21.2.25
Gouveia e Melo já falou
Mais exactamente, escreveu um longo artigo publicado no Expresso.
Primeira impressão: ou a esquerda descobre um candidato-surpresa muito bom, ou talvez nem haja segunda volta nas presidenciais.
A cegueira dos europeus
«Como explicar a cegueira, a cegueira dos europeus? Já não falo dos americanos. Durante anos, a Europa meteu a cabeça na areia. É uma receita para calar a ansiedade e deixar o tempo correr. Subitamente descobrimos que o mundo mudou e que sobre nós desabava a nova realidade.
A Europa está dilacerada por surtos populistas e pelos nacionalismos. A noção política de Ocidente está a dissipar-se. Depois da crise económica de 2008, a questão migratória mudou as dinâmicas políticas na Europa. A ascensão ao poder dos populistas italianos é um potente acelerador. (…) A simples existência de Trump é um incitamento aos populismos eurocépticos. Beppe Grillo, Matteo Salvini, Viktor Orbán ou Marine Le Pen exultaram com a sua vitória em 2016. Tinham razão. (…)
Acabou também o mundo pós-1989, o breve tempo em que o modelo da democracia liberal se expandia. Hoje, este modelo é desafiado por modelos autoritários, como os de Xi Jinping e Putin. Pelo mundo fora, cresce a lista dos autocratas. E o apetite por 'homens fortes', que garantam 'segurança', não é já estranho à Europa. É o modelo de Budapeste.»
Jorge Almeida Fernandes
Newsletter do Públio, 20.02.2025
Os aposentados da História
«Ninguém sabe de quanto tempo disporá a Ucrânia até que a Rússia a engula por inteiro. Ninguém sabe se, em caso de ataque a um Estado-membro da NATO, os Estados Unidos intervirão em defesa do seu aliado. Estas são as duas grandes interrogações trazidas pela presidência Trump e suscitadas pelas palavras do vice-presidente Vance e do secretário Hegseth.
A exclusão da Europa das “negociações” impostas na Arábia Saudita serve um propósito: isolar a Ucrânia e fazê-la submeter-se às condições da paz determinadas por Putin e Trump, árbitros dos superiores interesses russos e americanos e ainda fazer “pagar” o apoio recebido nos anos Biden, facultando a empresas americanas o acesso aos recursos naturais da Ucrânia dilacerada, na parte que Putin não conseguiu abocanhar.
A Europa foi surpreendida pelo regresso à anarquia na ordem internacional, inaugurada por Putin e agora apadrinhada pelos Estados Unidos. Na ordem nova conta a força e a afirmação despudorada do interesse próprio, a correlação de forças é tudo, o direito nada.
Com umas forças armadas hiperdimensionadas e com uma economia subordinada ao esforço de guerra, a Rússia será grande beneficiária de qualquer trégua precária, que lhe dê o tempo de que precisa para acabar de vez com a Ucrânia, enquanto o Ocidente, cínico ou impotente, aguarda o regresso das “forças de paz” exclusivamente compostas por soldados europeus, provavelmente em caixas de pinho.
Quem só tem um martelo não pode senão pregar pregos e a Rússia é um martelo, um exército com um país acoplado, empobrecido, mas armado, que caminha para as consequências económicas da guerra ucraniana, que serão pesadas. A paz não serve a Putin que, com Lavrov, extrairá de Trump e dos outros cómicos o que bem lhe aprouver. A Europa, que pensa a 50 anos de distância, está a experimentar o diktat americano como em 1945, e sabe que, a prazo, o diktat será russo-americano, se não for exclusivamente russo, numa reorganização global das esferas de influência com a qual a América troque a Europa pela cumplicidade da Rússia noutras geografias.
A II Guerra Mundial foi vencida pela União Soviética, uma ditadura brutal, e pelos Estados Unidos, o arsenal da democracia. A ideia de que as democracias são pacíficas mas invencíveis é um puro mito. O eixo foi derrotado pela capacidade industrial americana e pela inesgotável capacidade de sacrifício do povo russo. A Inglaterra resistiu, graças a Churchill e ao canal da Mancha. Oitenta anos volvidos, a Europa, com o seu poderio económico equivalente a dez Rússias, sem o arsenal americano, vê-se devolvida à mundivisão anterior a Pearl Harbor, mais desarmada que nunca. Até ver, não conta para nada, como se de um protetorado se tratasse.
A Polónia, que vê a tragédia checoslovaca da crise dos sudetas a repetir-se no Donbas, sabe que as fronteiras são ficções sustentadas pela dissuasão, prontas a serem mercadejadas, em nome das minorias de conveniência, sejam elas germanófilas ou russófilas. A Polónia também conhece a ordem dos pratos no banquete das grandes potências. Habituada a não poder contar senão consigo própria, vai armar-se até aos dentes. A Alemanha fará igual, repetindo 1948, quando a necessidade ditou a sua entrada apressada no clube das democracias vencedoras.
O secretário da Defesa Hegseth comparou o art. 5º do tratado NATO ao seu artigo 3º, ou seja, equiparou os deveres de financiamento das forças armadas ao princípio de que um ataque a um membro constitui um ataque à aliança, baralhando propositadamente meios e fins. Postas assim as coisas, a NATO deixou de ser a garantia americana à Europa.
Na Europa central dorme-se mal porque o passado foi ontem e nem sequer passou. Por cá, como é próprio dos aposentados do palco da História, dormimos como justos.»
20.2.25
Luz
Candeeiro de mesa Arte Nova em bronze prateado, com abajur de vidro em forma de flor. 1902.
Friedrich Adler.
Daqui e não só.
J.D. Vance e a Europa
J.D. Vance não disse que só a AfD poderia “salvar a Alemanha” (como Musk tinha feito a 20 de Dezembro), mas fez a grande defesa da entrada dos neonazis para o governo e do fim das “linhas vermelhas”. A AfD é, além do resto, uma grande amiga de Vladimir Putin. O passado nazi da Alemanha transformou uma aliança deste género numa abjecção consensual. A avaliar pelos números da AfD nas sondagens, o consenso também já se foi. (…)
Ana Sá Lopes
Despejos sem alternativa
Marinhas do Tejo, Santa Iria da Azóia, prepara-se para mais um anunciado despejo sem alternativa da Câmara de Loures.
Três dias que abalaram o mundo
«Tudo começou com um telefonema entre Trump e Putin. Continuou com as declarações do secretário da Defesa na reunião da NATO e acabou com as do vice-presidente na Conferência de Munique. Há momentos em que a História acelera e dias que valem por décadas. Se for o que parece, este é um desses momentos históricos que se seguem ao fim das guerras e mudam a ordem mundial. Como o Tratado de Versalhes, em 1919, os de Ialta e Potsdam, em 1945, ou a queda do Muro de Berlim, em 1989.
Trump pôs fim à guerra na Ucrânia e tornou claro ao que vinha. Falou primeiro com a Rússia. E é entre a América e a Rússia que se definem os termos da paz. Só depois falou com a Ucrânia. Para a informar. E à Europa nem isso.
A Rússia conquista todos os seus objectivos de guerra. Primeiro, os objectivos explícitos: a Ucrânia não entra na NATO e não regressa às fronteiras pré-2014. Isto é, a Rússia ganha a Crimeia e o Donbass. Depois, os objectivos implícitos: a divisão do Ocidente, a fractura transatlântica e o enfraquecimento da Europa. Mais: de um só golpe, deixa de ser um Estado-pária e passa a ser um interlocutor credível e um dos grandes do mundo.
A Ucrânia, pelo contrário, é a grande perdedora: perde 20% do seu território e perde, sobretudo, a liberdade para decidir do seu destino: europeu e democrático. E quem sabe, se nas próximas eleições, sob coacção, não se torna uma segunda Bielorrússia?
Perdedora é, igualmente, a Europa. Menorizada, marginalizada e apagada das grandes questões internacionais, a começar pelas da sua própria segurança. Trump nunca escondeu a sua concepção transaccional da Aliança e desde o seu primeiro mandato que avisou que, se a Europa não pagasse, a América não a defenderia. Agora reafirmou tudo o que sempre disse e os europeus não quiseram ouvir. Que não se sente comprometido com o artigo 5.º e que a Europa, se quiser garantir a sua defesa colectiva, terá de o fazer sem a América. Isto é, a NATO como a conhecíamos deixou de existir.
Entre o abandono americano e a ameaça russa, a Europa está, agora, entregue a si própria. E se, como se antevê, o acordo de paz premiar o agressor e consolidar as suas conquistas territoriais, que melhor incentivo pode ter Putin para ir mais longe na Europa? O objectivo final como ele próprio o disse, nas condições que pôs à NATO antes da invasão, são as fronteiras do antigo Pacto de Varsóvia. E mesmo que o não consiga, militarmente, não parará a guerra híbrida para desestabilizar, dividir e enfraquecer a Europa.
Dito isto, sejamos claros: não foi a Rússia que ganhou a guerra, foram EUA que impuseram a derrota aos aliados e deram a vitória ao inimigo. Mas o que está em jogo vai muito para além da Ucrânia e a da segurança europeia. A mudança é a da própria ordem mundial.
Desde a Segunda Guerra que os EUA promoveram um sistema internacional assente no livre comércio, na democracia liberal e numa rede de instituições multilaterais que asseguraram a cooperação internacional, a segurança e a paz. Uma ordem internacional baseada em regras que lideram, no Ocidente, durante a Guerra Fria e, globalmente, no pós-Guerra Fria. Ora, é essa ordem internacional baseada em regras, já em erosão, que Trump rejeita e a que agora pôs termo. Porquê? Porque as regras e as instituições internacionais impõem limites à sua acção nacionalista e unilateral, transaccional e predadora. No plano económico, como no plano político.
Como é obvio, Trump quer precisamente o contrário: uma ordem internacional baseada nos negócios e na diplomacia coerciva que os sustenta: as tarifas; as sanções; e as ameaças. Uma ordem internacional em que a força vale mais que a lei, e o poder vale mais que a razão. Uma ordem internacional desenhada sobre esferas de influência e em que a expansão territorial das grandes potências é considerada legítima e um comportamento normal. A Rússia na Ucrânia, os EUA na Groenlândia, ou a China em Taiwan. É o regresso à velha rivalidade entre as grandes potências e ao choque dos imperialismos. E, nesse jogo, os EUA não me parece que vão sair vencedores. Nós, na Europa, infelizmente, sabemos como isso acaba. Por duas vezes acabou mal. O historiador francês, Jacques Bainville, dizia a propósito do Tratado de Versalhes, que se tratava de “fechar a ferida deixando a infecção no interior”. Ou muito me engano, ou vamos pelo mesmo caminho.
19.2.25
Caixas
Caixa Arte Nova em ouro, diamante e esmalte, circular, tampa cravejada com painel em esmalte rodeado de diamantes, com retrato ao centro de jovem decorada com flores. Paris, 1898.
Plisson & Hartz.
A Europa em modo de sobrevivência
«Os Estados Unidos querem reservar para si metade da exploração dos recursos minerais ucranianos, partes das suas infra-estruturas de gás e petróleo, e a utilização dos seus portos. Foi este negócio, absolutamente predador (…), que o secretário do Tesouro americano Scott Benssent foi levar a Zelensky no mesmo dia em que Trump telefonava a Putin para "acabar" com a guerra na Ucrânia. (…)
A Europa não tirou as devidas lições do primeiro mandato de Trump. Não estava preparada para o segundo. Pensou que ainda tinha algum tempo. Em Munique, no fim-de-semana passado, descobriu em "choque e pavor" que já não tinha.
É esta realidade que permite compreender a imagem inconsequente e triste que deu para o exterior a reunião de emergência dos principais líderes europeus, convocada pelo Presidente Macron para o Eliseu na segunda-feira à tarde.»
Teresa de Sousa
Newsletter do Público, 18.02.2025
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