Apostila Antropologia
Apostila Antropologia
Apostila Antropologia
CURSO: PEDAGOGIA
DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA CULTURAL
CARGA HORRIA: 60 HS
PROFESSORES: FABRCIO FERREIRA FEIO
EMENTA
Antropologia: definio e objeto. Origens da humanidade.
Cultura. Cultura e sociedade. Cultura e identidade. Temas contemporneos em Antropologia.
OBJETIVO GERAL
Estudar a Antropologia Cultural como instrumento de anlise das atividades humanas.
OBJETIVOS ESPECFICOS
Analisar os fundamentos conceituais da Antropologia Cultural e sua relao com a cultura
humana.
Problematizar o conhecimento antropolgico e sua interface com as manifestaes artsticas e
culturais.
CONTEDOS
Antropologia: uma breve histria
Campos de estudo da Antropologia
A Antropologia e suas diversas escolas
Adentrando no campo conceitual e metodolgico da Antropologia
Conceito de cultura.
RECURSOS
Apostilas, quadro de escrever, projetor de slides, revistas e pincel atmico, papel 40 kg e painis.
FORMAS DE AVALIAO
Avaliao processual, diagnstica e contnua utilizando como instrumentos:
UNIDADE 1
1
Sees de estudo
Seo 1 Antropologia: uma breve histria
Seo 2 Campos de estudo da Antropologia
Seo 3 A Antropologia e suas diversas escolas
Seo 4 Adentrando no campo conceitual e metodolgico da Antropologia
da
da
SEO 3 - A Antropologia e
suas diversas escolas
Como voc j viu anteriormente a
Antropologia enquanto cincia se fortaleceu a
partir das idias iluministas e teve sua
sistematizao a partir do sculo XIX. Pode-se dizer que foi a partir da publicao de duas
obras de Charles Darwin A Origem das Espcies (1859) e A Descendncia do Homem
(1871), que nasce a Antropologia Fsica ou Biolgica.
Pode-se afi rmar que a Antropologia passou por diversos momentos, ou diferentes fases,
ou ainda, se levarmos em conta que no era necessrio que uma fase ou momento acabasse
para surgirem novos estudos orientados por diferentes conceitos ou mtodos, podemos dizer
tambm que houve diferentes escolas antropolgicas. E voc conhecer algumas dessas
escolas a partir de agora.
Antropologia Evolucionista
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Antropologia Difusionista
Conhecida tambm como Particularismo Histrico ou pelo termo historicismo, pode-se
dizer que foi um movimento de reao ao evolucionismo do sculo XIX. Surgiu nos Estados
Unidos e difundiu-se nas trs primeiras dcadas do sculo XX, mais precisamente entre os
anos de 1900 a 1930, negava a orientao terica e metodolgica evolucionista, mas no
abandonou em seus estudos os conceitos bsicos evolucionistas.
Desenvolvia seus estudos embasados na idia de difuso cultural, ou seja:
(...) procurava explicar o desenvolvimento cultural atravs do processo de difuso
de elementos culturais de uma cultura para outra, enfatizando a relativa raridade
de novas invenes e a importncia dos constantes emprstimos culturais na
histria da humanidade.
(Barbosa apud Silva, 1982, p. 348)
Para os antroplogos representantes desta linha, as semelhanas e diferenas entre os
povos poderiam ser explicadas a partir da idia de surgimento de um grupo especfico num
determinado local (o Egito, por exemplo) e de que a partir dos contatos entre os povos
ocorreria a difuso dos costumes e hbitos ou do inventrio cultural deste povo por todo o
mundo.
Esta escola antropolgica foi responsvel por conceder aos mtodos de estudo da
Antropologia Cultural mais rigor cientfico, por meio do desenvolvimento de novas tcnicas de
pesquisa de campo, entre elas a observao participante.
Pode-se afirmar que esta foi uma teoria alternativa compreenso da diversidade cultural.
Sua diviso se d em trs linhas:
Antropologia Funcionalista
Esta linha da Antropologia se fundamenta nas idias fucionalistas e nos estudos de
Durkheim e de Herbert Spencer.
Desenvolvia o estudo das culturas sob o ponto de vista da funo, ou seja, ressalta a
funcionalidade de cada unidade da cultura no contexto cultural global (Marconi, 1992, p.34).
Com tendncias organicistas v o estudo de uma cultura como o estudo de um
organismo, ou seja, um estudo fisiolgico, em que se faz necessria a observao das diversas
partes componentes, as relaes que cada uma delas desenvolve e funes que desempenha,
bem como a forma como mantinha a sua continuidade. O foco no seria mais as origens ou a
histria de tal cultura ou sociedade, mas esta dentro de um determinado momento histrico
viso sincrnica, e relacionada a um todo organizado viso sistmica.
Na viso funcionalista cada costume deveria ser visto como socialmente significativo e
integrante de uma estrutura, em que a cultura no era simplesmente um organismo mas um
sistema.
Teve como principais representantes: Bronislaw Malinowski, Radcliff e Brown, EvansPritchard, Max Glukman, Victor Turner, Raymond Firth e Edmund Leach.
Antropologia Estrutural ou Estruturalismo
Esta uma escola terica considerada ainda de certa forma atual devido a sua utilizao
em estudos antropolgicos considerados recentes. Teve seu desenvolvimento paralelo a
escola anterior Funcionalista e considerada por alguns autores como um refinamento
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desta ltima, uma vez que no se ope a ela e possui muitos pontos de convergncia com a
mesma.
Foi considerada uma super teoria, mas tambm sofreu crticas e questionamentos
principalmente em relao utilizao dos modelos, pois ao observar as relaes sociais se
utiliza de modelos que possam explicar todos os fatos observados. O estruturalismo 45pode
ser considerado como uma linha antropolgica ao mesmo tempo em que um mtodo de
anlise, e possuem alguns postulados bsicos como os citados por Marconi (1992, p. 277):
1. Viso sincrnica e sistmica da cultura.
2. Viso globalizante do fenmeno cultural (o conhecimento do todo leva
compreenso das partes).
3. Adoo das noes de estrutura social e relaes sociais.
4. Utilizao de modelos na anlise cultural.
5. Unidade de anlise: estruturas mentais inconscientes.
6. Compreenso ampla da realidade cultural.
Tem como principal representante Lvi-Strauss, que entende as culturas como sistemas de
signos partilhados e estruturados por princpios que estabelecem o funcionamento do intelecto
(<PT. ikipedia.org/wiki/Antropologia>, 05 jan. 2008). Seus trabalhos so caracterizados pela
subjetividade, o que demonstra uma preocupao central em estudar a mente humana.
conceitual
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A Antropologia enquanto cincia social e humana possui seus campos de ao bem definidos,
como voc j pde constatar anteriormente, e por sua vez, tambm seus prprios mtodos e
tcnicas de trabalho. Considerando os dois grandes campos de estudos antropolgicos
Antropologia Fsica ou Biolgica e Antropologia Cultural importante salientar que cada um
deles possui mtodos e tcnicas pertinentes. Aqui nos ateremos mais aos aspectos
relacionados a Antropologia Cultural, alvo de nossos estudos.
Segundo Paul Mercier, o conceito de cultura, antes de ser objeto de exame minucioso e de
esforos sistemticos de definio, foi posto em evidncia pelos antroplogos. O termo
antropologia cultural, nesse sentido, surge no momento em que, no estudo sobre o homem,
se esboa uma distribuio de tarefas, ligada ao desenvolvimento e elaborao de tcnicas
especializadas de pesquisa (MERCIER, 2000, p.8).
A utilizao dessa nomenclatura antropologia
cultural quase sempre est ligada tradio da
antropologia americana.
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Uma pesquisa antropolgica no se faz apenas por meio de mtodos, necessrio tambm
tcnicas de pesquisa que a Antropologia tem muito bem definidas. No campo da Antropologia
Cultural so utilizadas tcnicas de pesquisas e recursos ligados observao de campo. O
campo considerado o laboratrio para os estudos culturais em Antropologia. Entre as
tcnicas podemos apontar:
Bem, agora que voc j teve uma breve introduo histria da Antropologia, campos de
estudo, mtodo e conceitos, vamos fazer uma breve pausa para descansar e retomar os
estudos na prxima unidade, aprofundando um pouco mais algumas dessas questes j
introduzidas aqui e conhecer outros aspectos at ento desconhecidos.
No se esquea de desenvolver as atividades de auto-avaliao elaboradas especialmente
para voc praticar os conhecimentos adquiridos no estudo dessa unidade e d tambm uma
olhada no que apresentamos a voc na seo Saiba mais. At a prxima unidade.
Atividades de auto-avaliao
Aps voc ter desenvolvido os estudos desta unidade realize uma leitura cuidadosa das
questes a seguir. S aps a realizao das atividades voc dever consultar seus
comentrios e respostas, que se encontram no final desta apostila.
1) Com base no que voc estudou nesta unidade, desenvolva com suas palavras um
conceito de Antropologia, apontando os campos de estudo que a mesma se divide e o
que cada um deles se prope estudar.
/2/2008 33:45
2) Aponte as diversas escolas antropolgicas descrevendo de forma resumida o que
cada uma delas se prope estudar.
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UNIDADE 2
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Na Frana, Marcel Mauss foi o principal inspirador da atual antropologia de campo com
sua obra publicada na dcada de 1930 Manual de etnografia. Para Mercier, M. Mauss
recusava sistematizaes e sua obra teve grande influncia entre socilogos, psiclogos e
historiadores. Marcel Mauss, discpulo e sobrinho de mile Durkheim, precaviam-se das
construes sintticas muito ambiciosas e contra qualquer teoria muito rgida que deixasse
escapar o essencial da realidade social e cultural. Mauss procurou rejeitar tambm as
interpretaes generalistas tendo sempre uma concepo muito concreta do pluralismo, das
especificidades das culturas e das sociedades. Para Mercier:
(...) a preocupao constante em definir realidades socioculturais como conjuntos
profundamente integrados, e estudar de maneira completa as relaes entre
todos os elementos que compem cada um desses conjuntos; a convico, enfim,
de que s deve tentar deduzir numa lei uma etapa final de pesquisa, etapa que
ele mesmo nunca pretendeu transpor. (MERCIER, 2000, p. 84)
Por sua vez, Marcos Lanna afirma, ao analisar a obra Ensaio sobre a ddiva
(1923-1924), de Marcel Mauss, que o autor aprofunda uma postura crtica em
relao filosofia, adotando a etnografia e abrindo-se para as sociedades noocidentais, assumindo cada vez mais a comparao como um mtodo de anlise.
Para Lanna, Mauss interessava-se pelas manifestaes dos fenmenos
humanos em qualquer tempo ou espao do planeta, e sua obra aborda uma
variedade vertiginosa de temas (LANNA, 2000).
Finalmente, podemos destacar como contribuio ao desenvolvimento da
disciplina a idia, segundo Mauss, de que a vida social no s circulao de
bens, mas tambm de pessoas (mulheres concebidas como ddivas em
praticamente todos os sistemas de parentesco conhecidos), nomes, palavras,
visitas, ttulos, festas.
Uma segunda etapa que poderamos atribuir aos estudos da antropologia se iniciaria a
partir dos estudos de Bronislaw Malinowski.
Em Malinowski, percebe-se a preocupao de construir uma teoria que explique
tudo. Alm disso, ele procura encontrar razes no mais histricas, mas lgicas da cultura.
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Pode-se afirmar, ainda, que o termo funcionalismo est ligado ao nome do pesquisador
polons, que foi quem tentou, partindo da teoria desenvolvida sob este nome, definir a
realidade scio-cultural e todos os instrumentos de que o antroplogo dispunha. Para Mercier,
Malinowski define com nitidez a sua orientao de pensamento tendo em vista a seguinte tese:
A anlise funcional tem como fim a explicao de que os fatos antropolgicos,
em todos os nveis de desenvolvimento, pela funo e papel que desempenham
no sistema total de cultura, pela maneira como se ligam uns aos outros no interior
desse sistema e pelo modo como esse sistema se liga ao meio fsico (apud
MERCIER, 2000, p. 99).
Sua obra magistral Argonautas do Pacfico Ocidental publicada em 1922, sobre as
Ilhas Trobriand, inaugurava um novo mtodo de trabalho de campo: a etnografia. O livro
procura mostrar, atravs da viso antropolgica, como acontece o Kula sistema de trocas
circular, mstico. Segundo Emerson Giumbelli (1978) para Malinowski, o trabalho de campo
deveria produzir uma viso autntica da vida tribal.
Sua adequao media-se pela capacidade de ultrapassar alguns obstculos e de satisfazer
certas regras. Entre os obstculos, haveria tanto a falta de domnio da lngua nativa, sem a
qual no se atingiria o significado intrnseco da vida tribal, quanto os preconceitos e opinies
dos outros homens brancos que viviam na regio.
Conforme analisou Gimubelli:
(...) do lado das regras, o trabalho de campo, devidamente integrado as
problematizaes tericas, ao propiciar um contato o mais ntimo possvel com o
grupo estudado e permitir ao etngrafo tomar parte na vida da aldeia, forneceria
os dados que cumpririam os objetivos da pesquisa etnogrfica atravs de seus
trs caminhos: a documentao estatstica por evidncia concreta, a ateno
aos imponderveis da vida real e a elaborao de um corpus inscriptorum. Cada
um dos caminhos correspondia a uma tarefa determinada e produo de
registros especficos: as regras sociais, a tradio, apresentadas por meio de
quadros sinticos, recenseamentos, mapas; os comportamentos reais, detalhada
e minuciosamente descritos nos dirios etnogrficos; a mentalidade nativa, por
meio da transcrio, preservando-se o idioma nativo, de palavras e asseres
caractersticas, narrativas tpicas, frmulas mgicas. (GIUMBELLI, 2002, p. 97)
Em suma, o que Malinowski procurava destacar em sua anlise atinente ao
campo de investigao da Antropologia ou ao princpio geral da disciplina
formulado nos seguintes termos: o objetivo fundamental da pesquisa etnogrfica
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UNIDADE 3
Antropologia e a Histria
SEO 1 - Relaes entre Antropologia e Histria
Voc ver nesta seo que a relao existente entre Antropologia e Histria uma
relao de ajuda mtua, em que a colaborao entre tais cincias recproca.
A idia est complicada? Ento vamos tentar esclarecer...
Quando falamos de estudos antropolgicos no podemos deixar de lado os estudos
histricos, uma vez que estes nos oferecem todo um conhecimento acerca do contexto social e
cultural dos objetos de estudo da Antropologia.
Podemos dizer que existe uma via de mo dupla nesta relao entre Antropologia e
Histria, uma vez que no s a Histria colabora com a Antropologia no sentido de fornecer
informaes acerca do contexto como tambm a Antropologia acabou influenciando os estudos
histricos ao longo de seu desenvolvimento.
14:33:55
A Antropologia Cultural, ao permitir estudar comportamentos e hbitos, costumes e
tradies, abriu um campo de investigao para os estudos histricos. Uma histria dos hbitos
para se opor histria dos fatos, daquilo que s se produz uma vez.
A histria dos costumes, tema aberto pela Antropologia, a histria que nunca
representa acontecimento, uma histria dos gestos, dos ritos e dos
pensamentos.
Nesse sentido, os mtodos de investigao antropolgica permitiram histria traar um
novo caminho de possibilidades a partir da diversidade cultural humana, tema que j foi
abordado na unidade anterior. Assim, a interdisciplinaridade possibilitou um estreitamento entre
esses dois campos das Cincias Sociais Antropologia e Histria.
Todavia, torna-se necessrio definirmos a Histria como rea do conhecimento humano.
possvel definir Histria como um conceito
universal, j que a experincia comum da passagem do tempo consensual, mas tambm
particular, na dimenso dos eventos e quando o acontecimento culturalmente valorizado.
A Histria no mera sucesso de eventos, mas sim a relao entre eles; seu processo
de desenvolvimento.
O Estudo da Histria possibilita entender que todos somos seres histricos e assim sendo
sofremos influncia e podemos tambm influenciar a Histria.
A Antropologia introduziu, dessa maneira, uma outra chave explicativa: histria processo, e
no h sociedade sem histria, mesmo que no tempo sincrnico.
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Temas hoje estudados pela Antropologia Cultural j eram alvo de homens que se
envolviam com os estudos histricos muito antes da prpria cincia ser sistematizada no
sculo XIX.
Voc j pde ver na unidade 1 que estudiosos gregos ou romanos, filsofos e
historiadores do perodo medieval, como o prprio Tomaz de Aquino, assim como outros ao
longo da histria, j se preocupava em estudar questes referentes principalmente cultura e
s diversidade existente entre os povos.
Essa tradio da diversidade tem longa histria existe desde os primeiros contatos entre
culturas diversas. Motivados sobretudo por viagens, ou melhor, pelos relatos de viajantes, os
povos aprenderam a admirar o que lhes parecia variado nos costumes dos outros.
Herdoto nos fornece numerosos exemplos, principalmente no livro das Histrias,
dedicado ao Egito, cuja cultura ele considera antiqssima, cujos sbios so venerveis, cujos
conhecimentos so admirveis e os costumes mpares.
Ressalta-se que inicialmente parte da Antropologia, no incio do sculo XIX, pretendia
abordar todos os aspectos das questes acerca da diversidade humana.
Finalmente, os atuais estudos no campo da histria cultural cada vez mais se
aproximam do campo de investigao da Antropologia Cultural na medida em que novos
temas, novos objetos e novas abordagens vm redimensionando os estudos historiogrficos.
At algum tempo atrs os estudos histricos se voltavam apenas para aspectos econmicos,
sociais e at religiosos, de carter mais oficial, digamos. Desenvolvia-se geralmente uma
histria a partir dos relatos e documentos oficiais produzidos na sua maioria por instituies
governamentais. Eram dignos de serem pesquisados certides de nascimento, de
casamento, livros contbeis, relatrios comerciais do governo, enfim tudo aquilo que fosse
considerado inquestionvel e fidedigno.
A partir do sculo XX, com as novas tendncias historiogrficas como a Escola dos
Annales, os objetos de pesquisa comearam a passar por transformaes. Nesse sentido, at
a prpria concepo de histria, que at ento se resumia a uma histria factual, Herdoto de
Halicarnasso foi um historiador grego nascido no sculo V a.C. Autor da histria da invaso
persa da Grcia nos princpios do sculo V a.C., conhecida simplesmente como As histrias de
Herdoto.
Herdoto foi o primeiro no s a registrar o passado mas tambm a consider-lo
um problema filosfico ou um projeto de pesquisa que podia revelar conhecimento
do comportamento humano.
A sua criao deu-lhe o ttulo de pai da Histria e a palavra que utilizou histria, que previamente tinha o significado simplesmente de pesquisa, tomou a
conotao atual de histria.
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comeou a mudar, e a partir da passa a ser percebida enquanto processual. Processo este
construdo a partir das relaes criadas pelos seres humanos. Nesse sentido, pode-se dizer
que a Histria se d a partir de tudo o que diz respeito ao homem.
A Histria se faz a partir de tudo o que pertence ao homem, depende do homem,
serve o homem, exprime o homem, demonstra a sua presena, os seus gostos,
as suas atividades e a sua maneira de ser (Lucien Febvre, citado por Vieira,
1991, p.15).
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A partir dessa nova concepo de Histria, e das relaes mais estreitas entre esta
cincia e a Antropologia, novos objetos passam a ser alvo das pesquisas histricas. Uma
histria das artes de fazer, das formas de morar e cozinhar, dos gestos
corporais, dos rituais sociais e polticos, da escrita e da leitura, da sexualidade e do corpo,
enfim, do cotidiano. possvel conhecer a histria a partir destes novos objetos de estudo, em
que seres humanos comuns passam a construir tambm a histria e mais do que isso fazer
parte da histria!
UNIDADE 4
O QUE CULTURA
Cultura Apalavra no soa estranha ao ouvido. Ao contrrio, nos bastante familiar Nos meios
de comunicao, nas ruas, em casa, na escola, na igreja, essa palavra parece sempre estar
em todos os lugares. Mas se a palavra a mesma, o sentido em que ela evocada bastante
plural:
O termo cultura, no cotidiano, geralmente significado como algo que se pode ter, adquirir e,
com ela (a cultura), se contrapor queles que no a possuem. O trecho de um texto do
antroplogo Roberto da Matta, acima citado, evidencia bem essa questo. Acultura, no dia-dia,
est ligada erudio e sofisticao (artstica ou acadmica), fazendo daqueles que a
dominam pessoas cultas.
A despeito da recorrncia dessa idia, preciso lembrar que, uma vez tomada dessa forma, a
cultura se torna um divisor de guas que pode levar a excluses sociais. Em outras palavras,
algum que no teve acesso educao (por questes econmicas ou, melhor dizendo, de
classe) estaria tambm excludo da cultura. Nesse sentido, essa noo ampla de cultura, ao
invs de melhor explicar as relaes sociais, as obscurece. Por esse motivo, o conceito de
cultura de que se valem os cientistas sociais um conceito scio-antropolgico que, ainda
hoje, se configura como um problema para os estudiosos. A histria desse conceito responde a
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questes especficas de determinados contextos e cabe a ns, aqui, fazer uma rpida
discusso sobre ele.
Quando um antroplogo social fala em cultura, est utilizando um conceito chave para a
interpretao da vida social, pois, para ele, cultura no apenas algo que define uma
hierarquia social, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, pas ou pessoa.
De acordo com Da Mata, todos os membros de uma sociedade esto inseridos na cultura,
compartilham de seus cdigos, conhecem sua semntica e a utilizam em todas as instncias
da sua vida. Assim, somos todos parte da cultura e tambm os responsveis pela sua (re)
produo. Todas as subculturas de uma sociedade (homossexuais, negros, ndios, velhos,
operrios, mulheres, judeus, etc.) so equivalentes e, em geral, aprofundam algum aspecto
importante que no pode ser esgotado completamente por uma outra subcultura. Em outras
palavras, homossexuais conhecem melhor os cdigos dessa subcultura porque a
experimentam em seu cotidiano, e o mesmo se poderia dizer de outros segmentos sociais. O
problema que sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e de
pensamento diferente, tendemos a classificar a diferena de forma hierrquica e, dessa forma,
de exclu-la.
Muitas vezes, as diferenas que marcam os diversos grupos sociais dentro de uma mesma
sociedade tendem a ser pensadas como uma espcie de desvio (em relao a um padro
social- mente imposto). (Como exemplo temos as diversas formas de preconceitos enfrentados
no dia-a-dia por grupos religiosos no cristos Gudeus, umbandistas, filhos de santo), contra
queles que fogem heteronormatividade (os chamados gays, lsbicas, bissexuais) ou ao
mundo do trabalho formal (vadios, ambulantes, etc.). Roberto da Matta analisa o carnaval
desse ponto de vista:
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Desta forma, podemos ver o carnaval como algo desviante de uma festa religiosa,
sem nos darmos conta de que as festas religiosas e o carnaval guardam uma profunda
relao de complementaridade. Realmente, se no terreno da festa religiosa somos
marcados pelo mais profundo comedimento e respeito pelo foco no outro mundo,
porque no carnaval podemos nos apresentar realizando o justo oposto.Assim, o
carnavalesco e o religioso no podem ser classificados em termos de superior ou
inferior ou como articulados de uma cultura autntica e superior, mas devem ser
vistos nas suas relaes que so complementares. O que significa dizer que tanto h
cultura no carnaval quanto na procisso e nas festas cvicas, posto que cada uma
delas um cdigo capaz de permitir um julgamento e uma atuao sobre o mundo
social no Brasil. Como eu disse uma vez, estas festas nos revelam leituras da
sociedade brasileira por ns mesmos e nesta direo que devemos discutir o
contedo e a forma de cada cultura ou subcultura em uma sociedade. (DAMATTA,
1986).
CULTURA DE MASSA
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SOBRE A IDENTIDADE
Todos os seres humanos constroem. a partir da sua biografia, uma identidade individual
intrinsecamente articulada uma sociedade bem como s complexas e dinmicas relaes
sociais com a sua cultura. Logo, biografia, relaes sociais e cultura definem o intricado
processo atravs do qual a identidade do indivduo elaborada.
A tessitura da identidade ocorre no seio dos grupos de referncia. sendo a famlia o primeiro
principal deles. Depois da famlia, outros grupos surgem na trajetria dos indivduos e
contribuem de forma significativa para que ocorra tal processo: amigos parentes, vizinhos, etc.
Assim a identidade individual ocorre quando, o indivduo passa a se reconhecer como parte de
algum lugar ou de alguma coisa. Nesse sentido, identidade tem a ver com o autoconhecimento,
pr-reflexivo, acerca de diversos aspectos inerentes sua personalidade: valores,
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comportamentos, gostos, mritos, etc. Esse processo se afirma atravs das relaes sociais,
ou seja, o eu torna-se acessvel ao sujeito somente quando este entra em contato como
outro nos grupos de referncia. Dito de outra maneira o grupo de referncia que fornece
aos indivduos (eu) uma identidade.
A identidade tambm elaborada atravs dos atributos comuns Neste sentido, cada grupo
social com o qual o sujeito estabelece identidade possui um conjunto de atributos semelhantes.
Por exemplo: no grupo familiar, os irmos possuem uma histria de vida em comum,
comungam de alguns valores, seus parentes so os mesmos. Em suma, h um conjunto de
elementos comuns que fazem com que os irmos se reconheam. O mesmo ocorre em relao
ao grupo de amigos no qual a maioria dos membros possui algo em comum: interesses, vises
de mundo, etc.
Exemplo: Em um grupo de adolescentes se tem em comum a faixa etria, a dependncia dos
pais, as vises de mundo, os gostos, etc.
Assim, h, fundamentalmente, dois elementos que compem a identidade: o reconhecimento e
a existncia de atributos comuns.
Contudo, se cada grupo possui um conjunto de elementos comuns, poderamos afirmar que h
mais de uma identidade e, sendo assim, no h divergncias entre elas? Alm disso, a
multiplicidade de identidades no problematiza a construo de uma identidade: a identidade
individual. Para que no haja divergncias entre diferentes identidades, os grupos em que o
sujeito participa devem possuir atributos comuna, mas no necessariamente idnticos. Um
exemplo: o grupo familiar e o grupo de amigos possuem diferenas, porm h aspectos
comuns entre ambos: tanto um como outro possuem uma religiosidade, comungam de valores
morais, podem viver realidades socioeconmicas semelhantes, etc. Existe um outro fator que
faz com que as diferenas entre os grupos no sejam obstculos para a construo de uma
identidade: a forma como o indivduo se comporta.
O indivduo, ao se relacionar com certos grupos, o faz de determinada forma: pode ser srio,
alegre, extrovertido, tmido, etc., ou seja, ele se apresenta de um modo tal que o grupo passa
a se relacionar com ele de acordo com a forma com que se relaciona com o grupo.
claro que esses relacionamentos no ocorrem de forma mecnica e que podem ter
conseqncias inesperadas para o grupo e para o indivduo. Assim, se o indivduo convive em
vrios grupos, ainda que seja um pouco diferente em cada um deles, ele se comporta sempre
de forma muito parecida. Possivelmente, a somatria de relacionamentos em vrios grupos
ajude o sujeito a reforar tais atitudes e comportamentos, isto , quando o sujeito se relaciona
em vrios grupos e em, cada grupo, ele tem uma identidade, possvel que tais identidades se
transformem apenas em uma: a identidade individual. Segundo Rouanet (2000):
Diante disso, nem sempre possvel haver uma construo harmoniosa da identidade e
algumas crises podem surgir. Nesse sentido, quando grupos comungam de realidades tanto
scio- econmicas quanto simblicas - totalmente diferentes, o sujeito pode vivenciar uma crise
de identidade; isto ocorre medida em que h rupturas profundas de determinadas realidades
vivenciadas
Um sujeito, por exemplo, que foi socializado num espao onde os valores so rigorosos e
tradicionais (como em certos grupos rurais), pode sofrer uma crise de identidade se passar a
conviver com pessoas que comungam de valores mais liberais e vanguardistas. Da mesma
forma, crianas oriundas de segmentos mais pobres, quando ingressam no universo escolar,
podem estranh-lo, trazendo-lhes desconforto no instante em que h uma descontinuidade
entre sua realidade e a da escola. Tal estranhamento tem a ver com a identidade: no seu
cotidiano de origem tal criana se reconhece de um modo bastante diferente do que aquele
vivenciado pela escola.
QUESTES ANTROPOLGICAS
(...) A identidade s pode ser evocada no plano do discurso e surge como recurso
para a criao de um ns coletivo (ns ndios, ns mulheres, ns negros, ns
homossexuais). Este ns se refere a uma identidade (igualdade) que, efetivamente,
nunca se verifica, mas que um recurso indispensvel no nosso sistema de
representao. Indispensvel porque a partir da descoberta e afirmao - ou mesmo
criao cultural - de suas semelhanas, que um grupo qualquer numa situao de
confronto e de minoria ter condies de reivindicar para si um espao social e poltico
de atuao. (Caiubi Novaes, 93:24).
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Logo, o que deve orientar os estudos scio-antropolgicos nos debates sobre identidade deve
ser a conscincia de que ela deve ser investigada no porque os cientistas sociais acham que
ela importante, mas porque um conceito quase sempre evocado pelos prprios grupos
sociais contemporneos na ampliao da cidadania e nas lutas por conquistas sociais. Logo,
importa aos cientistas sociais entender como esta identidade construda e em que contextos
ela evocada. Um passo importante para iniciar, ento, essa discusso verificar como o
conceito de identidade vem sendo pensado.
O termo identidade existe dentro de uma rea entre fronteiras cientficas. Psiclogos clnicos
e psicanalistas afirmam que a identidade pode ser um conceito vlido para explicar o
sentimento pessoa! e o sentimento da posse de um eu que nos individualiza em meio a tantos
outros eus; em outras palavras, seria o reconhecimento pessoal dessa exclusividade.
(Brando, 1986:37).
Os antroplogos, tanto quanto os psiclogos sociais, orientaram suas pesquisas sobre a
identidade para o entendimento da construo das diversas formas de relaes entre as
pessoas dentro de uma mesma sociedade, entre diferentes grupos ou entre sujeitos e grupos
de diferentes sociedades. Avanando nesta discusso, alguns psiclogos pautaram-se no
pensamento freudiano e acoplaram a suas anlises uma dimenso simblica na construo do
processo de identidade, onde esta se relaciona tanto com as experincias individuais da
biografia de um individuo como com a histria social do grupo e da cultura em que ele se
insere; com a biografia inserida nesta histria. Delineava-se, ento, a possibilidade de incluir a
importncia da vida afetiva e da sexualidade na construo da dessa identidade (Brando,
86:41).
Esse processo de tessitura da identidade pensado de forma estrutural, pois seria a partir das
estruturas sociais e dos cdigos e mecanismos de controle, que uma dada sociedade impe a
seus membros, que se constri a identidade de um indivduo.
(...) projetos coletivos de vida e destino das pessoas de um povo, a simbologia dos
inmeros valores religiosos e profanos da cultura, os mecanismos familiares e sociais
de socializao da criana e do adolescente transferem do todo para cada ser do
grupo, desde o comecinho de sua vida no grupo, uma identidade grupal, uma
identidade que dele como uma pessoa, mas que , tambm, fatalmente, a do grupo,
atravs dele. (Brando, 86:41-42).
De acordo com essa idia, nossa identidade individual elaborada numa trama social, na qual
nossas aes individuais e nossos valores s podem ser pensados de acordo com as relaes
que estabelecemos com o mundo em torno de ns (social).
Os estudos de etnicidade assolaram a dcada de setenta e autores como Norman Whitten,
Enid Schildkrout e Michael Giselnan trouxeram a importante noo de que a identidade se
constri de forma situacional e contrastiva, ou seja, ela um lugar de enfrentamentos (Carneiro
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O conceito de identidade que interessava aos antroplogos, nesse momento, foi pensado a
partir de relaes sociais em que os sujeitos de suas pesquisas se viam envolvidos. Os
estudos sobre o contato entre diferentes etnias foram, portanto, de grande valia para o
desenvolvimento dos debates sobre identidade entre os antroplogos. Mas importante
entender como os estudos dos grupos indgenas que, inevitavelmente esbarravam em
questes relativas identidade, estavam sendo produzidos pelos antroplogos brasileiros.
Evidentemente, este estudo no pretende dar conta da produo antropolgica relativa aos
contatos entre diferentes povos; contudo, algumas questes podem ser salientadas.
Analisando os estudos de aculturao produzidos por antroplogos brasileiros a partir da
dcada de cinqenta, Sylvia Caiuby Novaes concluiu que, no Brasil, bem como na Inglaterra e
Estados Unidos, os estudos sobre aculturao se realizaram sob farta influncia do
funcionalismo, mesmo quando se intitulavam opositores dessa corrente metodolgica por
abordarem o tema da dinmica cultural, do qual os funcionalistas clssicos haviam se
desviado. Tais anlises mostravam a sociedade como uma totalidade integrada por partes
interdependentes, onde umas tm maior importncia na manuteno do todo do que outras
(Caiuby Novaes, 1993:40).
O problema de anlises funcionalistas que as etnografias tendiam a extinguir as tribos mais
do que de fato ocorria na realidade. Guiados por uma concepo de cultura pronta e acabada,
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C-) um estoque de traos culturais, que semelhana do estoque gentico, passado como
herana social s geraes mais jovens, como nos lembra a autora citada, os efeitos do
contato entre diferentes sociedades foram pensados enquanto substituio dos traos culturais
originais pelos da cultura dominante, o que nos leva a pensar numa descaracterizao cultural
(Caiuby Novaes, 1993:41).
Estes estudos marcaram, no incio dos anos 60, a produo antropolgica brasileira
direcionada para a questo da frico intertnica. Com destaque para os trabalhos de Roberto
Cardoso
Oliveira, a maioria das pesquisas produzidas procurava entender de que maneira ou que
mecanismos possibilitaram a integrao dos ndios na sociedade nacional. A extino destas
sociedades se d, assim, a partir do prprio horizonte que se vislumbra como futuro irreversvel
que lhes estaria reservado (Caiuby Novaes, 93:44). Os estudos de identidade tnica, advindos
dessas reflexes, acabaram perdendo de vista as dimenses culturais, permanecendo num
ponto de vista quase que exclusivamente sociolgico. No consideravam a dinmica cultural
necessria para entender que, no encontro com outros povos, os ndios no trocam
simplesmente sua cultura por outra.
Uma nova perspectiva sobre identidade tnica viria, ento, com as pesquisas de Manuela
Carneiro da Cunha. A autora, como j havia feito Sandra Wallman (1978), chamou a ateno
para a outra face do processo de construo da identidade contrastiva: , sim, pela tomada de
conscincia das diferenas que se constri a identidade tnica, (...) mas esse acesso das
diferenas a uma significao que as ultrapassa advm-lhes de uma colocao dentro de um
sistema (Carneiro da Cunha, 83:206). Apesar destas palavras poderem ser estendidas a
outras identidades sexuais, religiosas, etc. - a identidade tnica se refere a uma origem
histrica e remete, de imediato, tradio ou cultura.
IDENTIDADE NACIONAL
Recorro, aqui, idia de miscigenao tnica porque acredito que ela seja essencial para a
produo da idia de uma identidade nacional, haja vista que, no contato entre os povos que
habitaram o Brasil, aps a chegada dos europeus, verdadeiros embates culturais foram
travados e, deles, se afirmaram elementos culturais e formas sociais que, por muito tempo,
orientaram o imaginrio social brasileiro.
Como j foi visto, a idia de identidade nacional se debrua nas representaes que nos levam
a crer que, por habitarmos um mesmo territrio, poltico e geograficamente definido, falarmos a
mesma lngua e compartilharmos de diversas crenas e valores somos partes de uma nao
(brasileiros, argentinos, italianos, etc.). Assim, independentemente da extenso territorial de
determinado pas que, como no caso do Brasil, pode ter dimenses continentais, seus
habitantes supostamente se identificariam como partes de um todo, como filhos de uma
mesma nao.
Alguns smbolos so eficazes em passar esse sentimento de nacionalidade, como algo que
no apenas d sentido, como, tambm, peculiaridade de um povo. Dessa forma, no exemplos
que ligam o brasileiro ao samba ao futebol, feijoada, etc.
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