O documento discute a soberania de Deus. Em três pontos:
1) Deus tem autoridade, domínio e governo absolutos sobre todas as coisas, baseado na Sua unicidade e atividade criadora.
2) A soberania de Deus consiste no direito ao domínio e governo sobre todas as coisas, por ter criado tudo.
3) A soberania é exercida de forma soberana através do decreto divino, que é infalivelmente cumprido com eficiência onipotente.
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3) A soberania é exercida de forma soberana através do decreto divino, que é infalivelmente cumprido com eficiência onipotente.
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1) Deus tem autoridade, domínio e governo absolutos sobre todas as coisas, baseado na Sua unicidade e atividade criadora.
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1) Deus tem autoridade, domínio e governo absolutos sobre todas as coisas, baseado na Sua unicidade e atividade criadora.
2) A soberania de Deus consiste no direito ao domínio e governo sobre todas as coisas, por ter criado tudo.
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1 A Soberania de Deus
John Murray
Eu entendo a soberania de Deus como a autoridade, o domnio e o go- verno absolutos de Deus sobre toda a realidade distinta dEle mesmo, existente no mbito da natureza e da graa. um conceito que se refere Sua relao com os outros seres e com tudo o mais que existe. Trata- se, portanto, de um conceito de relao.
Se Deus detm e exercita esta autoridade, domnio e governo de modo absoluto, a pressuposio necessria para isso a Sua unicidade ou unidade. Este um fato sobre o qual as Escrituras oferecem testemu- nhos freqentes e numa grande variedade de contextos, uma vez que se trata de uma verdade que sustenta e determina toda a superestrutura da revelao divina.
Um exame destes testemunhos mostrar que a questo no se resume a uma mera supremacia, ou mesmo transcendncia, no mbito da Di- vindade. No como se houvesse uma tropa de divindades menores, acima das quais Deus supremo, demandando de ns, portanto, uma adorao e devoo tambm supremas. Em vez disso, trata-se de que Ele, sozinho, Deus. ...o Senhor Deus; nenhum outro h seno ele.... s o Senhor Deus, em cima no cu e embaixo na terra; no h nenhum outro (Dt 4:35, 39).Ouve, Israel; o Senhor nosso Deus o nico Senhor (Dt 6:4). Vede agora que eu, eu o sou, e no h outro deus alm de mim (Dt 32:39) ... tu mesmo, s tu s Deus de todos os reinos da terra (2Rs 19:15).
significativo que seja precisamente esta linha de testemunho do Anti- go Testamento a que recorre o Nosso Senhor ao responder questo, Qual o primeiro de todos os mandamentos? O primeiro : Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus o nico Senhor (Mc 12:29). E a conseqncia ne- cessria para ns que, Amars, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu corao, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as tuas foras (Mc 12:30). Ao Senhor teu Deus adorars, e s a ele servirs (Mt 4:10). O carter essencial da unicidade de Deus aparece, por exem- plo, na Epstola de Paulo aos Romanos, quando ela funciona como uma dobradia onde gira e se sustenta uma doutrina no menos importante que a da justificao pela f. porventura Deus somente dos judeus? No tambm dos gentios? Tambm dos gentios, certamente, se que Deus um s, que pela f h de justificar a circunciso, e tambm por meio da f a incircunciso (Rm 3:29-30). E, novamente, na Primeira E- pstola aos Corntios, o fundamento de que todavia para ns h um s Deus, o Pai, de quem so todas as coisas e para quem ns vivemos; e um s Senhor, Jesus Cristo, pelo qual existem todas as coisas, e por ele ns tambm (1Co 8:6) o primeiro princpio regulador da adorao.
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O conceito da soberania divina tambm pressupe o fato da criao, ou seja, a origem de todas as outras coisas pelo fiat de Deus. O momento em que admitimos a existncia de alguma coisa independente de Deus na derivao do seu ser, o momento em que tambm negamos a sobe- rania divina. Pois, mesmo que admitssemos que, agora ou em algum outro ponto, Deus assumiu ou ganhou o controle absoluto sobre algo, no momento em que aceitamos que este algo esteve fora de Seu fiat co- mo princpio e origem, e fora do Seu governo como causa da sua exis- tncia contnua, ento teremos destroado o carter absoluto da auto- ridade e do domnio divino. As Escrituras esto bastante conscientes deste fato, de modo que os seus testemunhos da atividade criadora de Deus sempre lhe atribuem um carter impregnante. Isto se ampara no apenas nuns poucos textos famosos ou importantes.
Talvez nenhum desses textos expresse isso de modo mais contundente que o salmo: Pela palavra do Senhor foram feitos os cus, e todo o exrci- to deles pelo sopro da sua boca (Sl 33:6). O importante que a Sua pa- lavra, ou o sopro de Deus sopro sendo o smbolo de Sua vontade po- derosa e criadora o antecedente, ou a causa prvia de tudo o que existe. Pois ele falou, e tudo se fez; ele mandou, e logo tudo apareceu (Sl 33:9). Este tipo de relato nos remete ao primeiro captulo de Gnesis, onde, em cerca de oito ocasies, os passos sucessivos do drama da cri- ao so introduzidos com a frmula, e Deus disse.
Deus fez o cu e a terra; pelo Seu sopro, os cus foram ornados; Ele es- tabeleceu os fundamentos da terra; pela Sua sabedoria, criou a terra; pelo Seu entendimento, estabeleceu os cus; Suas mos estenderam os cus e Ele comandava toda a tropa celestial; cu e terra foram feitos por Suas mos, e desse modo todas as coisas vieram a existir; Ele fez o mar e a terra rida; Ele o primeiro e o ltimo, o Alfa e o mega; Ele o princpio da criao; por Sua vontade, o cu e a terra foram criados e vieram a existir (2 Rs 19:15; J 26:13; 38:4; Pv. 3:19; Is. 42:5; 44:6; 45:12; 66:2; Jn 1:9; Ap. 1:8; 3:14; 4:8).
A religiosidade sobre a qual as Escrituras estabelecem a Sua autorida- de, a verdadeira religiosidade; e isto ns descobrimos repousa e sustentado, de modo suficiente, pelo reconhecimento do carter criador de Deus. O ato de se dirigir a Deus em adorao, orao e louvor come- a por este reconhecimento; o ato de se dirigir ao homem na lei e no evangelho tambm repousa nisso. A f que a substncia das coisas que esperamos, a evidncia das coisas que no vemos, a f atravs da qual uma multido de santos receberam em si mesmos o testemunho de que haviam se tornado justos, a f atravs da qual ... entendemos que os mundos foram criados pela palavra de Deus; de modo que o vis- vel no foi feito daquilo que se v (Hb 11:3). E quando Paulo fez seu ape- lo aos idlatras de Atenas, afirmando-lhes que Deus agora ordenava aos homens que eles deveriam, todos e em qualquer lugar, arrepender-se, ele iniciou sua mensagem dizendo, O Deus que fez o mundo e tudo o que
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3 nele h, sendo ele Senhor do cu e da terra, no habita em templos feitos por mos de homens (At 17:24).
Se a soberania de Deus repousa na Sua unicidade e na Sua atividade criadora, pode se dizer que ela consiste, antes de tudo, no direito ao domnio e ao governo sobre tudo o que existe, traduzindo, desse modo, a Sua posse sobre o universo. O Salmo emite esta observao, de forma sucinta. Do Senhor a terra e a sua plenitude (Sl 24:1). Os profetas fa- zem o mesmo quando afirmam que Ele o Deus toda a terra e que o Altssimo tem domnio sobre o reino dos homens, e o d a quem quer.(Is 54:5; Dn 4:17;25). Na frmula de Melquisedeque e de Abrao, Ele o dono do cu e da terra (Gen. 14:19, 22), e, nas palavras de Paulo, por- que nele vivemos, e nos movemos, e existimos (At 17:28).
Em segundo lugar, a soberania, enquanto posse e direito a domnio, alcana no governo a sua forma completa e eficiente. Como tal, ela (1) exercida soberanamente, de acordo com o decreto antecedente. O que Deus decreta, encontra-se infalivelmente determinado e efetuado. Por- ventura no ouviste que j h muito tempo determinei isto, e j desde os dias antigos o planejei? Agora, porm, o executei, para que fosses tu que reduzisses as cidades fortificadas a montes desertos (2Rs 19:25). Como pensei, assim suceder, e como determinei, assim se efetuar (Is 14:24). O meu conselho subsistir, e farei toda a minha vontade (Is 46:10). Nas palavras de J: Mas ele est resolvido; quem ento pode desvi-lo? E o que ele quiser, isso far. Pois cumprir o que est ordenado a meu res- peito, e muitas coisas como estas ainda tem consigo (J 23:13-14). Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus propsitos pode ser impe- dido (J 42:2). Porque o conselho do Senhor permanece para sempre, e os intentos do seu corao por todas as geraes, que Ele faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade (Sl 33:11; Ef 1:11).
Seu decreto propositivo no afirmado apenas positivamente, mas tambm negativamente. Nenhum de Seus propsitos pode ser restringi- do e todo propsito da criatura que lhe contrrio, deve ser frustrado. Pois o Senhor dos exrcitos o determinou, e quem o invalidar? A sua mo estendida est, e quem a far voltar atrs? (Is 14:27). O Senhor desfaz o conselho das naes, anula os intentos dos povos (Sl 33:10). ... e segundo a sua vontade ele opera no exrcito do cu e entre os morado- res da terra; no h quem lhe possa deter a mo, nem lhe dizer: Que fa- zes? (Dn 4:35).
Alcanando a sua forma mais completa e eficiente quando exercida co- mo governo, a soberania (2) levada a cabo com uma eficincia onipo- tente e indestrutvel. A poderosa mo de Deus que executa a Sua von- tade. Ele o grande, o poderoso, o terrvel. Ele cavalga nos cus e, en- quanto Rei, tambm nos firmamentos. No h quem possa escapar de Sua mo, pois Ele frustra os maquinaes do esperto, e, ante Ele, o conselho dos perversos se precipita. No h sabedoria, nem entendi- mento, nem conselho contra Ele. Ningum pode segurar Suas mos e
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4 Lhe dizer: Que fazes?, pois o poder humano como o dos Egpcios, e eles so homens e no Deus, e seus cavalos so carne e no esprito (Deut. 10:17; J 5:12-13; 12:10; Pv 21:30; Dan. 4:35; Isa. 31:3).
Trata-se de uma soberania (3) totalmente impregnante. Esta impreg- nncia absoluta repousa na Sua onipresena. Para onde me irei do teu Esprito, ou para onde fugirei da tua presena? Se subir ao cu, tu a es- ts; se fizer no Seol a minha cama, eis que tu ali ests tambm. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar, ainda ali a tua mo me guiar e a tua destra me suster. (Sl 139:7-10).
Ns podemos ilustrar esta impregnncia absoluta com os trs modos como as Escrituras apresentam a soberania de Deus:
(a) Relacionando-a aos eventos da providncia ordinria. Deus quem derrama chuva sobre a terra e envia gua aos campos. Ele faz com que Seu sol brilhe tanto sobre o mau como sobre o bom, e envia chuva para o justo como para o injusto. Ele veste o campo de grama, fazendo com que ela cresa para alimentar o gado, assim como o faz com a verdura para alimentar o homem. Ele alimenta os pssaros do cu. Nem um pardal cai ao cho sem o Seu conhecimento e vontade. Ele nos d o po de cada dia. Ele d o vinho que alegra o corao do homem, o leo que faz a sua face brilhar, e o po que fortalece o seu corao. Ele coroa os nossos anos com bondade e a nossa vida com fartura. Ele d at mes- mo aquilo que se gasta abusivamente, ou utilizado para atender a ou- tro deus. Ele d o gro, o vinho, o leo, a prata e o ouro em abundncia coisas que os israelitas usavam em favor de Baal. Ele faz do vento Seus mensageiros e das chamas de fogo Seus ministros. Toda a terra est cheia de Sua glria. De tal modo isso verdade, que uma contem- plao piedosa de Suas obras ocasiona exclamaes de admirao como esta: Senhor, incontveis so as Tuas obras! Com sabedoria fizeste todas elas; a terra est cheia de tuas riquezas (J 5:10; Mt 5:45, 6:26 6:11, 10:29; Sl 65:11, 104:4, 104:14-15, 104:24, Os 2:8).
(b) Relacionando-a disposio das autoridades terrenas. Ele sozinho o Deus de todos os reinos da terra. Ele remove e estabelece reis, pois, como o Todo Poderoso, Ele domina o reino dos homens e o d a quem quer. Ele coloca no trono at o mais fraco dos homens. Ele quem d, at mesmo queles que no O temem, o reino, o poder, a fora e a gl- ria. Ele tanto derruba um trono, como destri a fora dos reis. (Is 37:16; Dn. 4:32,35; 5:18, 21; Ag 2:22).
A prpria diviso do reino de Israel, cheia de conseqncias desastrosas para a verdadeira adorao a Jeov, ainda assim foi algo provocado pelo Senhor, fazendo cumprir o que estabelecia a Sua palavra (1Reis 12:15). Assim diz o Senhor: No subireis, nem pelejareis contra vossos irmos, os filhos de Israel; volte cada um para a sua casa, porque de mim proveio isto (1Rs 12:24). Pois Ele ordena reis para o julgamento e estabelece-os para a correo, de modo que a Assria se torna a vara da sua clera,
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5 cujo bordo corresponde divina indignao para executar o julgamen- to sobre o Monte Sio e Jerusalm (Hc 1:12; Is 10:5, 12).
No se trata simplesmente, portanto, de que os poderes do governo civil estejam ordenados por Deus para serem ministros da equidade, do bem e da paz, ou para a punio daqueles que praticam o mal e para o lou- vor dos que fazem o bem (Rm 13:3; I Pe 2:14), mas tambm verdade que governos corruptos e ilegtimos, que violam os mais bsicos princ- pios do bom governo, encontram-se sob o comando de Deus e preen- chem Seu propsito soberano. Na perpetrao da iniqidade, contudo, eles enchem a taa da indignao divina. Por isso acontecer que, ha- vendo o Senhor acabado toda a sua obra no monte Sio e em Jerusalm, ento castigar o rei da Assria pela arrogncia do seu corao e a pom- ba da altivez dos seus olhos (Is 10:12).
(c) Relacionando-a ao bem e ao mal, de modo que at mesmo os peca- dos dos homens ocorrem no escopo do Seu governo e da Sua providn- cia. Ora, pergunta o oprimido e aflito J, desprovido de seus bens e afli- gido por bolhas dolorosas desde a sola dos ps at a cabea, recebemos de Deus o bem, e no receberemos o mal? (J 2:10). Pois, com Deus, ele torna a afirmar, est a sabedoria e a fora; ele tem conselho e entendi- mento. Eis que ele derriba, e no se pode reedificar; ele encerra na pri- so, e no se pode abrir (J 12:13-14). Ele forma a luz e cria as trevas; Ele faz a paz e cria o mal. Ele mata e d vida; Ele fere e Ele sara (Is 45:7; Dt 32:39). O Senhor fez tudo para um fim; sim, at o mpio para o dia do mal (Pv 16:4). Suceder qualquer mal cidade, sem que o Senhor o tenha feito? (Am 3:6).
Eu no estou alheio s questes graves que se derivam destes pronun- ciamentos das Escrituras. Mas, em que pese no me propor a abord- las em detalhe, considero necessrio afirmar que o ensino das Escritu- ras sobre a soberania divina requer que reconheamos, com Calvino, que todos os eventos so governados pelo conselho secreto e direciona- dos pela mo presente de Deus, bem como que a onipotncia de Deus no v, ou uma investidura intil de potncia, mas vigilante, eficaz e operativa ao mximo, um poder constantemente exercido em cada mo- vimento particular e distinto (Inst. I, xvi. 3). Donde ns afirmamos que, no apenas o cu e a terra, e as criaturas inanimadas, mas tam- bm as deliberaes e volies dos homens, so governadas por Sua providncia, de modo a se direcionarem para o fim apontado por ela (Inst. I, xvi. 8).
Os problemas levantados atingem o seu pice naquelas instncias onde a agncia de Deus afirmada em conexo com aquilo que no apenas mal no sentido genrico, mas tambm no sentido especfico de pecado e erro. Concordo novamente com Calvino quando ele afirma que nada pode ser mais explcito do que Suas freqentes declaraes de que Ele cega as mentes dos homens, golpeia-os com vertigem, inebria-os com os esprito do sono, enche-os de paixo cega, e endurece os seus cora-
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6 es. Muitas pessoas afirmam que estas passagens referem-se a per- misso, como se, ao abandonar o reprovado, Deus permitisse que eles fossem cegos por Sat. Mas esta soluo muito frvola, uma vez que o Esprito Santo expressamente declara que esta cegueira infligida pelo correto julgamento de Deus. Deus quem as Escrituras dizem, ter causado a teimosia do corao do Fara, como tambm a agravado e confirmado. Muitos fogem da fora destas expresses com uma contes- tao tola afirmando que, desde que o prprio Fara, em outro trecho das Escrituras, referido como tendo endurecido o seu prprio corao, ento, a sua prpria vontade deve ser considerada a causa de sua tei- mosia. Como se estas duas coisas fossem inteiramente incompatveis entre si: que o homem seja ativado por Deus, e, ao mesmo tempo, seja ativo, ele prprio! Porm eu lhes respondo com a sua prpria objeo: pois se endurecer denota uma simples permisso, o Fara tambm no poderia ser a causa da sua teimosia. Neste caso, como seria fraca e in- spida uma interpretao que apresentasse o Fara apenas permitindo a si prprio ser endurecido! Alm disso, as Escrituras no do espao para este tipo de argumento. Deus afirma, Eu endurecerei seu cora- o (Inst. I. xviii. 2).
Nesta conexo, vale a pena observar que o profeta foi levado a dirigir-se ao povo, dizendo-lhe, Ouvis, de fato, e no entendeis, e vedes, em ver- dade, mas no percebeis. Engorda o corao deste povo, e endurece-lhe os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; para que ele no veja com os olhos, e oua com os ouvidos, e entenda com o corao, e se converta, e seja sa- rado (Is 6:9-10). Nos Evangelhos e nos Atos dos Apstolos, ns temos aluses a esta parte da profecia de Isaas (veja Mt 13:14-15; Jo 12:40; At 28:26-27). Em Mateus e nos Atos, a cegueira dos olhos apresenta- da como uma cegueira provocada pelas pessoas nos seus prprios o- lhos; em Joo, ela apresentada como uma cegueira provocada por Deus. Esta variao serve para nos lembrar que uma inflio positiva da parte de Deus no deve ser abstrada da condio pecaminosa do corao, da perversidade moral e da ao responsvel daqueles que es- to sujeitos retribuio divina. Paulo nos diz, quanto aos homens que no receberem o amor da verdade que poderia salv-los, que, por isso Deus lhes envia a operao do erro, para que creiam na mentira; para que sejam julgados todos os que no creram na verdade, antes tiveram prazer na injustia (1Ts 2:11:12; 1Rs 22:19:23). Mas, embora no pos- samos abstrair a inflio divina da situao moral daqueles que se en- contram sob tal condio, ainda assim devemos reconhecer francamen- te a realidade da ao de Deus e a soberania da Sua agncia. Portanto, tem misericrdia de quem quer, e a quem quer endurece (Rm 9:18).
Talvez nos sejam mais familiares, nesta questo da agncia divina em sua relao com o mal, os textos de Atos 2:23 e 4:28, onde o maior cri- me da histria humana associado a determinado conselho e prescin- cia de Deus. A conspirao armada contra Jesus por Herodes, Pilatos com seus gentios, e o povo de Israel, aquela mesma que o conselho e a mo divina preordenaram que acontecesse.
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Ns estamos tentando mostrar, de modo bastante resumido, algumas das maneiras pelas quais o testemunho das Escrituras atesta o carter totalmente impregnante da soberania de Deus. Quando ns encontra- mos esta soberania se expressando, do modo mais inequvoco, at mesmo naqueles atos dos agentes subordinados onde a responsabilida- de moral se encontra mais intensamente ativa na perpetrao do erro, ns dificilmente poderemos ir mais longe para demonstrar a totalidade da sua abrangncia.
Neste ponto, ns devemos sempre nos lembrar que Deus no contrai nenhuma corrupo ou criminalidade da sua agncia. Ele justo em todos os Seus caminhos e santo em todas as Suas obras. Enquanto tu- do o que ocorre no universo de Deus encontra contrapartida, como diz B. B. Warfield, na Sua ordenao positiva e cooperao ativa, ainda assim, a qualidade moral de uma ao, considerada em si mesma, est enraizada no carter moral do agente subordinado, agindo, a cada mo- mento, sob circunstncias e motivos operativos (Biblical Doctrines, p. 20). Deus no o autor do pecado. O pecado abraado pela Sua pre- ordenao decretiva, e levado a cabo na Sua providncia. Mas abra- ado pelo Seu decreto e efetuado na Sua providncia de tal modo a ga- rantir que a responsabilidade e a culpa se unam aos perpetradores do erro, e apenas a eles.
E novamente nos vem com fora renovada a significncia, e at mesmo a preciosidade, desta verdade segundo a qual um mistrio inescrutvel cerca o trabalho divino. Assim como tu no sabes qual o caminho do ven- to, nem como se formam os ossos no ventre da que est grvida, assim tambm no sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas (Ec 11:5). Quanto a isto, no podemos racionalizar, nem podemos repousar no seu conhecimento para compreender. Ns apenas nos curvamos num estado de humilhao e ignorncia inteligente, e reiteramos, Poders descobrir as coisas profundas de Deus, ou descobrir perfeitamente o To- do-Poderoso? Como as alturas do cu a sua sabedoria; que poders tu fazer? Mais profunda ela do que o Seol; que poders tu saber? Mais comprida a sua medida do que a terra, e mais larga do que o mar (J 11:7-9). Seu caminho est no mar e sua vereda nas guas profundas. Suas pegadas no so conhecidas. (Sl 77:19). Nuvens e trevas no nos deixam aproximar dEle. E ainda assim, de acordo com a Sua santidade, as Escrituras nunca nos permitem esquecer que a justia e o juzo so a habitao do Seu trono (Sl 89:14).
A soberania de Deus , de modo nico e peculiar, exemplificada na elei- o para a graa salvadora. No Antigo Testamento, um dos mais signifi- cativos episdios a revelao do nome redentor de Jehovah. Tem ha- vido muitas tentativas de interpretar o significado exato deste nome. A mais antiga, que o v como uma expresso da auto-determinao, da independncia (no plano da salvao), da soberania de Deus, parece a mais aceitvel e defensvel. Ela encontra a chave para o significado do
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8 nome na frmula, Eu sou o que sou (Ex 3:14). Em tudo o que Deus faz para o Seu povo, a Sua determinao parte de dentro dEle mesmo. Pa- rafraseada, a frmula diria o seguinte, O que Eu sou e o que Eu serei em relao ao Meu povo, Eu sou e serei em virtude do que Eu mesmo sou. A rationale de minhas aes e relaes, promessas e propsitos, est dentro de Mim mesmo, na Minha vontade livre e auto- determinante.
Correlacionada a esta soberania na escolha e salvao de Seu povo, en- contra-se a fidelidade e constncia de Deus. De modo consistente, Ele persegue as determinaes que procedem dEle mesmo, o que garante a estabilidade e a persistncia das Suas promessas e propsitos pactuais. Pois eu, o Senhor, no mudo; por isso vs, filhos de Jac, no sois con- sumidos (Ml 3:6).
Talvez a tentativa mais plausvel e sutil de eliminar a soberania de Deus na eleio para a graa salvadora a interpretao da expresso co- nhecimento prvio no sentido diludo de prescincia ou previso, como o antecedente da predestinao na sequncia do pensamento divino. O locus classicus deste argumento Rm 8:29. Argumenta-se que o co- nhecimento prvio ali referido trata-se de uma viso antecipada da f, ou, mais compreensivelmente, a viso antecipada de Deus quanto ao atendimento por parte do homem das condies para a salvao. Aque- les que Ele conheceu antecipadamente, portanto, seriam aqueles que Ele previu com certeza que preencheriam as condies para a salvao.
Acredita-se que esta abordagem remove a razo para a discriminao entre os homens (no mbito da salvao), de um ato soberano e preor- denado da parte de Deus para uma escolha soberana da parte do ho- mem. Em relao concepo pelagiana ou arminiana sobre a origem da f, deve ser entendido que no faz grande diferena se esta origem est relacionada ao decreto eterno de Deus. A questo, na realidade, outra: qual o fator crucial e determinante na predestinao para a vi- da? Seria um ato soberano da parte de Deus ou um exerccio de vonta- de da parte do homem? Uma vez que o decreto predestinador de Deus tornado contingente da previso de um ato ou uma deciso autnoma da parte do homem, ento, a ao da parte do homem que conta para a preordenao discriminadora da parte de Deus. E assim, a soberania de Deus na eleio para a vida eliminada no seu ponto crucial. Faz-se com que a predestinao repouse numa condio que reside ou pre- enchida pelo homem.
Se, pela segurana do argumento, ns fssemos adotar esta interpreta- o diluda da expresso conhecer antecipadamente em Rm 8:29, nem por isso ns concluiramos de pronto que a chamada exegese particula- rista teria que ser abandonada e a soberania absoluta de Deus, na questo da eleio para a vida, deveria ser eliminada. Se ns dizemos que a expresso conhecer antecipadamente, em Rm 8:29, refere-se a quem Ele previu como crentes e perseverantes, isto no significa que
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9 tenhamos encerrado o assunto, pois ns somos compelidos a fazer uma outra pergunta: De onde vem esta f que Deus prev?
A resposta que as prprias Escrituras sustentam, que a f, ela pr- pria, um dom de Deus no, certamente, um presente no sentido mecnico, mas um presente no sentido de ser graciosamente forjada no homem pela operao e iluminao do Esprito (veja, p.e., Jo 3:3-8; 6:44, 45, 65; Ef 2:8; Fp 1:29). Uma vez, portanto, que a f dada para alguns e negada a outros, sendo aqueles to insignificantes quanto es- tes, a razo ltima que Deus se agrada, pois, em operar em alguns e no em outros. A previso divina da f, portanto, deveria pressupor um decreto antecedente da parte de Deus para operar esta f em alguns e no em outros. A previso da f teria como pressuposto lgico a deter- minao soberana de conceder esta f. E assim, at mesmo a previso, num conceito bblico de origem da f, nos lanaria de volta determi- nao soberana da parte de Deus.
Esta exegese, entretanto, apesar de verdadeiramente no constituir uma alternativa vlida para a compreenso da soberania de Deus no decreto da salvao, deve ser abandonada tambm pelas seguintes ra- zes:
(1) extremamente improvvel que Paulo, encontrando a origem da nossa salvao na mente e na vontade de Deus, tivesse omitido refern- cia ao decreto gerador, ou seja, o decreto que opera a f.
(2) De acordo com os ensinos da Escrituras, em geral, e de Paulo, em particular, a f encontra-se includa ou associada expresso e , na passagem em questo, corresponde a uma conseqncia do conhecimento prvio e da predestinao. E, sendo uma conseqncia, no pode ser tambm uma condio para a predestinao. Esta consi- derao confirmada pelo versculo 28: todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que so chamados segundo o seu propsito. Se chamados segundo o Seu propsito, o propsito anterior ao chamado, e se a f se encontra incorporada ou associada ao chamado, este propsito no pode ser condicionado pela f.
(3) Esta exegese est em conflito com o que se conhece como o fim da predestinao a conformidade com a imagem do Filho. Conformidade desse tipo claramente significa semelhana com Cristo em todos os as- pectos. Conformidade com a imagem do Filho, sem dvida, aponta para a perfeio ltima a que o eleito dever chegar. Se assim, ento, todo o processo atravs do qual esta conformidade assegurada e realizada, deve estar subordinado a este fim. Em outras palavras, o fim clara- mente anterior, na ordem de pensamento, ao processo atravs do qual ele deva ser atingido. Mas o processo pelo qual o fim deva ser atingido, inclui a f e a perseverana. A f no pode, pois, ser o antecedente lgi- co da predestinao; ao contrrio, a predestinao que o anteceden- te lgico da f, mesmo que a f se encontre prevista por Deus no Seu
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10 conselho eterno. Isto equivale a dizer, na ordem do pensamento divino, que a f conseqente ao propsito de conformidade com a imagem do Filho. Para que a f fosse anterior predestinao, o conhecimento prvio relevante teria que ser um conhecimento prvio da f.
A f, portanto, encontra-se a dois blocos do conhecimento prvio, na ordem do pensamento divino dois blocos posteriores, e no anteriores; dois blocos na ordem da conseqncia, e no da causao.
(4) Esta ltima linha de interpretao est de acordo com os demais ensinamentos de Paulo e, particularmente, com aquela passagem que, mais que qualquer outra, trata deste assunto. Estamos nos referindo a Ef 1:
(a) L, Paulo afirma que Deus nos escolheu em Cristo antes da funda- o do mundo, para sermos santos e irrepreensveis diante dele em a- mor; e nos predestinou para sermos filhos de adoo por Jesus Cristo, para si mesmo (Ef 1:4) Os eleitos so escolhidos para a santidade; no amor divino, so predestinados para a adoo.
(b) Esta eleio e predestinao so para o agrado da Sua vontade, en- contrando-se de acordo com o objetivo dAquele que opera todas as coi- sas conforme o propsito da Sua vontade. Paulo, deve-se observar, a- montoa expresses quase at ao ponto em que poderia haver, numa leitura superficial, uma considervel redundncia, de modo a enfatizar a determinao soberana da vontade e do propsito divinos:
[Ef 1:11]. Encontrar o fator determinante desta pre- destinao numa deciso humana, seria destruir toda a inteno de Paulo na sua eloqente multiplicao de termos.
(c) A escolha em Cristo e a conseqente unio com Ele, o antecedente ou o fundamento de todas as bnos concedidas. no amado que ns fomos abundantemente favorecidos com a graa (vs. 6); nEle que te- mos a redeno, o perdo dos pecados de acordo com as riquezas da Sua graa (vs.7); em Cristo que se props, tornar conhecido o mistrio da Sua vontade (vs. 9); nEle que todas as coisas, no cu e na terra, sero reunidas (vs. 10); nele que somos chamados (vs.11); nEle que os efsios, quando ouviram e creram na palavra da verdade, foram se- lados com o Esprito Santo da promessa (vss. 13, 14). obvio que este mesmo exerccio de graa graa de f e de perseverana correspon- de a uma graa exercida na esfera e na base da unio com Cristo, e as- sim, a unio com Cristo, que tem sua gnese na escolha de Cristo antes da fundao do mundo, deve ser considerada anterior e base para esta graa, e no, como nos indicaria o caminho da prescincia, a sua causa condicionante.
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11 Se a exegese que conduz a expresso conhecer antecipadamente para o sentido diludo de prescincia ou previso, no aceitvel, qual ento, podemos perguntar, o significado da expresso? A resposta, dada re- petidamente pelos mais competentes comentaristas, no difcil de en- contrar. As palavras ydh, em hebreu, e , em grego, so usa- das muito freqentemente num sentido de gestao, ou seja, com um sentido mais amplo do que o de meramente observar ou tomar conhe- cimento de um fato. Muito freqentemente, significa prestar ateno em, levar em considerao, conhecer com particular interesse, pra- zer, afeio e at mesmo ao. De fato, um sinnimo prtico de a- mar ou colocar afeio sobre. O termo , como observa Sanday, desloca a nfase deste prestar ateno do ato histrico no tempo para o conselho eterno, que o expressa e executa (Comm., in loco). De modo que deveramos parafrasear dizendo, Aqueles que Ele amou antecipadamente.
Este sentido impregnante da palavra encontra-se de acordo com as con- sideraes contextuais. Em qualquer outro elo desta corrente dourada da salvao, como conhecida, est se falando de uma atividade divi- na. Deus encontra-se intensamente ativo em todos as outras etapas. Deus Quem predestina; Deus Quem chama; Deus Quem justifica; Deus Quem glorifica. Estaria em desacordo com tal nfase, um enfra- quecimento no ponto menos indicado para isto, tornando o ato gerador de Deus menos ativo e determinante. A idia de previso carrega bem menos do carter ativo e bem mais do carter passivo que a nfase mo- nergstica desta passagem bblica parece requerer. No se trata da pre- viso de uma diferena, mas de um conhecimento prvio que leva esta diferena a existir. No se trata simplesmente de reconhecer uma exis- tncia; trata-se da determinao desta existncia. A passagem bblica expressa o carter determinante do conselho da vontade de Deus em relao queles que so seus objetos. Trata-se de um amor que sobera- namente distingue o seu objeto.
Se este o sentido, uma nova questo pode ser levantada: Qual a dife- rena entre conhecimento prvio e predestinao no texto em ques- to? Sim, porque, aps tudo isso, alguma diferena deve haver. A dis- tino existe e simples e significante. Conhecimento prvio o esta- belecimento de uma afeio conhecedora e amorosa (com aqueles que so objetos da relao). O foco da ateno o amor de Deus. Mas nada declara, em si mesmo, sobre o destino especfico a que sero conduzi- dos os objetos deste amor. O que, por outro lado, exatamente o que faz a predestinao. Ela nos revela o destino elevado e abenoado para o qual os objetos deste amor peculiar e distintivo so designados. E, fazendo assim, revela tambm a grandeza do amor de Deus. um amor de tal natureza que designa os escolhidos para a conformidade com a imagem dEle, o Filho eterno e unignito.
Quando ns nos perguntamos sobre a razo deste amor que impregna o conhecimento prvio, ou buscamos uma explicao para a grandeza e
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12 a segurana que a predestinao expressa, ns somos confrontados, de modo nico, com a magnificncia da soberania divina. Trata-se de um amor de acordo com o conselho da vontade divina. Sua razo est guar- dada no mistrio do Seu agrado. Ns somos lanados face a face com um fundamento da revelao divina e, portanto, um fundamento do pensamento humano. Este amor no algo que possamos racionalizar, ou mesmo analisar. Na sua presena, ns estamos, mais que em qual- quer outro estado, subjugados pela conscincia da soberania divina. Ns estamos golpeados pelo assombro. um amor impressionante, i- nexplicvel. Mas para a f, uma realidade que compele mais profun- da e mais elevada adorao. Trata-se de um amor cujo louvor a eterni- dade jamais ir exaurir. Nisto est o amor: no em que ns tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a ns, e enviou seu Filho como propiciao pelos nossos pecados (1Jo 4:10). profundidade das rique- zas, tanto da sabedoria, como da cincia de Deus! Quo insondveis so os seus juzos, e quo inescrutveis os seus caminhos! Pois, quem jamais conheceu a mente do Senhor? ou quem se fez seu conselheiro? Ou quem lhe deu primeiro a ele, para que lhe seja recompensado? Porque dele, e por ele, e para ele, so todas as coisas; glria, pois, a ele eternamente. Amm. (Rm 11:33-36).