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Parecer Sistema Carcerá Rio - Versão Final
Parecer Sistema Carcerá Rio - Versão Final
Parecer Sistema Carcerá Rio - Versão Final
PARECER
1.
3.
Acerca da primeira indagao realizada pelo consulente, devem ser traados, para
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal Parte Geral. 5.ed. Florianpolis: Conceito Editorial, 2012,
p. 419.
TAVARES, Juarez. La racionalidad, el derecho penal y el poder de penar: los lmites de la intervencin
penal en el Estado Democrtico. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 133.
3
BOSCHI, Jos Antonio Paganella. Das penas e seus critrio de aplicao. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 2014, p. 88.
4
ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Coleo Vega Universidade: Lisboa, 1986, p.
16.
5
Opta-se aqui, pois, por uma adeso tcita o que no se confunde com concordncia ao sentido
categorial de punio proposto por Immanuel Kant. A saber: ZAFFARONI, Eugenio Ral; BATISTA,
Nilo, et al. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume Teoria Geral do Direito Penal. 4. ed. Rio de Janeiro:
Revan, 2011, p. 114.
6
evidente que a busca pela noo abstrata de proporcionalidade pode resultar na coerente indagao
acerca da gravidade em concreto da punio frente ao grau de intensidade da leso do bem jurdico. Mais
adiante neste parecer, no entanto, tal questo ser abordada sob outro enfoque, qual seja, o do atendimento
aos princpios constitucionais e internacionais de proteo pessoa. Para todos os efeitos, tal perquirio
no se situa na seara da teleologia e, portanto, no objeto da atual controvrsia.
ROXIN, Claus. Fundamentos poltico-criminales del derecho penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2008,
p. 52 e ss.
8
FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana, Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 22.
9
MEILI/ ROHRACHER. Lehrbuch der experimentellen Psychologie, Stuttgart/ Wien: Hans Huber, 1972,
p. 323 e ss.
9.
Mas NAUCKE, por seu turno, admite que o direito penal atual se orienta por
NAUCKE, Wolfgang. O alcance do direito penal retributivo em Kant. In: Greco/Tortima (org.). O bem
jurdico como limitao do poder estatal de incriminar? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 95.
11
NAUCKE, Wolfgang. Op. cit., p. 97.
12
BRUNO, Anbal. Direito Penal: Parte Geral, Tomo 3o Pena e Medida de Segurana. Editora Forense:
So Paulo, 1956, p. 34.
fora da anlise das condies concretas do sistema prisional18 e devem ser perquiridas
mediante um estudo conjunto da extenso da programao criminal, da gravidade em
abstrato das cominaes e da populao carcerria em termos numricos. A avaliao
13
acerca da eficcia desse efeito pedaggico geral da pena, de cuja legitimidade se deve
seriamente duvidar,19 no faz parte do objetivo do presente parecer.20
14.
A preveno geral negativa, defendida por Feuerbach, segundo a qual o objetivo final da norma a
intimidao geral, por meio da anulao do impulso da sensualidade de todas as aes delituosas, tambm
seriamente criticada, sendo pertinente o alerta de que a preveno geral no oferece limites ao poder
punitivo do Estado (QUEIROZ, Paulo. Funes do direito penal. 2.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais,
2005, p. 36). Essa teoria, ademais, est baseada na mxima de que a intimidao cuja eficcia bastante
discutvel atingida com a imposio de um mal a algum para que os outros se omitam de cometer outro
mal. No h fundamento vlido de legitimao da aplicao da pena para o desviante. A legitimao estaria
fora do fato e do sujeito concreto. Em suma, a teoria poltico-criminalmente discutvel e carece de
legitimao (Idem, p. 36).
20
Esboa-se aqui, todavia, a ineficcia da ameaa penal para coibir comportamento criminosos. Tal
afirmativa, entretanto, comporta raras hipteses passveis de comprovao, tais quais conforme indicam
Zaffaroni e Nilo Batista (Op. cit., p. 118) os crimes de menor gravidade, em que a comprovao emprica
do efeito dissuasrio completamente excepcional e nem sequer o prprio protagonista poderia afirm-la
com certeza ou ainda os estados de terror caracterizados por penas cruis e indiscriminadas, estas
naturalmente vedadas pelo ordenamento ptrio (art. 5o, XLVII, CF). Nesse sentido, ainda: SANTOS, Juarez
Cirino dos. Op. cit., p. 427.
21
SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 424.
22
LISZT, Franz von. Der Zweckgedanke im Strafrecht, in ZStW, vol. 3 (1883), p. 1-47.
23
GAROFALO, Raffaele. Criminologia. Studio sul delitto e sulla teoria de la repressione, 1891, p. 158.
24
Assim, TAVARES, Juarez. Culpabilidade e Individualizao. In: Cem anos de reprovao. Rio de
Janeiro: Editora Revan, 2011, p. 132.
25
Vide dispositivo constitucional: Art. 5o [...]
XLVII - no haver penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de carter perptuo;
c) de trabalhos forados;
d) de banimento;
e) cruis;
28
30
Embora seja comum uma noo ampla de criminalidade possivelmente imiscuda do conceito de
delinquncia , opto por restringir o estudo ao cometimento de crimes durante o perodo de
encarceramento. No considerarei, portanto, a prtica genrica de faltas como evidncia da ineficcia do
projeto preventivo especial negativo.
27
BAURMANN, Michael. Kriminalpolitik ohne Ma. Zum Marburger Programm Franz von Liszts, in
Liszt Vernunft, Kriminalsoziologische Bibliographie, 1984, p. 54-79.
28
ZAFFARONI, Eugenio Ral; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 116.
29
Idem, ibidem.
30
WELZEL, Hans. Derecho penal alemn, traduo de Juan Bustos Ramrez e Sergio Yaez Perez.
Santiago: Editorial Jurdica de Chile, 1970, p. 12.
31
DURKHEIM, Emile. La divisin del trabajo social, traduo de Carlos Posada, Barcelona: PlanetaAgostini, 1993, p. 136.
32
JAKOBS, Gnther. Norm, Person, Gesellschaft. Berlin: Duncker & Humblot, 1997, p. 52.
porque sempre associado a um juzo de reprovao, o qual fortalece cada vez mais os
traumas internos e impede o procedimento de reinsero.34 O grande passo, portanto, da
preveno positiva evitar que as regras e tarefas ressocializadoras se transformem em
mais um puro e simples elemento de represso.
17.
FABRICIUS, Dirk. Kriminalwissenschaften: Grundlagen und Grundfragen, II. Mnster: Lit Verlag,
2011, p. 299 e ss.
10
indeclinvel imposto pela ordem jurdica, de que a pena no poderia, em qualquer caso,
superar os limites da culpabilidade. Isso significa que, no controle do crime e em sua
preveno, geral ou especial, o Estado no poder atuar desmedidamente, nem quanto
definio das condutas e cominao das sanes, nem relativamente aos projetos de
ressocializao. H, portanto, um limite para a chamada ressocializao. Esse limite
imposto, desde logo, pela escala da culpabilidade.
18.
estabelecer as condies que devero afetar o sujeito, uma vez condenado e submetido
sua execuo. O Projeto Alternativo vinculou essas condies a um processo de
reinsero social do autor, quer dizer, queles procedimentos a convenc-lo de poder
conviver com os demais, uma vez livre da sano.
19.
Est claro que o art. 59 do Cdigo Penal no instituiu uma frmula to incisiva
como seu antecedente alemo, mas pode comportar uma interpretao conforme a
Constituio. Ao afirmar, inicialmente, em termos de gradao, que a pena deve ser
aplicada tendo em vista a culpabilidade do agente, j indicou o caminho para sua prpria
limitao: a pena no pode ultrapassar os limites da culpabilidade. Nem teria sentido
outra concluso, porque, ento, de nada valeria a definio e a prpria configurao da
culpabilidade, que, em lugar de constituir um elemento funcional da ordem jurdica,
passaria a ser um simples pressuposto formal da condenao.
20.
pena dever ser aplicada de modo a ser necessria e suficiente para a reprovao e
preveno do crime, poder-se-ia entender, primeira vista, que aqui se adotou tambm
uma teoria retributiva da pena. Ocorre, porm, que a Constituio estabeleceu como
objetivo da Repblica a promoo do bem de todos, sem preconceitos de origem, raa,
sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de descriminao (art. 3, IV). Isso
significa que esse objetivo alcana no apenas as pessoas no condenadas, mas tambm
aquelas que estejam respondendo a processos, que tiverem sido condenadas e estiverem
11
estabelea.
Norteia-se,
assim,
inicialmente,
pela
excluso
da
imputabilidade (art. 26, CP) ou do conhecimento do ilcito (arts. 20, 1, e 21, CP), pelos
motivos de exculpao legalmente previstos (coao irresistvel e obedincia hierrquica)
ou decorrentes da ordem jurdica (excesso escusvel de legtima defesa, estado de
necessidade exculpante, coliso exculpante de deveres e inexigibilidade de outra conduta)
e se delimita pelo contedo do injusto. No ter sentido afirmar-se a culpabilidade do fato
doloso, por exemplo, sem levar em conta a diferenciao, feita no injusto, entre dolo
direto e dolo eventual. O juiz no pode criar parmetros de medida da culpabilidade sem
atender ao contedo do injusto, que, por sua vez, est amparado na respectiva definio
do delito e seus elementos.
22.
12
desse limite, salvo nos casos expressos em lei, como ocorre com as qualificadoras e as
causas de especial aumento, que esto legalmente previstas, ou das agravantes, respeitado
o limite da cominao. Nesse ponto, os propsitos preventivos no podem levar em
conta, por exemplo, a conduta social do ru para aumentar a pena. Em primeiro lugar,
esse aumento extrapola os limites do injusto, impostos pelo princpio da legalidade. Em
segundo lugar, viola os termos do art. 3, IV, da Constituio, porque ir avaliar contra o
ru suas condies de existncia, o que representa uma ntida discriminao. A
discriminao, aqui, ademais de impor reprimenda ao condenado alm do que a prpria
lei estabelece, tem tambm outros efeitos malficos, os quais se refletem em todo o
processo de sua readaptao social.
23.
13
Direitos Humanos, notrio que o crcere est inserido no grupo das chamadas
instituies totais, isto , estabelecimentos onde se detm controle sobre a maior parte da
vida das pessoas que l se encontram.42 Tal domnio cronolgico, fsico e epistemolgico
na locuo de Foucault43 representa, em vista dos princpios constitucionais de
proteo pessoa e das mencionadas diretrizes internacionais de reforma e
ressocializao dos apenados, a obrigao de o Estado zelar pela integridade fsica, moral
e psquica dos internos, bem como de seus visitantes.44 Isso significa, finalmente, o
reconhecimento de que as pessoas encarceradas se encontram em posio de
vulnerabilidade e, portanto, devem ser objeto da ateno estatal, de forma a confrontar a
funo primordial da pena de priso deve ter como balizamento normativo, portanto, a norma
convencional.
38
A Lei de Execuo Penal, por exemplo: Art. 1 A execuo penal tem por objetivo efetivar as
disposies de sentena ou deciso criminal e proporcionar condies para a harmnica integrao social
do condenado e do internado.
39
STJ - HC: 216711 RJ 2011/0200425-3, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento:
10/12/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicao: DJe 03/02/2014; STJ - HC: 277496 SP
2013/0315374-3, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/12/2013, T5 - QUINTA
TURMA, Data de Publicao: DJe 03/02/2014); STJ - AgRg no HC: 283010 PE 2013/0387154-4, Relator:
Ministro SEBASTIO REIS JNIOR, Data de Julgamento: 17/12/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de
Publicao: DJe 03/02/2014; TJ-RS - AC: 70052584968 RS , Relator: Jorge Lus Dall'Agnol, Data de
Julgamento: 27/03/2013, Stima Cmara Cvel, Data de Publicao: Dirio da Justia do dia 01/04/2013.
40
Proponho-me, para todos os efeitos, a fazer comentrios passageiros acerca da eficcia da preveno
neutralizadora, nos moldes do que j foi anteriormente proposto.
41
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes Adicin, de autoria da Organizao das Naes Unidas, p. 3.
42
Vide: GOFFMAN, Erving. Manicmicos, Conventos e Prises. So Paulo: Editora Perspectiva, 2001; e
COMISSO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 19.
43
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurdicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2013, pp. 117-123.
44
COMISSO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 17.
14
TAVARES, Juarez. La racionalidad, el derecho penal y el poder de penar: los lmites de la intervencin
penal en el Estado Democrtico. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 124.
46
COMISSO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 19.
47
CEDU, deciso n. 19606/08, Pavet contra Frana, de 20 de janeiro de 2011.
15
coletivos tais como a proteo aos locais de culto (art. 5o, VI, CF), intimidade e
honra (art. 5o, X, CF); o atendimento inexorvel dignidade da pessoa humana (art. 1o,
III, CF) e as recomendaes propostas pela Comisso Interamericana de Direitos
Humanos e pelo Subcomit para a Preveno da Tortura e Outros Tratos ou Penas Cruis,
Desumanos ou Degradantes da ONU, necessrio concluir que um pressuposto
necessrio para a efetivao das metas ressocializadoras da pena reside precisamente na
configurao de um ambiente carcerrio que no viole os direitos fundamentais dos
apenados. Ademais, imperioso que se verifique o trabalho continuado dos mencionados
empresrios morais, isto , acompanhamento psicolgico e social de qualidade. sobre
essa perspectiva, portanto, que dever se orientar, para os fins especficos do presente
trabalho, a anlise das condies concretas do funcionamento do sistema carcerrio
brasileiro.48 No faz parte do objetivo deste parecer, como se depreende dos termos da
consulta, o exame da crise de legitimidade do discurso penal. O problema, tal como
identificado para os presentes fins, situa o confronto entre a defesa da pessoa humana, por
48
Quando se chega a esse ponto, as indagaes parecem conduzir a outras perspectivas, que no podem
ficar adstritas a sintomas puramente jurdicos. O jurdico praticamente desaparece como algo imutvel e
duradouro para se transformar, rapidamente, em preceitos de justificao poltica. Cabe, mais uma vez,
verificar se vale a pena manter o sistema penal. Quando se fala em alterar o sistema penal ou mesmo de o
abolir, afloram argumentos por sua manuteno. Esses argumentos, independentemente de sua variedade,
podem ser dispostos em dois grandes segmentos: ora so argumentos de base emprica, ora de base moral.
Os argumentos de base emprica trabalham com critrios de verdade; os de base moral, com critrios de
validade. Mas, a alterao ou mesmo a superao do sistema penal no pode ser tratada como uma questo
de superestrutura, mas, sim, como uma expresso das relaes que se processam no mbito das respectivas
formaes sociais. A norma penal, como expresso desse sistema, no nem boa nem m, apenas um
instrumento de manuteno de poder. Quando se invoca a norma penal como meio de proteo da pessoa,
estar-se- tambm legitimando o poder e, consequentemente, aceitando e mantendo as relaes sociais do
sistema capitalista. pura ingenuidade pretender modificar o Estado ou proteger eficazmente as pessoas
por meio da norma penal. No fundo, os mesmos elementos de desigualdade e de comprometimento
sistmico continuam presentes em sua aplicao, que jamais deixar de ser seletiva e exclusivista. A
chamada cruzada moral em prol da punio dos culpados, como forma de estruturao de uma sociedade
democrtica, no passa de um discurso ideolgico sedimentado no simblico ou, pior do que isso, de um
discurso legitimante em face de um sistema intrinsecamente destruidor da pessoa. Esse discurso
ideolgico porque busca convencer de que a norma, como instituio, pode solucionar definitivamente
problemas de relacionamento, sem qualquer demonstrao emprica. simblico porque orientado por
mitos de verdade e validade. Se falta ao discurso uma base emprica (e a evidncia de que essa base
emprica falsa), no se poder comprovar sua verdade. Se, por outro lado, o discurso pronunciado sem
que todos possam dele participar em igualdade de condies e critic-lo com eficincia, no poder gerar
uma pretenso de validade. Quando se chega a esse ponto, parece que toda a discusso em torno da
racionalidade ou legitimidade de uma norma penal s poder ter cabimento com a alterao estrutural das
relaes sociais e do prprio poder. Muitos grupos e movimentos sociais tm em comum o objetivo de
alterar as estruturas econmicas e, como consequncia, o prprio poder.
16
49
Enfocada a questo como uma crise de legitimidade, pode-se, ento, entender que o discurso penal um
discurso de justificao do sistema, tanto quando o enaltece, como quando procura sua correo por meio
da prpria estrutura normativa. Em qualquer dos casos, no h verdadeira oposio de ideias, h apenas
compromissos. Quem se aventure a acreditar que possa resolver questes penais apenas no mbito
normativo e que, com isso, estar exercendo uma atividade de crtica social, no pode fugir do dilema de ter
que se conformar com o prprio sistema, ou repudi-lo integralmente. Para repudi-lo, ter que negar o
sistema, mas, com isso, ter que negar tambm seus prprios argumentos. Se quiser manter seus
argumentos, ter que aceitar o sistema. No h como fugir desse dilema. o dilema prprio do sistema
capitalista e de seus desdobramentos. medida que esse discurso se solidifica, tambm se fortalece o
sistema, com as consequncias marcantes da ampliao das bases punitivas, da inflao legislativa e,
inclusive, dos movimentos de emancipao calcados na esperana de que possam obter sucesso mediante o
emprego da pena criminal. O direito penal, portanto, como condensao normativa do poder punitivo,
elevado a uma categoria transcendental, como se fosse superior a todas as contradies do sistema e
sobrepairasse aos prprios antagonismos de classe. Nunca na histria do desenvolvimento dos poderes do
Estado se deu tanta importncia ao direito penal, que, por artes de uma internalizao simblica de ideais
frustrados, ou por fora de uma projeo externa sobre os outros, os chamados inimigos, de recalques
paranoides, passa a se solidificar como uma nova modalidade de ideologia.
50
CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO PBLICO. A viso do Ministrio Pblico brasileiro sobre
o sistema prisional brasileiro. Braslia: CNMP, 2013. Disponvel em: http://goo.gl/4iWhVi.
17
Conselho Nacional de Justia,51 o Informe sobre los derechos humanos de las personas
privadas de libertad en las Amricas, 52 de autoria da Comisso Interamericana de
Direitos Humanos, o Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin
de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes, proveniente
da Organizao das Naes Unidas, os relatrios de inspeo em 2014 no Centro de
Deteno Provisria de Pinheiros IV e no Centro de Deteno Provisria de Santo Andr,
ambos de autoria da Defensoria Pblica do Estado de So Paulo, e, por fim, o relatrio de
auditoria governamental do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (processo
TCE/RJ n 116.234-9/13).
(a) Vida e Integridade Fsica
30.
18
Apenas para que se tenha uma ideia concreta da contribuio decisiva do Poder
Idem, p. 153.
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes, de autoria da Organizao das Naes Unidas, pp. 15 e 21.
59
Idem, p. 7.
58
19
dos presos brasileiros, vale mencionar, a ttulo de exemplo, a postura adotada pela cpula
do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo a propsito da matria. Em 7 de maro de
2014, o Presidente desse importante Tribunal suspendeu deciso proferida por magistrado
de primeira instncia que determinara, a pedido da defensoria pblica, a implantao, em
45 dias, de duas equipes mnimas de sade na Penitenciria Masculina de Ribeiro Preto
e o fornecimento dos medicamentos necessrios ao tratamento dos presos.60 Invocou-se,
para tanto, o argumento de que a providncia estatal determinada pelo juiz exporia a risco
grave a ordem pblica, por comprometer a regular implementao da poltica pblica
em curso no Estado de So Paulo e servir de paradigma para situaes relacionadas
com outros estabelecimentos prisionais. Em 2 de dezembro de 2013, o Presidente
antecessor do mesmo Tribunal de Justia paulista suspendeu deciso de primeira
instncia que determinara ao Estado, tambm a pedido da defensoria pblica, a
disponibilizao em todas as suas unidades prisionais, no prazo de seis meses, de
equipamentos para banho dos presos em temperatura adequada.61 Argumentou-se, para
suspender os efeitos dessa deciso, que os prdios antigos e aqueles adaptados para
servir como estabelecimento penal no possuam rede eltrica planejvel e compatvel
com as exigncias especficas de consumo de gua necessrias para suportar chuveiros
nas celas e que a instalao dos cogitados equipamentos exigiria interveno no
estabelecimento prisional que no se faria sem o deslocamento dos detentos nele
custodiados, o que no se apresenta plausvel, tendo-se em vista o dficit de vagas no
sistema penitencirio paulista.
60
20
(b) Educao
33.
62
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 81.
63
O equivalente a 968 (novecentos e sessenta e oito) estabelecimentos penitencirios.
64
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes, de autoria da Organizao das Naes Unidas, p. 19.
65
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 69.
66
O equivalente a 886 (oitocentos e oitenta e seis) estabelecimentos penitencirios.
67
O equivalente a 899 (oitocentos e noventa e nove) estabelecimentos penitencirios.
21
(d) Da alimentao
36.
70
A partir dos dados apresentados pelo rgo ministerial, pode-se inferir a ausncia
generalizada de oficinas de trabalho nos crceres respondentes, uma vez que, quando da
avaliao pessoal, 68% dos estabelecimentos penitencirios apresentaram a avaliao
68
22
subjetiva no se aplica 74. A situao, que j grave, vem se tornando cada dia mais
grave. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo o Relatrio de Auditoria
Governamental do respectivo Tribunal de Contas (TCE/RJ n 116.234-9/13), a
porcentagem dos detentos que laboram diminui de 80,85%, em 2009, para 32,11%, em
2013.
(f) Moradia
39.
condies
sanitrias
dos
crceres
inspecionados
profundamente
deficientes.78
-
74
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 60.
75
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 118.
76
O correspondente a 34% das avaliaes.
77
O correspondente a 24% das avaliaes.
78
Primera respuesta del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles,
Inhumanos o Degradantes a las respuestas del Brasil a las recomendaciones y solicitudes de informacin
formuladas por el Subcomit para la Prevencin de la Tortura en su informe sobre su primera visita
peridica al Brasil, de autoria da Organizao das Naes Unidas, p. 15.
79
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 117.
80
O correspondente a 31% das avaliaes.
81
O correspondente a 26% das avaliaes.
23
40.
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 117.
83
Avaliaes regulares corresponderam a 33%; enquanto as avaliaes ruins, a 23%.
84
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 117.
85
O correspondente a 33% das avaliaes.
86
O correspondente a 26% das avaliaes.
87
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 81.
24
encerrados em celas pouco iluminadas, sujas e mal ventiladas, sem a necessria hora
diria no ptio para atividades fsicas.88
(h) Liberdade de culto
43.
Nesse sentido, ressalta-se que, das 563.52691 (quinhentas e sessenta e trs mil,
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes, de autoria da Organizao das Naes Unidas, p. 19.
89
Idem, p. 91.
90
O equivalente a 878 (oitocentos e setenta e oito) estabelecimentos penitencirios.
91
No foram consideradas as pessoas em cumprimento de priso domiciliar.
92
Disponvel em: http://goo.gl/JGju25.
93
Em se considerando, ainda, as 147.937 (cento e quarenta e sete mil, novecentas e trinta e sete) pessoas
em cumprimento de priso domiciliar, o Brasil se ala terceira posio mundial em nmero absoluto de
encarcerados.
94
Segundo o Subcomit (Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y
Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes - Adicin, p. 7): La Resolucin No 9 establece
adems que la capacidad de cada bloque de celdas no deber exceder de 200 reclusos. Asimismo, estipula
25
nfase para os crceres Nelson Hungria, em Belo Horizonte, e Ary Franco, no Rio de
Janeiro est amplamente associado falta de privacidade dos internos, ao realizarem
tarefas bsicas de higiene, e s putrefatas condies de salubridade das celas, muitas
habitadas tambm por baratas e outros insetos.96
48.
que todos los centros penitenciarios y las crceles municipales dotados de celdas colectivas debern
asegurarse de que al menos el 2% de las celdas individuales estn disponibles en caso de que sea
necesario separar reclusos. Asimismo, establece que cada celda individual deber contar con una cama y
un espacio de higiene personal con al menos un lavabo y un inodoro, adems de una zona para circular;
como mnimo, las celdas individuales debern medir 6 m2. Las celdas colectivas podrn albergar hasta
ocho reclusos y debern tener una superficie de al menos 13,85 m2 [].
95
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes, de autoria da Organizao das Naes Unidas, p. 14.
96
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes, de autoria da Organizao das Naes Unidas, p. 18.
97
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 57.
98
O equivalente a 1.243 (mil duzentos e quarenta e trs) estabelecimentos penitencirios.
26
registrados pelo Ministrio Pblico em 2013 indicam uma certa relativizao do objetivo
99
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes, de autoria da Organizao das Naes Unidas, p. 13.
100
Fonte: Sip-MP, Resoluo CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO
PBLICO. Op. cit., p. 87.
101
O equivalente a 1.069 (mil e sessenta e nove) estabelecimentos penitencirios.
102
O equivalente a 974 (novecentos e setenta e quatro) estabelecimentos penitencirios.
27
supostamente neutralizador da pena de priso, por outro, Juarez Cirino dos Santos103
atenta corretamente para o fato de que a incapacitao seletiva de indivduos
considerados perigosos constitui efeito evidente da execuo da pena porque impede a
prtica de crimes fora dos limites da priso.104
54.
28
aspecto, inclusive, uma antinomia entre a pena de priso e a prpria condio do sujeito.
Ainda que o condenado esteja privado ou suspenso de alguns direitos, entre os quais o
direito de liberdade, est ele inserido num mundo, onde a comunicao constitui o
elemento formador da prpria sociedade. Uma sociedade sem comunicao no
sociedade, apenas um amontoado quantitativo de corpos animados. Da ser impossvel,
empiricamente, a restrio a outras formas de comunicao, as quais so inerentes
condio social.
55.
No mesmo sentido, o Tribunal de Veneza: Sulle disposizioni costituzionali che si assumono violate,
ritiene il Tribunale che la norma in questione si ponga in contrasto innanzitutto con lart. 27 della
Costituzione sotto il duplice profilo del divieto di trattamenti contrari al senso di umanit e del finalismo
rieducativo. Sul punto si osserva la prevalenza in ogni caso del primo dei valori affermati rispetto al
secondo: mentre la pena infatti non pu consistere in un trattamento contrario al senso di umanit, essa
nel contempo deve tendere alla rieducazione del condannato con ci significando che mentre la finalit
rieducativa rimane nellambito del dover essere e quindi su un piano esclusivamente finalistico
(deontico) - la pena legale anche se la rieducazione verso la quale deve obbligatoriamente tendere non
viene raggiunta - viceversa la non disumanit attiene al suo essere medesimo (piano ontico) - la pena
legale solo se non consiste in trattamento contrario al senso di umanit - di talch la pena inumana non
pena e dunque andrebbe sospesa o differita in tutti i casi in cui si svolge in condizioni talmente degradanti
da non garantire il rispetto della dignit del condannato. (Tribunale di Sorveglianza di Venezia,
ordinanza di rimessione, 13.02.2013, in www.penalecontemponraneo.it.)
106
COMISSO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., prefacio.
29
priso tem como finalidade a readaptao social dos condenados considerada a evidente
falta de comprovao emprica da realizao desse objetivo , h certo entendimento,
reforado pela compreenso da Comisso Interamericana de Direitos Humanos, de que a
pena detentiva, quando respeitosa de um standard mnimo de humanidade e civilidade,
pode, eventualmente, ser capaz de fornecer ao condenado uma informao de como deve
comportar-se na sociedade e conviver com as demais pessoas. O Tribunal de Apelao de
Veneza, na Itlia, decidiu que a pena executada em condio inumana no pode mais
realizar plenamente a sua finalidade reeducativa, porque a restrio em espaos mnimos
produz invalidao de toda a pessoa.108 medida que aumenta no espao pblico a
conscincia de que a ideia de reeducao ou de tratamento dos condenados por meio da
107
Primera respuesta del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles,
Inhumanos o Degradantes a las respuestas del Brasil a las recomendaciones y solicitudes de informacin
formuladas por el Subcomit para la Prevencin de la Tortura en su informe sobre su primera visita
peridica al Brasil, de autoria da Organizao das Naes Unidas, pp. 4 e 7.
108
Tribunale di Sorveglianza di Venezia, ordinanza di rimessione, 13.02.2013, in
www.penalecontemponraneo.it.
30
pena de priso possui um carter ilusrio, seno mesmo fraudulento, pode-se valer da
norma convencional que estabelece como funo da pena a reforma e readaptao social
do condenado como uma ideia capaz de opor um freio certamente insuficiente, mas til
situao de total incivilidade jurdica do sistema carcerrio brasileiro.109 Isso porque,
a despeito da finalidade de readaptao social atribuda pena de priso, esta deve ter
uma natureza humanitria, que a nossa Constituio exige por meio da vedao de
tratamentos desumanos ou degradantes (art. 5, III). Essa uma clusula de salvaguarda
que opera em todos os momentos de manifestao do monoplio da fora pelo Estado:
em sede cautelar e em sede de execuo penal. Ainda que no se comprove,
empiricamente, a relao de causalidade entre pena condizente com o senso de
humanidade e o cumprimento da sua finalidade de reinsero social do detento,
evidente que o respeito da dignidade do condenado implica per se a exigncia de respeito
s condies bsicas de privacidade, higiene, integridade fsica e segurana.110
II A eficcia invertida do projeto ressocializador da priso e os seus impactos na
segurana pblica brasileira
58.
Como ressaltado pela Corte constitucional italiana, a pena deve tender reeducao do condenado,
admitindo-se a possibilidade de no adeso do detento ao processo reeducativo (sentena 313/1990). O
condenado tem o direito oferta de tratamento ou reeducao (sentena 79/2007), mas livre para aderir
ou no ao processo de readaptao social. obrigatrio, segundo essa viso, garantir que o sistema
penitencirio produza as condies objetivas de incentivo ao processo reeducativo, sem, porm, impor-lhe
a livre autodeterminao do detento.
110
A esse respeito, o Tribunal constitucional alemo como se tem especificado, sempre se faz referncia
dignidade humana e aos direitos fundamentais, no tanto como simples princpios que, em conjunto com
outros, integram a norma sobre a execuo da pena, mas como uma medida e critrio objetivo para a
verificao concreta da deteno singular em face dos fins de uma correta execuo da pena e para uma
avaliao dos rgos jurisdicionais ao darem seguimento ao recurso de um detento. Sobre isso, diante de
fatores que indicam uma leso da dignidade humana derivada das condies do espao do
encarceramento, se sublinha ter em conta, em primeiro lugar, a superfcie por detento e a situao das
plantas sanitrias, sobretudo a diviso e a ventilao dos banheiros. Pode ser indicada, como fator que
atenua a situao carcerria, a reduo do tempo cotidiano de arresto. Portanto, quanto organizao
dos espaos, necessrio que se assegure uma superfcie mnima para cada detento, de modo particular
quando o interno esteja submetido a uma deteno coletiva no mesmo local. Bundesverfassungsgericht,
(1 BvR 1403/09).
31
111
deve ser
32
de uma concepo preventiva especial positiva implica que tal questionamento deva se
direcionar unicamente para a clientela carcerria e no para o conjunto da
populao. Dessa forma, pode-se concluir que a atual controvrsia situa-se,
precipuamente, no mbito da discusso acerca da reincidncia.
60.
razoavelmente
confiveis
acerca
do
assunto
conduza
drsticos
problemas
Panorama nacional de 2012 sobre a execuo das medidas socioeducativas de internao. Disponvel
em: http://goo.gl/TEKwbR, p. 28.
113
SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 532.
114
PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Lei de execuo penal. Srie Pensando o Direito, vol. 44. Braslia:
Ministrio da Justia, 2012, p. 49.
33
116
66.
Na mesma toada:
La condena importa siempre un malestar psicolgico duradero, como
resultado de la humillacin contenida en el juicio condenatorio, la cual
no puede ser superada por el retorno a su trabajo, por la obtencin de
una ocupacin lcita o por la propia declaracin del afectado que se
siente resocializado120.
115
34
67.
Ademais, a ONU acerca das faces criminais existentes dentro dos crceres
brasileiros121:
En casi todas las crceles visitadas, el Subcomit observ la presencia
de bandas criminales. Los reclusos estaban alojados en distintos
recintos o pabellones en funcin de la banda a la que supuestamente
pertenecan. A este respecto, el Subcomit constat que en los
expedientes de los reclusos de Ary Franco figuraba una declaracin
firmada por la que aceptaban ser asignados a un pabelln controlado
por una faccin determinada y se hacan responsables de su propia
seguridad al respecto. El Estado parte debe velar por la separacin
efectiva entre los presos preventivos y los presos condenados, de
conformidad con sus obligaciones derivadas del derecho internacional
de los derechos humanos. El Subcomit reitera la preocupacin y la
recomendacin que ya expres el Relator Especial sobre las
ejecuciones extrajudiciales, sumarias o arbitrarias en el sentido de que
las crceles deben estar a cargo de los guardias y no de los reclusos.
La prctica de obligar a los presos recin llegados que nunca
pertenecieron a una banda a elegir una es cruel y engrosa las filas de
las bandas. La asignacin de una celda o un pabelln debe basarse en
criterios objetivos.
68.
Isso posto, quanto segunda indagao feita pelo consulente, concluo que o
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes, de autoria da Organizao das Naes Unidas, pp. 16-17.
35
Feita essa primeira observao, nesta ltima seo, discorrer-se- sobre os trs
A soluo no destoa da recente experincia comparada: Osserva infine il Tribunale, sotto un ulteriore
profilo che attiene alla razionalit giuridica e alla coerenza costituzionale, come non siano mancati
precedenti anche in altri ordinamenti - non sospettabili di insensibilit alle esigenze di sicurezza - in cui si
sia fatta applicazione proprio dello strumento del differimento o della sospensione della pena per
ricondurre ad una situazione di legalit lesecuzione della pena detentiva in situazioni di palese violazione
del divieto di pene crudeli. Nel 2009 una Corte federale della California, accogliendo due ricorsi di
reclusi contro le condizioni di detenzione, ha intimato al governatore di ridurre la popolazione carceraria
di un terzo entro due anni, in ossequio allottavo emendamento della Costituzione statunitense che vieta le
pene crudeli e nel 2011 la Corte suprema degli Stati Uniti ha riconosciuto la correttezza della decisione
della Corte federale. In quello stesso anno, la Corte costituzionale tedesca si pronunciata sul ricorso di
un detenuto contro la Corte di appello di Colonia, che aveva negato il sostegno economico necessario ad
attivare un procedimento relativo alle condizioni di carcerazione cui era costretto, richiamando una
precedente sentenza della Corte federale di giustizia del 2010 in base alla quale ogni reclusione
disumana, allorch soluzioni diverse si rivelino improponibili, deve essere interrotta. (Tribunale di
Sorveglianza di Venezia, ordinanza di rimessione, 13.02.2013, in www.penalecontemponraneo.it.)
123
CEDH, Sulejmanovic c. Italia, 16 luglio 2009.
36
37
38
crtica e realista do funcionamento das agncias punitivas. Tal postura crtica representa
uma postura minoritria, contraposta ao espiritualismo do pan-penalismo latinoamericano, 126 consubstanciado em um discurso jurdico-penal abstrato, anacrnico e
impermevel crtica criminolgica e s evidncias estruturais de funcionamento do
sistema de justia criminal tais como a seletividade, a reproduo da violncia, a
criao de condies para maiores condutas lesivas, a corrupo institucionalizada, a
concentrao de poder, a verticalizao social e a destruio das relaes horizontais ou
comunitrias. 127
Assim:
Cuando se habla de una oposicin al poder autoritario se est
trabajando justamente en provecho de un Estado democrtico, que
debe asegurar que sus normas puedan ser contestadas crticamente por
los ciudadanos, como medio para ejercer un control sobre su propia
libertad. Eso parece estar de acuerdo con lo que se podra denominar
un golpe de libertad frente a las tendencias de irracionalidad.128
73.
ZAFFARONI, E. Ral. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 5. ed.
Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 14.
127
Idem, p. 15.
128
TAVARES, Juarez. La racionalidad, el derecho penal y el poder de penar: los lmites de la intervencin
penal en el Estado Democrtico. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 141.
39
74.
Por outro lado, tal valor mximo no pode ser tomado de maneira definitiva, uma
sentenciado perante o poder de punir, bem como seu esforo de vulnerabilidade para
atingir a situao concreta de perigo penal corresponde a uma incorporao dogmtica de
um dado de realidade cotidiano no funcionamento das agncias punitivas. Nessa mesma
linha:
Si la legalizacin es importante para contener, en un primer momento,
las ansias punitivas del poder, deber tambin someterse a un
129
Para mais informaes, vide: ZAFFARONI, E. Ral. Culpabilidade por vulnerabilidade. In: Discursos
Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 14, pp. 32-44, 2004.
130
TAVARES, Juarez. Culpabilidade e Individualizao. In: Cem anos de reprovao. Rio de Janeiro:
Editora Revan, 2011, p. 139.
131
Idem, ibidem.
132
Frise-se, inclusive, que a preveno geral no pode ser utilizada como critrio de elevao de pena, uma
vez que a legitimao proveniente da cominao abstrata j a leva em considerao. A nova avaliao de
tais critrios quando da dosimetria de pena configura inequvoco bis in idem. Assim: Idem, p. 138.
40
pena ficta isto , tal como cominada abstratamente ou traduzida em concreto pelo
Poder Judicirio e uma pena real.
80.
A pena ficta, conforme se pode inferir, possui um valor numrico, o qual reflete,
TAVARES, Juarez. Los objetos simblicos de la prohibicin: lo que se devela a partir de la presuncin
de evidencia. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 34.
134
COMISSO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 26. No mesmo sentido
(pp. 18 e 19): Ante esta relacin e interaccin especial de sujecin entre el interno y el Estado, este ltimo
debe asumir una serie de responsabilidades particulares y tomar diversas iniciativas especiales para
garantizar a los reclusos las condiciones necesarias para desarrollar una vida digna y contribuir al goce
efectivo de aquellos derechos que bajo ninguna circunstancia pueden restringirse o de aquellos cuya
restriccin no deriva necesariamente de la privacin de libertad y que, por tanto, no es permisible. De no
ser as, implicara que la privacin de libertad despoja a la persona de su titularidad respecto de todos los
derechos humanos, lo que no es posible aceptar.
41
Por duas razes, no entanto, o valor fictcio ou nominal da pena no pode ser
inferior ao valor real da punio. O primeiro tem um sentido normativo ideal, inferido das
j citadas determinaes da Comisso Interamericana de Direitos Humanos: a pena, tal
como cominada em abstrato ou fixada em concreto, supe, ficticiamente, plenas
135
Fonte: Associao para a Preveno da Tortura (APT). Personas LGBTI privadas de libertad: un marco
de trabajo para el monitoreo preventivo. Disponvel em http://www.apt.ch/content/files_res/lgbti-personsdeprived-of-their-liberty-es.pdf.
42
Vide: COMISSO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., pp. 18, 19 e 26.
TAVARES, Juarez. Culpabilidade e Individualizao. In: Cem anos de reprovao. Rio de Janeiro:
Editora Revan, 2011, p. 130.
138
Idem, p. 135.
137
43
Para todos os efeitos, seja redimensionando a pena com base nos conceitos de
punio real e punio ficta, seja considerando a preveno especial para fins de reduo
da pena-base, imperioso considerar a vivncia concreta no crcere como dado emprico
deslegitimante. Em relao aos presos definitivos, no h outra soluo, seno atribuir ao
juiz da execuo penal a competncia para manter o estado de legalidade e
constitucionalidade da pena aplicada. A adoo de estratgias de descarcerizao por
parte do juiz de execuo penal parece ser necessria nesse contexto. A substituio do
crcere pela priso domiciliar fora das hipteses atualmente autorizadas pela lei de
execuo penal , como medida necessria interrupo da aplicao pelo Estado de
pena degradante e inumana, aparenta ser mais adequada quando comparada com a
medida consistente em impedir o ingresso de novos condenados no crcere: em primeiro
lugar, porque desse modo evita-se a execuo de uma pena em momento muito posterior
ao cometimento do fato criminoso; em segundo lugar, porque tal soluo no comporta,
como a suspenso do cumprimento da pena, a liberdade incondicionada do detento, mas
permite garantir a executoriedade da sentena condenatria.
87.
detento evitar uma encarcerizao que se desenvolva em condies lesivas sua prpria
dignidade, ou seja, de ter a execuo interrompida at que tais condies desapaream. O
Estado, segundo essa orientao, deve garantir o direito de interrupo do cumprimento
44
139
Informe sobre la visita al Brasil del Subcomit para la Prevencin de la Tortura y Otros Tratos o Penas
Crueles, Inhumanos o Degradantes, de autoria da Organizao das Naes Unidas, p. 17.
45
89.
Como devem ser tratados, no entanto, os incidentes da execuo penal, bem como
as medidas cautelares? A resposta para tal pergunta est inserida no mesmo contexto das
questes precedentes. Observe-se que o redimensionamento da noo de punio com
base nos conceitos de pena ficta e pena real implica uma nova perspectiva acerca do
sentido mesmo da privao de liberdade. Corresponde, em outras palavras, a um novo
olhar sobre o tempo de encarceramento e o valor real dessa medida. Dessa forma, quanto
aos incidentes da execuo penal tais como o livramento condicional ou a progresso
de regime , vale o mesmo confronto emprico acerca do perodo de priso e, ainda mais,
uma (re)avaliao cronolgica e contextualizada. Por exemplo: suponha-se que, ao longo
do cumprimento de pena de um apenado conjectural, tenha havido um aumento de 20%
na
populao
carcerria
de
um
determinado
estabelecimento
penitencirio,
46
91.
de uma proposta apresentada por Eugenio Ral Zaffaroni e Nilo Batista. Para tanto,
decompor-se- a presente discusso em dois momentos.
92.
Esse tal modelo punitivo resulta de uma coero que priva de direitos e inflige
uma dor (pena), 143 podendo, ainda, assumir plurais facetas teleolgicas. Independente
da maneira como se produz o discurso que o justifica ou racionaliza, no entanto,
necessrio que tal modelo decisrio esteja teoricamente bem delimitado.
95.
140
47
podem se acossar de contedo eventualmente penal, segundo o uso que delas faam as
agncias punitivas. 148 Nesse caso, quando forem tais momentos reconhecidos, estes
devem passar a fazer parte do objeto de interpretao do direito penal como saber
jurdico, porque consubstanciam casos de criminalizao indevidamente subtrados dos
limites do direito penal, que este deve recuperar para exercer sua funo limitativa 149
e, assim, exclu-los.150,151
98.
pena real e pena ficta. No mesmo, sentido, pois, o discurso jurdico-penal deve ser
144
Idem, p. 88.
ZAFFARONI, Eugenio Ral; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 89.
146
Vide artigos do Cdigo de Processo Penal: Art. 312. A priso preventiva poder ser decretada como
garantia da ordem pblica, da ordem econmica, por convenincia da instruo criminal, ou para
assegurar a aplicao da lei penal, quando houver prova da existncia do crime e indcio suficiente de
autoria.
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Ttulo devero ser aplicadas observando-se a:
I - necessidade para aplicao da lei penal, para a investigao ou a instruo criminal e, nos casos
expressamente previstos, para evitar a prtica de infraes penais;
II - adequao da medida gravidade do crime, circunstncias do fato e condies pessoais do indiciado
ou acusado.
147
ZAFFARONI, Eugenio Ral; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 89.
148
Idem, ibidem.
149
Idem, ibidem.
150
Idem, p. 90.
151
A esse respeito, vide as informaes apresentadas na primeira seo deste parecer acerca dos Centros de
Deteno Provisria de Santo Andr e Pinheiros IV, ambos no Estado de So Paulo, os quais ora se
apresentam como casos paradigmticos de adiantamento no autorizado na punio estatal.
145
48
evidente que as medidas cautelares penais devem ser expurgadas de todo teor punitivo, de
forma a subsistirem excepcionalmente frise-se como conteno emergencial da
conflituosidade social e preveno de maiores leses a bens jurdicos. Em segundo lugar,
seria pertinente supor um eventual contedo ressocializador ou reformador das medidas
cautelares, uma vez que, conforme j destaquei, estas no possuem teor penal manifesto.
Em se considerando, finalmente, que o sistema carcerrio nacional no apresenta, de
forma geral, as exigveis separaes entre condenados e presos provisrios e que as
normas nacionais e internacionais supem substancialmente a proteo pessoa humana
em face do poder de punir, no vejo motivos para no se considerarem as condies
concretas de funcionamento do sistema prisional quando da imposio das medidas
cautelares, sobretudo no que tange possibilidade de sua no aplicao ou revogao em
face do carter sempre aflitivo que assume a privao de liberdade no Brasil.
IV Concluses
100.
a)
Direitos Humanos (Pacto de So Jos da Costa Rica), possui prevalncia normativa sobre
as demais teleologias punitivas.
b)
intramuros, a pena de priso tem sua eficcia relativizada, uma vez que a reiterada
ocorrncia de delitos violentos implica falha no projeto preventivo especial; (ii) quanto ao
ambiente extramuros, a estada no crcere, ainda que, pelo menos teoricamente, pudesse
impedir o cometimento delitos, acaba contribuindo tambm para o aumento de
49
condenaes por trfico de drogas das mulheres e familiares do encarcerado. Seja como
for, ainda que a pena fosse eficaz para esse propsito, o Estado no pode se limitar ao
simples encarceramento, no se lhe confere o poder de conceber a priso (sentida e
entendida como ultima ratio) como um mero depsito de presos, tidos como indesejveis
ou inimigos do sistema, sem qualquer medida que os possa beneficiar. Nesse caso, estaria
violada a dignidade da pessoa humana.
c)
Podem ser distinguidos dois conceitos de pena: a pena ficta, isto , um valor
ambiente carcerrio local, o mesmo no se verifica com a pena real. Deve-se considerar,
ento, alm da cominao abstrata da pena e do limite mximo de sua individualizao,
relacionado aos conceitos de autonomia do sujeito e extenso da leso ao bem jurdico, o
50
valor dinmico que a pena assume com o passar do tempo e com a mudana nas
condies do ambiente carcerrio. Nessa esteira, entendo ser necessrio, em primeiro
lugar, levar em conta, na anlise do art. 59 do Cdigo Penal, essa circunstncia objetiva
das condies insalubres e degradantes da priso a que se destina o condenado para
diminuir-lhe ou mesmo suspender-lhe a pena. Em segundo lugar, j na fase de execuo,
em reviso criminal ou por meio do remdio do habeas corpus, comutar-lhe ou diminuirlhe a pena, em face de aplicao analgica do art. 66 do Cdigo Penal, quando essas
mesmas condies se verificarem no estabelecimento em que a esteja cumprindo. Em
terceiro lugar, em vista das precrias condies do sistema prisional brasileiro, tornar
factvel a relativizao dos requisitos objetivos para a progresso de regime, livramento
condicional, indulto ou comutao de penas, sadas temporrias ou ainda da punio
proveniente do cometimento de uma falta grave, bem como de outros incidentes da
execuo penal.
h)
Juarez Tavares
Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Visitante na
Universidade de Frankfurt am Main, na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Pablo DOlavide
(Sevilha). Professor Honorrio da Universidade de San Martn (Peru). Ps-doutor em Direito pela
Universidade de Frankfurt am Main. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Subprocurador-Geral da Repblica aposentado. Advogado (OAB/PR 3583; OAB/RJ 1352-A;OAB/DF n
39.209).
51