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CHOVE

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CHOVE. QUE FIZ EU DA VIDA?

Chove. Que fiz eu da vida?



Fiz o que ela fez de mim

De pensada, mal vivida

Triste de quem assim!




Numa angstia sem remdio

Tenho febre na alma, e, ao ser,

Tenho saudade, entre o tdio,

S do que nunca quis ter




Quem eu pudera ter sido,

Que dele? Entre dios pequenos

De mim, estou de mim partido.

Se ao menos chovesse menos!



ANLISE DO POEMA CHOVE. QUE FIZ EU DA VIDA?


O poema que se inicia com "Chove. Que fiz eu da vida?" um poema ortnimo de Fernando
Pessoa, datado de 23/10/1931. Trata-se, portanto, de um poema tardio do poeta.

O fim do ano de 1931 bastante complicado para Fernando Pessoa. Nos primeiros meses do
ano, por volta de Maro/Abril, ele acaba a segunda fase do namoro com Ophlia Queiroz e fica
definitivamente sozinho. Est j cansado e a sua vida de solido, consumo exagerado de lcool
e tabaco, afectam a sua sade de maneira cada vez mais marcada. um homem
precocemente envelhecido e e que sente que j nada o pode salvar.

O poema que analisamos agora bem representativo desta tristeza que invadia a vida do
poeta.


Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem assim!


A reflexo sobre o seu passado e sobre a sua vida uma das marcas principais da poesia
ortnima de Fernando Pessoa. Ele, na primeira estrofe do poema, olha para a natureza, para a
chuva, e compara-a sua prpria vida desolada. A chuva exterior encontra um paralelo numa
"chuva interior", numa tristeza interior, considerando que, para ele, a sua vida era, no
presente, um falhano completo. "Que fiz eu da vida?" pergunta ele. Devemos esclarecer que
Pessoa teria sonhos demasiado grandiosos para o que conseguiria alcanar. Sonhos de
influenciar os destinos do pas, da raa... mesmo da humanidade. E o que se concretizou disso
tudo em vida? Nada. A 4 anos da sua morte, o poeta sente com alguma razo que falhou
completamente aos seus sonhos de juventude.


Viveu uma vida em que no teve grande controlo sobre o que lhe ia acontecendo: "Fiz o que
ela fez de mim...". Podemos mesmo dizer que ele provavelmente pensava que tinha antes sido
vivido pela vida. Pensou sobre ela, planeou-a, mas viveu-a mal. E isso que o entristece.
"Triste de quem assim!", lamenta-se ele finalmente.


Numa angstia sem remdio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tdio,
S do que nunca quis ter...


Essa condio de falhado no tem "remdio". Porqu? Porque no se pode apagar toda uma
vida de fracassos, de sofrimento e de solido. Mesmo que nos 4 anos que lhe restassem
Pessoa subitamente por qualquer milagre conseguisse realizar tudo aquilo que desejava
realizar nos anos anteriores, nem isso conseguiria apagar o seu sentimento. Esta angstia
indefinida que um sentimento de algum que existe mas sem razo para existir porque
tudo o que desejava nunca se pode concretizar leva-o a uma condio estranha, um "ser
entre saudade e tdio". Saudade do que "nunca quis ter" e um tdio presente, porque nada
faz sentido, nada faz sentido porque nada se aproxima das suas ambies. Em resumo a sua
vida presente absurda e parece-nos que ele apenas espera pela morte, para que tudo acabe.
Nada mais h a esperar seno que tudo acabe.


Quem eu pudera ter sido,
Que dele? Entre dios pequenos
De mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!


A ltima estrofe j no traz nada de novo. Vemos que o poeta nos revela que o passado est
perdido o "outro eu", "o eu que pudera ter sido", no existe realmente ou se existe
apenas numa dimenso estranha e paralela, inalcanvel porque numa outra realidade apenas
imaginada. A realidade que ele est perdido desse outro eu, "partido", separado dele e de si
mesmo. O seu ltimo desejo por isso um desejo que ao menos lhe parece real e que poderia
apaziguar um pouco a sua tristeza que chovesse menos.

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