ESTUDOS
PLANOS PARA A IGUALDADE DE GÉNERO
NAS ORGANIZAÇÕES: CONTRIBUTOS
PARA O DESENHO E REALIZAÇÃO
DOS DIAGNÓSTICOS ORGANIZACIONAIS
PLANS FOR GENDER EQUALITY IN ORGANISATIONS:
CONTRIBUTIONS TO THE DESIGN AND
IMPLEMENTATION OF ORGANISATIONAL DIAGNOSTICS
ROSA MONTEIRO
Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
Instituto Superior Miguel Torga, Coimbra
VIRGÍNIA FERREIRA
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
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PLANOS PARA A IGUALDADE DE GÉNERO NAS ORGANIZAÇÕES: CONTRIBUTOS PARA O DESENHO E REALIZAÇÃO
DOS DIAGNÓSTICOS ORGANIZACIONAIS
RESUMO
ABSTRACT
O presente artigo constitui-se como um contributo para
a compreensão e operacionalização dos planos para a
igualdade nas organizações. Partindo da explicitação do
enquadramento político deste novo desafio, colocado
pelos últimos governos às organizações, ele fornece um
modelo de diagnóstico, indicando algumas estratégias
metodológicas a prosseguir e o tipo de indicadores
fundamentais numa análise de género.
This article presents itself as a contribution to the
implementation of the equality plans in organizations.
Based on the explanation of the policy framework of
this new challenge posed, by recent governments, to
organizations, it provides a diagnostic model. It indicates
some methodological strategies to be pursued and the key
indicators for a gender analysis.
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ROSA MONTEIRO, VIRGÍNIA FERREIRA
Introdução
C
erca de duzentas organizações estão atualmente a criar e implementar Planos para a
igualdade de homens e mulheres, em Portugal. Entre elas contam-se empresas públicas
e privadas, autarquias, associações empresariais, e outras organizações como IPSS, associações de
desenvolvimento, universidades, ministérios e outros departamentos governativos. Estes Planos para a Igualdade
surgem, em grande medida, na sequência do estímulo
induzido pela abertura de uma linha de financiamento
do Eixo 7 (Igualdade de Género) do QREN-POPH, que
apoia e enquadra especificamente projetos com este objetivo 1. Esta linha de financiamento foi criada como uma
forma de “mobilizar instituições públicas e privadas para
a implementação de Planos (…) para o reforço da integração da perspetiva de género nas políticas” e práticas das
instituições (Regulamento da Tipologia de Intervenção).
A elaboração e desenvolvimento de planos para a
igualdade nas organizações tem sido uma das mais recentes apostas das políticas públicas de igualdade em
Portugal (II, III e IV Planos Nacionais para a Igualdade; Resolução do Conselho de Ministros 49/2007), de
que a Resolução do Conselho de Ministros 19/2012 é
o mais recente e mediático exemplo. Nesta Resolução, o
Conselho de Ministros obriga as empresas do setor empresarial do Estado a adotarem planos para a igualdade
(Resolução do Conselho de Ministros n.º 70/2008, de 22
de abril), “tendentes a alcançar uma efetiva igualdade de
tratamento e de oportunidades entre homens e mulheres,
a eliminar as discriminações e a facilitar a conciliação
da vida pessoal, familiar e profissional”. Para o efeito,
recomenda-se a elaboração de um diagnóstico prévio, a
conceção de um plano que deverá ser implementado e
acompanhado, bem como avaliado nos seus impactos.
Devem ainda aquelas entidades reportar ao Governo os
resultados da avaliação efetuada. A Resolução indica
também que as entidades do setor empresarial do Estado devem “determinar, como objetivo, a presença plural
de mulheres e de homens nas nomeações ou designações
1
Com os planos para
a igualdade pretende-se fazer
o mainstreaming de género,
definido pelo Conselho da
Europa como a “(re)organização,
melhoria, desenvolvimento
e avaliação dos processos de
tomada de decisão, por forma
a que a perspetiva da igualdade
de género seja incorporada em
todas as políticas, a todos os
níveis e em todas as fases, pelos
atores geralmente implicados
na decisão política”
Tipologia de intervenção 7.2 – Planos para a Igualdade. http://www.poph.qren.pt/upload/docs/eixos/D_15609_09_TI_7_2.pdf.
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para cargos de administração e de fiscalização no setor
empresarial do Estado”. Estende-se também estas recomendações às empresas de que o Estado é acionista e
fazem-se ainda recomendações às empresas privadas cotadas em bolsa no sentido de que estas adotem também
planos para a igualdade.
Com os planos para a igualdade pretende-se fazer
o mainstreaming de género, definido pelo Conselho da
Europa como a “(re)organização, melhoria, desenvolvimento e avaliação dos processos de tomada de decisão,
por forma a que a perspetiva da igualdade de género seja
incorporada em todas as políticas, a todos os níveis e em
todas as fases, pelos atores geralmente implicados na decisão política” (CIDM, 1999: 30). O mainstreaming de
género (doravante MG) implica uma transformação efetiva das organizações tanto ao nível das políticas e ações
para o exterior, como ao nível da sua gestão interna. Nessa medida, transversalizar a igualdade de mulheres e homens visa uma intervenção não meramente retórica nem
formal, mas verdadeiramente transformadora e reformadora das organizações de trabalho, uma “revolução”
que congrega uma dimensão técnica e política 2 (Ferreira, 2000; Grosser e Moon, 2005). O MG que se tenham
em conta as necessidades e experiências das mulheres e
também dos homens como parte integrante do desenho,
implementação, monitorização e avaliação de todas as
políticas e programas, em todas as esferas políticas, económicas, sociais, para que ambos os sexos beneficiem
de igualdade. Ao nível das organizações de trabalho, o
MG pretende a promoção de uma cultura organizacional
igualitária. Esta deverá garantir a igualdade de oportunidades no acesso e na participação no mercado de trabalho, combatendo a segregação horizontal e vertical 3 do
mercado de trabalho e a desigualdade salarial, bem como
assim promovendo a conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal, e criando condições de paridade
na harmonização das responsabilidades profissionais e
familiares. O objetivo é transformar as normas e proce-
2
A necessidade de transversalizar
a igualdade de mulheres
e homens na gestão das
organizações parte de alguns
pressupostos que convém
destacar: 1) As organizações
são constituídas por homens
e mulheres, e não por sujeitos
neutros. 2) As organizações
produzem e reproduzem
desigualdades e discriminações
sexuais, através da sua cultura e
práticas. 3) As organizações são
locais de aprendizagem social,
pelo que qualquer intervenção
organizacional terá efeitos
multiplicadores na sociedade.
A componente técnica inclui estatísticas desagregadas por sexo, avaliação de género, formação para a igualdade de género, gender budgeting, desenvolvimento de indicadores de género, entre outras ferramentas. A dimensão política implica incluir na decisão e no agendamento de ações a participação
das mulheres e dos seus interesses, eliminando as barreiras à sua participação na decisão (Grosser & Moon, 2005).
3
Segregação horizontal ou ocupacional traduz a concentração de mulheres e homens em diferentes tipos de trabalho e a representação de que existem
“trabalhos de mulheres” e “trabalhos de homens”; a segregação vertical traduz a inserção de homens e mulheres em diferentes níveis de hierarquia, qualificação e remuneração, encontra-se por vezes traduzida na expressão “tetos de vidro”.
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dimentos organizacionais em vez de ajudar as mulheres a
“ajustarem-se” (Grosser e Moon, 2005).
A transversalização da igualdade na gestão das organizações é um desígnio também prosseguido em outros
países. Na vizinha Espanha, por exemplo, a Lei Orgânica
3/2007 prevê a implementação de Planos de Igualdade
nas empresas e organismos públicos, sendo estes obrigatórios para as empresas com mais de 250 trabalhadore/
as. Em países como a Bélgica, França ou Noruega existe
legislação que obriga ao estabelecimento de quotas para
a integração de mulheres nos cargos de decisão das empresas de forma a combater o fenómeno dos “tetos de
vidro”.
A necessidade de transversalizar a igualdade de mulheres e homens na gestão das organizações parte de alguns pressupostos que convém destacar: 1) As organizações são constituídas por homens e mulheres, e não por
sujeitos neutros (Acker, 1992). Nessa medida, elementos
como os papéis sexuais e os estereótipos determinam de
forma significativa as experiências de mulheres e homens,
constrangendo as suas cognições, opções e atividades. 2)
As organizações produzem e reproduzem desigualdades e
discriminações sexuais, através da sua cultura e práticas
(Benschop, 2006; Broadbridge e Hearn, 2008; Ferreira,
2010; Kanter, 1977; Santos, 2010). Elas são ambientes
genderizados que é necessário analisar e transformar
(Broadbridge e Hearn, 2008). 3) As organizações são
locais de aprendizagem social, pelo que qualquer intervenção organizacional terá efeitos multiplicadores na
sociedade.
O diagnóstico da situação organizacional em matéria
de igualdade de mulheres e homens é uma peça fundamental do planeamento, radiografando a realidade nos
seus aspetos mais positivos e negativos e fundamentando, dessa forma, o desenho de medidas necessárias e
ajustadas a cada contexto. Globalmente, sabemos que
apesar dos progressos ao nível da igualdade de jure
subsistem as desigualdades de facto e até várias formas
de discriminação. Mas este paradoxo é frequentemente
toldado e invisibilizado por uma espécie de retórica
baseada no formalismo jurídico, tantas vezes transmitida
em expressões como “a igualdade já está na lei”, “já
existe igualdade, é só uma questão de mentalidades”.
Diversos estudos e indicadores estatísticos, que não citamos aqui por economia de espaço, têm demonstrado esta
disjunção entre a lei e a vida. Basta atendermos à mais
Na realidade, as organizações
portuguesas têm tido práticas
de promoção de igualdade de
oportunidades e de gestão da
diversidade consideradas ainda
incipientes.
recente publicação da CIG “Igualdade de Género em
Portugal 2010” (CIG, 2010), para percebermos que inúmeros obstáculos condicionam a igualdade de oportunidades e de resultados das mulheres na vida pública (p. ex.
a discriminação salarial, a reduzida presença em lugares
de decisão, a sobrecarga de tarefas, …) (Ferreira, 2010,
2004 e 1997), e o usufruto de direitos pelos homens na
vida privada (por exemplo, a fraca utilização dos direitos de parentalidade). Também ao nível micro é muitas
vezes difícil reconhecer a desigualdade, face à força de
argumentos naturalizadores e justificativos, e porque os
indivíduos desenvolvem estratégias de acomodação das
dificuldades que as tornam pouco reconhecidas (o que
acontece, por exemplo, na sub-representação das dificuldades de conciliação trabalho-família). As assimetrias
existentes entre mulheres e homens no trabalho não são,
em geral, reconhecidas, entendendo-se comummente nos
diversos níveis da estrutura das organizações haver um
tratamento “neutro” e não discriminatório de qualquer
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PLANOS PARA A IGUALDADE DE GÉNERO NAS ORGANIZAÇÕES: CONTRIBUTOS PARA O DESENHO E REALIZAÇÃO
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sexo. Torna-se, por isso, necessário um diagnóstico que
identifique as áreas críticas, sobre as quais é necessário
intervir no sentido de adotar práticas mais inovadoras no
plano da responsabilidade familiar e social, promovendo
a igualdade de oportunidades.
Motivada quer pela invisibilidade acabada de referir,
quer pela falta de instrumentos e práticas sedimentadas e
testadas de diagnóstico desta dimensão, surgem evidências das dificuldades que muitas organizações enfrentam
com esta tarefa. Na realidade, as organizações portuguesas têm tido práticas de promoção de igualdade de oportunidades e de gestão da diversidade consideradas ainda
incipientes, Romão, citada por Ferreira (1997), apesar de
algumas iniciativas exemplares a este nível 4. Não obstante os esforços desenvolvidos nas últimas décadas (Santos,
2010) e de alguns exemplos de boas práticas que poderão inspirar as organizações a realizarem os seus autodiagnósticos (CITE, 2008) a nossa experiência de apoio
e consultoria a várias entidades com projetos neste domínio leva-nos a crer da importância de contributos que
possam guiar estes esforços. Este artigo pretende, portanto, contribuir para a organização e implementação da
componente de diagnóstico organizacional em matéria
de igualdade de género.
Em primeiro lugar, apresentaremos os aspetos sexualizados das organizações, os principais contributos
analíticos que promoveram a análise crítica desta realidade, bem como o crescente reconhecimento da necessidade de intervenção. Expõem-se as principais linhas de
argumentação para a mudança organizacional no sentido da integração da igualdade de género como princípio
de gestão.
Em segundo lugar apresentamos um modelo de diagnóstico organizacional a realizar no âmbito da promoção
dos planos para a igualdade. Nos seus vários elementos,
ele apresenta estratégias metodológicas e indicadores indispensáveis a um diagnóstico com enfoque de género.
4
2. Do reconhecimento do caráter sexualizado 5
das organizações ao desenvolvimento de
políticas e práticas de promoção da igualdade
Nas últimas décadas tem vindo a expandir-se um
olhar problematizador e desconstrutor da suposta “neutralidade de género” da gestão e das organizações de
trabalho (Broadbridge e Hearn, 2008; Santos, 2010).
Diversos estudos demonstraram a forma como as relações sociais de género são criadas e recriadas na esfera
do trabalho, não só pela ação das pessoas mas também
pela ação das organizações (Acker, 1991; Collinson,
1992; Fenstermaker, West e Zimmerman, 1991; Kanter,
1993; Morgan, 1992; Reskin e Padavic, 1994). Uma das
problematizações mais inspiradoras é sem dúvida a de
Joan Acker (1992) que indica quatro processos de sexualização das organizações. O primeiro é a produção de
divisões de género nas estruturas organizacionais, expressa por exemplo na segregação ocupacional ou ainda
na segregação vertical. O segundo é o da presença de representações simbólicas de masculinidade e feminilidade
nas culturas organizacionais, de manifestações (mais ou
menos latentes) de estereótipos quer de quem detém o
poder quer de quem a ele se sujeita. O caso dos entraves
simbólicos à utilização das licenças de paternidade pelos homens (Ferreira e Lopes, 2009; Lopes, 2009; Pinto,
2003) é bem a expressão da influência da estereotipia de
género. Um terceiro processo diz respeito aos processos
de interação social que enformam a vida nas organizações e nos quais homens e mulheres trocam experiências,
valores e gerem identidades como membros de uma categoria sexual (Monteiro, 1995; Reskin e Padavic, 1994).
O último e não menos importante processo diz respeito
às identidades dos membros das organizações enquanto
pessoas elas próprias sexualizadas, carregando experiências, conceções e práticas produtoras e reprodutoras das
relações sociais de género, ao que Fenstermaker, West e
Zimmerman (1991) chamaram doing gender.
Refiro-me a projetos desenvolvidos (http://www.cite.gov.pt/pt/dsie/index.html) bem como a Prémios e distinções que incentivam as organizações à
adoção da igualdade de género, como o Prémio Igualdade é Qualidade (http://www.cite.gov.pt/pt/premioigualdade/index.html).
5
Neste trabalho optou-se por traduzir os termos gendering e gendered, comummente encontrados na literatura, por sexualizar e sexualizado respetivamente. Estes conceitos dão conta do processo através do qual um fenómeno (identidade, instituição, linguagem ou processo) passa a integrar explicitamente um significado associado às relações sociais de género (McBride e Mazur, 2005: 13).
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Estas conceções ancoram
na ideologia de separação
e hierarquização das esferas
pública e privada que, durante
tanto tempo, associou
o masculino ao público
e o feminino ao privado.
Contestações académicas,
especialmente da ciência
feminista, mas também dados
sociodemográficos (a crescente
participação das mulheres no
mercado de trabalho) vieram
gradualmente contestar este
pressuposto de separação de
esferas e a revalorizar a esfera
privada, por exemplo.
Para Ellen Fagenson (1990: 271) os comportamentos (sexualizados) dos indivíduos nas organizações são o
produto articulado das características individuais, da situação (cultura organizacional) e do sistema institucional
e social mais global que enformam conceções de feminilidade e masculinidade hegemónicas.
A gestão não tem ficado alheia a estas discussões,
nem tão pouco a estas críticas. Desde os trabalhos de Virginia Schein (1973, 1975, 1992) que se tem visibilizado o
caráter masculino da gestão. Não obstante a retórica de
neutralidade de género da gestão, o facto é que alguns estudos (Benschop, 2006; Broadbridge e Hearn, 2008) têm
vindo a denunciar o seu caráter sexualizado e reprodutor
das assimetrias de género.
Yvonne Benschop destaca a forma como a gestão de
recursos humanos, valorizando o talento, mérito pessoais
e critérios como o de disponibilidade total, aparentemente compatíveis com os ideais igualitários, é profundamente reprodutora das assimetrias de género. Na verdade, as
práticas e conceções da gestão baseiam-se ainda numa
conceção abstrata do/a trabalhador/a “ideal” (subentendido como masculino) (Acker, 1992), “um trabalhador
neutro” sem outras responsabilidades para além da profissional. Este “trabalhador ideal”, trabalha a tempo inteiro e continuamente, pressupondo-se que tem o apoio
de retaguarda de uma parceira que assume o trabalho
familiar (Lewis e Cooper, 1995: 290), numa influência
clara do modelo familiar de tipo parsoniano, em que o
homem é o “provedor do lar” e a mulher a cuidadora.
Estas conceções ancoram na ideologia de separação e
hierarquização das esferas pública e privada que, durante
tanto tempo, associou o masculino ao público e o feminino ao privado. Contestações académicas, especialmente
da ciência feminista, mas também dados sociodemográficos (a crescente participação das mulheres no mercado
de trabalho) vieram gradualmente contestar este pressuposto de separação de esferas e a revalorizar a esfera privada, por exemplo.
Também na literatura de gestão tem-se reconhecido
crescentemente que trabalho, família e vida pessoal são
esferas intimamente articuladas e ligadas, e que família e
profissão se afetam mutuamente (Friedman e Greenhaus,
2000). Este reconhecimento tem legitimado, por exemplo, os debates e políticas da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal, estes assentam no reconhecimento de que o/as trabalhadore/as têm outras esferas
existenciais e de responsabilidade que devem ser harmonizadas. Têm sido desenvolvidas uma série de abordagens à problemática da conciliação. Seja numa perspetiva
de conflito trabalho-família (Greenhaus e Beutell, 1985),
de spillover positivo (Edwards e Rothbard, 2000) ou de
balanço estratégico (Moen e Withington, 1992), a verdade é que a análise científica da problemática da conciliação tem andado a par de uma outra linha reflexão e ação
que incide sobre as políticas e as práticas organizacionais
sensíveis às questões de género e da diversidade (Lobel e
Kossek, 1996; Kossek et al., 2006). Estas incluem planos
para a igualdade, políticas de igualdade de oportunida-
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A igualdade de género
e outros itens no domínio
da gestão da diversidade
e responsabilidade social são
hoje alvo de análises de custo
benefício que demonstram
globalmente ganhos em
termos de produtividade,
motivação, reputação e imagem
empresarial.
des ou de ação positiva 6, políticas family-friendly e programas de promoção da conciliação 7 (Den Dulk, 1996;
Guerreiro e Pereira, 2006; Lewis e Cooper, 1995; Teixeira e Nascimento, 2011).
O desenvolvimento destas práticas de planeamento
e ação para a igualdade inscreve-se também para as organizações em dinâmicas de gestão da diversidade e de
responsabilidade social. Ainda que de forma por vezes
inconsistente, as organizações vão incorporando a retórica da igualdade de oportunidades, da responsabilidade
social, da valorização da diversidade e de relações públicas (Barbosa, 2009; Kossek et al., 2006).
A integração da perspetiva de igualdade de género
como elemento de gestão da diversidade nas organizações assenta regra geral em três tipos de estratégias justificativas, segundo Dickens (1999): – porque se trata de
uma obrigação legal e de algo induzido pelos governos
6
e organismos internacionais (obrigação legal); – porque
contribui para a melhoria de indicadores económicos,
designadamente a produtividade, pela maior satisfação,
motivação e menor absentismo da força de trabalho (business case); – porque através dela a organização corresponde a pressões da sociedade civil organizada, de ONG,
sindicatos e de programas públicos em diversas áreas sociais (regulação social). A maior parte das organizações
demonstra-se mais recetiva à justificação de negócio ou
business case que enfatiza os ganhos de performance e
produtividade, e os interesses dos shareholders sobre os
de outros stakeholders organizacionais, como as famílias, o/as funcionário/as e a sociedade (Kirton e Greene,
2005). Nesta linha, a igualdade de género e outros itens
no domínio da gestão da diversidade e responsabilidade
social são hoje alvo de análises de custo benefício que
demonstram globalmente ganhos em termos de produtividade, motivação, reputação e imagem empresarial.
Apontam-se como vantagens para as organizações: – ampliação das competências existentes; captação e retenção
de talentos e de pessoas altamente qualificadas; a redução do absentismo; melhorias nos ambientes de trabalho;
maior produtividade; maior inovação e criatividade nos
produtos/serviços; confiança e credibilidade do mercado
e da comunidade; aumento da competitividade; reconhecimento e imagem positiva; influência sobre parceiros.
Veja-se o excerto da recente Resolução do Conselho de
Ministros que “determina a adoção de medidas de promoção da igualdade de género em cargos de administração e de fiscalização das empresas”:
De facto, a igualdade de género na tomada de decisão
económica não é uma “questão das mulheres”, mas um
imperativo económico. Um número crescente de estudos
aponta para uma correlação positiva entre uma maior
proporção de mulheres nos conselhos de administração
das empresas e o seu melhor desempenho organizacional
e financeiro (RCM 19/2012).
“Medidas de caráter temporário concretamente definido de natureza legislativa que beneficiem certos grupos desfavorecidos, nomeadamente em função do sexo, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade ou origem étnica, com o objetivo de garantir o exercício, em
condições de igualdade, dos direitos previstos neste Código e de corrigir uma situação factual de desigualdade que persista na vida social” (art.º 25.º do
Código do Trabalho, Lei n.º 99/2003, 27 de agosto).
7
Geralmente incluem a criação e disponibilização de serviços facilitadores das responsabilidades familiares das pessoas da organização; novos modelos
de organização do trabalho e dos horários flexíveis; incentivo à utilização dos direitos de maternidade e de paternidade; serviços de saúde, desporto e
bem-estar para funcionário/as; entre outras (Guerreiro e Pereira, 2006).
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A capacidade de compreender
as questões da igualdade de
género é um requisito principal
de um plano para igualdade
na organização. Antes da
elaboração do diagnóstico
propriamente dito existem
passos fundamentais à
preparação de todo o processo.
Algumas abordagens advogam, em contraponto, a
integração do mainstreaming de género na gestão das
organizações ancorada argumentativamente em princípios de justiça social e equidade (Grooser e Moon, 2005;
Rees, 2004), alertando para o risco de hipocrisia organizacional (Barbosa, 2009) e para as inconsistências na
integração da IG. Outras, mais moderadas e reconhecendo a reduzida condutibilidade deste tipo de argumentação no universo da gestão e das organizações, defendem
a utilização articulada e pragmática das três estratégias
argumentativas acima identificadas, e até um uso instrumental do business case, desde que este permita ir integrando e alavancando a igualdade de género nas práticas
e ação organizacional (Barbosa, 2009). Partindo da análise de dois programas exemplares a este nível, um no
Reino Unido e o outro nos EUA, Grosser e Moon (2005)
identificaram requisitos fundamentais para o avanço de
intervenções para a igualdade de género nos locais de trabalho numa ótica de gestão da diversidade e de RSE: – o
compromisso da liderança; uma argumentação que ecoe
com os objetivos de negócio; dados e ação específicos de
género em áreas como recrutamento, retenção, turnover,
taxas de retorno após maternidade, promoções, formação e desenvolvimento, remunerações, conciliação vida
familiar, pessoal e profissional e avaliação de desempenho (Grosser e Moon, 2005: 329). Estes serão ingredientes decisivos nos programas para a igualdade de género
nas organizações, destacando-se a importância do diagnóstico de género como passo fundamental não só para
o radiografar mas também para a consciencialização dos
atores organizacionais para a necessidade de mudança.
3. Elementos para um diagnóstico
organizacional sensível às relações sociais
de género
A capacidade de compreender as questões da igualdade de género é um requisito principal de um plano para
igualdade na organização. Antes da elaboração do diagnóstico propriamente dito existem passos fundamentais
à preparação de todo o processo. Assim, e como referem
Grosser e Moon (2005) o compromisso organizacional
ao mais alto nível é uma peça indispensável na legitimação e arranque de todo o processo. Quem dirige a organização deve não só assumi-lo formalmente, mas ser
consciencializada/o da sua necessidade, emitindo para
todos os níveis e stakeholders da organização informação sobre as ações a desenvolver, seus objetivos e importância para a estratégia organizacional. A designação de
uma equipa competente e identificada com este processo
de mudança é outro passo fundamental. Esta deverá ser
um ponto focal para as questões da igualdade de género
e outras dimensões de uma gestão da diversidade, com
mandato conhecido, competências técnicas e sensibilidade, bem como assim competências comunicacionais dentro da organização e desta para o exterior. A título de
exemplo, tem sido desenvolvida em organizações como
as autarquias e ministérios a figura de conselheiro/a para
a igualdade 8, embora se creia que a designação de uma
equipa eclética que possa, inclusivamente, recorrer a elementos externos com competências complementares seja
a forma mais profícua de implementar o processo.
8
Como marcos formais mais importantes da criação destes perfis temos: Decreto-Lei n.º 115/2006, de 14 de junho, que regulamenta a Rede Social, introduziu a dimensão de género como fator determinante do desenvolvimento local, integrando a nova figura das/os Conselheiras/os Locais para a Igualdade de Género; Resolução do Conselho de Ministros n.º 161/2008 de 2008-10-22 definiu o estatuto das Conselheiras e dos Conselheiros para a Igualdade
na administração central; Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2010 de 2010-05-25, definiu o estatuto das conselheiras e dos conselheiros para a
igualdade da administração local.
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Caixa 1 Indicadores a apurar a partir dos Balanços Sociais e de outras fontes de informação da organização
1. Caracterização dos efetivos desagregados por sexo
– Segundo categoria profissional, grupos etários, antiguidade, categoria profissional, habilitações literárias, situação jurídica
de emprego, função.
2. Caracterização dos sistemas de trabalho, por sexo e departamento (condições de trabalho)
– Horários de trabalho (efetivos por tipos), dias não trabalhados/motivo.
– Número de efetivos por: interrupção da carreira para assistência à família; licenças de parentalidade; licenças para
aleitamento; outros direitos associados à família.
3. Movimentações de pessoal desagregadas por sexo
– Pessoas que responderam a anúncios de recrutamento; pessoas recrutadas através de Centros de Emprego e outros
serviços de emprego.
– Mudanças de situação/motivo/departamento; admissões/tipo de vínculo; saídas/motivo.
4. Formação desagregada por sexo
– Efetivos trabalhadores estudantes beneficiários de dispensa de horas de trabalho para frequência de aulas.
– Estágios profissionais/departamento.
– Horas destinadas a formação (interna e externa), por departamento.
– Participantes em ações de formação (internas e externas), por categoria profissional e sexo.
5. Remunerações e encargos ponderados por sexo
– Remuneração média mensal/categoria profissional.
– Trabalho suplementar/horas extraordinárias/categoria profissional.
– Prémios ou outros complementos salariais (carro, etc)/categoria profissional.
6. Promoções desagregadas por sexo e categoria profissional
7. Processo de decisão
– Taxas de sindicalização.
– Participação/representação nas estruturas de decisão (Direção, Comissão de trabalhadores, Comissão de Segurança
e Higiene, etc).
– Análise de ocorrências/incidentes críticos.
8. Higiene e segurança, desagregados por sexo
– Ocorrências/acidentes.
– Pontos críticos em matéria de condições físicas de trabalho e impacto sobre homens e mulheres.
9. Serviços sociais de apoio
– Tipo de apoio; população beneficiária; entidades e serviços prestadores.
10. Outros
– Taxa de absentismo por sexo.
– Análise da linguagem (caráter inclusivo ou sexista) na comunicação (interna e externa) da organização.
– Analisar a documentação interna.
– Analisar a documentação para o exterior – Por exemplo ver publicidade institucional; boletins municipais, site, divulgação
de acções.
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A organização do processo de diagnóstico de género
que se propõe neste artigo visa conhecer:
–
–
–
–
A organização (seu enquadramento, tipologia, história, desafios, …), as suas políticas e práticas de emprego e de gestão de recursos humanos, e a população que nela trabalha.
A forma como ela integra a igualdade de género nas
suas práticas e políticas.
As principais manifestações de (des)igualdade ou
mesmo de discriminação em função do sexo; bem
como as principais dificuldades de conciliação e utilização de direitos das pessoas da organização.
As atitudes e representações de género dos diversos
níveis de pessoal.
Orientada por esses objetivos, a montagem dos dispositivos de diagnósticos deverá ser constituída por três
tipos de elementos que se afiguram fundamentais:
A – Para a análise e caraterização da organização é
fundamental recolher informação interna em suportes
documentais como os balanços sociais (dos últimos 4-5
anos para compreender a evolução dos indicadores estudados), regulamentos, bases de dados de pessoal (ex.
mapas de remuneração,…), relatórios, entre outros documentos a fornecer pela organização. Na caixa que se
segue apresentam-se os principais indicadores a analisar
com base nestas fontes de informação.
B – Outro recurso importante que se deverá aplicar
junto das chefias e do pessoal da gestão são alguns guiões/instrumentos de diagnóstico disponibilizados pela
CITE e pela CIG. Trata-se do Guia de Autoavaliação em
Igualdade de Género para as Empresas, desenvolvido no
âmbito do projeto Diálogo Social e Igualdade nas Empresas 9 e do Guião para a implementação de planos de
Igualdade (administração pública central e local), desenvolvido por Gonçalo Pernas et al. (2008) e disponibilizado pela CIG 10. Neles são analisados e levantados dados
sobre um conjunto de dimensões organizacionais a ter
em conta nos Planos, como se pode verificar no gráfi-
co 1. Eles oferecem também um sistema de apuramento
de resultados do guião de autodiagnóstico que permite
à organização obter uma classificação indicativa da sua
situação em matéria de igualdade de género.
Gráfico 1 Dimensões analisadas pelos guiões de
autodiagnóstico e implementação de planos de igualdade
PLANEAMENTO
ESTRATÉGICO
– Estratégia, Missão e Valores
do Organismo.
–
–
–
–
GESTÃO DE RECURSOS
HUMANOS
COMUNICAÇÃO
RELAÇÃO COM A
COMUNIDADE
Recrutamento e selecção de pessoal.
Formação contínua.
Gestão de carreiras e remunerações.
Diálogo social e participação.
de trabalhadores/as.
– Respeito pela dignidade das mulheres
e dos homens no local de trabalho.
– Conciliação entre a vida profissional,
familiar e pessoal.
– Proteção na maternaidade e
na paternidade.
– Interna.
– Externa.
–
–
–
–
–
Solidariedade.
Saúde e educação.
Desporto e lazer.
Cultura.
Associativismo – participação cívica.
C – Uma peça fundamental e mais morosa do processo de diagnóstico diz respeito a produção de informação
direta através da criação e aplicação de inquéritos por
questionários e/ou realização de entrevistas (individuais
e focus group) às pessoas da organização. Os questionários ou as entrevistas deverão ser desenhados de forma a
obter informação em três principais núcleos temáticos:
– Literacia e utilização de direitos associados à maternidade e à paternidade.
– Conciliação da vida profissional, pessoal e familiar.
9
Disponível em http://www.cite.gov.pt/pt/dsie/produtos.html.
Disponível em http://195.23.38.178/cig/portalcig/bo/documentos/Ref_Adm_Central.pdf e http://195.23.38.178/cig/portalcig/bo/documentos/Ref_
Adm_Local.pdf .
10
SOCIEDADE E TRABALHO 43/44/45
133
PLANOS PARA A IGUALDADE DE GÉNERO NAS ORGANIZAÇÕES: CONTRIBUTOS PARA O DESENHO E REALIZAÇÃO
DOS DIAGNÓSTICOS ORGANIZACIONAIS
–
–
–
–
–
–
–
–
Estereotipia, atitudes e valores de género.
Os seus objetivos principais serão:
Obter dados sobre o grau de conhecimento das pessoas relativamente aos direitos associados à maternidade e paternidade, no sentido de detetar necessidades de informação.
Conhecer a forma como homens e mulheres utilizam
os seus direitos de parentalidade, bem como os principais obstáculos que se colocam a essa utilização.
Conhecer as práticas, estratégias e necessidades de
conciliação de homens e mulheres.
Conhecer a forma como homens e mulheres usam o
tempo e repartem as responsabilidades familiares e
domésticas.
Conhecer as suas preferências e recetividade quanto a
potenciais medidas promotoras da conciliação, a desenvolver no âmbito do Plano.
Conhecer as atitudes de homens e mulheres relativamente aos papéis sexuais, à segregação ocupacional
entre outros aspetos relativos à igualdade de género,
através da aplicação de uma escala de atitudes.
Diagnosticar situações de violência doméstica, assédio sexual no local de trabalho e fora dele, bem como
outros tipos de discriminação.
Idealmente e sempre que possível, o inquérito por
questionário e as entrevistas individuais ou focus group
devem ser utilizados de forma complementar. Com o
primeiro procura-se conhecer as conceções, práticas e
situações de (des)igualdade de género da totalidade ou
de uma amostra extensa representativa das pessoas da
organização. Com as segundas, o objetivo é aprofundar
o conhecimento daqueles itens e proporcionar a atores-chave da organização um exercício de reflexividade
sobre estas matérias, podendo incidir de forma mais
aprofundada sobre problemáticas específicas (direitos,
divisão sexual do trabalho, discriminação, fatores e sentido do conflito trabalho-família, e fatores facilitadores
da conciliação, apoios e recursos, estratégias de conciliação mobilizadas, “sentido dos direitos”, visões sobre as
políticas, satisfação, perceções de apoio organizacional e
sua importância, entre outros).
O desenvolvimento deste conjunto de estratégias de
diagnóstico deverá dar origem a uma bateria de informação quantitativa e qualitativa. A sua análise deverá
134
SOCIEDADE E TRABALHO 43/44/45
permitir diagnosticar obstáculos à igualdade de oportunidades e de resultados de homens e mulheres na organização. Mas eles deverão também destacar forças organizacionais que sejam capazes de potenciar e alavancar
uma estratégia de mudança e de transformação, por isso
entendemos ser fundamental a elaboração e discussão de
um quadro síntese com os pontos fracos e os pontos fortes para uma estratégia de mainstreaming de género na
organização.
Considerações finais
Gina Gaio Santos coloca uma questão que nos parece
interessante: “Será a implementação de uma política de
igualdade de oportunidades e valorização da diversidade
a solução para a gestão da diferença nas organizações
e das desigualdades de género no trabalho e no emprego?” (2010: 99). A resposta positiva a esta questão confronta as organizações com o desafio da implementação
de Planos para a igualdade que sejam verdadeiramente
transformadores e não mera retórica institucional. Como
sugere alguma literatura, a atenção e representação das
vozes das mulheres como stakeholders das organizações,
como trabalhadoras, clientes, membros da comunidade
e investidoras de forma a combater a sub-representação
das questões de género. Desta forma, e para que o mainstreaming de género na gestão das organizações vá além
do cumprimento das imposições legais e do business case
(Dickens, 1999), é importante incluir stakeholders que
representem vozes e problemáticas geralmente excluídas
no accountability das práticas de igualdade de género
(Grosser e Moon, 2005), um papel importante a desempenhar, por exemplo, pelos sindicatos.
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