeterminada. Se o tempo de propriedade pode ser fixo e determinado, ento ele no
pode ser uma propriedade no-vinculada. Um locatrio no-vinculado, ou aquele que est em
propriedade plena, no era, portanto, um vassalo do senhor feudal como o enfiteuta ("copyholder").
Vide: https://en. wikipedia.org/wiki/Freehold_(law). Acessado em: 24 mai. 2016.
124
do sculo XVII e do sculo XVIII se reverteu em benefcio aos grandes donos de
terra e aos fazendeiros capitalistas, no aos proprietrios camponeses... O sculo
aps o fracasso dos radicais em conquistar a segurana legal da posse dos homens
de pequena estatura social o sculo em que muitos pequenos donos de terra
foram forados a vender tudo em consequncia dos aluguis extorsivos, das multas
pesadas, da tributao e da falta de recursos para competir com os fazendeiros
capitalistas.37
Aps a "Revoluo Gloriosa"41, pela qual o povo da Inglaterra foi libertado da tirania
37
HILL, Christopher. Reformation to the Industrial Revolution, 1530-1780. London: Penguin Books,
1967. (Pelican Economic History of Great Britain, vol. II). p. 116.
38
N. do T.: O Long Parliament da Inglaterra, aps o fiasco do Short Parliament, foi criado em 03 de
novembro de 1640 para aprovar legislao financeira, um passo necessrio aps os custos
incorridos na Guerra dos Bispos. Ele recebeu seu nome do fato de que, atravs de um Ato do
Parlamento, ela s poderia ser dissolvido com a concordncia dos membros, e eles no concordaram
com sua dissoluo at aps a Guerra Civil Inglesa e perto do fim do Interregno. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Long_ Parliament. Acessado em: 24 mai. 2016.
39
N. do T.: Charles II foi monarca dos trs reinos da Inglaterra, Esccia e Irlanda. O pai de Charles II,
o rei Charles I, foi executado em Whitehall em 30 de janeiro 1649, no auge da Guerra Civil inglesa.
Embora o Parlamento da Esccia tenha proclamado Charles II rei da Gr-Bretanha e da Irlanda em
Edimburgo, em 05 de fevereiro de 1649, o Parlamento Ingls, em vez disso, aprovou uma lei que
tornou tal proclamao ilegal. A Inglaterra entrou no perodo conhecido como o Interregno Ingls ou
Commonwealth Inglesa, e o pas se tornou uma repblica de facto, liderada por Oliver Cromwell.
Cromwell derrotou Charles II na Batalha de Worcester em 03 de setembro de 1651, e Charles fugiu
para a Europa continental. Cromwell tornou-se ditador virtual da Inglaterra, Esccia e Irlanda, e
Charles passou os prximos nove anos no exlio na Frana, as Provncias Unidas e Pases Baixos
espanhis. A crise poltica que se seguiu morte de Cromwell em 1658 resultou na restaurao da
monarquia, e Charles foi convidado a retornar Gr-Bretanha. Em 29 de Maio de 1660, seu
aniversrio de 30 anos, foi recebido em Londres, para aclamao pblica. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_II_of_ England. Acessado em: 24 mai. 2016.
40
GEORGE, Henry. Progress and Poverty. New York: Walter J. Black, 1942. p. 320.
41
N. do T.: A Revoluo Gloriosa, tambm chamada de Revoluo de 1688, foi a derrubada do rei
James II de Inglaterra (James VII da Esccia e James II da Irlanda) por uma aliana entre
parlamentaristas ingleses com o stadtholder holands William III de Orange-Nassau. A invaso bem-
sucedida de William da Inglaterra com uma frota e exrcito holands levou sua ascenso ao trono
Ingls como William III de Inglaterra, em conjunto com sua esposa Mary II da Inglaterra. As polticas
de tolerncia religiosa do rei James aps 1685 encontraram uma crescente oposio por parte de
membros de crculos polticos principais, que estavam preocupados com o catolicismo do rei e de
seus laos estreitos com a Frana.
125
papista de James II42 para entrar nos suaves cuidados da Oligarquia Whig43, ainda outra
A crise frente ao rei veio tona em 1688, com o nascimento de seu filho, James Francis
Edward Stuart, em 10 de Junho (calendrio juliano). Isso mudou a linha de sucesso existente ao
deslocar da herdeira presuntiva, sua filha Mary, uma protestante e esposa de William de Orange,
para o jovem James como herdeiro aparente. O estabelecimento de uma dinastia catlica romana
nos reinos agora parecia provvel. Alguns dos lderes mais influentes dos Tories uniram-se com os
Whigs membros da oposio e decidiram resolver a crise, convidando William de Orange para a
Inglaterra, que o stadtholder, que temia uma aliana anglo-francesa, tinha indicado como condio
para uma interveno militar.
A revoluo acabou definitivamente com qualquer chance de reestabelecer o catolicismo na
Inglaterra. Para os catlicos britnicos, seus efeitos foram desastrosos, tanto social quanto
politicamente: aos catlicos foi negado o direito de votar e de se sentar no Parlamento de
Westminster para mais de um sculo; a eles tambm foram negadas comisses no exrcito, e o
monarca foi proibido de ser catlico ou se casar com uma catlica, esta ltima proibio
permanecendo em vigor at 2013. A Revoluo levou tolerncia limitada para dissidentes
protestantes, apesar de que se passaria algum tempo antes eles tivessem plenos direitos polticos.
Argumentou-se, principalmente, pelos historiadores Whig, que a derrubada de James
comeou democracia parlamentar inglesa moderna: a Declarao de Direitos de 1689 tornou-se um
dos documentos mais importantes da histria poltica da Gr-Bretanha e desde ento nunca mais o
monarca deteve o poder absoluto. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Glorious_Revolution. Acessado
em: 24 mai. 2016.
42
N. do T.: James II e VII foi o rei da Inglaterra e da Irlanda como James II e Rei da Esccia como
James VII, a partir de 06 de fevereiro de 1685, at que ele foi deposto durante a Revoluo Gloriosa
de 1688. Ele foi o ltimo monarca catlico romano a reinar sobre os reinos da Inglaterra, Esccia e
Irlanda. O segundo filho sobrevivente de Charles I, subiu ao trono aps a morte de seu irmo,
Charles II. Os membros da elite poltica e religiosa da Gr-Bretanha, cada vez mais suspeitavam-no
de ser pr-francs e pr-catlico e de ter projetos sobre como se tornar um monarca absoluto.
Quando ele produziu um herdeiro catlico, a tenso explodiu, e os principais nobres chamaram seu
genro e sobrinho protestante, William III de Orange, para liderar um exrcito de invaso da Holanda,
o que ele fez. James fugiu Inglaterra (e, portanto, presumiu-se ter abdicado) na Revoluo Gloriosa
de 1688. Ele foi substitudo por sua filha protestante mais velha, Mary II, e seu marido, William III.
James fez uma tentativa sria de recuperar suas coroas de William e Mary, quando ele desembarcou
na Irlanda em 1689, mas, aps a derrota das foras Jacobitas pelas foras Williamitas na Batalha de
Boyne, em julho de 1690, James voltou para a Frana. Ele viveu o resto de sua vida como um
pretendente em uma corte, patrocinado por seu primo e aliado, o rei Lus XIV.
James mais conhecido por lutas com o Parlamento Ingls e suas tentativas de criar
liberdade religiosa para ingleses catlicos romanos e protestantes dissidentes contra os desejos do
establishment Anglicano. No entanto, ele tambm continuou a perseguio dos Covenanters
presbiterianos na Esccia. O Parlamento, em oposio ao crescimento do absolutismo que estava
ocorrendo em outros pases europeus, bem como a perda da supremacia legal para a Igreja da
Inglaterra, viu a sua oposio como uma forma de preservar o que eles consideravam como as
liberdades tradicionais inglesas. Essa tenso fez dos quatro anos do reinado de James uma luta pela
supremacia entre o Parlamento Ingls e a Coroa, resultando em sua destituio, a aprovao do Bill
of Rights e a sucesso de Hanover. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Glorious_Revolution. Acessado
em: 24 mai. 2016.
43
N. do T.: Os Whigs eram uma faco e, em seguida, se tornaram um partido poltico nos
parlamentos da Inglaterra, Esccia, Gr-Bretanha e do Reino Unido. Entre os anos 1680 e 1850,
disputaram o poder com seus rivais, os Tories. A origem dos Whigs est na monarquia constitucional
e na oposio ao absolutismo. Os Whigs desempenharam um papel central na Revoluo Gloriosa
de 1688, e eram os inimigos permanentes dos reis e pretendentes Stuart, que eram catlicos
romanos. Os Whigs assumiram o controle total do governo em 1715 e permaneceram totalmente
dominantes at que o rei George III, chegando ao trono em 1760, admitiu novamente os Tories. A
"Supremacia Whig" (1715-1760) foi possibilitada pela sucesso Hanoveriana de George I em 1714 e
a falha Jacobita em 1715 por parte dos rebeldes Tory. Os Whigs eliminaram completamente os
Tories de todos os principais cargos do governo, do exrcito, da Igreja da Inglaterra, da profisso de
advogado e das autoridades locais. O lder do Whigs era Robert Walpole, que manteve o controle do
governo no perodo 1721-1742; seu protegido era Henry Pelham (1743-1754). Ambos os partidos
comearam como agrupamentos ou tendncias dispersas, mas tornaram-se bastante formais por
volta de 1784, com a ascenso de Charles James Fox como o lder de um reconstitudo partido
126
reforma foi introduzida. Num prenncio da erroneamente chamada "privatizao" dos
nossos dias, a maior parte da terra da coroa, legitimamente a propriedade do povo
trabalhador da Inglaterra, foi dividida entre os grandes senhores de terras.
Eles inauguraram a nova era praticando, em uma escala colossal, roubos de terras
estatais, roubos que tiveram sido previamente conduzidos mais modestamente.
Estas propriedades foram doadas, vendidas uma cifra ridcula ou mesmo
anexadas a propriedades privadas atravs do confisco direto.... As terras da Coroa,
assim fraudulentamente apropriadas, junto com o roubo das propriedades da
Igreja... formam a base para os domnios principescos atuais da oligarquia inglesa.44
"Whig" s contra o partido governante dos novos "Tories" sob William Pitt, o Jovem. Ambos os
partidos foram fundados por polticos ricos, mais do que por votos populares; houve eleies para a
Cmara dos Comuns, mas um pequeno nmero de homens controlava a maior parte dos eleitores. O
partido Whig evoluiu lentamente durante o sculo 18. A tendncia Whig apoiou as grandes famlias
aristocrticas, a sucesso protestante de Hanover e a tolerncia para com os protestantes no-
conformistas (os "dissidentes", como os presbiterianos), enquanto alguns Tories apoiaram a
reivindicao da exilada famlia real Stuart ao trono (Jacobitismo), e praticamente todos Tories
apoiaram a Igreja Anglicana e a nobreza. Mais tarde, os Whigs atraram o apoio dos interesses
industriais emergentes e dos ricos comerciantes, enquanto os Tories atraram o apoio dos interesses
fundirios e da famlia real. Na primeira metade do sculo 19, no entanto, o programa poltico Whig
passou a abranger no s a supremacia do parlamento sobre o monarca e o apoio ao livre comrcio,
mas a emancipao catlica, a abolio da escravatura e da expanso do sufrgio. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Whigs_(British _political_party). Acessado em: 24 mai. 2016.
44
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 714.
45
N. do T.: Leis da caa so estatutos que regulam o direito de caar e apanhar ou matar certos
tipos de peixes e animais silvestres. Seu escopo pode incluir o seguinte: restringir os dias para
pescar ou caar, restringir o nmero de animais por pessoa, restringir espcies exploradas, e limitar
as armas e os materiais de pesca utilizados. As leis de caa podem fornecer uma estrutura legal para
cobrar taxas de licena e outros tributos. Para a lei especificamente citada pelo autor, vide:
http://www.british- history.ac.uk/report.aspx?compid=46392. Para um tratamento geral sobre esse
tipo de legislao, vide https://en.wikipedia.org/wiki/Game_law. Ambos acessados em: 24 mai. 2016.
46
PERELMAN, Michael. Classical Political Economy: Primitive Accumulation and the Social Division
of Labor. Totowa, New Jersey: Rowman & Allanheld; London: F. Pinter, 1984, ca. 1983. pp. 48-9.
127
normalmente obtidos para trabalhar a menos que possam ter salrios to excessivos quanto
eles mesmos desejem"47. Consequentemente, a expropriao final mesmo destas ltimas
terras camponeses restantes era vital para o completo desenvolvimento do capitalismo.
Os cercamentos dos Tudor e dos Stuart foram executados por senhorios privados,
de sua prpria iniciativa, frequentemente s escondidas. Do sculo XVIII em diante, no
entanto, eles foram executados pela lei, atravs de "atos de cercamento" parlamentares:
"em outras palavras, decretos atravs dos quais os senhorios concediam a si mesmos a
terra do povo como propriedade privada...". Marx citou estes atos como evidncia de que as
terras comuns, longe de serem a "propriedade privada dos grandes senhorios que tomaram
o lugar dos senhores feudais", tinham, na verdade, exigido "um golpe de estado
parlamentar... para sua transformao em propriedade privada"52.
As classes dominantes viam o direito tradicional dos camponeses terra como uma
fonte de independncia econmica em relao ao capitalista e ao senhorio e, assim, como
uma ameaa a ser destruda. Mandeville, em Fable of the Bees, escreveu sobre a
necessidade de manter os trabalhadores tanto pobres quanto estpidos, a fim de for-los a
trabalhar:
Seria mais fcil, onde a propriedade est bem segura, viver sem dinheiro do que
sem pobres; pois quem faria o trabalho? .... Assim como devem ser impedidos de
passar fome, assim tambm no deveriam receber nada que valha a pena poupar.
Se aqui e ali um da classe mais baixa, atravs de incomum diligncia e apertando
sua barriga, elevar-se acima da condio em que foi criado, ningum deve impedi-lo;
...mas do interesse de todas as naes ricas que a maior parte dos pobres quase
nunca deveria estar ociosa e tambm deveria estar continuamente gastando o que
ganha... Aqueles que ganham a vida atravs de seu trabalho dirio... no tm nada
47
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, p. 226; Considerations Concerning Common
Fields and Enclosures (1653). In ______. Ibid, p. 226.
48
HAMMOND; HAMMOND. The Village Labourer, p. 42.
49
HOBSBAWN, E. J.; RUD, George. Captain Swing. New York: W.W. Norton & Company, 1968). p.
27.
50
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, p. 227.
51
DEVELOPMENT as Enclosure: The Establishment of the Global Economy. The Ecologist, vol. 22,
n. 4, pp. 133, jul./ago. 1992.
52
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 715.
128
a incit-los a serem prestveis alm de suas necessidades, as quais prudente
aliviar, mas tolice curar... Para tornar a sociedade feliz e as pessoas mais fceis sob
as circunstncias mais cruis, necessrio que grandes nmeros delas devam ser
ignorantes assim como pobres...53
Um panfleto de 1739, citado por Christopher Hill, alertava que a nica maneira de impor a
diligncia e a temperana era "submet-los necessidade de trabalhar todo o tempo que
eles possam dispensar do descanso e do sono, a fim de obter as necessidades comuns da
vida"54.
53
Citado em Ibid., p. 610.
54
HILL. Reformation to the Industrial Revolution, p. 275.
55
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 231.
56
PERELMAN. Classical Political Economy, p. 38.
57
THOMPSON, E. P. The Making of the English Working Class. New York: Vintage, 1963, 1966. pp.
219-20, 358.
129
haveria "talvez mais trabalho, porque haver mais compulso a ele"58.
Parece ser uma lei da natureza que os pobres devam ser, em um certo grau,
improvidentes, que sempre possa haver alguns para exercer os mais servis, os mais
srdidos e os mais ignbeis ofcios na comunidade. O estoque de felicidade humana
assim muito aumentado. Os mais delicados so assim liberados do trabalho
penoso e podem perseguir chamados mais elevados, etc. e sem perturbaes.60
Os nicos humanos cujo trabalho penoso importa, obviamente, so "os mais delicados" cuja
"felicidade humana" aumentada pela oportunidade de perseguir seus "chamados mais
elevados", sem a perturbao de ter que sustentar a si mesmos atravs de seu prprio
trabalho. O bom Reverendo era, de fato, um simpatizante da humanidade - exceto, talvez,
dos 95% dela que labutavam abaixo de seu limiar de visibilidade.
A Survey (1807) de Gloucestershire comentava que entre "os maiores males para a
agricultura estaria a colocar o trabalhador em um estado de independncia". Pois, como
outro observador do mesmo perodo observou, "Os fazendeiros, assim como os fabricantes,
precisam de trabalhadores constantes - homens que no tm quaisquer outros meios de
sustento alm de seu trabalho dirio, homens em quem eles possam confiar"61.
58
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 716.
59
N. do T.: "Uma dissertao sobre as Leis dos Pobres, Por um Simpatizante da Humanidade", em
traduo livre.
60
MARX. A Contribution to the Critique of Political Econonomy. In: MARX; ENGELS. Collected
Works. New York: International Publishers, 1987-88. v. 29-30. p. 205.
61
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, p. 222.
62
HILL. Reformation to the Industrial Revolution, p. 222.
63
ASHTON, Trevor. An Economic History of England: the 18th Century. London: University
Paperbacks, 1972. p. 115. Citado em PERELMAN. Classical Political Economy.
130
Conforme Kirkpatrick Sale elaborou sobre o mesmo tema:
Ao final do sculo XVIII, haviam dois tipos de mquinas capazes de produo txtil
sofisticada na Inglaterra. Uma era uma mquina de uma pessoa baseada em casa,
construda em torno da mquina de fiar, aperfeioada j nos anos de 1760; a outra
era uma mquina a vapor fabril baseada no motor de Watt e no filatrio de Arkwright,
introduzida nos anos 1770. A escolha de qual deveria sobreviver e se proliferar foi
feita no sobre os mritos das mquinas em si, nem sequer sobre quaisquer
fundamentos tecnolgicos, mas sobre os desejos dos setores polticos e econmicos
dominantes da sociedade inglesa da poca. As mquinas centradas em casa,
engenhosas o quanto fossem, no permitiam aos mercadores txteis o mesmo tipo
de controle sobre a fora de trabalho, nem a mesma regularidade de produo,
quanto as mquinas fabris. Gradualmente, portanto, elas foram eliminadas, seus
fabricantes espremidos ao serem negados matria-prima e financiamento, seus
operadores suprimidos por leis que, sobre vrios pretextos, tornaram a produo
caseira ilegal.64
64
SALE, Kirkpatrick. Human Scale. New York: Coward, McCann & Geoghegan, 1980. p. 162.
65
N. do T.: Sir Frederick Morton den, 2nd Baronet de Maryland foi um escritor Ingls sobre pobreza
e investigador social pioneiro. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Sir_Frederick_Eden,_2nd_Baronet.
Acessado em: 24 mai. 2016.
66
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, pp. 717-8.
131
Albert Jay Nock, esse padroeiro da Old Right67, tambm tinha algumas palavras afiadas
sobre o assunto - no apenas para os supostos apologistas do pseudo-"laissez-faire", mas
para os defensores da ao estatal:
67
N. do T.: A Old Right (literalmente, "velha direita") um ramo do conservadorismo americano que
esteve mais ativo no incio do sculo 20 e se ops tanto os programas domsticos do New Deal dos
anos 1930 quanto a entrada dos EUA na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais. Muitos membros
desta faco foram associados com os Republicanos do perodo entre guerras, liderados por Robert
Taft e Herbert Hoover. Alguns eram Democratas. Eles eram chamados de "Old Right" para distingui-
los dos seus sucessores da Nova Direita, como Barry Goldwater, que ganhou destaque na dcada de
1950 e 1960 e favoreceu uma poltica externa intervencionista para combater o comunismo
internacional. Muitos membros da velha direita favoreciam o liberalismo clssico laissez-faire; alguns
eram conservadores com orientaes corporativas; outros eram ex-radicais que mudaram
bruscamente para a direita; ainda outros, como os Southern Agrarians, eram tradicionalistas que
sonhavam com a restaurao de uma sociedade comunal pr-moderna. A devoo da Old Right ao
anti-imperialismo estava em desacordo com a difuso da cultura progressista e da democracia
global, a transformao de cima para baixo de heranas locais, a engenharia social e institucional da
esquerda poltica e at mesmo alguns da direita moderna. A "Old Right" foi unificada por sua
oposio ao que eles viam como o perigo da ditadura domstica pelo presidente Franklin Roosevelt.
A maioria foi unificada por sua defesa das desigualdades naturais, da tradio, do governo limitado e
do anti-imperialismo, bem como seu ceticismo quanto democracia e ao poder crescente de
Washington. A velha direita per se desvaneceu enquanto movimento organizado, mas muitas ideias
semelhantes so encontradas entre paleoconservadores e paleolibertrios. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Old_ Right_(United_States). Acessado em: 24 mai. 2016.
68
N. do T.: O romance Hard Times, de Charles Dickens, se passa em Coketown, uma genrica
cidade fabril do Norte Ingls, semelhante a Manchester em alguns aspectos, embora menor.
Coketown pode ser parcialmente baseada na Preston do sculo XIX. O livro tambm inclui Josias
Bounderby, um scio de negcios do Sr. Gradgrind. Dado a gabar-se de ser um "self-made man", ele
emprega muitos dos outros personagens centrais do romance. Ele ascendeu a uma posio de poder
e riqueza de origem humilde (embora no to humilde quanto alega). Ele se casa com a filha de Mr.
Gradgrind, Louisa, cerca de 30 anos mais jovem, no que acaba por ser um casamento sem amor.
Eles no tm filhos. Bounderby insensvel, egosta e, finalmente, se revela ser um mentiroso e uma
fraude. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Hard_Times. Acessado em: 24 mai. 2016.
69
N. do T.: Personagem do livro Past and Present, de Thomas Carlyle, Plugson de Undershot o
tpico comercirio Radical do meio do sculo 19, que descobre que nenhum Tory decente apertaria
sua; mas no final do sculo encontrou a companhia a favor da livre concorrncia com Tories da
poca. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Past_and_Present_(book). Acessado em: 24 mai. 2016.
132
fanticos por interveno positiva fariam bem em ler a histria dos Atos de
Cercamentos e o trabalho dos Hammonds, e ver o que podem fazer com eles."70
sobre o grande benefcio para o pblico de que onde um lcio ou um pato antes se
alimentavam, agora um boi ou uma ovelha engordam; eles estaro prontos para
replicar que, se eles forem pegos capturando um boi castrado ou uma ovelha, o rico
dono os processa como criminosos; ao passo que aquele lcio ou pato eram seus
bens prprios, apenas s custas de captur-los.72
70
NOCK, Albert Jay. Our Enemy, the State. Delavan, Wisconsin: Hallberg Publishing, 1983. p. 106
(nota).
71
N. do T.: Em ingls, "fen" o nome local para uma rea individual de pntanos ou ex-pntanos e
tambm designa o tipo de pntano tpico de uma regio". O termo original neste trecho, "fenmen", se
referem s pessoas que trabalham nessas reas.
72
HILL. Reformation to the Industrial Revolution, p. 121.
73
PERELMAN. Classical Political Economy, pp. 41-2.
74
Ibid. p. 42.
133
precisamente o ponto. A real "eficincia" visada era a eficincia em esfolar as classes
produtivas. Como veremos mais tarde neste captulo, as classes dominantes tm
consistentemente estado dispostas a adotar formas menos eficientes de produo, em
termos materiais, a fim de tornar o controle do processo de produo mais factvel.
No Novo Mundo, assim como no Velho, conforto ou independncia demais por parte
das classes trabalhadoras poderiam ser um grande inconveniente para "a nao" ou para "o
povo" (cujas entidades, presumivelmente, no incluam os Hilotas que de fato produziam as
coisas consumidas pela "nao" ou pelo "povo"). A resposta do capitalista (com o poder do
estado "s suas costas"), nas colnias assim como no Velho Mundo, foi (como Marx coloca)
"tirar de seu caminho, atravs da fora, os modos de produo e apropriao baseados no
trabalho independente do produtor"75.
Onde a terra barata e todos os homens so livres, onde todos a quem assim lhes
apetece podem obter um pedao de terra para si mesmos, no apenas o trabalho
muito caro, no que diz respeito parte do trabalhador no produto, mas a dificuldade
obter o trabalho combinado a qualquer preo.
75
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 752.
76
SMITH, Adam. An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Chicago, London,
Toronto: Encyclopedia Britannica, 1952.
77
WAKEFIELD, E. G. A View of the Art of Colonization. New York: Augustus M. Kelley, 1849, 1969.
(Reprints of Economic Classics), p. 166.
78
WAKEFIELD. England and America II:5, cit. em MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 755.
134
acumular grandes massas de riqueza"79. Como resultado, as elites coloniais solicitaram
ptria-me trabalho importado e restries colonizao da terra. De acordo com o
discpulo de Wakefield, Herman Merivale, havia um "desejo urgente por trabalhadores mais
baratos e mais subservientes - de uma classe a quem o capitalista pudesse ditar os termos,
em vez t-los ditados a si por eles"80.
Essa grilagem de terras foi central para a histria Americana desde o princpio, como
Albert Jay Nock apontou: "...desde o tempo do primeiro assentamento colonial at os dias
de hoje, os Estados Unidos tm sido considerados um campo praticamente ilimitado para a
79
WAKEFIELD. England and America I:131, cit. Em Ibid., pp. 756-7.
80
MERIVALE, Herman. Lectures on Colonisation and Colonies, cit. em Ibid., p. 757.
81
WAKEFIELD. A View of the Art of Colonization, pp. 332-3.
82
NASH, Gary B. Class and Society in Early America. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall,
1970. pp. 23, 33, 46.
135
especulao de valores de locao"83.
Uma das causas da Revoluo Americana foi a "tentativa... de limitar o exerccio dos meios
polticos no que dizia respeito aos valores de locao" por parte da Gr-Bretanha (a saber,
a proibio, em 1763, dos assentamentos a oeste da bacia do Atlntico). Isto prevenia a
preempo da terra por especuladores em conluio com o estado.85 Os livros de histria
convencionais, claro, retrataram isso como uma ofensa principalmente contra o apropriador
individual, em vez de contra as grandes companhias de terra. Muitas das principais figuras
no final do perodo colonial e comeo do perodo republicano eram proeminentes
investidores destas companhias de terra: por exemplo, Washington nas Companhias de
Ohio, Mississippi e Potomac; Patrick Henry na Companhia Yazoo; Benjamin Franklin na
Companhia Valdalia, etc.86
83
NOCK. Our Enemy, the State, p. 67.
84
Ibid., p. 67 (nota).
85
Ibid., p. 69.
86
Ibid., p. 71.
87
N. do T.: Frederick North, segundo conde de Guilford, mais conhecido pelo seu ttulo de cortesia,
Lord North, que ele usou de 1752 at 1790, foi primeiro-ministro da Gr-Bretanha de 1770 a 1782.
Ele comandou a Gr-Bretanha durante a maior parte da Guerra da Independncia Americana. Ele
tambm assumiu uma srie de outros cargos de gabinete, incluindo o secretrio do Interior e ministro
das Finanas. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Frederick_North,_Lord_North. Acessado em 07 jun.
2016.
Warren Hastings, proeminente estadista Ingls, foi o primeiro governador-geral de Bengala, de 1772
a 1785, ele foi notoriamente acusado de corrupo e cassado em 1787, mas depois de um longo
julgamento, foi absolvido em 1795. Foi nomeado Conselheiro Privado em 1814. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Warren_Hastings. Acessado em 07 jun. 2016.
88
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, p. 222.
136
C. Represso Poltica e Controle Social na Revoluo Industrial
uma conspirao... para enganar o trabalhador ingls quanto a seus salrios, para
at-lo ao solo, para priv-lo de esperana e para degrad-lo pobreza
irremedivel... Por mais de dois sculos e meio, a lei inglesa e aqueles que
administraram a lei estavam engajados em triturar o trabalhador ingls mais baixa
insignificncia, em erradicar toda expresso ou ato que indicasse qualquer
descontentamento organizado e em multiplicar as penalidades sobre ele quando ele
pensasse sobre seus direitos naturais.91
89
Ibid., pp. 23-4.
90
N. do T.: "Combination Acts" em ingls. Dois atos do parlamento ingls, aprovados em 1799 e
1825, que proibiam sindicatos, greves e outros tipos de aes e organizaes trabalhistas. Vide
http://en. wikipedia.org/wiki/Combination_Act_1799 e
http://en.wikipedia.org/wiki/Combination_Act_1825. Acessado em 09 jun. 2016.
91
ROGERS, T. Six Centuries of Work and Wages, cit. em Ibid., p. 233.
92
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, pp. 723-6.
93
N. do T.: "Laws of Settlement" em ingls. Um ato do parlamento ingls que definia a que parquia
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Par%C3%B3quia_(divis%C3%A3o_administrativa)) cada pessoa
137
suplementadas pelas Leis das Associaes e pelo estado policial de Pitt94. O governo
continuou a estabelecer salrios mximos tambm.
Em uma citao anterior neste captulo, Marx se referiu s "leis dos assentamentos"
como anlogas ao "dito de Tartar Boris Godunov" em seus efeitos sobre a populao
trabalhadora inglesa. Tivesse ele estado mais familiarizado com os eventos nos Estados
Unidos na poca em que escreveu, ele poderia ter se referido aos Cdigos Negros97 como
pertencia e exigia comprovantes sancionados pelo governo para que esta pessoa pudesse se mudar.
Vide: http://en.wikipedia.org/wiki/Poor_Relief_Act_1662. Acessado em 09 jun. 2016.
94
N. do T.: William Pitt, o Jovem foi um poltico britnico do final do sculo XVIII e incio do sculo
XIX. Ele se tornou o mais jovem primeiro-ministro em 1783 com a idade de 24. Ele deixou o cargo em
1801, mas foi primeiro-ministro de novo desde 1804 at sua morte em 1806 Ele tambm foi o
Chanceler do Tesouro durante todo seu governo. Ele conhecido como "o mais novo" para distingui-
lo de seu pai, William Pitt, o Velho, que j havia servido como primeiro-ministro.
O mandato de primeiro-ministro do Pitt mais novo, que surgiu durante o reinado de George
III, foi dominado por grandes eventos na Europa, incluindo a Revoluo Francesa e as guerras
napolenicas. Pitt, embora muitas vezes referido como Tory, ou "novo Tory", chama-se a si mesmo
de "Whig independente" e foi em geral oposto ao desenvolvimento de um sistema poltico-partidrio
rigoroso.
Ele mais conhecido por liderar a Gr-Bretanha nas grandes guerras contra a Frana e
Napoleo. Pitt era um administrador excepcional que trabalhou para a eficincia e para a reforma,
colocando uma nova gerao de administradores em circulao. Ele aumentou os impostos para
pagar a grande guerra contra a Frana e reprimiu o radicalismo. Para enfrentar a ameaa de apoio
irlands Frana, ele projetou os Atos de Unio de 1800 e tentou (mas no conseguiu) obter a
Emancipao Catlica como parte da Unio. Pitt criou o "novo conservadorismo", que reviveu o
Partido Tory e permitiu-lhe permanecer no poder pelo prximo quarto de sculo. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/ William_Pitt_the_Younger. Acessado em 09 jun. 2016.
95
N. do T.: A ocupao (em ingls, "squatting") consiste em ocupar uma rea abandonada ou
desocupada de terras e/ou um edifcio - geralmente residencial - de que o posseiro no dono, no
aluga e tampouco tem, de outra forma, permisso legal para usar. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/
Squatting. Acessado em 09 jun. 2016.
96
HILL. Reformation to the Industrial Revolution, pp. 141-2.
97
N. do T.: Nos Estados Unidos, os Cdigos Negro foram leis aprovadas por estados do Sul, em
1865 e 1866, aps a Guerra Civil. Essas leis tiveram a inteno e o efeito de restringir a liberdade
dos afro-americanos e de obrig-los a trabalhar em uma economia laboral baseada em salrios
baixos e dvida. Desde o incio de 1800, muitas leis, tanto no Norte quanto no Sul discriminavam
sistematicamente os negros livres. No Sul, "cdigos de escravos" colocavam restries significativas
sobre os negros americanos que no eram eles prprios escravos. Um dos principais objetivos
dessas leis foi a manuteno do sistema de supremacia branca que tornou a escravido possvel.
Com as proibies legais da escravido ordenadas pela Proclamao de Emancipao,
pelos atos de legislatura estadual e, eventualmente, a Dcima Terceira Emenda, os estados do Sul
adotaram novas leis para regular a vida negra. A caracterstica que definia os Cdigos Negros era a
138
uma analogia melhor. Tivesse ele vivido at o sculo XX, ele poderia ter citado os sistemas
de passaportes internos da frica do Sul ou da Unio Sovitica. Os controles do estado
britnico sobre a movimentao da populao durante a Revoluo Industrial eram um
sistema de controle totalitrio comparvel a todos esses.
lei vadiagem, que permitia que as autoridades locais prendessem os libertos e os entregassem ao
trabalho involuntrio. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Black_Codes_(United_States). Acessado em
09 jun. 2016.
98
N. do T.: As Leis dos Pobres inglesas foram um sistema de assistncia aos pobres que existiu na
Inglaterra e no Pas de Gales e que se desenvolveu a partir de leis do final da Idade Mdia e da era
Tudor, tendo sido codificadas entre 1587 e 1598. O sistema da Lei dos Pobres existiu at o
surgimento do Estado de bem-estar moderno, aps a Segunda Guerra Mundial.
As origens do sistema Ingls de Leis dos Pobres podem ser traadas aos estatutos
medievais que lidavam com mendigos e com a vadiagem, mas foi s durante o perodo Tudor que o
sistema das Leis dos Pobres foi codificado. Mosteiros, a principal fonte de assistncia aos pobres,
haviam sido dissolvidos pela Reforma dos Tudors, fazendo com que a assistncia aos pobres
passasse de uma base largamente voluntria para um imposto obrigatrio que era coletado no nvel
paroquial. No incio, a legislao estava preocupada com vagabundos e em fazer com que os aptos
trabalhassem, especialmente enquanto o trabalho estava em baixa oferta aps a Peste Negra. Vide:
https://en. wikipedia.org/wiki/Poor_relief. Acessado em 09 jun. 2016.
99
SMITH. Wealth of Nations, pp. 59-61.
100
Ibid., p. 60.
139
consentimento dos Comissrios da Lei dos Pobres... Um escritrio foi estabelecido
em Manchester, ao qual listas eram enviadas daqueles trabalhadores nos distritos
agrcolas que desejavam emprego e seus nomes eram registrados em livros. Os
fabricantes compareciam a estes escritrios e selecionavam tais pessoas da forma
como escolhessem; ...eles davam instrues para t-las despachadas a Manchester
e elas eram enviadas, etiquetadas como fardos de mercadorias, atravs de canais
ou com transportadores, outras vagando pela estrada e muitas delas eram
encontradas no caminho perdidas e quase mortas de fome. Este sistema havia
crescido at se tornar um comrcio regular. Esta Casa dificilmente acreditar, mas
eu os direi que este trfico de carne humana era to bem mantido, elas eram to
normalmente vendidas a estes... fabricantes quanto escravos so vendidos ao
algodo cultivado nos Estados Unidos".101
101
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 273; todo material entre aspas do discurso de Ferrand na
Cmara dos Comuns em 27 de April de 1863.
102
N. do T.: Uma casa de trabalho ("workhouse") na Inglaterra e no Pas de Gales era um lugar onde
se oferecia alojamento e emprego s pessoas incapazes de se sustentar. Vide:
https://en.wikipedia.org/ wiki/Workhouse. Acessado em 09 jun. 2016.
103
Cit. em Ibid, p. 746.
104
HAMMOND, J. L.; HAMMOND, Barbara. The Town Labourer (1760-1832). London: Longmans,
Green & Co., 1917. v. 1. pp. 44, 147.
105
HOFFMAN II, Michael A. They Were White and They Were Slaves: The Untold History of the
Enslavement of Whites in Early America, 4th ed. Dresden, New York: Wiswell Ruffin House, 1992. p.
16.
140
diaristas e, em vez deles, solicitavam ajuda aos superintendentes.106
A respeito da legislao do dia de dez horas, por exemplo, Marx a descreveu como
uma tentativa dos capitalistas de regular a "ganncia por trabalho excedente"; elas serviam
para regular a economia no interesse da classe capitalista como um todo, de uma maneira
que s poderia ser realizada agindo-se atravs do estado. Com a concorrncia no limitada
106
THOMPSON. The Making of the English Working Class, pp. 223-4.
107
SMITH. Wealth of Nations, p. 61; HAMMOND; HAMMOND. The Town Labourer, v. 1, p. 74.
108
THOMPSON. The Making of the English Working Class, pp. 199-202.
109
HAMMOND; HAMMOND. The Town Labourer, pp. 123-7.
110
N. do T.: A Star Chamber (em latim: Camera stellata) era um tribunal do direito Ingls que se
reunia no Palcio Real de Westminster desde o final do sculo 15 at 1641. Ela era composta de
Conselheiros Privados, bem como por juzes de direito comum e suplementava as atividades do
direito comum e dos tribunais de equidade em matria civil e penal. O tribunal foi criado para garantir
a justa aplicao das leis contra pessoas de destaque, aqueles to poderosos que os tribunais
comuns nunca os condenariam por seus crimes.
As sesses do Tribunal eram realizadas em segredo, sem acusaes e sem testemunhas.
As provas eram apresentadas por escrito. Com o tempo, evoluiu para uma arma poltica, um smbolo
do uso indevido e do abuso de poder por parte da monarquia e dos tribunais ingleses. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Star_Chamber. Acessado em 09 jun. 2016.
111
SMITH. Wealth of Nations, p. 61.
112
Vide PIVEN; CLOWARD. Regulating the Poor, sobre como estes propsitos foram servidos pela
legislao de bem-estar social e trabalhista do sculo XX.
141
pelo estado, a questo das condies de trabalho apresenta um dilema do prisioneiro para
o capitalista individual; do interesse da classe capitalista como um todo que a explorao
do trabalho seja mantida em nveis sustentveis, mas do interesse do capitalista individual
ganhar uma vantagem imediata sobre a concorrncia usando sua prpria fora de trabalho
at o ponto de ruptura. Como veremos no Captulo 6 adiante sobre a ascenso do
capitalismo monopolista, o real efeito de tais regulamentaes coordenar as prticas de
trabalho atravs de um cartel imposto pelo estado, de maneira que estas prticas no mais
sejam uma questo de concorrncia entre as firmas.
Estes atos refreiam a paixo do capital por uma drenagem ilimitada da fora de
trabalho, ao forosamente limitar o dia de trabalho atravs de regulamentaes
estatais, feitas por um estado que governado pelo capitalista e pelo senhorio.
Afora o movimento da classe trabalhadora, que diariamente se tornava mais
ameaador, a limitao do trabalho fabril era ditada pela mesma necessidade que
espalhou guano sobre os campos ingleses.113
Quanto aos sindicatos: mesmo aps as Leis das Associaes terem sido revogadas
em 1825, a posio dos trabalhadores era diferente daquela dos mestres em relao ao
contrato. "As provises dos estatutos trabalhistas quanto aos contratos entre mestres e
operrios, quanto a notificao e afins, que apenas permitem uma ao civil contra o mestre
que quebre o contrato, mas, ao contrrio, permitem uma ao criminal contra o operrio que
quebre o contrato, esto at esta hora (1873) em pleno vigor"116.
113
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 247.
114
N. do T.: Josiah Wedgwood foi um ceramista Ingls, fundador da empresa Wedgwood, creditado
pela industrializao da produo de cermica. Um abolicionista proeminente, Wedgwood
lembrado por seu medalho anti-escravido "No sou eu um homem e um irmo?". Ele era um
membro da famlia Darwin-Wedgwood. Ele era o av de Charles Darwin e Emma Darwin. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Josiah_Wedgwood. Acessado em 09 jun. 2016.
115
Ibid., 276 (nota).
116
Ibid., p. 729.
117
N. do T.: Em ingls, Criminal Law Amendment Act de 1871 (34 e 35 Vict. C.32). uma lei do
Parlamento do Reino Unido aprovada pelo governo liberal de W.E. Gladstone. Foi aprovada no
mesmo dia em que a Lei Sindical de 1871. William Edward Hartpole Lecky descreveu as implicaes
142
poderiam usar em uma greve ou lock-out118 foram retirados das leis comuns a todos os
cidados e colocados sob uma legislao penal de exceo, a interpretao da qual cabia
aos prprios mestres, em sua qualidade de juzes de paz"119. Assim, o estado ao mesmo
tempo permitiu a negociao coletiva e proibiu a negociao coletiva fora das avenidas
prescritas e reguladas pelo estado. Da mesma maneira, a grande "vitria do trabalho" no
Wagner Act120 foi seguida, em pouco tempo, pelo Taft-Hartley121, que criminalizou a maioria
das tticas pelas quais as vitrias do CIO122 no comeo dos anos trinta foram ganhas
da Lei: ... [a Lei] infligia um castigo de trs meses de priso, com trabalhos forados, a qualquer um
que tentasse coagir outro para fins comerciais atravs do uso de violncia pessoal; atravs de
ameaas tais que justificassem que magistrado detivesse o homem para manter a paz; ou pela
persistncia em seguir uma pessoa de um lugar para outro, escondendo suas ferramentas, roupas ou
outros bens, observando e assediando sua casa, ou seguindo-lhe ao longo de qualquer rua ou
estrada, com duas ou mais outras pessoas de uma forma desordenada. Estas ltimas clusulas
foram dirigidas contra a prtica de piquetes. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Criminal_Law_Amendment_Act_1871. Acessado em 09 jun. 2016.
118
N. do T.: Greve de fabricantes em coalizao, mediante o fechamento simultneo das suas
fbricas, o Lockout a recusa por parte da entidade patronal em ceder aos trabalhadores os
instrumentos de trabalho necessrios para a sua atividade. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Lockout_(industry). Acessado em 09 jun. 2016.
119
Ibid., pp. 729-30.
120
N. do T.: O National Labor Relations Act ("Lei de Relaes Nacionais de Trabalho", em traduo
livre) de 1935, tambm conhecido como a "Wagner Act" em homenagem ao senador Robert F.
Wagner de Nova Iorque, uma lei fundamental do direito do trabalho dos EUA, que garante os
direitos bsicos dos funcionrios do setor privado de se organizarem em sindicatos, negociarem
coletivamente por melhores condies de trabalho e de tomarem aes coletivas, incluindo greve, se
necessrio. A lei tambm criou o National Labor Relations Board ("Conselho Nacional de Relaes
Trabalhistas"), que realiza eleies que podem exigir que os empregadores se envolvam em
negociaes coletivas com os sindicatos. A lei no se aplica aos trabalhadores abrangidos pela
Railway Labour Act ("Lei Trabalhista Ferroviria"), empregados agrcolas, empregados domsticos,
supervisores, trabalhadores dos governos federal, estaduais ou locais, contratantes independentes e
alguns parentes prximos de empregadores individuais. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/National_Labor_Relations_Act. Acessado em 09 jun. 2016.
121
N. do T.: O Labor Management Relations Act ("Lei das Relaes de Gesto do Trabalho"), de
1947, mais conhecido como a Taft-Hartley Act, uma lei federal dos Estados Unidos que restringe as
atividades e o poder dos sindicatos. A lei, ainda vigente, foi patrocinada pelo senador Robert Taft e
pelo deputado Fred A. Hartley, Jr., e tornou-se lei, superando o veto do presidente norte-americano
Harry S. Truman em 23 de junho de 1947. A Lei Taft-Hartley alterava o National Labor Relations Act
(NLRA; informalmente o Wagner Act) que o Congresso aprovara em 1935.
A Lei Taft-Hartley proibiu greves jurisdicionais, greves relmpago, greves de solidariedade ou
polticas, boicotes secundrios, piquetes secundrios e em massa, fbricas totalmente sindicalizadas
e doaes em dinheiro pelos sindicatos para campanhas polticas federais. Tambm exigiu que
dirigentes sindicais assinassem depoimentos de no comunismo com o governo. Fbricas
sindicalizadas foram fortemente restringidas e os estados foram autorizados a aprovar leis de direito
de trabalho que proibissem fbricas totalmente sindicalizadas. Alm disso, o ramo executivo do
governo federal poderia obter liminares fura-greve legais, se um ataque iminente ou em curso
colocasse em perigo a sade ou a segurana nacional, um teste que tem sido interpretado de forma
ampla pelos tribunais. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Labor_Management_Relations_Act_of_1947.
Acessado em 09 jun. 2016.
122
N. do T.: O Congresso das Organizaes Industriais (CIO, na sigla em ingls), proposto por John
L. Lewis, em 1928, era uma federao de sindicatos que organizavam trabalhadores em sindicatos
industriais nos Estados Unidos e no Canad de 1935 a 1955. A Lei Taft-Hartley de 1947 exigia que
dirigentes sindicais jurassem que no eram comunistas. Muitos lderes do CIO se recusaram a
obedecer essa exigncia, mais tarde considerada inconstitucional. O CIO se fundiu com a Federao
Americana do Trabalho para formar a AFL-CIO em 1955.
O CIO apoiava Franklin D. Roosevelt e a coalizo do New Deal, e estava aberto para os afro-
americanos. Tanto o CIO quanto sua rival, a AFL, cresceram rapidamente durante a Grande
Depresso. A rivalidade pelo domnio era amarga e s vezes violenta. O CIO (Comit de
143
independentemente do estado. E, no processo, como Hilaire Belloc to brilhantemente
explicou, para o trabalhador, o contrato foi substitudo pelo status - um passo na retrgrada
grande marcha em direo servilizao industrial da populao assalariada. 123 Vale a
pena citar novamente um comentrio de Adam Smith, um sculo mais cedo: "Quando quer
que a legislatura tente regular as diferenas entre mestres e seus operrios, seus
conselheiros so sempre os mestres"124.
O estilo de vida da classe trabalhadora sob o sistema fabril, com suas novas formas
de controle social, era um rompimento radical com o passado. Ele envolvia uma drstica
perda de controle sobre seu prprio trabalho. O calendrio de trabalho do sculo XVII ainda
tinha sido fortemente influenciado pelo costume medieval. Embora houvessem surtos de
trabalho rduo entre a plantao e a colheita, perodos intermitentes de trabalho leve e a
proliferao de dias santos se combinaram para reduzir a mdia de tempo de trabalho bem
abaixo daquela de nossos prprios dias. E o ritmo de trabalho era geralmente determinado
pelo sol e pelos ritmos biolgicos do trabalhador, que levantava aps uma noite decente de
sono e se sentava para descansar quando tinha vontade. O campons que tinha acesso
terra comum, mesmo quando queria uma renda extra de trabalho assalariado, poderia
aceitar trabalho de forma ocasional e ento voltar a trabalhar para si mesmo. Isto era um
grau inaceitvel de independncia, de um ponto de vista capitalista.
No mundo moderno, a maioria das pessoas tem que se adaptar a algum tipo
de disciplina e observar os horrios de outras pessoas, ...ou trabalhar sob as ordens
de outras pessoas, mas temos que lembrar que a populao que foi arremessada no
ritmo brutal da fbrica havia ganho sua vida em relativa liberdade e que a disciplina
das primeiras fbricas era particularmente selvagem... Nenhum economista da
poca, ao estimar os ganhos ou perdas do emprego fabril, jamais admitiu a tenso e
a violncia que um homem sofria em seus sentimentos quando ele passava de uma
vida em que ele podia fumar ou comer, ou cavar ou dormir como lhe aprouvesse,
para uma em que algum virava a chave sobre ele e por quatorze horas ele no
tinha sequer o direito de assoviar. Era como entrar na vida sem ar e sem riso de
uma priso.125
Organizao Industrial) foi fundado em 9 de novembro de 1935, por oito sindicatos internacionais
pertencentes Federao Americana do Trabalho. Na sua declarao de propsito, o CIO disse que
havia sido formado para incentivar a AFL a organizar os trabalhadores nas indstrias de produo
em massa por indstria. O CIO no conseguiu mudar a poltica AFL por dentro. Em 10 de setembro
de 1936, a AFL suspendeu todos os 10 sindicatos CIO (mais dois se juntaram no ano anterior). Em
1938, esses sindicatos formaram o Congresso de Organizaes Industriais como uma federao
sindical rival. Em 1955, o CIO voltou a AFL, formando a nova entidade conhecida como a Federao
Americana do Trabalho-Congresso das Organizaes Industriais (AFL-CIO). Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/ Congress_of_Industrial_Organizations. Acessado em 09 jun. 2016.
123
BELLOC, Hilaire. The Servile State. Indianapolis: Liberty Classics, 1913, 1977.
124
SMITH. Wealth of Nations, p. 61.
125
HAMMOND; HAMMOND. The Town Labourer, v. 1, pp. 33-4.
144
formada por crianas pobres compradas no mercado de escravos das casas de trabalho, s
fbricas Romanas de tijolos e cermica que eram operadas por escravos. Em Roma, a
produo fabril era incomum nas manufaturas dominadas por homens livre. O sistema fabril,
atravs da histria, tem sido possvel apenas com uma fora de trabalho privada de
qualquer alternativa vivel.
126
MARGLIN, Steven A. What Do Bosses Do? The Origins and Functions of Hierarchy in Capitalist
Production - Part I. Review of Radical Political Economics, vol. 6, n. 2, vero 1974.
127
N. do T.: O Sistema domstico ou putting-out vigorou a partir da Idade Moderna quando os
burgueses passaram a ser considerados empresrios e ofereciam aos artesos as ferramentas
necessrias para a produo de determinados produtos (cuja matria-prima j era fornecida pelos
burgueses) que era realizada, geralmente, em suas prprias casas. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/ Putting-out_system. Acessado em 09 jun. 2016.
128
Ibid.
145
derivava da mediao entre o produtor e o mercado.129
Este princpio est no centro da histria da tecnologia industrial dos ltimos duzentos
anos. Mesmo dada a necessidade de fbricas para algumas formas de manufatura em larga
escala e intensivas em capital, normalmente h uma escolha entre tecnologias produtivas
alternativas dentro da fbrica. A indstria tem consistentemente escolhido tecnologias que
desqualificam os trabalhadores e deslocam a tomada de deciso para cima na hierarquia
gerencial. J em 1835, o Dr. Andrew Ure (o pai ideolgico do Taylorismo), argumentava que
quanto mais qualificado o trabalhador, "mais obstinado e. um componente menos
adaptado de um sistema mecnico" ele se tornava. A soluo era eliminar processos que
exigiam "destreza e firmeza peculiares da mo... do ardiloso operrio" e substitu-los por um
"mecanismo to autorregulador que uma criana possa supervision-lo"130. E o princpio foi
seguido por todo o sculo XX. William Lazonick, David Montgomery, David Noble e
Katherine Stone produziram um excelente conjunto de obras sobre este tema. Muito embora
os experimentos corporativos em auto-gesto do trabalhador aumentem a moral e a
produtividade e reduzam leses e o absentesmo para alm das mais ousadas esperanas
da gerncia, eles normalmente so abandonados por medo da perda de controle.
129
Ibid.
130
URE, Andrew. Philosophy of Manufactures. In THOMPSON. Making of the English Working Class,
p. 360.
131
NOBLE, David. America by Design: Science, Technology, and the Rise of Corporate Capitalism.
New York: Alfred A. Knopf, 1977. pp. xi-xii.
132
N. do T.: O Clube Jacobino o clube poltico mais clebre da Revoluo Francesa. O clube deve
seu nome ao Convento dos Jacobinos, onde se instalou em 1789. A palavra designava os
Dominicanos, aps a colocao de seu convento principal ser feita na Rua Saint-Jacques (Jacques =
jacobus em latim vulgar). Os jacobinos foram dos mais radicais partidrios da Revoluo Francesa
que, apesar de liderarem a Frana apenas por um ano, entre 1793 e 94, deixaram uma marca de
audcia e sanguinarismo que espantou o mundo. Foram apontados como o primeiro grupo
revolucionrio moderno, inspirador de uma srie de outros movimentos do seu tempo. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Clube_Jacobino. Acessado em 09 jun. 2016.
146
os governantes do "bero da liberdade" viviam em terror de que o pas fosse varrido pela
revoluo. Os sistemas de controles de estado policial sobre a populao lembravam um
regime de ocupao. Os Hammonds se referiram correspondncia entre os magistrados
do norte do pas e o Home Office134, em que a lei era francamente tratada "como um
instrumento no de justia, mas de represso", e as classes trabalhadoras "aparec[iam]...
conspicuamente como uma populao hilota"135.
... luz dos papis do Home Office, ...nenhum dos direitos pessoais inerentes aos
ingleses possua qualquer realidade para as classes trabalhadoras. Os magistrados
e seus escriturrios no reconheciam nenhum limite aos seus poderes sobre a
liberdade e os movimentos dos homens trabalhadores. As Leis da Vadiagem136
pareciam suplantar toda a Carta das liberdades de um ingls. Elas foram usadas
para pr na priso qualquer homem ou mulher da classe trabalhadora que
parecesse ao magistrado um personagem inconveniente ou perturbador. Elas
ofereciam a maneira mais fcil e mais rpida de se proceder contra qualquer um que
tentasse coletar dinheiro para as famlias de trabalhadores vtimas de lock-out ou
133
N. do T.: Thomas Paine foi um poltico britnico, alm de panfletrio, revolucionrio, radical,
inventor, intelectual e um dos Pais Fundadores dos Estados Unidos da Amrica. Viveu na Inglaterra
at os 37 anos, quando imigrou para as colnias britnicas na Amrica, em tempo de participar da
Revoluo Americana. Suas principais contribuies foram os amplamente lidos "Common Sense"
(1776), advogando a independncia colonial americana do Reino da Gr-Bretanha, e "The American
Crisis" (17761783), uma srie de panfletos revolucionrios. Depois, Paine influenciou bastante a
Revoluo Francesa. Escreveu "Rights of Man" (1791), um guia das ideias Iluministas. Mesmo no
falando francs, foi eleito para a Conveno Nacional Francesa em 1792. Os Girondinos o viam
como aliado, assim os Montagnards, especialmente Robespierre, o viam como inimigo. Em
dezembro de 1793, ele foi aprisionado em Paris, e solto em 1794. Tornou-se notrio por "The Age of
Reason" (179394), um livro advogando Desmo e argumentando contra a religio institucionalizada
(doutrinas crists), e promovia a razo e o livre pensar, motivo pelo qual foi ridicularizado na Amrica.
Na Frana, tambm escreveu o panfleto "Agrarian Justice" (1795), discutindo as origens da
propriedade, e introduziu o conceito de renda mnima. Paine permaneceu na Frana durante o incio
da Era Napolenica, mas condenava a ditadura de Napoleo, chamando-o de "o mais completo
charlato que j existiu". A convite do Presidente Thomas Jefferson, em 1802 ele retornou aos
Estados Unidos. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Paine. Acessado em 09 jun. 2016.
134
N. do T. O Home Office (HO) um departamento ministerial do Governo do Reino Unido,
responsvel pela imigrao, segurana e ordem pblica. Como tal, responsvel pela polcia, vistos
e imigrao, e o Servio de Segurana (MI5). Tambm responsvel pela poltica do governo sobre
questes relacionadas segurana, como drogas, combate ao terrorismo, e cartes de identificao.
Antigamente, era responsvel pelo Servio Prisional e Servio de Reinsero Social, mas estes
foram transferidos para o Ministrio da Justia. Ele continua a ser conhecido, especialmente em
documentos oficiais e quando referido no Parlamento, como Home Department. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/ Home_Office. Acessado em 09 jun. 2016.
135
HAMMOND; HAMMOND. Town Labourer, p. 72.
136
N. do T.: O Vagrancy Act de 1824 foi um ato do Parlamento do Reino Unido, que tornou crime
dormir na rua ou mendigar. Qualquer um na Inglaterra e no Pas de Gales que fosse encontrado
como sem-teto ou na tentativa de mendigar dinheiro de subsistncia poderia ser preso. Os crticos,
tais como William Wilberforce, condenaram a lei por ser um crime muito geral porque no
considerava as circunstncias quanto ao motivo que uma pessoa poderia ser colocada em tal
situao. Vide: https:// en.wikipedia.org/wiki/Vagrancy_Act_1824. Acessado em 09 jun. 2016.
O Vagrancy Act de 1838 foi um ato do Parlamento do Reino Unido, sancionada em 29 de julho de
1838. Ela alterou o Vagrancy Act de 1824 para prever que qualquer pessoa liberada da custdia e
aguardando um apelo contra uma condenao no mbito dessa lei e que no reaparecer para o
julgamento da apelao poderia ser presa novamente. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Vagrancy_Act _1838. Acessado em 09 jun. 2016.
147
disseminar literatura que os magistrados achavam indesejvel.137
137
Ibid., p. 80.
138
N. do T.: Gria inglesa para policial, baseada no nome do poltico ingls Robert ("Bobbie") Peel,
fundador da fora policial inglesa. Sir Robert Peel foi um estadista conservador britnico, que serviu
como primeiro-ministro do Reino Unido de 10 de dezembro de 1834 a 8 de Abril 1835, e tambm de
30 de agosto de 1841 to 29 de junho de 1846. Enquanto ministro do Interior, Peel ajudou a criar o
conceito moderno da fora policial, levando a um novo tipo de funcionrio conhecido como "bobbie"
(na Inglaterra) e "peelers" (na Irlanda), seus homnimos pessoais. Como primeiro-ministro, Peel
emitido o Manifesto Tamworth (1834), durante seu breve primeiro perodo no cargo, levando
formao do Partido Conservador a partir de um Partido Tory despedaado; em seu segundo
governo, ele revogou as Leis do Milho. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Peel. Acessado em
09 jun. 2016.
139
N. do T.: Posse Comitatus a autoridade, outorgada pela lei comum ou por uma estatutria, de
um xerife de condado, ou outro oficial da lei, de recrutar qualquer homem sadio para ajud-lo a
manter a paz ou para perseguir e prender um criminoso. Originalmente encontrado no direito comum
ingls, geralmente obsoleto; no entanto, ele sobrevive nos Estados Unidos, onde o equivalente a
aplicao da lei de convocar a milcia para fins militares. O termo deriva da Posse Comitatus Latina,
"o poder da comunidade". Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Posse_comitatus. Acessado em 09 jun.
2016.
140
N. do T.: O ludismo (ou luddismo) foi um movimento que ia contra a mecanizao do trabalho
proporcionado pelo advento da Revoluo Industrial. Adaptado aos dias de hoje, o termo ludita (do
ingls luddite) identifica toda pessoa que se ope industrializao intensa ou a novas tecnologias,
geralmente vinculadas ao movimento operrio anarcoprimitivista. As reclamaes contra as
mquinas e a sua substituio em relao mo-de-obra humana, j eram normais. Mas foi em
1811, na Inglaterra, que o movimento operrio estourou, ganhando uma dimenso significativa. O
nome deriva de Ned Ludd, personagem criada a fim de disseminar o ideal do movimento operrio
entre os trabalhadores. Os luditas chamaram muita ateno pelos seus atos. Invadiram fbricas e
destruram mquinas, que, segundo os luditas, por serem mais eficientes que os homens, tiravam
seus trabalhos, requerendo, contudo, movimentos operrios e duras horas de jornada de trabalho.
Os luditas ficaram lembrados como "os quebradores de mquinas". Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludismo. Acessado em 09 jun. 2016.
141
N. do T.: "Um Ato de Preservao mais eficaz da Paz, impondo os deveres de Vigilncia e
Defesa, at o primeiro dia de maro de 1814, em locais onde os Distrbios prevaleam ou sejam
apreendidos". Este ato em resposta aos motins para quebrar mquinas e os atos de violncia e
assassinato por parte dos luditas, especialmente os ataques a usina de Joseph Foster em Horbury,
Wakefield e ao moinho Rawfold em Liversedge, ambos ocorridos em abril de 1812, bem como
interrupes em outras partes do pas.
142
Ibid., pp. 91-2.
143
N. do T.: A Milcia Voluntria para a Segurana Nacional foi um grupo paramilitar da Itlia fascista
que mais tarde passou a ser uma organizao militar. Devido a cor de seu uniforme, seus membros
ficaram conhecidos como camisas negras (em italiano: Camicie nere). Provavelmente inspirado pelos
camisas-vermelhas de Garibaldi, sua atividade est enquadrada a partir do perodo entre guerras at
148
a "Associao para a Proteo da Propriedade contra Republicanos e Levellers144" - uma
associao anti-jacobina da pequena aristocracia e donos de moinhos - condiziam buscas
casa a casa e organizavam queimas de efgies de Guy Fawkes145 contra Paine; "Pela Igreja
e pelo Rei" as turbas aterrorizavam os suspeitos radicais.146
o fim da Segunda Guerra Mundial. O termo aplicado a diferentes grupos que imitavam o uniforme,
como os blackshirts da Unio Britnica de Fascistas e a SS do partido nazista alemo. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Camisas_negras. Acessado em 09 jun. 2016.
144
N. do T.: Os Levellers ("niveladores", em traduo livre) foram um movimento poltico durante a
Guerra Civil Inglesa que enfatizava a soberania popular, o sufrgio estendido, a igualdade perante a
lei, e tolerncia religiosa, todos os quais foram expressas no manifesto "Acordo do Povo". Eles
vieram a ter proeminncia no final da Primeira Guerra Civil Inglesa e foram mais influentes antes do
incio da Segunda Guerra Civil. As vises e o apoio dos Leveller eram encontrados na populao da
cidade de Londres e, em alguns regimentos do New Model Army. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Levellers. Acessado em 09 jun. 2016.
145
N. do T.: Guy Fawkes, tambm conhecido como Guido Fawkes, o nome que ele adotou enquanto
lutava pelos espanhis nos Pases Baixos, era membro de um grupo de catlicos ingleses provinciais
que planejou a falha Conspirao da Plvora ("Gunpowder Plot") de 1605. A Conspirao da Plvora
de 1605, em sculos anteriores muitas vezes chamada de Conspirao da Traio da Plvora ou de
Traio Jesuta , foi uma fracassada tentativa de assassinato contra o rei James I da Inglaterra e VI
da Esccia por um grupo de catlicos ingleses provinciais liderada por Robert Catesby. O plano era
explodir a Cmara dos Lordes, durante a Declarao de Abertura do Parlamento da Inglaterra em 05
de novembro de 1605, como o preldio de uma revolta popular na regio de Midlands, durante a qual
a filha de nove anos de idade de James, a princesa Elizabeth, deveria ser instalada como a chefe
Catlica do estado. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Guy_Fawkes. Acessado em 09 jun. 2016.
146
Planting the Liberty Tree. In: THOMPSON. Making of the English Working Class, cap. 5.
147
Ibid., pp. 197-8.
148
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 741.
149
despejo para os bens excedentes produzidos em nossas prprias fbricas.149
149
RHODES, Cecil. In: DEVELOPMENT as Enclosure, p. 134.
150
N. do T.: As chamadas Guerras Anglo-Holandesas, tambm referidas como Guerras Anglo-
Neerlandesas, foram uma srie de conflitos navais que se desenvolveram entre o sculo XVII e o
XVIII entre o Reino Unido, (mais tarde Reino da Gr-Bretanha, durante a quarta guerra) e a
Repblica das Sete Provncias Unidas dos Pases Baixos pelo controle das rotas martimas. Vide:
https://en. wikipedia.org/wiki/Anglo-Dutch_Wars. Acessado em 10 jun. 2016.
151
N. do T.: A Companhia das ndias Orientais (East India Company, em ingls), era uma sociedade
annima inglese e, mais tarde, britnica, formada para perseguir o comrcio com as ndias Orientais,
mas que acabou negociando principalmente com o subcontinente indiano e China de Qing.
Originalmente licenciada como "Governador e Companhia de Mercadores de Londres em comrcio
com as ndias Orientais", a empresa ascendeu at ser responsvel por metade do comrcio mundial,
particularmente em produtos bsicos, incluindo algodo, seda, corante ndigo, sal, salitre, ch e pio.
A empresa recebeu uma Carta Rgia da Rainha Elizabeth em 31 de dezembro de 1600, tornando-a a
mais antiga entre vrias Companhias das ndias Orientais europeias formadas de forma semelhante.
Ricos comerciantes e aristocratas detinham as aes da Companhia. O governo no possua aes
e tinha apenas um controle indireto. A empresa eventualmente acabou por governar vastas reas da
ndia com os seus prprios exrcitos privados, exercendo o poder militar e assumindo funes
administrativas. Apesar da interveno frequente do governo, a empresa tinha problemas recorrentes
com suas finanas e acabou dissolvida em 1874. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/East_India_
Company. Acessado em 10 jun. 2016.
152
N. do T.: Oliver Cromwell foi um lder militar e poltico Ingls e, mais tarde Lord Protector da
Commonwealth da Inglaterra, Esccia e Irlanda. Ele foi eleito membro do Parlamento por Huntingdon
em 1628 e por Cambridge no Curto (1640) e no Longo (1640-1649) Parlamentos. Ele entrou na
Guerra Civil inglesa do lado dos "Roundheads" ou parlamentaristas. Apelidado de "Old Ironsides", ele
foi rapidamente promovido da liderana de uma nica tropa de cavalaria a ser um dos principais
comandantes do New Model Army, desempenhando um papel importante na derrota das foras
150
estado ingls, mas agia como representante dele; ela tinha o apoio financeiro e militar do
estado por trs de seu domnio.153
O comrcio realizado sob tais condies monopolsticas era uma fonte muito mais lucrativa
de acumulao do que a indstria, fornecendo enormes somas de capital para investimento
na revoluo industrial do final do sculo XVIII.156
monarquistas. Cromwell foi um dos signatrios do mandado de execuo do rei Charles I em 1649 e
dominou a curta vida da Commonwealth da Inglaterra como membro do Parlamento Rump (1649-
1653). Durante este perodo, uma srie de Leis Penais foram aprovadas contra os catlicos romanos
(uma minoria significativa na Inglaterra e na Esccia, mas a grande maioria na Irlanda), e uma
quantidade substancial de sua terra foi confiscada. Em 20 de abril de 1653, ele fechou o Parlamento
Rump fora, criando uma assembleia nomeada de vida curta, conhecida como Parlamento de
Barebone, antes de ser convidado por seus colegas lderes para governar como Lord Protector da
Inglaterra (que inclua Wales na poca), Esccia e na Irlanda a partir de 16 de dezembro 1653. Como
governante, ele executou uma poltica externa agressiva e eficaz. Ele morreu de causas naturais em
1658 e foi enterrado na abadia de Westminster, sendo seguido pelo governo de curta durao de seu
filho Richard Cromwell. Os monarquistas voltaram ao poder em 1660 e desenterraram seu cadver, o
penduraram em correntes e o decapitaram. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Oliver_Cromwell.
Acessado em 10 jun. 2016.
153
HILL. Reformation to the Industrial Revolution, p. 129.
154
N. do T.: Os Atos de Navegao foram uma srie de leis que restringiam o uso de navios
estrangeiros para o comrcio entre a Gr-Bretanha e suas colnias. Eles comearam em 1651 e
terminaram 200 anos mais tarde. Eles refletiam a poltica do mercantilismo, que procurou manter
todos os benefcios do comrcio dentro do Imprio e minimizar a perda de ouro e prata para os
estrangeiros. Proibiram as colnias de negociar diretamente com a Holanda, Espanha, Frana, e
suas colnias.
Em 1651, a assinatura desses Atos contribuiu decisivamente para o crescimento econmico,
impulsionando o capitalismo ingls, ao favorecer a indstria naval e a burguesia mercantil. Constituiu-
se em uma das mais importantes atitudes polticas tomadas pelo governo puritano de Cromwell, que
havia derrubado a Monarquia em 1649 e que transformou a Inglaterra numa repblica ditatorial por
cerca de dez anos. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Navigation_Acts. Acessado em 10 jun. 2016.
155
Ibid., p. 127.
156
Ibid., p. 128.
151
fabricantes s custas de todos os outros. Adam Smith consistentemente atacava o
mercantilismo, no como um produto de um erro econmico, mas como uma tentativa
bastante inteligente por parte de interesses poderosos de se enriquecer atravs do poder
coercivo do estado.
A razo pela qual uma demanda externa inelstica deveria ter sido to
facilmente assumida no est, a princpio, muito clara. Uma razo principal pela qual
eles imaginavam que os exportados poderiam ser forados sobre outros pases a
um preo aumentado, sem a diminuio da quantidade, era provavelmente porque
eles estavam pensando no em termos das condies do sculo XIX, em que
mercados alternativos estavam geralmente disponveis para um pas, mas de uma
situao em que uma presso considervel, seno uma efetiva coero, poderia ser
aplicada aos pases com quem se fazia a maior parte de seu comrcio.158
157
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, p. 202.
158
Ibid., p. 203-4.
159
N. do T.: Na economia, rent-seeking ou busca de renda uma tentativa de derivar renda
econmica da manipulao do ambiente social ou poltico no qual as atividades econmicas ocorrem,
em vez de agregar valor. Um exemplo de rent-seeking a limitao do acesso a cargos qualificados
imposta pelas guildas medievais. Muitos estudos atuais sobre rent-seeking focam nos esforos para
capturar vrios privilgios de monoplio decorrentes da regulao governamental da competio de
livre iniciativa. O prprio termo deriva, no entanto, da antiga prtica de apropriar uma poro da
produo ao ganhar a propriedade ou controle da terra. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Rent-
seeking. Acessado em 10 jun. 2016.
160
Ibid., p. 210.
152
Em sua dependncia do estado para impor o intercmbio desigual, os mercadores
capitalistas estavam agindo na tradio de seus ancestrais, os oligarcas que haviam
assumido o controle das guildas artesanais e das cidades no final da Idade Mdia e se
estabeleceram como intermedirios entre os artesos urbanos e os camponeses rurais.
Conforme um escritor disse sobre ela, esta era a antiga 'poltica da cidade,
magnificada nos assuntos do Estado'. Era uma poltica de monoplio similar quela
que, em um estgio anterior, as cidades haviam seguido em suas relaes com a
zona rural sua volta, e que os mercadores e mercadores-manufatureiros das
companhias privilegiadas haviam seguido em relao aos trabalhadores artesos.161
A Irlanda foi um ensaio geral antecipado para uma srie de temas atrozes que iriam
ser recorrentes por toda a histria do colonialismo. A Irlanda, durante e aps a conquista de
Cromwell, experimentou uma taxa de mortalidade comparvel aos Campos de Morte162 de
Pol Pot ou do Timor Leste aps a invaso de Suharto163.
Como foi o caso do uso de uma guerra de terror em grande escala para assegurar o
controle da Irlanda e expropriar a terra dos nativos, o uso em larga escala do trabalho
escravo em colnias estrangeiras teve como pioneiro (ao menos nos domnios britnicos)
161
Ibid., p. 206.
162
N. do T.: Os Campos de morte ("Killing Fields", em ingls) so uma srie de locais no Camboja,
onde um grande nmero de pessoas foi morto e enterrado pelo regime comunista do Khmer Rouge,
durante seu domnio do pas 1975-1979, imediatamente aps o final da guerra civil do Camboja
(1970-1975). Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Killing_Fields. Acessado em 10 jun. 2016.
163
N. do T.: A invaso indonsia do Timor Leste comeou em 7 de dezembro de 1975, quando os
militares indonsios invadiram Timor Leste sob o pretexto de anticolonialssimo. A derrubada de um
governo popular e brevemente liderado pela Fretilin posteriormente provocou uma ocupao violenta
durante um quarto de sculo em que se estima que entre cerca de 100,000 a 180,000 soldados e
civis tenham sido mortos ou tenham morrido de fome. A Comisso de Acolhimento, Verdade e
Reconciliao em Timor Leste documentou uma estimativa mnima de 102.000 mortes relacionadas
ao conflito em Timor Leste ao longo de todo o perodo de 1974 a 1999, incluindo 18.600 mortes
violentas e 84.200 mortes por doena e fome; as foras indonsias e os seus auxiliares combinados
foram responsveis por 70% das mortes. Durante os primeiros meses da ocupao, os militares
indonsios enfrentaram resistncia insurgncia pesada no interior montanhoso da ilha, mas a partir
de 1977-1978, os militares adquiridos novo armamento avanado dos Estados Unidos, Austrlia e de
outros pases, para destruir quadro da Fretilin. No entanto, as duas ltimas dcadas do sculo viram
contnuos embates entre grupos timorenses indonsios quanto ao estatuto de Timor Leste, at 1999,
quando a maioria dos timorenses votou pela independncia em um referendo de uma misso das
Naes Unidas no Timor Leste, o que foi finalmente alcanado em 2002. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Indonesian _invasion_of_East_Timor e
https://en.wikipedia.org/wiki/Indonesian_occupation_of_East_Timor. Acessados em 10 jun. 2016.
164
WAKEFIELD. A View of the Art of Colonization, p. 324-6.
153
Cromwell. Uma das primeiras fontes de escravos foi o derrotado povo irlands, junto com os
inimigos internos do Protetorado165. Ser "Barbadosado" apareceu como um novo verbo, se
referindo ao macio trfico de criminosos polticos transportada quela ilha.
Os Estados Unidos foram construdos sobre trabalho escravo. A maior parte das
pessoas est mais ou menos ciente da importncia da escravido Africana no Novo Mundo
(como Joshua Gee escreveu em 1729, "[t]odo este grande aumento em nosso tesouro
provm principalmente do trabalho dos negros nas plantations"166). Por essa razo e para
no minimizar sua significncia ou sua absoluta brutalidade, nos focamos aqui no trabalho
coagido de condenados e de servos por dvida167, sobre os quais, em geral, se sabe muito
menos. Dada a escala da escravido negra e do trabalho branco de condenados e servos
por dvida, provvel que a vasta maioria dos americanos em 1776 fossem descendentes
daqueles trazidos para c acorrentados.
165
N. do T.: Na histria da Inglaterra, Esccia e Irlanda, d-se o nome de O Protetorado, Ditadura
Cromwell ou Repblica Puritana Commonwealth da Inglaterra, Esccia e Irlanda sob o governo de
um Lord Protector, no perodo 1653-1659. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Protectorado.
Acessado em 10 jun. 2016.
166
HILL. Reformation to the Industrial Revolution, p. 185.
167
N. do T.: O trabalho servil por dvida era um sistema de trabalho, permitindo aos jovens pagarem
a sua passagem para o Novo Mundo trabalhando para um empregador por um certo nmero de
anos. Foi amplamente utilizado no sculo XVIII nas colnias britnicas na Amrica do Norte e em
outros lugares. Foi especialmente usado como um caminho para jovens pobres na Gr-Bretanha e
nos estados alemes para conseguir passagem para as colnias americanas. Eles trabalhariam por
um nmero fixo de anos e, ento, estariam livres para trabalhar por conta prpria. O empregador
comprava a escritura do capito de mar que trazia os jovens. Alguns trabalhavam como agricultores
ou ajudantes para esposas da fazenda, alguns eram aprendizes de artesos. Ambos os lados
estavam legalmente obrigados a cumprir os termos, que eram impostos por tribunais americanos
locais. Fugitivos eram procurados e devolvidos. Cerca de metade dos imigrantes brancos para as
colnias americanas nos sculos XVII e XVIII eram servos por dvida. Durante o final do sculo XVII
e incio do XVIII, crianas pobres da Inglaterra e da Frana eram sequestradas e vendidas para o
trabalho servil no Caribe por um perodo mnimo de cinco anos, mas a maioria das vezes os seus
contratos eram comprados e vendidos vrias vezes e alguns trabalhadores nunca alcanaram sua
liberdade. Vide: https://en. wikipedia.org/wiki/Indentured_servant. Acessado em 10 jun. 2016.
168
LEYBURN, James G.. The Scotch-Irish: A Social History. Chapel Hill, North Carolina: University of
North Carolina Press, 1962. p. 176.
169
HOFFMAN II. They Were White and They Were Slaves, pp. 55, 77.
170
WERTENBAKER, Thomas J. The First Americans: 1607-1690. Chicago: Quadrangle Books, 1971.
pp. 24-5.
154
distines legais entre o trabalho negro e o branco, combinadas com o tratamento brutal de
ambos e sua ntima associao nas plantations ameaavam a aristocracia fundiria com a
solidariedade birracial de classe. Esta ameaa se tornava concreta de tempos em tempos
na forma de revoltas - especialmente a Rebelio de Bacon171, em que trabalhadores
brancos e negros juntos quase derrubaram o governo colonial. Como resultado, o status
legal dos escravos negros foi legalmente formalizado em cdigos de escravos172 na dcada
de 1670, e o "privilgio da pele branca" e a ideologia racista foram usados como meio para
dividir e conquistar. A mudana para o trabalho negro na plantation reduziu a ameaa de
guerra social. Mesmo assim, servos por dvida e condenados continuaram a ser uma parte
principal da fora de trabalho branca, e o incio do transporte em larga-escala de criminosos
aps 1718 ameaaram a trmula paz social uma vez mais.173
Quanto ao sculo XVIII, deixando de lado os servos por dvida voluntrios, Arthur
Ekirch estimou que "em torno de 50.000" condenados foram transportados vindos das Ilhas
Britnicas.174 Somente os trabalhadores condenados j representavam "tanto quanto um
quarto de todos os emigrantes britnicos para a Amrica colonial..."175. Para que ningum
alegue que tal servido era involuntria apenas para aqueles culpados de crimes,
deveramos ter em mente a natureza de suas ofensas. O tpico transportado era um
contraventor176, "um trabalhador homem jovem levado ao crime por necessidade
econmica...". A maioria dos crimes era roubo de propriedade, praticado por membros das
classes "mais vulnerveis s perturbaes econmicas" - descendentes dos mesmos
"vagabundos robustos" jogados nas estradas pela primeira expropriao em larga escala do
campesinato, dois sculos antes. Durante as recesses econmicas, estima-se que entre
20% e 45% da populao inglesa "pode ter carecido dos meios para comprar po o
suficiente ou de outra forma se alimentar". Mesmo em tempos comparativamente bons, a
proporo no caa abaixo de 10%.177 Gregory King, "o estatstico pioneiro", estimou que
mais de metade da populao ganhava menos do que consumia e eram sustentados pelas
171
N. do T.: A Rebelio de Bacon foi uma rebelio armada, em 1676, de colonos da Virgnia,
liderados por Nathaniel Bacon, contra o governador William Berkeley. A estrutura poltica
desorganizada na fronteira da colnia, combinada com o acmulo de queixas, ajudou a motivar uma
revolta popular contra Berkeley, que no conseguiu resolver as demandas dos colonos em relao
sua segurana. Cerca de mil virginianos de todas as classes se levantaram em armas contra
Berkeley, atacando os nativos americanos, perseguindo Berkeley de Jamestown, na Virgnia, e,
finalmente, incendiando a capital. A rebelio foi reprimida pela primeira vez por alguns navios
mercantes armados de Londres cujos capites estavam do lado de Berkeley e das foras lealistas.
Foras do governo da Inglaterra chegaram logo depois e passaram vrios anos derrotando bolses
de resistncia e reformando o governo colonial para coloc-lo mais diretamente sob o controle real.
Vide: https://en.wikipedia.org/wiki /Bacon%27s_Rebellion. Acessado em 10 jun. 2016.
172
N. do T.: Cdigos de escravos eram as leis de cada estado norte-americano, que definiam o
status dos escravos e os direitos dos mestres. Estes cdigos davam aos escravagistas poder
absoluto sobre o escravo. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Slave_codes. Acessado em 10 jun. 2016.
173
EKIRCH, A. Roger. Bound for America: The Transportation of British Convicts to the Colonies,
1718-1775. Oxford, UK: Clarendon Paperbacks, 1987. pp. 134-40.
174
Ibid., p. 1.
175
N. do T.: Do ingls "petty criminal". Uma contraveno ("petty crime") qualquer ato criminoso
"menor em alguns sistemas jurdicos de direito comum. Contravenes so geralmente punidas
menos severamente do que delitos graves, mas, teoricamente, mais do que as infraes
administrativas e contra-ordenaes. Muitas contravenes so punidas com multas. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Misdemeanor. Acessado em 10 jun. 2016.
176
Ibid., p. 27.
177
Ibid., pp. 55, 58.
155
taxas dos pobres178.179
Tambm vale a pena manter em mente que o sistema legal daquela poca estava
nas mos de juzes de paz, que representavam o interesse da pequena aristocracia contra
a esmagadora maioria da populao. E, uma vez que um pobre entrava nesse sistema
legal, a culpa no era, de maneira alguma, uma condio necessria para ser transportado.
JPs assumiam o direito de sentenciar ao transporte mesmo as pessoas absolvidas, se eles
no pudessem encontrar "avais de bom comportamento"180.
Outro grande grupo que estava suscetvel ao transporte involuntrio sem ter
cometido qualquer ofensa eram as crianas. Sir Thomas Smythe e Sir Edwin Sandys, da
Virginia Company181, peticionaram o Conselho de Londres em 1618 que remediasse a
escassez de trabalho nas plantations americanas permitindo o transporte de crianas
"vadias". De acordo com os termos do consequente projeto de lei, as crianas de oito anos
ou mais estavam sujeitas captura e transporte. Os garotos estavam sujeitos a dezesseis
anos de servido e as garotas, a quatorze. Os vereadores da cidade foram autorizados a
ordenar que os condestveis182 apreendessem crianas "vadiando" pelas ruas e as
entregassem ao hospital-priso de Bridewell183, com remessa pendente para a Amrica.
Alm destas "vadias", as crianas dos indigentes tambm eram postas a servio, sob pena
de corte do auxlio aos pobres para os pais recalcitrantes. Embora o projeto de lei
ostensivamente fornecesse terra queles que tivessem completado seu tempo de servio,
uma inspeo da colnia da Virgnia em 1625 no encontrou quase nenhum dos
178
N. do T.: Na Inglaterra e no Pas de Gales, a taxa dos pobres era um imposto sobre propriedade
cobrado em cada parquia, que era usado para fornecer assistncia aos pobres. Vide: https://en.
wikipedia.org/wiki/Poor_rate. Acessado em 10 jun. 2016.
179
HOFSTADTER, Richard. America at 1750: A Social Portrait. New York: Vintage Books, 1973. Pp.
34-5.
180
HILL. Reformation to the Industrial Revolution, p. 143.
181
N. do T.: "Virginia Company" se refere coletivamente a uma sociedade annima licenciada por
James I em 10 de abril de 1606 com o objetivo de fixar assentamentos na costa da Amrica do Norte.
As duas empresas, uma chamada de "Virginia Company of London" (ou "London Company") e
"Virginia Company of Plymouth" (ou "Plymouth Company") operavam com licenas idnticas, mas em
diferentes territrios. Uma rea de sobreposio de territrio foi criada em que no era permitido s
duas empresas a estabelecer colnias no prazo de cem milhas uma da outra. Enquanto corporaes,
as empresas foram habilitadas pela Coroa para governarem a si mesmas, e elas eventualmente
concederam o mesmo privilgio sua colnia. Em 1624, a Virgnia Company faliu; no entanto, a sua
concesso de autogoverno para a colnia no foi revogada e, ou por apatia, indeciso, ou propsito
deliberado, a Coroa permitiu que o sistema continuasse. Assim ficou estabelecido o princpio de que
uma colnia real deveria ser autorregulada, e isso fundamentou a gnese da democracia na Amrica.
Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Virginia_Company. Acessado em 10 jun. 2016.
182
N. do T.: Nos Estados Unidos, assim como em outros pases de lngua inglesa, o Condestvel (do
ingls Constable) pode se referir a um servidor do estado com designaes policiais e jurdicas.
uma funo mais comum em pequenas cidades e condados do interior. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/ Condest%C3%A1vel. Acessado em 13 jun. 2016.
183
N. do T.: O Bridewell Palace, em Londres, foi construdo como residncia do rei Henrique VIII e foi
uma de suas casas no incio de seu reinado por oito anos. Dada City of London Corporation por
seu filho Rei Edward VI para uso como um orfanato e local de correo para mulheres rebeldes,
Bridewell mais tarde se tornou a primeira priso a ter um mdico designado. Por volta de 1556 parte
dela havia se tornado uma priso conhecida como Bridewell Prison. O nome 'Bridewell'
posteriormente se tornou um apelido ocasionalmente usado para uma delegacia de polcia ou
priso na Inglaterra e na Irlanda. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Bridewell_Palace. Acessado em
13 jun. 2016.
156
transportados entre 1619 e 1620 ainda vivos.184
Os nmeros de servos por dvida que completavam seus tempos de servio com
sucesso e recebiam a terra garantida por lei, se houvessem quaisquer, eram igualmente
pequenos. Como era o caso das crianas no pargrafo anterior, apenas uma minoria dos
servos por dvida realmente recebia a terra que era garantida a eles sob seu contrato. Em
Maryland, por exemplo, dos 5000 servos por dvida que entraram na colnia entre 1679 e
1680, menos de 1300 receberam seus 50 acres. Mais de 1400 morreram em servio, e o
resto foi defraudado.186 Os mestres frequente e deliberadamente pioravam as condies de
trabalho para os servos por dvida ao final de seus tempos de servio, a fim de induzi-los a
fugir e abrir mo de sua terra ou dinheiro. Alm disso, os mestres podiam adicionar anos ao
tempo de servio por crimes relativamente pequenos. Um de tais crimes era casar sem a
permisso do mestre ou ter filhos fora do casamento - mesmo quando o mestre era o pai.
No preciso dizer que tais crianas nasciam na servido e ali ficavam at que atingissem
a idade adulta. Metade dos servos por dvida, somando-se as colnias, no sobrevivia ao
seu tempo de servio.187
Um dos servios mais lucrativos que o estado fornecia aos fabricantes britnicos era
a supresso da produo concorrente nas colnias.
Embora ele estivesse errado ao descrev-los como "[u]m pr-requisito essencial" para a
revoluo industrial, Christopher Hill estava correto em sua afirmao de que "mercados
coloniais monopolistas grandes e estveis" eram um importante meio de promover os
interesses industriais.189
157
em grande parte, por tais preocupaes.190 Embora os fabricantes bengalis ainda no
tivessem adotado os mtodos de produo movidos a vapor, eles provavelmente o teriam
feito, tivesse a ndia se mantido poltica e economicamente independente. Na poca da
conquista, conforme Chomsky a descreve,
Sob o governo britnico, o centro txtil de Daca foi depopulado de 150.000 para 30.000.191
Jawaharlal Nehru, em seu trabalho de 1944, The Discovery of India, correlacionou o nvel
de pobreza nas partes da ndia com o perodo de tempo que os britnicos estiveram l. O
outrora prspero territrio de Bengala, o primeiro a ser colonizado, hoje ocupado por
Bangladesh e pela rea de Calcut.192
190
Ibid., p. 191.
191
CHOMSKY, Noam. World Orders Old and New. New York: Columbia University Press, 1998. p.
115.
192
CHOMSKY. Keeping the Rabble in Line. Monroe, Maine: Common Courage Press, 1994. p. 87.
193
N. do T.: Henry John Temple, 3 Visconde Palmerston, conhecido popularmente como Lord
Palmerston, foi um estadista britnico que serviu duas vezes como primeiro-ministro em meados do
sculo XIX. Popularmente apelidado de "Pam", ele esteve no escritrio do governo quase
continuamente desde 1807 at sua morte em 1865, comeando sua carreira parlamentar como um
Tory e concluindo-a como um Liberal. Ele mais lembrado por sua direo de poltica externa
britnica em meio a um perodo em que a Gr-Bretanha estava no auge de seu poder, servindo
mandatos tanto como Secretrio de Relaes Exteriores quanto como Primeiro Ministro. Algumas de
suas aes agressivas, atualmente por vezes denominadas como liberal-intervencionistas, foram
altamente controversas na poca e permanecem assim at hoje. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Henry_John_ Temple,_3rd_Viscount_Palmerston. Acessado em 13 jun.
2016.
194
N. do T.: Seguidores de Richard Cobden foi um industrial ingls e estadista Radical e Liberal,
associado a duas grandes campanhas de livre comrcio, o Anti-Corn Law League e o Tratado
Cobden-Chevalier. Quando jovem, Cobden era um viajante comercial de sucesso que se tornou
coproprietrio de uma fbrica de impresso de chita altamente rentvel em Manchester, uma cidade
com a qual ele iria se tornar fortemente identificado. No entanto, ele logo encontrou-se mais engajado
na poltica, e suas viagens o convenceram das virtudes do livre comrcio (anti-proteo) como a
chave para a melhoria das relaes internacionais. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Cobden. Acessado em 13 jun. 2016.
158
industriais americano, alemo e japons foram criados pelas mesmas polticas
mercantilistas, com enormes tarifas sobre bens industriais. O "livre comrcio" foi adotado
por potncias industriais seguramente estabelecidas, que usaram o "laissez-faire" como
uma arma ideolgica para impedir que potenciais rivais seguissem a mesma trajetria de
industrializao.
No Novo Colonialismo, assim como no Antigo, um objeto central da poltica era "tirar
de seu caminho, pela fora, os modos de produo e apropriao baseados no trabalho
independente do produtor". De acordo com David Korten,
Isto foi realizado, antes de tudo, pela "remoo das comunidades indgenas da maior parte
de seus territrios tradicionais": reivindicando as terras no cultivadas ou comuns, as
florestas e as pastagens como propriedade da administrao colonial e revogando os
direitos tradicionais de acesso; e, em segundo lugar, pelos impostos por cabea para
compelir os agricultores de subsistncia a entrar na economia monetria.
Em toda parte das colnias, se tornou prtica padro declarar toda a terra "no
cultivada" como sendo propriedade da administrao colonial. De um s golpe, as
comunidades locais foram privadas do direito legal s terras que elas haviam
tradicionalmente reservado para pousio e para as florestas, pastagens e crregos
dos quais elas dependiam para caa, coleta, pesca e pastoreio.
195
KORTEN, David. When Corporations Rule the World. West Hartford, Connecticut: Kumarian
Press, 1995; San Francisco, California: Berrett-Koehler Publishers, 1995). p. 252.
196
N. do T.: Rodsia do Sul foi o nome da colnia britnica situada a norte do Rio Limpopo e da
Unio Sul-Africana que existiu na frica austral entre 1888 e 1979 e que deu origem ao atual
Zimbabwe. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Rod%C3%A9sia_do_Sul. Acessado em 13 jun. 2016
159
os novos proprietrios de dois teros da terra. Uma vez asseguradas, as terras
comuns apropriadas pela administrao colonial eram tipicamente arrendadas para
interesses comerciais de plantaes, mineradoras e madeireiras ou vendidas para
colonos brancos.197
197
DEVELOPMENT as Enclosure, p. 134.
198
Ibid., pp. 138-9.
199
Ibid., p. 135-7.
200
WALLERSTEIN, Immanuel. Historical Capitalism. London, New York: Verso, 1983. pp. 41-2.
201
N. do T.: William Morris foi um designer txtil, poeta, romancista, tradutor e militante socialista
ingls. Associado ao Movimento de Artes e Ofcios Britnicos, ele foi um dos principais contribuintes
para o renascimento das artes txteis e mtodos de produo tradicionais britnicos. Suas
contribuies literrias ajudaram a estabelecer o gnero da fantasia moderna, ao passo em que ele
desempenhou um papel significativo na propagao do movimento socialista em seu incio na Gr-
Bretanha. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/William_Morris. Acessado em 13 jun. 2016.
160
federao de homens, de vilas e de cidades"202. "Nestas cidades, abrigadas por suas
liberdades conquistadas, inspiradas pelo esprito do livre acordo e da livre iniciativa, toda
uma nova civilizao cresceu e prosperou de uma maneira inigualada at hoje"203. As
cidades livres eram virtualmente independentes; embora a coroa as "concedesse" um
alvar em teoria, na realidade o alvar era tipicamente apresentado ao rei e ao bispo da
diocese mais prxima como um fait accompli, quando "os habitantes de um burgo em
particular se sentiam estar suficientemente protegidos por suas muralhas..."204.
nosso pas provavelmente teria tido uma histria to feliz quanto possvel
natureza humana. A Renascena, quando viesse, teria vindo como educao
popular e no como a cultura de um clube de esttica. A Nova Aprendizagem
poderia ter sido to democrtica quanto a velha aprendizagem nos velhos tempos da
Oxford e da Paris medievais. A requintada arte de Cellini poderia ter sido seno o
mais alto grau do artesanato de uma guilda. O drama Shakespeariano poderia ter
sido encenado por trabalhadores em palcos de madeira montados na rua, como
Punch and Judy208, a execuo mais refinada do teatro de mistrio209, da forma em
202
KROPOTKIN, Peter. The State: Its Historic Role. Disponvel em: <http://dwardmac.pitzer.edu/
Anarchist_Archives/kropotkin/state/state_toc.html>. Acesso em: 12 nov. 2003. sec. IV.
203
Ibid., sec. V.
204
Ibid., sec. IV.
205
Vide GIMPEL, Jean. The Medieval Machine: The Industrial Revolution of the Middle Ages. New
York: Penguin, 1977.; tambm KROPOTKIN. Mutual Aid: A Factor of Evolution. New York:
Doubleday, Page & Co., 1909. pp. 297-8.
206
N. do T.: Wat Tyler foi o lder da Revolta Camponesa de 1381. Ele liderou um grupo de dez mil
manifestantes camponeses que foram a Londres exigir uma audincia com o rei e se opor
instituio de um imposto. Embora a breve rebelio tenha feito sucesso no incio, Tyler foi morto por
agentes do rei Ricardo II durante as negociaes em Smithfield, em Londres. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Wat_Tyler. Acessado em 13 jun. 2016.
207
N. do T.: John Ball foi um padre lollardo ingls, lder da revolta camponesa de 1381. Ele tornou-se
famoso como pregador, divulgando e esclarecendo as doutrinas de John Wycliffe, mas sobretudo
com a sua insistncia nos princpios de igualdade social. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/John_Ball_ (priest). Acessado em 13 jun. 2016.
208
N. do T.: Punch and Judy um tradicional show de marionetes popular figurando Mr. Punch and
sua esposa, Judy. A performance consiste em uma sequncia de cenas curtas, cada uma
representando uma interao entre dois personagens, mais tipicamente o violento Punch e um outro
161
que era encenado por uma guilda.210
No havia maneira de sair dela sem uma drstica mudana social. Esta
maneira... foi a criao de um sistema-mundo capitalista, uma nova forma de
apropriao do excedente. A substituio do modo feudal pelo modo capitalista foi o
que constituiu a reao senhorial; foi um grande esforo scio-poltico por parte do
estrato governante para reter seus privilgios coletivos, mesmo que eles tivessem
que aceitar uma reorganizao fundamental da economia.... Haveriam algumas
personagem. Tal evento frequentemente associado com a tradicional cultura litornea britnica.
Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Punch_and_Judy. Acessado em 13 jun. 2016.
209
N. do T.: O teatro de mistrios est entre as primeiras peas formalmente desenvolvidas na
Europa medieval. O teatro de mistrios medieval focava na representao de histrias da Bblia, com
igrejas como palcos e com acompanhamento de msica antfona. Ele se desenvolveu entre os
sculos XX e XVI, atingindo o auge de sua popularidade no sculo XV, antes de ser tornar obsoleta
com ascenso do teatro profissional. O nome deriva do mistrio usado em seu sentido de milagre,
mas uma derivao ocasionalmente citada de Ministerium, ou seja, artesanato, e assim os
"mistrios" ou peas encenadas pelas corporaes de ofcio. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Mystery_play. Acessado em 13 jun. 2016.
210
CHESTERTON, G. K. A Short History of England. New York: John Lane Company, 1917. pp 163-
4.
211
KROPOTKIN. The State, sec. VII.
162
famlias, isso era claro, que teriam prejuzos com tal mudana; mas muitas no
teriam. Alm disso, e mais importante, o princpio de estratificao no foi
meramente preservado; ele deveria ser reforado tambm.
Sobre este ltimo ponto, de acordo com Maurice Dobb, a estratgia foi de fato bem-
sucedida. Nos dois sculos antes da dinastia Tudor, os salrios haviam dobrado em termos
de trigo. Aps 1500, eles caram mais do que o suficiente para reverter esse ganho. Parte
desta queda nos salrios reais foi resultado da revoluo de preo dos anos 1500, que
equivaleram a um programa de investimento forado: "Na medida em que os salrios
nominais deixaram de subir conforme o nvel de preo das mercadorias subia, todos os
empregadores e donos de capital foram anormalmente enriquecidos s custas do padro de
vida da classe trabalhadora"213.
212
WALLERSTEIN. The Modern World System - Part II: Mercantilism and the Consolidation of the
European World-Economy, 1600-1750. New York: Academic Press, 1980. p. 31.
213
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, pp. 235-6.
214
WALLERSTEIN. Historical Capitalism, pp. 105-6.
215
WALLERSTEIN. The Modern World System - Part I, pp. 62, 286.
216
Ibid., pp. 245-6, 256; ZAGORIN, Perez. The Second Interpretation of the English Revolution.
Journal of Economic History, 3 set. 1959. Cit. em Ibid., p. 256.
163
que o dinheiro era o rei". Eles tinham menos interesse nos assuntos da corte, nas despesas
ostensivas e, em vez disso, voltavam sua ateno para o gerenciamento imobilirio, os
aluguis extorsivos, a concesso de direitos de minerao, etc. No sculo XVII, os
elementos da antiga aristocracia fundiria que haviam sido incapazes de fazer essa
transio haviam em grande parte desaparecido. A aristocracia sobrevivente consistia
quase inteiramente daqueles "capazes de tirar vantagem da revoluo intelectual e tcnica
no gerenciamento imobilirio"217.
217
HILL. Reformation to the Industrial Revolution, p. 50.
218
N. do T.: A Guerra Civil inglesa (1642-1651) foi uma srie de conflitos armados e maquinaes
polticas entre parlamentares ("Roundheads", "Cabeas Redondas") e monarquistas ("Cavaliers") no
Reino da Inglaterra principalmente quanto forma de seu governo. A primeira (1642-1646) e
segunda (1648-1649) guerras ops os partidrios do rei Carlos I contra os partidrios do Parlamento
Longo, enquanto a terceira (1649-1651) viu confrontos entre partidrios do rei Charles II e apoiantes
do Parlamento Rump. A guerra terminou com a vitria parlamentar na Batalha de Worcester em 03
de setembro de 1651.
O resultado global da guerra foi triplo: o julgamento e a execuo de Carlos I; o exlio de seu
filho, Charles II; e a substituio da monarquia inglesa primeiramente pela Comunidade de Inglaterra
(1649-1653) e, em seguida, pelo Protetorado (1653-1659), sob o domnio pessoal de Oliver
Cromwell. O monoplio da Igreja da Inglaterra sobre o culto cristo na Inglaterra terminou com os
vencedores consolidando a Ascendncia Protestante estabelecida na Irlanda. Constitucionalmente,
as guerras estabeleceram o precedente de que um monarca ingls no pode governar sem a
aprovao do Parlamento, embora este conceito tenha sido legalmente estabelecido apenas como
parte da Revoluo Gloriosa, em 1688. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/English_Civil_War.
Acessado em: 13 jun. 2016.
219
WALLERSTEIN. The Modern World System - Part I, p. 283.
220
N. do T.: Yeoman um termo ingls que costuma se referir a um fazendeiro que cultiva sua
prpria terra e, historicamente, a um proprietrio menor de terras na Inglaterra, abaixo dos membros
da landed gentry, porm com direitos polticos. De maneira mais geral, yeoman pode ser um
indicador de posio ou classe social, de acordo com o perodo histrico ou o lugar. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/ Yeoman. Acessado em: 13 jun. 2016.
221
Ibid., p. 290.
222
MAYER, Arno. The Persistence of the Old Regime: Europe to the Great War. New York: Pantheon
Books, 1981.
164
origem no mesmo estrato social do qual seus trabalhadores vinham. Eles viviam
muito modestamente, gastavam apenas uma frao de seus rendimentos com suas
casas e colocavam o resto de volta no negcio. Mas, conforme os empreendedores
ficaram mais ricos, os filhos de empresrios bens sucedidos comearam a se
introduzir nos crculos da classe dominante.223
223
MISES. Human Action, p. 622.
224
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, pp. 22, 277-8.
225
MISES. Human Action, p. 620.
165
se dar ao luxo de conduzir negociaes mais duras no mercado salarial. Poder-se-ia
argumentar que eles teriam preferido vender seus produtos em face vigorosa
concorrncia das indstrias txteis indiana e egpcia. Poder-se-ia fazer tais argumentos,
sem dvida, e encontrar muitos crdulos o suficiente para acreditar neles.
O capitalismo nunca foi estabelecido por meio do livre mercado. Ele sempre foi
estabelecido por uma revoluo vinda de cima, imposta por uma classe dominante com
suas origens no Antigo Regime - ou, como Christopher Hill ou Immanuel Wallerstein
poderiam colocar, por uma classe dominante pr-capitalista que havia sido transformada em
uma forma capitalista. Na Inglaterra, foi a aristocracia fundiria; na Frana, a burocracia de
Napoleo III226; na Alemanha, os Junkers227; no Japo, os Meiji228. Nos Estados Unidos, a
abordagem mais prxima de uma evoluo burguesa natural, a industrializao foi
realizada por uma aristocracia mercantilista dos magnatas do transporte e senhorios
Federalistas.229
226
N. do T.: Carlos Lus Napoleo Bonaparte foi o 1 Presidente da Segunda Repblica Francesa e
Imperador do Segundo Imprio Francs como Napoleo III. Era sobrinho e herdeiro de Napoleo
Bonaparte. Foi o primeiro presidente francs eleito por voto direto. Entretanto, ele foi impedido de
concorrer a um segundo mandato pela constituio e pelo parlamento, organizando um golpe em
1851 e assumindo o trono como imperador no final do ano seguinte. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/ Napole%C3%A3o_III_de_Fran%C3%A7a. Acessado em: 13 jun. 2016.
227
N. do T.: Junker um ttulo honorfico de nobreza, derivado do alto alemo mdio Juncherre, que
significa "jovem nobre" ou "jovem senhor" (derivao de jung e Herr). Junkers, derivado do ttulo de
nobreza Junker, veio a referir-se, especialmente no uso popular, aos membros da nobreza fundiria
na Prssia do sculo XIX. Eles possuam grandes propriedades que eram mantidas e trabalhadas
por camponeses com poucos direitos. Eles foram um fator militar, poltico e diplomtico importante na
Prssia e, depois de 1871, na Alemanha. O mais famoso Junker foi chanceler Otto von Bismarck.
Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Junker_(Prussia). Acessado em: 13 jun. 2016.
228
N. do T.: O Perodo Meiji ou Era Meiji constitui-se no perodo de trinta e cinco anos do Imperador
Meiji do Japo, que se estendeu de 11 de maio de 1867 a 28 de dezembro de 1902. Nessa fase, o
Japo conheceu uma acelerada modernizao, vindo a constituir-se em uma potncia mundial. A
unidade poltica do pas permitiu a centralizao da administrao pblica e a interveno do Estado
na economia. Isso, por sua vez, possibilitou reformas econmicas que consistiram na eliminao de
entraves e resqucios do modo de produo feudal, na liberao da mo-de-obra, e na assimilao
da tecnologia ocidental, preparando o Japo para o capitalismo. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Era_ Meiji. Acessado em: 13 jun. 2016.
229
HARRINGTON, Michael. The Twilight of Capitalism. [S.l.]: Simon and Schuster, 1976.
230
KROPOTKIN. Mutual Aid, pp. 215-22, 226-7, 230.
231
Vide, por exemplo, PETTINGILL, John S. Firearms and the Distribution of Income: A Neo-
Classical Model. Review of Radical Political Economics, vol. 13, n. 2, pp. 1-10, vero 1981.
166
aquela civilizao das cidades da Idade Mdia. Estes brbaros no conseguiram
aniquil-la, mas retardar seu progresso em pelo menos dois ou trs sculos. Eles a
lanaram em uma direo diferente, contra a qual a humanidade est lutando neste
momento, sem saber como escapar.
Claro, as comunas urbanas tambm foram subvertidas por dentro. Com a ajuda dos
ascendentes monarcas absolutos, as guildas e as cidades foram gradualmente tomadas por
oligarquias de mercadores capitalistas e atacadistas e se transformaram, de associaes
democrticas de mestres artesos, em "corporaes fechadas dos mercadores mais ricos,
que buscavam monopolizar o comrcio atacadista" entre os artesos da cidade e os
camponeses. Estes mercadores capitalistas vieram a controlar os governos das cidades
assim como as guildas. A governana democrtica das comunas municipais foi substituda
pela oligarquia, em que o direito de voto foi cada vez mais restringido e os cargos pblicos
formalmente proibidos a todos exceto os burgueses ricos. Estes oligarcas ficaram ricos com
trocas desiguais, lucrando s custas tanto dos trabalhadores da cidade quanto dos
camponeses que compravam seus bens; os artesos foram proibidos por lei de vender seus
produtos diretamente fora dos muros da cidade.234
232
KROPOTKIN. The State, sec. VI.
233
Ibid. Sec. VIII.
234
DOBB. Studies in the Development of Capitalism, pp. 88-124.
167
foram tratadas como um inimigo ocupado. O contraste entre a Europa antes e depois desta
espoliao no poderia ter sido maior:
O que restou dois sculos mais tarde? Cidades com algo entre 50.000 e
100.000 habitantes e que (como foi o caso de Florena) tinham uma proporo
maior de escolas e, nos hospitais comunais, camas em relao populao do que
o caso com as mais bem-dotadas cidades hoje, se tornaram burgos podres. Suas
populaes foram dizimadas ou deportadas, o Estado e a Igreja assumiram sua
riqueza. A indstria estava se extinguindo sob o controle rgido dos empregados do
Estado; o comrcio morto. Mesmo as estradas que haviam at ento ligado estas
cidades se tornaram intransitveis no sculo XVII.236
Peter Tosh237 tinha uma msica chamada "Four Hundred Years"238. Embora a classe
trabalhadora branca no tenha sofrido nada perto da brutalidade da escravido negra, no
obstante houve "quatrocentos anos" de opresso para todos ns sob o sistema de
capitalismo de estado estabelecido nos sculos XVI e XVII. Sempre, desde o nascimento
dos primeiros estados, seis mil anos atrs, a coero poltica tem permitido que uma classe
dominante ou outra viva do trabalho de outras pessoas. Mas desde o incio do perodo
moderno, o sistema de poder tem se tornado cada vez mais consciente, unificado e global
em escala. O atual sistema de capitalismo estatal transnacional, sem rivais desde o colapso
do sistema burocrtico de classes sovitico, um produto direto desse confisco de poder,
dessa revoluo vinda de cima, "quatrocentos anos" atrs. Orwell entendeu o contrrio. O
passado uma "bota pisando sobre um rosto humano". Se o futuro ser mais do mesmo,
depende do que fizermos agora.
Uma falha central do Marxismo (ou pelo menos da variedade vulgar) tem sido tratar
a evoluo de formas sociais e polticas particulares como consequncias naturais de um
dado modo de produo.
Nenhuma formao social jamais destruda antes que todas as foras produtivas
235
N. do T.: Gravura uma imagem obtida atravs da impresso de uma matriz artesanal. O material
da matriz pode variar, e classifica o tipo da gravura. Cinzeladores so quem fazem gravuras. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Engraving. Acessado em: 13 jun. 2016.
236
KROPOTKIN. The State, sec. VII.
237
N. do T.: Peter Tosh (nascido Winston Hubert McIntosh) foi um msico de reggae jamaicano.
Junto com Bob Marley e Bunny Wailer, ele foi um dos principais membros da banda The Wailers
(1963-1974). Depois que ele se estabeleceu como um artista solo de sucesso e um promotor de
Rastafari. Ele foi assassinado em 1987, durante uma invaso de domiclio. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Peter_ Tosh. Acessado em: 13 jun. 2016.
238
N. do T.: "Quatrocentos Anos", em ingls. Msica do lbum Soul Rebels (1970) do The Wailers.
Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Soul_Rebels. Acessado em: 13 jun. 2016.
168
para as quais ela suficiente tenham se desenvolvido, e novas relaes superiores
de produo nunca substituem as mais antigas antes que as condies materiais
para sua existncia tenham amadurecido dentro da estrutura da antiga sociedade. A
humanidade, desta maneira, inevitavelmente define para si apenas tais tarefas
quanto ela seja capaz de resolver, uma vez que um exame mais detalhado sempre
mostrar que o problema em si surge apenas quando as condies materiais para
sua soluo j esto presentes ou pelo menos em curso de formao. Em linhas
gerais, os modos de produo Asitico, antigo, feudal e burgus moderno podem ser
designados como pocas que marcam o progresso no desenvolvimento econmico
da sociedade.239
239
MARX. A Contribution to the Critique of Political Econonomy, p. 263.
240
Em justia, Michael Harrington argumentou que esse trabalho era uma simplificao deliberada e
no faz justia complexidade do pensamento de Marx como um todo. Twilight of Capitalism, pp. 37-
41.
241
Six Lectures at Manchester, cit. em MARX. Grundrisse. In: MARX; ENGELS. Collected Works.
New York: International Publishers, 1986-87. v. 28-29. p. 99.
169
deste sistema de antagonismos de classe.242
Ao levantar tal questo [como aquela de Proudhon, quanto a por que a classe
trabalhadora inglesa no recebera todos os ganhos de seu aumento de 27 vezes na
produtividade] estar-se-ia, naturalmente, supondo que os ingleses poderiam ter
produzido esta riqueza sem as condies histricas em que ela foi produzida, tais
como: a acumulao privada de capital, a moderna diviso do trabalho, oficinas
automticas, concorrncia anrquica, o sistema salarial - em suma, tudo que
baseado no antagonismo de classe. Agora, estas foram precisamente as condies
de existncia necessrias para o desenvolvimento das foras produtivas e do
excedente deixado pelo trabalho. Portanto, para obter este desenvolvimento das
foras produtivas e este excedente deixado pelo trabalho, teve que haver classes
que lucravam e classes que decaam.243
Ento a produo industrial, por definio, algo que no pode ser livremente organizada
pelos produtores. O inferno na terra historicamente necessrio.
Uma economia de simples troca, em que o trabalho fosse dono de seus meios de
242
MARX. The Poverty of Philosophy. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International
Publishers, 1976. v. 6. p. 132.
243
Ibid., p. 159.
244
ENGELS, Friedrich. Anti-Dhring. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International
Publishers, 1987. v. 25. p. 168.
245
MARX. Grundrisse, p. 435.
170
produo, era incapaz de se mover para alm de uma pequena indstria por sua prpria
iniciativa.
A questo bvia que salta mente "Por qu?". Por que as guildas de artesos no
poderiam funcionar como um meio para mobilizar capital para produo em larga escala, da
mesma forma que uma corporao? Por que os camponeses de uma vila no poderiam
cooperar na compra e no uso de equipamento mecanizado de agricultura? Talvez porque,
na ausncia de uma classe dominante "progressista", eles simplesmente no conseguiriam
ter um juzo perfeito. Ou talvez s porque sim.
246
MARX; ENGELS. Capital vol. 1, p. 749.
247
KROPOTKIN. Mutual Aid, p. 297.
171
ocorrido, uma revoluo industrial a vapor ainda teria ocorrido - mas a principal fonte de
capital para a industrializao teria estado nas mos de guildas democrticas. O sistema de
mercado teria se desenvolvido sobre a base da posse do produtor sobre os meios de
produo. No tivessem as elites mesopotmica e egpcia calculado seis mil anos atrs que
o campesinato produzia um excedente e poderia ser ordenhado como gado, pessoas livres
ainda teriam trocado seu trabalho e inventado maneiras, atravs da cooperao voluntria,
de tornar seu trabalho mais fcil e mais produtivo. O parasitismo no necessrio para o
progresso.
172
legado que o capital mercante foi capaz de tomar controle da oferta de matrias-primas
para o trabalho artesanal, controlar o comrcio atacadista de seus produtos e, desta
maneira, organizar a produo sob o sistema domstico.
173
Captulo Cinco: O Estado e o Capitalismo na Era do "Laissez-
Faire"
O Sculo XIX comumente descrito, tanto por liberais paternalistas e social
democratas quanto pelos tipos de "libertrios" vulgares que se envolvem principalmente
com apologias pr-corporativas, como uma era de "laissez-faire". Mas usar tal termo em
referncia a esse perodo uma farsa absoluta. J vimos, em nosso captulo anterior sobre
a acumulao primitiva, como o capitalismo do sculo XIX refletiu a violenta reconstruo
da sociedade atravs de uma revoluo estatista vinda de cima. Alm disso, foi sobre o
sculo XIX, alegadamente "laissez-faire", que Benjamin Tucker escreveu, quando ele
identificou as quatro grandes formas de privilgio legal sobre as quais o capitalismo,
enquanto um sistema estatista de explorao, dependia. Examinaremos estes quatro
privilgios, centrais para a estrutura do capitalismo "laissez-faire", neste captulo. Alm
disso, examinaremos uma quinta forma de interveno estatal em grande parte ignorada
por Tucker, muito embora tenha sido central para o desenvolvimento do capitalismo durante
todo o sculo XIX: os subsdios aos transportes.
1
NOCK, Albert Jay. Our Enemy, the State. Delavan, Wisconsin: Hallberg Publishing, 1983. p. 97.
2
Nota do Tradutor: O romance Hard Times, de Charles Dickens, se passa em Coketown, uma
genrica cidade fabril do Norte Ingls, semelhante a Manchester em alguns aspectos, embora menor.
Coketown pode ser parcialmente baseada na Preston do sculo XIX. O livro tambm inclui Josias
Bounderby, um scio de negcios do Sr. Gradgrind. Dado a gabar-se de ser um "self-made man", ele
emprega muitos dos outros personagens centrais do romance. Ele ascendeu a uma posio de poder
e riqueza de origem humilde (embora no to humilde quanto alega). Ele se casa com a filha de Mr.
Gradgrind, Louisa, cerca de 30 anos mais jovem, no que acaba por ser um casamento sem amor.
Eles no tm filhos. Bounderby insensvel, egosta e, finalmente, se revela ser um mentiroso e uma
fraude. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Hard_Times. Acessado em: 24 mai. 2016.
174
terra da concorrncia com a indstria pelo trabalho... A economia de Adam Smith
no a economia do individualismo; ela a economia dos senhores de terras e
proprietrios de moinhos.3
3
Ibid., p. 106 (nota).
4
TUCKER, Benjamin R. State Socialism and Anarchism. In: ______. Instead of a Book, By a Man
Too Busy to Write One, Gordon Press facsimile. New York:[s.n.], 1897, 1973. p. 12.
5
NOCK. Our Enemy, the State, p. 41 (nota).
6
N. do T.: Tito Lvio, conhecido simplesmente como Lvio, o autor da obra histrica intitulada Ab
urbe condita ("Desde a fundao da cidade"), onde tenta relatar a histria de Roma desde o
momento tradicional da sua fundao 753 a.C. at ao incio do sculo I da Era Crist. Vide:
https://pt.wikipedia. org/wiki/Tito_L%C3%ADvio. Acessado em: 27 jun. 2016.
7
GEORGE, Henry. Progress and Poverty. New York: Walter J. Black, 1942. p. 312; INGALLS,
Joshua King. Social Wealth: The Sole Factors and Exact Ratios in Its Acquirement and
Apportionment. New York: Social Science Publishing Co., 1885. pp. 145-50.
8
SMITH, Adam. An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Chicago, London,
Toronto: Encyclopedia Britannica, 1952. p. 165.
175
Este mal estava em vias de ser remediado na Baixa Idade Mdia. Por meios como a
posse por enfiteuse, a Europa ocidental estava evoluindo em direo a um sistema em que
o campons era o proprietrio de facto, tendo que pagar apenas uma quitao nominal
determinada pelo costume; depois que esse aluguel nominal fosse pago, ele poderia tratar a
terra, na prtica, como sua prpria. Tivesse se permitido que esse sistema se
desenvolvesse sem violncia, a Europa hoje poderia ser um continente de pequenos
proprietrios. Mas como vimos no captulo anterior, no seria assim.
9
NOZICK, Robert. Anarchy, State, and Utopia. U.S.A.: Basic Books, 1974. pp. 150-1.
10
TUCKER. An Alleged Flaw in Anarchy. In: ______. Instead of a Book, p. 212.
11
ORTON, Bill. Re: On the Question of Private Property. Anti-State.com Forum, 26 ago. 2003. [Nota
do Editor: Infelizmente o material se encontra agora indisponvel on-line.]
12
N. do T.: Em ingls, "in fee simple". Na lei inglesa, esse termo caracteriza uma propriedade
absoluta, uma forma de propriedade no-vinculada. O ttulo alodial, ou seja, de propriedade sem
restries, reservado aos governos em uma estrutura de direito civil. O ttulo de propriedade
absoluta representa uma participao acionria na propriedade real, embora ela seja limitada pelos
176
medida em que a apropriao atravs da mistura do trabalho remove permanentemente a
terra deste patrimnio comum. Ambos grupos veem os direitos comuns da humanidade
terra como inalienveis, e o direito individual de posse ou usufruto como sendo, em algum
sentido, uma administrao em prol da comunidade humana em geral. Os Georgistas, no
entanto, atribuem comunidade um papel mais ativo em exercer seus direitos de
propriedade supremos sobre as terras comuns do que os mutualistas e tratam a
comunidade como proprietrios associados das terras comuns em um sentido mais ativo.
Os mutualistas, por outro lado, tendem a ver a terra desocupada simplesmente como terras
comuns no apropriadas sobre as quais os direitos de propriedade supremos da
humanidade esto latentes e que o indivduo est livre para usar como lhe aprouver, sem se
explicar para nenhum representante dos direitos coletivos; mas o direito comum latente do
resto da humanidade probe o indivduo de reivindicar mais terra do que ele pode usar
pessoalmente, s custas do interesse comum, e requer que seu ttulo de posse seja
revertido aos comuns quando ele deixar de ocupa e usar a terra. Em relao ao status
terico da terra, portanto, mutualistas e Georgistas tm mais em comum uns com os outros
do que com os Lockeanos.
Em relao ao tratamento prtico dos ttulos fundirios existentes, por outro lado,
Georgistas e Lockeanos mainstream tm mais em comum uns com os outros, e mutualistas
(e, at certo ponto, Lockeanos radicais) so um estranho no ninho. Mutualistas e (entre os
Lockeanos) os Rothbardianos de esquerda concordam que quaisquer ttulos atuais sobre a
terra que no tenham sido estabelecidos atravs de tal apropriao pelo trabalho so
invlidos e que a terra mantida por tal ttulo deveria ser considerada como no apropriada e
aberta apropriao pelo primeiro apropriador a misturar seu trabalho a ela. Lockeanos da
mais mainstream direita libertria esto mais dispostos a aceitar os ttulos de propriedade
existentes como vlidos com base na conveno ou em direitos positivos, com interesse na
estabilidade. Georgistas consideram a injustia pela qual os ttulos existentes foram
adquiridos como relativamente insignificantes; o remdio apropriado no seria anular os
ttulos fundirios existentes, mas, atravs da coleta comunitria de aluguel, anular os
benefcios injustos de manter tais ttulos. O remdio Georgista de um imposto nico, em
grande parte, pressupe um mercado em valores fundirios que lida com ttulos e
transferncias em termos mais ou menos Lockeanos.
Sobre como a terra, uma vez adquirida atravs da mistura do trabalho, deve ser
transferida e sobre o que constitui o abandono, as trs escolas diferem radicalmente. Os
Lockeanos acreditam que a terra, uma vez apropriada de forma justa a partir de um estado
no apropriado, pode ser dada, vendida ou alugada pelo proprietrio de direito e que a
propriedade mantida independentemente de se o dono original mantm a posse ou aluga
para outro ocupante. Dada a justia do ttulo fundirio existente, um novo dono pode
estabelecer a propriedade legtima atravs de uma simples transferncia de ttulo,
independentemente de se ele pessoalmente ocupa e usa a terra. A ocupao e uso diretos
so necessrios apenas para a apropriao inicial, no para transferncias subsequentes
de propriedade. Georgistas, alm de concordar com os Lockeanos sobre a apropriao
inicial, tambm esto geralmente de acordo com os padres Lockeanos de transferncia,
contanto que o princpio do recolhimento comunitrio do aluguel da terra seja seguido.
177
Mutualistas, no entanto, advogam um padro muito diferente para estabelecer a
propriedade durante transferncias subsequentes. Para os mutualistas, ocupao e uso so
o nico padro legtimo para se estabelecer propriedade sobre a terra, independentemente
de quantas vezes ela tenha mudado de mos. Um proprietrio existente pode transferir a
propriedade por venda ou presente; mas o novo proprietrio s pode estabelecer um ttulo
legtimo sobre a terra atravs de sua prpria ocupao e uso. Uma mudana na ocupao
equivale a uma mudana na propriedade. O aluguel de senhorio absentesta e a excluso
de apropriadores de terras desocupadas por parte de um senhor absentesta so ambos
considerados ilegtimos pelos mutualistas. O real ocupante considerado o dono de uma
extenso de terra e qualquer tentativa de recolher aluguel por parte de um autoproclamado
senhor considerada como uma invaso violenta do direito absoluto de propriedade do
possessor.
Ou, como Orton coloca em outro lugar, a pegajosidade uma questo de grau, em vez de
uma diferena qualitativa entre a propriedade capitalista e socialista. Elas so "a mesma
coisa... com parmetros diferentes" para a quantidade de tempo necessria para
13
ORTON. Cohen's Argument. Free-Market.net Forum, 1 jan. 2001. [N. do E.: Infelizmente o material
se encontra agora indisponvel on-line.]
14
ORTON. Re: On the Question of Private Property. Anti-State.com Forum, 30 ago. 2003. [N. do E.:
Infelizmente o material se encontra agora indisponvel on-line.]
15
ORTON. Yet Another Variation. Anti-State.com Forum, 7 dez. 2003. [N. do E.: Infelizmente o
material se encontra agora indisponvel on-line.]
178
estabelecer o abandono.16
Por outro, uma vez que os trs sistemas concordam sobre o padro de legitimidade
para se apropriar propriedades sem dono, muito da propriedade existente ilegtima para
todas as trs perspectivas, na medida em que uma grande poro foi adquirida por outros
meios que no o uso pessoal. Murray Rothbard, por exemplo, apontou para a ilegitimidade
da maioria da apropriao histrica da terra, mesmo para padres Lockeanos:
Rothbard mais tarde argumentou, em Power and Market, que a terra apropriada por
uma mera concesso do estado era uma concesso de poder monopolista anloga quela
de um senhor feudal, permitindo que o detentor do ttulo cobrasse um imposto ou aluguel
sobre o primeiro apropriador legtimo da terra e o forasse a pagar tributo pelo direito de
ocup-la.
O mesmo era verdadeiro da apropriao feudal da terra em reas colonizadas mais antigas:
16
ORTON. Property (Wolf De Voon). Anti-State.com Forum, 07 jul. 2003. [N. do E.: Infelizmente o
material se encontra agora indisponvel on-line.]
17
ROTHBARD, Murray. Man, Economy and State: A Treatise on Economic Principles. Auburn
University, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 1993. p. 147.
18
ROTHBARD. Power and Market: Government and the Economy. Kansas City: Sheed Andrews and
Mcmeel, 1970, 1977. p. 132.
179
A afinidade do arrendamento com os impostos ainda mais estreita no caso
de concesses de terra feudais. Vamos postular um caso tpico dos primrdios
feudais: uma tribo conquistadora invade um territrio de camponeses e estabelece
um estado para govern-los. Ela poderia cobrar impostos e fazer que a este se
seguissem os lucros. Mas tambm poderia fazer algo mais, e importante notar que
no h diferena essencial entre as duas possibilidades. Poderia dividir toda a terra
em concesses individuais de propriedade para cada membro da tribo
conquistadora. Ento, em lugar de ou em adio a uma agncia de tributao
central, haveria uma srie de agncias regionais de coleta de rendas. Mas as
consequncias seriam exatamente as mesmas.19
19
Ibid., p. 133.
20
TUCCILLE, Jerome. "Bits and Pieces". The Libertarian Forum, 1 nov. 1970. p. 3.
21
ROTHBARD. Power and Market, pp. 131-2.
180
De acordo com Mises, o latifndio em grande escala sempre foi o resultado de
monoplios fundirios criados pelo estado e no da agregao de pequenos pedaos de
terra atravs de processos de mercado.
22
MISES, Ludwig von. Socialism. New York: Yale University Press, 1951. p. 375.
181
capital urbana um meio de explorao junto com a grande propriedade fundiria: os
sem propriedade sofrem uma deduo de seu salrio original, o produto de seu
trabalho, para o lucro dos grandes proprietrios.23
Mas isso contar apenas metade da histria. Alm de retirar a terra da produo, o
estado d aos capitalistas favorecidos acesso preferencial a ela. Enormes extenses de
terra so concedidas a interesses madeireiros, petrolferos, minerrios e pecurios, a taxas
politicamente determinadas. Por exemplo, a maior parte da devastao das sequoias
gigantes no Noroeste do Pacfico ocorre em terras pertencentes ao governo e so lucrativas
somente porque as companhias madeireiras no tm que comprar a terra em um mercado
competitivo. Igualmente, o debate sobre a perfurao no ANWR26 no sobre vender a
23
HEIMANN, Eduard. Franz Oppenheimer's Economic Ideas. Social Research, New York, vol. 11, n.
1, p. 28, fev. 1944.
24
ROTHBARD. Power and Market, pp. 132-3.
25
Ibid., p. 68.
26
N. do T.: O Arctic National Wildlife Refuge (Refgio Nacional da Vida Selvagem no rtico) um
refgio nacional de vida selvagem no nordeste do Alasca, Estados Unidos. composto por
19,286,722 acres (78,050.59 km 2) na regio do Encosta Norte do Alasca. A questo de se explorar
petrleo no ANWR tem sido uma controvrsia poltica e da mdia em curso nos Estados Unidos
desde 1977. a maior regio selvagem protegida nos Estados Unidos e foi criado pelo Alaska
National Interest Lands Conservation Act de 1980. A seo 1002 do ato adiou uma deciso sobre a
gesto da explorao e desenvolvimento de 1.500.000 acres de petrleo e gs (6,1 10 9 m2) na
plancie costeira, conhecida como a "rea da 1002". A controvrsia envolve a explorao de petrleo
182
terra para as companhias petrolferas. sobre dar a elas acesso preferencial, negado a
cidado comuns, e deix-las pagar um precinho camarada pelo privilgio.27
183
Mesmo entre os camponeses no reduzidos servido ou vilania, que apenas pagavam
uma poro de sua produo como aluguel e mantinham o resto, os aluguis reduziam o
incentivo marginal de se trabalhar ou melhorar a terra.30 Como evidncia para essas
alegaes, Smith desafiava o leitor a comparar a condio das grandes propriedades na
mesma famlia por geraes, com aquela das propriedades de pequenos proprietrios na
mesma vizinhana.31
Procedemos agora para uma descrio mais detalhada dos princpios nicos da
posio mutualista sobre a posse da terra. O padro de "ocupao e uso" para a
propriedade de Tucker foi diretamente influenciado pela teoria da terra de J. K. Ingalls nos
Estados Unidos; mas seus antecedentes remontam a muito antes - pelo menos at Godwin
e Proudhon.
Nunca a lei empregou quaisquer meios que fossem para proteger a propriedade que
a natureza concede aos indivduos; pelo contrrio, ela um grande sistema de
meios inventados para se apropriar, de uma maneira peculiar e injusta, das ddivas
da natureza. Ela extorque uma receita para o governo, - ela compele o pagamento
de aluguel, - ela impe a doao de dzimos, mas ela no garante ao trabalho sua
produo e sua recompensa.34
30
Ibid., p. 168.
31
Ibid., p. 167.
32
NOCK. Our Enemy, the State, p. 80.
33
HODGSKIN, Thomas. The Natural and Artificial Right of Property Contrasted. London: B. Steil,
1832. pp. 53-4.
34
Ibid., pp. 55-6.
35
Ibid., p. 15.
184
Entre as classes legislativas incorporadas ao governo e o constituindo
devemos colocar a aristocracia fundiria. Na verdade, a aristocracia fundiria e o
governo so um - o ltimo no sendo nada alm do que os meios organizados de
preservar o poder e os privilgios da primeira.... Seu [do proprietrio de terras] direito
a possuir a terra, no a possuir o produto de seu prprio trabalho, to
admiravelmente protegido quanto se pode ser efetivado pela lei. Um outro no pode
sequer caminhar sobre ela e todos os animais selvagens e frutos que ela mantiver
so ditos pela lei serem seus. A natureza faz disso uma condio para o homem ter
terras, que ele deve ocup-la e cultiv-la ou ela no produzir nada... O mero
proprietrio de terras no um trabalhador e ele nunca foi sequer alimentado,
exceto atravs da violao do direito natural de propriedade. Paciente e
perseverantemente, no entanto, a lei tem se esforado para manter seus privilgios,
poder e riqueza.36
Ainda assim, para ser justo, deveramos acrescentar que a posio de Hodgskin
ambgua. difcil, s vezes, em um pas como a Gr-Bretanha, com tanta bagagem feudal
em sua presente distribuio de propriedade de terra, distinguir entre a crtica aristocracia
fundiria e a crtica propriedade absentesta como tal, ou entre a tributao e a renda.
Assumir que ele identificava a renda com a tributao em todas as circunstncias, como
fazia Tucker, uma petio de princpio.
Hodgskin citou uma verso bastante radical de Locke sobre a teoria da apropriao
atravs do trabalho, em linguagem que poderia sugerir a alguns uma interpretao
razoavelmente literal da necessidade de trabalhar a terra.
Ele [Locke] diz com preciso, "tanta terra quanto um homem lavra, planta e melhora,
cultiva e pode usar, o produto de tanto sua propriedade - "Esta a medida da
propriedade sobre a terra, que a natureza bem definiu pela extenso do trabalho do
homem e pelas convenincias da vida; o trabalho de homem algum poderia subjugar
ou se apropriar de tudo, nem poderia seu gozo consumir mais do que uma pequena
parte, de maneira que seria impossvel, desta forma, usurpar o direito de outro, ou
adquirir para si mesmo uma propriedade em prejuzo de seus vizinhos". Infelizmente,
no entanto, este admirvel princpio no tem a menor influncia sobre os
legisladores ao repartir aquilo que, a propsito, no deles, a terra das novas
colnias...
36
Ibid., p. 52.
185
princpio citado h pouco do Sr. Locke, deve variar com as qualidades e a situao
do solo, com a habilidade e conhecimento das pessoas; e, em suma, com as
sucessivas mudanas na condio da humanidade... Na multiplicao da
humanidade, ...nas melhorias em habilidade e conhecimento, assim como nas
diversidades do solo e do clima, encontramos princpios que continuamente
modificam a apropriao da terra e alteram a quantidade qual um homem pode
apropriadamente devotar seu trabalho.37
Pouco depois, em uma passagem um tanto densa, Hodgskin lanou dvidas sobre
se o trabalho de superviso de um senhor-fazendeiro com diversas fazendas era um ttulo
natural suficiente sua propriedade, ou se o tamanho conducente a eficincia tima de uma
empreitada to grande tinha qualquer influncia no tamanho do que um indivduo poderia se
apropriar por meios naturais:
Talvez voc possa supor que a coleo de muitas pequenas fazendas nas
mos de um fazendeiro, - um processo que, por alguns anos, esteve acontecendo
neste pas [com um pouco de ajuda, como vimos], embora parea ter parado agora,
- uma exceo a estas observaes. Eu estou falando, no entanto, da quantidade
de terra da qual uma habilidade cada vez maior obtm uma quantidade suficiente de
subsistncia e da decrescente superfcie qual, conforme o trabalho se torna mais
habilidoso, ele estar necessariamente confinado, no da quantidade de terra que
um capitalista ou fazendeiro, comandando o servio de qualquer dado nmero de
trabalhadores, acha no presente mais conveniente contratar. De que tamanho as
fazendas devem ser, na presente condio da sociedade, uma questo deveras
distinta da quantidade de terra necessria para fornecer a um indivduo os meios de
subsistncia e, portanto, determinar o direito natural de propriedade sobre a terra...38
Mas at a, o prprio Locke era ambguo; ele (e, especialmente, sua Ressalva)
foram colocados em usos muito mais radicais do que muitos Lockeanos modernos
aprovariam.
J.K. Ingalls, provavelmente a mais forte influncia direta sobre a teoria da terra de
Tucker, pedia pela "revogao de todas as leis em relao propriedade da terra, deixando
a 'ocupao e uso', como era originalmente, como o nico ttulo terra"39. Assim como mais
tarde o Georgista Franz Oppenheimer, ele via a histria em termos dos "caminhos pelos
quais o direito natural do homem sobre o solo tem sido usurpado em todas as terras por
uma classe dominadora que, mais cedo ou mais tarde, buscou a cobertura de uma pretensa
37
Ibid., pp. 61-3.
38
Ibid., p. 67.
39
INGALLS. Social Wealth, p. 287.
186
lei para sancionar atos ilcitos, de maneira que pudessem gozar da posse tranquila do
domnio obtido pela violncia"40. O domnio absoluto sobre a terra, excluso do resto da
humanidade, era possvel apenas atravs do poder coercivo do estado, estabelecido
atravs da "lei do mais forte" ou dos "direitos do vencedor" - essencialmente a mesma coisa
descrita por Oppenheimer como "os meios polticos".41
Ingalls, assim como Henry George, enfatizava a prtica original, comum todas as
sociedades humanas, de tratar a terra como uma propriedade comunal a ser atribuda a
cultivadores individuais apenas em uma base usufruturia. Mesmo sob as usurpaes dos
senhores, durante a maior parte da histria do estado, a sujeio da comuna camponesa
aristocracia fundiria ainda era coletiva. O campesinato continuava, na Europa medieval, na
Rssia, na ndia, etc. a cultivar a terra em comum e a pagar tributo ao estado ou ao senhor
enquanto uma comunidade.42
Um rendimento sobre a terra ou sobre o capital, como tal, s poderia existir atravs
do privilgio. Apenas atravs do privilegio estatal propriedade do capital e da terra foi
possvel que o capitalista ou o senhor cobrassem do trabalho um tributo para o acesso aos
meios de produo e, desta forma, obtivessem um acrscimo cumulativo ao longo do
tempo.44 A expanso do capital atravs da mgica dos juros compostos no , como os
Marxistas acreditam, uma propriedade do mercado. A lei natural do mercado que o
trabalho receba seu produto completo. E, embora ele tenha escrito em uma poca anterior
aos marginalistas terem explicado completamente o princpio da desutilidade do trabalho,
Ingalls implicitamente assumia o princpio. Em termos bastante similares aos de nossa
prpria anlise no Captulo 2, Ingalls contrastava o preo normal de uma mercadoria em um
livre mercado (um preo apenas suficiente para compensar o trabalho pela desutilidade de
sua atividade), com as rendas monopolistas resultantes aos proprietrios do capital e da
40
Ibid., p. 139.
41
Ibid., p. 133.
42
Ibid.
43
Ibid., p. 132.
44
Ibid., pp. 248-9.
187
terra, que no levavam em conta os seus reais custos ou sua desutilidade ao adquiri-los:
Em outras palavras, como afirmamos no Captulo 2, o poder de receber uma renda sobre o
capital ou sobre a terra, sem receb-la atravs do trabalho, s pode entrar no clculo do
"custo de oportunidade", atravs do qual o lucro lquido e a renda so calculados, quando,
primeiro, o estado possibilitou tal renda imerecida, atravs de sua aplicao do privilgio
legal.
Ingalls, assim como Tucker, devotou uma boa quantidade de energia a enfrentar as
teorias de Henry George. Assim como Tucker, ele minimizava a importncia da renda
econmica como tal e a via como um mero efeito colateral do fenmeno geral da renda
senhorial - em suas palavras, a renda econmica "mal poderia constituir uma dificuldade,
caso a ocupao criasse o nico ttulo terra"46. Na verdade, ele foi alm de Tucker em sua
negao de que a renda econmica existiria sem o senhorio:
Ingalls, ao fazer tal afirmao no qualificada, de fato foi longe demais. Ele prprio
virtualmente admitiu isso, ao conceder que o excedente de um produtor existiria para donos
de terras superiores, mesmo em um regime de propriedade baseada na ocupao: "O
45
Ibid., p. 252.
46
Ibid., p. 74.
47
Ibid., pp. 68-9.
188
homem com terra de mais fcil lavoura ou solo mais produtivo ser capaz, sem dvida, de
obter o mesmo preo para seus gros ou frutos que o homem com um solo mais pobre e
colheitas menores"48.
Ainda assim, Ingalls fez de fato um bom argumento a favor da alegao de que os
males da renda diferencial eram exacerbados pela renda do senhor e derivavam
parcialmente dela. Por exemplo, ele escreveu, a senhoriagem absentesta, por si prpria,
compelia o cultivo de terras marginais a um grau que no ocorreria, estivessem todas as
terras vazias abertas ao cultivo, e, desta maneira, aumentava o diferencial entre a melhor e
a pior terra em cultivo.49
Como Tucker o declarava, o princpio da posse por ocupao exigia a proteo "de
todas as pessoas que desejem cultivar a terra, posse de qualquer terra que elas cultivem,
sem distino entre as classes existentes de senhores, inquilinos e trabalhadores e a
recusa positiva do poder protetor de prestar seu auxlio ao recolhimento de qualquer renda
que seja...". Este sistema deveria ser realizado pela recusa das pessoas comuns a pagar
48
Ibid., p. 74.
49
Ibid., p. 69.
50
Ibid., p. 71.
51
Ibid., pp. 71-2.
189
aluguel ou impostos, desta maneira "compel[indo] o Estado a revogar todos os chamados
ttulos de terra agora existentes".52
Como Bill Orton argumentou nas citaes anteriores, nenhum "invlucro" de regras
de posse de terras pode ser deduzido auto-evidentemente do direito de auto-propriedade;
alm disso, nenhum sistema de regras de transferncia e abandono pode ser logicamente
derivado mesmo de um padro consentido de apropriao atravs do trabalho. Podemos,
no entanto, avaliar os vrios conjuntos de regras com fundamentos prudenciais e
consequencialistas, na medida em que eles promovam outros valores compartilhados ou
promovam resultados conducentes a padres comumente aceitos de equidade. Em minha
opinio, o sistema mutualista de posse por ocupao-e-uso tem uma vantagem sobre
ambos os sistemas Lockeano ortodoxo e Georgista na equidade de sua operao.
Ao mesmo tempo, o mutualismo tem uma vantagem sobre o georgismo em que ele
reconhece o direito individual absoluto de propriedade, contanto que ele seja estabelecido e
mantido apenas pela ocupao pessoal. Os Georgistas, ao reivindicar o direito de tributar
aumentos no valor da terra, reivindicam um direito por parte da "comunidade" de penalizar o
ocupante pelas aes de seus vizinhos, sobre as quais ele no tem qualquer controle. Meus
vizinhos, ao reivindicar o direito de me tributar por aumentos no valor da minha terra,
resultando de atividades que eles empreenderam por sua prpria conta, lembram os
espertalhes que lavam para-brisas nos cruzamentos e ento exigem pagamento por este
"servio" no solicitado.
52
TUCKER. The Land for the People. Liberty, 22 jun. 1882. In: ______. Instead of a Book, pp. 299-
300.
190
direitos de propriedade, isto no coercitivo no sentido de iniciao de fora, porque os
direitos ltimos de propriedade esto localizados na comunidade e a comunidade est
simplesmente regulando o acesso a suas prprias terras comuns.) Alm disso, ao financiar
servios sociais com aluguel, em vez de com taxas de uso, o Georgismo falha em falar
sobre as irracionalidades produzidas ao se divorciar o custo do preo. Georgistas esto
inclinados a exagerar o nmero de bens pblicos ou "monoplios territoriais" - assumindo
que sequer exista algum. conducente eficincia econmica que, se qualquer servio
puder ser financiando por taxas de uso, ele deveria o ser. O custo do resto dos bens
pblicos, assumindo que exista algum, provavelmente ser de custo insuficiente para
absorver todo a renda da terra coletada.
53
TUCKER. The Distribution of Rent. Liberty, 23 fev. 1884. In: ______. Ibid., p. 340.
191
eliminadas pelos retornos decrescentes.54
Bill Orton, que favorece a propriedade Lockeana (ou "grudenta"), fez algumas
observaes provocadoras sobre como metassistemas de propriedade coexistiram no
passado e especulaes sobre como eles provavelmente o faro no futuro. Os trs
principais metassistemas que examinamos nesta seo concordam que a agresso ruim.
A razo pela qual entram em conflito que diferem grandemente em como definem
"agresso". Acusaes de agresso ou iniciao de fora, de acordo com Orton, resultam
de invlucros conflitantes de propriedade. "A liberdade (e a iniciao de fora) definida em
termos de direitos de propriedade..."55
... (quase) ningum alega iniciar fora. Quando as pessoas acusam outras de
diferentes persuases polticas de iniciarem fora, elas esto usando seus prprios
invlucros de propriedade, seus prprios padres de propriedade. A julgar a partir de
seu prprio invlucro de propriedade, ela no est realmente iniciando fora. Por
exemplo, se voc defende a propriedade grudenta, ento ocupaes so um na-na-
no. Se voc defende a propriedade por posse, ocupaes so tudo bem. A
concepo de "fora" diferente, devido a diferentes sistemas de propriedade.56
Sim, existem alguns anarco-socialistas que atacariam pessoas que usassem a propriedade
grudenta, e existem alguns anarco-capitalistas que atacariam pessoas que usassem a
propriedade de usufruto. Se voc no acredita nesta ltima, reveja os comentrios
54
HEIMANN. Franz Oppenheimer's Economic Ideas, p. 30.
55
ORTON. Property and Panarchy. Free-Market.net Forum, 20 dez. 2000. [N. do E.: Infelizmente o
material se encontra agora indisponvel on-line.]
56
ORTON. Cohen's Argument.
192
relacionados a povos aborgenes - voc v alegaes de que okay saquear suas terras de
caa porque... eles no tm obras, eles no reconhecem a propriedade privada da terra,
etc. Mas a propriedade objetiva - no importa se eles a reconhecem. Ou eles a separaram
das terras comuns [no apropriadas], misturaram seu trabalho e personalidade com ela...,
ou eles no o fizeram.57
Claro, criar hipteses de que todo mundo ter a mesma ideologia econmica
aps a separao entre a Econ. e o Estado como dizer que todo mundo se tornar
ateu aps a separao entre a Igreja e o Estado. No, assim como existem vrias
religies e denominaes e cultos com o desestabelecimento, similarmente havero
todos os tipos de arranjos econmica com a ausncia de estado. Haver mais e no
menos experimentos econmicos, assim como o nmero de cultos religiosos
proliferou. Desta forma, a resposta sua questo muito provavelmente acabar por
ser: Se mude para o prximo quarteiro ou um quilmetro frente na rua, ou
simplesmente altere as pessoas com quem voc lida.
57
ORTON. Which is MORE important--market or anarchy? Anti-State.com Forum, 23 ago. 2003. [N.
do E.: Infelizmente o material se encontra agora indisponvel on-line.]
58
ORTON. Re: Anarch-Socialism. Anti-State.com Forum, 1 abr. 2004. [N. do E.: Infelizmente o
material se encontra agora indisponvel on-line.]
59
ORTON. Re: Poll: What if An-capistan turned anticapitalist? Anti-State.com Forum, 31 jan. 2003.
[N. do E.: Infelizmente o material se encontra agora indisponvel on-line.]
193
eu duvido seriamente de que qualquer forma particular de propriedade dominar.
Haver todo tipo de arranjo de propriedade que voc possa imaginar e muitos mais
que voc no pode. Quando a religio foi separada do estado, quando ela se tornou
anarquista, todo mundo se tornou ateu? A Igreja Catlica, ou qualquer outra igreja
ou religio dominou?60
194
o controle da terra era provavelmente a forma mais importante de privilgio atravs da qual
o trabalho era forado a aceitar menos do que seu produto como salrio. Mas, no
capitalismo industrial, possivelmente a importncia do senhorio foi superada em importncia
pelo monoplio do dinheiro. Sob esta ltima forma de privilgio, o licenciamento estatal de
bancos, exigncias de capitalizao e outras barreiras de entrada ao mercado permitem
que os bancos cobrem um preo de monoplio por emprstimos, na forma de taxas de juros
usurrias. Desta forma, o acesso do trabalho ao capital restringido, e o trabalho forado
a pagar tributo na forma de taxas de juros artificialmente altas.
O processo de obter uma licena bancria do governo, seja federal ou estadual, foi
descrito por Karl Hess e David Morris em Neighborhood Power:
62
GREENE, William B. Mutual Banking. New York: Gordon Press, 1849, 1974.
63
TUCKER. Economic Hodge-Podge. Liberty, 08 out. 1887. In: ______. Instead of a Book, p. 206.
64
HESS, Karl; MORRIS, David. Neighborhood Power: The New Localism. Boston: Beacon Press,
1975. p. 81.
65
GREENE. Mutual Banking, p. 73.
195
O chamado tomador de emprstimo, assim simplesmente, mudaria a face de
seu prprio ttulo de forma a torn-lo reconhecvel para o mundo em geral e
sem qualquer outra despesa alm do mero custo da alterao. Isto , o
homem tendo capital ou bom crdito que... fosse a um... banco... e obtivesse
uma certa quantidade de suas notas atravs do processo comum de
hipotecar propriedade ou de conseguir descontar um papel comercial
endossado, apenas trocaria seu prprio crdito pessoal... pelo crdito do
banco, conhecido e recebvel para produtos entregues em todo o Estado ou
nao ou, talvez, no mundo. E, por essa convenincia, o banco o cobraria
apenas o custo-trabalho de seu servio de efetivar a troca de crditos, em
vez das ruinosas taxas de desconto pelas quais, sob o presente sistema de
monoplio, os bancos privilegiados tributam os produtores de propriedade
no privilegiada ao ponto de tomar suas casas.66
Sobre a taxa de juros monopolista pelo dinheiro que... nos forada pela lei,
embasado todo o sistema de juros sobre o capital, que permeia todos os negcios
modernos.
Toda aquela parte do produto que agora tomada pelos juros pertenceria ao
produtor. O capital, como quer que seja... definido, praticamente deixaria de existir
enquanto um fundo produtor de renda, pela simples razo de que, se o dinheiro,
com o qual se compra o capital, pudesse ser obtido por metade de um por cento, o
prprio capital no poderia render qualquer preo mais alto.68
66
TUCKER. Apex or Basis. Liberty, 10 dec. 1881. In: ______. Instead of a Book, p. 194.
67
CAIRNCROSS, Alexander. Economic Schizophrenia. Scottish Journal of Political Economy, fev.
1950. Cit. em PERELMAN, Michael. Classical Political Economy: Primitive Accumulation and the
Social Division of Labor. Totowa, New Jersey: Rowman & Allanheld; London: F. Pinter, 1984, ca.
1983. p. 27.
68
ROBERTSON, J. B. The Economics of Liberty. Minneapolis: Herman Kuehn, 1916. pp. 80-1.
196
importante notar que, por causa da proposta de Tucker de aumentar o
poder de barganha dos trabalhadores atravs do acesso ao crdito mutual, o seu
chamado Anarquismo individualista no apenas compatvel com o controle dos
trabalhadores, mas de fato o promoveria. Pois se o acesso ao crdito mutual
aumentasse o poder de barganha dos trabalhadores na medida em que Tucker
alegava que o faria, eles ento seriam capazes de (1) exigir e conseguir a
democracia no local de trabalho e (2) reunir seu crdito e comprarem e serem donos
coletivamente das empresas.69
69
ELKIN, Gary. Benjamin Tucker - Anarchist or Capitalist? Disponvel em: <http://flag.blackened.net/
daver/anarchism/tucker/an_or_cap.html>. Acesso em: 28 out. 2003.
70
ELKIN. Mutual Banking. O original que Elkin publicado na web est fora do ar, mas foi reproduzido
em um post no Google Groups alt.politics.communism, 12 jul. 1999. Disponvel em: <https://groups.
google.com/d/msg/alt.politics.communism/c8z9ESklbiY/DBzggcqQsfsJ>. Acesso em: 26 abr. 2016.
71
N. do T.: "go to hell money", no original. Poupana reservada para poder sair do emprego caso ele
no lhe satisfaa.
197
que uma taxa igual aos seus custos de depreciao e manuteno, somados aos custos
dos impostos (se quaisquer) e dos servios envolvidos em lhes alojar"72.
72
Ibid.
73
N. do T.: "Comit Bancrio do Senado", em traduo livre. Tem jurisdio sobre assuntos
relacionados a bancos e bancrios, controles de preos, seguro de depsito, promoo e controle
das exportaes, poltica monetria federal, ajuda financeira para comrcio e indstria, emisso de
resgate de notas, moeda e cunhagem, habitao pblica e privada, desenvolvimento urbano e
transporte de massa, e contratos com o governo. O Comit um dos vinte comits permanentes do
Senados dos Estados Unidos. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/United_States_Senate_Committee_on_Banking,_
Housing,_and_Urban_Affairs. Acessado em: 30 jun. 2016.
74
US SENATE COMMITTEE ON BANKING, HOUSING, AND URBAN AFFAIRS. Testimony of
Chairman Alan Greenspan. Washington, D. C., 26 fev. 1997. Disponvel em: <http://www.
federalreserve.gov/boarddocs/hh/1997/february/testimony.htm>. Acesso em 27 abr. 2016.
198
trocarem menores aumentos nos salrios por maior segurana no emprego parece estar
razoavelmente bem documentada. Para os patres, a economia de alta tecnologia a
prxima grande coisa depois do alto desemprego para manter o juzo em nossas cabeas.
"Combater a inflao" se traduz operacionalmente em aumentar a insegurana no trabalho
e deixar os trabalhadores menos propensos a entrar em greve ou procurar por novos
empregos.
Embora Tucker inclusse patentes e tarifas entre seus quatro grandes privilgios, ele
as abordava de maneira extremamente individualista, essencialmente como uma fonte de
preos de monoplio ao consumidor. Ele ignorava, na maior parte do tempo, os efeitos das
patentes e das tarifas sobre a estrutura empresarial e seu papel em promover a cartelizao
no final do sculo XIX. Patentes e tarifas, juntamente com subsdios ao transporte (uma
forma de interveno governamental que Tucker ignorou em sua prpria poca) lanaram
juntas os alicerces, no sculo XIX, para o que viria a se tornar o capitalismo monopolista do
sculo XX.
O privilgio das patentes tem sido usado em uma escala massiva para promover a
concentrao de capital, erigir barreiras de entrada e manter um monoplio da tecnologia
avanada nas mos de corporaes ocidentais. difcil sequer imaginar quo mais
descentralizado a economia seria sem ele.
75
ROTHBARD. Man, Economy, and State, p. 655.
199
aplicao de "direitos de propriedade" sobre ideias exige a invaso do espao de outra
pessoa.
[O] direto de propriedade de todos defendido na lei libertria, sem uma patente. Se
algum tem uma ideia ou plano e constri uma inveno, e ela roubada de sua
casa, o furto um ato de roubo, ilegal sob a lei geral. Por outro lado, as patentes, na
verdade, invadem os direitos de propriedade daqueles descobridores independentes
de uma ideia ou de uma inveno, que fizeram a descoberta aps o patenteador...
As patentes fazem uma diferena astronmica nos preos. At o comeo dos anos
1970, por exemplo, a Itlia no reconhecia patentes de remdios. Como resultado, a Roche
Products cobrava da sade pblica britnica um preo mais de 40 vezes maior pelos
componentes patenteados de Librium e Valium do que o cobrado por concorrentes na
Itlia.77
76
ROTHBARD. Power and Market, p. 71.
77
RAGHAVAN, Chakravarthi. Recolonization: GATT, the Uruguay Round & the Third World. Penang,
Malaysia: Third World Network, 1990. p. 124.
78
Ibid., p. 118.
79
ROTHBARD. Man, Economy, and State, pp. 655, 658-9.
80
N. do T.: A Rodada Uruguai ou Ronda Uruguai foi iniciada em setembro de 1986 e durou at abril
de 1994. Baseada no encontro ministerial de Genebra do GATT (1982), foi lanada em Punta del
Este, no Uruguai, seguida por negociaes em Montreal, Genebra, Bruxelas, Washington e Tquio. A
rodada culminou com a criao da Organizao Mundial do Comrcio (OMC) e a incorporao do
Acordo Geral de Tarifas e Comrcio (conhecido como GATT) em sua estrutura, entre outros acordos.
Vide http://pt.wikipedia.org/wiki/Rodada_Uruguai. Acessado em: 01 jul. 2016.
81
N. do T.: O Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comrcio ou Acordo Geral sobre Tarifas e
Comrcio (em ingls: General Agreement on Tariffs and Trade, GATT) foi estabelecido em 1947,
tendo em vista harmonizar as polticas aduaneiras dos Estados signatrios. Est na base da criao
da Organizao Mundial de Comrcio. um conjunto de normas e concesses tarifrias, criado com
a funo de impulsionar a liberalizao comercial e combater prticas protecionistas, alm de regular,
provisoriamente, as relaes comerciais internacionais. Vide:
200
alm da lei de patentes tradicional em suprimir a inovao. Um benefcio da lei de patentes
tradicional, pelo menos, era que ela exigia que uma inveno sob patente fosse levada a
pblico. Por presso dos EUA, no entanto, "segredos comerciais" foram includos no GATT.
Como resultado, ser exigido que governos ajudem a suprimir informaes no protegidas
formalmente por patentes.82
A nica exceo foram os remdios, nos quais 60% supostamente no teriam sido
inventados. Eu suspeito de autoengano ou dissimulao por parte dos entrevistados, no
entanto. Por exemplo, as companhias farmacuticas conseguem uma poro anormalmente
alta de seu financiamento de P & D do governo, e muitos de seus produtos mais lucrativos
foram desenvolvidos inteiramente s custas do governo. A vantagem de reputao de ser o
primeiro em um mercado considervel. Por exemplo, no final dos anos 1970 se descobriu
que a estrutura da indstria e o comportamento de precificao eram muito similares entre
os remdios com e sem patente. Ser a empresa precursora de um remdio no patenteado
permitia que a companhia mantivesse uma fatia de mercado de 30% e cobrasse preos
201
superiores.
O Government Patent Policy Act89 de 1980, com emendas de 1984 e 1986, permitia
que a indstria privada mantivesse as patentes sobre os produtos desenvolvidos com o
dinheiro de P & D do governo - e ento cobrasse dez, vinte, ou trinta vezes o custo de
produo. Por exemplo, o AZT foi desenvolvido com dinheiro do governo e estava no
domnio pblico depois 1964. A patente foi entregue para a Burroughs Wellcome Corp.90
86
N. do T.: John Dennis "Denny" Hastert um poltico americano, lobista e membro do Partido
Republicano, que foi o 59 orador da Cmara dos Deputados dos Estados Unidos, servindo de 1999
a 2007. Ele representou 14 distrito congressional de Illinois por vinte anos, 1987 a 2007. Ele o
orador que serviu durante mais tempo na histria do Partido Republicano. Hastert foi reeleito para um
dcimo primeiro mandato no Congresso nas eleies gerais de 2006. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Dennis _Hastert. Acessado em: 01 jul. 2016.
87
N. do T.: "Ways and Means Committee", no original, a comisso chefe da definio tributria dos
da Cmara dos Deputados dos Estados Unidos . O Comit tem jurisdio sobre todos os impostos,
tarifas e outras medidas de aumento das receitas, bem como uma srie de outros programas. Vide:
http://en.wikipedia.org/wiki/United_States_House_Committee_on_Ways_and_Means. Acessado em:
01 jul. 2016.
88
CITIZENS FOR TAX JUSTICE. GOP Leaders Distill Essence of Tax Plan: Surprise! It's Corporate
Welfare. Washington, D.C. 14 set. 1999. Disponvel em: <http://www.ctj.org/pdf/corp0999.pdf>.
Acesso em: 15 abr. 2001.
89
N. do T.: O Bayh-Dole Act ou Patent and Trademark Law Amendments Act a legislao dos
Estados Unidos que lida com a propriedade intelectual resultantes de pesquisa financiada pelo
governo federal. A principal mudana feita por Bayh-Dole foi na propriedade de invenes feitas com
financiamento federal. Antes do Bayh-Dole Act, os contratos e concesses de financiamento federais
para pesquisa obrigava os inventores (onde que que trabalhassem) a atribuir as invenes que
fizeram usando o financiamento federal para o governo federal. O Bayh-Dole permite que uma
universidade, empresa de pequeno porte, ou instituio sem fins lucrativos opte por buscar a
propriedade de inveno, com preferncia sobre governo. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Bayh%E2%80%93Dole_ Act. Acessado em: 01 jul. 2016.
90
LEWIS, Chris. Public Assets, Private Profits. Multinational Monitor, jan./fev. 1993, pp. 8-11.
Separata de: Project Censored Yearbook 1994. New York: Seven Stories Press, 1994.
202
em dois anos atravs de um ato especial de lei privada.91
As patentes foram usadas, durante todo o sculo XX, "para contornar leis antitruste",
de acordo com David Noble. Elas foram "compradas em grandes quantidades para suprimir
a concorrncia", o que tambm resultou na "supresso da inveno em si"92. Edwin Prindle,
um advogado corporativo de patentes, escreveu, em 1906:
As patentes tambm esto sendo usadas em uma escala global para fixar as
corporaes transnacionais em um monoplio permanente da tecnologia produtiva. A
proviso mais totalitria da Rodada Uruguai so provavelmente suas provises sobre
"propriedade industrial". O GATT estendeu tanto o escopo quanto a durao das patentes
para muito alm de qualquer coisa jamais vislumbrada na lei de patentes original. Na
Inglaterra, as patentes duravam originalmente quatorze anos - o tempo necessrio para
treinar dois trabalhadores em sequncia (e, por analogia, o tempo necessrio para entrar
em produo e colher o lucro inicial por originalidade). Por esse padro, dados os tempos
de treinamento menores exigidos atualmente e o menor tempo de vida da tecnologia, o
perodo de monoplio deveria ser menor. Em vez disso, os EUA buscam estend-lo para
cinquenta anos.96 De acordo com Martin Khor Kok Peng, os EUA so os participantes mais
absolutistas da Rodada Uruguai em relao propriedade intelectual, ao contrrio da
Comunidade Europeia, e pretendiam estender suas provises a processos biolgicos, para
91
GROVE, Benjamin. Gibbons Backs Drug Monopoly Bill. Las Vegas Sun, 18 fev. 2000. Disponvel
em: <http://lasvegassun.com/news/2000/feb/18/gibbons-backs-drug-monopoly-bill/>. Acesso em: 26
abr. 2016.
92
NOBLE, David. America by Design: Science, Technology, and the Rise of Corporate Capitalism.
New York: Alfred A. Knopf, 1977. pp. 84-109.
93
Ibid., p. 90.
94
Ibid., p. 92.
95
Ibid., pp. 10, 16.
96
RAGHAVAN. Recolonization, pp. 119-20.
203
proteo de animais e plantas.97
97
PENG, Martin Khor Kok. The Uruguay Round and Third World Sovereignty. Penang, Malaysia:
Third World Network, 1990. p. 28.
98
N. do T.: Corporaes Transnacionais, "TNCs" na sigla em ingls.
99
N. do T.: Organismos Geneticamente Modificados, "GMO" na sigla em ingls.
100
ERNST, Dieter. Technology, Economic Security and Latecomer Industrialization. In RAGHAVAN.
Recolonization, pp. 39-40.
101
Ibid., pp. 120, 138.
204
necessariamente us-la, mas impedir qualquer outra pessoa a use.102
Assim como com as patentes, estamos interessados aqui nos aspectos das tarifas
que Tucker negligenciou: seu efeito em promover a cartelizao da indstria. No prximo
captulo, sobre o surgimento do capitalismo monopolista, veremos os efeitos completos do
que Schumpeter chamava de "capitalismo monopolista dependente de exportao". O
termo se refere a um sistema econmico em que a indstria se carteliza por detrs de
barreiras de proteo ou tarifrias; vende sua produo domesticamente por um preo
monopolista significantemente maior do que o nvel de equilbrio de mercado, a fim de obter
superlucros s custas do consumidor; e descarta no exterior seu produto invendvel,
diminuindo seu preo abaixo do custo se necessrio.
102
PENG. The Uruguay Round and Third World Sovereignty, pp. 29-30.
103
RAGHAVAN. Recolonization, p. 96.
205
beneficirias passivas de uma poltica protecionista do estado que visava primariamente o
aumento dos salrios do trabalho. Isto se assemelha sua viso dos primeiros capitalistas
industriais e no-implicao deles no processo de acumulao primitiva, no captulo
anterior.
104
N. do T.: O Partido Whig era um partido poltico ativo no meio do sculo XIX nos Estados Unidos
da Amrica. Considerado integrante do Segundo Sistema Partidrio e operando a partir do incio da
dcada de 1830 at meados da dcada de 1850, o partido foi formado em oposio s polticas do
presidente Andrew Jackson e seu Partido Democrata. Em particular, os Whigs apoiavam a
supremacia do Congresso sobre a Presidncia e favoreciam um programa de modernizao e
protecionismo econmico. Este nome foi escolhido para ecoar os Whigs Americanos de 1776, que
lutaram pela independncia, e porque "Whig" era ento um rtulo amplamente reconhecida de
escolha para as pessoas que se identificavam como oposio tirania.
O partido foi finalmente destrudo pela questo de permitir ou no a expanso da escravido
para os territrios. Com profundas fissuras no partido sobre esta questo, a faco anti-escravido
impediu a nomeao para um mandato completo de seu prprio incumbente, presidente Fillmore, na
eleio presidencial de 1852; em vez disso, o partido nomeou o general Winfield Scott. A maioria dos
lderes do partido Whig eventualmente saiu da poltica (como Abraham Lincoln o fez
temporariamente) ou mudou de partido. A base de eleitorais do Norte se juntou majoritariamente ao
novo Partido Republicano. Nas eleies presidenciais de 1856, o partido foi praticamente extinto. No
Sul, o partido desapareceu, mas a ideologia Whig como uma orientao poltica persistiu por
dcadas, e desempenhou um papel importante na definio das polticas de modernizao dos
governos estaduais durante a Reconstruo. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Whig_Party_(United_States). Acessado em: 01 jul. 2016.
105
N. do T.: A Era Dourada, na histria dos Estados Unidos, o final do sculo XIX, a partir da
dcada de 1870 at cerca de 1900. O termo foi cunhado pelo escritor Mark Twain em The Gilded
Age: A Tale of Today (1873), que satirizava uma era de graves problemas sociais mascarado por
uma cobertura dina de ouro.
A Era Dourada foi uma era de rpido crescimento econmico, especialmente no Norte e
Oeste. Salrios americanos, especialmente para trabalhadores qualificados, eram muito mais
elevados do que na Europa, o que atraiu milhes de imigrantes. No entanto, a Era Dourada tambm
foi uma poca de pobreza conforme os imigrantes europeus pobres chegavam. As estradas de ferro
eram a grande indstria, mas o sistema fabril, a minerao, e as finanas e aumentaram em
importncia. A imigrao da Europa, da China e dos estados do Leste levou ao rpido crescimento
do Oeste, baseada na agricultura, pecuria e minerao. Os sindicatos se tornaram importantes em
206
com um abrao "curto, mas doce" no programa de Henry Clay: um banco nacional, uma
tarifa alta e melhorias internas. Esta negligncia, no entanto, era condizente com a
inclinao de Tucker. Ele estava preocupado primariamente com a forma em que o
privilgio promovia lucros monopolistas atravs de trocas injustas no nvel individual e no a
maneira em que afetava a estrutura geral de produo. O tipo de interveno
governamental sobre a qual mais tarde James O'Connor escreveria, que promovia o
acmulo e a concentrao subsidiando diretamente os custos operacionais de grandes
empresas, em grande parte escaparam sua observao.
No parece necessrio que o gasto dessas obras pblicas deva ser custeado
a partir dessa receita pblica, como comumente chamada, a arrecadao e
aplicao da qual , na maioria dos pases, atribuda ao poder executivo. A maior
parte de tais obras pblicas pode facilmente ser assim gerenciada de forma a
proporcionar uma particular receita suficiente para custear seu prprio gasto, sem
trazer qualquer fardo sobre a receita geral da sociedade...
reas industriais. Duas grandes depresses nacionais - o Pnico de 1873 e o Pnico de 1893 -
interromperam o crescimento e causaram convulses sociais e polticas. O Sul, aps a Guerra Civil,
americana permaneceu economicamente devastado; sua economia tornou-se cada vez mais ligada
produo de algodo e tabaco, que sofria de preos baixos. Os negros no Sul, que onde a maioria
dos negros viviam nos EUA, foram despojados de direitos de voto e de poder poltico, e eram
economicamente desfavorecidos.
O cenrio poltico foi notvel na medida em que, apesar de alguma corrupo, a participao
era muito elevada e as eleies entre os equilibrados partidos estavam prximas em nmero. As
questes dominantes eram culturais (especialmente em relao a proibio, a educao e os grupos
tnicos e raciais) e econmicas (tarifas e oferta de dinheiro). Com o rpido crescimento das cidades,
as mquinas polticas cada vez mais assumiram o controle da poltica urbana. Sindicatos batalhavam
pelo dia de trabalho de 8 horas; reformadores da classe mdia exigiam reforma dos servios
pblicos, da proibio, e o sufrgio feminino. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Gilded_Age.
Acessado em: 01 jul. 2016.
207
pelos comerciantes quando eles importam pela primeira vez, ou, o que mais igual,
por uma obrigao em particular de tantos por cento sobre os bens que eles
importam para dentro ou exportam para fora dos pases em particular com os quais
seja realizado.106
Hoje em dia moda, mesmo entre aqueles que deveriam saber melhor, considerar o
"individualismo grosseiro" e o laissez-faire responsveis pelo tumulto de inflao do
valor de aes, abatimentos, cortes de taxas, falncias fraudulentas e similares, que
predominavam em nossa prtica ferroviria aps a Guerra Civil, mas ambos no
tinham nada mais a ver com isso do que tm com a preciso dos equincios. O fato
que nossas ferrovias, com poucas excees, no cresceram em resposta a
nenhuma demanda econmica real. Elas foram empreendimentos especulativos
permitidos pela interveno estatal, pelo loteamento dos meios polticos na forma de
concesso de terras e subsdios; e, de todos os males alegados contra nossa prtica
ferroviria, no h sequer um que no seja diretamente restrevel a esta interveno
primria.108
208
impossvel em qualquer escala prxima da atual.109 E isso deixando de fora completamente
o papel das franquias governamentais e das concesses de direito de passagem no
surgimento do monoplio da AT&T.
109
NOBLE. America by Design, pp. 91-2.
110
CHOMSKY. Class Warfare: Interviews with David Barsamian. Monroe, Maine: Common Courage
Press, 1996. p. 40.
209
destrudos. Mud-los no faz de nenhum deles menos um custo - apenas significa que, uma
vez que eles no esto sendo pagos pelo beneficirio do servio, ele lucra s custas de
outra pessoa. No Existe Almoo Grtis.
Talvez a pior coisa sobre a vida industrial moderna tenha sido o poder das
autoridades polticas de conceder privilgios especiais a algumas empresas para
que violem os direitos de terceiros cuja permisso seria custosa demais para se
obter. A necessidade de obter essa permisso, de fato, impede seriamente o que a
maioria dos ambientalistas v como industrializao desenfreada - de fato,
imprudente.
111
MACHAN, Tibor. On Airports and Individual Rights. The Freeman: Ideas on Liberty, fev. 1999. p.
11.
210
Captulo Seis: A Ascenso do Capitalismo Monopolista
Introduo
Ainda assim, apesar de todo o amargo e raivoso conflito que gerou e apesar de sua
rapidez e enormidade de escala, ela procedeu de forma relativamente pacfica e dentro
do framework das instituies polticas existentes. Por qu?
.... Ao contrrio da grande crise sociopoltica das dcadas de 1850 e 1860, que
foi resolvida por uma reconstruo nacional que exigiu uma guerra civil e revoluo, a
reconstruo corporativa no exigiu nem guerra civil nem revoluo, mas sim
reorganizao poltica e reforma.1
1
SKLAR, Martin J. The Corporate Reconstruction of American Capitalism, 1890-1916: The Market, the
Law, and Politics. Cambridge, New York e Melbourne: Cambridge University Press, 1988. pp. 20-1
211
escala menor, ao regime legal de Bretton Woods e do GATT, que forneceu uma estrutura
poltica para o capitalismo global aps a Segunda Guerra Mundial.
Como o prprio Martin Sklar apontou, o processo de "concentrao industrial", que ele
distinguiu da reconstruo corporativa, estivera acontecendo por algum tempo antes da dcada
de 1890. E os anos 1880 foram uma dcada de acumulao sem precedentes que continuou
at a dcada de crise dos anos 1890.2 A crise dos anos 1890 foi o resultado desta
concentrao e superacumulao; mas elas, por sua vez, foram o resultado da interveno
capitalista de estado Whig-Republicana e no do mercado "desregulado" ou "competitivo".
2
Ibid., p. 44.
3
STROMBERG, Joseph R. The Role of State Monopoly Capitalism in the American Empire. Journal of
Libertarian Studies, vol. 15, n. 3, p. 64, vero 2001. Disponvel em: <https://mises.org/library/role-state -
monopoly-capitalism-american-empire>. Acessado em: 27 abr. 2016.
212
superpoupana e gerao de capital excedente, na ausncia de uma vigorosa
expanso internacional do sistema de investimento. Ela, assim, tornou o descarte do
excedente e o acesso a sadas crescentes para investimento internacional uma questo
ainda mais urgente de poltica, tanto no setor privado quanto no governo.4
O resultado final foi uma espiral em direo a ainda mais estatismo, culminando no
corporatismo do New Deal e da economia permanente de guerra da Segunda Guerra Mundial e
da Guerra Fria.
4
SKLAR. Corporate Reconstruction of American Capitalism, pp. 72-3.
5
Vide nota 3 acima.
213
uma viso do capitalismo de estado em muitos aspectos semelhante quela da New Left. Isto
, ambos os grupos o retratam como um movimento do capital organizado de larga escala para
obter seus lucros atravs da interveno estatal na economia, embora as regulamentaes
implicadas neste projeto sejam usualmente vendidas ao pblico como restries
"progressistas" s grandes empresas. Este paralelismo entre as anlises da New Left e da
Direita libertria foi capitalizado por Rothbard em sua abertura para a Esquerda. Em projetos
tais como seu peridico Left and Right e na antologia A New History of Leviathan (coeditada
com Ronald Radosh da New Left), ele buscou uma aliana da Esquerda com a Direita
libertrias contra o estado corporativo.
uma nova ordem, marcada pelo governo forte e por interveno e planejamento
governamentais extensos e generalizados, com o propsito de fornecer uma rede de
subsdios e privilgios monopolistas para os interesses das empresas e, especialmente,
das grandes empresas. Em particular, a economia poderia ser cartelizada sob a gide
do governo, com preos aumentados e a produo fixada e restringida, no clssico
padro de monoplio; e os contratos militares e outros do governo poderiam ser
canalizados para as mos de produtores corporativos favorecidos. O trabalho, que se
tornara cada vez mais indisciplinado, poderia ser domado e freado a servio desta nova
ordem monopolista estatal, atravs do dispositivo de promover um sindicalismo
adequadamente cooperante e trazendo os lderes sindicais dispostos para o sistema de
planejamento enquanto parceiros minoritrios.6
6
ROTHBARD, Murray. War Collectivism in World War I. In: ROTHBARD; RADOSH, Ronald (Eds.). A
New History of Leviathan: Essays on the Rise of the American Corporate State. New York: E.P. Dutton &
Co., 1972. pp. 66-7.
7
Nota do Tradutor: A National Public Radio (NPR) uma rede de rdio pblica dos Estados Unidos,
mantida por recursos pblicos e privados e por doaes dos ouvintes. Vide : https://en.wikipedia.org/wiki/
NPR. Acessado em : 10 ago. 2016
214
Cristo. a ideologia oficial do establishment da eskola pblica, cujos textos de histria
recontam lendas heroicas de um TR8 "destruidor de trustes" combatendo os "malfeitores de
grande riqueza" e da cruzada de Upton Sinclair contra os empacotadores de carne. Est
expressa em termos quase idnticos nos textos da educao domiciliar de direita que
lamentam a derrota das empresas nas mos do estado coletivista ou descrevem o New Deal
como um exemplo das massas votando a seu prprio favor s custas do tesouro pblico.
8
N. do T.: Theodore "Teddy" Roosevelt foi um estadista norte-americano, filho de Theodore Roosevelt e
Martha Bulloch. Foi o vigsimo quinto vice-presidente e o vigsimo sexto presidente dos Estados Unidos,
de 1901 a 1909. Roosevelt assumiu a presidncia aps a morte do ento titular, William McKinley, sendo
o mais jovem presidente dos Estados Unidos. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Theodore_Roosevelt.
Acessado em: 10 ago. 2016.
9
SCHLESINGER, JR, Arthur. The Age of Jackson. Boston: Houghton-Mifflin, 1946., p. 505.
10
LEVITT, Theodore. "Why Business Always Loses". Citado em: DOMHOFF, G. William. The Higher
Circles: The Governing Class in America. New York: Vintage Books, 1971. p. 157.
215
trabalhadores, seguro de sade e velhice eram apenas medidas para fortalecer e estabilizar o
capitalismo. E a nacionalizao simplesmente refletia a percepo do capitalismo de "que ele
pode realizar certas pores do processo produtivo mais eficientes atravs de seu governo do
que atravs de corporaes privadas... Algumas cabeas confusas acham que isso ser o
Socialismo, mas o capitalista sabe melhor"11. Friedrich Engels havia assumido a mesma viso
sobre a propriedade pblica:
A chave da eficincia, para a Nova Classe, era remover tanto quanto possvel da vida
do mbito da "poltica" (isto , da interferncia por parte de no profissionais) e coloc-la sob o
controle das autoridades competentes. A "democracia" foi remodelada como um ritual peridico
de legitimao, com o indivduo retornando entre eleies ao seu papel apropriado de se sentar
e ficar calado. Em virtualmente todas as reas da vida, o cidado mdio deveria ser
transformado do pequeno proprietrio autossuficiente e engenhoso de Jefferson em um cliente
de uma burocracia ou outra. O sistema educacional foi projetado para torn-lo um recipiente
passivo e facilmente administrado de "servios" de uma instituio aps a outra. Em cada rea
11
LA MONTE, Robert Rives. You and Your Vote. International Socialist Review, ano XIII, n. 2, ago.
1912.; EDITORIAL. International Socialist Review, ano XIII, no. 6, dez 1912..
12
ENGELS, Friedrich. Anti-Dhring. In: MARX, Karl; ENGELS. Collected Works. New York: International
Publishers, 1987. v. 25. p. 265.
13
WEINSTEIN, James. The Corporate Ideal in the Liberal State: 1900-1918. Boston: Beacon Press,
1968.
14
ORWELL, George. 1984. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1949, 1981. (Signet Classics). p. 169.
216
da vida, como Ivan Illich escreveu, o cidado/sdito/recurso era ensinado a "confundir processo
e substncia".
Como um corolrio deste princpio, o pblico foi ensinado a "ver medicar a si mesmo como
irresponsvel, aprender por sua prpria conta como pouco confivel e a organizao
comunitria, quando no paga por aqueles com autoridade, como uma forma de agresso ou
subverso"15.
Este fenmeno geral, em que uma matria-prima humana passiva era gerenciada por
burocracias de "servio", foi descrito por Edgar Friedenberg como "clientela conscrita".
[O gasto com a escola pblica] dinheiro gasto fornecendo bens e servios para
pessoas que no tm nenhuma voz em determinar o que estes bens e servios devem
ser ou como eles devem ser administrados; e para aqueles que no tm qualquer poder
legal de reter sua clientela se recusando a frequentar, mesmo que eles e seus pais
sintam que o que a escola fornece desagradvel ou prejudicial. A eles se fornecem
livros-texto que, ao contrrio de qualquer outra obra, da Bblia at a mais desprezvel
pornografia, nenhum homem compraria para sua satisfao pessoal. Eles no so,
precisamente, "livros comerciais"; antes, so adotados para o uso compulsrio de
centenas de milhares de outras pessoas por comits, nenhum membro dos quais teria
comprado uma nica cpia para sua prpria biblioteca.
Embora Friedenberg tratasse as escolas pblicas como o exemplo mais bvio de uma clientela
conscrita, elas no eram, de forma alguma, o nico membro dessa classe: "Em ltima anlise,
as burocracias com clientelas conscritas se tornam verdadeiras clientes umas das outras,
mutualmente dependentes para referncia de casos. Elas criam condies em um sistema que
geram clientes para outro...". Por exemplo, as escolas processam matria-prima humana a ser
assumida pelas burocracias dos "recursos humanos" da indstria privada (com a transio
15
ILLICH, Ivan. Deschooling Society. [S.l.:s.n.], 1970. p. 1-3 Disponvel em: <https://drive.google.com/
open?id=0B98Qdzsez5oHbllEdnU4NnMtUHc>. Acessado em: 26 abr. 2016.
217
tornada to imperceptvel quanto possvel pelo movimento da escola-para-o-trabalho), ou pelas
burocracias do estado de bem-estar e do complexo prisional-industrial.16
Embora a ideologia corporativa liberal esteja associada com a viso de mundo da Nova
Classe, ela tem interseces, de muitas maneiras, com aquela dos empregadores
"esclarecidos" que viam o paternalismo como uma maneira de conseguir mais dos
trabalhadores. Muito da liderana corporativa na virada do sculo
16
FRIEDENBERG, Edgar Z. The Disposal of Liberty and Other Industrial Wastes. Garden City, New
York: Anchor, 1976. pp. 2-6.
17
WILLIAMS, William Appleman. The Contours of American History. Cleveland e New York: The World
Publishing Company, 1961. p. 382.
18
H um amplo conjunto de obras histricas e de engenharia industrial sobre este tema. Vide, por
exemplo: BRAVERMAN, Harry. Labor and Monopoly Capital: The Degradation of Work in the Twentieth
Century. 25th Anniversary ed. New York: Monthly Review Press, 1998; LAZONICK, William. Business
Organization and the Myth of the Market Economy. New York: Cambridge University Press, 1991;
LAZONICK. Competitive Advantage on the Shop Floor. New York: Cambridge University Press, 1990;
MARGLIN, Steven A. What Do Bosses Do? The Origins and Functions of Hierarchy in Capitalist
Production--Part I. Review of Radical Political Economics, vol. 6, n. 2, vero 1974; MONTGOMERY,
David. The Fall of the House of Labor. New York: Cambridge University Press, 1979; MONTGOMERY.
Workers' Control in America. New York: Cambridge University Press, 1979; NOBLE, David. America by
Design: Science, Technology, and the Rise of Corporate Capitalism. New York: Alfred A. Knopf, 1977;
NOBLE. Forces of Production: A Social History of Industrial Automation. New York: Alfred A. Knopf, 1984.
19
Vide WEINSTEIN. The Corporate Ideal in the Liberal State: 1900-1918. Boston: Beacon Press, 1968..
20
NOBLE. America by Design, p. 181.
218
Os intelectuais da Nova Classe, a despeito de seu papel proeminente em formular a
ideologia, foram cooptados como scios decididamente minoritrios da elite corporativa. Como
Hilaire Belloc e William English Walling perceberam, "Progressistas" e Fabianos valorizavam a
arregimentao e o controle centralizado muito mais do que seus projetos econmicos
alegadamente "socialistas". Eles reconheciam, em sua maior parte, que a expropriao dos
capitalistas era impossvel no mundo real. Os grandes capitalistas, por sua vez, reconheciam o
valor do bem-estar e do estado regulatrio para manter a estabilidade e o controle sociais e
para tornar possvel a extrao poltica de lucros em nome de valores igualitrios. O resultado
foi uma barganha do diabo atravs da qual se garantiu classe trabalhadora um nvel mnimo
de conforto e segurana, em troca do qual se permitiu que as grandes corporaes extrassem
lucros atravs do estado. Sobre o intelectual "Progressista", Belloc escreveu:
A Nova Classe, seu apetite por poder saciado com pequenos despotismos nos
departamentos de educao e de servios humanitrios, foi colocada para trabalhar em sua
misso primria de cartelizar a economia para o lucro da classe corporativa dominante. Sua
retrica "populista" foi aproveitada para vender o capitalismo de estado para as massas. Esses
brutamontes superstrudos serviram admiravelmente a seus mestres na capacidade de idiotas
teis.
Mas quaisquer que sejam as motivaes "idealistas" dos prprios engenheiros sociais,
seu programa foi implementado na medida em que avanava os interesses materiais do capital
monopolista. Kolko usava o termo "capitalismo poltico" para descrever os objetivos gerais das
grandes empresas, perseguidos atravs do estado "Progressista":
21
BELLOC, Hilaire. The Servile State. Indianapolis: Liberty Classics, 1913, 1977. pp. 146-7.
219
previsvel e seguro, permitindo lucros razoveis no longo prazo.22
Da virada do sculo XX em diante, houve uma srie de tentativas por parte de lderes
corporativos de se criar alguma estrutura institucional atravs da qual a competio de preos
pudesse ser regulamentada e suas respectivas fatias de mercado estabilizadas. "Foi ento",
escreveu Paul Sweezy,
22
KOLKO, Gabriel. The Triumph of Conservatism: A Reinterpretation of American History 1900-1916.
New York: The Free Press of Glencoe, 1963. p. 3.
23
SWEEZY, Paul M. Competition and Monopoly. Monthly Review, vol. 33, n. 1, pp. 1-16, mai. 1981. pp.
1-16.
24
KOLKO. Triumph of Conservatism, p. 5.
25
N. do T.: O Federal Trade Commission Act de 1914 (FTC Act) estabeleceu a Federal Trade
Commission (FTC). O ato, aprovado como lei por Woodrow Wilson em 1913, probe mtodos de
concorrncia desleal e atos ou prticas desleais que afetem o comrcio. A lei tambm cria a Federal
Trade Commission, um conselho de cinco membros, para regular prticas de negcio questionveis.
Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Federal_Trade_Commission_Act. Acessado em: 10 ago. 2016.
26
N. do T.: O Clayton Antitrust Act de 1914, era uma parte da lei antitruste dos Estados Unidos, com o
objetivo de agregar ainda mais substncia ao regime lei antitruste dos EUA; o Clayton Act procurou
impedir prticas anti-concorrenciais na sua incipincia. Esse regime comeou com o Sherman Antitrust
Act de 1890, a primeira lei federal que proibiu prticas consideradas prejudiciais para os consumidores
(monoplios, cartis e trustes). O Clayton Act especificava um determinado comportamento proibido, o
esquema de execuo de trs nveis, as isenes e as medidas corretivas. Vide: https://en.wikipedia.org/
wiki/Clayton_Antitrust_Act. Acessado em: 10 ago. 2016.
220
As provises das novas leis, atacando concorrentes desleais e a discriminao de
preos, significaram que o governo agora tornaria possvel que muitas associaes
comerciais estabilizassem, pela primeira vez, os preos dentro de suas indstrias e
fizessem do oligoplio efetivo uma nova fase da economia.27
A Federal Trade Commission criou uma atmosfera hospitaleira para as associaes comerciais
e seus esforos para impedir o corte de preos.28 Os dois textos legislativos conseguiram o que
os trustes haviam sido incapazes de fazer: eles permitiram que um punhado de firmas em cada
indstria estabilizasse sua fatia de mercado e mantivesse uma estrutura oligopolista entre si.
Este padro oligopolista se manteve estvel desde ento.
Foi durante a guerra [isto , a Primeira Guerra Mundial] que um oligoplio funcional
efetivo e acordos de preo e de mercado se tornaram operacionais nos setores
dominantes da economia americana. A rpida difuso de poder na economia e a
entrada relativamente fcil [isto , as condies que o movimento de truste falhou em
suprimir] virtualmente cessaram. Apesar da interrupo de novas promulgaes
legislativas importantes, a unio das empresas com o governo federal continuou por
toda a dcada de 1920 e da em diante, usando as bases estabelecidas na Era
Progressista para estabilizar e consolidar as condies dentro de vrias indstrias. E,
sobre as mesmas bases progressistas e explorando a experincia com as agncias de
guerra, Herbert Hoover e Franklin Roosevelt mais tarde formularam programas para
salvar o capitalismo americano. O princpio de utilizao do governo federal para
estabilizar a economia, estabelecido no contexto do industrialismo moderno durante a
Era Progressista, se tornou a base do capitalismo poltico em suas muitas ramificaes
posteriores.29
27
Ibid., p. 268.
28
Ibid., p. 275.
29
Ibid., p. 287.
221
dos rendimentos garantidos igualmente a todas as firmas no mercado. Quer seja atravs de
regulamentaes ou de subsdios estatais diretos a vrias formas de acumulao, as
corporaes agem atravs do estado para realizar algumas atividades conjuntamente e para
restringir a concorrncia a reas selecionadas.
E Kolko forneceu evidncias abundantes de que a principal fora por trs de toda esta
agenda legislativa foram as grandes empresas. O Meat Inspection Act30, por exemplo, foi
aprovado primariamente a mando dos grandes empacotadores de carne. Na dcada de 1880,
escndalos repetidos envolvendo carne contaminada haviam resultado em firmas dos EUA
sendo excludas de diversos mercados europeus. Os grandes empacotadores de carne se
voltaram para o governo dos EUA para conduzir inspees na carne exportada. Ao realizar
esta funo conjuntamente, atravs do estado, eles removeram a inspeo de qualidade
enquanto uma questo concorrencial entre si, e o governo dos EUA forneceu um selo de
aprovao de forma muito similar que uma associao comercial faria - mas s custas
pblicas. O problema com este regime inicial de inspeo era que apenas os maiores
empacotadores estavam envolvidos no comrcio de exportao; inspees obrigatrias,
portanto, deram uma vantagem competitiva para as pequenas firmas que supriam apenas o
mercado domstico. O principal efeito do Meat Inspection Act de Roosevelt foi trazer os
pequenos empacotadores para dentro do regime de inspeo e, assim, acabar com a
incapacidade competitiva que ele impunha sobre as grandes firmas. Upton Sinclair serviu
simplesmente como um figurante involuntrio para a indstria de empacotamento de carne. 31
Este padro se repetiu, em sua forma essencial, em virtualmente todos os componentes da
agenda regulatria "Progressista".
O mesmo lema reaparece no New Deal32. O cerne de apoio das empresas ao New Deal
eram, como Ronald Radosh descreveu, "importantes grandes empresrios moderados e
advogados com mentalidade liberal de grandes empresas corporativas"33. Thomas Ferguson e
Joel Rogers os descreveram, mais especificamente, como "um novo bloco de poder de
indstrias capital-intensivas, bancos de investimento e bancos comerciais internacionalmente
30
O Federal Meat Inspection Act (FMIA) de 1906 um Ato do Congresso dos Estados que opera para
evitar que carnes e produtos derivados adulterados ou mal rotulados sejam vendidos como alimento e
para garantir que as carnes e produtos derivados so abatidos e processados sob condies sanitrias.
Estes requisitos tambm se aplicam a produtos de carne importados, que devem ser inspecionados de
acordo com padres estrangeiros equivalentes. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Federal_Meat_Inspection _Act. Acessado em: 10 ago. 2016.
31
Ibid., pp. 98-108.
32
N. do T.: O New Deal (cuja traduo literal em portugus seria "novo acordo" ou "novo trato") foi o
nome dado srie de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governo
do Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-
americana, e assistir os prejudicados pela Grande Depresso. O nome dessa srie de programas foi
inspirado no Square Deal, nome dado pelo anterior Presidente Theodore Roosevelt sua poltica
econmica. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/New_Deal. Acessado em: 10 ago. 2016.
33
RADOSH, Ronald. The Myth of the New Deal. In: ROTHBARD; RADOSH (Eds.). A New History of
Leviathan: Essays on the Rise of the American Corporate State. New York: E.P. Dutton & Co., 1972. pp.
154-5.
222
orientados"34.
O trabalho era uma parte relativamente menor do pacote total de custos de tais
empresas; ao mesmo tempo, a indstria capital-intensiva, como Galbraith apontou em sua
anlise da "tecnoestrutura", dependia da estabilidade e da previsibilidade de longo prazo para
planejar a produo de alta tecnologia. Portanto, esse segmento de grandes empresas estava
disposto a trocar salrios mais altos pela paz social no local de trabalho.35 As razes desta
faco podem ser traadas aos empregadores relativamente "progressistas" descritos por
James Weinstein em seu relato sobre a National Civic Federation36 na virada do sculo, que
estavam dispostos a participar de negociaes coletivas sobre salrios e condies de
trabalho, em troca de controle administrativo incontestvel do local de trabalho.37
34
FERGUSON, Thomas; ROGERS, Joel. Right Turn. New York: Hill and Wang, 1986. p. 46; esta linha
de anlise mais intensivamente perseguida em FERGUSON, Thomas. Golden Rule: The Investment
Theory of Party Competition and the Logic of Money-Driven Political Systems. Chicago: University of
Chicago Press, 1995.
35
FERGUSON. Golden Rule, p. 117 e seq.; GALBRAITH, John Kenneth. The New Industrial State. New
York: Signet Books, 1967. pp. 25-37, 258-9, 274, 287-9.
36
N. do T.: A National Civic Federation (Federao Cvica Nacional, em portugus) era uma organizao
econmica norte-americana fundada em 1900, que congregava representantes eleitos do grande capital
e do trabalho organizado, bem como defensores dos consumidores, numa tentativa de amenizar os
conflitos laborais. Favoreceu a reforma progressista moderada e procurou resolver litgios que surgiam
entre a indstria e o trabalho organizado. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/National_Civic_Federation.
Acessado em: 10 ago. 2016.
37
WEINSTEIN. Corporate Ideal in the Liberal State, esp. os dois primeiros captulos.
38
MONTGOMERY. Workers Control in America, pp. 49-57.
39
N. do T.: O National Labor Relations Act de 1935 (tambm conhecido como Wagner Act, em referncia
ao Senador por Nova Iorque Robert F. Wagner) um estatuto fundamental do direito trabalhista dos
Estados Unidos, que garante direitos bsicos dos trabalhadores do setor privado de organizao em
sindicatos, de negociao coletiva por melhores condies de trabalho e de ao coletiva, incluindo
greve, se necessrio. A lei tambm criou o Conselho Nacional de Relaes do Trabalho (National Labor
Relations Board, NLRB), que realiza eleies que podem exigir que os empregadores se envolvam em
negociao coletiva com os sindicatos. A lei no se aplica aos trabalhadores que esto abrangidos pelo
Railway Labor Act, empregados agrcolas, empregados domsticos, supervisores, trabalhadores do
governo federal, estadual ou local, contratantes independentes e alguns parentes prximos dos
empregadores individuais. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/National_Labor_Relations_Act. Acessado
em: 10 ago. 2016.
223
pudesse lidar. Uma das razes para a popularidade dos "sindicatos da empresa" entre as
grandes corporaes, alm das bvias vantagens na maleabilidade, era o fato de que eles
eram uma alternativa srie de sindicatos de ofcio da AFL40. Mesmo em termos de
maleabilidade, os sindicatos industriais dos anos trinta tinham algumas das vantagens dos
sindicatos da empresa. Ao colocar a negociao coletiva sob a gide da legislao trabalhista
federal, a administrao corporativa foi capaz de usar a liderana sindical para disciplinar seu
prprio operariado e de usar as cortes federais como um mecanismo de execuo.
40
N. do T.: A American Federation of Labor (AFL, Federao Americana do Trabalho) foi uma federao
nacional de sindicatos nos Estados Unidos. Foi fundada em Columbus, Ohio, em maio de 1886 por uma
aliana de sindicatos de ofcio descontentes com os Knights of Labor (Cavaleiros do Trabalho), uma
associao trabalhista nacional. A AFL foi o maior agrupamento de sindicatos nos Estados Unidos na
primeira metade do sculo XX, mesmo aps a criao do Congresso de Organizaes Industriais (CIO,
Congress of Industrial Organizations) por sindicatos que foram expulsos pela AFL em 1935, por causa de
oposio dela ao sindicalismo industrial. Ao passo a Federao tenha sido fundada e dominada por
sindicatos de ofcio ao longo dos primeiros cinquenta anos da sua existncia, muitos de seus sindicatos
de ofcio filiados voltaram-se para a organizao com base em sindicatos industriais para enfrentar o
desafio da CIO na dcada de 1940. Em 1955, a AFL fundiu-se com seu rival de longa data, o Congresso
de Organizaes Industriais, para formar a AFL-CIO, uma federao que permanece em vigor at hoje.
Juntamente com a nova unio, a AFL compreende a mais duradoura e mais influente federao
trabalhista nos Estados Unidos. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/American_Federation_of_Labor.
Acessado em: 10 ago. 2016.
41
N. do T.: O Congress of Industrial Organizations (CIO, Congresso das Organizaes Industriais), era
uma federao de sindicatos que organizava os trabalhadores em sindicatos industriais nos Estados
Unidos e no Canad de 1935 a 1955. O CIO foi fundada em 9 de novembro de 1935, por oito sindicatos
internacionais pertencentes American Federation of Labour. O CIO no conseguiu mudar a poltica
AFL a partir de dentro. Em 10 de setembro de 1936, a AFL suspendeu todos os 10 sindicatos do CIO
(mais dois haviam se juntado no ano anterior). Tanto o CIO quanto sua rival AFL cresceram rapidamente
durante a Grande Depresso. A rivalidade pelo domnio era amarga e por vezes violenta. O CIO apoiou
Franklin D. Roosevelt e a Coalizao do New Deal e estava aberto aos afro-americanos. O CIO se fundiu
novamente com a Federao Americana do Trabalho para formar a AFL-CIO em 1955. Vide:
https://en.wikipedia.org/ wiki/Congress_of_Industrial_Organizations. Acessado em: 10 ago. 2016.
42
RADOSH. "The Myth of the New Deal", pp. 178-9, 181.
224
(Para no mencionar o grande contingente de trabalhadores no qualificados e
lumpenproletariados sem alavancagem de negociao contra as classes empregadoras). E os
ingleses descobriram que firmas em uma posio de oligoplio, com uma demanda
relativamente inelstica, eram capazes de passar os custos aumentados do trabalho para o
consumidor virtualmente sem quaisquer custos para si mesmas.43
O Wagner Act serviu a propsitos centrais da elite corporativa. Em alguma medida ele
foi uma resposta presso das massas, vinda de baixo. Mas a deciso sobre se e como
responder, a forma da resposta e a implementao da resposta, todas estavam firmemente nas
mos da elite corporativa. De acordo com Domhoff (escrevendo em The Higher Circles), "Os
benefcios para o capital foram diversos: maior eficincia e produtividade do trabalho, menos
rotatividade do trabalho, o disciplinamento da fora de trabalho pelos sindicatos trabalhistas, a
possibilidade de planejar os custos do trabalho no longo prazo e o amortecimento das doutrinas
radicais"44. James O'Connor descreveu desta maneira: "Do ponto de vista do capital
monopolista, a principal funo dos sindicatos era... inibir atividades disruptivas e espontneas
do operariado (por exemplo, greves violentas e desaceleramentos) e manter a disciplina
trabalhista em geral. Em outras palavras, os sindicatos eram... os garantidores da 'prerrogativas
administrativas'"45. Os objetivos de estabilidade e produtividade tinham maior probabilidade de
serem atingidos por tal compacto social Taylorista limitado do que por um retorno violncia
trabalhista e represso estatal do final do sculo XIX.
Em The Power Elite and the State, Domhoff apresentou uma tese ligeiramente mais
matizada.46 Era verdade, ele admitia, que uma maioria das grandes corporaes se ops ao
Wagner Act, da forma em que ele foi de fato apresentado. Mas os princpios bsicos da
negociao coletiva incorporados nele haviam sido o resultado de dcadas de teoria e prtica
corporativa liberal, trabalhado atravs de redes polticas em que grandes corporaes
"progressistas" haviam desempenhado um papel de liderana; a National Civic Federation,
conforme Weinstein descreveu sua carreira, foi um tpico exemplo de tais redes. Os motivos
daqueles na administrao Roosevelt que moldaram o Wagner Act estavam de fato de acordo
com a convencionalidade do liberalismo corporativo. Embora eles possam ter sido
ambivalentes sobre a forma especfica da legislao trabalhista de FDR47, Swope e seus
companheiros corporativos de viagem desempenharam o principal papel na formulao dos
princpios por trs dela. O que quer que lderes empresariais individuais pensassem do
Wagner, ele foi elaborado por advogados corporativos mainstream que eram produtos do clima
43
DOMHOFF. Higher Circles, p. 223.
44
Ibid., p. 225.
45
OCONNOR, James. Fiscal Crisis of the State. New York: St. Martin's Press, 1973. p. 23.
46
DOMHOFF. The Power Elite and the State: How Policy is Made in America. New York: Aldine de
Gruyter, 1990. pp. 65-105.
47
N. do T.: Franklin Delano Roosevelt foi o 32. presidente dos Estados Unidos (1933-1945), cumpriu
quatro mandatos e morreu durante o ltimo. Do Partido Democrata, foi o primeiro presidente a conseguir
mais de dois mandatos e ser o nico devido 22. emenda, que limita o nmero de mandatos
consecutivos a dois. Durante sua estadia na Casa Branca, teve de enfrentar o perodo da Grande
Depresso e a Segunda Guerra Mundial. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Franklin_Delano_Roosevelt.
Acessado em: 10 ago. 2016.
225
ideolgico criado por aqueles mesmos lderes empresariais; e ele foi elaborado tendo em vista
seus interesses. Embora ele no tenha sido aceito pelas grandes empresas como um todo, ele
foi em grande parte a criao de representantes dos interesses das grandes empresas, cujo
entendimento do propsito do ato foi em grande parte o mesmo daqueles delineados na citao
de Domhoff acima de The Higher Circles. E, embora ele tenha sido projetado para conter a
ameaa ao poder da classe trabalhadora, ele gozou de amplo apoio da classe trabalhadora
como o melhor negcio que tinham probabilidade de conseguir. Finalmente, o segmento sulista
da classe dominante estava disposto a acompanh-lo porque ele eximia especificamente os
trabalhadores agrcolas.
A relevncia desta linha de anlise para a Amrica pode ser vista com um olhar
superficial para a resposta de Cleveland49 greve na Pullman, o Railway Labor Relations Act50
48
BUKHARIN, Nikolai. Imperialism and World Economy. [S.l]: International Publishers, 1929[1915-1917].
Disponvel em <http://www.marxists.org/archive/bukharin/works/1917/imperial/>. Acessado em: 28 out.
2003.
49
N. do T.: Stephen Grover Cleveland foi o 22 e o 24 presidente dos Estados Unidos. Cleveland foi o
lder do grupo Democratas do Bourbon, que se opunham s altas tarifas, Prata Livre, inflao, ao
imperialismo e aos subsdios para os negcios, fazendeiros ou veteranos de guerra. Suas batalhas por
reformas polticas e conservadorismo fiscal lhe transformaram no cone dos conservadores norte-
americanos da poca. Cleveland foi elogiado por sua honestidade, independncia, integridade e
comprometimento com os princpios do liberalismo clssico. Ele lutou fortemente contra corrupo
poltica, clientelismo e caciquismo. Sua interveno na Greve da Pullman em 1894 para manter as
ferrovias funcionando enfureceu vrios trabalhadores por todo o pas e o partido em Illinois; seu apoio ao
padro-ouro e oposio Prata Livre deixou a ala agrria do Partido Democrata alienada. Alm disso,
crticos reclamaram que ele no tinha imaginao e parecia oprimido pelos desastres econmicos
depresses e greves que assolavam a nao durante seu segundo mandato. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Grover_Cleveland. Acessado em: 10 ago. 2016.
50
N. do T.: O Railway Labor Act (Lei do Trabalho Ferrovirio) uma lei federal dos Estados Unidos que
rege as relaes de trabalho nas indstrias de estradas de ferro e companhias areas. A lei, aprovada
em 1926 e alterada em 1934 e 1936, visa substituir as greves por negociao, arbitragem e mediao
226
e o Taft-Hartley51 (que, nas palavras de James O'Connor, "inclua uma proibio a boicotes
secundrios e, consequentemente, tentava 'ilegalizar' a solidariedade de classe..."52), e as
ameaas de Truman e Bush de usar soldados como fura-greves, respectivamente, nas greves
dos metalrgicos e dos estivadores.
O Social Security Act53 foi a outra parte principal da agenda do New Deal. Em The
Higher Circles, Domhoff descreveu seu funcionamento numa linguagem muito similar de sua
caracterizao do Wagner Act. Seu resultado mais importante
do ponto de vista da elite do poder, foi uma restabilizao do sistema. Ele colocou um
piso sob a demanda do consumidor, elevou as expectativas das pessoas para o futuro e
dirigiu as energias polticas de volta para os canais convencionais... A distribuio de
riqueza no mudou, o poder de tomada de deciso permaneceu nas mos dos lderes
da classe superior, e os princpios bsicos que envolviam o conflito foram estabelecidos
por membros moderados da elite do poder.54
Em sua obra posterior The Power Elite and the State, Domhoff empreendeu uma anlise muito
mais minuciosa, com uma reviso da literatura de seus crticos Marxistas estruturalistas, que
essencialmente verificava sua posio anterior.55
227
Frances Piven e Richard Cloward, serviu a uma funo similar quela da Segurana Social: ele
atenuou o perigo do radicalismo poltico de massa resultante da falta de moradia e da fome.
Alm disso, tambm forneceu controle social ao colocar a classe inferior sob a superviso de
um exrcito de assistentes sociais e assistentes de bem-estar intrusivos e paternalistas.57 E,
assim como a Segurana Social, colocou um piso sob a demanda agregada.
Hilaire Belloc especulou que a servido industrial, em seu Estado Servil, s seria
Sociedade se expandiram sob as administraes dos presidentes republicanos Richard Nixon e Gerald
Ford. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Great_Society. Acessado em: 11 ago. 2016.
57
PIVEN, Frances Fox; CLOWARD, Richard. Regulating the Poor. New York: Vintage Books, 1971,
1993.
58
TOLSTOY, Leo. "Parable". Disponvel em:
<http://socialismoryourmoneyback.blogspot.com.br/2009/03/ parable-by-leo-tolstoy_16.html>. Acessado
em: 10 fev. 2016.
228
estvel se o Estado sujeitasse a subclasse no empregvel a um tratamento "corretivo" em
campos de trabalho forado e forasse todos, mesmo os marginalmente empregveis, a um
emprego, como um impedimento ao parasitismo deliberado e simulao de doena. A
sociedade iria "se encontrar" sob a "necessidade",
uma vez que o princpio do salrio mnimo for concedido, associado ao princpio de
suficincia e segurana, de controlar aqueles a quem o salrio mnimo exclui da rea de
emprego normal.59
Esta sociedade seria organizada sobre o padro do estado de bem-estar social esqulido e
decadente de Anthony Burgess, no qual "todo mundo que no for uma criana ou no estiver
com uma criana deve estar empregado". Mas a especulao de Belloc no foi intil; uma vez
que Fabianos como os Webbs e H.G. Wells haviam proposto justamente tais campos de
trabalho para a classe inferior em sua utopia paternalista.60
Embora ainda estejamos longe de uma exigncia formal de se estar empregado ou ser
sujeito a trabalho corretivo pelo Estado, uma srie de polticas interrelacionadas do Estado tm
essa tendncia. Por exemplo, a imposio de seguro desemprego compulsrio, com o Estado
como um rbitro de quando se qualifica para receb-lo:
Um homem foi compelido pela lei a reservar somas de seus salrios como seguro
contra o desemprego. Mas ele no mais o juiz de como tais somas devem ser usadas.
Elas no esto em sua posse.... Elas esto nas mos de um oficial do governo. "Eis
aqui trabalho oferecido a voc a vinte e cinco xelins por semana. Se voc no o aceitar,
voc certamente no ter direito ao dinheiro que voc foi compelido a reservar. Se voc
o aceitar, a soma ainda ficar a seu crdito e da prxima vez que, em meu julgamento,
seu desemprego no for devido sua teimosia e sua recusa a trabalhar, eu lhe
permitirei receber um pouco de seu dinheiro: caso contrrio, no."61
Ainda outra medida com esta tendncia o "workfare"62, junto com subsdios aos
empregadores que contratam a classe inferior como trabalho servial. Leis de vadiagem e
restries legais a servios de lotao, abrigos temporrios autoconstrudos, etc. servem para
reduzir a gama de opes para subsistncia independente. E, finalmente, o complexo prisional-
industrial, enquanto "empregador" para quase metade de seus "clientes", culpados apenas de
transaes consensuais de mercado, , com efeito, um campo de trabalho forado absorvendo
um grande segmento da classe inferior.
59
BELLOC. Servile State, p. 189.
60
MCCARTHY, John P. Hilaire Belloc: Edwardian Radical. Indianapolis: Liberty Press, 1978., cap. 6.
61
BELLOC. Servile State, p. 190-1.
62
N. do T.: workfare um sistema de bem-estar que requer que quem recebe benefcios execute
algum trabalho ou participe de capacitao para o trabalho.
229
descrito como "keynesianismo militar" ou uma "economia permanente de guerra". Um primeiro
passo para perceber a escala monumental do efeito da economia de guerra considerar que o
valor total de fbricas e equipamento nos Estados Unidos aumentou em cerca de dois-teros
(de US$40 para US$60 bilhes) entre 1939 e 1945, a maior parte dele um "presente" do
pagador de impostos, em fundos de investimento forados, fornecidos s maiores corporaes
do pas.63 O lucro estava virtualmente garantido na produo de guerra atravs de contratos de
"custo acrescido".64 Alm disso, 67% do gasto federal em P&D foi canalizado atravs dos 68
maiores laboratrios privados (40% disso aos dez maiores), com as patentes resultantes sendo
entregues s companhias que realizavam a pesquisa sob contrato do governo.65
63
MILLS, C. Wright. The Power Elite. Oxford e New York: Oxford University Press, 2000 (1956). p. 101.
64
EAKINS, David W. Business Planners and America's Postwar Expansion. In: HOROWITZ, David (Ed.).
Corporations and the Cold War. New York e London: Monthly Review Press, 1969. p. 148.
65
DOMHOFF. Who Rules America?. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1967. p. 121.
66
KOFSKY, Frank. Harry Truman and the War Scare of 1948. New York: St. Martin's Press, 1993.
67
NATHANSON, Charles E. The Militarization of the American Economy. In: HOROWITZ, David (Ed.).
Corporations and the Cold War. New York e London: Monthly Review Press, 1969. p. 214.
68
NOBLE. America by Design, p. 6-7.
69
N. do T.: O Mutual Defense Assistance Act foi um ato do Congresso dos Estados Unidos assinado
pelo presidente Harry S. Truman, em 6 de outubro de 1949. Para a poltica externa americana, foi a
primeira legislao de ajuda externa militar dos EUA da era da Guerra Fria, inicialmente para a Europa.
O Ato seguiu a assinatura de Truman do Economic Cooperation Act (Plano Marshall), em 3 de abril de
1948, que previa a reconstruo econmica no militar e auxlio ao desenvolvimento da Europa.
Conforme a Guerra Fria se desenvolvia, estes atos faziam parte da poltica americana de conteno do
comunismo. Eles forneceram de maneira importante assistncia em defesa a qualquer aliado que
pudesse ser atacado pela Unio Sovitica ou por um de seus aliados, enquanto outros programas
230
tentado enfatizar a frao relativamente pequena da produo total representada pelos bens
militares, faz mais sentido comparar o volume das aquisies militares quantidade de
capacidade ociosa. Os ciclos de produo militares que equivalem a uma percentagem menor
da produo total poderiam absorver uma grande parte do excesso total de capacidade de
produo e ter um efeito enorme sobre a reduo dos custos unitrios. Alm disso, a taxa de
lucro sobre contratos militares tende a ser um bocado maior, dado o fato de que bens militares
no tm qualquer preo "padro" de mercado e o fato de que os preos so estabelecidos por
meios polticos (como escndalos peridicos no Pentgono deveriam nos informar).70
Mas a importncia do estado como comprador era eclipsada por seu relacionamento
com os prprios produtores, como Charles Nathanson apontou. O processo de pesquisa e
desenvolvimento foi fortemente militarizado pelo "complexo militar-P&D" da Guerra Fria. A P&D
militar frequentemente resulta em tecnologias bsicas de uso geral com amplas aplicaes
civis. Tecnologias originalmente desenvolvidas para o Pentgono frequentemente se tornaram
a base para categorias inteiras de bens de consumo.71 O efeito geral foi "[eliminar]
substancialmente a principal rea de risco do capitalismo: o desenvolvimento e a
experimentao de novos processos de produo e de novos produtos"72.
231
Seymour Melman descreveu a "economia permanente de guerra" como uma economia
privada planejada centralmente que inclua a maior parte das indstrias de manufatura pesada
e de alta tecnologia. Esta "economia controlada pelo estado" era embasada nos princpios de
"maximizao de custos e subsdios governamentais"75.
Ela pode recorrer verba federal para capital virtualmente ilimitado. Ela opera em um
mercado isolado e monopolista que torna as firmas capitalistas de estado, isolada ou
conjuntamente, impermeveis inflao, ao fraco desempenho de produtividade, ao
fraco projeto de produto e ao fraco gerenciamento da produo. O padro de subsdio
tornou as firmas capitalistas de estado prova de falhas. Esse o substituto capitalista
de estado para os clssicos mecanismos autocorretivos da firma competitiva,
minimizadora de custos e maximizadora de lucros.76
75
MELMAN, Seymour. The Permanent War Economy: American Capitalism in Decline. New York: Simon
and Schuster, 1974. p. 11.
76
Ibid, p. 21.
232
habilmente descrito pela escola da "elite do poder" de sociologia, particularmente C. Wright
Mills e G. William Domhoff.
De acordo com Mills, a classe capitalista no foi suplantada por uma "revoluo
gerencialista", como James Burnham alegara; mas a estrutura da elite foi ainda mais
profundamente afetada pela revoluo corporativa. A plutocracia deixou de ser uma "classe"
social no sentido descrito por Marx: uma formao social autnoma ou massa amorfa de
famlias ricas, perpetuada largamente atravs de linhas familiares de transmisso e de laos
sociais informais, com seus elos organizacionais de propriedade de firmas claramente
secundrios sua existncia no mbito "social". A plutocracia no era mais apenas algumas
centenas de famlias ricas que ocorriam de investir seu antigo dinheiro em uma firma ou outra.
Antes, Mills a descrevia como "a reorganizao gerencial das classes proprietrias dentro do
estrato mais ou menos unificado dos ricos corporativos"77. Em vez de uma coleo amorfa de
famlias ricas, nas quais as reinvindicaes legais a um rendimento da propriedade eram a
caracterstica definidora, a classe dominante veio a ser definida pela estrutura organizacional
atravs da qual ela ganhava sua riqueza. Era por causa desta nova importncia das formas
institucionais da estrutura do poder que Mills preferia o termo "elite do poder" a "classe
dominante": "'Classe' um termo econmico; 'domnio', um poltico. A frase, 'classe dominante',
assim, contm a teoria de que uma classe econmica domina politicamente"78.
Domhoff, que reteve mais da ideia Marxista tradicional de classe do que o fez Mill,
descreveu a situaes desta maneira:
A classe superior, como um todo, no faz o domnio. Em vez disso, o domnio de classe
manifestado atravs das atividades de uma ampla variedade de organizaes e
instituies. Estas organizaes e instituies so financiadas e dirigidas por aqueles
membros da classe superior que tm o interesse e a capacidade de se envolverem na
proteo e no reforo da posio social privilegiada de sua classe. Lderes dentro da
classe superior se juntam a empregados de alto nvel nas organizaes que controlam
para constituir o que ser chamado de elite do poder. Esta elite do poder o grupo de
liderana da classe superior como um todo, mas no a mesma coisa que a classe
superior, pois nem todos os membros da classe superior so membros da elite do poder
e nem todos os membros da elite do poder so parte da classe superior. So membros
da elite do poder que tomam parte nos processos que mantm a estrutura de classe.79
Ao passo que Mills virtualmente substituiu a ideia tradicional de uma classe dominante por
aquela da transcendente elite do poder, Domhoff via a elite do poder como um brao de ao
da classe superior; este brao de ao incorporava tanto elementos da prpria classe superior,
que eram ativos nas empresas e no governo, quanto seus servos gerenciais.80
77
MILLS. Power Elite, p. 147.
78
Ibid., p. 277 (nota).
79
DOMHOFF. Who Rules America Now? Prospect Heights, Illinois: Waveland Press, 1983, 1997. p. 2.
80
DOMHOFF. Who Rules America?, pp. 9-10.
233
Numa linguagem bastante similar quela de Domhoff, Martin Sklar descreveu a
"reconstruo corporativa do capitalismo americano", da maneira em que ela afetava a
natureza da classe dominante, assim:
A teoria da elite do poder de Mills e Domhoff havia sido antecipada, de muitas maneiras,
por Bukharin. Ele escreveu, em linguagem que prefigurava Mills, sobre as elites corporativa e
estatal que se interseccionavam:
Em uma passagem que poderia ter sido escrita por Mills, Burkharin descreveu a rotao
81
SKLAR. Corporate Reconstruction of American Capitalism, p. 27.
82
MILLS. Power Elite, pp. 118-146; vide tambm material sobre a socializao corporativa em DUGGER,
William M. Corporate Hegemony. Westport, Connecticut: Greenwood Press, 1989.
83
MILLS. Power Elite, pp. 147-70.
84
BUKHARIN. Imperialism and World Economy, cap. XI.
234
de pessoal entre escritrios "privados" e "pblicos" do diretrio entrelaado das burocracias
estatal e capitalista:
A burguesia no perde nada em mudar a produo de uma de suas mos para a outra,
uma vez que o poder estatal atual contemporneo no nada alm de uma companhia
de empreendedores de um tremendo poder, encabeada inclusive pelas mesmas
pessoas que ocupam as posies de liderana nos escritrios bancrios e sindicais.85
Embora os Marxistas estruturalistas tenham criado uma dicotomia artificial entre sua
posio e aquela dos elitistas institucionais como Mill e Domhoff87, eles esto inteiramente
corretos em apontar que a liderana poltica no tem que estar sujeita, de qualquer maneira
grosseira, ao controle corporativo. Em vez disso, a prpria estrutura da economia corporativa e
as situaes que ela cria compelem a liderana a promover os interesses corporativos por uma
percebida "necessidade objetiva". Dados no apenas o pano de fundo e as suposies da elite
poltica, mas tambm a dependncia da estabilidade poltica sobre a econmica, as polticas
que estabilizam a economia corporativa e garantem canais de venda e lucros estveis so as
nicas alternativas imaginveis. E, independente de quo "progressistas" sejam as metas
ostensivas do estado regulatrio, o imperativo organizacional far dos gerentes e diretores da
economia corporativa a principal fonte dos dados processados e da especializao tcnica de
que os legisladores dependem.
85
Ibid., cap. XIII.
86
Mills, Power Elite, 285.
87
Para um excelente resumo das diferenas dos estruturalistas para os liberais corporativos e tericos
da elite, vide DOMHOFF. Power Elite and the State, op. cit., pp. 1-44. O resto do livro uma srie de
estudos de caso, com revises da literatura de interpretaes estruturalistas e autonomistas do estado,
da maioria das iniciativas regulatrias do sculo XX.
235
O controle do pblico sobre a estrutura geral do sistema, alm disso, est severamente
restringido pelo fato de que as pessoas que trabalham dentro do aparato corporativo e estatal
inevitavelmente tm uma vantagem em tempo, informao, capacidade de ateno e controle
de agenda sobre os teoricamente "soberanos" de fora, em cujo nome elas agem. Os prprios
rgos de reproduo cultural - o sistema escolar estatista, a imprensa corporativa, etc. -
moldam o entendimento de "senso comum" do pblico sobre o que possvel e sobre o que
deve ser relegado s trevas exteriores do "extremismo". Enquanto correspondentes
internacionais de agncias e redes de notcias escreverem suas cpias em quartos de hotel a
partir de comunicados do governo, e metade das polegadas de colunas nos jornais forem
geradas por departamentos de relaes pblicas governamentais e corporativos, o
entendimento "moderado" estar sempre condicionado pela cultural institucional.
Ao fazer uso do modelo de "Elite do Poder" de Mills e Domhoff, deve-se estar preparado
para enfrentar as inevitveis acusaes de "conspiracionista" de certos quadrantes. A teoria da
Elite do Poder, apesar de uma semelhana superficial com algumas teorias da conspirao
direitistas, tem diferenas chaves delas. As ltimas tomam como fora motriz primria da
histria sectos pessoais unidos em torno de alguma ideologia esotrica ou gratuitamente m.88
Ora, a concentrao de poder poltico e econmico sob o controle de elites pequenas e
entrelaadas , de fato, possvel que resulte em laos pessoais informais e, portanto, tenha
como efeitos colaterais conspiraes espordicas (a teoria de Day of Deceit de Stinnett sobre
Pearl Harbor um dos principais exemplos). Mas tal conspirao no necessria ao
funcionamento do sistema - ela simplesmente ocorre como um fenmeno secundrio e,
ocasionalmente, acelera ou intensifica processos que acontecem, na maior parte das vezes,
automaticamente. Embora o CFR89 seja um excelente representante da elite poltica
internacional, e um pouco do networking e da coordenao informais das polticas sem dvida
sejam feitas atravs dele, ele essencialmente uma organizao secundria, cujos membros
so ex officio representantes das principais instituies que regulam a vida nacional. O
fenmeno primrio a concentrao institucional de poder, que coloca tais pessoas em contato
umas com as outras, em primeiro lugar, em suas capacidades oficiais.
88
Vide o captulo de Domhoff sobre a teoria da conspirao direitista, "Dan Smoot, Phyllis Schlafly,
Reverend McBirnie, and Me" in Higher Circles, pp. 281-308.
89
O Council on Foreign Relations ou CFR uma entidade sediada em Nova Iorque, EUA, voltada para a
poltica internacional. Segundo seus representantes, trata-se de uma entidade dedicada a aumentar a
compreenso norte-americana sobre o mundo e contribuir com ideias para a poltica internacional dos
EUA. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Council_on_Foreign_Relations. Acessado em: 30 ago. 2016.
236
lucro ao passar seus custos para o consumidor. Os custos trabalhistas aumentados da
manufatura pesada sindicalizada so pagos, em ltima anlise, pelos setores no-cartelizados
da economia (o mesmo verdade sobre o imposto de renda corporativo e sobre o resto do
fardo da tributao "progressiva", embora os autores no a mencionem neste contexto). O
capitalismo no mais predominantemente, como Marx havia assumido no sculo XIX, um
sistema de concorrncia. Como resultado, o grande setor corporativo da economia se torna
imune lei de Marx da tendncia de queda da taxa de lucro.90
90
BARAN, Paul; SWEEZY, Paul. Monopoly Capitalism: An Essay in the American Economic and Social
Order. New York: Monthly Review Press, 1966. pp. 72, 77.
91
Ibid., pp. 53-4.
92
Ibid., pp. 61-2.
237
indstria, os preos cairiam cerca 25% ou mais"93.
Esta forma de coluso tcita no est, de forma alguma, livre de colapsos. Quando uma
firma desenvolve uma liderana em algum processo ou tecnologia nova, ou adquire uma fatia
de mercado grande o suficiente ou um custo de produo baixo o suficiente, ao ponto de estar
imune retribuio, pode bem ser que ela inicie uma guerra de conquista sobre sua indstria. 94
Tais suspenses das regras do jogo so identificadas, por exemplo, com mudanas
revolucionrias como a blitz do Wal-Mart sobre o mercado de varejo. Mas em meio a tais
rupturas, os mercados oligopolistas frequentemente conseguem funcionar por anos sem uma
concorrncia de preos sria. Como mencionado antes, as provises sobre "concorrncia
desleal" do Clayton Act foram projetadas para impedir o tipo de guerra de preo catastrfica
que pudesse desestabilizar os mercados oligopolistas.
A tarifa produtiva, assim, d ao cartel um lucro extra, acima e alm daquele que resulta
da prpria cartelizao, e lhe d o poder de cobrar um imposto indireto sobre a
populao domstica. Este lucro extra no se origina mais na mais-valia produzida
pelos trabalhadores empregados nos cartis; tampouco uma deduo do lucro das
outras indstrias no cartelizadas. um tributo extrado de todo o corpo de
consumidores domsticos.95
93
GREEN, Mark J. et al. (Eds.). The Closed Enterprise System. Relatrio do Grupo de Estudos de Ralph
Nader sobre Aplicao do Antitruste. New York: Grossman Publishers, 1972. p. 14.
94
BARAN; SWEEZY. Monopoly Capitalism, pp. 63, 68-9.
95
HILFERDING, Rudolf. Finance Capital. Edio e traduo de Tom Bottomore. London e Boston:
Routledge & Kegan Paul, 1910 (1981). p. 308.
238
[Eles prosseguem apontando a agricultura e as indstrias extrativistas como exemplos
do caso oposto, em que a interveno estatal especial necessria para aumentar os
baixos lucros de uma indstria centralmente importante]... Torna-se, portanto, uma
responsabilidade do estado, sob o capitalismo monopolista, garantir, tanto quanto
possvel, que os preos e as margens de lucro nas indstrias desviantes sejam
colocados sob a administrao geral das grandes corporaes.
interessante, a este respeito, comparar o efeito da legislao antitruste nos EUA com
aquela da nacionalizao nas "democracia sociais" europeias. Na maioria dos casos, as firmas
afetadas por ambas as polticas envolvem infraestruturas ou recursos de importncia central,
dos quais a economia corporativa como um todo depende. A nacionalizao no Velho Mundo
usada primariamente no caso da energia, transporte e comunicao. Nos EUA, os casos
antitruste mais famosos foram contra a Standard Oil, AT&T e Microsoft: todos casos em que
preos excessivos em uma firma poderiam prejudicar os interesses do capital monopolista
como um todo. E a recente "desregulamentao", da maneira em que foi aplicada s indstrias
de caminhes e aeronutica, foi igualmente a servio daqueles interesses corporativos gerais
prejudicados pelos preos monopolistas do transporte. Em todos estes casos, o estado agiu de
maneira ocasional, como um comit executivo em nome de toda a economia corporativa, ao
frustrar a mendacidade de algumas corporaes poderosas.
O trao comum em todas essas linhas de anlise que uma poro sempre crescente
de funes da economia capitalista tem sido realizada atravs do estado. De acordo com
James O'Connor, as despesas estatais sob o capitalismo monopolista podem ser divididas em
"capital social" e "despesas sociais".
96
BARAN; SWEEZY. Monopoly Capitalism, pp. 64-6.
239
Capital social so gastos exigidos para a acumulao privada lucrativa; ele
indiretamente produtivo (em termos Marxistas, o capital social indiretamente expande a
mais-valia). H dois tipos de capital social: o investimento social e o consumo social (em
termos Marxistas, capital social constante e capital social varivel) ... Investimento
social consiste de projetos e servios que aumentam a produtividade de uma dada
quantidade de fora de trabalho e, outros fatores sendo iguais, aumentam a taxa de
lucro Consumo social consiste de projetos e servios que diminuem os custos de
reproduo do trabalho e, outros fatores sendo iguais, aumentam a taxa de lucro. Um
exemplo disto a segurana social, que expande os poderes sociais da fora de
trabalho enquanto simultaneamente diminui os custos do trabalho. A segunda categoria,
despesas sociais, consiste de projetos e servios que so exigidos para se manter a
harmonia social - para cumprir a funo de "legitimao" do estado... O melhor exemplo
o sistema de bem-estar, que projetado principalmente para manter a paz social
entre trabalhadores desempregados.97
O'Connor listou diversas maneiras nas quais o capital monopolista externaliza seus
custos operacionais para o sistema poltico:
Como j sugerido por nossa referncia anterior a O'Connor, essas formas de despesa
97
OCONNOR. Fiscal Crisis of the State, pp. 6-7.
98
Ibid., p. 24.
99
Ibid., p. 24.
240
estatal tm o efeito de promover diversas das "influncias neutralizantes" taxa de lucro
decrescente que Marx descreveu no Volume 3 do Capital. A segunda de tais influncias que
Marx listou, por exemplo, era a "depresso de salrios abaixo do valor da fora de trabalho".
Atravs do bem-estar social, da educao financiada pelo pagador de impostos e de outros
meios de subsidiar o custo de reproduo da fora de trabalho, o estado reduz o custo
sustentvel mnimo da fora de trabalho que deve ser pago pelos empregadores. Isto
verdadeiro, igualmente, sobre a terceira influncia de Marx: o "barateamento dos elementos do
capital constante". O estado, ao subsidiar muitos dos custos operacionais de grandes
corporaes, desloca artificialmente seus balanos ainda mais para o azul. A quarta influncia
listada, "relativa superpopulao", promovida pelos subsdios estatais adoo de formas
capital-intensivas de produo e educao da mo de obra tecnicamente capacitada s
custas do governo - com o efeito de aumentar artificialmente a oferta de trabalho em relao
demanda e, assim, reduzir seu poder de barganha no mercado de trabalho.100
Deveramos brevemente recordar aqui nosso exame anterior de como tal socializao
de despesas serve para cartelizar a indstria. Ao externalizar tais custos para o estado, atravs
do sistema tributrio geral, o capital remove essas despesas enquanto questo de concorrncia
entre firmas individuais. como se todas as firmas em uma indstria formassem um cartel para
administrar estes custos em comum e concordassem em no os incluir na sua concorrncia de
preos. Os custos e benefcios so aplicados uniformemente a toda a indstria, removendo-os
enquanto desvantagem competitiva para algumas firmas.
100
MARX; ENGELS. Capital vol. 3. In: MARX; ENGELS. Collected Works. New York: International
Publishers, 1998. v 37. pp. 234-5.
241
tradicional hostilidade das grandes empresas em relao ao estado de bem-estar social, fez o
mesmo ponto sobre o apoio mais recente das grandes empresas ao seguro social
governamental.101 Grandes corporaes americanas, ao sustentar o fardo do seguro de sade
e de outros benefcios para o empregado, que esto cargo do estado na Europa e no Japo,
esto em desvantagem competitiva, tanto contra companhias de l, quanto contra as firmas
menores aqui.
101
GROSS, Daniel. Socialism, American Style: Why American CEOs covet a massive European-style
social-welfare state. Slate, 1 ago. 2003. Disponvel em: <http://www.slate.com/articles/business/
moneybox/2003/08/socialism_americanstyle.html>. Acessado em: 11 fev. 2016.
102
C-SPAN, 1 set. 2003.
103
N. do T.: 401(k) o nome de um tipo de plano de aposentadoria patrocinado pelo empregador,
adotado nos Estados Unidos e outros pases, e recebe este nome em razo da seo do Cdigo Fiscal
norte-americano, em que est previsto. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/401(k). Acessado em: 05 set.
2016.
104
OCONNOR. Fiscal Crisis of the State, p. 111.
242
com o Morrill Act105 de 1862, que subsidiou faculdades de agricultura e mecnica, o governo
federal subscreveu uma grande parte dos custos de reproduo do trabalho tcnico.106 Em
pesquisa e desenvolvimento, igualmente, o apoio federal remonta, pelo menos, s estaes
agrcolas e experimentais do final do sculo XIX, criadas nos termos do Hatch Act107 de
1887.108
105
N. do T.: Os Morrill Land-Grant Acts so estatutos dos Estados Unidos que permitiram a criao de
"land-grant colleges". Uma "land-grant college" uma instituio de ensino superior nos Estados Unidos
designada por um estado para receber os benefcios dos Morrill Acts, que financiavam instituies de
ensino atravs da concesso de terras controladas pelo governo federal aos estados para que eles a
vendesse, para levantar fundos para o estabelecimento de faculdades "land-grant" (concesso de
terras). A misso destas instituies, como estabelecido no ato de 1862, focar no ensino de agricultura
prtica, cincia, cincia militar e engenharia, como uma resposta revoluo industrial e em contraste
com a prtica histrica da educao superior de focar em um currculo abstrato de artes liberais. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Morrill_Land-Grant_Acts. Acessado em: 05 set. 2016.
106
NOBLE. America by Design, p. 24 et seq.
107
N. do T.: O Hatch Act de 1887 deu fundos federais, inicialmente de US$ 15.000 cada, para
faculdades "land-grant" estaduais, a fim de criar uma srie de estaes experimentais agrcolas, bem
como passar adiante novas informaes, especialmente nas reas de minerais do solo e crescimento de
plantas. O projeto de lei foi nomeado em homenagem ao congressista William Hatch, que presidiu o
Comit da Cmara da Agricultura no momento que o projeto foi apresentado. As estaes agrcolas
estatais criadas sob este ato estavam geralmente ligadas a essas faculdades e universidades "land-
grant" estaduais fundadas sob o Morrill Act de 1862, com poucas excees. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/ Hatch_Act_of_1887. Acessado em: 05 set. 2016.
108
Ibid., p. 132.
109
O Servicemen's Readjustment Act de 1944, conhecido informalmente como a G.I. Bill, foi uma lei que
forneceu uma gama de benefcios para os veteranos que retornavam da Segunda Guerra Mundial
(comumente referidos como "G.I.'s"). Benefcios incluam hipotecas de baixo custo, emprstimos com
juros baixos para abrir uma empresa, pagamentos em dinheiro de mensalidades e despesas para
frequentar a universidade, o ensino mdio ou tcnico, assim como um ano de compensao por
desemprego. Isso estava disponvel para todo veteranos que tivesse estado em dever ativo durante os
anos de guerra por pelo menos cento e vinte dias e no houvesse sido desonrosamente desligado;
combate no era exigido. Por volta de 1956, aproximadamente 2.2 milhes de veteranos haviam usado
os benefcios de educao da G.I. Bill a fim de frequentar faculdades ou universidades, e um adicional
de 5.6 milhes usaram estes benefcios para algum tipo de programa de treinamento. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/G.I._Bill. Acessado em: 05 set. 2016.
243
classe trabalhadora. No contexto de um livre mercado de fora de trabalho... nenhuma
corporao, ou indstria, ou grupo de interesse industrial-financeiro pode se dar ao luxo
de treinar sua prpria fora de trabalho ou canalizar os lucros para a quantidade
necessria de P&D. As patentes proporcionam alguma proteo, mas no h qualquer
garantia de que os empregados-chave de uma corporao em particular no buscaro
posies em outras corporaes ou indstrias. O custo de perder fora de trabalho
treinada especialmente alto em companhias que empregam trabalhadores tcnicos
cujas habilidades so especficas de processos industriais particulares - habilidades
pagas pela companhia em questo. Assim, o treinamento no trabalho (OJT, on-the-job
training) pouco usado, no porque seja tecnicamente ineficiente..., mas porque no
compensa.
O currculo das escolas "pblicas" pode, de maneira muito mais justa, ser descrito como
educao servil do que liberal. Seu objetivo um produto humano que seja capaz de preencher
as necessidades tcnicas do capital corporativo e do estado, mas ao mesmo tempo seja dcil e
complacente e incapaz de qualquer anlise crtica sobre o sistema de poder a que ele serve. O
movimento educacional pblico e a criao dos primeiros sistemas escolares estatais, lembre-
se, coincidiram com o surgimento da necessidade do sistema fabril de uma fora de trabalho
que fosse treinada em obedincia, pontualidade e hbitos regulares. A competncia tcnica e
uma "boa atitude" em relao a autoridade, combinadas com doze anos de condicionamento
em no se destacar nem fazer onda, eram a meta dos educadores pblicos.
110
OCONNOR. Fiscal Crisis of the State, p. 112.
111
WILLIAMS, William Appleman. A Profile of the Corporate Elite. In: ROTHBARD; RADOSH (eds.). New
History of Leviathan, p. 5.
112
OCONNOR. Fiscal Crisis of the State, p. 124.
113
Ibid., p. 160.
244
Mesmo as despesas do bem-estar social, embora O'Connor as classificasse como
despesas completamente improdutivas, so, na verdade, outro exemplo do estado
subscrevendo os custos do capital varivel. Alguns socialistas amam especular que, se fosse
possvel, os capitalistas diminuiriam as taxas vigentes de remunerao de sobrevivncia quela
necessria para manter os trabalhadores vivos apenas quando estivessem empregados. Mas,
uma vez que isso implicaria em fome durante perodos de desemprego, o salrio vigente deve
cobrir as contingncias do desemprego; de outra maneira, os salrios seriam menos do que o
custo mnimo de reproduo do trabalho. Sob o estado de bem-estar social, contudo, o prprio
estado absorve o custo de prever tais contingncias de desemprego, de modo que o prmio de
incerteza removido enquanto um componente dos salrios na "barganha do mercado" de
Adam Smith.
E, deixando isto de lado, mesmo enquanto "despesa social" pura, o sistema de bem-
estar social age primariamente (nas palavras de O'Connor) para "controlar politicamente a
populao excedente"114. Os subsdios do estado acumulao de capital constante e
reproduo do trabalho tecno-cientfico fornecem um incentivo para formas muito mais capital-
intensivas de produo do que teriam surgido em um livre mercado e, assim, contribuem para o
crescimento de uma subclasse permanente de trabalho excedente;115 o estado intervm e
assume o custo mnimo necessrio para impedir a falta de moradia e a fome em grande escala,
que desestabilizariam o sistema, e para manter a superviso rigorosa da subclasse atravs da
burocracia de servios humanos.116
114
Ibid., p. 69.
115
Ibid., p. 161.
116
PIVEN; CLOWARD. Regulating the Poor.
245
Captulo Sete -- Capitalismo Monopolista e Imperialismo
William Appleman Williams resumiu a lio da dcada de 1890 desta maneira: "Por
causa de sua natureza dramtica e extensa, a Crise dos anos 1890 suscitou, em muitos
setores da sociedade americana, o espectro do caos e da revoluo"1. As elites econmicas
americanas a viram como o resultado da superproduo e do capital excedente e criam que ela
s poderia ser resolvida atravs do acesso a uma "nova fronteira". Sem acesso garantido a
mercados externos, a produo estaria por demais abaixo da capacidade, os custos unitrios
se elevariam e o desemprego poderia atingir nveis perigosos.
A seriedade da ltima ameaa foi sublinhada pelo radicalismo dos anos 1890. A Greve
da Pullman2, da Homestead3 e a formao da Western Federation of Miners4 (precursora da
IWW5) foram sinais dos nveis perigosos de agitao trabalhista e conscincia de classe. O
1
WILLIAMS, William Appleman. The Tragedy of American Diplomacy. New York: Dell Publishing
Company, 1959, 1962. pp. 21-2.
2
Nota do Tradutor: A greve da Pullman foi uma greve ferroviria nacional nos Estados Unidos em 11 de
maio de 1894. Ela colocou a American Railway Union (ARU) contra a Pullman Company, as principais
ferrovias e o governo federal dos Estados Unidos, sob o presidente Grover Cleveland. A greve e boicote
pararam a maior parte do trfego de carga e de passageiros da nao a oeste de Detroit, Michigan. O
conflito comeou em Pullman, Chicago, em 11 de maio, quando quase 4000 funcionrios da fbrica da
Pullman Company comearam uma greve ilegal em resposta s recentes redues nos salrios. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Pullman_Strike. Acessado em: 22 set. 2016.
3
N. do T.: A Greve da Homestead foi uma paralisao industrial e greve que teve incio em 30 de junho
de 1892, culminando em uma batalha entre os grevistas e agentes de segurana privados da empresa
Pinkerton, em 6 de julho de 1892. Esta foi uma das mais srias disputas trabalhistas da histria dos
Estados Unidos. A disputa ocorreu na regio de Pittsburgh, na cidade de Homestead, Pennsylvania,
entre a Associao dos Trabalhadores do Ferro, Ao e Amalgamados (a AA) e a Companhia de Ao
Carnegie. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Homestead_Strike. Acessado em: 22 set. 2016.
4
N. do T.: A Western Federation of Miners (WFM) era um sindicato radical que ganhou uma reputao
pela militncia nas minas do oeste dos Estados Unidos e da British Columbia. Seus esforos para
organizar tanto mineiros quanto trabalhadores de fundio a trouxe a conflitos graves - e muitas vezes
batalhas campais - tanto com empregadores quanto com autoridades governamentais. Vide:
https://en.wikipedia. org/wiki/Western_Federation_of_Miners. Acessado em: 22 set. 2016.
5
N. do T.: Industrial Workers of the World Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW ou os
Wobblies) um sindicato adepto da teoria sindicalista revolucionria (democracia laboral e autogesto
trabalhadora), que tem sua origem nos Estados Unidos ainda que tambm esteja presente em outros
pases como Canad, Austrlia, Irlanda e no Reino Unido, e historicamente esteve tambm present3 no
Chile, no Mxico e no Japo. Seus anos de maior notoriedade e influncia vo de 1905 at 1920,
quando a organizao foi duramente reprimida pelo Departamento de Justia dos Estados Unidos,
notadamente durante os chamados Palmer Raids (entre novembro de 1919 e janeiro de 1920). IWW
ressurgiu dcadas depois, nos anos de 1960, e, no sculo XXI, tem experimentado um importante
crescimento. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Industrial_Workers_of_the_World. Acessado em: 22 set.
2016.
246
Exrcito de Coxey6 marchou em Washington, um pequeno aperitivo dos tipos de radicalismo
que poderiam ser produzidos pelo desemprego. O movimento anarquista tinha um componente
estrangeiro crescente, mais radical do que a antiga faco nativa, e o Partido do Povo 7 parecia
ter uma chance sria de ganhar as eleies nacionais. Em certo ponto, Jay Gould, o porta-voz
dos bares gatunos, estava ameaando uma greve de capital (muito parecida com aquelas da
Venezuela recentemente), se os populistas chegassem ao poder. Em 1894, o empresrio F. L.
Stetson avisava, "Estamos no limiar de uma noite muito escura, a menos que um retorno da
prosperidade comercial alivie o descontentamento popular"8.
6
N. do T.: O Exrcito de Coxey foi uma marcha de protesto de trabalhadores desempregados dos
Estados Unidos, liderada pelo empresrio de Ohio Jacob Coxey. Eles marcharam sobre Washington
D.C. em 1894, o segundo ano de uma depresso econmica de quatro anos que era a pior na histria
dos Estados Unidos at aquele momento. Oficialmente denominada Army of Commonwealth in Christ,
seu apelido veio de seu lder e foi mais duradouro. Foi a primeira marcha de protesto popular significativa
em Washington. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Coxey%27s_Army. Acessado em: 22 set. 2016.
7
N. do T.: People's Party, tambm conhecido como Populist Party ou Populistas, foi um partido poltico
agrrio-populista nos Estados Unidos. Durante alguns anos, entre 1891 e 1896, ele desempenhou um
grande papel como uma fora de esquerda na poltica americana. Ele se fundiu no Partido Democrata
em 1896; um pequeno remanescente independente sobreviveu at 1908. Era altamente crtico do
capitalismo, especialmente dos bancos e das ferrovias e se aliou ao movimento trabalhista. Vide:
https://en.wikipedia. org/wiki/People%27s_Party_(United_States). Acessado em: 22 set 2016.
8
Ibid., p. 26.
9
N. do T.: "The Economic Taproot of Imperialism", no original.
10
HOBSON, J. A. Imperialism: A Study. London: Archibald Constable & Co., 1905. p. 66.
247
Por que os donos do poder de consumo reteriam uma quantidade maior para a
poupana do que pode ser empregado de maneira aproveitvel?" Uma outra maneira
de colocar a mesma questo esta, "Por que a presso dos desejos presentes no
manteria o ritmo de toda possibilidade de satisfaz-los?" A resposta a estas questes
pertinentes nos leva questo maior da distribuio de riqueza. Se uma tendncia a
distribuir renda ou poder de consumo de acordo com necessidades est em operao,
evidente que o consumo aumentaria com todo aumento do poder produtivo, pois as
necessidades humanas so ilimitadas e no haveria qualquer excesso de poupana.
Mas bem diferente em um estado de sociedade econmica em que a distribuio no
tem qualquer relao fixa com as necessidades, mas determinada por outras
condies que atribuem a algumas pessoas um poder de consumo vastamente
excessivo para suas necessidades ou possveis usos, ao passo que outros esto
destitudos de poder de consumo o suficiente para satisfazer mesmo as demandas
completas da eficincia fsica.11
Hobson props, em resposta a esta deficincia, a que seria mais tarde chamada de soluo
Keynesiana:
Onde a distribuio de renda tal que permite que todas as classes da nao
convertam seus desejos sentidos em uma demanda efetiva de mercadorias, no pode
haver nenhuma superproduo, nenhum subemprego de capital e trabalho e nenhuma
11
Ibid., p. 73.
12
Ibid., pp. 74-5.
13
Ibid., pp. 75-6.
248
necessidade de lutar por mercados externos.14
No final, Hobson falhou em isolar as "razes primrias" deste fenmeno. Suas anlises
repetidamente roaram a verdadeira natureza do problema, sem jamais atingi-lo diretamente. O
problema no a falha em distribuir a renda de acordo com a "necessidade", mas de acordo
com o trabalho: o trabalho no recebe seu produto completo como uma recompensa. E a
soluo no a redistribuio Keynesiana de renda, por parte do estado, dos ricos para os
pobres, mas um fim para a redistribuio estatista existente de renda dos pobres para os ricos.
Thomas Hodgskin penetrou mais prximo da real raiz do problema algumas geraes mais
cedo:
14
Ibid., pp. 76-7.
249
gratificar a vaidade e a ambio, no os desejos naturais da existncia animal. Quando
olhamos para a histria comercial de nosso pas e vemos as falsas esperanas de
nossos mercadores e fabricantes levando a convulses comerciais peridicas, somos
compelidos a concluir que elas no tinham a mesma fonte que o regular e harmonioso
mundo exterior. Os capitalistas no tm nenhum guia para sua exeres porque a
natureza rejeita e se ope a sua dominao sobre o trabalho. Princpios de
prosperidade nacional, seguidos de bancarrota e runa, tm a mesma fonte, ento, que
a fraude e a falsificao. Com o nosso direito legal [em contraste com o natural] de
propriedade estamos em dbito por estes clares de falsa riqueza e pnico real, que to
frequentemente abalam, at seu mago, todo o mundo comercial.15
No obstante, a despeito de seu entendimento deficiente das razes para a crise, tanto
empresas quanto o governo ressoaram com alegaes de que a capacidade produtiva dos
EUA tinha ultrapassado a capacidade de consumo do mercado domstico e que o governo
tinha que tomar medidas ativas para obter sadas. Procedemos a um breve levantamento das
observaes tpicas de lderes empresariais e governamentais nos anos seguintes depresso
da dcada de 1890. Ao ler as citaes ao longo das prximas pginas, vale a pena ter em
mente que elas no so os delrios de idelogos Marxistas; elas so sim as reflexes
mensuradas de empresrios sos e conservadores. A teoria do imperialismo foi a criao, no
de Lenin, mas de lderes corporativos.
Parece estar concedido que todo ano seremos confrontados com um excedente
crescente de bens manufaturados para a venda em mercados exteriores, se for para os
operrios e arteso americanos se manterem empregados o ano todo. A ampliao do
consumo externo de produtos de nossos moinhos e oficinas se tornou, portanto, um
problema srio de estadismo assim como de comrcio.18
Em 1900, o antigo Secretrio de Estado, John W. Foster, escreveu, "veio a ser uma
15
HODGSKIN, Thomas. The Natural and Artificial Right of Property Contrasted. London: B. Steil, 1832.
pp. 155-6.
16
WILLIAMS. Tragedy of American Diplomacy, p. 27.
17
Ibid., p. 17.
18
Ibid., p. 17.
250
necessidade encontrar mercados novos e ampliados para nossos produtos agrcolas e
manufaturados. No podemos manter nossa presente prosperidade industrial sem eles"19.
O imperialismo de Portas Abertas consistia em usar o poder poltico dos EUA para
garantir acesso a mercados e recursos externos em termos favorveis aos interesses
corporativos americanos, sem depender do mando poltico direto. Sua meta central foi obter
para as mercadorias dos EUA, em cada mercado nacional, um tratamento igual quele
concedido a qualquer outra nao industrial. Mais importantemente, isto implicou num
engajamento ativo por parte do governo dos EUA em demolir as esferas existentes de
influncia ou preferncia econmica das potncias imperiais. O resultado, na maioria dos
casos, foi tratar como hostis aos interesses de segurana dos EUA qualquer tentativa em larga-
escala de autarquia ou qualquer outra poltica cujo efeito fosse retirar uma grande rea da
disposio das corporaes dos EUA. Quando a potncia tentando tais polticas era um igual,
como o Imprio Britnico, a reao dos EUA era meramente uma de frieza calculada. Quando
era percebida como um inferior, como o Japo, os EUA recorria a medidas mais forosas,
como os eventos no final da dcada de 1930 indicam. E qualquer que fosse o grau de
igualdade entre naes avanadas em seu acesso aos mercados do Terceiro Mundo, estava
19
WILLIAMS. The Contours of American History. Cleveland e New York: The World Publishing Company,
1961. p. 368.
20
STROMBERG. The Role of State Monopoly Capitalism in the American Empire. Journal of Libertarian
Studies, vol. 15, n. 3, pp. 61-3, vero 2001. Disponvel em: <https://mises.org/library/role-state-monopoly-
capitalism-american-empire>. Acessado em: 27 abr. 2016.
21
WILLIAMS. Contours of American History, pp. 363-4.
251
claro que as naes do Terceiro Mundo ainda deveriam ser subordinadas ao Ocidente
industrializado em um sentido coletivo. De fato, se poderia pensar que Kautsky tinha as Portas
Abertas em mente ao formular sua teoria do "ultraimperialismo", na qual as naes capitalistas
desenvolvidas cooperavam para explorar o Terceiro Mundo coletivamente.22
Este sistema de Portas Abertas foi o ancestral direto do sistema neoliberal de hoje, que
falsamente chamado de "livre comrcio" na apologtica dos intelectuais da corte. Ele
dependia da administrao ativa da economia mundial pelos estados dominantes e da
interveno continuada para se policiar a ordem econmica internacional e aplicar sanes
contra estados que no cooperassem. Woodrow Wilson, em uma palestra na Columbia
University em 1907, disse:
Uma vez que o comrcio ignora as fronteiras nacionais, e o fabricante insiste em ter o
mundo como um mercado, a bandeira de sua nao deve segui-lo, e as portas das
naes que esto fechadas devem ser postas abaixo.... Concesses obtidas por
financiadores devem ser salvaguardadas por ministros de estado, mesmo se a
soberania das naes relutantes for ultrajada no processo. Colnias devem ser obtidas
ou plantadas, a fim de que nenhum canto til do mundo possa ser negligenciado ou
deixado sem uso. A prpria paz se torna uma questo de conferncia e de combinaes
internacionais.23
Wilson avisou durante a eleio de 1912 que "Nossas indstrias se expandiram a tal ponto que
elas se explodiro se no conseguirem encontrar uma sada livre [isto , garantida pelo estado]
para os mercados do mundo"24.
...aprendemos a lio agora, que nossas fbricas so to grandes que sua produo em
capacidade mxima maior do que o mercado da Amrica consegue absorver
continuamente. Sabemos agora que se operarmos em capacidade mxima o tempo
todo, devemos faz-lo em razo dos pedidos que recebemos de terras alm-mar. Fazer
menos que isso significa lares na Amrica em que os maridos esto sem trabalho; fazer
isso significa que as fbricas que esto fechadas meio perodo.25
22
SKLAR, Martin J. The Corporate Reconstruction of American Capitalism, 1890-1916: The Market, the
Law, and Politics. Cambridge, New York e Melbourne: Cambridge University Press, 1988. P. 82;
KAUTSKY, Karl. Imperialism and the War. Traduzido por William E. Bohn. International Socialist Review,
nov. 1914. Disponvel em: <https://www.marxists.org/archive/kautsky/1914/09/war.htm>. Acessado em:
26 abr. 2016.
23
WILLIAMS. Tragedy of American Diplomacy, p. 66.
24
SKLAR. Woodrow Wilson and the Political Economy of Modern United States Liberalism. In:
ROTHBARD, Murray; RADOSH, Ronald (Eds.). A New History of Leviathan: Essays on the Rise of the
American Corporate State. New York: E.P. Dutton & Co., 1972. p. 27.
25
Ibid., p. 40.
252
Sob o sistema de Portas Abertas, o estado e seus emprstimos desempenharam um
papel central na exportao de capital. O propsito primrio de emprstimos internacionais,
historicamente, foi de financiar a infraestrutura que um pr-requisito para o estabelecimento
de empresas em pases estrangeiros. Como Edward E. Pratt, chefe do Bureau of Foreign and
Domestic Commerce, disse em 1914:
Estava, contudo, para alm dos recursos de firmas ou capitalistas de risco individuais
ou do sistema bancrio descentralizado levantar as somas necessrias para estas tarefas. Um
dos propsitos de se criar um sistema de banco central (o Federal Reserve Act de 1914) foi
tornar possvel a mobilizao em larga escala do capital de investimento para
empreendimentos alm-mar. Sob o New Deal, a mobilizao comeou a tomar a forma de
emprstimos diretos do estado.27 As polticas financeiras do estado, alm de promoverem a
acumulao de capital para investimento estrangeiro, tambm garantem o consumo estrangeiro
dos produtos dos EUA. Como John Foster Dulles disse em 1928, "Devemos financiar nossas
exportaes emprestando para estrangeiros os recursos para pagar por elas..."28. Estas duas
funes foram aperfeioadas no sistema de Bretton Woods aps a Segunda Guerra Mundial.
26
Ibid., p. 62 (nota).
27
WILLIAMS. Tragedy of American Diplomacy, p. 179.
28
Ibid., p. 123.
29
Ibid., 170.
253
superpotncia poltica e militar hegemnica.
30
SMITH, Robert Freeman. American Foreign Relations, 1920-1942. In: BLEDSTEIN, Barton J. (Ed.).
Towards a New Past: Dissenting Essays in American History. New York: Vintage Books, 1967, 1968. p.
247.
31
Ibid.
32
O resto deste pargrafo, salvo indicao em contrrio, embasado em SHOUP, Laurence H.;
MINTER, William. Shaping a New World Order: The Council on Foreign Relations' Blueprint for World
Hegemony, 1939-1945. In: SKLAR, Holly (Ed.). Trilateralism: The Trilateral Commission and Elite
Planning for World Management. Boston: South End Press, 1980. pp. 135-56.
33
STINNETT, Robert. Day of Deceit: The Truth About FDR and Pearl Harbor (New York: Free Press,
1999).
254
para bem alm da capacidade dos mercados domsticos de consumirem sua produo.
Mesmo antes da Segunda Guerra Mundial, a economia estatista capitalista tinha srios
problemas em operar ao nvel de produo necessrio para a utilizao completa da
capacidade e do controle de custo. A poltica militar-industrial durante a guerra exacerbou
grandemente o problema de superacumulao, aumentando o valor das plantas e dos
equipamentos em dois teros, s custas do pagador de impostos. O fim da guerra, se seguido
pelo padro tradicional de desmobilizao, resultaria em uma reduo drstica nos pedidos
para esta indstria superconstruda, ao mesmo tempo em que mais de dez milhes de
trabalhadores eram despejados de volta na fora de trabalho civil. E quatro anos de restries
foradas sobre o consumo haviam criado um vasto acmulo de poupana sem qualquer sada
na j superconstruda economia domstica.
Uma faceta central da poltica econmica do ps-guerra, como refletida nas agncias do
Bretton Woods, era a interveno estatal para se garantir mercados para a produo total da
indstria dos EUA e canais lucrativos para o capital excedente. O Banco Mundial foi projetado
para subsidiar a exportao de capital para o Terceiro Mundo, financiando a infraestrutura sem
a qual as instalaes produtivas de propriedade Ocidental no poderiam ser estabelecidas ali.
De acordo com a estimativa de Gabriel Kolko de 1988, quase dois teros dos emprstimos do
Banco Mundial desde sua concepo haviam ido para infraestrutura de transporte e energia.35
Um elogioso relatrio do Departamento do Tesouro se referiu a tais projetos de infraestrutura
(compreendendo em torno de 48% dos emprstimos no Ano Fiscal de 1980) como
"externalidades" para as empresas e falava ardorosamente sobre os benefcios de tais projetos
em promover a expanso dos negcios para grandes reas de mercado e a consolidao e
comercializao da agricultura.36
34
WILLIAMS. Tragedy of American Diplomacy, pp. 235-6.
35
KOLKO, Gabriel. Confronting the Third World: United States Foreign Policy 1945-1980. New York:
Pantheon Books, 1988. p. 120.
36
UNITED STATES DEPARTMENT OF THE TREASURY. United States Participation in the Multilateral
Development Banks in the 1980s, Washington, D.C., 1982. p. 9.
255
Alm do benefcio de se construir "uma infraestrutura interna que um pr-requisito vital
para o desenvolvimento de recursos e investimentos privados diretos dos Estados Unidos", tais
bancos (j que eles tm que ser reembolsados em dlares dos EUA) exigem que as naes
muturias "exportem bens capazes de adquiri-los, o que quer dizer, matrias-primas..."37.
O Fundo Monetrio Internacional foi criado para facilitar a compra de bens americanos
no exterior, prevenindo lapsos temporrios no poder de compra resultantes da escassez de
divisas estrangeiras. Ele era "uma grande instituio internacional de cmbio e de concesso
de crdito a que poderia recorrer, de maneira relativamente fcil, qualquer pas que
temporariamente estivesse com pouco de qualquer dada moeda estrangeira, devido a
desequilbrios comerciais"38.
O sistema de Bretton Woods em si, contudo, no foi nem de longe suficiente para
garantir os nveis de vazo necessrios para manter as instalaes produtivas operando em
capacidade mxima ou para absorver o excesso de fundos de investimento. Primeiro o Plano
Marshall39 e depois a economia permanente de guerra da Guerra Fria vieram ao resgate.
O Plano Marshall foi idealizado em reao crise econmica iminente predita pelo
Conselho de assessores Econmicos no comeo de 1947 e falha da Europa Ocidental de "se
recuperar da guerra e assumir seu lugar no esquema americano de coisas". O Subsecretrio
de Estado para Assuntos Econmicos, Clayton, declarou que o problema central que
confrontava os Estados Unidos era a disposio de seu "grande excedente"40. Dean Acheson
defendeu o Plano Marshall em um discurso em maio de 1947:
37
KOLKO. The Roots of American Foreign Policy: An Analysis of Power and Purpose. Boston: Beacon
Press, 1969. p. 72.
38
DOMHOFF, G. William. The Power Elite and the State: How Policy is Made in America. New York:
Aldine de Gruyter, 1990. p. 166.
39
N. do T.: O Plano Marshall, um aprofundamento da Doutrina Truman, conhecido oficialmente como
Programa de Recuperao Europeia, foi o principal plano dos Estados Unidos para a reconstruo dos
pases aliados da Europa nos anos seguintes Segunda Guerra Mundial. A iniciativa recebeu o nome do
Secretrio do Estado dos Estados Unidos, George Marshall. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_
Marshall. Acessado em: 23 set. 2016.
40
Ibid., p. 271.
41
LIGGIO, Leonard P. American Foreign Policy and National Security Management. In ROTHBARD;
RADOSH (Eds.). A New History of Leviathan: Essays on the Rise of the American Corporate State. New
York: E.P. Dutton & Co., 1972. p. 249.
256
Um partidrio do New Deal comparou implicitamente a expanso econmica externa ao
capitalismo de estado domstico como formas anlogas de descarte de excedente: " como se
estivssemos construindo uma TVA42 toda tera"43.
42
N. do T.: A Tennessee Valley Authority (TVA) uma empresa de propriedade federal nos Estados
Unidos, criada por carta do Congresso em maio de 1933 para prover navegao, controle de enchentes,
gerao de energia, fabricao de fertilizantes e o desenvolvimento econmico no Vale do Tennessee,
uma regio particularmente afetada pela Grande Depresso. A empresa foi resultado dos esforos do
senador George W. Norris de Nebraska. A TVA foi concebida no s como um provedor, mas tambm
como uma agncia de desenvolvimento econmico regional que usaria especialistas federais e
eletricidade para modernizar rapidamente a economia e a sociedade da regio. Foi a primeira grande
agncia de planeamento regional do governo federal e continua a ser a maior. Sob a liderana de David
Lilienthal ( "Mr. T.V.A."), a TVA se tornou um modelo para os esforos governamentais dos EUA para
buscar ajudar na modernizao das sociedades agrrias no mundo em desenvolvimento. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/ Tennessee_Valley_Authority. Acessado em: 23 set. 2016.
43
WILLIAMS. Tragedy of American Diplomacy, p. 272.
44
ORWELL, George. 1984. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1949, 1981. (Signet Classics). p. 157.
45
PAYER, Cheryl. The Debt Trap: The International Monetary Fund and the Third World. New York:
Monthly Review Press, 1974; BELLO, Walden. Structural Adjustment Programs: 'Success' for Whom?. In:
MANDER, Jerry; GOLDSMITH, Edward (Eds.). The Case Against the Global Economy. [S.l.]: Sierra Club
Books, 1997; FRANKLIN, Bruce. Debt Peonage: The Highest Form of Imperialism?. Monthly Review, vol.
33, n. 10, pp. 15-31, mar. 1982.
46
PAYER. Debt Trap, pp. 48-9.
257
emprstimos, seja com o Banco Mundial, com o FMI, com outras instituies oficiais de
emprstimo ou com bancos comerciais so rotineiramente negociados em segredo
entre funcionrios bancrios e um punhado de funcionrios do governo - que, em
muitas instncias no so, eles prprios, eleitos ou responsveis para com as pessoas
em cujo nome eles esto obrigando o tesouro nacional a credores estrangeiros. Mesmo
em democracias, os procedimentos de emprstimo geralmente contornam os processos
normais de apropriao de corpos legislativos democraticamente eleitos. Assim, as
agncias governamentais so capazes de aumentar suas prprias verbas sem
aprovao legislativa, muito embora o corpo legislativo tenha que apresentar as receitas
para cobrir o reembolso. Emprstimos internacionais tambm possibilitam que os
governos aumentem os gastos atuais sem a necessidade de aumentar os impostos
atuais - uma caracterstica que especialmente popular entre tomadores de deciso
abastados. Os mesmos funcionrios que aprovam os emprstimos frequentemente se
beneficiam diretamente atravs da participao em contratos e "comisses" de
contratantes agradecidos. O sistema cria um poderoso incentivo para emprestar a
mais.47
Uma outra maneira em que as agncias do Bretton Woods exercem poder poltico sobre
regimes recalcitrantes a reteno punitiva de ajuda. Esta poderosa arma poltica foi usada por
vezes para minar democracias eletivas cujas polticas entravam em conflito com os interesses
corporativos e para recompensar ditaduras complacentes. Por exemplo, o Banco Mundial
recusou emprestar para o governo de Goulart no Brasil; mas aps a instalao de uma ditadura
militar pelo golpe de 1964, os emprstimos do Banco ficaram na mdia de US$73 milhes por
ano pelo resto da dcada e atingiram quase meio bilho no meio da dcada de 1970. O Chile,
antes e depois do golpe de Pinochet, seguiu um padro similar.48 Ou, como o Embaixador
Korry alertou, no equivalente destes ltimos dias de um interdito papal, "Nem uma porca, nem
um parafuso chegaro ao Chile sob Allende. Uma vez que Allende chegue ao poder, faremos
tudo dentro de nosso poder para condenar o Chile e todos os chilenos a extrema privao e
pobreza"49.
The Debt Trap de Cheryl Payer uma excelente pesquisa histrica sobre o uso de
crises de endividamento para forar pases a arranjos de prontido, para precipitar golpes ou
provocar represso militar. Alm de seu uso contra Goulart e Allende, como mencionado
acima, ela oferece estudos de caso do golpe de Suharto na Indonsia e a declarao de lei
marcial de Marcos nas Filipinas. Walden Bello, em Development Debacle50, entra em uma
profundidade muito maior sobre as Filipinas em especfico, embasado em uma extensa
documentao da colaborao do Banco Mundial com Marcos em defesa da represso
47
KORTEN, David. When Corporations Rule the World. West Hartford, Connecticut: Kumarian Press,
1995; San Francisco, California: Berrett-Koehler Publishers, 1995). p. 166.
48
RICH, Bruce. The Cuckoo in the Nest: Fifty Years of Political Meddling by the World Bank. The
Ecologist, vol. 24, n. 1, p. 10, jan./fev. 1994.
49
SKLAR, Holly. Overview. In: ______ (Ed.). Trilateralism: The Trilateral Commission and Elite Planning
for World Management. Boston: South End Press, 1980. pp. 28-9.
50
BELLO. Development Debacle: The World Bank in the Philippines. San Francisco: Institute for Food &
Development Policy, 1982.
258
autoritria que precedeu seus programas de austeridade.
A partir dos anos 1950, um foco primrio da poltica do Banco [Mundial] foi a
"construo de instituies", que mais frequentemente assume a forma da promoo da
criao de agncias autnomas dentro dos governos, que seriam muturias contnuas
do Banco Mundial. Tais agncia foram intencionalmente estabelecidas para serem
financeiramente independentes de seus governos hspedes, assim como responsveis
politicamente de forma mnima - exceto, claro, ao Banco.52
A criao dessas redes de patronagem foi uma das estratgias mais importantes
do Banco Mundial para se inserir nas economias polticas dos pases do Terceiro
Mundo. Operando de acordo com suas prprias constituies e regras (frequentemente
redigidas em resposta a sugestes do Banco) e compostas por tecnocratas emergentes
simpticos ao Banco, mesmo em dvida com ele, as agncias que ele financiava
serviram para criar uma fonte constante e confivel do que o Banco mais precisa -
propostas de emprstimo financiveis. Elas tambm forneceram ao Banco bases de
poder crticas, atravs das quais ele foi capaz de transformar economias nacionais, de
fato sociedades inteiras, sem os procedimentos enfadonhos da avaliao e discusso
democrticas de alternativas.54
51
STROMBERG. Experimental Economics, Indeed. Mises Daily, 7 jan. 2004. Disponvel em: <https://
mises.org/library/experimental-economics-indeed>. Acessado em: 27 abr. 2016.
52
RICH. Cuckoo in the Nest, p. 9.
53
Ibid., p. 9-10.
54
Ibid., p. 10.
259
Apesar do vasto corpo de literatura acadmica sobre as questes discutidas nesta
passagem, talvez a descrio mais adequada delas seja um comentrio conciso de um
libertrio de livre mercado, Sean Corrigan:
Ser que ele [o Secretrio do Tesouro americano O'Neill] no sabe que toda a
estratgia oportunista do Tesouro do FMI-EUA de dominncia de amplo espectro
embasada em promover endividamento improdutivo liderado pelo governo no exterior, a
taxas de juros cada vez mais usurrias e, ento - seja antes ou, mais frequentemente
hoje em dia, depois do ponto de falncia - resgatar os bancos Ocidentais que foram os
agentes provocadores desta Operao Overlord financeira55, com dlares recm-
emitidos, em detrimento dos cidados do pas?
Ser que ele no est ciente que, subsequente ao colapso, deve-se permitir que
estes Reconstrucionistas de ltima hora arrebatam e comprem o controle proprietrio
dos recursos e capitais produtivos tornados ridiculamente baratos pela desvalorizao
ou pelo total colapso financeiro?
Ser que ele no entende que ele deve coagir simultaneamente a nao alvo a
fazer suar seu povo para produzir bens exportao a fim de pagar a dvida recm
refinanciada, alm de acumular reservas excessivas em dlar como um suposto
baluarte contra futuros ataques especulativos (geralmente financiado pelos mesmos
emprstimos dos bancos ocidentais aos seus colegas das Foras Especiais nos fundos
de macro hedge) - garantindo, assim, que o mercantilismo reverso da Rubinomics56 seja
mantido?57
A economia americana poderia ter tido acesso aos recursos que ela estava disposta a
comprar em termos mutuamente satisfatrios e ter colocado venda seu prprio excedente
naqueles pases dispostos a compr-lo, sem o aparato de um mercantilismo corporativo
55
Operao Overlord foi o codinome para a Batalha da Normandia, uma operao aliada que iniciou a
invaso bem-sucedida da Europa Ocidental, ocupada pelos alemes durante a Segunda Guerra Mundial.
A operao teve incio em 6 de junho de 1944, com os desembarques da Normandia (Operao Netuno,
vulgarmente conhecido como Dia-D). Um ataque areo de 1200 avies precedeu um desembarque
anfbio, envolvendo mais de 5000 embarcaes. Cerca de 160000 homens cruzaram o canal da Mancha
em 6 de junho, e, com isso, mais de trs milhes de aliados estavam na Frana at o final de agosto.
Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Opera%C3%A7%C3%A3o_Overlord. . Acessado em: 23 set. 2016.
56
N. do T.: Rubinomics, uma juno das palavras "Rubin" e "economics", foi originalmente usado para
descrever coletivamente as polticas econmicas do ex-presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.
assim chamado por causa de Robert E. Rubin, o ex-Secretrio do Tesouro dos Estados Unidos. A
Rubinomics enfatiza o efeito que o equilbrio do oramento do governo tem sobre as taxas de juro de
longo prazo. Os impostos devem coincidir com os gastos do governo, a longo prazo, e cortes de
impostos financiados com dficit so uma forma contraprodutiva de aumentar o crescimento. Isto pode
ser visto como uma forma da teoria fiscal sobre o nvel de preos - a poltica fiscal que afeta de inflao
de longo prazo (como expresso por taxas de juros de longo prazo). Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Rubinomics. Acessado em: 23 set. 2016.
57
CORRIGAN, Sean. You Can't Say That!. LewRockwell.com, 6 ago. 2002. Disponvel em:
<https://www.lewrockwell.com/2002/08/sean-corrigan/the-carlyle-group-cleans-up/>. Acessado em: 26
abr. 2016.
260
transnacional. Tal estado de coisas teria sido de livre comrcio genuno. O que a elite
americana realmente queria, contudo, foi habilmente declarado por Thomas Friedman em um
de seus lapsos de franqueza:
Mas isso [um genuno livre comrcio de recursos com o Terceiro Mundo em termos
mutuamente aceitveis] no o que realmente interessa s gigantes corporaes
multinacionais que dominam a poltica americana. O que elas querem controle
monopolista sobre fontes estrangeiras de abastecimento e sobre mercados
estrangeiros, que permitam que elas comprem e vendam em termos especialmente
privilegiados, mudem os pedidos de uma subsidiria para outra, favoream este ou
aquele pas, dependendo de qual tem as polticas tributrias, trabalhistas ou outras mais
vantajosas - em uma palavra, elas querem fazer negcios em seus prprios termos e
em qualquer lugar que escolham. E, por isso, o que elas precisam no de parceiros
comerciais, mas de "aliados" e clientes dispostos a ajustar suas leis e polticas s
exigncias das Grandes Empresas americanas.59
O "sistema de ordem mundial" imposto pelos EUA desde a Segunda Guerra Mundial e
louvado nas observaes de Friedman sobre a "mo visvel" quase o reverso da noo liberal
clssica de livre comrcio. Esta nova verso de "livre comrcio" aptamente caracterizada em
uma passagem de Christopher Layne e Benjamin Schwarz:
58
FRIEDMAN, Thomas. What the World Needs Now. New York Times, New York, 28 mar. 1999.
59
BARAN, Paul; SWEEZY, Paul. Monopoly Capitalism: An Essay in the American Economic and Social
Order. New York: Monthly Review Press, 1966. p. 201.
261
dos Estados Unidos coloca uma ironia nos argumentos internacionalistas liberais sobre
as virtudes do livre comrcio, que mantinham que remover o estado de transaes
internacionais seria um antdoto para a guerra e para o imperialismo....
...Em vez de se subscrever viso liberal clssica de que o livre comrcio leva
paz, a comunidade poltica externa espera que o poder militar americano imponha a
harmonia, de modo que o livre comrcio possa ter lugar. Desta forma, os compromissos
de segurana dos EUA so vistos como uma pr-condio indispensvel para a
interdependncia econmica.60
60
LAYNE, Christopher; SCHWARTZ, Benjamin. American Hegemony Without an Enemy. Foreign Policy,
vol. 92, outono 1993. pp. 12-3.
61
MACDONAGH, Oliver. The Anti-Imperialism of Free Trade. The Economic History Review, vol. 14, n. 3,
pp. 489-501, 1962.
62
N. do T.: "Como ter um livre comrcio" em portugus.
262
slogans de nacionalismo econmico...
Esta mudana radical no sentido aceito de livre comrcio tem paralelos perfeitos
com outras redefinies de conceitos, caractersticas do sculo XX, como "guerra",
"paz", "liberdade" e "democracia", para citar apenas alguns. No caso do livre comrcio,
eu acho que podemos deduzir que quando, a partir de 1932, o Partido Democrata - com
sua retrica tradicional sobre livre comrcio no sentido mais antigo - assumiu o projeto
dos Republicanos de neomercantilismo e imprio econmico, foi natural para eles
levarem-no adiante sob o slogan do "livre comrcio. Eles no eram apegados a tarifas,
o que, na sua opinio, entrava no caminho da implementao do Imprio de Portas
Abertas. Como um governo Bourbon espanhol do sculo XVIII, eles representavam um
comrcio mais livre dentro de um sistema mercantilista existente ou projetado. Eles
teriam concordado, tambm, com Lord Palmerston, que disse em 1841, " assunto do
governo abrir e garantir as estradas do comerciante"....
63
STROMBERG. Free Trade, Mercantilism and Empire. Anti-War Blog, 28 fev. 2000. Disponvel em:
<http://www.antiwar.com/stromberg/s022800.html>. Acessado em: 28 out. 2003.
64
N. do T.: O Relatrio do Conselho de Segurana Nacional 68 (National Security Council Report 68,
NSC-68) era um documento de polticas ultrassecreto de 58 pginas, criado pelo Conselho de
Segurana Nacional dos Estados Unidos, apresentado ao presidente Harry S. Truman em 14 de abril de
1950. Foi uma das declaraes mais importantes da poltica americana na Guerra Fria. Nas palavras do
estudioso Ernest R. May, o NSC-68 "forneceu o modelo para a militarizao da Guerra Fria entre 1950 e
para o colapso da Unio Sovitica no incio da dcada de 1990". O NSC-68 e suas posteriores
amplificaes defendiam uma grande expanso no oramento militar dos Estados Unidos, o
desenvolvimento de uma bomba de hidrognio e o aumento da ajuda militar aos aliados dos Estados
Unidos. Ele tornou a conteno da expanso comunista mundial uma alta prioridade. O NSC-68 rejeitava
263
comunidade internacional saudvel" era "uma poltica que ns provavelmente perseguiramos
mesmo que no houvesse nenhuma ameaa sovitica".
Subjacente estratgia de ordem mundial dos EUA est a crena de que a Amrica
deve manter o que , em essncia, um protetorado militar em regies economicamente
fundamentais, para garantir que as relaes comerciais e financeiras vitais da Amrica
no sejam interrompidas por agitao poltica. Este tipo de estratgia economicamente
determinada, articulada pela elite da poltica externa, ironicamente (talvez
inconscientemente) adota uma interpretao semi-marxista ou, mais corretamente,
leninista das relaes exteriores americanas.65
Apesar dos excessos retricos peridicos de Chomsky, sua caracterizao da era ps-
guerra estava essencialmente correta: "Colocando complexidades de segunda ordem de lado,
para a URSS, a Guerra Fria foi primariamente uma guerra contra seus satlites e, para os EUA,
uma guerra contra o Terceiro Mundo. Para cada um, ela serviu para consolidar um sistema
particular de privilgio domstico e de coero"67.
Se qualquer coisa, a Guerra Fria com a Unio Sovitica aparece quase como uma
264
reflexo tardia para o planejamento americano de uma ordem ps-guerra. Longe de ser a
causa do papel dos Estados Unidos como garantidor de um sistema de ordem mundial, o
Imprio Sovitico agiu como um estraga-prazeres para os planos pr-existentes dos EUA de
agir como uma nica superpotncia global. Historicamente, qualquer poder rival que tenha se
recusado a ser incorporado na Grande rea ou que tenha incentivado outros pases (atravs
de "desero interna") a se retirar da Grande rea, foi visto como um "agressor". Citando
Domhoff mais uma vez,
Da mesma forma, como a ltima frase de Domhoff na citao acima sugere, qualquer
pas que tenha interferido com a tentativa dos EUA de integrar os mercados e os recursos de
qualquer regio do mundo em sua ordem econmica internacional tem sido visto como uma
"ameaa". O Grupo Econmico e Financeiro do projeto de planejamento ps-guerra do
CFR/Departamento de Estado produziu, em 24 de julho de 1941, um documento (E-B34),
alertando para a necessidade de os Estados Unidos "defender a Grande rea", no apenas
contra ataques externos por parte da Alemanha, mas contra a "desero interna",
particularmente contra pases como o Japo (que, juntamente com o resto da sia oriental, foi
considerado como parte da Grande rea) empenhados em "destruir a rea por suas prprias
razes polticas"69. A centralidade dessa considerao ilustrada pelo relatrio de um grupo de
estudo de 1955 do Centro Woodrow Wilson, que apontou para a ameaa de "uma grave
reduo da base de recursos e oportunidades de mercado potenciais do Ocidente devido
subtrao das reas comunistas e sua transformao econmica de maneiras que reduzem
sua vontade e capacidade de complementar as economias industriais do Ocidente"70.
68
DOMHOFF. Power Elite and the State, p. 145.
69
Ibid., pp. 160-1.
70
ELLIOT, William Yandell (Ed.). The Political Economy of American Foreign Policy. [S.l]: Holt, Rinehart
& Winston, 1955. p. 42.
71
BARNETT, Thomas. The Pentagon's New Map. Esquire, mar. 2003. Disponvel em
<http://thomaspmbarnett.com/the-pentagons-new-map/>. Acessado em: 26 jul. 2004.
265
A verso neoconservadora da democracia mais ou menos o que Noam Chomsky
entende por "democracia de espectadores": um sistema no qual o pblico se envolve em rituais
de legitimao peridicos chamados "eleies", escolhendo a partir de uma gama limitada de
candidatos, todos representando a mesma elite. Tendo assim cumprido seu dever democrtico,
o pblico retorna s ligas de boliche e eventos sociais da igreja e a outros exemplos de
"sociedade civil" e deixam a mecnica da poltica para seus apostadores tecnocratas - que
passam imediatamente a receber ordens do Banco Mundial e do FMI. Esta forma de
democracia quase sinnima do que os neoconservadores chamam de "imprio da lei", o que
implica uma boa dose da racionalidade burocrtica weberiana. A estabilidade e a
previsibilidade associadas a tais "democracias" , do ponto de vista de negcios, muito
prefervel confuso de ditaduras ou de esquadres da morte.
As elites americanas preferem a "democracia" sempre que possvel, mas iro recorrer a
ditaduras quando em apuros. Os muitos, muitos casos em que o Programa de Assistncia dos
EUA, a Escola das Amricas, a CIA, o Banco Mundial e o FMI e outros da lista de suspeitos
habituais colaboraram apenas nesse expediente so narrados, em detalhes brutais, por William
Blum em Killing Hope.74
72
CAROTHERS, Thomas. The Reagan Years: The 1980s. In: LOWENTHAL, Abraham F. (Ed.).
Exporting Democracy. [S.l.]: Johns Hopkins, 1991. pp. 117-8.
73
Ibid., pp. 96-7.
74
BLUM, William. Killing Hope: U.S. Military and CIA Interventions Since World War II. Monroe, Maine:
Common Courage Press, 1995.
266
Embora houvesse muitas variedades de capitalismo consistentes com a poltica
anticomunista que os Estados Unidos... procuravam avanar, o que era axiomtico no
credo americano era que a forma de capitalismo que eles advogavam para o mundo
deveria ser integrada de tal maneira que os seus empresrios desempenhassem um
papel essencial nela. Uma e outra vez, eles estavam prontos para sacrificar a maneira
mais eficaz de se opor ao comunismo, a fim de promover seus prprios interesses
nacionais. Neste sentido, o seu papel vital mundo no era simplesmente de resistir
esquerda, mas principalmente de impor sua prpria dominao....
Um regime comunista autoritrio, como os sunos da Revoluo dos Bichos, pode ser bastante
razovel para lidar com os seus vizinhos agricultores. O "paraso dos trabalhadores" chins, um
dos refgios favoritos das fbricas de suor estrangeiras, um excelente exemplo.
Mas a Lei de Say se aplica somente a um mercado livre. Como Stromberg aponta, uma
75
KOLKO. Confronting the Third World, pp. 117, 123.
76
HOBSON. Imperialism, pp. 75-6.
267
verdadeira m distribuio do poder de consumo resulta da interveno do estado para
transferir a riqueza de seus verdadeiros produtores para uma classe dominante politicamente
conectada. E o trabalho dos neomarxistas sobre a superacumulao nos mostrou que os males
que o keynesianismo foi concebido para remediar, em uma economia capitalista de estado, so
bastante reais. O Estado promove a acumulao de capital em uma escala para alm da qual
sua produo pode ser absorvida (a seus preos cartelizados) pela demanda privada; e,
portanto, o capital depende do Estado para dispor desse excedente.
Todos os elementos esto aqui em forma bruta: a expanso das instalaes de produo a
uma escala para alm da qual o mercado ir suportar; a necessidade de restringir a produo
para manter os preos, conflitante com a necessidade simultnea de manter a produo alta o
suficiente para utilizar a capacidade plena e manter baixos os custos unitrios; a incapacidade
da economia de absorver a produo completa da indstria cartelizada a preos de monoplio.
77
HILFERDING, Rudolf. Finance Capital. Edio e traduo de Tom Bottomore. London e Boston:
Routledge & Kegan Paul, 1910 (1981). p. 297.
78
Ibid., p. 297.
268
concorrncia no mercado interno. A supresso da concorrncia sustenta o efeito de
uma tarifa protecionista de aumentar os preos, mesmo numa fase em que a produo
h muito tempo j superou a demanda. Assim, torna-se um dos principais interesses da
indstria cartelizada tornar a tarifa protecionista uma instituio permanente, que, em
primeiro lugar, assegure a existncia contnua do cartel e, segundo, permita que o cartel
venda seu produto no mercado interno com um lucro extra.79
O estado poderia tambm intervir para criar uma fora de trabalho assalariada em
79
Ibid., p. 308.
80
Ibid., p. 309.
81
Ibid., p. 317-8.
82
Ibid., p. 321.
269
pases atrasados expropriando terras, recriando assim o processo de acumulao primitiva no
Ocidente. Alm disso, a tributao pesada poderia ser usada para forar um campesinato
economia monetria, fazendo-o trabalhar (ou trabalhar mais) no mercado de trabalho capitalista
para levantar o dinheiro dos impostos. Este foi um padro comum, Hilferding escreveu: no
Terceiro Mundo, como antes no Ocidente, "quando a necessidade de expanso do capital
encontra obstculos que s poderiam ser superados demasiado lenta e gradualmente por
meios puramente econmicos, ele recorre ao poder do estado e o usa para a expropriao
forada, a fim de criar o proletariado assalariado livre necessrio"83.
O estado garante que o trabalho humano nas colnias esteja disponvel em termos que
tornem possveis lucros extras.... A riqueza natural das colnias, do mesmo modo,
torna-se uma fonte de lucros extras ao diminuir os preos das matrias-primas.... A
expulso ou aniquilao da populao nativa, ou, no caso mais favorvel, a sua
transformao de pastores e caadores em escravos por dvida ou seu confinamento
em pequenas reas restritas como camponeses, cria, de um s golpe, terra livre que
tem apenas um preo nominal.84
Como Kwame Nkrumah zombou, a chamada "ajuda externa", sob o neocolonialismo, teria sido
chamada de investimento externo nos dias colonialismo ao estilo antigo.86
83
Ibid., p. 319-20.
84
Ibid., p. 328.
85
BUKHARIN, Nikolai. Imperialism and World Economy. [S.l]: International Publishers, 1929[1915-1917].
Disponvel em <http://www.marxists.org/archive/bukharin/works/1917/imperial/>. Acessado em: 28 out.
2003. cap. VII.
86
NKRUMAH, Kwame. Neo-Colonialism: The Last Stage of Imperialism. New York: International
Publishers, 1965. p. 51.
270
A unio em um cartel ou truste confere vrios benefcios ao empreendedor - uma
economia de custos, uma posio mais forte contra os trabalhadores - mas nenhuma
delas se compara com esta vantagem: uma poltica de preos monopolistas, possvel,
em qualquer grau considervel, somente por trs de uma tarifa protecionista adequada.
Ora, o preo que traz o mximo de lucro monopolista est, geralmente, muito acima do
preo que seria fixado pelos flutuantes custos competitivos, e o volume que pode ser
comercializado a esse preo mximo est, geralmente, muito abaixo da produo que
seria tcnica e economicamente vivel. Sob livre concorrncia, essa produo seria
produzida e oferecida, mas um truste no pode oferec-la, pois ela s pode ser vendida
a um preo competitivo. No entanto, o truste tem que a produzir - ou aproximadamente
tanto quanto - caso contrrio, as vantagens da empresa em grande escala continuam
por explorar e os custos unitrios provavelmente sero antieconomicamente altos.... [O
truste] se desenreda deste dilema, produzindo a produo mxima que seja
economicamente vivel, assegurando, assim, baixos custos e a oferecendo no mercado
domstico protegido apenas na quantidade correspondente ao preo de monoplio - na
medida em que a tarifa permitir; enquanto o restante vendido, ou "despejado" no
exterior a um preo inferior87
87
SCHUMPETER, Joseph. Imperialism. In: ______. Imperialism, Social Classes: Two Essays by Joseph
Schumpeter. Traduo de Heinz Norden, introduo de Hert Hoselitz. New York: Meridian Books, 1955.
pp. 79-80.
88
SKLAR. Corporate Reconstruction of American Capitalism, p. 58.
271
barato; eles podem comercializar os seus produtos, mesmo nas colnias, a preos de
monoplio; eles podem, finalmente, investir o capital que s iria deprimir a taxa de lucro
em casa .... 89
Para ser justo, Schumpeter abordou esta questo de passagem, assim como o fez
Stromberg ao cit-lo: "uma empresa que no pudesse sobreviver na ausncia do imprio havia
sido 'expandida para alm dos limites economicamente justificveis'"91. Como esta citao
indica, Schumpeter lidou, embora de forma inadequada, com a medida em que o tamanho
corporativo era o efeito da interveno estatal. Ele concordou com Rothbard que a cartelizao
ou o monoplio, como tal, no poderiam existir sem o estado.
89
SCHUMPETER. Imperialism, pp. 82-3.
90
STROMBERG. Role of State Monopoly Capitalism, p. 65.
91
Ibid., p. 71.
272
determinada localidade; e o crescimento de combinaes que fariam sentido sob um
sistema de livre comrcio encontra limites de eficincia organizacional. Para alm
desses limites, no h tendncia de combinao no sistema competitivo.92
Walter Adams e James Brock, dois especialistas em economia de escala, citaram vrios
estudos que mostram que "os tamanhos das plantas ideais tendem a ser bastante pequenos,
em relao ao mercado nacional". De acordo com um estudo, mesmo levando em conta as
eficincias do tamanho da empresa, as fatias de mercado das trs maiores empresas, em nove
das doze indstrias, excediam a eficincia mxima em um fator de algo entre dois e dez. Mas a
economia de escala produtiva era principalmente uma funo do tamanho da planta, no da
dimenso das empresas multiplanta. Quaisquer eficincias do poder de barganha fornecido
pela grande dimenso da empresa eram compensadas pelo aumento dos custos
administrativos e de controle e de outras deseconomias.94 Na verdade, Seymour Melman
argumentou que os custos administrativos aumentados de empresas multi-unidade e
multiprodutos so astronmicos. Elas esto propensas a muitas das mesmas deficincias -
dados falsificados vindos de baixo e elaborados sistemas formais de controle, com os sistemas
de policiamento anexos - que a indstria estatal nos pases comunistas.95
92
SCHUMPETER. Imperialism, p. 88.
93
BAILEY, W. R. The One-Man Farm. Citado em: STAVRIANOS, L. S. The Promise of the Coming Dark
Age. San Francisco: W. H. Freeman and Co., 1976. p. 38.
94
ADAMS, Walter; BROCK, James. The Bigness Complex. New York: Pantheon Books, 1986. pp. 33-4,
45-6.
95
MELMAN, Seymour. Profits without Production. New York: Alfred A. Knopf, 1983. p. 80.
96
Citado em: STEIN, Barry. Size, Efficiency, and Community Enterprise. Cambridge, Massachusetts:
Center for Community Economic Development, 1974. p. 5.
97
ADAMS; BROCK. Bigness Complex, pp. 38-9.
273
uma fbrica de automveis desgaste as matrizes de um ciclo de produo em um nico ano.
Caso contrrio, o pico da economia de escala seria alcanado em uma planta com uma
produo de apenas 60.000 por ano.98
O ponto desta digresso que o tamanho das empresas existentes reflete o papel do
estado em subsidiar o aumento do tamanho, ao subscrever as ineficincias do gigantismo
empresarial - como Rothbard apontou, as maneiras em que "nosso estado corporativo usa o
poder coercitivo de taxao, seja para acumular capital social ou para reduzir os custos
corporativos"100. Uma genuna economia de livre mercado seria muito menos centralizada, com
produo primariamente para mercados locais.
De acordo com Hilferding, "ao passo que o mpeto de aumentar a produo muito
forte nas indstrias cartelizadas, os altos preos do cartel impedem qualquer crescimento do
mercado domstico, de modo que a expanso no exterior oferece a melhor chance de atender
necessidade de aumentar a produo"101. Bukharin mais tarde descreveu o capital excedente
como um resultado direto da cartelizao, em linguagem bastante similar. No Captulo VII de
Imperialism and World Economy, ele escreveu:
Os volumes de capital que buscam emprego atingiram dimenses inditas. Por outro
lado, os cartis e os trustes, enquanto organizao moderna do capital, tendem a
colocar certos limites ao emprego do capital, atravs da fixao do volume de produo.
Quanto s sees no cartelizadas da indstria, torna-se cada vez menos lucrativo
investir o capital nelas. Pois as organizaes monopolistas podem superar a tendncia
reduo da taxa de lucro recebendo superlucros monopolistas, em detrimento das
98
GREEN, Mark J. et al. (Eds.). The Closed Enterprise System. Relatrio do Grupo de Estudos de Ralph
Nader sobre Aplicao do Antitruste. New York: Grossman Publishers, 1972. pp. 243-4.
99
ADAMS; BROCK. The Bigness Complex, pp. 45-6.
100
ROTHBARD, Murray. Confessions of a Right-Wing Liberal. In: SILVERMAN, Henry J. (Ed.). American
Radical Thought: The Libertarian Tradition. Lexington, Massashusetts: D.C. Heath and Co., 1970. p. 305.
101
HILFERDING. Finance Capital, p. 325.
274
indstrias no cartelizadas. A partir da mais-valia criada a cada ano, uma poro,
aquela que foi criada nos ramos no cartelizados da indstria, est sendo transferida
para os coproprietrios de monoplios capitalistas, ao passo que a parte daqueles de
fora diminui continuamente. Assim, todo o processo leva o capital para alm das
fronteiras do pas.102
Paul Mattick elaborou sobre este tema em um artigo de 1956. A economia corporativa
superconstruda, escreveu ele, defrontou-se com o problema de que "[a] formao de capital
privado... encontra a sua limitao na decrescente demanda de mercado". O Estado teve que
absorver parte da produo excedente; mas tinha que faz-lo sem competir com as
corporaes no mercado privado. Em vez disso, "[a] produo induzida pelo governo
canalizada para campos no-mercantis - a produo no-competitiva de obras pblicas,
armamentos, suprfluos e resduos"105. Como resultado necessrio deste estado de coisas,
102
BUKHARIN. Imperialism and World Economy, cap. VII.
103
BARAN; SWEEZY. Monopoly Capitalism, pp. 112-41.
104
Ibid., pp. 112, 142-77, 207-17.
105
MATTICK, Paul. The Economics of War and Peace. Dissent, vol. 111, n. 4, outono 1956. p. 377.
275
A fim de aumentar a escala de produo e de acumulao de capital, o governo
cria "demanda" ao ordenar a produo de bens no comercializveis, financiados por
emprstimos governamentais. Isto significa que o governo se aproveita dos recursos
produtivos pertencentes ao capital privado que de outra forma ficariam ociosos.106
Tal consumo de produo, embora nem sempre diretamente rentvel para a indstria privada,
serve a uma funo anloga ao "despejo" externo abaixo do custo, ao permitir que a economia
corporativa obtenha economias de produo em larga escala em nveis de produo alm da
capacidade dos consumidores privados de absorver.
106
Ibid., pp. 378-9.
107
BARAN; SWEEZY. Monopoly Capitalism, p. 220.
276
Captulo Oito--Tendncias de Crise
Introduo
A. Crise de Acumulao
A tributao para sustentar o estado de bem-estar social e outras formas do que James
O'Connor chamou de "consumo pblico" reduz o pool de fundos disponveis para investimento
privado. Ao mesmo tempo, o aumento do poder de barganha do trabalho, resultante do pacto
liberal corporativo, aumenta a poro do produto consumido pelos trabalhadores.
1
OCONNOR, James. Accumulation Crisis. Oxford: Basil Blackwell, 1984. p. 97.
277
Na medida em que o valor da fora de trabalho socialmente determinado, o aumento
no poder de barganha do trabalho e a revoluo das expectativas crescentes aumentam o
custo do capital varivel e reduzem a massa de mais-valia disponvel para reinvestimento. Sob
o pacto liberal corporativo, de acordo com O'Connor,
a cesta de consumo mdio se tornou grande demais, e seu valor de contedo, alto
demais; a cesta de consumo social se tornou grande demais, e seu "valor de contedo"
igualmente; as lutas de classe, na forma individual, dentro da lei do valor e contra ela,
interferiram com os processos capitalistas por meio dos quais a fora de trabalho era
produzida e reproduzida como capital varivel.2
2
Ibid., p. 8.
278
estatal para resolver suas contradies. O resultado foi o capitalismo de estado plenamente
desenvolvido do sculo XX, no qual o estado desempenhava um papel direto em subsidiar e
cartelizar a economia corporativa. Apesar de tal interveno, no entanto, o capitalismo de
estado ainda era instvel. Conforme a cartelizao regulatria avanou a partir da era
"Progressista", os problemas de superproduo e capital excedente foram ainda mais
intensificados pelas foras descritas por Stromberg nos ltimos dois captulos, com o estado
recorrendo a um expansionismo externo cada vez maior, feito uma bola de neve, e a um
corporativismo domstico para resolv-los. Eles eventualmente levaram ao estado corporativo
do New Deal, a uma guerra mundial em que os EUA se estabeleceram (nas palavras de
Samuel Huntington) como uma "potncia hegemnica em um sistema de ordem mundial" e a
uma economia de alta tecnologia quase totalmente militarizada.
Uma taxa de lucro positiva, sob o capitalismo de estado do sculo XX, foi possvel
apenas porque o estado assumiu tamanha parte do custo de reproduo do capital constante e
varivel e realizou um "investimento social" que aumentava a eficincia do trabalho e do capital
e, consequentemente, a taxa de lucro sobre o capital.3 E as demandas do capital monopolista
ao estado no so estveis ao longo do tempo, mas aumentam constantemente:
O'Connor no lidou adequadamente com a razo primria para a crise fiscal: o papel
crescente do estado em desempenhar funes de reproduo do capital remove um segmento
cada vez maior da economia do sistema de preos de mercado. A remoo do sistema de
feedback dos preos, que em um livre mercado vincula a quantidade demandada quantidade
oferecida, leva a demandas sempre crescentes por servios estatais. Quando o consumo de
algum fator subsidiado pelo estado, o consumidor protegido do custo real de fornec-lo e
incapaz de fazer uma deciso racional sobre o quanto usar. Assim o setor capitalista de estado
tende a adicionar insumos de produo de maneira extensiva, em vez de intensiva; isto , ele
usa os fatores em quantidades maiores, em vez de usar as quantidades existentes de forma
mais eficiente. O sistema capitalista de estado gera demandas por novos insumos do estado de
forma geomtrica, ao passo que a capacidade do estado de fornecer novos insumos aumenta
apenas aritmeticamente. O resultado um processo de uma bola de neve de irracionalidade,
no qual as intervenes do estado desestabilizam o sistema ainda mais, exigindo ainda mais
interveno estatal, at que as exigncias do sistema de insumos estabilizantes excedam os
recursos do estado. Nesse ponto, o sistema capitalista de estado atinge um ponto de ruptura.
3
Vide material de OCONNOR. Fiscal Crisis of the State. New York: St. Martin's Press, 1973., no
Captulo Seis, acima.
4
OCONNOR. Fiscal Crisis, p. 8.
279
Provavelmente, o melhor exemplo deste fenmeno o sistema de transporte. Os
subsdios estatais para rodovias, aeroportos e ferrovias, ao distorcerem o feedback de custo
para os usurios, destroem o elo entre a quantia fornecida e a quantia demandada. O
resultado, entre outras coisas, um sistema de rodovias interestaduais que gera
congestionamentos mais rpido do que se pode construir ou expandir o sistema para acomodar
os congestionamentos. O custo de reparao dos leitos de estradas e pontes em deteriorao
mais urgente diversas vezes maior do que a quantia apropriada para esse propsito. Na
aviao civil, pelo menos antes dos ataques de 11 de setembro, o resultado eram avies
empilhados taxiando no aeroporto de O'Hare. Simplesmente no h nenhuma maneira de
resolver estas crises construindo-se mais rodovias ou aeroportos. A nica soluo financiar o
transporte com taxas de utilizao baseadas nos custos, de modo que o usurio perceba o
verdadeiro custo de fornecer os servios que ele consome. Mas esta soluo implicaria na
destruio da economia corporativa centralizada existente. Por exemplo, quando o Reino Unido
experimentou estradas com pedgio como um mtodo de financiamento, a tentativa de fazer os
usurios pagarem o custo total dos servios de transporte que consumiam resultou apenas em
caminhoneiros sendo conduzidos a estradas secundrias.
5
HEAD to Head: M6 Toll Road. BBC News, 9 dez. 2003. Disponvel em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_
news/3303629.stm>. Acessado em: 10 dez. 2003.
280
ms. "Oferta e demanda sero foradas a se equilibrar - mas a um preo".
Durante a escassez do final dos anos 70, Warren Johnson previu que a crise energtica
prolongada levaria, por meio das foras de mercado, a uma descentralizao radical da
economia e a um retorno ao localismo.7 Como qualquer outro tipo de interveno do Estado,
subsdios para transporte e energia levam a uma irracionalidade cada vez maior, culminando
em colapso.
6
WORLD Oil Supplies Running Out Faster than Expected. Oil and Gas Journal, 12 ago. 2002. Vide
tambm MONBIOT, George. Bottom of the Barrel. The Guardian, 2 dez. 2003. Disponvel em:
<http://www. monbiot.com/2003/12/02/the-bottom-of-the-barrel/>. Acessado em: 19 fev. 2016.;
CAMPBELL, Colin J.; LAHERRRE, Jean H. The End of Cheap Oil. Scientific American, mar. 1998;
PORTER, Adam. Is the world's oil running out fast? BBC News, 7 jun. 2004. Disponvel on-line em:
<http://news.bbc.co.uk/1/hi/ business/3777413.stm>. Acessado em: 15 mai. 2004.
7
JOHNSON, Warren. Muddling Toward Frugality. San Francisco: Sierra Club Books, 1978.
281
insetos e pragas que se especializam em determinadas culturas. O uso de fertilizantes
qumicos, pelo menos as variedades mais comuns de NPK simples, retira do solo elementos
vestigiais - um fenmeno observado h muito tempo por Max Gerson. As cargas qumicas
nestes fertilizantes, conforme se acumulam, alteram a qualidade osmtica do solo - ou o
deixam mesmo txico. A dependncia de tais fertilizantes, em vez de adubos verdes e
compostos tradicionais, degrada severamente a qualidade do solo enquanto sistema biolgico
vivo: por exemplo, o esgotamento de micorrizas que funcionam em simbiose com sistemas
radiculares para ajudar a absoro de nutrientes. O efeito cumulativo de todas essas prticas
pressionar o solo ao ponto do colapso biolgico. O solo argiloso duro em muitas plantaes do
agronegcio praticamente estril biologicamente, muitas vezes com menos de uma nica
minhoca por jarda cbica de solo. O resultado, assim como com pesticidas qumicos, uma
quantia cada vez maior de insumos fertilizantes para produzir resultados decrescentes.
Em todos os casos, a regra bsica que, sempre que a economia se desvia do preo
de mercado como princpio de alocao, ela se desvia, nessa medida, da racionalidade. Em
uma longa srie de ndices, a economia capitalista de estado utiliza recursos ou fatores forma
muito mais intensiva do que seria possvel se as grandes corporaes estivessem pagando o
custo elas mesmas. A economia muito mais intensiva em transporte do que o um mercado
livre poderia sustentar, como j vimos. Tambm mais intensiva em capital e mais
intensivamente dependente do trabalho tcnico-cientfico do que seria rentvel se todos os
custos fossem arcados pelos beneficirios. A economia muito mais centralizada, capital-
intensiva e de alta tecnologia do que de outra forma seria. Tivessem as grandes empresas
corporativas pago por esses insumos elas mesmas, elas teriam chegado ao ponto de utilidade
marginal zero de insumos adicionais muito mais cedo.
282
A crtica de livre mercado desses fenmenos tem paralelos prximas quela de Ivan
Illich em Tools For Conviviality8. Illich argumentava que a adoo de tecnologias seguiu um
padro caracterizado por dois limiares (ou "divisores d'gua"). O primeiro limiar era um de
grande utilidade marginal para incrementos adicionais da nova tecnologia, com um grande
aumento na qualidade de vida global na medida em que ela era introduzida. Mas,
eventualmente, um segundo limiar foi atingido, em que novos aumentos produziam
desutilidades. As tecnologias continuaram a ser adotadas, para alm do nvel em que
prejudicavam positivamente a sociedade; reas inteiras da vida foram sujeitadas maior
especializao, profissionalizao e controle burocrtico; e formas mais antigas de tecnologia,
que permitiam um controle mais autnomo, individual e local, foram ativamente removidas
carimbadas. Em todas essas reas da vida, o efeito foi destruir as instituies e as maneiras de
fazer as coisas em escala humana, passveis de controle por uma pessoa mdia.
Aqueles que criticam esses aspectos da nossa sociedade ou que expressam simpatias
pelas maneiras da vida mais antigas e de menor escala so comumente julgados como
nostlgicos, romnticos - mesmo luditas. E tais crticas esto, de fato, na maioria das vezes,
junto com pedidos de regulamentao governamental de algum tipo para proteger a qualidade
de vida, restringindo a introduo de tecnologias disruptivas. Os piores entre tais crticos
idealizam a prtica "nativa americana" de considerar os efeitos de uma tecnologia por "seis
geraes" antes de permitir que ela seja adotada. O prprio Illich caiu nesta categoria geral,
considerando estas questes como sendo um assunto adequado para o controle poltico de
base ("reconstruo convivial").
8
ILLICH, Ivan. Tools for Conviviality. New York: Harper & Row, 1973.
283
voluntrias, nada parecido com "desutilidade social" possvel. A desutilidade social lquida s
pode ocorrer quando aqueles que se beneficiaro pessoalmente da introduo de novas
tecnologias para alm do segundo limiar so capazes de forar os outros a arcarem com as
desutilidades. Como j vimos em nossas citaes da anlise de O'Connor, este o caso no
que diz respeito a uma grande parte da tecnologia. O lucro privatizado, enquanto o custo
socializado. Tivessem os que se beneficiaram da maior dependncia do automvel, por
exemplo, sido obrigados a internalizar todos os custos, o carro no seria introduzido para alm
do ponto em que as desutilidades globais se igualavam s utilidades globais. Como Kaveh
Pourvand elegantemente colocou em uma comunicao privada, a interveno do Estado
promove a adoo de determinadas tecnologias para alm do timo de Pareto.9 A coero ou o
uso dos "meios polticos" a nica maneira na qual uma pessoa pode impor uma desutilidade
sobre uma outra.
O sistema capitalista de estado exige, assim, insumos estatais cada vez maiores, sob a
forma de subsdios acumulao, e uma interveno cada vez maior para conter os efeitos
sociais nocivos do capitalismo de estado. Juntamente com as presses polticas para conter o
crescimento da tributao, essas demandas levam a (como o ttulo de O'Connor indica) uma
"crise fiscal do estado", ou "uma tendncia de as despesas do Estado aumentarem mais
rapidamente do que os meios de as financiar".10 A "'lacuna estrutural' ...entre os gastos estatais
e as receitas do estado" satisfeita atravs de financiamento deficitrio crnico, com os
inevitveis resultados inflacionrios. Sob o capitalismo de estado "as tendncias de crise se
deslocam, claro, do sistema econmico para o administrativo...". Esta crise deslocada se
expressa atravs de "inflao e uma crise permanente nas finanas pblicas".11
A crise de insumos sob o capitalismo de estado agravada ainda mais pela promoo,
por parte do estado, das ineficincias do grande tamanho. A maioria das grandes corporaes
foram ampliadas para muito alm dos nveis Pareto-timos pela interveno governamental em
subsidiar as despesas operacionais e esconder o custo da ineficincia da organizao em
grande escala.
9
POURVAND, Kaveh. E-mail privado, 29 out. 2003.
10
OCONNOR. Fiscal Crisis of the State, p. 9.
11
HABERMAS, Jurgen. Legitimation Crisis. Traduo de Thomas McCarthy. United Kingdom: Polity
Press, 1973, 1976. pp. 61, 68.
284
produo, como o estado interveio de forma contnua para diminuir o poder de barganha do
trabalho e aumentar a taxa de explorao. Por exemplo, considere a ao da classe dominante
nos anos 70 para quebrar o poder do trabalho organizado, colocar um teto sobre os salrios
reais e desviar os recursos do consumo de massa para o investimento. O resultado foi a
estagnao dos salrios, o aumento da carga de trabalho (tambm conhecido como "aumento
de produtividade") e a necessidade de todos os tipos de mecanismos de vigilncia e controle
interno dentro da empresa para manter na linha a fora de trabalho cada vez mais descontente.
Robert Anton Wilson descreveu em termos grandiosos como o nus da ignorncia dos
trabalhadores confronta nus da oniscincia da gesto:
12
SHEA, Robert; WILSON, Robert Anton. The Illuminatus! Trilogy. New York: Dell Publishing Co., Inc.,
1975. p. 388.
285
Cada logograma autoritrio divide a sociedade, uma vez que divide o indivduo,
em metades alienadas. Aqueles na parte inferior sofrem o que eu chamarei de nus da
ignorncia. A atividade sensorial natural do biograma - o que a pessoa v, ouve, cheira,
prova, sente e, acima de tudo, o que o organismo como um todo, ou como um todo
potencial, quer - sempre irrelevante e imaterial. O logograma autoritrio, no o campo
da experincia sentida, determina o que relevante e material... A pessoa age, no
pela experincia pessoal e pelas avaliaes do sistema nervoso, mas pelas ordens
superiores...
13
Ibid., p. 498.
14
GOODMAN, Paul. People or Personnel e Like a Conquered Province. New York: Vintage Books, 1963,
1965. p. 357.
286
de mercado, e tanto mais elas esto removidas dos preos reais do mercado. Um planejador
corporativo interno, alocando recursos administrativamente, depende indiretamente dos preos
externos do mercado como fonte de informaes, da mesma forma como um planejador estatal
em uma economia gerida pelo estado.
15
GOODMAN. People or Personnel e Like a Conquered Province, pp. 83-4.
287
profissionais, artistas e operrios intrinsecamente comprometidos com o trabalho, h
economias ao longo de toda a linha. As pessoas se viram com os meios. Elas gastam
em valor, no em convenes. Elas improvisam procedimentos de forma flexvel
conforme a oportunidade se apresenta e intervm em situaes de emergncia. Elas
no vigiam o relgio. As habilidades disponveis de cada pessoa so colocadas em uso.
Elas evitam o status e, quando em apuros, aceitam salrios de subsistncia. A
administrao e as despesas gerais so ad hoc. A tarefa tende a ser vista em sua
essncia, em vez de em abstrato.16
Este o estilo de organizao em que a esmagadora maioria das pessoas trabalha. A maioria
das pessoas tem pouca ou nenhuma influncia em suas condies ou mtodos de trabalho e
no tem nenhum motivo para faz-lo "bem", alm da necessidade de um salrio e o medo de
ser despedida. Na verdade, as pessoas que avaliam a qualidade do seu trabalho no tm
nenhuma ideia de em que a qualidade poderia realmente consistir.
Quando o chefe com salrio prestigioso de uma grande organizao se aposenta, ele
nunca substitudo por um trabalhador da produo, de dentro da organizao, que realmente
entende o processo e pode tomar decises inteligentes. Em vez disso, os administradores ou
diretores escolhem entre uma grande variedade de currculos aventureiros com um histrico de
ocupar posies de alta gerncia em outras grandes organizaes. O novo chefe algum que
absorveu completamente a cultura profissional da alta gesto, mas nunca se envolveu no
trabalho genuinamente produtivo em sua vida.
Atro uma vez havia lhe explicado como isso era gerenciado, como os sargentos
podiam dar ordens para os soldados, como os tenentes podiam dar ordens aos
soldados e aos sargentos, como os capites... e assim por diante at os generais, que
podiam dar ordem a todas as outras pessoas e no precisavam receb-las de ningum,
exceto do comandante supremo. Shvek ouvira com um desgosto incrdulo. "Voc
chama isso de organizao?" ele inquirira. "Voc sequer a chama de disciplina? Mas
ela no nenhum dos dois. um mecanismo coercitivo de ineficincia extraordinria -
um tipo de motor a vapor do stimo milnio! Com uma estrutura to rgida e frgil o que
poderia ser feito que valesse a pena fazer?" Isso havia dado a Atro a chance de discutir
o valor da guerra como a criadora de coragem e virilidade e extirpadora dos inaptos,
mas a prpria linha de seu argumento o havia forado a admitir a eficcia das
guerrilhas, organizadas de baixo para cima, autodisciplinadas. "Mas isso s funciona
quando as pessoas pensam que elas esto lutando por algo que seu - sabe, suas
casas, ou uma noo ou outra", disse o velho homem. Shvek havia abandonado a
discusso. Ele agora a continuava, no poro que escurecia, entre as caixas empilhadas
16
Ibid., p. 113.
288
de produtos qumicos sem rtulo. Ele explicava para Atro que ele agora entendia por
que o Exrcito era organizado como o era. Era de fato bastante necessrio. Nenhuma
forma racional de organizao serviria ao propsito. Ele simplesmente no havia
entendido que o propsito era possibilitar que homens com metralhadoras matassem
homens desarmados e mulheres de maneira fcil e em grandes quantidades quando
ordenados a faz-lo.17
C. Crise de Legitimao
Na medida em que a relao de classe foi, ela mesma, repolitizada, e o estado assumiu
o controle das tarefas de substituio de mercado, assim como de complementao do
mercado..., a dominao de classe j no pode mais assumir a forma annima da lei do
17
LEGUIN, Ursula. The Dispossessed. New York: Harper Paperbacks, 1974. pp. 305-6.
18
GOODMAN. Compulsory Miseducation e The Community of Scholars. New York: Vintage Books, 1962,
1964. p. 213
19
GOODMAN. People or Personnel, p. 70.
20
HABERMAS. Legitimation Crisis, p. 36.
289
valor. Em vez disso, ela agora depende de constelaes factuais de poder, de se e
como a produo de mais-valia pode ser garantida atravs do setor pblico e de com o
que os termos do compromisso de classe se parecero.21
A interveno direta do estado em nome das elites corporativas se torna cada vez maior
e mais impossvel de esconder. Isso contradiz de maneira fundamental a ideologia oficial do
"capitalismo de livre mercado", na qual o estado age simplesmente como um garantidor neutro
de uma ordem social em que os mais merecedores vencem pelos seus prprios esforos. Por
isso, ela mina a base ideolgica da qual a sua legitimidade popular depende. Assim, em
paralelo com a crise fiscal do Estado, o capitalismo de estado se move, de igual modo, para o
que Habermas chamou de "crise de legitimao".
At o final da dcada de 1960, a perspectiva de elite foi governada pelo pacto social do
New Deal. O estado corporativo iria comprar estabilidade e aquiescncia popular explorao
imperialista no exterior garantindo um nvel de prosperidade e segurana para a classe mdia.
Em troca de melhores salrios, os sindicatos iriam reforar o controle da administrao sobre o
local de trabalho. Como Richard K. Moore colocou, a prosperidade garantiria a passividade
pblica.23 Mas, a partir da era do Vietn, o pensamento da elite passou por uma profunda
mudana.
21
Ibid., p. 68.
22
Ibid., p. 81.
23
MOORE, Richard K. Escaping the Matrix. Whole Earth, vero 2000, p. 53.
290
Elas concluram, a partir da experincia dos anos 1960, que o contrato social tinha
falhado. Alm de nveis sem precedentes de ativismo nos direitos civis e nos movimentos anti-
guerra e da mudana geral em direo ao radicalismo entre os jovens, os cidados como um
todo tambm se tornaram menos controlveis. Houve uma proliferao de organizaes
ativistas, mdia alternativa, organizaes de direitos sociais, ativismo comunitrio, etc.
A posio dos Estados Unidos como defensor do capitalismo global exigia que o seu
governo tivesse a capacidade "de mobilizar seus cidados para a consecuo dos objetivos
sociais e polticos e de impor disciplina e sacrifcio aos seus cidados, a fim de atingir esses
objetivos"26. O mais importante, essa capacidade exigia que a democracia fosse em grande
parte nominal e que os cidados estivessem dispostos as deixar grandes decises substantivas
sobre a natureza da sociedade norte-americana para as autoridades qualificadas. Ela exigia,
em outras palavras, "alguma medida de apatia e falta de envolvimento por parte de alguns
indivduos e grupos"27.
24
HUNTINGTON, Samuel P.; CROZIER, Michael J.; WATANUKI, Joji. The Crisis of Democracy.
Relatrio sobre a Governabilidade de Democracias para a Trilateral Commission: Triangle Paper 8. New
York: New York University Press, 1975. pp. 105-6.
25
Ibid., p. 92.
26
Ibid., pp. 7-8.
27
Ibid., pp. 113-5.
291
outros meios de autoridade e uma sobrecarga de demanda sobre o governo, excedendo sua
capacidade de resposta"28.
A tarefa das elites tradicionais do capitalismo de estado, em face da crise da democracia, era
restaurar essa "medida de apatia e no-envolvimento", e, assim, tornar o sistema mais uma vez
"governvel".30
Em resposta aos protestos contra a guerra e aos conflitos raciais, LBJ31 e Nixon32
28
Ibid., pp. 7-8.
29
Ibid., pp. 74-6.
30
Ibid., pp. 113-5.
31
Nota do Tradutor: Lyndon Baines Johnson, comumente LBJ, foi um poltico norte-americano e o 36
presidente dos Estados Unidos, cargo que assumiu aps servir como o 37 vice-presidente dos Estados
Unidos. Membro do Partido Democrata do Texas, Johnson fez parte da Cmara dos Representantes
entre 193749 e do Senado entre 194961. Aps no ter conseguido a indicao para presidente em
1960, ele recebeu a oferta de John F. Kennedy para ser seu running mate na eleio de 1960. Johnson
ascendeu presidncia aps o assassinato de Kennedy em 23 de novembro de 1963, completando o
mandato de Kennedy e sendo eleito por conta prpria com uma grande margem na eleio de 1964.
Johnson recebeu grande apoio dos Democratas e, enquanto presidente, foi responsvel por criar a
legislao da "Grande Sociedade", que inclua leis que confirmavam os direitos civis, radiodifuso
pblica, Medicare, Medicaid, proteo ambiental, auxlio a educao e sua "Guerra a Pobreza". Ele era
conhecido por sua personalidade autoritria e o "tratamento Johnson", sua coero de polticos
poderosos para avanar legislaes. Durante os primeiros anos de sua presidncia, a economia cresceu
e milhes de americanos saram da pobreza, especialmente por causa dos seus projetos de estmulo
econmicos e sociais.
Johnson adotou uma poltica externa voltada ao anticomunismo. Ele aumentou a participao norte-
americana na Guerra do Vietn, indo de dezesseis mil soldados na regio em 1963 para 550 mil no incio
de 1968, aumentando as fatalidades e diminuindo as chances de paz. O envolvimento gerou vrios
movimentos anti-guerra, principalmente em universidades de todo o pas. Revoltas comearam a ocorrer
em vrias cidades, e os crimes nas grandes cidades aumentaram em 1965, e seus oponentes passaram
a exigir medidas de lei e ordem. O Partido Democrata dividiu-se em vrias faces e, aps no ter ido
bem na conveno de Nova Hampshire em 1968, Johnson no conseguiu a indicao para tentar a
reeleio, tendo que desistir da corrida presidencial em 1968. O Republicano Richard Nixon acabou por
suced-lo. O legado de sua presidncia divide opinies. Muitos historiadores argumentam que seu
governo marcou o pico do liberalismo americano aps a era do New Deal. Johnson bem avaliado por
292
comearam a criar um quadro institucional para a coordenao de polticas de um estado
policial nos nveis mais altos, para se certificar de que qualquer desordem desse tipo, no futuro,
pudesse ser tratada de forma diferente. Este processo culminou no Civil Disturbance Plan 55-2,
Garden Plot do Departamento de Defesa, que envolvia vigilncia domstica por parte dos
militares, planos de contingncia para a cooperao militar com a polcia local na supresso de
distrbios em todos os cinquenta estados, planos para a priso preventiva em massa e
exerccios conjuntos da polcia com o exrcito regular. O Senador Sam Ervin, da Subcomisso
de Assuntos Constitucionais, afirmou que "a Inteligncia Militar tinha estabelecido um sistema
de vigilncia intrincado, abrangendo centenas de milhares de cidados americanos. Os
membros do comit haviam visto um plano mestre - Garden Plot - que deu uma viso de olhos
de guia sobre a estratgia do Exrcito-Guarda Nacional-polcia". (Claro, grande parte do
aparato necessrio para a priso preventiva de "subversivos" j estava em vigor desde a Lei
McCarran de Segurana Interna33 da era Truman.)
muitos estudiosos e historiadores devido as suas polticas domsticas e a assinatura de diversas leis,
incluindo de direitos civis, controle de armas e seguridade social. Apesar dos avanos internos, muitos o
desqualificam como um bom presidente devido ao fiasco da guerra do Vietn. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lyndon_B._ Johnson. Acessado em: 29 set. 2016.
32
N. do T.: Richard Milhous Nixon foi o 37. presidente dos Estados Unidos (1969-1974) e o nico
presidente norte-americano a renunciar ao mandato. Em 1953, foi eleito vice-presidente enquanto Dwight
Eisenhower se elegia presidente dos Estados Unidos. Em 1960, fora derrotado pelo democrata John
Kennedy na eleio presidencial, por menos de 80 mil votos de diferena e por pequena margem no
Colgio Eleitoral. Persistente, voltou a candidatar-se pelo Partido Republicano em 1968, vencendo a
eleio contra o democrata Hubert Humphrey. Em 1972, foi reeleito com esmagadora maioria no Colgio
Eleitoral (520 votos a 17) sobre o oponente George McGovern. Nixon negociou a retirada das foras dos
Estados Unidos durante a Guerra do Vietn, aproximou o pas da Repblica Popular da China e viajou a
Moscou, onde deu impulso s negociaes com a Unio Sovitica sobre a reduo de armamento. Ele
sempre se posicionou de forma contrria difuso do comunismo, considerando-o uma ideologia nociva.
Na poltica interna, Nixon travou dura luta contra a inflao, mediante o controle de preos e salrios e a
reduo dos gastos pblicos. Renunciou em 9 de agosto de 1974, em virtude do escndalo Watergate,
pouco antes da votao pelo Congresso da cassao de seu mandato - o impeachment. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Richard_ Nixon. Acesso em: 29 set. 2016.
33
N. do T.: O Internal Security Act de 1950, tambm conhecido como a Lei de Controle de Atividades
Subversivas ou Lei McCarran, em homenagem a seu principal patrocinador Sen. Pat McCarran (D-
Nevada), uma lei federal dos Estados Unidos. Foi promulgada por sobre veto do presidente Harry
Truman. O ato exigia que organizaes comunistas se registrassem junto ao Procurador Geral dos
Estados Unidos e criou o Conselho de Controle de Atividades Subversivas para investigar pessoas
suspeitas de envolvimento em atividades subversivas ou de outra forma na promoo da criao de uma
"ditadura totalitria", seja fascista ou comunista. Os membros desses grupos no poderiam tornar-se
cidados e, em alguns casos, foram impedidos de entrar ou sair do pas. Cidados encontrados em
violao poderiam perder sua cidadania em cinco anos. O ato tambm continha um estatuto de deteno
de emergncia, dando ao presidente a autoridade para apreender e deter "cada pessoa contra a qual h
motivos razoveis para crer que tal pessoa provavelmente v se envolver em, ou provavelmente ir
conspirar com outras pessoas para, participar de atos de espionagem ou sabotagem. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/McCarran_Internal_ Security_Act. Acesso em: 29 set. 2016.
293
...o Garden Plot [posteriormente] evoluiu para uma srie de exerccios de
treinamento anuais, com base em planos de contingncia para erodir revoltas e
manifestaes, sendo desenvolvidos, por fim, para todas as grandes cidades nos
Estados Unidos. Os participantes dos exerccios incluam funcionrios-chave de todas
as agncias de aplicao da lei no pas, bem como da Guarda Nacional, das Foras
Armadas e representantes da comunidade de inteligncia. De acordo com o plano,
equipes conjuntas reagiriam a uma variedade de cenrios com base em informaes
recolhidas atravs de espionagem poltica e de informantes. O objetivo era acabar com
a agitao urbana.34
O pacto social do New Deal com o trabalho organizado foi reavaliado luz dos novos
eventos. O pas foi varrido por uma onda de greves no incio da dcada de 1970, na minerao
de carvo, na indstria automobilstica e nos correios. Estas perturbaes indicaram que os
sindicatos comerciais j no podiam manter seu operariado sob controle e que o sistema
fordista no estava cumprindo o seu propsito de manter o controle social no local de trabalho.
Ao mesmo tempo, a imprensa econmica foi inundada por artigos sobre a iminente
"escassez de capital" e por apelos transferncia de recursos do consumo para a acumulao
de capital, atravs de uma reduo radical do estado de bem-estar e de uma aniquilao do
trabalho organizado. Essa mudana se refletiu em think-tanks tradicionalmente liberais
corporativos como a Brookings35 e o CED36, que produziram, ambos, estudos reconhecendo a
necessidade de impor limites sobre o consumo, no interesse da acumulao; por exemplo, o
estudo de 1976 da Brookings Institution, Setting National Priorities: The Next Ten Years.37
Revistas de negcios previram com franqueza que um limite mximo para os salrios
34
MORALES, Frank. U.S. Military Civil Disturbance Planning: The War at Home. Covert Action Quarterly
vol. 69, primavera-vero 2000. Disponvel em: <https://cryptome.org/garden-plot.htm>. Acessado em: 25
fev. 2016.
35
N. do T.: A Brookings Institution um think-tank americano com base em Washington, D.C., EUA. Um
dos think-tank mais antigos de Washington, a Brookings realiza pesquisa e educao em cincias
sociais, principalmente em economia, poltica metropolitana, governana, poltica externa e economia e
desenvolvimento globais. Sua misso declarada "fornecer recomendaes prticas e inovadoras que
promovam trs grandes objetivos: fortalecer a democracia americana; promover o desenvolvimento
econmico e social do bem-estar, da segurana e das oportunidades de todos os americanos e garantir
um sistema internacional mais aberto, seguro, prspero e cooperativo". A Brookings afirma que sua
equipe "representa diversos pontos de vista" e descreve-se como no-partidria, ao passo que os meios
de comunicao, por vezes, descrevem a Brookings como "liberal". Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/
Brookings_Institution. Acessado em: 29 set. 2016.
36
N. do T.: O Committee for Economic Development of The Conference Board (CED) uma organizao
poltica pblica, liderada por empresas, com sede em Washington, DC. A sua composio consiste
principalmente de executivos seniores de uma variedade de indstrias e setores dos EUA. Juntamente
com seus membros, o CED visa apoiar e promover a livre iniciativa, melhorar a educao e os cuidados
de sade, financiar campanha de reforma, melhorar a governana corporativa e melhorar a sade fiscal
dos Estados Unidos. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Committee_for_Economic_Development.
Acessado em: 29 set. 2016.
37
BOYTE, Harry C. The Backyard Revolution: Understanding the New Citizen Movement. Philadelphia:
Temple University Press, 1980. 226 (nota).
294
reais seria difcil de forar ao pblico no ambiente poltico existente.38 Por exemplo, um artigo
na edio de 12 de outubro de 1974 da Business Week avisava que
Algumas pessoas, obviamente, tero que se virar com menos... [D]e fato, cidades e
estados, o mercado de hipotecas de casas, pequenas empresas e o consumidor
recebero todos menos do que querem... [V]ai ser uma plula difcil para muitos
americanos engolirem - a ideia de ter que se virar com menos, de modo que as grandes
empresas possam ter mais... Nada que esta nao, ou qualquer outra nao, tenha feito
na histria moderna se compara em dificuldade com o trabalho de venda que agora
deve ser feito para fazer as pessoas aceitarem a nova realidade.39
38
Ibid., pp. 13-6, junto com as notas em pp. 225-9.
39
Ibid., pp. 225-6 (nota).
40
GORDON, David M. Fat and Mean: The Corporate Squeeze of Working Americans and the Myth of
Management Downsizing. New York: The Free Press, 1996.
41
N. do T.: Membros da Tcheka, polcia secreta Sovitica. Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tcheka.
Acessado em: 29 set. 2016.
295
da ordem mundial na dcada de 1980"42.
Isso foi, na sua essncia, o desenvolvimento que James O'Connor havia previsto em
1984 - anos antes da queda do Muro de Berlim e da imploso da URSS:
Nesse meio tempo, os EUA estavam se movendo em direo a uma polarizao radical
de renda. O efeito geral da reao neoliberal foi a diluir as linhas entre o centro e a periferia
imperial: a burguesia compradora, vivendo em setores de luxo fortemente fortificados das
cidades do Terceiro Mundo, coexistia com as comunidades muradas da Amrica enquanto
elementos do centro; ao mesmo tempo, algo semelhante a uma sociedade do Terceiro Mundo
surgiu em partes do que tradicionalmente era o Primeiro Mundo. O interior da cidade e o campo
despovoado, os locais da misria urbana e rural, respectivamente, foram objeto de uma
crescente vigilncia e brutalidade sob o pretexto da guerra contra as drogas. "A maior parte do
mundo foi transformado em uma periferia; o centro imperial se resumiu prpria elite
capitalista"44.
O meio mais bvio de controle social, numa sociedade descontente, uma fora
42
PAUKER, Guy. Military Implications of a Possible World Order Crisis in the 1980s, R-2003-AF. Santa
Monica: Rand Corporation, 1977.; PAUKER. Sources of Instability in Developing Countries, P-5029.
Santa Monica: Rand Corporation, 1973.
43
OCONNOR. Accumulation Crisis, pp. 1-2.
44
MOORE. Escaping the Matrix, p. 56.
296
policial forte, semi-militarizada. A maior parte da periferia tem sido gerida por tais por
sculos. Isso era bvio para planejadores da elite no Ocidente, foi adotado como
poltica e agora tem sido amplamente implementado....
"O Rubico", Moore conclui, "foi cruzado - as tcnicas de opresso h muito comuns na
periferia do imprio esto sendo importados para o centro"45.
45
Ibid. p. 57; Vide tambm SMITH, Sam. How You Became the Enemy. Progressive Review, 1997.
Disponvel em: <http://www.mega.nu/ampp/enemy.html>. Acessado em: 15 abr. 2001.
46
WEBER, Diane Cecilia. Warrior Cops: The Ominous Growth of Paramilitarism in American Police
Departments. Cato Briefing Paper, n. 50, 26 ago. 1999. Disponvel em: <http://www.cato.org/pubs/briefs/
bp-050es.html>. Acessado em 15 abr 2001.
47
N. do T.: Louis Onorato Giuffrida foi o primeiro diretor da administrao de Ronald Reagan da Federal
Emergency Management Agency, de 1981 a 1985. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Louis_O._Giuffrida.
Acessado em: 25 set. 2016.
48
N. do T.: A Agncia Federal de Gesto de Emergncias (Federal Emergency Management Agency,
abreviada como FEMA) uma agncia do governo dos Estados Unidos da Amrica, subordinada ao
Departamento de Segurana Interna, tendo sido criada por uma Ordem Executiva em 1 de abril de 1979.
O objetivo principal da FEMA coordenar as respostas a desastres que ocorram nos Estados Unidos e
que superem os recursos das autoridades locais e do estado. O governador do estado no qual o
desastre acontecer deve declarar estado de emergncia e solicitar formalmente ao Presidente que a
FEMA e o governo federal respondam ao desastre. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ag%C3%AAncia_Federal_de_ Gest%C3%A3o_de_Emerg%C3%AAncias.
Acessado em: 29 set. 2016.
49
N. do T.: Oliver Laurence "Ollie" North (7 de outubro de 1943, San Antonio) um ex coronel dos
fuzileiros navais dos Estados Unidos. Atualmente um comentarista poltico conservador, apresentador
de televiso, historiador militar e autor de livros. Vide: https://en.wikipedia.org/wiki/Oliver_North.
Acessado em: 29 set. 2016.
297
de ligao do NSC50 com a FEMA de 1982 a 84, desenvolveu um plano "para suspender a
constituio no caso de uma crise nacional, tal como guerra nuclear, dissidncia interna
violenta e generalizada ou oposio nacional a uma invaso militar dos EUA no exterior"51. O
Garden Plot, curiosamente, foi implementado localmente durante os motins de Rodney King 52 e
talvez tambm em protestos antiglobalizao recentes.53 A Delta Force54 forneceu informaes
e consultas nesses lugares e em Waco55.56
50
N. do T.: O Conselho de Segurana Nacional (National Security Council ou NSC, em ingls) uma
organizao administrativa diretamente subordinada ao presidente dos Estados Unidos. Seu papel
assessorar, coordenar e, algumas vezes, provocar a ao em questes de poltica externa, segurana
nacional e questes estratgicas em geral. O Conselho de Segurana Nacional um ator pouco
conhecido da poltica externa dos Estados Unidos, apesar de sua importncia central nessa rea. O
conselho rene, na forma de seu estatuto jurdico, os seguintes membros, todos oriundos do alto escalo
do governo estadunidense: vice-presidente, secretrio de estado (exerce funo equivalente dos
ministros das relaes exteriores de outros pases, como o Brasil), secretrio de defesa e conselheiro de
segurana nacional, alm do prprio presidente do pas. Este ltimo preside tambm o conselho, cuja
administrao, ao seu turno, de incumbncia do conselheiro de segurana nacional. Outros membros
podem ser convidados, independentemente de prvia indicao estatutria, conforme as necessidades
observadas a cada tempo. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_de_Seguran%C3%A7a_Nacional_(Estados_ Unidos). Acessado
em: 29 set. 2016.
51
CHARDY, Alfonso. Reagan Aides and the 'Secret' Government. Miami Herald, Washington, D.C., 5 jul.
1987. Disponvel em:
<http://www.theforbiddenknowledge.com/hardtruth/secret_white_house_plans.htm>. Acessado em: 26
abr. 2016.; vide tambm REYNOLDS, Diana. The Rise of the National Security State: FEMA and the
NSC. Covert Action Information Bulletin, n. 33, inverno 1990. Reproduzido por The Public Eye em
<http://www.publiceye.org/liberty/fema/Fema_1.html>. Acesso 15 abr. 2001.
52
N. do T.: Os distrbios de Los Angeles em 1992 foram desencadeados em 29 de abril de 1992,
quando um jri absolveu oficiais do Departamento de Polcia de Los Angeles, trs brancos e um
hispnico, acusados de agresso contra o motorista negro Rodney King aps uma perseguio em alta
velocidade. A agresso dos policiais foi filmada. Milhares de pessoas na rea de Los Angeles se
revoltaram ao longo dos seis dias aps o veredito provocando um conflito racial. Vide:
https://pt.wikipedia.org/wiki/ Dist%C3%BArbios_de_Los_Angeles_em_1992. Acessado em: 29 set. 2016.
53
MORALES. U.S. Military Civil Disturbance Planning; ROSENBERG, Paul. The Empire Strikes Back:
Police Repression of Protest From Seattle to L.A. Los Angeles: L. A. Independent Media Center, 2000.
Disponvel em: <http://www.protestarchive.org/R2KLegal/pdf/empire-strikes.pdf>. Acessado em: 25 fev.
2016.; COCKBURN, Alexander. The Jackboot State: The War Came Home and We're Losing It.
Counterpunch, 10 mai. 2000. Disponvel em: <http://www.counterpunch.org/2000/05/10/the-jackboot-
state/>. Acessado em: 25 fev. 2016.
54
N. do T.: Fora Delta o nome popular dado unidade reconhecida como 1st Special Forces
Operational Detachment - Delta (1st SFOD-D), a principal fora contraterrorismo e de operaes
especiais do Exrcito dos Estados Unidos. a unidade mais sofisticada em campo que o Exrcito dos
Estados Unidos dispe, junto com o DEVGRU da Marinha dos Estados Unidos e as unidades de suporte
e inteligncia do Pentgono, CIA e NSA. Foi formada no padro da unidade britnica Special Air Service
(SAS), que o mais utilizado entre as Foras Especiais ao redor do mundo. A Fora Delta treina
continuadamente com unidades especiais de pases aliados, como a Special Air Service do Reino Unido
e Sayeret Matkal de Israel, alm de treinar unidades estrangeiras quando for de interesse poltico
americano, como houve na Colmbia. At h pouco tempo esta unidade foi omitida pelo governo
americano, mas recentemente o Pentgono mudou a postura e reconheceu sua existncia, embora
dados sobre seu quadro de servio, misses que realiza, baixas e nomes, sejam guardados em sigilo.
Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/Delta_ Force. Acessado em: 29 set. 2016.
55
N. do T.: O Cerco de Waco foi um cerco realizado pelo governo dos Estados Unidos, que comeou em
28 de fevereiro de 1993, quando o Bureau of Alcohol, Tobacco, and Firearms tentou cumprir um
mandado de busca na sede (denominada "Monte Carmelo" em funo do lugar bblico) do Ramo
298
O aparelho do estado policial se intensificou ainda mais durante a administrao
Clinton, com a passagem da chamada Lei Antiterrorismo57 em 1996. A lei de Clinton, sem
dvida mais perigosa do que qualquer coisa j feita por Ashcroft58, deu autoridade absoluta ao
Presidente para declarar qualquer organizao "terrorista" por decreto executivo e, em seguida,
para confiscar seus ativos sem o devido processo legal. Desde ento, se agarrando
oportunidade apresentada pelos ataques de 11/9, o Departamento de Justia de Ashcroft foi
capaz de forar (atravs do Patriot Act59 dos EUA) toda uma extensa lista de medidas de
estado policial desejadas pelo FBI que o Congresso estivera relutante em engolir cinco anos
antes.
O crescimento do estado policial ps-11/9 se encaixa muito bem com a reao pr-11/9
contra o movimento antiglobalizao, que, desde Seattle, tinha substitudo o chamado
movimento constitucionalista ou de milcia como uma das principais preocupaes do executivo
federal.60 John Timoney, comissrio de polcia da Filadlfia durante o motim da polcia de
Davidiano, uma propriedade a 14 km a ls-nordeste de Waco, Texas. Um tiroteio resultou nas mortes de
quatro agentes e seis seguidores de David Koresh. Seguiu-se um cerco de 51 dias, que terminou em 19
de abril, quando um incndio destruiu o conjunto. Setenta e seis pessoas (24 delas com nacionalidade
britnica) faleceram no incndio, assim como mais de 20 crianas, duas grvidas e o prprio Koresh.
Vide: https://pt.wikipedia.org /wiki/Cerco_de_Waco. Acessado em: 29 set. 2016.
56
US Army Intel Units Spying on Activists. Intelligence Newsletter, n. 381, 5 abr. 2000. Disponvel em:
<https://groups.yahoo.com/neo/groups/smygo/conversations/messages/47>. Acessado em: 25 fev. 2016.
57
N. do T.: Omnibus Counterterrorism Act de 1995, introduzido pelo senador Joe Biden em nome da
Administrao Clinton em fevereiro daquele ano. Ele continha provises de aprimoramento no Direito
Penal e na Lei de Imigrao, controles sobre explosivos plsticos, materiais nucleares e angariao de
fundos, entre outras na assistncia antiterrorismo. De acordo com o resumo do Presidente Clinton, o
projeto foi concebido para estabelecer jurisdio criminal federal sobre atos de terrorismo internacional.
Grupos de defesa da liberdade civil se opuseram ao projeto de lei sobre a alegao de que violaria as
liberdades civis fundamentais, incluindo o direito de confrontar o prprio acusador. Outra fonte de
oposio foi a capacidade de o Governo utilizar informaes de fontes secretas em processos de
deportao de suspeitos de terrorismo. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Omnibus_Counterterrorism_Act_of_1995. Acessado em: 29 set. 2016
58
N. do T.: John David Ashcroft um poltico norte-americano do Missouri, foi senador pelo Missouri
entre 1995 a 2001, procurador-geral dos Estados Unidos entre 2001 a 2005, governador do Missouri
entre 1985 a 1993, procurador do Missouri entre 1977 a 1985 e auditor do Missouri entre 1973 a 1974.
Vide: https://en. wikipedia.org/wiki/John_Ashcroft. Acessado em: 29 set. 2016.
59
N. do T.: USA PATRIOT Act referido nos editoriais em portugus como "Lei Patritica", o Decreto
que foi assinado pelo presidente George W. Bush logo depois do 11 de setembro de 2001, em 26 de
outubro de 2001. Permite, entre outras medidas, que rgos de segurana e de inteligncia dos EUA
interceptem ligaes telefnicas e e-mails de organizaes e pessoas supostamente envolvidas com o
terrorismo, sem necessidade de qualquer autorizao da Justia, sejam elas estrangeiras ou
americanas. Aps vrias prorrogaes durante o governo de George Bush, em 27 de julho de 2011, o
presidente Barack Obama sancionou a extenso do USA PATRIOT Act por mais quatro anos - at 27 de
julho de 2015. USA PATRIOT Act o acrnimo "Uniting and Strengthening America by Providing
Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act de 2001" (em portugus algo como
Ato de Unir e Fortalecer a Amrica Providenciando Ferramentas Apropriadas e Necessrias para
Interceptar e Obstruir o Terrorismo). Vide: https://pt.wikipedia.org/wiki/USA_PATRIOT_ Act. Acessado
em: 29 set. 2016.
60
REDDEN, Jim. Police State Targets the Left. The ZohShow: Newsbytes, 2 mai. 2000. Disponvel em:
<http://r2klegal.protestarchive.org/media/jr-022101.html>. Acessado em: 26 fev. 2016.; REDDEN. Snitch
299
agosto de 2000 na Conveno Nacional Republicana61, tem sido um colaborador prximo do
Diretor de Segurana Interna, Tom Ridge. Antes de 11/9, Timoney era um inimigo barulhento
da conspirao "anarquista internacional" para interromper reunies da globalizao e
defendeu o uso do estatuto RICO62 e de tticas policiais federais agressivas para quebrar o
movimento antiglobalizao. Em agosto de 2000, ele fez o que era sem dvida o uso mais
drstico, completo e criativo de espionagem policial, assdio, deteno preventiva de ativistas
com acusaes forjadas, de qualquer oficial de polcia local envolvido na luta contra o
movimento ps-Seattle.63 Como chefe de polcia de Miami, ele supervisionou os tumultos
recentes da polcia, durante a reunio da ALCA. O nome de Timoney veio tona
periodicamente na mdia em ligao com a Homeland Security, frequentemente com rumores
de ser considerado para um posto de tenente superior sob Ridge. As disposies sobre
"terrorismo econmico" do Ato Patriota dos EUA, sem dvida, aplicam-se a muitas das tticas
de ao direta utilizadas pelos Wobblies e outros sindicatos radicais; quanto tempo levar at
que as leis de "sindicalismo criminoso" de oitenta anos atrs sejam ressuscitadas sob este
disfarce?
A mdia e a cultura popular tambm fazem a sua parte. Nos dramas policiais, "'direitos'
so uma piada, os acusados so sociopatas desprezveis, e nenhum criminoso jamais levado
justia at que algum nobre policial ou procurador dobre um pouco as regras"64. Enquanto
isso, as escolas, atravs da "socializao em grupos de pares" (tambm conhecida como a
sociedade de quartis) do DARE e da "tolerncia zero", esto moldando um pblico treinado
desde a infncia para acreditar que o caminho para o sucesso agradar figuras de autoridade,
Culture: How Citizens are Turned into the Eyes and Ears of the State. Venice, California: Feral House,
2000.
61
Vide ROSENBERG. The Empire Strikes Back.
62
N. do T.: O Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act, comumente conhecido como RICO
Act ou simplesmente RICO, uma lei federal dos Estados Unidos que prev sanes penais estendidas
e uma causa de ao civil para atos praticados como parte de uma organizao criminal em curso. O
RICO Act se concentra especificamente na extorso, e permite que os lderes de um sindicato possam
ser julgados pelos crimes que eles pediram a outros para cometer ou os assistiram a cometer, fechando
uma brecha percebida que permitia que uma pessoa que instruiu algum para, por exemplo, cometer
assassinato, ser isentada do julgamento porque no chegou a cometer o crime pessoalmente. Embora
seu uso original na dcada de 1970 tenha sido de processar a mfia, bem como outros que estavam
ativamente envolvidos no crime organizado, a sua aplicao mais tarde foi mais generalizada. Vide:
https://en.wikipedia.org/wiki/Racketeer_Influenced_and_Corrupt_Organizations_Act. Acessado em: 29
set. 2016.
63
Ibid.
64
MOORE. Escaping the Matrix, p. 57.
300
evitar fazer baderna e fazer e acreditar no que lhes dito - e que todo problema ou situao de
perplexidade deve ser tratado correndo-se at algum em posio de autoridade.
Uma resposta comum queles que temem tal capacidade (vindo da espcie de
"conservador por um governo pequeno" que normalmente cheio de zelo para com o Estado
de segurana nacional) desafiar defensores das liberdades civis a produzir "um exemplo" de
como (por exemplo) o Ato Patriota dos EUA foi abusado. Mas os poderes que o governo tem
em papel e o que poderia escolher fazer com eles se jamais achasse "conveniente" so muito
mais importantes do que o uso que se fez deles at agora. Todos os direitos que temos foram
originalmente forados ao governo a partir de baixo, no concedidos pelo governo por boa
vontade. A nica garantia que temos para esses direitos, em ltima instncia, a nossa
capacidade de exerc-los contra a vontade do governo e nossa capacidade de resistir se ele
tentar restringi-los.
301
E. Limites Embutidos Efetividade da Reao Neoliberal
Assim, o sistema capitalista de estado est equilibrado sobre a ponta de uma faca. H
uma tenso permanente entre os requisitos da realizao e da produo completa e os da
acumulao adicional; ou, como James O'Connor colocou, "contradies econmicas (e sociais
e polticas) entre as condies de produo de valor e mais-valia, por um lado, e a demanda
efetiva e o valor de realizao, por outro"65. Solues liberais corporativas para a crise de
superacumulao impedem a acumulao adicional necessria para tornar os investimentos
existentes rentveis. Mas a mudana neoliberal dos fundos de consumo para o investimento
ameaa a demanda agregada necessria para absorver a produo a plena capacidade e
ameaa ativar a tendncia superacumulao, que est sempre latente no sistema capitalista
de estado.
Neste estado de tenso permanente, algo tem de ceder. Uma sada uma recesso ou
depresso grave que, desvalorizando radicalmente as acumulaes existentes de capital,
aumenta a relao de mais-valia para capital constante e, portanto, restaura uma taxa saudvel
de lucro. Aps a destruio massiva de valores capitais na depresso, aqueles que sarem por
cima esto na posio de comear uma nova onda de acumulao. Para os capitalistas que
65
OCONNOR. Accumulation Crisis, p. 58.
302
sobrevivem, uma "soluo"; mas do ponto de vista da classe capitalista como um todo, uma
catastrfica, para no mencionar perigosa e politicamente custosa. Um sistema econmico que
"resolve" a tenso entre acumulao e realizao atravs de oscilaes cada vez mais graves
do ciclo de negcios soa perigosamente prximo do capitalismo tardio previsto por Marx.
Pode no ser completamente fantasioso discernir, na histria dos ltimos cem anos, um
ciclo poltico de longo prazo da interveno estatal na economia: um ciclo poltico de negcios
oscilante de reaes alternadas s crises de superacumulao e subacumulao. O'Connor
parecia estar insinuando um ciclo poltico desses quando escreveu que "crises histricas
criaram o capital em larga escala e a classe trabalhadora/assalariada, que criaram formas e
contedos socialdemocratas de estado - todos os quais estavam na raiz da moderna crise de
acumulao.66
66
Ibid., p. 225.
303
investimentos prenunciou uma nova crise de superproduo e subconsumo.
67
MOORE. about those torture photos. Cyberjournal, 19 mai. 2004. Disponvel em:
<https://web.archive.org/web/20040816074400/http://cyberjournal.org/cj/show_archives/?id=%27811%27
&batch=%2716%27&lists=%27cj%27>. Acessado em: 8 ago. 2004. Richard K. Moore convida
comentrios sobre estas vises; ele pode ser contatado por e-mail em richard@cyberjournal.org
68
N. do T.: A Operao Liberdade Duradoura (em ingls: Operation Enduring Freedom, OEF) o nome
oficial dado pelo Governo dos Estados Unidos da Amrica para a resposta militar aos Ataques de 11 de
304
demonstrar o esprito marcial adequado. Embora os neoconservadores falem muito sobre
"independncia" e "liberdade", no lxico neocon independncia e liberdade so redefinidas
como tudo o que o indivduo convidado a sacrificar. Qualquer que seja a guerra total que o
estado esteja lutando atualmente , por definio, para "defender a nossa liberdade".
A tarefa torna-se ainda mais difcil na medida em que as ideias de justia e equidade
tm algum contedo real. A propaganda neoconservadora no pode inventar novos valores; ela
s pode desorientar os valores existentes para alvos selecionados distorcendo ou ocultando
provas factuais. Mas, na medida em que toda a propaganda deve apelar para os verdadeiros
valores, o pblico pode isolar esses valores da mensagem da propaganda e dirigir os princpios
para alvos novos e mais adequados, bem mais prximos de onde as reais elites vivem. Na
medida em que o "elitismo" e o "parasitismo" tm um contedo real, h sempre o perigo de que
o pblico perceber a contradio entre a prtica e a pregao e decidir que os termos podem
ser mais apropriadamente aplicados real elite do poder. Uma vez que os padres de "justia"
e "equidade" so usados como uma arma de propaganda, essas armas podem se voltar contra
seus detentores anteriores. A linguagem populista e libertria usada contra "elites" acadmicas
setembro de 2001, a chamada "Guerra ao Terror". O principal alvo na oportunidade foi o Afeganisto, e
a esse que o autor se refere. No entanto, posteriormente, a operao foi desdobrada em novas misses
nas Filipinas, no Chifre da frica, no Saara, no Caribe e Amrica Central e no Quirguisto. Vide:
https://en. wikipedia.org/wiki/Operation_Enduring_Freedom. Acessado em: 29 set. 2016.
305
e de bem-estar social selecionadas possui contedo de valor objetivo e apela para normas
universais de justia; quando a ao da elite em outras reas da poltica viola estas normas
objetivas de equidade, o perigo que o pblico v perceber a escolha oportunista de alvos da
"elite" como imprpria. O termo popular "bem-estar corporativo" apenas um exemplo disso.
E a situao tambm complicada pelo fato de que a elite dominante nunca ser to
internamente coesa quanto o Partido Interno de Orwell. O estado pode ser a comisso
executiva da classe dominante; mas a classe dominante tem muitas faces (por exemplo, as
disputas entre indstrias intensivas em trabalho e intensivas em capital, a indstria orientada
para o mercado domstico e para a exportao, etc., que estavam no corao dos
alinhamentos partidrios no sculo XX). No importa o quanto uma faco da elite empresarial
tente redefinir os valores americanos tradicionais e suprimir seu contedo antigo, a outra
faco ter um interesse em reinfundir seu antigo valor de contedo e us-lo como uma arma
contra os seus inimigos na elite.
Uma soluo aparente remover cada vez mais completamente do mercado o lado dos
custos da contabilidade, com os pagadores de impostos absorvendo os custos operacionais e
tornando o capital mais rentvel. O processo geral por trs das polticas oscilantes do estado
para responder a super e subacumulao um envolvimento cada vez maior e a
movimentao de pores cada vez maiores da economia, do mbito do mercado para o
mbito da administrao estatal.
Alguns membros da Escola de Frankfurt viam o fascismo como uma tentativa de fazer
exatamente isso. De acordo com Horkheimer e Adorno, Neumann e Pollock, o nazismo refletiu
uma evoluo na qual os capitalistas cada vez mais agiam atravs do estado. Eles
especularam que tal sociedade poderia, no futuro, abandonar completamente a produo de
mercadorias e a lei do valor. Em algum ponto, nesse cenrio, o mercado seria substitudo pela
administrao estatal, e os capitalistas extrairiam um excedente do trabalho diretamente
atravs do estado. Quando esse ponto fosse atingido, o mercado teria sido completamente
transformado em uma economia de propriedade e gesto estatal, e os capitalistas no mais
seriam capitalistas. Em vez disso, eles seriam donos da economia do estado, em virtude do
306
seu controle do estado.
Frederick Pollock descreveu este fenmeno como o desaparecimento, junto com "o
mercado autnomo", das "chamadas leis econmicas": "A substituio dos meios econmicos
pelos meios polticos como a ltima garantia para a reproduo da vida econmica muda o
carter de todo o perodo histrico. Ela significa a transio de uma era predominantemente
econmica para uma essencialmente poltica"69.
H tambm limites fsicos absolutos. Crises de insumos como transporte e energia, com
toda a probabilidade, seriam ainda mais agudas sob o ps-capitalismo. Aloc-los inteiramente
por meios polticos, em vez de apenas parcialmente, seria simplesmente remover
completamente a funo racionalizadora dos preos de mercado. O exemplo da economia
sovitica instrutivo. Ela removeu em grande parte a lei do valor enquanto considerao na
alocao de insumos para a economia. No entanto, as irracionalidades inerentes, resultantes
de se ignorar a lei do valor, levaram a um desperdcio cada vez maior de insumos e a insumos
cada vez maiores para se alcanar os mesmos resultados. Os planejadores estatais no
tinham qualquer maneira de sequer saber quantos recursos eles estavam desperdiando,
porque no havia qualquer base para o clculo econmico racional. O resultado final foi um
colapso.
69
POLLOCK, Frederick. State Capitalism. Studies in Philosophy and Social Science, vol. IX, n. 3, 1941.;
NEUMANN, Franz. Behemoth. [S.l.:s.n.], 1942.; HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Dialectic of
Enlightenment. [S.l.:s.n.], 1944. Todos citados em HARRINGTON, Michael. The Twilight of Capitalism.
[S.l.]: Simon and Schuster, 1976. pp. 216-18.
307
Rssia e China, promovessem os seus prprios interesses, desafiando o domnio
americano/Ocidental e incentivassem a desero e a insurgncia no Terceiro Mundo.
At certo ponto, como vimos acima, uma poltica neoliberal no Terceiro Mundo uma
soluo tanto para a crise de acumulao quanto para o excesso de democracia no Primeiro
Mundo. A luta de classes transferida do Primeiro para o Terceiro Mundo, e o Terceiro Mundo
usado como uma base de ataque ao primeiro. As corporaes transnacionais amortizam
antigos investimentos no Primeiro Mundo, usam a indstria decadente de l como uma vaca de
dinheiro para apoiar os investimentos novos e mais lucrativos no Terceiro Mundo.
Tal como acontece com outros aspectos da reao neoliberal, no entanto, existem
limites embutidos. As polticas neoliberais no Terceiro Mundo contm as sementes de uma
crise poltica global. quase certo que essa ser uma crise aguda no mdio prazo. Mas,
mesmo no curto prazo, os riscos para a ordem capitalista global so muito reais.
308
Imagine se vrios pases importantes do Terceiro Mundo fizessem uma retirada assim
coordenada das instituies do Bretton Woods e repudiassem suas dvidas internacionais. Eles
poderiam combinar isso com outras reformas genuinamente de livre mercado, como a
revogao das disposies do GATT sobre propriedade intelectual e propriedade industrial, de
modo que a concorrncia de propriedade nativa pudesse surgir contra as corporaes
Ocidentais e fosse autorizada a adotar tecnologias de produo modernas sem restrio. Se o
poder interno das oligarquias feudais fosse quebrado nestes pases e, com ele, a sua
conivncia com o agronegcio Ocidental, a terra poderia ser doada aos verdadeiros
cultivadores camponeses ou trabalhadores agrcolas. Uma srie de pases poderia entrar em
um acordo para legalizar bancos mutuais, LETS e todos os outros sistemas voluntrios de
crdito ou dinheiro - e, possivelmente, organizar uma moeda respaldada por ativos do estado
de algum tipo para o comrcio entre si, como uma alternativa dependncia do dlar. Eles
poderiam anunciar uma poltica, finalmente, de deixar de subsidiar com receitas estatais os
projetos de infraestrutura de que o capital Ocidental dependia para ser rentvel em seus
pases: isso significaria que todos os servios de eletricidade, transporte, etc., seriam pagos por
empresas ocidentais com base nos custos. Em vez de "privatizar" as empresas estatais,
leiloando-as para cleptocratas e empresas transnacionais, eles poderiam transform-las em
cooperativas tanto de produtores, quanto de consumidores - uma forma de privatizao pelo
menos to genuna quanto o saque comumente praticado, mas que nunca parece ser adotada
na verso de Jeffrey Sachs de reforma de "livre mercado".
Se isso parece muito fantasioso, considere a recente proposta do Brasil para uma rea de livre
comrcio entre o grupo de pases em desenvolvimento do G-20 - sem o aval dos Suspeitos do
Costume. O objetivo, disse o presidente do Brasil, era "explorar plenamente o potencial entre
ns, que no depende de concesses dos pases ricos"70.
Tal movimento poderia at mesmo se coordenar junto aos pases da OPEP ou China
na adoo do Euro como um meio para o comrcio internacional - o equivalente a uma bomba
atmica monetria sobre os EUA.
Com as srias divises polticas entre o capital internacional, tal movimento poderia at
atrair o apoio de uma grande potncia rival dos EUA. Os europeus, russos ou chineses teriam
bastante probabilidade de ignorar qualquer tentativa dos EUA de impor sanes comerciais.
70
BRAZIL proposes creation of G-20 free trade area. China View, Braslia, 13 dez. 2003. Disponvel em
<http://news.xinhuanet.com/english/2003-12/13/content_1229296.htm>. Acessado em: 14 dez. 2003.
309
Qualquer "bloco euroasitico" aspirante a rival, composto de tais potncias poderia, de fato,
acolher o movimento como uma forma de alavancagem estratgica, da mesma forma que a
URSS acolheu o antigo movimento no-alinhado.
310
Parte Trs--Prxis
311
Captulo Nove: Fins e Meios
A. Princpios Organizadores
Cada um dos males do capitalismo que examinamos na Parte Dois deste livro pode ser
traado, em certo sentido, a uma violao do princpio do custo. Em todos os casos, os
benefcios da ao foram divorciados do custo, de modo que a pessoa que se beneficia de uma
determinada forma de ao no arca com os custos associados.
312
Dado que as grandes corporaes no pagam o custo integral dos fatores que
consomem, elas consomem irracionalmente e de forma ineficiente; dado que os custos de
ineficincia da larga escala so externalizados para o pagador de impostos, elas so capazes
de crescer alm do ponto de mxima eficincia. Ao mesmo tempo que os bens americanos so
produzidos a muitas vezes os custos de energia e de transporte realmente necessrios, o pas
enfrenta escassez crnica de energia e gargalos de transporte.
somente atravs do livre mercado, organizado com base na troca voluntria, que o
princpio do custo pode ser realizado. A lei de custo opera atravs do mecanismo competitivo,
atravs do qual os produtores entram no mercado quando o preo menor que o custo e
deixam-no no caso oposto. Em um livre mercado, o preo de um bem ou servio um sinal do
custo implicado em fornec-lo. Dado que os custos esto sobre a mesa, refletidos no preo, em
vez de escondidos, as pessoas (incluindo as firmas empresariais) s consumiro bens e
servios pelas quais estejam dispostas a pagar.
Quanto custa o tabaco vendido pela administrao? Quanto ele vale? Voc pode
responder primeira destas perguntas: voc s precisa chamar na primeira loja de
tabaco que vir. Mas voc no pode me dizer nada sobre a segunda, porque voc no
tem padro de comparao e est proibido de verificar experimentalmente os itens do
custo da administrao. Portanto, o ramo do tabaco, tornado um monoplio,
necessariamente custa mais sociedade do que o que traz a ela; uma indstria que,
em vez de subsistir por seu prprio produto, vive de subsdios1
Sua lei... servio por servio, produto por produto, emprstimo por emprstimo,
seguro por seguro, crdito por crdito, segurana por segurana, garantia por garantia.
a antiga lei da retaliao, ...como se fosse virada de cabea para baixo e transferida...
para o direito econmico, para as tarefas do trabalho e para os bons ofcios da livre
fraternidade. Dela dependem todas as instituies mutualistas, o crdito mtuo, a ajuda
mtua, a educao mtua; garantias recprocas de aberturas, de trocas e de trabalho
por bens de boa qualidade e com preos justos.2
Como esta citao implica, a troca justa est intimamente ligada com a reciprocidade, uma
caracterstica definidora do princpio de custo.
1
PROUDHON, Pierre Joseph. System of Economical Contradictions or, The Philosophy of Misery.
Traduo de Benjamin Tucker. Boston: Benjamin R. Tucker, 1888. pp. 232-3.
2
PROUDHON. On the Political Capacity of the Working Classes (1865). In: _____. Selected Writings of
Proudhon. Edio de Stewart Edwards, traduo de Elizabeth Fraser. Garden City, New York: Anchor,
1969. p. 117.
313
O que realmente o Contrato Social? Um acordo do cidado com o governo? No, isso
no significaria nada alm da continuao da ideia [de Rousseau]. O contrato social
um acordo de homem com homem; um acordo a partir do qual deve resultar o que
chamamos de sociedade. Nisto, a noo de justia comutativa, primeiro apresentada
pelo fato primitivo da troca, ... substituda pela de justia distributiva.... Traduzindo
estas palavras, contrato, justia comutativa, que so a linguagem da lei, para a
linguagem dos negcios, e voc tem o comrcio, isto , em seu mais alto significado, o
ato pelo qual o homem e homem declaram-se essencialmente produtores e abdicam de
toda pretenso de governar um ao outro.
Podemos acrescentar que o contrato social de que agora estamos falando nada
tem em comum com o contrato de associao atravs do qual... a parte contratante
entrega uma parte de sua liberdade e se submete uma obrigao irritante e muitas
vezes perigosa, na esperana mais ou menos bem fundamentada de um benefcio. O
contrato social da natureza de um contrato de troca: no s ele deixa a parte livre, ele
adiciona sua liberdade; no s ele lhe deixa todos os seus bens, ele adiciona sua
propriedade; ele no prescreve nenhum trabalho; ele incide apenas sobre a troca.3
3
PROUDHON. General Idea of the Revolution in the Nineteenth Century. Traduo de John Beverly
Robinson. New York: Haskell House Publishers, 1923, 1969 [1851]. pp. 112-5.
314
condies de igualdade de troca, em que cada participante pudesse livremente obter valor por
valor, sem ser obrigado a aceitar algo a menos. E a igualdade de troca s possvel com
entrada livre no mercado e concorrncia.
B. Chegando l
O objetivo final era que a distino entre "pblico e privado" se tornasse insignificante:
4
PROUDHON. The Principle of Federation. Traduo de Richard Vernon. Toronto, Buffalo, London:
University of Toronto Press, 1979 [1863]. pp. 37-8.
5
PROUDHON. General Idea of the Revolution, p. 133.
315
"que as massas que so governadas, ao mesmo tempo, governassem, e que a sociedade
fosse a mesma coisa que o Estado, e as pessoas, a mesma coisa que o governo"6. Isto
significava que "a noo de Contrato" sucederia aquela de governo
A grande tarefa do poder dual das bases procurar e criar espaos sociais e
preench-los com instituies e relaes libertadoras. Onde h espao para ns
agirmos por ns mesmos, formamos instituies propcias a no apenas catalisar a
revoluo, mas tambm s condies atuais de uma vida plena, incluindo a autogesto
econmica e poltica no mais alto grau possvel. Ns no buscamos tomar o poder, mas
aproveitar a oportunidade em relao ao exerccio do nosso poder.
Assim, o poder dual das bases uma situao em que uma comunidade
autodefinida criou para si um sistema poltico/econmico que uma alternativa
operacional ao establishment estatal/capitalista dominante. O poder dual consiste em
instituies alternativas que supram as necessidades da comunidade, tanto materiais
quanto sociais, incluindo alimentao, vesturio, habitao, assistncia mdica,
6
PROUDHON. Political Contradictions (1863-4). In: _____. Selected Writings, p. 117.
7
PROUDHON. General Idea of the Revolution, pp. 126, 245-6.
8
Ibid., p. 243.
316
comunicao, energia, transporte, oportunidades educacionais e organizao poltica. O
poder dual necessariamente autnomo e concorrente em relao ao sistema
dominante, visando usurpar o domnio do ltimo e, finalmente, substitu-lo.9
Tal projeto exige auto-organizao no nvel das bases para construir uma "infraestrutura
social alternativa". Ele implica em coisas como cooperativas de produtores e consumidores,
sistemas LETS e bancos mutuais, unies industriais sindicalistas, associaes de inquilinos e
greves de aluguel, associaes de bairro, programas de vigilncia comunitria (no afiliados
polcia) e vigilncia contra a polcia (cop-watch), tribunais voluntrios para arbitragem civil,
agricultura apoiada pela comunidade, etc. O projeto "municipalista libertrio" de devolver as
funes do governo local para o nvel de bairro e mutualizar os servios sociais tambm cai sob
este ttulo - mas com servios que esto sendo mutualizados ao invs de municipalizados.
Poltica prefigurativa um termo chique que apenas significa viver os seus valores hoje
em vez de esperar at "depois da revoluo" - na verdade, isso significa comear a
revoluo aqui e agora, na medida do possvel. Isso pode ser chamado de aspecto
cotidiano do contrapoder social. E contra-instituies, das quais as cooperativas muitas
vezes so um exemplo, so os aspectos estruturais do contrapoder social.10
Jonathan Simcock, no site Total Liberty, descreveu uma viso do Anarquismo Evolutivo
que inclua
9
DOMINICK, Brian A. An Introduction to Dual Power Strategy. Anarchist Communitarian Network, ca.
2004. Disponvel em: <http://left-liberty.net/?p=265>. Acessado em: 29 fev. 2016.
10
STAUDENMAIER, Peter. Anarchism and the Cooperative Ideal. The Communitarian Anarchist, vol. 1,
n. 1, ca. 2000..
11
SIMCOCK, Jonathan. Editorial for Current Edition. Total Liberty vol. 1, n. 3, outono 1998. Disponvel
em: <http://www.spunk.org/library/pubs/tl/sp001872.html>. Acessado em: 22 ago. 2004.
317
longo de todo o corpo poltico. Ela a substituio de um sistema pelo outro, um novo
organismo substituindo aquele que est desgastado. Mas essa mudana no ocorre em
questo de minutos.... Ela no acontece ao comando de um homem que tem sua
prpria teoria pr-estabelecida ou ao ditame de algum profeta. Uma revoluo
verdadeiramente orgnica um produto da vida universal.... uma ideia que a
princpio muito rudimentar e que germina como uma semente; uma ideia que no , a
princpio, de maneira alguma notvel, uma vez que embasada na sabedoria popular,
mas que... repentinamente cresce da forma mais inesperada e enche o mundo com a
sua instituio.12
O Estado uma condio, uma certa relao entre os seres humanos, um modo de
comportamento, ns o destrumos ao contrair outros relacionamentos, ao nos
comportarmos de forma diferente um em relao ao outro.... Ns somos o Estado e
continuamos a ser o Estado, at que tenhamos criado as instituies que formem uma
comunidade real13
Parcialmente [atravs d]o princpio de associao, atravs do qual, por toda a Europa,
esto se preparando para organizar companhias operrias legais para competir com os
interesses burgueses e, em parte [atravs d]o princpio mais geral e mais generalizado
do MUTUALISMO, atravs do qual a Democracia da classe trabalhadora, colocando um
prmio sobre a solidariedade e sobre os grupos, est preparando o caminho para a
reconstruo poltica e econmica da sociedade14
Tucker tinha sua prpria imagem do processo. De acordo com James J. Martin, Tucker
sugeriu esta "ao remediadora":
12
PROUDHON. Political Capacity of the Working Class. In: ______. Selected Writings, p. 177.
13
Citado em GAMBONE, Larry. For Community: the Communitarian Anarchism of Gustav Landauer.
Montreal: Red Lion Press, 2001.
14
PROUDHON. Political Capacity of the Working Class. In: ______. Selected Writings, p. 180-1.
318
toda a cidade em uma "grande colmeia de trabalhadores anarquistas".15
O mesmo vale para anarquistas. Por exemplo, Brian Dominick rejeita a tendncia a
identificar "revoluo" exclusivamente com o perodo de insurreio. Pelo menos to
importante, como parte do processo geral de revoluo, so os anos antes da insurreio final:
15
MARTIN, James J. Men Against the State: The Expositors of Individualist Anarchism in America, 1827-
1908. Colorado Springs: Ralph Myles, Publisher, 1970. p. 249.
16
DOMINICK. "Introduction to Dual Power Strategy".
319
em relao ao estado e ao capital so os principais objetivos da dualidade de poder,
assim como o a interdependncia entre os membros da comunidade. A situao de
poder dual, em seu estado de pr-insurrecional, tambm conhecida como
"infraestrutura social alternativa".
Em outras palavras, mutualismo significa construir o tipo de sociedade que queremos, aqui e
agora, embasadas na organizao comunitria da cooperao voluntria e da ajuda mtua -
em vez de esperar pela revoluo. Um personagem em The Star Fraction de Ken MacLeod fez
uma descrio do socialismo que poderia ter vindo de um mutualista:
...o que sempre quisemos dizer com o socialismo no era algo que voc forava s
pessoas, eram as pessoas se organizando como quisessem em cooperativas, coletivos,
comunas, sindicatos.... E se o socialismo realmente melhor, mais eficiente do que
capitalismo, ento ele pode competir bem pra caralho com o capitalismo. Por isso,
decidimos, esquea todos os estatistas de m*rda e a violncia: o melhor lugar para o
socialismo o mais prximo de um mercado livre que voc puder conseguir!18
Rothbard costumava citar com aprovao a alegao de Leonard Read de que, se ele
tivesse um boto mgico que eliminasse de imediato o governo, ele o apertaria sem hesitao.
Mas deveria ser bvio que, independentemente de se reconhecer ou no a validade do
gradualismo, o estado no vai, na verdade, ser abolido do dia para a noite. E mesmo que
tivssemos um "boto mgico" que magicamente fizesse com que todos os funcionrios, armas
e edifcios do estado desaparecessem, qual seria o resultado? Se a maioria do pblico ainda
tivesse uma mentalidade estatista, e se no houvesse instituies libertrias alternativas no
lugar para assumir as funes do estado, um estado ainda mais autoritrio rapidamente
preencheria o vcuo. Como Benjamin Tucker argumentou,
17
Ibid.
18
MACLEOD, Ken. The Star Fraction. Publicado como parte da triologia The Fall Revolution. New York:
SFBC, 1995, 2001. p. 244.
320
reao e em um renascimento da antiga tirania.
Ele pedia, em vez disso, pela abolio gradual de governo, "comeando com a queda
dos monoplios do dinheiro e da terra e se estendendo da para um campo aps o outro,
...acompanhado de to constante aquisio e firme difuso da verdade social" que o pblico
enfim estaria preparado para aceitar a ltima etapa de substituio do governamental pelo livre
contrato, mesmo na rea da proteo policial.19
Nossa nfase deve ser na construo desta sociedade, tanto quanto possvel sem
buscar confronto direto com a autoridade do estado. Mas eu no sou um pacifista poltico, no
sentido de excluir tal confronto por princpio. No importa o quo diligentemente trabalhemos
"dentro da casca da antiga" sociedade, em algum momento vamos ter que sair da casca. Neste
ponto, ou o estado iniciar a fora, a fim de abortar a nova sociedade, ou ele estar
desmoralizado a ponto de entrar em colapso rapidamente sob seu prprio peso, como os
regimes leninistas em 1989-91. Mas de qualquer forma, a transio final provavelmente ser
abrupta e dramtica, um pouco bagunada e quase certamente ir envolver pelo menos
alguma violncia.
Sobre a questo revolucionria, acho que deveramos ter dois princpios orientadores.
O primeiro foi formulado por Ed Stamm em sua declarao sobre os protestos anti-OMC de
dezembro 1999: "qualquer atividade revolucionria deve ter massivo apoio popular"20. Isso
ocorrer, por si s, se os nossos esforos educativos e organizadores forem bem-sucedidos.
Isso nunca vai ser realizado por vanguardismo ou "propaganda pelo ato". Em segundo lugar,
ela no deveria ser tentada at que tenhamos construdo tanto quanto pudermos dentro da
estrutura existente. As dores de parto no ocorrem at que a gestao esteja concluda. H
alguns aspectos de uma sociedade sem estado - por exemplo, o controle completo da indstria
pelos trabalhadores ou a propriedade da terra com base apenas na ocupao e uso - que no
podem ser plenamente realizados antes da destruio final do atual sistema de poder. Mas
devemos conseguir tudo o que pudermos aqum disso antes de comearmos o impulso final.
Mas por que as classes dominantes permitiriam sequer uma reverso fragmentada do
aparelho estatal? Por que elas no prefeririam represso at mesmo a uma perda parcial de
19
TUCKER, Benjamin R. Protection, and Its Relation to Rent. Liberty, 27 out. 1888. In: ______. Instead
of a Book, By a Man Too Busy to Write One. Gordon Press facsimile. New York:[s.n.], 1897, 1973. p. 329.
20
STAMM, Ed. Anarchists Condemn Anti-WTO Riots. The Match!, primavera 2000. p. 5.
321
privilgio? A resposta que elas vo usar represso aberta e em grande escala apenas como
um ltimo recurso. (Mesmo se estivermos na fase de abertura de tal represso na sequncia
do 11/09, o estado ir provavelmente mant-la discreta e espordica tanto tempo quanto
possvel). improvvel que tal represso tenha sucesso para alm do curto prazo, e ela
poderia muito bem resultar em uma perda total de energia sob circunstncias extremamente
sangrentas. As classes dominantes frequentemente esto dispostas a fazer negcios de curto
prazo para preservar seu poder de longo prazo. Muito embora as elites dominantes tenham
tomado a iniciativa de criar o estado de bem-estar social do New Deal, por exemplo, elas o
fizeram apenas enquanto mal necessrio, para evitar o mal bem maior da insurreio pblica.
E, claro, no podemos subestimar as falhas humanas da negao e da falta de viso, o desejo
de adiar o inevitvel o maior tempo possvel. As classes dominantes so to propensas quanto
qualquer outra pessoa "sndrome do sapo fervido".
Muitos anarquistas se opem, por princpio, a esse uso do processo poltico para fins
anarquistas. No tico, dizem eles, que os anarquistas participem no processo poltico. A
votao implica em selecionar um representante para exercer fora coercitiva em nosso nome;
e apelar a esses representantes para a ao , com efeito, um reconhecimento de sua
legitimidade. Esta uma opinio partilhada por muitas variedades de anarquistas. No extremo
esquerdo do espectro, anarco-sindicalistas preferem ignorar o estado; da a ciso dos Wobblies
com De Leon e a eliminao da "clusula poltica" do Prembulo da IWW. Muitos voluntaristas
e anarco-capitalistas (Wendy McElroy, por exemplo, e o falecido Samuel Edward Konkin, do
Movimento da Esquerda Libertria) tambm tomaram esta posio. Joe Peacott, um anarquista
individualista que ainda abraa o legado anticapitalista disso, da mesma forma, considera a
ao estatal moralmente ilegtima.21 O nico caminho aceitvel retirar todas as autorizaes e
legitimidade do estado, at que "o ltimo a sair apague as luzes".
Em For Community, um panfleto sobre Gustav Landauer, Larry Gambone alegou que j
21
Eu no vou entrar na disputa polmica, ideologicamente carregada e infrutfera sobre se um anarco-
capitalista pode legitimamente reivindicar o rtulo de anarquista individualista.
322
no era mais possvel meramente agir fora estado enquanto o se trata como irrelevante. Fazer
isso implicava no risco de que "voc pode acabar como o pessoal em Waco". Um "movimento
antipoltico para desmantelar o estado" era necessrio.22
Em algum momento, antes da dissoluo final do Estado, o seu mecanismo deve ser
apreendido e formalmente liquidado.
22
GAMBONE. For Community.
23
ROTHBARD, Murray. Confiscation and the Homestead Principle. The Libertarian Forum, 15 jun. 1969.
p. 3.
24
ROTHBARD. How and How Not to Desocialize. The Review of Austrian Economics, vol. 6, n. 1, 1992.
p. 77.
323
interesses das classes privilegiadas. Portanto, qualquer proposta de poltica proveniente do
aparelho estatal e dos principais partidos polticos, independente de quo convincentemente
elas cooptem a retrica libertria, ser destinada a servir os interesses de alguma faco da
classe dominante, de alguma forma lhes permitindo viver do trabalho das classes produtoras.
A funo central do estado permitir que algumas pessoas vivam s custas dos outros,
atravs da coero. E ambos os principais partidos so capitalistas de estado at o osso. Ento
lgico que, em um sistema definido por sua natureza capitalista de estado, cada faceta
particular da poltica fiscal ou da regulamentao se destine a promover os interesses das
elites capitalistas de estado que se enriquecem por meios polticos. E qualquer reduo em
particular nos impostos ou nas regulamentaes promovidas por qualquer uma das partes se
destina, no contexto mais amplo da poltica do estado como um todo, a promover os interesses
capitalistas de estado.
Dizer que qualquer reduo de imposto em particular deve ser saudada como uma
vitria, fora do contexto do que ela significa na estratgia global dos capitalistas de estado
como os romanos dando boas-vindas retirada do centro de Hannibal em Canas como "um
passo na direo certa", o primeiro passo para uma retirada Pnica geral da Itlia.
324
estruturais do subsdio e do privilgio de que o capitalismo de estado depende deveriam ser os
primeiros a ir; aqueles que o tornam marginalmente mais suportvel para as classes mais
baixas deveriam ser os ltimos a ir.
Benjamin Tucker era firmemente a favor desta abordagem. Ele acreditava que a
abolio do governo em estgios deveria seguir a ordem com menor probabilidade de produzir
transtorno ou injustia ao trabalho. Dado que a abolio do estado significava sua dissoluo
gradual no organismo econmico, "[a] questo diante de ns no ... quais medidas e meios de
interferncia estamos justificados em instituir, mas quais daqueles j existente devemos
primeiro podar"25. Por exemplo, ele se refere com aprovao ao aviso de Proudhon de que a
abolio da tarifa antes do monoplio do dinheiro seria "uma poltica cruel e desastrosa",
jogando no desemprego aqueles empregados na indstria protegida, "sem o benefcio da
insacivel demanda por trabalho que um sistema monetrio competitivo criaria"26.
Mas tico continuar a impor controles de preos sobre o que agora uma
empresa privada, uma concorrente entre outras? Talvez seja. Considere o fato de que a
posio privilegiada da Amalgamated Widgets no mercado no o resultado nem de
seus prprios esforos, nem do acaso; ao contrrio, o resultado da agresso
sistemtica por parte do governo em seu favor. Pode-se argumentar, ento, que uma
restrio temporria aos preos da empresa poderia ser justificada, a fim de impedi-la
de tirar vantagem indevida de uma posio que ganhou atravs da violncia injusta
contra inocentes.27
Este princpio est sujeito a uma aplicao muito mais ampla. A maioria dos anarquistas
mutualistas e individualistas concordam que o principal propsito das atividades do estado tem
sido servir aos interesses exploradores da classe dominante. A maioria tambm concorda que
polticas "de corao mole", como o estado de bem-estar, tm servido principalmente para
moderar (s custas do pagador de impostos em geral) os resultados mais desestabilizadores
da troca desigual. O efeito geral roubar a grande maioria da populao ativa, atravs da troca
25
TUCKER. Voluntary Co-Operation. Liberty, 24 mai. 1890. In: ______. Instead of a Book, p. 104-5.
26
TUCKER. State Socialism and Anarchism. In: Ibid., p. 13.
27
LONG, Roderick T. Dismantling Leviathan From Within, Part II: The Process of Reform. Formulations,
vol. 3, n. 1, outono 1995. Disponvel em: <http://freenation.org/a/f31l3.html>. Acessado em: 26 abr. 2016.
325
desigual nos mercados de consumo e de trabalho, de muito do produto de seu trabalho e,
ento, gastar uma pequena parte desse ganho ilcito para garantir um mnimo de subsistncia
aos elementos da subclasse com maior probabilidade de causar um tumulto. (Claro que,
mesmo no caso da subclasse, o que eles recebem em pagamentos de previdncia social
provavelmente no o suficiente para compensar o que perderam atravs de polticas do
estado para reduzir o poder de barganha do trabalho e aumentar o limiar de subsistncia).
E assim, como outro exemplo, a aliana entre libertrios que utilizam uma
abordagem como a minha com os liberais em relao guerra contra o terrorismo. Ns
28
SCIABARRA, Chris Matthew. Total Freedom: Toward a Dialectical Libertarianism. University Park,
Pennsylvania: The Pennsylvania State University Press, 2000. p. 88.
326
tendemos a nos concentrar nas questes sistmicas complexas envolvidas, no
estatismo corporativo, no sucesso improvvel de qualquer esforo para "planejar" o
desenvolvimento de outros pases. Muitos libertrios pr-guerra se concentram apenas
em nosso direito de autodefesa e em nossa necessidade de destruir nossos inimigos -
sem considerar o sistema em que esses princpios sero aplicados, a natureza dos
jogadores envolvidos, e como esse sistema, por si s, pode tornar todos esses esforos
sem sucesso, e como provavelmente acelerar o crescimento de um governo central
ainda mais destrutivo e poderoso aqui nos Estados Unidos....
Para resumir, ento: podemos ver dois mtodos muito diferentes de se abordar
qualquer problema. Ns temos um mtodo que se foca em preocupaes contextuais e
sistmicas e mantm sempre essas questes em mente ao analisar qualquer problema
e propor solues para ele. E tambm temos um mtodo que se concentra quase
exclusivamente em princpios, mas emprega princpios maneira de Formas de Plato,
desconexos e desamarrados de um contexto ou cultura especficos. Como eu disse, a
minha soluo empregar ambos os mtodos, separadamente e em conjunto,
constantemente indo e voltando - e me esforar para nunca esquecer nenhum.29
Na formao desta imagem estratgica, devemos usar anlise de classe para identificar
os interesses e grupos-chave no corao do sistema de poder. Como Sciabarra aponta,
primeira vista a viso de Rothbard do estado pode parecer se assemelhar superficialmente ao
liberalismo dos grupos de interesse: embora o estado seja os meios polticos organizados, ele
serve aos interesses exploradores de qualquer coleo de faces polticas que ocorram de
tomar o controle dele em qualquer momento. A imagem de como funciona o estado no requer
qualquer relao orgnica entre os vrios grupos de interesses que controlam o estado em
qualquer momento ou entre estes e o Estado. O estado pode ser controlado por um conjunto
heterogneo de grupos de interesse, que vo desde profissionais licenciados at empresas
rent-seeking, agricultores familiares, servios pblicos regulamentados e sindicatos; a nica
coisa que eles poderiam ter em comum o fato de que eles calham de ser, atualmente, os
melhores em abrir desonestamente seu caminho at o estado.
29
SILBER, Arthur. In Praise of Contextual Libertarianism. The Light of Reason, 2 nov. 2003. Disponvel
em: <http://powerofnarrative.blogspot.com/2003/11/in-praise-of-contextual-libertarianism.html>. Acessado
em 27 abr. 2016.
327
que enfatiza o componente de estado da classe dominante, custa dos seus elementos
plutocrticos) tende a esse tipo de entendimento. Um bom exemplo a teoria de classes de
Adam Smith e seus seguidores:
Por sua natureza..., um Estado poderoso atrai interesses especiais que vo tentar
direcionar suas atividades, e qualquer um que consiga a maior parte do poder...
constituir uma classe dominante.30
Long apontou para David Friedman como um exemplo ainda mais extremo dessa tendncia:
Parece mais razovel supor que no h nenhuma classe dominante, que somos
governados, antes, por uma mirade de gangues em confronto, constantemente
envolvidas em roubar uns dos outros para o grande empobrecimento de seus prprios
membros, assim como do resto de ns.31
Mas em um exame mais atento, Rothbard no v o Estado como sendo controlado por
uma coleo aleatria de grupos de interesse. Em vez disso, ele era controlado por
30
LONG. Toward a Libertarian Theory of Class. Social Philosophy & Policy, vol. 15, n. 2, pp. 313, vero
1998.
31
De The Machinery of Freedom, citado em Ibid., p. 327.
32
Ibid., p. 287.
328
Nem todas as redues do poder do Estado so igualmente importantes, e poderia ser
desastroso desmantelar as funes do Estado na ordem errada. O principal objetivo de toda
atividade estatal, direta ou indiretamente, beneficiar a classe dominante. As funes centrais
ou estruturais do estado so os subsdios e privilgios atravs dos quais a concentrao de
riqueza e o poder de explorar so mantidos. As chamadas funes "progressistas" do estado
(apesar das fantasias de Arthur Schlesinger do contrrio) so criadas pela classe dominante,
por intermdio do governo enquanto seu comit executivo, para estabilizar o capitalismo e
limpar sua prpria baguna.
Por isso, essencial que o estado deva ser desmontado em sequncia, comeando
com os fundamentos estruturais do poder e do privilgio corporativos; depois que se permita
que um verdadeiro mercado destrua a concentrao de poder e a polarizao de riqueza e
retire a bota da explorao do pescoo do trabalho, o suprfluo estado de bem-estar social
pode ser desmontado em seguida. Isso no deve ser confundido com o "anarquismo"
socialdemocrata de Noam Chomsky. Eu no defendo um reforo, a longo prazo, do estado
para quebrar "concentraes particulares de poder". O poder capitalista no poderia sobreviver
sem o estado. A nica questo quais funes do estado desmantelar primeiro.
329
liberdade intelectual e cultural, a ajuda mtua e a cooperao voluntria - permanecem
mais relevantes do que nunca no mundo de hoje.33
H, entre os libertrios tanto de esquerda quanto de direita, uma tendncia a deixar que
consideraes em grande parte estticas fiquem no caminho da cooperao. Isto verdade
igualmente sobre os socialistas libertrios que reagem automaticamente com hostilidade aos
anarquistas de mercado e de (por exemplo) libertrios de direita que ficaram balsticos por
conta de propostas amigveis de Michael Badnarik para com o candidato presidencial do
Partido Verde David Cobb.36 Na minha prpria carreira polmica, tenho sido simultaneamente
33
PRESTON, Keith. Conservatism is Not Enough: Reclaiming the Legacy of the Anti-State Left. American
Revolutionary Vanguard. Disponvel em: <http://www.attackthesystem.com/conservatism.html>.
Acessado em: 22 ago. 2004.
34
DE LEON, David. The American as Anarchist: Reflections on Indigenous Radicalism. Baltimore e
London: The Johns Hopkins University Press, 1978. p. 131.
35
PEOPLES BICENTENNIAL COMMISSION. Common Sense II: The Case Against Corporate Tyranny.
New York: Bantam, 1975.
36
DOHERTY, Brian. Libertarians and Greens: Room for Alliance?. Hit & Run Blog, 2 ago. 2004.
Disponvel em: <http://reason.com/blog/2004/08/02/libertarians-and-greens-room-f>. Acessado em: 26
abr. 2016. Ver especialmente os comentrios.
330
inflamado como um "saqueador comunista intil" nos crculos anarco-capitalistas e como um
"racista nazista adorador de Rand em marcha" em locais anarquistas da variedade
vandalizadora de Starbucks com um A na bola, por expressar essencialmente as mesmas
ideias.
Roderick Long define libertarianismo como "qualquer posio poltica que defenda uma
redistribuio radical de poder do estado coercitivo para associaes voluntrias de indivduos
livres"37, e divide os libertrios nos campos socialista, capitalista e populista. No sculo XIX,
"era bastante comum que os libertrios de diferentes tradies reconhecessem uma
comunalidade de herana e interesse", uma tendncia em grande parte perdida no sculo XX.38
Ele passa o resto do artigo descrevendo a perspectiva ideolgica unilateral de cada um dos
trs campos de libertrios e pedindo pelo dilogo entre eles para corrigir essas deficincias.
Uma das razes para a afinidade mais estreita entre as tradies libertrias no sculo
XIX talvez fosse que o liberalismo de livre mercado ainda estava mais perto de suas razes
radicais iniciais. E um segmento muito maior do movimento de livre mercado ainda se
considerava, ao mesmo tempo, como parte do movimento da classe trabalhadora. Que Tucker,
Labadie, Lum e o resto do crculo da Liberty se enquadram nesta categoria, vai sem dizer. O
mesmo vale para os Georgistas. Mesmo Herbert Spencer, que s vezes parecia um vulgar
apologista dos dias atuais do capitalismo, era um discpulo de Thomas Hodgskin com ideias
decididamente lamacentas sobre terra e crdito. O final desta comunalidade pode ter sido
precipitado, como Shawn Wilbur sugeriu, pela ciso do movimento anarquista entre
individualistas americanos nativos e imigrantes coletivistas, simbolizada pela guerra polmica
entre Tucker e Johann Most. No rescaldo desta diviso, o anarquismo importado de Bakunin e
Kropotkin tornou-se o mainstream anarquista, e o individualismo marginalizado do grupo da
Liberty abandonou suas razes socialistas e caiu sob o domnio da Direita capitalista.
...uma orientao (populista) de massa exige que se busque todas as vrias crenas e
atividades que so de uma natureza, de maneira geral, libertria e social, encontradas
entre as pessoas comuns. Estas consistiriam em qualquer forma de descentralizao,
democracia direta, regionalismo, oposio ao governo e regulamentao, todas as
37
LONG. Toward a Libertarian Theory of Class, p. 304.
38
Ibid., p. 310.
331
formas de associao voluntria, de livre intercmbio e de ajuda mtua.39
Em outras palavras, devemos nos aproximar das pessoas onde elas esto e tornar a
nossa agenda relevante para as coisas que lhes interessam.40
O futuro do anarquismo, se houver um, ir, na melhor das hipteses, envolver alguns
milhares de pessoas, na forma de indivduos ou pequenos grupos, em organizaes
libertrias-descentralistas maiores. (Alguns vo optar por trabalhar sozinhos,
espalhando a mensagem anarquista atravs de escritos e publicaes.) imperativo
que essas pessoas, to poucas em nmero, mas com potencial influncia, saibam
sobre o que esto falando e escrevendo.41
39
GAMBONE. An Anarchist Strategy Discussion. Upload feito originalmente em trs partes na pgina de
arquivo do vcmdiscussion em YahooGroups. Reproduzido com permisso em Mutualist.Org. Disponvel
em: <http://www.mutualist.org/id13.html>. Acessado em: 22 ago. 2004.
40
Vide tambm GAMBONE. Sane Anarchy. Montreal: Red Lion Press, 1995.
41
GAMBONE. What is Anarchism?. Total Liberty, vol. 1, n. 3, outono 1998.
42
SCIABARRA. Total Freedom, p. 226.
332
custo e na associao voluntria.
Quando o estado corporativo existente cair, ser um resultado de dois fatores. Um deles
sero as crises internas do prprio capitalismo de estado e o fato de que ele insustentvel.
Em algum momento, a demanda por insumos como transporte e energia e os gastos do
governo para externalizar os custos operacionais e tornar o capital artificialmente rentvel
sero superiores capacidade do sistema de fornec-los. O outro fator ser a presso do lado
de fora; e esta presso provavelmente vir de uma srie de movimentos cujo denominador
comum apenas o desagrado do estado centralizado e do capitalismo corporativo.
O resultado mais provvel uma panarquia em que uma ampla gama de sistemas
sociais e econmicos locais coexistem (pelo menos por um tempo) com as ilhas do territrio
sob controle das foras armadas do velho estado, pretensos estados sucessores regionais,
etc.43 As comunidades locais provavelmente experimentariam ideologias que vo desde o
sindicalismo, mutualismo e Georgismo at racismo e teocracia.
Como mencionado acima, uma recente abertura ao Partido Verde pelo candidato
presidencial libertrio Badnarik produziu uivos de indignao de alguns libertrios
convencionais. Mas o programa Verde de nacionalizao e descentralizao combinadas no
obviamente mais "estatista" do que a verso de privatizao de "livre mercado" defendida por
Milton Friedman e Jeffrey Sachs. Se qualquer coisa, provavelmente seria mais fcil chegar ao
objetivo final de uma sociedade baseada em relaes voluntrias por via de nacionalizao e
posterior devoluo mutualista, do que pela frmula libertria vulgar padro.
43
Vide, por exemplo, "V. Separation of Law and State", em "Philosophical Anarchism and the Death of
Empire" de Keith Preston. Disponvel on-line em American Revolutionary Vanguard <http://www.
attackthesystem.com/philo.html>. Acessado em 22 de Agosto de 2004.
333
que, aparentemente, nada poderia ser menos libertrio. Mas, parando-se para pensar sobre
isso, que indstria mais estatista do que os hospitais nominalmente do "setor privado",
compostos por mdicos que lucram com o monoplio do licenciamento "profissional", com a
distribuio de "padres de atendimento" mandatados por conselhos de licenciamento e
escolas mdicas sob a influncia da Big Pharma, com prescrio de medicamentos que foram
desenvolvidos s custas do pagador de impostos e esto sob a proteo de monoplios de
patentes e so financiados em grande parte pelo Medicare e pelo Medicaid?
44
ROTHBARD. Confiscation and the Homestead Principle, pp. 3-4.
334
Em uma sociedade onde a prpria estrutura da economia corporativa estatista at o
mago, a nacionalizao no , de forma alguma, a bvia anttese de uma reforma de livre
mercado; como Rothbard viu h trinta anos, pode ser um passo estratgico para a reforma de
livre mercado. Se os alvos, enquanto partes integrantes de um sistema estatista, so legtimos
e se o ponto de parada pretendido uma sociedade baseada na associao e na troca
voluntrias, ento a questo de prudncia, no de princpio.
Em toda essa conversa de uma estratgia "poltica" para se reverter o estado, devemos
lembrar que ela apenas secundria. Somos forados a persegui-la apenas porque o estado
interfere ativamente em nossa atividade principal - o que os Wobblies chamam de "construir a
estrutura da nova sociedade dentro da concha da antiga". At a crise final do estatismo, em
que a tentativa de represso do estado leva a uma ruptura final com o sistema antigo, h muito
que podemos fazer dentro da sociedade existente para construir um novo tipo de ordem social.
O trabalho educativo deveria, se voc perdoar o clich, comear com as pessoas onde
elas esto e construir a partir da. Devemos nos concentrar nos aspectos do sistema atual que
as pessoas acham mais desagradveis ou irritantes em suas vidas cotidianas, mostrar o papel
que a interveno do estado no mercado desempenha na criao desses males e fornecer
exemplos vivos de como esses males podem ser superados por maneiras diferentes de fazer
as coisas, baseadas na cooperao voluntria.
45
DOMINICK. Introduction to Dual Power Strategy.
335
estado para que ele estrategicamente se retire. O movimento poltico pode dar cobertura
poltica para o movimento social e tornar a represso em massa menos vivel.
Mesmo quando for imprudente que o movimento social recorra ilegalidade em larga
escala, ele pode atuar como um "governo sombra" para desafiar publicamente todas as
medidas tomadas pelo estado (muito parecido com o sistema de sombra dos Sovietes e dos
comits de trabalhadores antes da Revoluo de Outubro). Mesmo que tais "instituies
sombra" possam ser incapazes de implementar suas polticas em face oposio oficial, esse
fato, por si s, uma oportunidade para exigir, "Por que voc est usando coero
governamental para nos impedir de controlar nossas prprias escolas, comunidade, etc.?" (Isso
pode ser especialmente eficaz em apontar a hipocrisia do falso "populismo" dos republicanos,
com seus apelos descentralizao e ao controle local). O objetivo manter o estado
constantemente desequilibrado e for-lo a defender cada movimento seu no tribunal da
opinio pblica.
46
HESS, Karl; MORRIS, David. Neighborhood Power: The New Localism. Boston: Beacon Press, 1975.
pp. 91-3.
336
Ao pressionar o estado a se retirar da sociedade, bem como no uso da presso poltica
para defender nossa contra-organizao contra a represso, a tecnologia moderna abriu
possibilidades emocionantes para as formas de oposio baseadas em grandes associaes
descentralizadas de grupos de afinidade.
E quando o Estado tentar prises parciais de alguns lderes, uma organizao de cada
vez, devemos espalhar a notcia no s para os grupos "radicais" e para os meios de imprensa
alternativos o mais rapidamente possvel, mas para a grande imprensa. Se voc pertencer a
uma organizao cujos ativistas tm sido visados desta forma, espalhe a notcia por toda parte
na rede e na mdia impressa, com informaes de contato para os oficiais envolvidos. Se voc
encontrar uma mensagem em sua caixa de entrada, tire o tempo necessrio para ligar ou
47
RONFELDT, David. The Zapatists "Social Netwar" in Mexico, MR-994-A. Santa Monica: Rand, 1998.
337
enviar e-mail para os milicos com suas queixas e passar a notcia para os outros. Por exemplo,
eu uma vez liguei para uma fora policial local para protestar contra a deteno ilegal de alguns
manifestantes, depois que eu vi um chamado ao em um grupo de notcias e-mail; foi-me
dito pelo operador atormentado que eles estavam to sobrecarregados que eles tinham de
remeter quem ligava para a polcia estadual. Cada represso a uma organizao deve resultar
no estado sendo enxameado com telefonemas e a imprensa sendo saturada com cartas e
comunicados.
A mesma abordagem igualmente til na arena poltica. Toda tentativa de novo bem-
estar corporativo ou de aumentos de regulamentao do capitalismo de estado, deveria resultar
em enxameamento semelhante de escritrios do Congresso. Toda tentativa de um aumento
fragmentrio do estado policial, muitas dos quais temos visto desde 11/9, a tentativa do
estado de testar a gua da opinio pblica, colocando seu p. Cada tentativa nesse sentido
deve resultar em um escaldo severo, com telefones tocando sem parar e caixas de e-mail
sobrecarregadas.
338
para um idlio pr-capitalista de produo mesquinha. Sindicalistas e comunistas libertrios
tendem a ecoar esse sentimento: por exemplo, eu o ouvi numerosas vezes em debates com
membros do Partido Socialista da Gr-Bretanha. Eu suspeito, no entanto, que a razo menos
tcnica do que esttica. Anarquistas coletivistas geralmente insistem que o coletivo existe para
promover a liberdade do indivduo sagrado e que eles no tm nenhuma objeo empresa
individual e de pequenos grupos, desde que no haja trabalho assalariado. Ainda assim, muitas
vezes, sua tolerncia a tal atividade traz consigo o ar geral de averso do Ingsoc "proprivida".
A diferena era que Proudhon no tinha nenhuma afinidade esttica com formas
coletivas de produo por si mesmas.
Bakunin ridicularizava os Marxistas por acreditarem, como demonstrado por sua ideia
de uma ditadura do proletariado, que a maioria produtora poderia realmente controlar o estado
em qualquer sentido real.
48
PROUDHON. The Political Capacity of the Working Classes. In: _____. Selected Writings, p. 62.
49
PROUDHON. Theory of Property (1863-4). In: Ibid., p. 63.
339
O que significa o proletariado ser "organizado como classe dominante"?... Pode ser
realmente que todo o proletariado estar frente da administrao?... H cerca de
quarenta milhes de alemes. Sero todos os quarenta milhes realmente membros do
governo?50
Ainda mais infelizmente, no temos que ir para obras de fico para encontrar exemplos
desse tipo de degenerao gerencial. Em um estudo fascinante de "resistncia dos
trabalhadores ao trabalho", Michael Seidman descreveu exatamente tal processo na indstria
controlada pelos trabalhadores da Catalunha. A CNT-UGT gradualmente adotou uma atitude
de gesto para com os trabalhadores, em relao a quem ela era formalmente responsvel, e
se tornou obcecada por enfrentar a recalcitrncia e o absentesmo e por impor disciplina laboral
fora de trabalho, exatamente da mesma maneira que os patres capitalistas fazem. O
Conselho Tcnico Administrativo do Sindicato de Construtores da CNT, por exemplo, advertiu
que ocorreria um desastre se os trabalhadores no fossem "reeducados" para purific-los das
"influncias burguesas" (aparentemente, preferir lazer ao trabalho extra sem pagamento) e a
disciplina laboral no fosse restaurada. A UGT "disse a seus membros para no formular
demandas em tempo de guerra e exortou-os a trabalhar mais". De forma muito similar aos
puritanos do sculo XVII, a CNT-UGT achava a observncia dos trabalhadores de feriados
religiosos tradicionais no meio da semana um grande obstculo "produtividade".
50
BAKUNIN, Mikhail. After the Revolution: Marx Debates Bakunin, citado em LONG. Toward a
Libertarian Theory of Class, p. 320.
51
LEGUIN, Ursula. The Dispossessed. New York: Harper Paperbacks, 1974.
340
tarefas e instrues de trabalho "sem comentrios".52 Parece que Lnin estava enganado: ele
no precisava quebrar os conselhos operrios, afinal, para impor suas ideias tayloristas aos
trabalhadores russos.
Michels foi o mais famoso de uma srie de socilogos na virada do sculo XX, que
coletivamente so chamados de "neo-maquiavlicos". Este grupo inclua Vilfred Pareto, que
formulou a teoria das elites circulantes. Gaetano Mosca argumentou que, em uma democracia
representativa, o pblico , inevitavelmente, relegado a escolher entre os candidatos
selecionados pela elite dominante.
As ideias dos neo-maquiavlicos foram levadas ao seu extremo mais sombrio e mais
desesperado por Jan Waclaw Machajsky e seu discpulo Max Nomad, em reao classe
dominante burocrtica surgida aps a revoluo russa. No retrato vvido de Nomad, a histria
era um processo cclico. E durante todo o processo, "a maioria da raa humana ser sempre o
pedestal para as sempre mutantes minorias privilegiadas"54. No importa quantas revolues
esperanosas as classes produtoras tenham lutado para deslocar a velha elite, no importa
quantos dias inebriante de liberdade tenham sido apreciados na Petrogrado de 1917 ou na
Barcelona de 1936, as massas estavam condenadas a serem governadas (em seu nome,
claro) por uma nova elite, uma burocracia Vermelha ou um aparato do partido. Os sindicatos e
partidos socialistas, como Michels havia apontado, foram inevitavelmente tomados por um
estrato de intelectuais e "profissionais" que, se fossem bem-sucedidos em usar os
trabalhadores para expulsar os capitalistas, tornavam-se a nova classe dominante.
341
organizao representativa da classe operria estava destinada a se tornar a base de poder da
intelligentsia.
342
organiz-las de maneira individualista; significa a liberdade de ter um judicirio baseado
e apoiado na comunidade quando desejado e nenhum, onde no, ou servios de
arbitragem privados, onde isso for visto como mais desejvel. O mesmo com a polcia.
O mesmo com escolas, hospitais, fbricas, fazendas, laboratrios, parques e penses.
Liberdade significa o direito de moldar suas prprias instituies.55
Ou como (o lamentavelmente falecido) Samuel Konkin escreveu: "O mercado a soma de toda
ao humana voluntria. Se algum age de maneira no coercitiva, parte do mercado"56.
Meu deus! Mas a General Motors no um dos "mocinhos", um exemplo da heroica tica
Randiana de individualismo grosseiro (risadinha)?
55
HESS. Letter From Washington: Where Are The Specifics?. The Libertarian Forum, 15 jun. 1969, p. 2.
Separata de: SILVERMAN, Henry J. (Ed.). American Radical Thought: The Libertarian Tradition.
Lexington, Massachusetts: D.C. Heath and Co., 1970.
56
KONKIN III, Samuel Edward. New Libertarian Manifesto, 2nd ed. [S.l.]: Koman Publishing, 1983.
Disponvel em: <http://flag.blackened.net/daver/anarchism/nlm/nlm1.html>. Acessado em: 16 fev. 2002.
57
HESS. Where Are the Specifics?, p. 2.
58
LONG. A Plea for Public Property. Formulations, vol. 5, n. 3, primavera 1998. Disponvel em:
<http://freenation.org/a/f53l1.html>. Acessado em: 26 abr. 2016.
59
HOBBS, Carlton. Common Property in Free Market Anarchism: A Missing Link.
343
para o bairro ou para a menor unidade local e coloc-las sob o controle direto de sua clientela.
A fase final deste processo deve ver os servios inteiramente financiados por taxas de
utilizao voluntrias. Larry Gambone refere-se ao processo como "mutualizar" as funes
governamentais.60
Este princpio de "mutualizao" de servios foi antecipado por Proudhon. Proudhon era
ambivalente quanto ao papel do estado na criao do mutualismo, antes que ele "definhasse";
s vezes ele propunha ao atravs do estado francs existente, no s para abolir a base
jurdica do privilgio, mas, na verdade, para implementar reformas mutualistas. Mas embora ele
considerasse o estado necessrio para estabelecer servios pblicos como transporte e
comunicao e o banco nacional de troca, ele no via qualquer necessidade de "deix-los nas
mos do estado depois de terem sido iniciados". A nica funo legtima do estado era
legislar, iniciar, criar, comear, estabelecer; to pouco quanto possvel deveria ele ser
executivo...
Uma vez que um comeo tenha sido feito, a mquina estabelecida, o estado se
retira, deixando a execuo da nova tarefa para as autoridades locais e para os
cidados...61
Em todo caso, como vimos acima, at mesmo um anarco-capitalista com credenciais anti-
estado to impecveis quanto Rothbard via a nacionalizao como uma parte legtima de
desmantelar o Estado e seus adjuntos "privados".
Uma razo pela qual Proudhon preferia mutualizar servios pblicos e colocar a
indstria sob controle operrio nacionalizao de qualquer um dos dois era que as empresas
nacionalizadas reproduziam os princpios de hierarquia e dominao inerentes empresa
capitalista. Voltando ao exemplo das lojas de varejo de tabaco nacionalizadas, ele se referiu
"organizao hierrquica de seus funcionrios, alguns dos quais so, por seus salrios, feitos
aristocratas, to caros quanto so inteis, enquanto outros, receptores desesperados de
salrios mesquinhos, so mantidos para sempre na posio de subalternos"62.
60
Vide seu website, Mutualize!, em http://web.archive.org/20040825031808/www.geocities.com/vcmtalk/
mutualize.
61
PROUDHON. The Principle of Federation, pp. 45-7.
62
PROUDHON. System of Economical Contradictions, pp. 232-3.
344
precursoras do tipo de "privatizao" capitalista que eles preferem, a posio de Tucker no
era de forma alguma to simples assim. Tucker certamente favoreceu, assim como os anarco-
capitalistas, a reorganizao de todos os servios do estado sobre a base da cooperao
voluntria; o estado devia ser privado de sua capacidade de forar seus servios a clientes no
dispostos, de tribut-los para o pagamento ou de proibir concorrentes no fornecimento dos
mesmos servios.
s vezes, porm, Tucker usava uma linguagem implicando que o estado, embora
mantendo a integridade organizacional, perderia o carter de um estado. No que diz respeito
aos servios de proteo, por exemplo, ele escreveu:
"Mas", ser perguntado aos anarquistas..., "o que deve ser feito com aqueles
indivduos que, sem dvida, continuaro a violar a lei social ao invadir seus vizinhos?"
Os Anarquistas respondem que a abolio do Estado vai deixar na existncia uma
associao defensiva, no mais repousando sobre uma base obrigatria, mas numa
base voluntria, que restringiria os invasores por quaisquer meios que se revelassem
necessrios63
Servios de proteo seriam fornecidos apenas para aqueles que desejassem e seriam
inteiramente financiados s custas de consumidores voluntrios.
De qualquer forma, Tucker no estava preso a nada parecido com a ideia anarco-
capitalista de empresas de defesa "privatizadas". A nica exigncia para um governo deixar de
ser tal era parar de financiar suas atividades com os impostos obrigatrios: "...todos os
Estados, para se tornarem no-invasivos, devem abandonar primeiro o ato primrio de invaso
sobre o qual todos eles repousam, - o recolhimento de impostos atravs da fora..."64. Um
cenrio plausvel que o antigo estado perca seu carter coercitivo e se torne de fato uma
cooperativa de consumo, de propriedade da maioria de uma comunidade que continua a utilizar
63
TUCKER. Relation of the State to the Individual. Liberty, 15 nov. 1890. In: _____. Instead of a Book, p.
25.
64
TUCKER. More Questions. Liberty, 20 jan. 1888. In: Ibid., p. 62.
345
seus servios. Empresas de defesa concorrentes menores poderiam surgir, atendendo a nichos
de mercado limitados; e uma grande minoria da populao pode preferir no se subscrever a
qualquer servio, confiando, em vez disso, em acordos informais com os seus vizinhos e no
efeito dissuasivo de uma populao armada.
Uma sociedade organizada sobre esses princpios evitaria a maioria dos males que
associamos ao capitalismo. O trabalho manteria a maior parte ou tudo do que atualmente vai
para juros, lucros e renda. O poder de barganha aumentado do trabalho conduziria, no s a
um aumento do salrio, mas a muito mais controle sobre as condies de trabalho.
Alm disso, o ciclo econmico seria muito menos grave em uma economia
descentralizada de produo para uso local. Para ver por que, vamos comear no nvel menor
e mais simples. Imagine um pequeno agricultor que vive ao lado de um sapateiro. Os dois
fazem um acordo de trocar de sapatos por comida. Obviamente, o agricultor por si s no pode
absorver o suficiente de produo do sapateiro para sustent-lo; e o sapateiro no pode comer
o suficiente para sustentar o agricultor. Mas os dois esto, pelo menos, razoavelmente seguros
no entendimento de que suas necessidades futuras, tanto de vegetais quanto de sapatos,
esto provisionadas com um alto grau de probabilidade. E eles tm um mercado bastante
previsvel para a parte da sua produo que consumida pela outra pessoa.
65
TUCKER. Tu-Whit! Tu-Whoo!. Liberty, 24 out. 1885. In: Ibid., pp. 55-8; Rights and Duties Under
Anarchy. Liberty, 31 dez. 1887. In: Ibid., pp. 58-60; More Questions. In: Ibid., pp. 61-2; Property Under
Anarchism. Liberty, 12 jul. 1890. In: Ibid., p. 312.
346
produzidas por cada um dos outros participantes; e cada um dos participantes, da mesma
forma, ir se sentir seguro de um mercado para a sua produo, pelo menos na medida da
demanda coletiva para ela dentro do grupo.
Algumas formas de produo, por sua prpria natureza, exigem mercados maiores e
mais centralizados para usar certos tipos de equipamento de produo a plena capacidade.
Mas, em grande parte dos casos, o tamanho e a instabilidade dos mercados so uma forma de
irracionalidade resultante de polticas estatais que externalizam os custos de ineficincia do
tamanho em larga escala.
347
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