Livro Direito Hindu
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Abstract:
Approximately 3,5 thousand years ago, the communities rooted in the region of the
Valley of Indo (North of India) started to organize one of the oldest religious systems
in the History of Mankind: the Hinduism. During many centuries, its beliefs had
been transmitted, orally, across the generations, culminating in transcriptions in the
Vedas, which content is the compilation of hymns and prayers considered as the first
sacred book of the History of Religion. This sacred literature is composed by four
volumes of texts in verses that explain the unity and the variety of the multiple lines
of Hinduism. By means of its most important teachings, this set of books is sacred
for more than 1 billion of adepts that follow different monotheistic, polytheistic or
pantheistic sects which can integrate the same religion. The first paper version of
the Vedas probably is dated in century II b.C., when the Hindu people developed a
writing system. According to legends and historians, they would have been organized
by Vyasa, a wise who would be the incarnation of Vishnu, a god that, in all the cycles
of creation and destruction of the Universe, has the function to elaborate four books,
which intention is to guarantee that the chants propagate and eternalize itself. Vyasa
would be responsible for other sacred texts of Hinduism like Mahabharata that was
spelled by him to the lord Ganesh, the god with head of elephant, which would
have recorded these words in paper. Indian historians and specialists in History of
India estimated that the four Vedas (RigVeda, YajurVeda, SamaVeda e AtharvaVeda)
would have been compiled between 1490 and 900 b.C.; however, independently
of its origin, is in the Vedic texts that are the main concepts and symbols of the
Hinduism like, also, the gods, legends and the teachings that give form and unity
to the Religion. The Hindu Law is the traditional law of India, which is applied by
and to the adepts of the Hinduism in determined situations, emphasizing Family
Law and coexists with the Indian Law. However, Hindu and Indian are not the same
thing: the inhabitants of India are the Indians, and those who adopt the Hinduism as
Religion are the Hindus. Indian Law and Hindu Law are not synonymous: the first
one is the Indian State Law that applies to all of its inhabitants, independently of
their Religion, while Hindu Law only applies the Hindu community.
Keywords: Hinduism. Vedas. Hindu Law. Indian Law. Dharma. Laws of Manu.
Sempre considerei um mistrio a capacidade dos homens
de se sentirem honrados com a humilhao de seu
semelhante.
(Mahatma Gandhi, na frica do Sul).
Descobri que, como homem e como indiano, no tinha
direitos. Ou melhor, descobri que no tinha nenhum direito
como homem por ser indiano.
(Mahatma Gandhi, na frica do Sul).
A perda da ndia seria para a Inglaterra um golpe fatal e
definitivo. Torn-la-ia um pas insignificante.
(Winston Churchill)
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...Se voc deseja alguma coisa, lute por isso porque, nesta
ardente vontade, o prprio Universo conspirar a seu
favor....
(extrado das transcries dos Vedas)
1. Introduo
Nascido de tradio milenar, o Hindusmo classificado como uma das
mais antigas religies, mesmo porque os hindus, seus adeptos, mantm distintas crenas.
E essas crenas tm respaldo em ideologia sui generis: para o Hindusmo a vida um ciclo
eterno de nascimentos, mortes e renascimentos; todo ser humano renasce cada vez que
morre. Todavia, se um ser humano cumprir uma vida exclusivamente voltada para o Bem,
conseguir se libertar desse ciclo.
H mais de 1 bilho de hindus no mundo e a maioria vive na ndia;
ressalte-se que esse nmero aumenta de forma assustadora, principalmente pelo constante
crescimento da populao do subcontinente indiano. A maioria dos hindus vegetariana,
porque crem na reencarnao; por isso, a carne extirpada da mesa, alm do que tm a
condio de que todos os seres vivos so parte do mesmo Esprito. Acreditam que animais
e seres humanos devem ser tratados com igual reverncia e respeito. Pregam vida pacfica
de muito estudo, quando grande parte deles est voltada aos antigos textos do Hindusmo.
A reza e a meditao so os meios utilizados pelos hindus para atingir seu objetivo: poder,
finalmente, se identificar com o Criador, Brahman (Deus).
O Hindusmo cresceu e se desenvolveu no decorrer dos ltimos 4 mil anos,
disseminado em toda a ndia e em alguns outros lugares do mundo. Tem grande variedade
de seitas; porm, no h um fundador oficial como, tambm, um nico conjunto de crenas,
mas existem muitos deuses. Todavia, dentro dessa diversidade existe unidade, pois todos
os deuses e toda criao fazem parte de um Ser Universal: Brahman, a realidade ltima
para os hindus. descrito como a Fora incognoscvel; origem de toda a criao: ser
puro, deleite puro e inteligncia pura.
H centenas de deuses e deusas hindus, sendo os mais populares Vishnu, o
Protetor, e Shiva, o Destruidor e a eles existem dedicados templos. Sem se contabilizar
que em casas indianas existem santurios, onde se podem executar atos dirios de culto
aos deuses de sua escolha. Junto aos rituais de oraes caseiros, h riqussimo e variado
calendrio de festivais que forma o ncleo do culto.
Por volta de 2000 a.C., a ndia foi invadida pelo povo ariano das estepes
da sia Central - descendente dos rias, que compunham antiga comunidade indoeuropia; dentre eles, os mongis - que trouxe srie de hinos - os Vedas -, que mais tarde
foram transcritos. Esses hinos idolatram os deuses vdicos que so os mais antigos como
divindades conhecidas. So eles, Surya (deus do Sol), Agni (deus do Fogo), Vayu (deus do
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Ar e do Vento) e Varuna (deus do Cu e da gua; era o Rei dos deuses vdicos). Incluise Indra, o lder guerreiro que chefiou os deuses vdicos em batalha contra os demnios
(asuras e rakshasas). Indra era forte, corajoso e gostava de comer e beber, qualidades que
agradavam ao antigo povo ariano. E h 2 mil anos, trs deuses conhecidos como Trimurti
emergiram como os mais importantes: Brahma, Vishnu e Shiva.
2.
Deuses e Deusas
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3.
Centenas de deuses/deusas
Existe um ramo do Hindusmo intitulado Tntrico que por sua vez baseado em textos chamados Tantras. O
Hindusmo Tntrico enfatiza Shakti, a energia feminina da deusa-me e v o corpo humano assemelhado a um
espelho do Cosmo. Os hindus tntricos procuram alcanar a liberao por meio do poder espiritual (siddhi).
Como, tambm, usam yantra diagramas desenhados no solo, na pedra ou em tecidos - ,foco para meditao
e o mais poderoso de todos os yantras o Sri Yontra, que apresenta uma imagem aambarcando todo o
Cosmo. Os tringulos que se interpenetram no centro representam Shiva e Shakti, as energias masculinas e
femininas. A doutrina do Hindusmo Tntrico nos ensina que h um sistema de rodas ou centros de poder no
nosso corpo. So chamados chacras e agem como centros de energia que flui por todo o corpo. Cada chacra
corresponde a um rgo especfico do corpo e a um aspecto da vida, desde o instinto bsico de sobreviver at
a da mais alta conscincia.
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O mundo inteiro sabedor de que os hindus veneram o Rio Ganges, os quais consideram sagrados todos os
seus trechos, desde o lugar do nascimento, mapeado em quatro nascentes sagradas, at a sua desembocadura.
Com os seus 2,7 mil km de extenso de gua corrente, talvez seja o rio o objeto de venerao mais extenso e
movedio deste planeta. Antes de comentrios da espiritualidade das guas do Rio Ganges, na referncia de
aspecto fsico-geogrfico lembra-se que ele nasce na gruta de gelo de Bhagirathi (Himalaya) cujo volume
de guas acrescentado pelo derretimento da neve -, desce, tempestuosamente, para Gangotri cujo famoso
templo atrai numerosos peregrinos -, entra na ndia um pouco antes de Hardwar, atravessa inmeras cidades
indianas e a uns 240 km do mar se une ao Bramaputra para formar o maior delta do mundo. So mais de 100
milhes de pessoas que vivem s margens do rio. A rica fertilidade do Rio Ganges, em certos trechos, na
poca das enchentes ou das chuvas, d margem ao excelente desenvolvimento da grama que chega a crescer
4m de altura ao ano e neste espao fsico a presena das belezas do cervo almiscarado e do tigre-da-neve,
que vagueiam no meio dos belos cedros do Himalaya; alguns cedros tm 60m de altura. Para os hindus, as
guas do Rio Ganges so sagradas, porque elas saram da fronte de Shiva e, portanto, so capazes de curar
tanto os males fsicos quanto os espirituais. Tanto assim, que o culto e a adorao so brindados ao rio em
todo o seu curso; porm, culto e adorao marcam seu ponto culminante em Benares, Varanasi, considerada
a cidade que tem a melhor gua situada junto ao Ganges, no Estado de Uttar Pradesh. Benares o centro
religioso mais importante e mais visitado de toda a ndia; todavia, tem uma indstria sofisticada de seda
indiana e especializada em sandlias bordadas e brocados para sris, deixando estonteantes de tanta beleza
os turistas estrangeiros, enfatizando as mulheres. J os hindus tm mais um outro motivo para visit-la: uma
crena gerada afirma que quem morre em Benares vai diretamente para o Cu, sem ter de passar por nenhuma
outra reencarnao. Mediante a crena, para esta cidade que acorrem velhos e doentes que querem morrer
num lugar sagrado. E os no-doentes para se banharem ritualmente, alm de percorrerem o trajeto da zona
sacrossanta que todo o hindu piedoso deve realizar, pelo menos uma vez na vida. Conseqentemente, a
imagem da morte que aparece constantemente pelas ruas desta cidade; e dia e noite os cortejos fnebres se
dirigem para as piras situadas nas margens do Rio Ganges para que o cadver seja, ento, incinerado. Ao longo
dos seus sete quilmetros, o rio, que forma em Benares enorme meia-lua, oferece uma viso impressionante,
flanqueado de uma sucesso ininterrupta de manses, palcios e templos, aos quais se tem acesso pelos
ghats. Os ghats so desembocaduras com enormes escadas de pedra, muito amplas, s quais levam s praias
destinadas aos banhos sagrados; ao longo do rio, nesta cidade especfica, existem 63 escadas de pedra. O ritual
iniciado, s vezes, antes de o sol nascer, quando milhares de peregrinos aparecem para o banho e os mortos,
antes de serem queimados, so imersos trs vezes consecutivas nas guas do Rio Ganges. E em seguida so
deixados na beira do rio, enquanto homens de casta inferior levantam as piras, de diversos tipos de madeira,
segundo a categoria do defunto. incinerao, que leva de duas a cinco horas, imediatamente aps, as cinzas
so jogadas s guas do Rio Ganges. Atualmente, o Governo indiano tem investido em mquinas de queimar
eltricas, servio intermediado pela Sade Pblica indiana. Essa medida tambm foi adotada com relao
proteo das vacas, que so sagradas, e o motivo a de que elas passeiam pelas guas, entram nas casas das
pessoas e ainda por poderem contrair doenas originrias das cinzas. Aps os rituais muitos hindus enchem
cntaros com as guas do Ganges, levando-os para as suas cidades de origem; e as usam em tratamentos de
cura e outros motivos de cunho espiritual.
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4.
Os escritos e as crenas
4.1. As crenas
No Hindusmo no existe uma crena propriamente dita que faa um autntico
indivduo hindu, tampouco um texto sagrado nico; todavia, as crenas fundamentais
so compartilhadas pela maioria dos fiis. Nessas crenas incluem-se a samskaras e o
karma.
Muitas das religies so fundamentadas na crena em um ou vrios deuses. Por exemplo, o Judasmo, o
Cristianismo e o Islamismo so religies monotestas, porque os adeptos crem em um nico Deus, o Pai
Todo-Poderoso e Criador do Universo. Essas religies se desenvolveram no Oriente Mdio, partindo da
Palestina, e compartilham muitos rituais, festivais, narrativas e mitos. Exemplificando, a Bblia hebraica
tornou-se parte importante da Bblia crist, ao passo que Jesus, o fundador do Cristianismo, considerado
um profeta pelos muulmanos. Por outro lado, diversas religies so politestas e tm muitos deuses, cada
um dos quais controla um aspecto da natureza como, tambm, da atividade humana. Deuses relacionados de
perto com a vida terrena e a vida humana, tais como divindades da fertilidade, da agricultura e da caa que
so regularmente cultuados. Embora o Hindusmo possa tambm ser descrito como politesta, as centenas de
deuses e deusas hindus so considerados aspectos de uma fora absoluta nica, Brahman. Algumas religies
so atestas, ou seja, sem deuses como a dos budistas que seguem e se orientam pela entidade chamada
Buda, a quem consideram mais como um sbio do que como uma divindade, enquanto os jainistas buscam a
orientao de guias espirituais chamados tirthankaras.
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Ahimsa o respeito por todos os seres vivos; a no-violncia, de suma importncia ao Hindusmo, porque
a violncia contra a vida tambm fere quem a cometeu, resultando em mau karma, levando ao autor a um
renascimento desfavorvel. Os Espritos tm alma eterna (atm). As etapas da vida so marcadas pelos ritos
de passagem (samskaras) que tm a misso de orientar o indivduo (individualismo) nas prximas etapas da
existncia terrena.
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fora resgatada. Um exrcito de macacos serve de socorro aos irmos. O deus macaco
Hanuman - respaldado de forte legio de smios fornecida pelo rei macaco Sugriva combatem Ravana. Sugriva, nesta batalha de busca a Sit, age em favor de Rama por
agradecimento a ele que o ajudara, antes deste episdio, a recuperar seu trono, destronado
pelo meio-irmo.
H 2 mil anos este grande poema apresentado em rituais nos templos e
teatros de toda a ndia, enfatizando a capital, Nova Dlhi, que o apresenta h mais de 100
anos; cartaz para deleite dos turistas que a visitam.
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O que so as castas
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Nos seus trs milhes de km2, a ndia - com 1 bilho de habitantes -, tem
o que representa a densidade mdia de aproximadamente 350 habitantes por km2; a
diversidade fsica, humana e social, enorme. um esplndido mosaico geogrfico como,
tambm, um mosaico humano. Assim, raas, religies, cultura, lnguas e dialetos convivem
esmagados, s vezes em enormes cidades ou em espaos estritamente reduzidos, onde a
densidade de populao fica abaixo dos 1,6 mil habitantes por km2. E a cor mais triste
deste mosaico social foi desenhada pelos Prias, os Intocveis ou Dalits. So milhares de
seres humanos, a oitava parte da populao da ndia, que so considerados impuros pelo
seu nascimento e no podem esperar outra coisa da vida, seno servir.
A maior parte vivia nos campos, mas sempre ignominiosamente separados
dos demais. Se conseguissem o mais desagradvel do trabalho, sua remunerao era
mnima. No lhes era permitido nenhuma participao na vida religiosa ou civil. No era
a inferioridade econmica a que mais humilhava o Pria ou Dalit; o que o indignava era
o fato de ser considerado impuro ou repulsivo. Um Brmane no podia olh-lo tampouco
tocar sua sombra; e se o fizesse teria de se purificar com as guas do Ganges, de preferncia
viajando para a cidade de Varanase.
O Pria no podia se utilizar das guas do poo de uma comuna; devia
andar muitas milhas at encontrar aonde se lavar. Seus filhos no podiam ir s escolas,
porque nestas estavam os filhos de outras castas. Na sua testa, deviam levar uma marca
que assinalasse sua condio de ignomnia.
Uma Lei, de 1955, permitiu o casamento entre castas diferentes. Por meio
da influncia de Mahatma Gandhi foi adotada nova Constituio que entrou em vigor em
26 de janeiro de 1950. Preconizava a abolio da intocabilidade e a concesso de uma
detalhada lista de direitos democrticos.
A Legislao atual, tornando-se eco da vergonha do indianismo como a
intocabilidade , fez com que modernos reformadores ou legisladores considerassem
uma injustia social, abolindo o grupo social dos Prias; porm, sua situao no melhorou
muito e nem se sentem confortados. Os hindus ortodoxos rigorosos na tradio e seus
privilgios , opem grande resistncia a esta Lei, nascida h cerca de 20 anos.
Espera-se que o progresso atual e o aumento do nvel de vida dos indianos
possam fazer com que desaparea esta aberrao social. Mesmo porque se torna falso o
conceito de que a ndia um pas de grande espiritualidade!
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Por ltimo, a Kautilya, obra escrita entre 325 a.C. e 200 d.C. encontrada
no sculo XX, no Sul da ndia que analisa a Cincia para se atingir o bem-estar material.
Seu pressuposto Autor chamado de Kautilya ou Canakya, ex-ministro de Kandagupta
Maurry. Ele dirigiu um Imprio no Norte da ndia, de 321 a.C. e 297 a.C. Em sua obra h
um texto que diferencia o Artha em detrimento do Dharma.
A partir do sculo VIII, os Dharmasastras no foram mais escritos, advindo
interpretaes nas obras intituladas Nibandhas, utilizadas no perodo colonial.
B. Os costumes.
O costume (achara) incluso como fonte do Direito
hindu e compreensvel, porque so prticas seculares
engrandecidas e baseadas nas leis do pas, castas e famlias
em geral, as quais no so contrrias aos textos sagrados;
desta maneira, passando a ter absoluta autoridade.
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Os primeiros habitantes da Antiga ndia eram pastores nmades, os quais, por sua vez, dependiam do gado
para sobrevivncia. Naquela poca, animais eram sacrificados em rituais, exceto as vacas leiteiras; existem
trechos do RigVeda, do Manu-Smirti e do Mahabharata que citam essa proteo s divinas tetas. E assim,
com o passar dos tempos, as vacas foram adquirindo importncia to significativa, alcanando posio
diferenciada nas diversas correntes da Religio hindu, a ponto de os hindustas a considerarem ao nvel de
sacerdotes. Algumas seitas consideram a agresso ou violncia contra as vacas equivalentes a um atentado
contra um sacerdote. Esses animais quando entram em casas particulares ou comerciais so reverenciados,
alimentados e acariciados, pois tm posio de um dos principais smbolos do Hindusmo.
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O Dharma
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A aterrorizante Kali, assassina de demnios, assombra locais de cremao. Sua imagem a mostra carregando
a cabea de um gigante que ela matou com uma enorme espada. Kali usa um colar de caveiras humanas,
smbolo da reencarnao e tem uma cobra no pescoo; seu corpo negro est manchado de sangue. Ela
tambm reverenciada como me divina, graas a seu poder de libertar pessoas da reencarnao. E por esse
motivo sua ligao com a morte ser importante, porque somente por meio da morte se possvel escapar do
crculo infindvel do renascimento.
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9.1. Legislao/jurisprudncia
Ren David em Os Grandes Sistemas do Direito Contemporneo referendado
no final da matria nos ensina que a legislao e a jurisprudncia, em consonncia ao
Dharma, no so consideradas como fontes do Direito nem tampouco pela doutrina hindu.
Todavia, permitido ao prncipe legislar; porm, a arte de governar e as instituies do
Direito Pblico dependem do Artha, no do Dharma. O Dharma, por sua vez, exige que
se obedea s ordens legtimas do prncipe, mas ele prprio continua pela sua natureza
-, fora das interferncias deste.
Legislao e ordens do prncipe no podem produzir efeito algum sobre
o Dharma. um pouco complexo de incio para compreenso, mas so apenas medidas
estipuladas pela oportunidade e possuem um carter temporrio. Alm disso, so
medidas justificadas pelas circunstncias do momento e sero modificadas, quando estas
circunstncias tiverem alteraes ou modificaes com relao a elas. Por outro lado,
colocadas em presena de uma Lei, os juzes no podero aplic-las, rigorosamente, e uma
grande discrio lhe deve ser concedida para uma determinada conciliao, tanto quanto
for possvel; advindo o teorema justia e Governo.
Assim, como na legislao no se pode ver na jurisprudncia uma verdadeira
fonte do Direito. A organizao da justia tambm matria que depende do Artha, porque
as decises dos tribunais podem ser justificadas pelas circunstncias, sendo aqui o Dharma
simplesmente um guia. da ordem natural das coisas que os juzes tendam a se afastar
dele, principalmente se boas razes os impedem de com ele se conformarem, contanto que
no ofendam algum princpio fundamental do Dharma.
Premissa final: a deciso do juiz mediante este empirismo no deve, em
nenhum caso, ser considerada como precedente obrigatrio; a sua autoridade limitada
ao litgio que foi submetido sua apreciao. A jurisprudncia apenas tem justificao em
relao s circunstncias especiais que a originaram.
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de dar luz na casa de seus pais; a torcida de ter um filho varo; caso contrrio, ficar em
posio eterna de inferioridade na hierarquia familiar.
9.5. Perodo da dominao muulmana
O domnio muulmano na ndia aconteceu em meados do sculo XVI,
estabelecido no Norte, Sudeste e Centro daquele pas, quando os tribunais aplicaram
a chria muulmana. A chria muulmana j apresentava variaes contingenciais
conformadas s diversas etnias nas superposies polticas de justificao religiosa,
determinadas pelas situaes econmicas e sociais distintas do mundo islmico e sempre
conservando sua raiz tribal rabe. Todavia, o Direito consuetudinrio hindu continuou a
ser aplicado pelos punchayats de castas; porm, no pde se desenvolver e, assim, assistir
reforada a sua autoridade pela ao de rgos do Estado: judiciais e legislativos.
O domnio foi contemplado na questo religiosa, de usos e costumes; enfim,
mais neste sentido do que como de Direito. Cumpre salientar que os muulmanos no
interferiram em absolutamente nada no mbito das leis hindus, mesmo porque, naquela
poca, eles no dispunham de adequado aparelho legislativo, como nos ensina Ren
David.
E assim a chria muulmana foi aplicada, nica e exclusivamente, aos
adeptos dessa corrente religiosa; nos mesmos moldes ao Direito hindu e, ressalta-se, restrito
a determinados aspectos da vida desses adeptos, enfatizando as reas civis de Famlia e
das Sucesses. E essas jurisdies tradicionais muulmanas acabaram sendo abolidas, em
1772, na ndia britnica quando - fizeram bem os ingleses os novos invasores tiveram
a idia de no interferirem no Direito hindu por uma questo estritamente de convenincia,
isto , a fim de se evitar atritos com os nativos, conforme mencionado em itens anteriores,
desta exposio.
10. As Leis de Manu
O primeiro homem, Manu, era filho de Brahma e Saravati. Na forma de um
peixe, Brahma disse a Manu que o mundo seria destrudo por um dilvio e que ele deveria
construir um barco e pr dentro dele as sementes de todos os seres vivos. Quando as guas
subiram tudo ficou submerso e o barco de Manu encalhou no Himalaya. Por fim, as guas
baixaram. Manu fez oferendas que se transformaram numa bela mulher, Parsu. Ela e Manu
tornaram-se os pais da raa humana.
Conforme acima mencionado, o Cdigo de Manu, do snscrito Manu
Smriti integra a coleo de livros bramnicos, discriminados a seguir, compostos de
quatro compndios: o Mahabharata, o Ramayana, os Puranas e as Leis de Manu os quais
constituem a legislao do universo indiano e estabelecem, tambm, o sistema de castas
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na sociedade hindu. A lei escrita de Manu era de perfil mesclado a subterfgios, onde o
hindu de classe mdia e inferior encontrava infalivelmente um abrigo legal diante de
cada passo inseguro, uma vez os degraus que nele se construram eram anulados pelas
cavidades, como assevera Jayme de Altavila, referendado no final desta matria.
Na primeira invaso da ndia os rias trouxeram consigo princpios
monotestas; todavia, esse perodo vdico foi totalmente suplantado pelo perodo
bramnico, o qual destruiu a epopia cosmognica dos arianos e evolucionou pela
legislao religiosa da casta invencvel dos sacerdotes, segundo, ainda, notas do Autor
Altavila.
Ressalta-se que no deixa de ser o pseudnimo da classe sacerdotal esse
compndio da legislao religiosa e o cdigo foi traduzido do snscrito para a lngua
francesa por M. Loiseleur-Deslonchamps, editado em 1850, sob a edio responsvel de
M. Lefvre inserido na Coleo francesa Anciens Moralistes. Para a lngua portuguesa,
baseada a traduo em Loiseleur- Deslonchamps, a edio do professor Herclio (s)? de
Souza, datada de 1924.
De fio a pavio, o Cdigo acomoda absoluta obedincia s ordens dos brmanes
versadas no contedo e no conhecimento dos livros sagrados, pois seguindo assim que
um sudra conseguir felicidade depois da morte e obter um nascimento ou reencarnao
mais elevados. E natural, cumpre salientar, que instituindo a vida do Estado, o culto,
as relaes civis e criminais tenham os brmanes consagrados preponderncia absoluta
sobre a vida nacional, por meio de leis que no admitiam comentrios.
Em matria do eminente professor Luiz Guilherme Marques, referendada
no final, existe uma transcrio do Autor, por meio da Internet, das Leis de Manu, com
traduo da professora Ana Clara Victor Paixo, do original ingls de Raimon Pannikar,
de onde as subtraio, a saber:
As Leis de Manu:
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Os livros Sagrados
Livro I. Demonstrativo da apresentao e do pedido das leis
compiladas pelos maharqui, os dez santos eminentes,
dirigido a Manu, alm dos temas: a Criao do Universo;
a hierarquia celeste e humana; a diviso do tempo; a
alternao da vida e da morte em cada Esprito criado; e
o detalhamento das regras que possam ser difundidas.
Livro II.- Tem por objeto instituir os deveres que devem ser cumpridos
pelos homens virtuosos, os quais so inatacveis tanto
pelo dio quanto pelo Amor, alm das obrigaes da vida
prescrita para o noviciado e a assuno dos sacramentos
para os brmanes, sacerdotes e membros da mais alta
casta hindu.
Livro III.- Apresenta a estipulao de normas sobre o casamento
e os deveres do chefe de famlia, com mincias sobre
os inmeros usos e costumes nupciais, alm do
comportamento do bondoso pai frente mulher e aos
filhos; a obrigao de uma vida virtuosa; a necessidade
de se excluir pessoas indesejveis como os portadores de
doenas infecciosas, ateus, os que vivem blasfemando,
os vagabundos, os preguiosos, os danarinos que se
apresentam em festas familiares; as oblaes que devem
ser realizadas em homenagem aos deuses.
Livro IV.- Ratifica o princpio de que todo e qualquer meio de
subsistncia tenha considerado bom, desde que essa
subsistncia no prejudique os outros seres humanos,
alm de ensinar de qual maneira se pode e deve procurar
a busca de como se viver bem.
Livro V.- Versado sobre a culinria, porque indicam quais so os
alimentos que devem ser preferenciais ao consumo e,
desta maneira, se ter uma vida longa e saudvel, alm
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Concluso
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Existem outras trs partes de um Cdigo hindu, das quais a Lei sobre o
casamento constitui a primeira parte, que foram votadas pelo Parlamento indiano:
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Jalil Andrabi, no Estado da Kashemira, morto pela Polcia indiana por espancamento com
repercusso, em 1999, na Mdia internacional. Essa repercusso foi a mola-mestra devido
interveno de observadores protetores da Democracia Plena de Direito, uma vez o
processo de defensoria estar sendo adiado por motivos fteis; tanto das autoridades quanto
dos interessados de casta superior.
A ndia contempornea - principalmente a partir de 2006 -, mediante
a contrao econmica dos EUA e dos pases integrantes da Unio Europia, tem-se
apresentado ao cenrio do mercado internacional como um dos Estados mais promissores
aos investidores que, na busca sada da crise mundial, ocuparam-na com robustas injees
nas investiduras da moeda americana, dando margem estabilizao econmica e ao PIB
(5,1%) daquele pas. A ndia integra o conglomerado de pases emergentes conhecidos
com a sigla BRIC (Brasil, Rssia, ndia e China) e ocupa disciplinada posio econmica,
devidamente apta como pas mediador do intercmbio internacional, no intento de se criar
nova moeda a todos os Estados-Pases; mesmo porque no podemos evoluir ao redor de
referncia monetria - como a do dlar - que, gradativamente, se tem desestabilizado.
So Paulo, setembro de 2008.
Breves referncias cronolgicas da ndia.
A ndia antes dos ingleses
1500 a.C. - os arianos, vindos do Ir, atingem o Vale do Indo; * 563 a.C. nascimento de Buda;
* 327 a.C. Alexandre, o Grande, conquista uma parte do Pendjab; * 273 a.C. Aoka funda o
primeiro Imprio indiano; * 50 d.C. fundao do Reino Kushana ao Norte do Indo; * 320-455
apogeu do Imprio gupta; * 700 - rpido declnio na ndia do budismo que se espalha por toda a
sia; * 711 primeira incurso rabe na ndia; * 1398 Tamerlo destri Delhi; * 1498 Vasco da
Gama descobre a rota da ndia; * 1526-1858 os imperadores mongis dominam a ndia.
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Gandhi; * 1940 terceira campanha de desobedincia civil de Gandhi. A Liga muulmana exige
a criao do Paquisto; * 1942 Ghandi lana a campanha Fora da ndia!; * 1947 em 15 de
agosto, a Gr-Bretanha divide a ndia. Independncia do Paquisto e da Unio Indiana.
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