DIRETORIA EXECUTIVA INTERCOM 2020-2023
Presidente: Giovandro Marcus Ferreira
Vice-Presidente: Juliano Mendonça Domingues da Silva
Diretor Editorial: Felipe Pena de Oliveira
Diretor Financeiro: Marcelo Briseno Marques de Melo
Diretora Administrativa: Adriana Cristina Omena dos Santos
Diretora de Relações Internacionais: José Edgard Rebouças
Diretor Cultural: Ariane Carla Pereira Fernandes
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Diretora de Projetos: Sonia Maria Ribeiro Jaconi
Diretora Científica: Nair Prata Moreira Martins
Diretoria Regional Norte: Tatiane Hilgemberg Figueiredo
Diretoria Regional Nordeste: Norma M. Meireles Macêdo Mafaldo
Diretoria Regional Centro-Oeste: Luãn José Vaz Chagas
Diretoria Regional Sul: Cristiane Finger Costa
Diretoria Regional Sudeste: Franco Dani Araújo e Pinto
CONSELHO EDITORIAL DA INTERCOM
Presidente do Conselho: Giovandro Marcus Ferreira (UFBA)
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Erick Felinto de Oliveira (Uerj)
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Fernando Oliveira Paulino (UnB)
Francisco Machado Filho (Unesp)
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Joaquim Paulo Serra (UBI, Por.)
Luiz Claudio Martino (UnB)
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Margarita Ledo Andión (USC, Gal.)
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Nair Prata Moreira Martins (Ufop)
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Sérgio Augusto S. Mattos (UFRB)
Simone Antoniaci Tuzzo (UFG)
Sônia Caldas Pessoa (UFMG)
Vanessa Cardozo Brandão (UFMG)
RESISTÊNCIAS
COMPARTILHADAS
COMUNICAÇÃO, LIBERDADE E CIDADANIA
NAIR PRATA
SÔNIA JACONI
RODRIGO GABRIOTI
GENIO NASCIMENTO
(organizadores)
São Paulo
INTERCOM
2021
Resistências compartilhadas: comunicação, liberdade e
cidadania | 1ª edição
Copyright © 2021 dos autores dos textos, cedidos para esta edição
à Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação Intercom
Organização
Nair Prata, Sônia Jaconi, Rodrigo Gabrioti e Genio Nascimento
Projeto gráfico, diagramação e capa
genioeditorial.com
Imagem da capa
Gayatri Malhotra - Unsplash
Revisão
Nair Prata, Sônia Jaconi e Rodrigo Gabrioti
Ficha Catalográfica
Resistências compartilhadas: comunicação, liberdade e
cidadania.
[recurso eletrônico] / Nair Prata, Sônia Jaconi,
Rodrigo Gabrioti e Genio Nascimento (orgs). São Paulo:
INTERCOM, 2021, 471 p.:il.
Inclui bibliografias.
E-book.
ISBN 978-65-990485-7-9
1. Comunicação. 2. Resistência. 3. Pandemia. 4. Grupos de
Pesquisa Intercom. 5. Brasil. I. Prata, Nair (org.). II. Jaconi,
Sônia (org.). III. Gabrioti, Rodrigo. IV. Nascimento, Genio
(org.).
CDD: 659
Todos os direitos desta edição reservados à:
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CEP 01318-002 - São Paulo - SP
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Resistências compartilhadas: comunicação, liberdade e cidadania
Sumário
Prefácio
Cicilia M. Krohling Peruzzo | 9
Apresentação
Nair Prata, Sônia Jaconi, Rodrigo Gabrioti e Genio Nascimento | 14
O legado de Paulo Freire: práticas de liberdade e de esperança
Rose Mara Pinheiro e Ana Luísa Zaniboni Gomes | 20
A produção cinematográfica e audiovisual brasileira perspectivas e desafios
Débora Ivanov e Luiza Lusvarghi | 42
O ativismo folkmidiático como estratégia para a resistência
das classes desprivilegiadas (relato da entrevista com Osvaldo
Meira Trigueiro)
Marcelo Pires de Oliveira | 68
Games, mídia e comunicação: perspectivas epistemológicas
Emmanoel Ferreira, Ivan Mussa e Jorge Cardoso Filho | 84
Sumário
5
Resistências compartilhadas: comunicação, liberdade e cidadania
Livros, autoritarismo e resistência: conversas
Sandra Reimão, Bruno Guimarães Martins e José Muniz Jr. | 102
Estéticas da comunicaçao: perspectivas da imaginação política
em tempos de esgotamento e melancolia
Tamires Ferreira Coêlho, Jamer Guterres de Mello e Helen Campos | 117
30 anos do GP Comunicação para a Cidadania da Intercom
Bruno Fuser, Cláudia Lahni, Denise Teresinha da Silva, Pablo Nabarrete
Bastos e Rozinaldo Antonio Miani | 141
Jornalismo de resistência - múltiplas práticas para a liberdade e
a cidadania
Leonel Aguiar e Felipe Pena | 163
Música, ativismo e resistências nas disputas da cultura pop:
diálogos com Adriana Amaral, Cíntia Sanmartin Fernandes,
Mercedes Liska e Simone Pereira de Sá
Nadja Vladi Gumes, Adriana Amaral, Cíntia Sanmartin Fernandes,
Mercedes Liska e Simone Pereira de Sá | 189
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli | 222
Divulgação científica como práticas de resistência em tempos de
pandemia e negacionismo
Adriana Omena Santos, Kamila Santos e Mirna Tonus | 250
Pensar e comunicar na América Latina em tempos de ataques à
ciência e à democracia
Paulo Vitor Giraldi Pires e Anézia Maria Brito Lima | 284
Entre arquivos e plataformas: a memória televisiva brasileira
resiste?
Gustavo Fischer, Suzana Kilpp e Miriam Rossini | 302
Sumário
6
Resistências compartilhadas: comunicação, liberdade e cidadania
EBC e os desafios da radiofusão pública no Brasil
Débora Cristina Lopez, Eduardo Vicente, Nélia Del Bianco e Gésio
Passos | 322
Ficção seriada e resistência
Ligia Prezia Lemos, Larissa Leda F. Rocha, Clarice Greco e Lucas
Martins Néia | 345
Pós-colonialismo, decolonialismo e recolonialismo no
pensamento comunicacional latino-americano
Thaiane Oliveira, Luís Mauro Sá Martino, Marcio Telles e Claudiane
Carvalho | 373
Novas fronteiras da resistência em políticas e estratégias de
comunicação: a defesa do conhecimento
Elen Geraldes e Rafaela Caetano Pinto | 400
José Marques de Melo e Paulo Freire: aproximações e diálogos
na Educação
Sérgio Mattos, Rodrigo Gabrioti e Sônia Jaconi | 414
Um clássico in memorian: Jesús Martín-Barbero e o legado das
mediações
Rodrigo Gabrioti | 433
Sobre os autores | 452
Sumário
7
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Religião à distância: a comunicação
religiosa na pandemia
Ricardo Alvarenga
Isabella Pichiguelli
O mundo inteiro segue sofrendo com os impactos da
pandemia do novo coronavírus, que até o dia 15 de julho de 2021
já havia feito mais de 4,06 milhões de vítimas fatais. O Brasil
teve sua primeira morte registrada pela Covid-19 em março
de 2020, é a partir desse momento que estados e municípios
iniciaram a implementação de diversas medidas restritivas,
levando em consideração as normas de biossegurança que
objetivam diminuir a propagação do vírus. Para tanto, toda a
população foi orientada a manter distanciamento social e em
alguns momentos até a fazer isolamento.
Dentro desse contexto, é importante destacar que
no Brasil até a presente data já morreram por conta da
irresponsabilidade do poder público - majoritariamente do
governo federal - 537 mil pessoas. Muitos tentam desviar o
olhar desses dados e desnortear as informações, mas, nós
precisamos sempre, como um ato de resistência e de memória
a todas essas pessoas, relembrar esse número, porque são
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
222
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
alarmantes e nos faz perceber a dimensão desse problema e
da negligência do estado no trato sobre a pandemia.
O cenário calamitoso da pandemia fez com que igrejas,
templos e espaços de culto fechassem as portas. Diante
disso as religiões precisaram se reorganizar e reencontrar
espaços, modelos e formas de dialogar com seus praticantes,
de modo geral uma das alternativas encontradas foi o
uso de tecnologias digitais que permitiram a realização e
transmissão de atividades e práticas religiosas em tempo real.
É sobre a comunicação religiosa na pandemia que o professor
Moisés Sbardelotto 1 refletiu na entrevista que concedeu
aos pesquisadores Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
durante um evento realizado pela da Cátedra Intercom2.
Sbardelotto é jornalista, mestre e doutor em Ciências da
Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
com pesquisas na área de midiatização e processos sociais,
com foco na interfase comunicação e religião.
Ricardo Alvarenga: Vivenciamos desde março de 2020,
em virtude da Covid-19, um movimento de redescoberta
das práticas religiosas. Afinal, como as medidas de
distanciamento social, que registrem o contato presencial,
as igrejas, os templos e os diversos lugares de culto tiveram
que ser fechados. Esse movimento de fechamento dos espaços
físicos provocou nas instituições a busca por alternativas para
chegar até as pessoas. Neste sentido gostaria que Professor
1. Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), e mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), com estágio doutoral (bolsa PDSE/
Capes) na Università di Roma “La Sapienza”, na Itália, e estágio pós-doutoral (bolsa
Fapergs/Capes) na Unisinos. É membro do Grupo de Reflexão sobre Comunicação da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Grecom/CNBB) e colaborador do Instituto
Humanitas Unisinos (IHU). Seu livro mais recente é “Comunicar a fé: por quê? Para quê?
Com quem?” (Ed. Vozes, 2020). Foi membro da Comissão Especial para o “Diretório de
Comunicação para a Igreja no Brasil”, documento aprovado pela CNBB em 2014. De
2008 a 2012, coordenou o escritório brasileiro da Fundação Ética Mundial (Stiftung
Weltethos), fundada pelo teólogo suíço Hans Küng (1928-2021).
2. A entrevista está disponível na íntegra no canal no Youtube da Intercom através do
link: youtu.be/tcp-Prs2BQE.
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
223
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Moisés Sbardelotto começasse sua participação comentando
um pouco sobre esse processo de migração dos rituais e das
práticas religiosas que antes não demandavam, talvez, uma
atenção para o uso das tecnologias, mas que, de repente, com
o contexto da pandemia, observam a necessidade de mudar
isso, não é verdade?
Moisés Sbardelotto: Sim, é isso mesmo. Todo esse
fenômeno comunicacional complexo que estamos vivendo,
como sociedade, está no contexto inédito de uma pandemia,
no alcance que ela tem especialmente em nosso país. Por isso,
é muito importante sempre relembrarmos essa realidade,
essas pessoas, essas vidas que ainda estão sendo perdidas,
muitas vezes por irresponsabilidade, negligência, má-fé.
Nesse contexto, todo momento de reflexão tem que partir
dessa realidade dura que estamos vivendo como país.
Por outro lado, há a questão do modo como essa
pandemia afeta as práticas religiosas (SBARDELOTTO,
2021b). Podemos dizer que a pandemia, para além de todos
os seus aspectos negativos, que são inegáveis e causam muito
sofrimento, também é um fenômeno comunicacional, porque
catalisou, de modo exponencial, um processo que já vinha
ocorrendo, no sentido da digitalização e da conectivização
das práticas religiosas. Houve uma migração das práticas
religiosas para os mais diversos ambientes digitais, o que
também exponenciou, por outro lado, os próprios limites e
potencialidades das práticas religiosas tradicionais. Então,
tivemos um somatório e uma condensação de processos
em um período específico de tempo, seja do ponto de vista
da pandemia, seja do ponto de vista da digitalização que já
estávamos vivendo como sociedade, seja ainda das práticas
religiosas.
Há quase uma década, eu já falava das “midiamorfoses
da fé” (SBARDELOTTO, 2012), ou seja, aquelas metamorfoses
pelas quais a fé e as práticas religiosas vêm passando nessas
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
224
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
últimas décadas, que se intercalam e se complexificam a partir
dos processos midiáticos contemporâneos e da midiatização,
entendida como um metaprocesso que envolve práticas
socioculturais, tecnológicas e religiosas em um ambiente
comunicacional muito marcado pelas mais diversas mídias.
Temos uma série de transformações a partir do momento em
que, devido à pandemia, as igrejas - os templos de pedra - têm
que se fechar, e os ritos presenciais também não podem mais
ser celebrados. Com isso, praticamente todas as religiões se
encontram, muitas vezes, em um beco sem saída: se o lugar
do culto se fecha, se as práticas religiosas tradicionais não
podem ser celebradas, o que se faz agora? Isso colocou em
xeque muito fortemente as próprias religiões, diante desses
dois fenômenos - seja a pandemia, seja aquilo que o digital
vinha potencializando ou oferecendo como possibilidade.
Sem dúvida, foi e está sendo um período muito rico para
a pesquisa, porque mostra essa inter-relação de uma forma
muito evidente.
Não significa que tudo o que está acontecendo agora
seja inédito ou totalmente inovador. Muitas vezes, são
processos que já vinham ocorrendo nas próprias práticas
religiosas, nas vivências de fé das várias religiões, mas que
o período de pandemia exponenciou e catalisou em um
curto espaço de tempo, sacudindo as instituições religiosas
para buscarem formas de manter as práticas religiosas, os
vínculos comunitários, as experiências de seus fiéis, embora
à distância. Nesse período, algumas dualidades também
começam a entrar em xeque - seja aquilo que costumamos
falar sobre o online e o offline, o virtual e o real, o
presencial e o digital, até mesmo em relação à questão do
distanciamento, por exemplo, entre o físico e o social. Essa
visão dualista de todo esse processo começa a ruir, porque
percebemos uma complexidade cada vez maior, que vem
gerando transformações do ponto de vista das religiões.
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
225
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Há ainda a questão daquilo que chamamos de
“confinamento litúrgico” (ADAM, SBARDELOTTO, 2020;
SBARDELOTTO, 2020a), em que os ritos e as liturgias
diversas, não podendo ser realizadas em espaços públicos,
com aglomeração de pessoas, são vivenciados a partir da
experiência do distanciamento, em que as instituições
religiosas precisam repensar suas práticas. Com isso, o
ambiente digital emerge como uma oportunidade não
meramente de troca de informações ou de trocas puramente
tecnológicas, envolvendo apenas máquinas, dígitos,
plataformas, algoritmos, mas sim como um ambiente de vida,
que possibilitou que a sociedade como um todo pudesse
continuar realizando suas práticas apesar do distanciamento
e do confinamento propriamente ditos. Mesmo em tempos
de pandemia, continuamos estudando, trabalhando, nos
relacionando e também vivendo a fé, praticando as ritualidades
próprias de cada pessoa e de cada comunidade, agora nos
ambientes digitais. Muitas vezes, as religiões já detinham
uma certa expertise nesse sentido, então essa passagem não
foi tão sofrida e custosa, mas muitas vezes havia um receio,
uma distância, uma brecha digital muito grande, e muitas
comunidades sofreram mais com essa transição.
De toda forma, me parece que, passado já um ano de
pandemia, o ambiente digital não é mais tão “demonizado” ou
visto como um ambiente meramente paralelo, de “simulações”.
Pelo contrário, as religiões como um todo vão percebendo o
ambiente digital como um ambiente de vida, um ambiente de
relação e, portanto, também um ambiente de prática religiosa
e de experiência do Sagrado.
Ricardo Alvarenga: A partir dessa reflexão muito
interessante que você acabou de fazer, eu compartilho uma
experiência que vai muito no sentido dessas transformações
que a pandemia provocou na vivência e na experiência de fé
das pessoas. Em maio do ano passado, no auge da pandemia,
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
226
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
durante a primeira grande onda, eu tive a infeliz oportunidade
de acompanhar o sepultamento de uma pessoa, no ato
estávamos somente estava eu e outros dois familiares dessa
pessoa. Eu me recordo de que o apelo de um dos familiares
era justamente o de conseguir um padre para dar uma
bênção por videoconferência, ou seja, para fazer a celebração
das exéquias, mesmo que virtual. E naquele momento,
conseguimos organizar isso e o padre realizou a bênção da
sepultura e a encomendação daquele corpo remotamente,
com o celular, pelo WhatsApp. Essa sem dúvida foi uma das
experiências mais difíceis que vivenciei durante a pandemia,
mas a oração e presença, mesmo que remota, do padre foi
acalentadora por ser uma presença que representa esperança
e fé. Acredito que isso tem muito a ver com toda essa
discussão que você vem fazendo em torno desse conceito de
virtualização da fé. Penso que essa experiência, em particular,
me fez perceber que por mais que estivéssemos distantes, que
não pudéssemos estar fisicamente juntos, que o padre não
pudesse estar lá no cemitério naquele momento, mas o que
importava para aquele familiar, era a figura, a representação
da fé, mesmo que virtualmente. Isso nos leva a perceber
que essas separações, esses paradigmas começam a gerar
uma certa confusão, no sentido de delinear ou estabelecer
as fronteiras e os limites. Gostaria que você comentasse um
pouco mais sobre esses processos de virtualização que seguem
nessa linha e trouxesse alguns exemplos sobre essa vivência
da espiritualidade dentro desse contexto de pandemia que
acontece através das tecnologias, e que também depois vai se
dando a partir de outros suportes.
Moisés Sbardelotto: Sim. Eu acredito que é justamente
isso. O desafio é como repensar certos conceitos à luz destes
fenômenos que estamos vivendo agora, por exemplo, essa interrelação entre a pandemia, os processos midiáticos e as práticas
religiosas, de um ponto de vista macro, pois são três elementos
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
227
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
grandes e complexos em si mesmos e que, neste período
histórico, se intercalam e geram algo ainda mais complexo.
Nesse sentido, o conceito de “virtual”, em geral,
é trabalhado e usado de um modo muito simplista. Se
recorrermos às próprias definições dos dicionários, o virtual
dá a entender algo que não existe ou que não existe ainda, mas
que pode vir a existir. Ou, então, uma mera representação ou
simulacro. Essas acepções, quando aproximadas ao ambiente
digital, talvez até fizessem sentido décadas atrás, quando a
internet estava nascendo, pois era algo inovador, e a sociedade
ainda estava aprendendo a lidar com essas novas formas de
comunicação.
Porém, neste período histórico dos anos 2020, essa
ideia do digital como um mero “universo paralelo” ou
marcado por uma total imaterialidade, como uma realidade
totalmente incorpórea, desencarnada, começa a cair por
terra, porque a própria prática social aponta para outra coisa
(SBARDELOTTO, 2020c). Eu não nego que o conceito de
virtual, a partir de seu significado filosófico, e a dualidade
entre virtual e atual são muito ricos e podem ser trabalhados
sob vários aspectos. O problema é essa visão simplista
demais do virtual, como se fosse diretamente sinônimo de
algo imaterial, incorpóreo, fictício, representacional e que se
contraporia ao real. Há aí uma dualidade que não faz sentido
no contexto das práticas comunicacionais em redes digitais.
O virtual, do ponto de vista filosófico, é algo que
pode vir a ser e que se atualiza em momentos específicos,
lugares específicos, mas não se trata de algo específico do
digital. Isso pode se manifestar inclusive dentro de uma
celebração presencial, dentro de um templo, com as pessoas
umas ao lado das outras. Esse ambiente celebrativo, que
nós poderíamos chamar de presencial e real, está repleto de
virtualidades: inúmeras coisas podem acontecer, inúmeros
sentidos e símbolos podem circular ali, mas nem todos vão se
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
228
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
atualizar. Então, se tomarmos esse sentido comum de virtual,
ele mais atrapalha do que ajuda a entender efetivamente aquilo
que ocorre nos ambientes digitais. Se pensarmos essas práticas
religiosas a partir desse ponto de vista do virtual como algo
desencarnado, como uma realidade meramente maquínica,
tecnológica, algorítmica, substitutiva, estamos perdendo de
vista a concretude, a realidade, as práticas religiosas como
elas vêm sendo vivenciadas hoje, que não são meramente uma
substituição devido a este período de exceção e de confinamento
litúrgico. As práticas religiosas estão sendo realizadas
em ambientes digitais, mas isso não significa que se dará
automaticamente uma substituição a partir do momento que a
pandemia acabar, muito pelo contrário: entre as comunidades
e fiéis que eu venho acompanhando, não só do cristianismo,
mas também de outras religiões, o desejo é efetivamente de
voltar, em um período pós-pandemia, para as celebrações
tradicionais, como elas já vinham sendo celebradas no período
pré-pandêmico, mas, ao mesmo tempo, sem perder toda essa
riqueza e toda essa bagagem que as experiências no ambiente
digital trouxeram também para as religiões.
Um filósofo italiano de quem eu gosto muito, Luciano
Floridi, professor na Universidade de Oxford e também em
Bolonha, cunhou um termo que me parece interessante neste
contexto: onlife, isto é, a vida em constante conexão. Trata-se
de entender a experiência contemporânea a partir da própria
conectividade, que se torna uma dimensão da existência
humana, não só do ponto de vista das religiosidades, mas
também das sociedades em geral. Não há mais como separar
quando estamos online e quando estamos offline. Já se tentou
explicitar isso de outras formas: “na frente da tela”, “longe da
tela” etc., mas sempre se acaba caindo, de alguma forma, em
um dualismo. E sabemos que a vida é muito mais complexa
do que isso. Mesmo quando estamos longe das telas, com o
celular desligado, nossa vida online continua fervilhando e,
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
229
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
quando voltarmos para a frente da tela, haverá uma tonelada
de e-mails e de mensagens para responder. Ou seja, hoje é
praticamente impossível dividir esses ambientes de vida como
se fossem universos separados.
A vida humana é essa complexidade, ela se dá em vários
ambientes e espaços, e o mais rico para a própria pesquisa é
perceber essas interfaces, os interstícios, as conexões que vão
se dando entre esses vários ambientes, sem tentar fazer cortes
milimétricos com o bisturi, que nem sempre funcionam
nem se sustentam. Então, é importante perceber essas interrelações, essa ecologia comunicacional, esses ecossistemas
complexos das práticas religiosas e dos processos midiáticos,
e o modo como eles vão se interconectando.
Isabella Pichiguelli: Você falou algumas coisas que
ficaram fervilhando em nossas cabeças. É um tema realmente
muito instigante. Você mencionou algumas coisas, como a
diferença entre virtual e atual. Isso me lembrou que ainda
antes da pandemia, em artigo que publiquei junto à professora
Míriam Cristina Carlos Silva (Universidade de Sorocaba),
afirmamos que: “Nos templos das religiões ou fora deles [...]
mais que estar em movimentos corporais, locais e momentos
determinados, para viver experiência religiosa, é necessário
estar: presentificar-se no corpo. Em outras palavras, não
é o como o corpo se movimenta, nem onde, nem quando,
mas é o estar e o ser que propiciam a experiência religiosa”
(PICHIGUELLI, SILVA, 2017, p. 12). Isso me parece ter muito
a ver com o que o professor está falando sobre as experiências
religiosas agora, na pandemia. Ou seja: há uma dispersão
geográfica, mas nós continuamos fisicamente presentes.
Agora, essas noções parecem enfraquecer – para não dizer
“destruir” – determinados argumentos que defendem a
indispensabilidade de uma liturgia que até hoje chamamos
de presencial. Diante disso e da já mencionada possibilidade
que temos, nesse período histórico, de repensar diversos
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
230
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
conceitos, faço uma questão ao estilo “duas em uma”: Como
poderíamos passar a chamar, diante dessas compreensões,
o que chamamos hoje de “liturgia presencial”? E para um
tempo pós-pandemia, quais as implicações dessas noções
para uma comunidade religiosa? O que pode fazer com que
comunidades religiosas possam abraçar tais conceitos – em
uma postura que não negue o que as ciências (sociais, da
comunicação) estão apontando – sem que essas comunidades
religiosas se sintam, de certa forma, ameaçadas por esses
conceitos, uma vez que eles desestruturam esses edifícios
tão bem construídos sobre a indispensabilidade da presença
na reunião litúrgica?
Moisés Sbardelotto: Ótimas perguntas e bastante
densas, porque envolvem questões centrais para as várias
religiões. Com relação a essa nomenclatura - “presencial” ou
“não presencial” - é difícil dar um nome, porque realmente
estamos vivendo uma realidade nova que também demanda
um esforço de todos nós para conseguirmos ir nomeando
esse tipo de fenômeno. Mas eu acredito que, mesmo em um
período pré-pandemia, nas práticas tradicionais das várias
religiões, nunca se colocou em xeque a validade do rito de
acordo com o ambiente onde ele era celebrado. As várias
religiões não celebram apenas no templo. Elas têm ritos que
são feitos ao ar livre, dentro de casa etc. O que muda, até
na própria nomenclatura, é o lugar onde o rito é realizado.
O rito no templo, o rito caseiro, doméstico, o rito ao ar
livre... mas são todos igualmente válidos. Agora, no digital,
passou-se a questionar algo fundamental que é a presença
das pessoas. Então, começa-se a dicotomizar entre o rito
“presencial”, feito entre quatro paredes, que seria o mais
válido, importante, significativo, e o rito “virtual”, como
se costuma chamar, o rito online, o rito à distância, que
seriam apenas “substitutivos inferiores”, em certo sentido,
considerados de segunda categoria.
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
231
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Entretanto, os conceitos de presença e de ausência não
são apriorísticos, não são definidos de antemão, na própria
prática religiosa tradicional: no interior de um templo, as
pessoas podem estar presentes “de corpo”, mas podem estar
ausentes de mente e de espírito, inclusive. E isso é perceptível.
Quem tem uma prática religiosa sabe que, muitas vezes, as
pessoas estão no templo, mas estão fazendo qualquer outra
coisa e não vivenciando propriamente o rito em uma dimensão
profunda, mística, em relação com o Sagrado.
E o contrário também é verdadeiro: as ausências não
estão definidas de antemão. Tivemos os casos de vários
debates políticos, por exemplo, em que a cadeira ou os
púlpitos ficaram vazios, e essa ausência do candidato falava
mais do que qualquer presença. É uma “presença” que
modifica, inclusive, a fala dos outros candidatos concorrentes
e do próprio debate. O candidato ausente torna-se igualmente
um sujeito do debate, as pessoas se dirigem à cadeira vazia, se
dirigem ao púlpito vazio, e se dá um debate apesar da ausência
da pessoa. Então, precisamos tentar perceber esses conceitos
na especificidade de cada processo, na conjuntura em que as
presenças ou as ausências se manifestam.
A questão é justamente aprofundar a observação e o
acompanhamento das práticas religiosas e pensar as suas
distinções sem essa visão apriorística, como se o simples
fato de as pessoas estarem em um mesmo lugar geográfico
validasse por si só algum rito. Penso que o próprio esforço
da pesquisa em Comunicação é perceber como o processo
comunicacional e as inter-relações que mencionei vão se
estabelecendo. A própria ideia do corpo, por exemplo: como
ele está presente em uma conexão digital? Todos nós estamos
aqui [na transmissão da live do Intercom] com nossos corpos.
Cada um em sua casa, onde quer que esteja. Mas é uma relação
que se estabelece graças aos nossos corpos. Se não fossem
nossos corpos, não poderíamos estabelecer estas relações que
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
232
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
estamos tendo aqui [via internet]. Então, o ambiente digital
não nos desencarna, o corpo continua sendo fundamental
para as nossas interações. Obviamente, não é a mesma coisa
que estarmos com nossos corpos presencialmente, uns
ao lado dos outros, mas acho que a visão de um ambiente
desencarnado, incorpóreo precisa ser revista.
O ambiente digital possibilita - e isso tem muito
significado também para as práticas religiosas - um contato,
uma relação que se estabelece entre corpos, entre pessoas
encarnadas. Por isso, é preciso uma visão integral, ecológica,
complexa do processo que se estabelece em rede. Não
abandonamos os nossos corpos, as nossas experiências, as
nossas vivências, as nossas emoções quando estamos em rede.
Então, temos que ressignificar aquilo que entendemos por
corpo e por presença dos nossos corpos. Nós estamos aqui
[na live] em uma experiência híbrida, onlife. Híbrida, porque
estamos nos comunicando com nossos corpos humanos, de
carne, biológicos, mas, ao mesmo tempo, estamos presentes
nas várias regiões geográficas em que estamos graças à
tecnologia e ao aparato tecnológico digital.
Portanto, existe essa interface complexa entre o
biológico, o tecnológico, o simbólico, todas estas plataformas
digitais, as telas, as imagens, o modo como me faço presente
onde cada um está [na transmissão da live], as questões sociais
e culturais que estão em jogo - porque, em geral, falamos
de “ambiente digital” no singular, mas ele se manifesta de
formas diferenciadas de acordo com o país, e dentro do país
de acordo com cada religião, e a internet é vivida de acordo
com as várias culturas também presentes no mesmo país.
Trata-se de perceber todas essas complexidades. E também
a complexidade do próprio corpo, esteja ele lá no templo, no
contato físico entre as pessoas, seja a partir das mediações
digitais, que não significam uma redução dos sentidos.
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Muitas vezes, se diz: “Mas no computador só temos
a audição e a visão, os outros sentidos ficam escanteados”.
Mas penso que aqui também a pandemia nos fez retomar
alguns conceitos clássicos, que também dizem respeito à
comunicação, por exemplo, o de sinestesia, sobre o qual
Marshall McLuhan já falava, assim como vários outros autores
que trabalharam esse conceito, ou seja, justamente essa rede
de relações que se estabelece entre os nossos sentidos. Tanto
é que, muitas vezes, escutamos uma música e dizemos: “Me
senti tocado por essa música”, ou então assistimos a um filme
e praticamente sentimos os cheiros que estão envolvidos em
uma determinada cena. Ou seja, os nossos sentidos e o nosso
corpo formam uma complexidade. Assim, mesmo quando
essa complexidade é reduzida por determinadas conjunturas,
o próprio corpo consegue superar tal redução e ressignificar
sua complexidade, e isso diz respeito também à vivência das
próprias práticas religiosas, neste caso.
Isabella Pichiguelli: Você mencionou esse novo modo
de ser igreja, e mencionou as inter-relações humanas, o que
me fez lembrar um de seus artigos publicados a respeito
dessas experiências religiosas na pandemia, no qual você
trata sobre comunidade, e resgata também esse conceito
de comunidade, dentre outros que estão sendo repensados.
Nesse artigo, você pontua que: “A comunidade é fruto da
comunhão entre as pessoas, que, por sua vez, é fruto da
‘capacidade de dialogar’, de um processo comunicacional”
(SBARDELOTTO, 2020c, p. 106). Ao que me parece, esse
novo modo de ser igreja leva a uma descentralização – nas
vivências das comunidades de fé – do ato litúrgico em seu
sentido tradicional. É possível cogitar algo nesse sentido? É
possível pensar dessa maneira? E, se sim, de que forma você
tem percebido essa descentralização nas comunidades de fé?
Ela tem ocorrido? De que forma tem ocorrido?
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Moisés Sbardelotto: Sim, eu acho que podemos falar dessa
experiência de descentralização em relação particularmente ao
templo, a essa experiência física, material, digamos assim, da
religião localizada geograficamente em um ponto específico. E a
pandemia nos fez repensar isso. Acho que o cristianismo, assim
como outras tradições religiosas - o budismo, o hinduísmo, o
judaísmo -, nos ajudam a pensar a religiosidade e as práticas
religiosas como ações ligadas, sim, aos templos e a espaços
geográficos sagrados, mas que não dependem exclusivamente
deles. Podemos quase generalizar isso para todas as religiões.
Há sempre uma certa fluidez na relação com esse espaço físico.
A pandemia ressaltou esse aspecto de forma muito
forte: a descentralização em relação a um espaço sagrado
físico, material, geograficamente localizável, em que o templo
precisou ser repensado. A forma de se relacionar e de praticar
as várias religiosidades precisou ser repensada. Aqui ganha
muita força uma ideia que vários autores vêm trabalhando,
justamente no sentido de que o digital se converte também em
um lócus religioso e teológico, a partir do momento em que o
espaço e a dimensão espacial das práticas religiosas começam
a ser ressignificados a partir do fenômeno digital.
Então, podemos entender a descentralização das
comunidades de fé também a partir disso, porque agora o
templo, como esse centro agregador das comunidades, onde
se estabelecem os vínculos de fé entre fiéis e irmãos de fé,
está fechado [durante a pandemia], de modo que os fiéis
também precisam repensar os seus vínculos, as suas formas
de vinculação, não só com as autoridades e as instituições
religiosas, mas também entre si. Porque sabemos que a prática
religiosa também é isto: é vivência fraterna, convivência entre
amigos e amigas, em espaços de sociabilidade. Então, tudo
isso precisa ser repensado e ressignificado quando, durante
a pandemia, os templos - como esse espaço de sociabilidade
- se fecham.
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
235
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Se entendemos a prática religiosa como um processo
relacional com o “Outro”, que é Deus, o Sagrado, e o “outro”,
que é a outra pessoa, o outro fiel, nela também se estabelece
uma relação comunicacional, que depende de processos
comunicacionais: o nosso contato com o Sagrado, com o
divino, e o nosso contato com o outro irmão e a outra irmã
de fé em uma comunidade religiosa é também um processo
comunicacional. E o digital manifesta justamente isto: esses
processos comunicacionais começam a ser afetados por essas
emergências, por esses fenômenos inovadores que estão
permeados pela tecnologia, por novas linguagens, por novas
materialidades, mas que, no fundo, não deixam de ser um
processo relacional.
Por isso, nesse artigo citado (SBARDELOTTO, 2020c),
eu tento inter-relacionar estes três conceitos que são
fundamentais para as várias religiões: a comunhão, seja com
a figura sagrada, seja com outros irmãos e irmãs de fé, e,
portanto, a comunidade, que, por sua vez, estão intimamente
ligados com a comunicação. A própria raiz etimológica dessas
palavras, não por acaso, é a mesma (cum + munus). Em um
período histórico como a pandemia, o ambiente em que essa
comunicação se dá passa por transformações, e, portanto, a
própria ideia de comunhão e de comunidade também sofrem
alterações, de algum modo. E aqui, a partir do que venho
observando das práticas religiosas, posso dizer que as religiões
em geral - embora eu trabalhe mais com o cristianismo - vêm
fazendo essa passagem da pandemia a partir de três grandes
esforços do ponto de vista da prática litúrgica, que de algum
modo apontam para essa descentralização.
Uma primeira passagem é a mais “básica”: os
templos se fecharam, os fiéis não podem mais se encontrar
presencialmente, então o que as Igrejas fazem é transmitir os
seus ritos e cultos. Trata-se de um processo de transmissão, que
é o nível mais básico diante do “desespero” do confinamento
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
236
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
litúrgico: “Acabou tudo, fechou tudo, o que fazemos?”. E a
resposta é: “Façamos a transmissão dos ritos”. De algum
modo, trata-se de fazer aquilo que sempre se fez, do modo
como sempre se fez: o rito lá no templo, só o clérigo, o pastor,
o irmão, o rabino, seja qual for a liderança religiosa, fazendo
aquilo que costumava fazer, mas agora com o templo vazio, e
transmitindo essa experiência para os fiéis em suas casas. O
rito não muda, mas é transmitido por meio de tecnologias.
Com isso, o templo também é de algum modo descentralizado,
continua tendo a sua importância, mas agora é um templo
ampliado, que chega até às casas, e a casa também passa a
fazer parte desse espaço sagrado ampliado.
Um segundo nível, um pouco mais complexo, envolveria
uma certa tradução, uma ressignificação. Continua se fazendo
aquilo que sempre se fez, mas trazendo alguns elementos
inovadores. Então, a mídia, as dinâmicas e lógicas midiáticas
começam a gerar algumas transformações no rito. Agora, a
liderança religiosa já começa a agregar algumas linguagens
midiáticas, seja um olhar diferenciado para a câmera, o fato
de trazer para o rito os pedidos de oração via Facebook ou
a plataforma que seja, enfim, continua se celebrando um
rito mais tradicional, mas com os elementos que podem ser
vistos como uma novidade. Trata-se de uma tradução para
a linguagem midiática, enquanto na transmissão isso não
ocorre, porque a mídia é concebida meramente como um
canal para chegar ao fiel da mesma forma como sempre se
fez, em que o imaginário sobre a mídia é como se ela fosse
um mero canal. No caso da tradução, não, pois temos as
mídias pensadas com um certo nível de complexidade, como
linguagens, com elementos novos que podem enriquecer o
rito.
E, enfim, algo que a pandemia trouxe mais à tona,
talvez não com toda a força, mas com alguns exemplos bem
significativos, não é nem a mera transmissão, nem esse
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
237
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
fenômeno da tradução, mas algo que eu chamaria de uma
verdadeira transformação: isto é, fazer coisas novas, de um
modo inédito dentro de cada tradição religiosa específica e de
acordo com cada ambiente midiático. Com isso, começam a
surgir modos de celebração rituais específicos via Zoom, via
Google Meet etc., e pensam-se também práticas específicas
para o WhatsApp, celebrações religiosas via Facebook, que
não existiam antes. Então, é uma transformação efetiva das
práticas religiosas. Faz-se alguma coisa nova, que não se fazia
antes, e de um modo também inédito. Aqui, vemos que a
mídia não é entendida nem como um canal neutro, nem só
como uma linguagem, mas como um verdadeiro ambiente de
relação, da liderança religiosa com a sua comunidade, e entre
a própria comunidade, a partir de momentos de reflexão e de
debate, de partilha de um texto sagrado etc.
Nesses três níveis, o templo físico, geograficamente
localizável, não é, digamos assim, escanteado. Mas perde
importância. O espaço agora começa a ser repensado, seja
no nível da mera transmissão, com um pouco mais de força
no nível da tradução e com muito mais ênfase nas práticas
religiosas que estou chamando de transformacionais.
Ricardo Alvarenga: Quando você fala desses três níveis:
transmissão, tradução e transformação, fica bastante claro
os processos em torno destes fenômenos, dessas mudanças
que foram sendo percebidas dentro das nossas experiências.
Olhando para as manifestações católicas, por exemplo, para
quem acompanha a TV Aparecida, que faz parte da Rede
de Comunicação do Santuário Nacional de Nossa Senhora
Aparecida, já percebe a presença destes níveis. A tradução já
vinha muito forte, desde o momento em que aquele celebrante,
ao fazer a sua primeira saudação, saúda também quem está
acompanhando pela televisão, pelo rádio, e aí não é somente
essa transmissão, assim como também uma série de outras
cerimônias que foram sendo criadas já pra essas plataformas,
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
238
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
como a Cerimônia da Bênção do Manto de Nossa Senhora,
que acontece a partir de uma linguagem televisiva já pensada
em um formato não presencial, físico, apesar de sabermos
a essa altura que esses conceitos precisam ser mais do que
nunca utilizamos com ressalvas. Dentro disso, tem uma
pergunta que chegou até nós que é a seguinte: no catolicismo,
e possivelmente em outras igrejas cristãs, a pandemia
evidenciou o valor de uma experiência chamada de igreja
doméstica. Isso de fato contribui para a vida da igreja? E aqui
eu aproveito destacar as celebrações católicas, especialmente
as que compõem o período da Semana Santa, como aquele
ritual da bênção dos ramos, em que o padre abençoava o
ramo lá da igreja e o fiel ergue o ramo naquele momento,
algo que nos lembra também uma prática muito antiga do
padre Marcelo Rossi que era a bênção da água, pela televisão.
Mas até que ponto você entende que esses processos, essas
etapas, vão também gerando um impacto positivo na vida da
igreja e um fortalecimento também dessa identidade da igreja
doméstica, dessa igreja vivida no âmbito familiar?
Moisés Sbardelotto: Sim, penso que a partir de várias
experiências é possível falar de um fortalecimento dessa
ideia de Igreja doméstica. Muitas vezes, olha-se para essas
experiências com uma certa visão apriorística e já se critica
que, de alguma forma, se trataria de uma “simplificação
da fé”, que leva as pessoas a abandonar os templos, uma
“individualização”, uma “privatização” das experiências
religiosas. Eu não nego que possa haver isso. Mas penso que
o desafio da pesquisa - também para ajudar a desfazer certos
mitos - é perceber especificidades, concretudes, conjunturas,
experiências práticas. Pelo menos algumas delas que eu tenho
acompanhado neste tempo vão nesse sentido de uma Igreja
doméstica, quer dizer, de um enriquecimento das práticas,
e não de um empobrecimento das experiências. É claro,
sempre situando tudo isso em um período de pandemia em
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
239
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
que outras experiências não são possíveis. Nisso, o digital
acaba se sobressaindo porque é o ambiente que se tem para
manter essas relações. Mas, lançando essas questões para um
futuro próximo - e é sempre difícil falar qualquer coisa sobre
o futuro, porque tudo pode se transformar com o processo
histórico -, eu acredito que, se as comunidades souberem
equilibrar essa complexidade, essa ecologia comunicacional
das próprias práticas religiosas, as experiências serão mais
enriquecedoras, pois não vão depender exclusivamente de um
ambiente físico para manter os vínculos, mas será possível
fazer isso em vários ambientes diferenciados.
Sabemos que as Igrejas e as religiões em geral já fazem
isso muito bem, pois não dependem exclusivamente do templo,
mas também têm outros ambientes relacionais, como ações
culturais, esportivas, lúdicas, que são ambientes importantes
para construir comunidade e sociabilidade. Agora, o ambiente
digital - que não é um ambiente nem só lúdico, nem só social,
nem só religioso, mas é um ambiente extremamente complexo
- oferece inúmeras outras possibilidades ainda.
E penso que esta é a questão: a necessidade que este
período pandêmico está mostrando de repensar determinados
conceitos centrais tanto do ponto de vista do âmbito religioso,
quanto comunicacional. Por exemplo, o de comunidade.
Como pensar o conceito de comunidade em um momento
como este? A comunidade simplesmente acabou, “fechou as
portas”? Ou estamos meramente diante de um “individualismo
conectado”, como se costuma dizer? Ou temos novas
expressões comunitárias? Ou ainda o conceito de identidade.
A identidade religiosa, em um período de pandemia, como
se constitui? Por exemplo no âmbito cristão, com relação
ao processo catequético, com crianças e adolescentes, e nas
outras religiões também, que têm os seus processos próprios
de iniciação, de formação de sujeitos, de novos fiéis: como é
que está se dando isso em um período de pandemia, em que
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
as relações estão ocorrendo em ambientes digitais diversos?
Acabaram os processos de iniciação e de formação nas várias
religiões, ou temos novas expressões identitárias também no
ambiente digital em um período como o da pandemia? Outro
conceito central: autoridade. Lembramos todo esse processo
de desinformação, de ruptura, de destruição, de desconstrução
das instituições, das autoridades, em que tudo é posto em
xeque, em que tudo é questionável: isso também afeta as
religiões. Então, como é que se dão agora essas expressões de
autoridade em rede? É algo extremamente complexo e muito
interessante do ponto de vista da pesquisa. E outro âmbito
ainda é o da ritualidade, sobre o qual já falamos.
Em suma, a questão é esta: o ambiente digital não
destrói, não nega, nem apaga tudo isso, ele revela outras
facetas que talvez não eram tão evidentes quanto agora. E
o mais importante: ele faz questionar as nossas concepções
de identidade, autoridade, comunidade, ritualidade. Ou
seja, trata-se de ver nas próprias práticas tradicionais, no
modo como elas eram feitas antes da pandemia, as suas
potencialidades e também as suas limitações, em comparação
com o digital que traz inúmeras outras potencialidades e
limitações. E vice-versa. Trata-se de perceber o modo como
essas inter-relações vão se dando.
Quanto à questão da comunidade, é preciso atentar
para o surgimento de novas experiências comunitárias. A
comunidade não desaparece. Pelo contrário, ela é demandada
ainda mais em um período de pandemia, em que as pessoas
precisam se isolar devido ao vírus, mas, ao mesmo tempo,
querem falar e compartilhar as suas dores, os seus sofrimentos,
as suas tristezas, os seus traumas, e sabemos que as lideranças
e as pessoas responsáveis das várias comunidades religiosas
encontraram também no ambiente digital um modo de
estreitar ainda mais os vínculos, de acompanhar essas
pessoas, por exemplo no caso do luto, neste tempo em que
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
não podemos nem nos abraçar. Aqui, temos toda a riqueza
que o ambiente digital trouxe para suprir, de alguma forma,
essa necessidade de vínculo e de relação humana, que no
âmbito das religiões tem um valor muito central.
Ricardo Alvarenga: Partindo disso, temos mais uma
pergunta que nos chegou a respeito de comunidades de fé, com
o seguinte relato: tenho ouvido de não poucas pessoas cristãs
que estão participando com mais interesse das atividades de
suas igrejas do que tinham antes – falando do templo, dessa
questão presencial – porque falam de poder participar de
forma mais à vontade. E isso nos leva a pergunta: como as
igrejas podem aprender dessas observações para tratar de
forma mais clara e eficaz sua comunicação presencial, de
modo a gerar mais interesse nas pessoas que frequentam as
atividades periódicas? O que isso pode ensinar, inclusive com
mudanças posteriores para essas igrejas?
Moisés Sbardelotto: Eu penso que esse é o desafio, a
grande pergunta. Como aprender com o digital e com essa
experiência que estamos vivenciando neste período tão triste
da pandemia? Vemos toda uma expressão de criatividade
humana e religiosa, mediante aprendizagens muito ricas,
na busca de repensar os diversos ambientes digitais como
realidades humanas e religiosas. São ambientes constituídos
por pessoas humanas, por realidades encarnadas, que têm
vida, sentimentos, emoções, vivências diversas em contato.
Nesse sentido, uma primeira aprendizagem é esta:
o digital como um lócus religioso. Espera-se que isso
permaneça no pós-pandemia. O que vai liderar esse processo
é a criatividade de cada comunidade religiosa e como cada
uma delas viveu esse período e pretende viver daqui para a
frente. Por exemplo, o fenômeno das lives - embora agora já
estejamos cansados e saturados delas. O que há no fenômeno
das lives do ponto de vista da comunicação? O nome já diz
muito: live. Queremos vida, queremos manter o contato aqui
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
e agora, apesar das distâncias. E há algo rico aí. Eu mesmo,
por exemplo, fui salvando no YouTube todas as lives que iam
surgindo e tenho um material ali para vários anos de estudo,
reflexão e aprofundamento. E isso é maravilhoso, também
do ponto de vista religioso. Quantas formações, encontros,
palestras, seminários... E algo que talvez ficaria restrito em
uma cidade específica, em uma comunidade, em um bairro, e
que agora podemos ter acesso em qualquer lugar do mundo,
desde que seja algo compartilhado em alguma plataforma. Isso
também é algo bastante enriquecedor. É claro que isso também
gera uma série de outras problemáticas, mas cada religião
terá que buscar respostas. Por exemplo, essa vinculação com
uma comunidade que não é exatamente a “minha”, mas há a
preferência de se comunicar com alguém de fora, porque às
vezes é mais fácil, é mais simples, não me demanda o mesmo
esforço que ir ao encontro daquela comunidade da qual eu
efetivamente participo, onde eu nasci, onde eu cresci, enfim,
tem várias questões também problemáticas.
Mas penso que, ao perceber esses aspectos positivos, isso
ajuda também, de algum modo, a superar certas limitações. As
próprias religiões podem repensar suas práticas tradicionais,
seja do ponto de vista do próprio culto, das expressões
litúrgicas no período pré-pandemia, levando em conta aquilo
que o período de pandemia nos ensinou, inclusive do ponto
de vista dos modos de comunicação, que podem ser agregados
às novas formas de ritualidade do pós-pandemia. Com isso, as
religiões e as igrejas terão que pensar com um pouco mais de
afinco e reproblematizar certas coisas que pareciam já dadas.
Por exemplo, que todo rito presencial é expressão de vínculo,
de comunidade, de fraternidade. Será? Será que os nossos
templos antes da pandemia eram efetivamente lugares de
comunidade, de proximidade, de vínculo? Ou eram também
um espaço de individualismos vários, que se encontravam
por um determinado período de tempo e depois voltavam a
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
243
Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
ser individualismos do “cada um na sua”? Então, há vários
âmbitos que podemos repensar nessa inter-relação entre o
digital e essas novas práticas.
O mais interessante é, justamente pensar, do ponto
de vista cristão - como eu venho trabalhando -, essas novas
formações propriamente eclesiais (SBARDELOTTO, 2020a,
2021a), que não são só apenas experiências aleatórias,
mas também um modo de ser Igreja que vem nascendo no
ambiente digital. Algo novo, algo ainda não experimentado
e que vai desdobrando novos significados para essa ideia
de comunidade, de Igreja, de ekklesía, ou seja, o fato de ser
“chamado para fora”, de se encontrar com a assembleia. Os
templos se fecharam, as nossas casas precisaram se fechar,
não podíamos mais “sair para fora”, não podíamos mais nos
reunir em assembleia, mas continuamos fazendo isso nos
ambientes digitais. Então, a própria ideia de Igreja também é
ressignificada no ambiente digital.
Essas transformações podem nos dar várias luzes para
pensar o pós-pandemia. Do ponto de vista da experiência
presencial, daquilo que era feito dentro dos templos, eu
acho que não haverá essa dúvida futura sobre se os fiéis
vão voltar ou não aos templos. O pós-pandemia poderá ser
uma explosão da vontade de se encontrar, de sair, de buscar
o diálogo, a conversa, e isso também vai se manifestar na
prática religiosa. Mas vai durar por um tempo. Então, nesse
tempo pós-pandêmico inicial, as Igrejas terão que voltar a
encontrar um equilíbrio com tudo que foi vivido durante
a pandemia no ambiente digital. Não será possível voltar a
fazer simplesmente aquilo que se fazia na pré-pandemia. Há
inúmeras aprendizagens que esse período de pandemia nos
trouxe.
Ainda pensando nisso, a experiência religiosa, as
práticas litúrgicas, as vivências comunitárias são sempre
comunicacionais, e sempre foram mediadas, e sempre
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
foram mediadas tecnologicamente. Não foi a pandemia que
inventou isso. Se tomarmos o caso do cristianismo, desde
o início, desde Jesus, havia mediações, havia tecnologias
que possibilitaram que o cristianismo chegasse até hoje, ao
século XXI. É necessária uma reproblematização do papel
da tecnologia e das mediações tecnológicas na religião.
Pensemos em uma liturgia de qualquer religião: quantas
tecnologias estão presentes em cima do altar, em cima do
púlpito, como microfone, vela, livro, paramentos, vitrais,
quantas mediações tecnológicas e também comunicacionais.
O período de pandemia e o digital trouxeram isso mais à
tona e nos fizeram repensar essas presenças de mediação e de
tecnologia, mas que, no fundo, sempre marcaram a história
das várias religiões.
Isabella Pichiguelli: Perfeito, professor Moisés. Quanta
riqueza você nos traz, e quantas tecnologias à disposição
por meio dessa entrevista para as nossas vivências também.
Nós falamos de descentralização do templo, pensamos nas
transformações do ato litúrgico, pensamos na concepção de
comunidade, falamos do diálogo e eu gostaria de voltar um
pouco a esse ponto do diálogo e do ato litúrgico, porque há
uma impressão, e você me diga se é correta, de que no ato
litúrgico em si, o diálogo (entendido como o que propicia, o
que gera comunidade) é um pouco limitado, se nós pensarmos
o diálogo em seu sentido mais comum (dinâmica de fala e de
escuta, como o que estamos fazendo aqui agora). Há realmente
esse limite – podemos falar de um limite – da participação
(ou para a participação) em um ato litúrgico tradicional, que
agora tem como demanda ser repensado? E voltando a um
tópico já mencionado em nossa conversa hoje: o que é mais
indispensável para a existência de uma comunidade (seja ela
de fé ou não): o compartilhar de um mesmo espaço geográfico
(espaço-tempo) em um ato litúrgico ou a possibilidade de
ouvir e de ser ouvido, ou seja, a possibilidade de dialogar?
Religião à distância: a comunicação religiosa na pandemia
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Moisés Sbardelotto: Começando por essa ideia do diálogo,
eu acho que também depende muito do nosso olhar, como
observadores e observadoras, dos processos que estão em jogo
em cada momento litúrgico. Eu penso que a própria evolução
dos ritos, a forma como os ritos vão sendo estruturados, vão
sendo normatizados e ordenados, e chegam em um formato
mais clássico, que parece fixo, imóvel, mesmo aí há um esforço
de manter uma certa comunicação que tenta ajudar o fiel a se
comunicar com o Sagrado, com a transcendência, e também
com a própria comunidade religiosa. E o rito, mesmo nessa
estrutura mais clássica, também pode ser pensado como um
processo pedagógico, pensando na evolução das religiões que
sempre lidaram com uma grande massa de analfabetos, de
pessoas que não tinham acesso aos livros e à cultura. Então, o
diálogo com o Sagrado sempre demandou uma certa iniciação,
e as religiões ao longo da história foram desenvolvendo os seus
ritos também como uma forma de tornar isso mais acessível,
mais prático, concreto, para essas várias comunidades.
Hoje, obviamente, podemos fazer várias críticas também,
porque o processo comunicacional nos trouxe inúmeros
outros elementos, inúmeras outras práticas e experiências
que começamos a comparar com outras experiências mais
tradicionais, mais históricas, mais seculares, e fazemos um
contraponto e percebemos grandes lacunas e distinções. Mas
eu acredito que um primeiro ponto é que o rito é sempre, de
alguma forma, um processo comunicacional. Portanto, cabe
ao observador perceber como esse processo comunicacional
se estabelece nos momentos e conjunturas específicas, porque
talvez, para um olhar externo e leigo, pode parecer algo muito
mecânico, automático, frio, mas, para o fiel que está vivendo
aquilo, pode ser uma experiência completamente diferente,
de grande profundidade, densidade, comunhão. Nesse
sentido, vai depender muito também das especificidades de
cada momento.
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Trazendo de novo para este período de pandemia, há
um repensar também dessas experiências rituais e litúrgicas
tradicionais, que, muitas vezes, caíam em um automatismo
ou mecanicismo. Frequentemente, o rito pode se tornar algo
feito no “piloto automático”, porque as pessoas estão ali, na
prática, fazendo qualquer outra coisa, estão ali pelo “social”,
para encontrar os amigos, e não por uma vivência religiosa,
mística, de um outro nível de diálogo e de relação. Essa
reavaliação vai ser um processo bastante rico também para
as Igrejas e religiões em geral, no sentido de perceber como
muitas vezes aquele rito tradicional empobrecia esse diálogo,
não fomentava a escuta, pois geralmente apenas a autoridade
religiosa tinha o poder de falar, no momento litúrgico e
ritual específico, enquanto o ambiente digital muitas vezes
mostra uma riqueza de processos mais compartilhados, mais
efetivamente dialógicos. Então, há aí um campo vastíssimo
para pesquisa.
Mas reforço que é importante observar as especificidades
e as conjunturas para podermos fazer realmente uma
avaliação. Eu sempre gosto de citar, por exemplo, no âmbito do
cristianismo, a figura de São Paulo, que realmente construiu
uma rede eclesial naquela época com muitas comunidades,
praticamente em todo o Mediterrâneo, mas que ele não
visitava com muita frequência. Ele mantinha o contato via
cartas. E, mesmo via cartas, mantinha uma presença muito
significativa em cada uma dessas comunidades e fomentava a
fé em cada uma delas. Temos aí um processo comunicacional
que não é presencial, do modo como o entendemos, mas
existe uma presença muito forte de Paulo nessas várias
comunidades, inclusive mantendo a inter-relação entre
elas. O próprio Paulo, por exemplo, escreve aos cristãos
de Colossos, na atual Grécia: “Depois que vocês lerem esta
carta, façam que seja lida também na igreja de Laodiceia.
E vocês, leiam a de Laodiceia” (Colossenses, 4,15-16). Há
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
toda uma interconectividade aí, via carta, e um campo muito
vasto para a pesquisa.
A experiência de comunidade, entendendo-a para além
do ponto de vista religioso, explicita uma necessidade que, no
fundo, é antropológica. Uma necessidade de vínculo. Não somos
seres individuais nem isolados: somos seres comunicacionais.
Paulo Freire fala isso de um modo muito forte, ao afirmar que
o ser humano é “um ser de relações num mundo de relações”
(FREIRE, 2011, p. 46). Então, nascemos e somos inseridos
em uma rede comunicacional, da família, de quem nos cuida,
e essa rede vai se ampliando cada vez mais, e dependemos
dessa comunicabilidade. Então, a comunidade é algo que nos
caracteriza como espécie, poderíamos dizer. E a constituição de
comunidades é, centralmente, um processo comunicacional. É
impossível haver comunidade se não há diálogo ou processos
de relação e de comunicação. O que define uma comunidade
não é apenas o espaço geográfico, territorial, étnico, cultural,
principalmente hoje, neste mundo em que as redes digitais
possibilitam outras constituições, outros vínculos, outras
redes, que vão além da geografia, dos territórios, das etnias,
das culturas, e que não deixam de ser experiências de vínculo,
de inter-relação, de troca, de dom, todos esses elementos fortes
que caracterizam o conceito de comunidade.
No ambiente digital, surgem inúmeras formas de
construir comunidade. Uma coisa é manter o vínculo via
Zoom, outra coisa é mantê-lo via WhatsApp, ou ainda via
Facebook. Ou seja, entram em jogo aí também as interfaces
e os protocolos de cada plataforma (SBARDELOTTO,
2017), que também afetam a construção de comunidades
e a constituição de vínculos, com suas potencialidades e
limitações específicas. Por isso, o importante é ter um olhar
e uma observação focada, para que se possa perceber, na
riqueza de cada conjuntura, os processos comunicacionais
que ressignificam as várias experiências religiosas.
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Ricardo Alvarenga e Isabella Pichiguelli
Referências
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? São Paulo: Paz e Terra,
2011.
PICHIGUELLI, I.; SILVA, M. C. C. Comunicação, Poesia e o Religare.
Revista Comunicologia, Brasília, UCB, v.10, n.2, p. 3-18, jul./dez.
2017.
SBARDELOTTO, Moisés. E o Verbo se fez bit: a comunicação e a
experiência religiosas na internet. Aparecida: Santuário, 2012.
SBARDELOTTO, Moisés. E o Verbo se fez rede: religiosidades em
reconstrução no ambiente digital. São Paulo: Paulinas, 2017.
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