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O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto — Crônicas
O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto — Crônicas
O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto — Crônicas
E-book233 páginas2 horas

O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto — Crônicas

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Sobre este e-book

 Considerado por alguns o criador da crônica social moderna, Paulo Barreto escreveu milhares de textos, publicados ao longo de pouco mais de duas décadas em diversos periódicos. Entre os pseudônimos que usava, um deles se tornou mais conhecido: João do Rio, cuja identidade se confundia com a da cidade que retratou. 
 Do fim do século  XIX  até as primeiras décadas do século XX, o Rio de Janeiro passava por uma série de transformações associadas à implantação da modernidade e à consolidação do capitalismo no Brasil. Políticas que visavam ao saneamento e ao embelezamento urbano pretendiam romper com características da cidade colonial, aproximando-a das grandes capitais europeias. Ao mesmo tempo, tentava-se impor novos hábitos e costumes à população, com o objetivo de substituir antigas tradições e manifestações da cultura popular, vistas como marcas de primitivismo e barbárie. Essas mudanças modificaram significativamente aspectos físicos e simbólicos da cidade.  
 Atento ao cotidiano e aos personagens da metrópole, Barreto foi observador sagaz desse processo excludente e pleno de contradições. Também ele contraditório e multifacetado, o cronista assumiu posturas que oscilavam entre a adesão e a rejeição a esse projeto modernizador. 
 O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto   reúne 31 crônicas inéditas em livro, escritas entre 1903 e 1918. Assinados por João do Rio,  x ., Joe, José Antonio José e Paulo José, os textos foram selecionados pela historiadora Juliana Bulgarelli e oferecem, em conjunto, uma rica interpretação da dinâmica e das características da vida moderna que se consolidava e de diferentes representações da modernidade. 
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de set. de 2024
ISBN9786580341344
O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto — Crônicas

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    O fim do maxixe - Paulo Barreto

    capafolha de rosto

    Sumário

    Capa

    Folha de rosto

    Sumário

    Apresentação

    O fim do maxixe

    A vida cotidiana

    Rio de Janeiro: a cidade janeleira

    Diálogo no bond

    A questão palpitante

    A polêmica do divórcio

    O telefone

    No mundo do trabalho

    A cidade em dia de greve

    As barraquinhas de Sant’Anna

    Imigração

    A propósito da greve

    A origem das greves

    A vida vertiginosa: nos momentos de lazer

    Os banhos de mar

    Santa Roleta — Confissões de um ponto

    O fim do maxixe

    E a diversão continua: festas e festividades

    Afoxé

    Natal

    Durante o Carnaval

    O fim do Carnaval

    Através da semana

    O fim das tradições

    Entre vestes e vestidos

    A elegância masculina

    O capítulo dos chapéus no teatro

    Impertinências de um professor de chic

    O projeto dos pés descalços

    Ao ouvido da senhora exagero…

    Penteados

    Um olhar sobre as contradições

    A miséria cínica

    A linha da sorte

    Mendigos e mordedores

    A guerra na Europa

    Os cariocas e o conflito europeu

    Quem lançará a nova moda?

    Patriotismo

    Posfácio

    Notas

    Fontes e bibliografia

    Créditos das ilustrações

    Créditos

    Landmarks

    Cover

    Body Matter

    Table of Contents

    Copyright Page

    Apresentação

    Em 10 de maio de 1910, João Paulo Alberto Coelho Barreto,[1] ou Paulo Barreto, foi eleito para a cadeira 26 da Academia Brasileira de Letras. Depois de duas candidaturas fracassadas, o escritor, que, à época, tinha apenas 29 anos, tornava-se um imortal. A cerimônia de posse, que aconteceu três meses mais tarde, foi marcada por vários acontecimentos singulares. Todas as famílias tradicionais da cidade, ministros de Estado e até o presidente da República estavam presentes. A solenidade, tradicionalmente discreta, transformou-se em um grande evento social.[2] Depois de um breve discurso do secretário-geral da instituição, Paulo Barreto entrou no salão vestindo o fardão oficial, que acabara de ser instituído. Algumas moças jogavam pétalas de rosas no homenageado.[3] No preâmbulo do discurso de posse, o autor reverenciou o predecessor, o poeta Guimarães Passos, e em seguida discorreu sobre sua concepção de arte literária e seu papel como escritor em um contexto intelectual afetado pelas transformações sociais e pelas iniciativas modernizadoras associadas à abolição da escravidão e à proclamação da República. De acordo com ele, naquele momento cabia ao escritor ser um espectador que procura fixar, por meio de sua arte, as transformações de hábitos e costumes da população, assim como refletir sobre o desejo de progresso que dominava certos setores da sociedade brasileira.[4] A multidão aplaudiu entusiasmada.[5]

    Ao longo de uma carreira que durou 22 anos, Paulo Barreto publicou quase diariamente em vários periódicos do país. Seus contos, crônicas, romances e peças de teatro eram em geral assinados pelos pseudônimos Claude, Paulo José, Joe, José Antonio José, x., Máscara Negra e, o mais conhecido deles, João do Rio. Barreto escreveu alguns milhares de textos para a imprensa e publicou diversos livros que rapidamente se tornaram objeto de análise de grandes nomes da crítica literária das primeiras décadas do século xx. No conjunto de sua obra, ficção e realidade caminham juntas e retratam um momento de intensas transformações socioeconômicas, associadas ao processo de implantação da modernidade e de consolidação do capitalismo no Brasil.

    Uma parte importante desses textos encontra-se apenas em acervos de jornais e revistas espalhados pelo país e, portanto, permanece inédita em livro. Nesta coletânea, resgataram-se 31 crônicas,[6] originalmente publicadas entre 1903 e 1918 nos seguintes periódicos: Gazeta de Notícias, A Notícia, O Paiz, A Rua e Revista da Semana, assinadas pelos pseudônimos João do Rio, x., Joe, José Antonio José e Paulo José. Algumas ocupavam lugar de destaque, integrando seções regulares como A Cidade, A Vida da Cidade, Cinematógrafo, À Margem do Dia, A Semana Elegante, O Instante, Os Dias Passam... e A Pobre Gente. Outras, dispersas, apareciam ao sabor dos acontecimentos da semana. Paulo Barreto, como cronista do cotidiano, saía à procura de novidades nas ruas, nos teatros, nos salões, e sua produção abrange uma variada gama de temas. Esta coletânea busca ser representativa dessa multiplicidade temática.

    Todos os textos foram transcritos por mim, a partir dos impressos disponíveis no arquivo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, listados na bibliografia. Contei com o auxílio do Catálogo bibliográfico produzido por João Carlos Rodrigues, que, por apresentar um levantamento minucioso da obra de Paulo Barreto, possibilitou que as crônicas fossem encontradas com maior facilidade. Do ponto de vista editorial, não se alteraram as formas originais dos textos, que foram apenas submetidos à atualização ortográfica, conservando-se no entanto palavras aparentemente inventadas, estrangeirismos e expressões e palavras estrangeiras, marcas da escrita do autor. A sintaxe original foi mantida. Vírgulas foram inseridas somente quando se mostraram indispensáveis à compreensão do texto. Foram corrigidos os erros evidentes de revisão e impressão.

    Juliana Bulgarelli

    O fim do maxixe

    joão do rio e outros pseudônimos de paulo barreto

    A verdade é uma necessidade de que ninguém faz uso. Não há propriamente verdade, fator positivo, há um infinito desdobrar de ilusões que no suceder das épocas temos por verdades, aliás mais ou menos relativas […]. O mundo é uma admirável construção de interpretações apenas.

    joão do rio[1]

    [crédito 1]

    a vida cotidiana

    Este livro, como quantos venho publicando, tem a preocupação do momento […]. O seu desejo ou sua vaidade é trazer uma contribuição de análise à época contemporânea, suscitando um pouco de interesse histórico sob o mais curioso período da nossa história social que é o da transformação atual dos usos, costumes e ideias. Do estudo dos homens, das multidões, dos vícios e das aspirações resulta a fisionomia característica de um povo.

    joão do rio[2]

    Rio de Janeiro: a cidade janeleira

    Já não sei qual foi o viajante que deu ao Rio de Janeiro o apelido de cidade janeleira. Fosse quem fosse, era um homem observador e inteligente, que sabia ver e apelidar.

    Justamente, o que caracteriza o Rio de Janeiro, na sua vida social, é o grande amor que as famílias têm à pasmaceira da janela, e a profunda ojeriza que têm aos jardins, aos parques, ao passeio, à rua, ao movimento.

    Ainda ontem, domingo, atravessando em bond alguns bairros da cidade, vi e compreendi bem que esse viajante soube achar, para a nossa bizarrice, um epíteto justo e claro. A tarde era linda e quente, de um céu adoravelmente azul, de um encanto suave e consolador. Os jardins públicos, muito verdes, muito perfumados, e… muito vazios, estavam convidando toda a população a um passeio higiênico, a um banho de sol e de ar puro, a um exercício muscular tonificante e agradável. Mas a população, como sempre, deixava-se ficar em casa, numa desanimada moleza. O bond, em que eu ia, enfiava ruas sobre ruas: e, em todas essas ruas, de um lado e de outro, as janelas das casas estavam cheias. As senhoras, muito penteadas, muito quietas, muito tristes, com muitos laços de fita nos corpetes brancos e muito tédio na fisionomia, olhavam melancolicamente o céu, e abanavam-se com abandono; os homens (alguns deles em mangas de camisa!) fumavam e cuspinhavam para as calçadas, com o mesmo ar de Supremo aborrecimento na face… Que horror! A vida não estava nos jardins, tão viçosos e tão frescos: estava nas janelas, — naquela exibição de tédio e de preguiça… E até havia crianças, nessas abomináveis janelas, compartindo a pasmaceira dos pais!

    Cidade janeleira, — que belo e justo apelido!

    Quando é que toda essa gente compreenderá que o passeio e o exercício ao ar livre geram a saúde e o bom humor, ao passo que a mania janeleira só pode gerar a tristeza, a anemia, a melancolia, a moleza e a coscuvilhice?!

    x.

    Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28 set. 1903. A Cidade.

    Diálogo no bond

    Diálogo no bond:

    — Hein? perseguição do jogo? cerco às batotas? tagantadas de código penal nas costas do Vício? Pois meu amigo, agora é que o jogo vai tomar conta de toda a cidade, se é que já não tinha tomado!

    — Como assim?

    — É o que lhe digo! Muita gente, que não jogava por não gostar de jogar, vai agora entregar-se de corpo e alma à batota. O fruto proibido é o mais gostoso de todos. A nossa mãe Eva, em todo o pomar do Éden, só achou verdadeiro sabor naquele pomo dourado e aveludado, que o dedo feroz do Senhor lhe apontara como o fruto do crime… Lembre-se das origens do cristianismo. Apedrejados nas praças públicas, os primeiros cristãos refugiaram-se nas catacumbas: e a esses antros apartados e escuros começaram logo a afluir, pela calada da noite, os noviços, ansiosos por praticar a religião condenada. A perseguição, tanto da virtude como do vício, só serve para criar novos viciosos e novos virtuosos. Isto já tem sido dito e repetido milhões e milhões de vezes, porque é a mais soberana das verdades. Só tem encanto o que é proibido. Max Nordau,[3] no seu livro sobre Literaturas malsanas, cita o caso de uma linda senhora que, tomando certa vez um sorvete, em Nápoles, exclamou: Que bom! é pena que o sorvete não seja um pecado!…

    — Isso é paradoxo! o que é verdade é que o dever da polícia é perseguir o jogo. E quando os viciosos virem que o seu vício pode levá-los ao xadrez, a cidade há de ficar livre dessa praga!

    — Pode ser. Nada é impossível no mundo. Mas, até lá, deixe-me duvidar. Olhe, meu caro amigo! A Jogatina era até agora uma espécie de mulher legítima, que o jogador amava aos olhos de Deus e dos homens: por isso mesmo, já ele começava a aborrecê-la. Mas, agora, a senhora Jogatina vai ser uma pecadora perigosa, que se esconde, que se encobre, que vive cercada de mistério, e que adquire uma sedução inteiramente nova. Fique sabendo que, nesta civilização corrompida, as mulheres que mais estragos fazem e mais desorganizam a vida humana, são justamente aquelas a quem a gente não se atreve a dar o braço na rua. As outras agradam; estas cativam. As outras salvam; estas matam. E até logo! Vou descer aqui…

    O bond parou, e o filósofo foi trabalhar; o seu interlo­cutor, o que defendia a ação policial, foi comprar cinco mil-réis no jacaré.

    x.

    Gazeta de Notícias, 5 out. 1903. A Cidade.

    A questão palpitante

    — Oh! Há quanto tempo não tenho o prazer de vê-lo!

    — É verdade: venha de lá o abraço!

    — Como passam a senhora, as meninas?

    — Perdão, as demoiselles.

    — Também és dos tais? Eu prefiro senhorita.

    Puera é que devia ser, é clássico.

    — Qual, velho, yayá é dengoso, é nacional.

    — Mas horripilante…

    Esta cidade interessa-se violentamente pela língua portuguesa. Não há mesmo canto da terra onde as questões filológicas tomem esse ar com que jornalistas e adventícios epistolográficos discutem e inventam e esmagam e torturam e engrinaldam certas palavras em uso corrente. Há Cândidos de Figueiredo em cada rua e Carlos de Laet[4] em cada casa. Neste momento mesmo a cidade não discute mais a caixa de conversão e a quebra do padrão, discute como deve tratar as mocinhas que estão em idade de casar. É o grande acontecimento, a great attraction[5] do music-hall[6] da vida urbana. Em cada conversa, fatalmente, inexoravelmente, redemoinha a obsessão.

    — És pelo senhorita do Artur Azevedo?

    — Tudo anda errado! O Victor Vianna transforma terrasses[7] em masculino e a Carmen Dolores[8] masculiniza também as gostosíssimas croquettes.

    — Que tem isso? Fantasma já foi feminino, agora veste calças pelo menos na gramática; e réclame e chantage não há ninguém que, em português, lhes dê o sexo dos dicionários franceses!

    — Eu cá por mim trataria as doninhas.

    — Doninha é rato.

    — Espera lá, trataria não de doninhar, mas de menina e moça.

    E as discussões emaranham-se, ramificam-se em problemas de sociedade, de elegância, de chic, de bom-tom…

    Sem ser consultado, eu comecei a refletir que esta questão de língua é inteiramente insolúvel. A palavra é um ser vivo com categoria social, sujeito a todas as correntes sociológicas e misteriosas que agem e modificam o homem no meio em que vive. Há palavras que moram no Catete, palavras que não largam a rua Haddock Lobo, palavrinhas especialmente da Cidade Nova, palavras só de uso nas casas de estudantes, palavras só de uso na Gamboa e na Detenção. Cada trecho da cidade tem o seu vocabulário, e como a cidade é o grande porto de mar cheio de imigrantes de todas as raças e de todas as classes, há palavras dançarinas e diseuses[9] que se alojam logo nos clubs de cocottes[10] e nos casinos, palavras que vêm especialmente para o Hotel dos Estrangeiros e a pensão Alexandra, palavras que se intrometem no povinho da Saúde, e grandes palavras rebarbativas que tornam os doutores indecifráveis enigmas. A palavra tem mesmo uma roupa, um fato, uma toilette. Há palavras decotadas com chapéus à empire[11] e longas caudas; há palavras esmolambadas, e só esse gênero de frivolismo importante, que entumesce a vaidade solene dos cidadãos eruditos em regras fixas da vida sempre móvel da gramática, poderia exagerar a sua filáucia ou o seu snobismo ao ponto de querer decretar uma palavra para exprimir em todas as classes a mesma coisa.

    Depois dessas reflexões profundas e admiráveis tomei um tilbury, que por sinal é chamado pelo proprietário, de carro como os condutores chamam os bonds, e resolvi ilustrar com exemplos as conclusões colossais a que tinha

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