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Epidemiologia, Mobilidade e Comportamento Social–o caso do VIH

2000, Sociedade e Cultura

Nossa, Paulo Nuno Sociedade e Cultura 1, Cadernos do Noroeste, Série Sociologia / 2000 Volume 1 do Minho paulonossa@mail.telepac.pt Epidemiologia, Mobilidade e Comportamento Social – o caso do VIH Resumo: Tendo como base a eclosão de uma “nova” doença, cuja difusão e consequente mundialização constitui uma das mais violentas epidemias deste século, abordaremos a concertação de um conjunto de factores políticos, sociais, económicos e sanitários tidos como facilitadores do actual status quo do SIDA, dos quais destacamos a mobilidade. No caso particular da infecção por VIH, a evolução temporal/espacial da patologia confronta as sociedades contemporâneas no que respeita às suas crenças, atitudes e comportamentos, constituindo-se como catalisador incontornável no que respeita à emergência de novas práticas preventivas e ao exercício da sexualidade, emergindo simultaneamente como factor de risco, inovação e tolerância. Summary: Starting on outbreak of a “new” disease, whose diffusion and consequent globalization settle down one of the most violent epidemics of this century, we will approach the contribution of political, social, economics and sanitary factors, which become easy the actual path way of Aids, highlighted the mobility. In particular case of infection for HIV, the temporal/spatial evolution of the pathology confronts the contemporary societies in what it respects to its faiths, attitudes and behaviors. By this way, it becomes in a major modifier agent in what respects to the emergency of new preventive practices and the exercise of the sexuality, emerging, simultaneously, as risk factor, innovation way and tolerance factor. Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 2 1.1 – Mundialização de uma "nova" doença O início dos anos 80 testemunhou o aparecimento de uma "nova" e estranha doença cuja patologia infecciosa escapava aos modelos clássicos. Manifestava-se em indivíduos na sua maioria jovens, através de uma ou mais infecções concomitantes de inusitada severidade e persistência, aparentando a falência do sistema imunitário, conduzindo à morte num lapso de tempo relativamente curto. A opinião pública foi alertada para este facto através de um artigo editado no - New York Times - de 3 de Julho de 1981, intitulado: « Cancro raro detectado em 41 Homossexuais ». Estava dado o alarme e referenciado um grupo de pertença. A esta data, a classe médica e a sociedade em geral estavam longe de suspeitar que a afecção inicialmente registada em 26 doentes sob a forma algo atípica de sarcoma de kaposi, ou constituindo formas graves de pneumonia e meningite criptocócica, assinalavam o eclodir de uma grave e extensa epidemia que viria a marcar de uma forma sem precedentes os esforços da medicina moderna, permitindo-nos acumular em apenas 12 anos mais conhecimentos sobre o VIH1 do que sobre qualquer outro vírus (Merson, 1993). Do ponto de vista social, a eclosão desta síndrome foi acompanhado por um ambiente de quase histeria, sinalizando o pânico sob a forma de severa discriminação e estigmatização, originando interpretações abusivas, conectando a letalidade da doença com actos de punição que se abateriam sob comportamentos ou preferências sexuais liberais. Estaríamos pois na presença de uma qualquer patogénese selectiva, um mal que parecia não se abater sobre «gente honesta» (Grmek, 1990). Para além dos aspectos clínicos típicos da infecção em causa, todos os indivíduos nesta pool inicial, revelavam orientações homossexuais, admitiram inalar com frequência substâncias 1 - VIH (Human Immunodeficiency Virus; Vírus da Imunodeficiencia Humana) - nome atribuído ao vírus causador da SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida) em Maio de 1986 por uma comissão de nomenclatura virológica, pondo fim a um diferendo internacional sobre a designação e paternidade da descoberta do vírus (1983) entre dois investigadores; Luc Montaigner [Instituto Pasteur, Paris] e Robert Gallo [Laboratório Robert Bassin, Bethesda] (Grmek, 1990). 2 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 3 químicas vulgarmente designadas por "poppers"2. Apenas um declarou a utilização endovenosa de drogas. Até à conquista de explicações etiológicas convincentes, um aspecto comportamental comum, a homossexualidade, desempenhou nos primeiros estádios desta epidemia um papel importante, levando à suspeição de estarmos perante uma Doença Sexualmente Transmissível [DST], típica de determinado grupo, facto por demais evidente em algumas das designações iniciais propostas para identificar este síndrome: «pneumonia gay» e «cancro gay». Apesar da verdadeira etiologia da doença permanecer desconhecida, o contágio através de contactos íntimos parecia evidente, tanto mais que ainda não se haviam registado quaisquer casos fora da comunidade homossexual, embora alguns doentes confirmassem a utilização endovenosa de drogas, constituindo uma potencial porta de infecção através da reutilização de material não esterilizado. Em comum permaneciam práticas sexuais heterodoxas, muitas delas traumáticas, com exposição a pequenas quantidades de sangue e fezes, factores desde logo assinalados como potenciadores do risco de infecção, juntando-se a aspiração continuada de "poppers" e a permanência em ambientes promíscuos frequentados por algum do "submundo homossexual". Sentindo-se particularmente visada e responsabilizada, a comunidade gay, bastante activa e organizada nos EUA, reage de uma forma algo violenta, defendendo a inocuidade das suas preferências face à patologia em causa e acusa a designação de «cancro gay» como uma invenção homofóbica3, aceitando no máximo, como explicação etiológica, o efeito de um qualquer factor ambiental sem qualquer relação com as suas práticas (Grmek, 1990). 2 - Poppers: substância química composta por nitrito de amilo ou de butilo. Líquido de rápida evaporação com odor a banana, cujo nome se deve ao ruído característico produzido pela quebra da ampola onde está armazenado. Quando inalado provoca vasodilatação favorecendo o aumento da intensidade do orgasmo (Grmek, 1990). 3 - Mais tarde, já com a etiologia do VIH perfeitamente definida e caracterizada, grupos reticentes elaboraram um pastiche sobre a designação oficial de SIDA referenciando-a como: Síndroma Imaginária para Desencorajar os Amantes. Durante a IXth International Conference on AIDS - Berlim -1993, e na XII World Conference on AIDS, Genebra, 1998, grupos activistas anti-VIH, distribuíram panfletos acusando a classe médica de inventar o SIDA como forma de dilatar os seus proventos. 12 years of the AIDS-lie are enough! / HIV is good for you! / How many gays have cervical cancer? All clear: There is no "AIDS-Virus"! / Entwarnung: Es gibt kein "AIDS-Virus"! AIDS ALL OVER NOW! - Designado na gíria médica da altura por: Gay-related Immune Deficiency ou Gay Compromise Syndrome 4 3 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 4 Deve notar-se que não sendo a homossexualidade uma atitude exclusivamente contemporânea, a comercialização do sexo e a concentração de indivíduos com este tipo de orientação em áreas urbanas específicas, ou em pontos interceptores de importantes rotas comerciais, funcionou até dada altura como importante factor difusor da doença, como poderemos confirmar posteriormente. Com o evoluir da epidemia novos dados são lançados. No relatório de 28 de Agosto o CDC anunciava o aumento da incidência, registando 108 casos, na sua maioria entre homossexuais e bissexuais. Pela primeira vez incluía-se uma mulher. No final do mesmo ano (10 de Dezembro de 1981) o rigoroso New England Journal of Medicine, reputado em meios homossexuais como ultraconservador e por isso objecto de algumas retaliações, publica os resultados de um inquérito epidemiológico realizado. Para além do habitual quadro de elevada letalidade associada a este síndrome4, com valores próximos dos 40%, é relatado o seu aparecimento em 5 pacientes heterossexuais com hábitos toxicómanos. Pela primeira vez a orientação sexual deixou de ser um factor comum, mas antes a pertença a um determinado grupo social, de algum modo marginal na comunidade. No ano seguinte, 1982, o número de casos volta a aumentar cifrando-se num total superior a 200, atingindo 15 Estados, espalhando-se para além dos três focos iniciais nos extremos litorais do País - Nova Iorque, Los Angeles, S. Francisco. 4 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 5 Fig. 1 - Distribuição geográfica dos primeiros 10 000 casos de Sida nos EUA (Maio 1985) - - 101 - 24 3 - 25 2 65 1 31 3 15 203 11 75 7 17 7 176 208 14 106 7 23 87 10 42 13 150 585 3 5 503 67 33 48 2277 43 5 3734 7 22 19 115 143 101 703 Outros territórios sob administração americana: 123 casos 5 33 Fonte: Peterman; Curran et al; 1985 A rápida expansão desta epidemia exigiu a consideração de todas e quaisquer pistas. Assim, os investigadores conseguiram verificar que nove dos treze homossexuais incluídos no estudo e residentes nos condados de Los Angeles e Orange formavam uma espécie de rede sexual entre si. Tal como informa Grmek (1990), no decurso dos cinco anos precedentes, cada um destes nove doentes havia mantido relações sexuais com pelo menos um outro membro do grupo. Para além da maior ou menor frequência dos contactos mantidos, havia que considerar um factor por demais importante, capaz de explicar a ampla difusão espacial de que gozava a doença apesar do número relativamente reduzido de casos num país com quase 9,4 milhões de Km², esse factor chama-se mobilidade. Para a maioria dos autores (Cahill, 1983; Grmek, 1990; Zwi, 1992; Gould, 1993), a mobilidade pode ser apontada como um dos principais potenciadores desta epidemia, facilitando uma e outra vez o contacto de indivíduos seropositivos com outros que não o são. Foi assim no início da epidemia, e permanece assim 18 anos volvidos. A mobilidade funcionou como um verdadeiro amplificador, uma caixa de ressonância da endemia inicial. 5 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 6 Tirando partido de informações adicionais recolhidas pelo inquérito realizado e controlado pelos CDC, foi possível reconstituir a mobilidade dos indivíduos, estabelecendo alguns percursos comuns evidenciados pela construção de um diagrama, traçando contactos homossexuais entre diversos membros da rede Californiana e grupos similares de outras partes do país, nomeadamente de Nova Iorque, na costa Este, que parecia assumir-se como importante foco difusor. Um notável exemplo de mobilidade pode ser verificado no percurso particularmente intenso de Gaetan Dugas, comissário de bordo da Air Canada, denominado neste inquérito por «paciente zero» porque, tanto quanto as evidencias permitem verificar, parece ter funcionado como veículo difusor do VIH entre os grupos situados na costa Oeste [Los Angeles] e na costa Este [Nova Iorque] e em outras oito cidades. Grmek (1990) informa que o indivíduo em causa era homossexual tendo infectado, directa ou indirectamente, 40 dos 248 doentes diagnosticados até Abril de 1982. Foi referenciado como parceiro sexual em 9 dos 19 casos iniciais em Los Angeles e em outros 22 doentes em Nova Iorque. O seu estatuto profissional colocava-o na situação privilegiada de viajante, cobrindo grandes distâncias num período de tempo curto, aproveitando as suas múltiplas escalas para diversificar os seus contactos, confirmando-se-lhe aproximadamente 250 parceiros por ano. Não ficou definitivamente provado que o indivíduo referenciado no inquérito epidemiológico, parceiro comum de um vasto grupo de homossexuais numa e noutra costa dos EUA era, em sentido rigoroso, o «paciente zero», introdutor do vírus VIH em território americano durante o período de tempo em que permaneceu assintomático (Fig. 2). Apesar de algumas evidências apontarem uma presença algo mais antiga do VIH, este poderia não ter beneficiado até esta data da invulgar mobilidade e oportunidade de contactos, fazendo deste indivíduo em particular, um vector privilegiado à escala quase nacional. À medida que as evidências apontavam um número crescente de casos registados fora da comunidade homossexual, abalava-se o desejo ameno de «contágio selectivo», pertença exclusiva de minorias marginais [homossexuais e tóxicodependentes], cujos comportamentos são objecto de alguma censura social. 6 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 7 Fig. 2 -Provável percurso do «paciente zero» durante a fase inicial da epidemia nos EUAN.Y S.F N.Y N.Y N. Y Pe N.Y N.Y N.Y N. Y N.Y N.Y L.A N.Y Paciente N.Y N.Y N.Y L.A L.A L.A Zero N.Y N.Y N.Y N.Y L.A L.A N.Y N.J N.Y L.A N.Y Tx N.Y N.Y L.A L.A Ge Ge • contactos sexuais Fl Fl Fonte: Gould, 1993 Do exterior chegam relatos de casos semelhantes aos do "Síndrome Americano", como são os casos registados na Dinamarca e no Haiti. A verdadeira dimensão da epidemia começa a emergir. Para além de insinuar vulnerabilidade sobre a totalidade dos grupos e comportamentos, coloca também a hipótese da externalidade da doença, impondo a necessidade de uma exaustiva investigação acerca do seu percurso, e da sua verdadeira origem biológica e geográfica. 1.2 - Mobilidade de um vírus Um dos casos relatados na Dinamarca envolvia um doente com hábitos homossexuais que havia falecido no ano de 1980, vítima de patologia típica deste síndrome: pneumonia e enfraquecimento progressivo inexplicado. Retrospectivamente, verificou-se que o indivíduo 7 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 8 em causa havia visitado os EUA por motivos profissionais no ano de 1977 e que durante a sua estadia mantivera relações sexuais com múltiplos parceiros. Outros doentes havia que, apesar de nunca terem visitado os EUA, desenvolveram contactos íntimos, directos, com homossexuais Nova-Iorqinos, ou por interposta pessoa. Um pouco por todo o lado, Espanha, França, Alemanha e Itália, os casos sucediam-se com forte similaridade, quase sem excepção marcados pela elevada frequência de contactos, e pela elevada mobilidade que permeava os meios homossexuais mais liberais e organizados. A informação recolhida permitia uma investigação retrospectiva onde se identificavam alguns casos que fugiam ao critério padrão, expondo curiosas conexões que posteriormente vir-se-ão a revelar significativas, envolvendo pacientes com orientações não homossexuais e sem passado toxicómano. Alguns casos referidos por Grmek (1990) na sua obra - História da SIDA - talvez tenham constituído um dos primeiros indícios premonitórios acerca da intercontinentalidade da epidemia e da extrema facilidade com que esta se difundiu enquanto oculta. Do conjunto de relatos compilados, destaca-se o caso de uma cidadã Dinamarquesa ocorrido em 1977. Médica de profissão, faleceu vítima de um quadro clínico confuso para a época, em tudo semelhante aos anteriormente descritos. A sua história pessoal não regista quaisquer preferências lésbicas, não se drogava e nunca visitara os EUA. Não sendo na altura relevante, declarou ter exercido durante alguns anos a profissão de cirurgiã na África Central. Casos semelhantes foram identificados em França no ano de 1982. Pacientes heterossexuais haviam sucumbido ou estavam severamente imunodeprimidos sem qualquer razão aparente. Em alguns casos, o facto de terem sido transfundidos fora do país de origem e em anos anteriores à declaração oficial da epidemia, em partes do globo como o continente Africano ou o Haiti poderia justificar o seu estado. Outros, como o caso detectado por Leibowitch (1984) na década de 70, num português residente em Paris que reafirmava a sua exclusiva heterossexualidade, pareciam indicar a presença de um vírus cuja origem era exterior ao continente europeu. Este jovem evidenciava as habituais infecções recidivantes, tendo-lhe sido diagnosticadas pneumocistose e candidíase orofaríngea. Naquela altura (1977-1979), 8 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 9 apenas se percebeu estar perante uma doença imunitária, «uma infecção maligna, ainda desconhecida de origem africana». Da sua história individual destacam-se os seguintes factos: «O jovem Português estivera ao serviço da marinha colonial no início dos anos setenta e, depois de ter feito a guerra em Angola, permanecera em África como motorista de veículos pesados. Não era homossexual. A profissão que exercia tornava fáceis os contactos com as mulheres indígenas. Entre 1973 e 1976 ele tinha percorrido muitas vezes a estrada que, passando pelo Zaire, liga Angola a Moçambique. Dez anos mais tarde foi diagnosticada a presença de anticorpos anti-VIH-2 no soro congelado deste doente» (Grmek, 1990). Outros casos foram relatados, desta vez em mulheres africanas residentes em Cabo Verde, e em Zairenses emigradas em França e na República Federal da Alemanha. Numa fase inicial, a casuística remete-nos para um vasto conjunto de histórias individuais cujo percurso migratório e o modo de contágio evidenciam impressionantes sobreposições de características comuns. Por esse motivo Leibowitch (1983), e mais tarde Grmek (1990), afirmaram com segurança a presença e sobreposição de dois focos infecciosos distintos no continente europeu. Um deles, talvez o mais antigo, seria originário de África, afectando indistintamente indivíduos dos dois sexos, na sua maioria heterossexuais. Um outro, oriundo dos EUA que, num estádio inicial, parece decalcar o percurso de homossexualidade organizada com ramificações europeias, estendendo-se posteriormente a indivíduos com orientações heterossexuais através da partilha de seringas ou de relações com bissexuais. Relatórios epidemiológicos sistematicamente produzidos, alguns dos quais foram aqui mencionados, provas bioquímicas entretanto recolhidas por virulogistas e a experiência acumulada, conduziram a que os responsáveis pela saúde pública rapidamente percebessem a potencial extensão desta epidemia, antecipando previsões de elevada morbilidade e mortalidade. O facto de se transmitir por via sexual, campo onde num passado recente algumas batalhas ainda não haviam sido totalmente ganhas, conseguindo-se o seu controlo mas não a erradicação, constituía um mau prognóstico. Só por este motivo tenderia a ser estigmatizante, conduzindo a uma segregação irracional mercê da sua transmissibilidade e letalidade. 9 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 10 Posteriormente, reuniram-se provas definitivas sobre a responsabilidade etiológica do sangue na transmissão deste síndrome, alargando as fontes de contágio à semelhança da hepatite B. Para além da perigosa reutilização de material não esterilizado por parte de tóxicodependentes, a prescrição terapêutica de sangue e seus derivados funcionou, durante o período de silêncio da epidemia e em fases posteriores, como instrumento iatrogénico. Um pouco por todo o lado, hemofílicos e transfundidos foram também infectados pelo vírus VIH. Recentemente, acusações de negligência e ocultação deliberada de informação por motivos económicos têm conduzido a morosos processos judiciais em tribunais europeus, questionando-se, não raras vezes, a responsabilidade do próprio Estado neste campo5. O passado já nos havia confrontado com patologias infecciosas de mais fácil transmissibilidade e de elevada letalidade. A difusão do VIH/SIDA foi em muito facilitada e ampliada pelo longo período de latência6 do vírus, durante o qual o portador permanecia assintomático, obrigando por este motivo e numa fase posterior, à revisão do conceito de «portador são» próprio da epidemiologia clássica. Este, era por definição, um indivíduo que, embora colocasse outros em perigo pela sua capacidade de transmitir a doença, permanecia saudável ele próprio. Tal não acontece com os infectados pelo vírus VIH. Neste caso, quando se mede a taxa de anticorpos presentes num indivíduo, esta apenas indica a importância da invasão viral, não constituindo indicador sobre o grau de protecção imunitária disponibilizada. Os mecanismos habituais de defesa do organismo têm uma acção reduzida sobre o vírus VIH, facto que não acontece com a maioria das patologias infecciosas. Mas não é só o modo de evolução e replicação do vírus VIH que constitui novidade, fugindo ao padrão clássico das doenças infecciosas que marcaram a primeira e segunda era da saúde pública. Toda a conjuntura social e espacial que lhe serve de base é agora diferente. 5 - Em Portugal, um caso paradigmático deste tipo de procedimento foi protagonizado pela associação de doentes hemofílicos vs Ministério da Saúde, naquilo que ficou conhecido como o caso Leonor Beleza. 6 - Segundo dados recentemente avançados, falar-se em «fase de latência» para o vírus VIH constitui uma designação imprópria. Poder-se-á tratar não de uma fase de silêncio total, com o VIH integrado sob a forma de próvirus no genoma dos linfócitos, mas antes de uma fase crónica, subclínica. Os viriões seriam produzidos constantemente mas o organismo combatê-los-ia vigorosamente (Grmek, 1993). 10 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 11 O percurso realizado pelo vírus até atingir o continente americano, particularmente os EUA, permaneceu silencioso sem que se avançasse qualquer explicação válida e satisfatória. Uns meses após a síndrome se ter declarado, a comunidade homossexual já não era a única a ser afectada, continuando no entanto a expiar maioritariamente a culpa endereçada pela opinião pública relativamente à introdução e difusão do vírus letal. Em meados de 1982, os epidemiologistas repararam no aparecimento cíclico de novos casos num grupo de indivíduos cujo contexto comportamental e social parecia atípico, podendo vir a constituir novas hipóteses de investigação. Na sua maioria, os casos diziam respeito a indivíduos do sexo masculino que se afirmavam heterossexuais e evidenciavam sintomatologia semelhante à do já vulgarmente denominado «cancro gay», a par de outras manifestações clínicas que indicavam imunodepressão, acrescentando maior desadequação à designação adoptada. No seu conjunto negavam preferências homossexuais e a utilização endovenosa de drogas, subtraindo-se por esta via ao padrão clássico de transmissão, numa época em que múltiplos contactos heterossexuais ainda não eram reconhecidos como comportamento de risco. Entre eles parecia destacar-se um grupo localizado na costa Leste que partilhava a mesma área de residência numa comunidade próxima de Miami-Dade. Em comum tinham o facto de serem estrangeiros, emigrantes oriundos do vizinho Haiti que, em número cada vez mais elevado atingiam a costa dos EUA procurando escapar a uma depauperada situação económica e à ditadura vigente no seu país. A análise deste fenómeno sócio-sanitário exigia algumas cautelas que, ao que parece, não foram tomadas. O fluxo migratório de Haitianos para os EUA não era um caso recente. Muitos dos recémchegados, a maioria dos quais na condição de emigrantes clandestinos evidenciavam, regra geral, um estado de saúde precário, sendo frequentemente detectada a presença de tuberculose, desnutrição e diversas parasitoses. Em face do quadro descrito, não é de todo surpreendente que os casos notados pelos epidemiologistas fossem na sua maioria referenciados pelo Jackson Hospital of Miami, uma unidade de saúde que serve a área pobre da cidade e não na área urbana de Nova Iorque onde 11 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 12 está instalada uma das maiores comunidades haitianas, curiosamente a de implantação mais antiga e a mais abastada (Landesman, 1983). Como habitualmente, após a notificação dos casos, técnicos do CDC desenvolveram um apertado inquérito epidemiológico entre a comunidade haitiana que procurava os serviços de saúde locais. Rapidamente se percebeu que a doença apresentava neste grupo étnico características sócio-demográficas particulares. Segundo o relato de Landesman (1983), a idade média dos doentes investigados rondava os trinta anos, sendo três a seis anos inferior à média de idades dos homossexuais e tóxicodependentes até aí registados. O tempo médio de permanência destes emigrantes nos EUA era reduzido, aproximando-se dos 2,7 anos, sendo que, a quase totalidade dos casos incidia sobre estes indivíduos e não sobre os residentes mais antigos instalados à dez e mais anos. Na sua grande maioria negavam visitas recentes ao país de origem ou quaisquer contactos sexuais com emigrantes recém-chegados. A análise destes dados sugeria a consideração de algumas hipóteses distintas. Uma delas passaria pela admissão do contágio destes indivíduos enquanto no seu país de origem há três ou mais anos, colocando-nos perante uma revelação tardia da síndrome, tal como havia acontecido com homossexuais naturais dos EUA. Como segunda hipótese, poder-se-ia considerar a sua infecção já no país de acolhimento através de contactos heterossexuais sendo que, por qualquer causa imunológica ainda não esclarecida, a sua raça, seria neste caso, particularmente susceptível à infecção em causa. Uma coisa parecia evidente, admitindo-se a origem haitiana da infecção, a presença do vírus na ilha seria recente uma vez que, indivíduos emigrados em épocas anteriores, partilhando dos mesmos hábitos culturais e religiosos não evidenciavam qualquer sintomatologia. Por outro lado, médicos haitianos alertados pela experiência americana, reconheceram na ilha de Portau-Prince a presença de formas agressivas e atípicas de sarcoma de kaposi e outras formas gastro-intestinais características de SIDA. Todavia os registos clínicos destas patologias também eram recentes, datando a sua aparição do final dos anos setenta. Com base nestes dados pode-se concluir que a aparição da SIDA em território haitiano seria mais ou menos contemporâneo do início da epidemia americana, permanecendo em aberto a questão inicial sobre a origem e percurso do VIH. 12 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 13 Apesar do grande rigor metodológico de que os epidemiologistas se rodearam nesta investigação, os resultados preliminares dos inquéritos realizados, bem como os casos posteriormente relatados foram, uma vez mais, objecto de interpretações abusivas, salpicadas por algum conservadorismo e nacionalismo, sobretudo quando extravasaram para lá da comunidade científica e se tornaram públicas. Ainda que sem qualquer fundamento, a comunidade haitiana, sobretudo a pertencente ao segundo período migratório, foi tomada no seu todo como um grupo de risco. Sectores menos informados não hesitaram em atribuir a estes emigrantes a responsabilidade pela importação de tão indesejado vírus, que identificavam com comportamentos sexuais bizarros e situações de generalizada pobreza. O erro voltava a repetir-se. Na fase inicial da epidemia foram apontados comportamentos sexuais pouco ortodoxos como responsáveis pela etiologia da síndrome. Agora, a nacionalidade conjuntamente com a condição sócio-económica desfavorecida, característica desta fase de emigração, surgiam como potencial ameaça para a saúde pública, colocando em risco a já precária integração social destes grupos, empurrando-os para comprometedoras situações de exclusão. A doença foi, durante um lapso de tempo, responsabilidade de estrangeiros, importada de um país que em nada se identificava com as sociedades desenvolvidas. Para muitos americanos, o Haiti não passava de uma ilha exótica, um destino turístico barato, pleno de contrastes sociais, pobre e onde se assinalavam algumas áreas insalubres, uma cultura curiosa, religiosamente marcada pela prática sanguinolenta do vodu. A uma doença mistificante sobrepunha-se o exotismo de uma cultura. À data em que Landesman (1983) descreveu a epidemia na comunidade haitiana emigrada nos EUA parecia já deter algumas certezas: • • a SIDA registava-se em cidadãos haitianos residentes nos EUA e no Haiti; os presumíveis modos de transmissão, sangue, contacto homossexual, pareciam não ter contribuído para a introdução da síndrome entre a comunidade haitiana; 13 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 14 • • as características clínicas e imunológicas da doença são semelhantes às observadas em homossexuais, viciados em drogas intravenosas e hemofílicos; a doença era frequentemente mais comum nos haitianos emigrados para os EUA nos últimos cinco anos. As observações de Landesman estavam parcialmente correctas. Na época talvez não lhe fosse dado observar aquilo que, anos mais tarde, foi constatado e relatado por Grmek (1990). A introdução do vírus VIH na ilha teve como causa próxima a extrema mobilidade existente entre aquele país e os EUA, funcionando como destino privilegiado de turistas homossexuais americanos que acabaram por introduzir o vírus na ilha ao contactarem intimamente com a população local. O modo como este atingiu a comunidade heterossexual haitiana foi desvendado numa fase posterior, através de uma análise atenta da história individual de alguns destes doentes, devidamente contextualizada com a situação económica e social vivida no país de origem. Alguns dos haitianos infectados relataram ao seu médico a prática de relações homossexuais ocasionais, fundamentalmente com estrangeiros que os procuravam para esse fim, como forma de suprir algumas das suas necessidades económicas. Tal como assinala Grmek (1990): «Estes indivíduos não se consideravam portanto homossexuais, designação desonrosa no seu meio cultural. Com efeito eles eram bissexuais. Prostitutos na sua maior parte, continuavam a ter relações heterossexuais para seu próprio prazer. Deste modo transmitiram a doença em dois meios sociais diferentes». Esta realidade veio a ser confirmada e o número de casos registados foi em muito ampliado. No final da década de oitenta verifica-se uma sobreposição entre a incidência de casos de SIDA no país e os principais locais de turismo e veraneio no Haiti, dando origem a um contágio hierárquico de núcleos urbanos mais importantes do ponto de vista turístico para outros que o não são, atingindo posteriormente áreas rurais através do percurso de trabalhadores sazonais deslocados do seu local de residência em períodos de maior procura turística. 14 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 15 O actual estado do conhecimento permite dar como provado que a introdução da SIDA nas Caraíbas é posterior a 1972. O vírus provavelmente era oriundo dos EUA, contudo, não é de excluir uma possível origem africana (Grmek 1990). Quer os relatos referenciados na Europa, quer os relatos americanos, revelam a existência segura de conexões geográficas exteriores num e noutro caso. Para Leibowitch (1983), Grmek (1990) e outros investigadores, o status quo da doença em meados da década de oitenta, a par dos primeiros casos registados e identificados com fidedignidade com a síndrome da imunodeficiência humana, suportados pela anamnese de um número significativo de doentes, autorizam a afirmação de que duas vagas sucessivas desta "nova" doença ter-se-iam cruzado na Europa. Do conjunto de casos, alguns dos quais diagnosticados retrospectivamente na Europa, verificou-se a sua ocorrência em doentes naturais do continente africano, ou com longa permanência naquele território que, socorrendo-se dos serviços de saúde das antigas potências coloniais, nomeadamente França e Bélgica nos anos de 1976, 1977 e 1980, indiciaram a origem africana deste foco original que posteriormente se difundiu na Europa infectando indivíduos de ambos os sexos. Paralelamente, um segundo foco de manifestação mais tardia e fortemente correlacionado com comportamentos homossexuais, oriundo do continente Americano, terá afectado durante algum tempo um grupo restrito de indivíduos do sexo masculino, atingindo numa segunda fase os dois sexos, não só pela manutenção de contactos bissexuais mas também pela administração de sangue contaminado. Apesar dos esforços efectuados por notáveis equipas de epidemiologistas, sabe-se sempre mais sobre a propagação de um vírus do que sobre a sua origem e causa de eclosão. No caso do VIH, os especialistas apontam algumas hipóteses com elevada probabilidade de verdade, todas elas centradas no continente africano onde, algumas espécies de primatas, nomeadamente macacos verdes, portadores de estirpes virais semelhantes ao VIH-2, integram a dieta alimentar de populações autóctones. Para além do vírus se poder transmitir a populações humanas por via alimentar, tarefa tornada possível pelo consumo de cérebro 15 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 16 fresco de primatas, como é tradicional em alguns povos Zairenses, muitas vezes estes macacos provocam lesões cutâneas aos seus captores ou nos que com eles lidam directamente. Anicet Kashamura fornece uma outra pista baseada na observação do comportamento sexual de grupos indígenas que habitam a região dos grandes lagos, na África Central e Oriental: « Para estimular um homem ou uma mulher e provocar neles uma actividade sexual intensa, é-lhes inoculado nas coxas, na região púbica ou nas costas, sangue colhido num macaco, para o homem, numa macaca para a mulher.» Este relato sugere uma porta de entrada preferencial para este tipo de contágio viral; contacto directo com sangue animal contaminado, ultrapassando desta forma a importante barreira de protecção que a superfície cutânea constitui. Luc Montagnier (1986) considerando a «Hipótese Áfricana» do vírus admite a possibilidade de contágio horizontal entre populações humanas: «O vírus existia já há muito tempo no seio de certas tribos Africanas vivendo isoladamente sem que provocasse nelas o menor dano: não existia SIDA porque a tribo se adaptara geneticamente ao vírus e o tolerava, transmitindo-o desde há muitas gerações. Depois, por razões ainda indeterminadas o vírus teria passado recentemente para outras populações Africanas que, pelo facto de nunca o terem contactado anteriormente eram muito mais sensíveis ao germe. Então a doença apareceu .» 1.3 - O contributo político e económico No caso particular da SIDA, para além das causas psico-comportamentais habitualmente mencionadas, reconhecidos «comportamentos de risco» estão, em alguns casos, fortemente comprometidos com uma determinada contextualização social, política e económica, característica de países ou de regiões, sujeitando de uma forma involuntária estratos ou grupos populacionais a «situações de alto risco» das quais não podem ou não sabem libertar-se. 16 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 17 Neste contexto cabe aqui introduzir a definição de Wilson (1990) para descrever «situações de alto risco»: aquelas cuja variação das forças sociais, económicas e políticas colocam grupos em situação de alto risco, particularmente de infecção por VIH. Este tipo de reconhecimento contextual é também partilhado por Zwi e Cabral (1992) que retomam esta perspectiva, assumindo que a saúde em geral, e a incidência da infecção por VIH em alguns aspectos particulares, é mais rapidamente determinada por situações e contextos sociais locais ou regionais, do que pelo comportamento individual e cuidados de saúde tornados disponíveis. A abordagem em causa é especialmente adequada quando é necessário questionar e avaliar, não um determinado tipo de comportamento na sua forma objectiva, mas um conjunto de determinantes que actuam a este nível, particularmente no que diz respeito à relação infecção/prevenção, identificando conjuntos de factores capazes de condicionar ou induzir a uma eficácia parcelar. Referimo-nos concretamente aos problemas sociais e sanitários colocados à escala global pela crescente mobilidade e trabalho migrante, pelo empobrecimento e exclusão de determinados estratos sociais, pela crescente urbanização e anomia citadina, agravada em áreas periurbanas por fenómenos de marcada desigualdade social étnica e económica. Algumas regiões acrescentam a este vasto rol, disrupção social causada pela guerra ou por conflitos sociais de carácter violento, desinformação e analfabetismo, o estatuto de inferioridade feminina, diferentes significados atribuídos aos desempenhos sexuais, o contacto abrupto com novas realidades e valores mais ou menos comuns á generalidade dos processos de colonização/descolonização. Mais recentemente, tal como foi mencionado a propósito da possível conexão EUA-Haiti no caso da infecção por VIH, determinados grupos "consentiram" em se subjugar aos hábitos de lazer das sociedades abastadas, nomeadamente no que diz respeito à prática do turismo, na sua forma particular de turismo sexual. Para além da vincada determinação biológica e psicológica intrínseca à conduta sexual dos grupos [fertilidade, libido e orientação sexual], é necessário reconhecer-se a este nível a diversidade das influências culturais que lhe estão associadas, sejam elas sinalizadas sob a forma de rituais de iniciação, ocorridos em prostíbulos ou no seio tribal, rituais fúnebres, ou 17 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 18 outras formas socializadas de coesão do clã ou da sociedade, sejam tradições, crenças, dependência económica e determinações religiosas. A este nível, as diferenças comportamentais entre os géneros, conducentes a situações de risco, são particularmente mais gravosas para a mulher, onde a maior probabilidade de contágio está directamente relacionado com o estatuto sócio-económico que lhe é atribuído pelo grupo onde está inserida. O estatuto de menoridade atribuído à mulher em determinadas regiões acarreta simultaneamente um menor arbítrio sobre a sua sexualidade, significando muitas vezes incapacidade para impor práticas sexuais seguras ao nível marital ou no domínio do sexo comercial7. Estudos realizados na Índia e Tanzânia demonstram que, para muitas mulheres o maior risco de contraírem uma qualquer DST, particularmente a infecção por VIH, advém do simples facto de serem casadas (Moodie et al, 1993). O profundo diferencial económico verificado entre países vizinhos ou entre regiões vizinhas, tem estado na origem de importantes fluxos migratórios internos e externos, constituindo um importante factor difusor da epidemia, decalcando os mesmos trajectos do trabalho migrante. Em muitos países [África do Sul, Malásia, Indonésia, Tailândia], a indústria extractiva, a actividade florestal e a construção civil têm a sua mão-de-obra assegurada por comunidades migrantes, economicamente menos dispendiosas, domiciliadas em campos de trabalho e albergues mistos8, onde recorrem frequentemente a práticas sexuais não seguras, colocandose numa situação de risco, funcionando como veículos difusores de DST quando de regresso às suas aldeias de origem. O estatuto económico de que gozam muitas nações, a par de políticas pouco restritivas do ponto de vista migratório e sanitário, tem proporcionado a existência de um verdadeiro 7 - A título de exemplo, pode referir-se que na Conferência do Cairo (1994) foi calculado em mais ou menos 120 milhões o número de mulheres que desejariam utilizar um qualquer método contraceptivo e que o não fazem por receio da família ou da comunidade local. 8 - Albergues Mistos: locais onde homens e mulheres compartilham o mesmo quarto ou espaço para usufruírem algumas horas de descanso. 18 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 19 comércio de mão-de-obra escrava cujo principal destino é a prática de sexo comercial em importantes capitais europeias ou em áreas prósperas do sudeste Asiático (Gould, 1993). Uma qualquer desejada mudança de comportamento e do padrão epidemiológico da epidemia, passará, obrigatoriamente, por uma custosa reorganização e modificação dos cenários sociais e económicos nos quais se insere uma significativa percentagem da população mundial, por forma a que as campanhas de prevenção e informação não sejam encaradas como um gasto supérfluo, por indivíduos que, antes de pensarem em práticas sexuais seguras, procuram antes de mais assegurar, com extrema dificuldade, o mínimo necessário para continuarem vivos9. Quadro 1 - Nomenclatura vulgarmente associada ao risco de infecção por VIH Grupo de Risco • Descreve um conjunto de indivíduos que pelas suas preferências ou hábitos sexuais são tidos como potenciais vitimas da infecção por VIH; • Estigmatizador; • Inespecífico; • Pode induzir a um enviesamento das conclusões por excessiva generalização. Comportamento de Risco • • Descreve comportamentos individuais ou de grupo que capazes de acarretar reconhecido risco relativamente à transmissão da infecção por VIH; Pode falhar na identificação das determinantes do comportamento; Situações de Alto Risco (Zwi e Cabral, 1992) • Reconhece que a saúde é mais rapidamente determinada por situações sociais e económicas do que pelo comportamento individual; • ù facilita a ocorrência de intervenções parcialmente eficazes. • Descreve a variação das forças sociais, económicas e políticas que colocam os grupos em situação de alto risco, particularmente no que diz respeito à infecção por VIH; Reconhece o risco da infecção por VIH como fazendo parte do perfil social da vida das sociedades contemporâneas. 9 - Segundo os valores anunciados na Cimeira de Copenhaga (1995), 1/5 da população mundial vive em reconhecida situação de pobreza, 70% dos quais são mulheres. 19 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 20 1.4 - Cultura e sexualidade Observando particularmente o continente Africano, o mais comprometido epidemiologicamente e demográficamente pela infecção por VIH, verifica-se que, até ao início da colonização ocidental, as populações de um modo geral estavam organizadas em microestruturas espaciais, agrupadas étnicamente, constituindo pequenas comunidades agrárias ou recolectoras, denotando forte coesão cultural. A sujeição à dominação estrangeira, nomeadamente a partir do século XVIII e seguintes, introduziu profundas alterações no modo de vida e na organização social, exportando desde a Europa o modelo económico emergente da Revolução Industrial. No período pós colonial, em sentido restrito, o continente Africano oferece-nos um notável exemplo de difusão hierárquica e contágio espacial relacionado com a difusão do VIH. A seroprevalência é particularmente elevada em áreas urbanas sobrepovoadas 10, conectadas a longa distância por voos internacionais, ou por trajectos calcorreados continuamente por refugiados, população migrante e camionistas. Ao longo do percurso Uganda-Moçambique, grupos de condutores testados aleatoriamente indicaram uma seroprevalência que variava entre os 30-80% (1993). Esta realidade, comum à região Oriental de África, é perfeitamente demarcada no espaço, sinalizando de uma forma cruel as principais rotas de transporte terrestre, áreas de paragem, importantes entrepostos comerciais, onde a seroprevalência cresce numa razão exponencial (Gould, 1993). A história recente ajuda-nos a melhor compreender a nova relação espacial imposta neste continente. As décadas de 70 e 80 foram particularmente importantes no tocante à mobilidade. O vazio político gerado pela descolonização/autodeterminação nacional, esteve na origem de numerosos conflitos locais e regionais que perduram até hoje, proporcionando uma miscigenação de população, a abertura de campos e corredores de refugiados, gerando uma aglomeração sem precedentes nas grandes cidades. Simultaneamente, do exterior 10 - Dados relativos ao Ex-Zaire para o ano de 1993, indicavam uma seroprevalência estimada nas aldeias em 2%, 4,5% nas vilas e >10% nas grandes cidades (SIDA Afrique, nº 1, 1993). No final de 1997, o valor total de adultos infectados era de 7;8% (UNAIDS, 1998). 20 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 21 chegavam contingentes significativos de mercenários, adidos militares ou expedicionários, oriundos da Europa e da América, que a par da guerra e do exotismo procuravam sucessivas companheiras ao longo da sua permanência. Pela conjugação destes factores e por aspectos que se prendem com a própria cultura sexual africana11, é apenas natural que a principal categoria de transmissão do VIH diga respeito a indivíduos heterossexuais (> 80%, 1993), e não a grupos homossexuais, toxicodependentes e hemofílicos que caracterizaram os estadios iniciais da epidemiologia Europeia. Procurando reflectir a realidade Africana nos seus múltiplos aspectos culturais directamente implicados na difusão do VIH, Grmek (1990) comenta: «Nas cidades Africanas, a sobrepopulação anda a par com a sobrecopulação. A prostituição regista um extraordinário aumento e o sistema de parceiros livres substitui a poligamia tradicional. Desde tempos imemoriais que uma grande condescendência caracterizava os costumes sexuais dos africanos[...]. Contudo, a vida sexual era regrada de uma forma que, embora não correspondesse à moral cristã, não deixava por isso de ser bastante constrangedora e limitava consideravelmente a transmissão de germes patogénicos por via genital, interdição da prostituição, medo da influência nefasta de estrangeiros...» Esta realidade, associada à disrupção social gerada pela guerra e pela urbanização caótica é apontada por diversas autoridades Africanas (Zwi, Cabral, 1992) como os mais significativos factores de risco. A ausência de níveis mínimos de educação e qualificação profissional, os baixos salários e a elevada taxa de desemprego, geradora de movimentos migratórios em grande escala, favorecem a elevada percentagem de prostituição urbana, protagonizada por grupos de mulheres que se designam por «mulheres livres» e por celibatários desenraizados, antigos combatentes e desempregados chegados à cidade grande. Os índices de seropositividade registados em trabalhadores do «sexo comercial» são particularmente preocupantes em regiões como Abidjan, com valores que variam entre os 10-90%, onde campanhas de 11 - Para além da orientação marcadamente heterossexual, alguma literatura refere um possível contributo de hábitos culturais particulares na difusão do VIH tais como: poligamia, excisão do clitóris, infibulação, escarificação, tatuagem e troca de sangue durante rituais de fertilidade e iniciação. 21 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 22 incentivo a práticas sexuais seguras soam a algo distante e bizarro, quando se percorrem 40 ou mais quilómetros para encontrar preservativos cujo custo ronda os 10% do salário médio nacional. Estudos feitos no Quénia, orientados especificamente para mulheres que reconhecidamente eram trabalhadoras sexuais, originárias de classes sociais mais baixas, revelaram que estas tinham mais do dobro do índice de seropositividade do que prostitutas de estratos sociais mais elevados. As mulheres mais pobres recebiam dez a trinta vezes menos por encontro que as suas colegas de classes mais elevadas, procuradas por turistas e homens de negócios, e tinham oito a dez vezes mais parceiros por ano. Um aspecto fundamental, apontado unanimemente por responsáveis de diversos países Africanos e pela OMS, necessário para a melhor compreensão da rápida difusão e elevada prevalência da infecção por VIH neste continente chama-se: trabalho migrante. Caracterizadas por uma economia regional e localmente depauperada, as áreas industriais, portuárias e mineiras são um pólo irresistível de atracção para um número cada vez mais elevado de homens e, mais recentemente, de mulheres. Tal como refere Jorge Cabral (1992)12: «O trabalho migrante está na origem da separação de famílias as quais só visitam raramente [...] procuram a companhia de mulheres que vivem perto do seu local de trabalho, predizendo um alto risco para a actividade poligamica e a propagação de DST's (facilitadoras da infecção por VIH)...As mulheres continuam nas áreas rurais pobres, dependentes dos recursos dos seus familiares ausentes, podendo recorrer ao sexo comercial para suplementar a renda e reduzir a dependência.» Por tudo isto, actuais relatórios epidemiológicos traçam para este continente um cenário assaz preocupante. Aldeias inteiras na região de Rakai, Uganda, perderam a quase totalidade da população masculina e feminina na classe entre os [15-45] anos. Dos mais de 30,6 milhões de seropositivos em todo o mundo (1997), África detém aproximadamente 22 milhões de infectados, ou seja 7,4% do total de adultos [15-49] anos. Estimativas feitas por organismos 12 - Ministro da Sáude da República Popular de Moçambique (1992). 22 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 23 internacionais (OMS, OPALS13) antevêem para o ano 2000 o aparecimento de 500 mil a 950 mil novos casos declarados. Quadro 2 Total de adultos e crianças infectadas (VIH) África Sub21 milhões saariana (Dez.1997) Norte de África 210 mil e Médio Oriente (Dez.1997) *[0-14] anos; Fonte: UNAIDS 1998 Adultos [1549] anos Adultos infectados (%) Mulheres infectadas [1549] anos Crianças infectadas* 20 milhões 7,41 9,9 milhões 960 mil 200 mil 0,13 40 mil 7 mil Como consequências demográficas directas, espera-se um incremento da taxa de mortalidade na infância [< 5 anos], e na classe etária entre os [20-49] anos, atingindo até ao final do século valores > 10%o. No que diz respeito à taxa bruta de mortalidade, valores traçados no início da década de 80 previam que, no limiar do século se atingissem valores próximos dos 9%o, foram agora dilatados para valores ≥ 16,4%o para o ano 2010, passando a mortalidade prevista para os 5 primeiros anos de vida dos actuais 180%o para os 220%o, com uma esperança de vida à nascença não superior a 47 anos, acrescida de 40 milhões de órfãos em 23 países da região Sub-saariana (USAID, 98). Lamentavelmente, apesar das campanhas de prevenção registarem algum êxito junto das camadas mais jovens da população [10-19] anos, já não vai ser possível evitar que a SIDA seja inscrita como a principal causa de morte em núcleos urbanos, para homens e mulheres entre os [20-40] anos, comprometendo a renovação de gerações futuras, aguardando-se uma mortalidade neo-natal >30%o. Para além do continente Africano, sobre o qual recai merecida preocupação, outras áreas do globo, como a região da Ásia e do Pacífico, abrangendo aproximadamente cinquenta países, são desde meados da década de 80 objecto de particular atenção em relatórios epidemiológicos específicos para o VIH/SIDA. Ao contrário do que aconteceu na Europa e na 13 - Organisation Pan-Africaine de Lutte Contre le SIDA. 23 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 24 América, a difusão da infecção por VIH emergiu mais tardiamente, registando-se os primeiros índices desta epidemia nos anos de 1984 e seguintes. Durante algum tempo, prevaleceu a crença local de que as populações asiáticas eram imunes a este vírus próprio de homens brancos e de homossexuais, inócuo para os naturais da região. Simultaneamente, autoridades sanitárias com elevada responsabilidade no controlo da saúde pública ocultaram, enquanto foi possível, toda e qualquer informação relativa à epidemia com o questionável objectivo de não declarar o pânico entre a população. Por este motivo, durante demasiado tempo, a prevalência de seropositividade nesta região do globo foi oficialmente subestimada, atribuindo-se a esta área o estatuto de «área de menor risco». Hoje, a infecção VIH/SIDA é uma das principais prioridades em saúde pública, obrigando a difíceis campanhas de sensibilização e intervenção, particularmente diversificadas em face da elevada heterogeneidade cultural, económica, política e religiosa característica desta área do globo. As determinantes anteriormente averiguadas para o contexto socio-comportamental apresentam aqui significativa diversidade cultural, o que se constitui numa barreira à intervenção através de crenças e atitudes profundamente incrustadas no quotidiano das populações: • • • Socialização do sexo comercial como fonte de recreação masculina; Estatuto de inferioridade feminina e aceitação consuetudinária da poligamia masculina; Costumes hospitaleiros conectados com hábitos de gratificação sexual. É virtualmente impossível abordar a temática da seroprevalência no continente asiático sem se verificar a casuística epidemiológica da Tailândia que, juntamente com a Índia, detinha, no início dos anos noventa, os maiores indicadores de prevalência para a infecção por VIH, estimada em valores próximos dos 500 mil casos para a Tailândia e aproximadamente 1 milhão de casos para a Índia, prevendo-se que no ano 2000 existam 4 a 5 milhões de seropositivos em cada um dos países. 24 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 25 Quadro 3 Sul e Sudeste Asiático (Dez.1997) Total de adultos e crianças infectadas (VIH) Adultos [15-49] anos 5,8 milhões 5,7 milhões Adultos infectados (%) 0,61 Mulheres infectadas [1549] anos Crianças infectadas* 1,5 milhões 81 mil Ásia Oriental 420 mil e Pacífico *[0-14] anos; Fonte: UNAIDS 1998 420 mil 0.05 53 mil 2 mil A literatura científica e a imprensa em geral são pródigas na multiplicidade de análises epidemiológicas e sociológicas feitas sobre a Tailândia, transformando-a num referencial obrigatório, necessário para uma compreensão adequada da realidade asiática no que respeita à infecção VIH/SIDA, talvez por este país constituir declaradamente o principal destino turístico regional, com fortes conexões com a prática de turismo sexual organizado. Cohen (1988), Moodie e Gould (1993) são alguns dos muitos autores que produziram informação científica absolutamente importante para a compreensão das determinantes económicas e sociais adjacentes à epidemia. Unanimemente foram apontadas atitudes negligentes das autoridades nacionais e a idiossincrasia asiática no que diz respeito aos desempenhos e comportamentos sexuais como algo preponderante para explicar o actual status quo da infecção por VIH neste país. De uma forma inesperada, a aparição da SIDA na Tailândia coincidiu com o limiar de uma vasta campanha internacional que objectivava colocar o país como principal destino turístico regional, actividade de vital importância para assegurar o crescimento do PIB, tendo como leit motive o sexagésimo aniversário do Rei apontando 1987 como - Visit Thailand Year -. Segundo a imprensa local (Bangkok Post, 1987), a declaração oficial de casos de SIDA em território nacional comprometeria inequivocamente a imagem nacional junto dos principais mercados turísticos (Cohen, 1988). Esta justificação parece escassa para muitos autores. Gould (1993) vai mais longe, e aponta todo o processo de ocultação de informação desencadeado pelas autoridades locais como uma forma de "optimizar" uma epidemia. 25 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 26 A sociedade tailandesa apresenta uma elevada masculinização, particularmente visível nas áreas urbanas e na esfera da decisão familiar. A existência de concubinato e o recurso ao «sexo comercial» é encarado como uma outra qualquer forma de entretenimento, associando sentimentos de compensação e felicidade a este tipo de práticas. Reflectindo esta realidade Ron Moreau (1992), articulista do NewsWeeK afirmou: «Na Tailândia a prática da prostituição é ilegal, mas em muitas partes do país é mais fácil encontrar uma "Sex shop" do que uma sapataria...Só a capital Banguecoque tem mais de 600 prostíbulos e mais de 30 mil trabalhadoras(es) de «sexo comercial» dos quase 800 mil existentes no país.». Gould (1993) reforça estas informações num tom particularmente violento, acusando interesses económicos internacionais, elites dirigentes e autoridades locais de estarem unidas em torno do mesmo propósito: «Este é o país onde nas últimas duas décadas o turismo sexual foi promovido, onde a prostituição é ilegal, onde um estudo estima em 450 mil os tailandeses que visitam diariamente os bordéis, e onde um Chefe da Polícia afirma repetidas vezes: não existem bordéis na Tailândia.» A ausência de alternativas credíveis de emprego e o aliciamento sistemático de famílias de fracos recursos económicos, empurra todos os anos milhares de jovens tailandeses, entre os 12 e 15 anos, para a prostituição. Oriundas de áreas rurais, tal como grande parte dos trabalhadores migrantes da indústria, são devolvidos às suas famílias quando apresentam menor utilidade ou quando infectados. ONG's locais e internacionais, denunciam sistematicamente a existência de redes de tráfico internacional de mulheres e de escravatura feminina, operadas localmente com destino à Europa14. Motéis, ginásios "sex shops" e locais de "massagem" são quase uma instituição nacional de "reconhecida utilidade" no início sexual dos jovens varões tailandeses, uma forma de 14 - Gould (1993) denuncia a presença de jovens mulheres tailandesas em Frankfurt, onde podem ser alugadas por US$2500 com uma caução de US$500. Colocadas no mercado de «sexo comercial» angariam rapidamente US$275 por dia, constituindo por este motivo um "investimento" lucrativo. Gould, Peter - The slow Plague, Blackwell - 1993; p.p. 88-106 26 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 27 recompensa para zelosos trabalhadores, um símbolo local de hospitalidade para os milhares de turistas que, com as suas divisas, ajudam a economia nacional. Para que qualquer campanha de prevenção tenha uma eficácia mínima, é absolutamente indispensável que os varões tailandeses modifiquem as suas crenças e atitudes para com as mulheres, antes mesmo de repensarem as suas práticas sexuais. Comentando este assunto na sociedade tailandesa, a escritora Sukany Hantrakul afirma que na estrutura social tradicional, seja a que nível for, é suposto a mulher ser casta até ao casamento e monogamica depois deste. O homem espera-se que seja experiente. Após alguns anos de deliberada ocultação da verdadeira dimensão da epidemia, e com a morte pré-anunciada de 2% da população feminina detentora de educação secundária, as autoridades sanitárias deixaram de negar a existência da SIDA em território nacional. A consciencialização para as vantagens de práticas sexuais seguras é uma das principais prioridades em saúde pública. Só no ano de 1991 as autoridades distribuíram 70 milhões de preservativos, a par de inúmeras campanhas de educação junto de prostitutas e em locais de "reconhecido interesse turístico". Decorridos oito anos após a adopção deste tipo de estratégia, a educação e a prevenção direccionadas para a infecção VIH/SIDA atingiram finalmente o estatuto de prioridade nacional, apresentando um conjunto de dados animadores capazes de constituírem um excelente caso de estudo regional, particularmente para os países que se debatem com elevados valores de transmissão nas categorias heterossexuais e utilizadores de drogas endovenosas. A campanha nacional para a prática de sexo seguro, introduzindo o preservativo a par da implementação de políticas educativas nas escolas e locais de trabalho, contribuiu para alterar o cenário de tardia mas exponencial progressão da infecção. Hoje, quer as autoridades de saúde pública tailandesas quer investigadores independentes da UNAIDS, reconhecem alterações profundas no comportamento sexual desta população, destacando-se um diminuição significativa da procura de sexo comercial, e o aumento de práticas sexuais seguras lideradas pelo uso do preservativo. Investigadores como Phoocharoen (1998) atribuem especial relevo à estratégia seguida após 1991, recentrando as políticas preventivas e 27 Epidemiologia, mobilidade e comportamento Social - 28 educativas na análise das forças económicas, sociais e culturais, como vectores fortemente condicionantes de comportamentos facilitadores da infecção por VIH, diminuindo o ênfase de campanhas exclusivamente direccionadas para o alerta do risco ao nível individual. A recente crise económica, declarada entre os denominados -Tigres Asiáticos (Agosto 1997), pode retardar alguns dos progressos já alcançados, caso a comunidade internacional não responda aos múltiplos apelos das autoridades sanitárias regionais. No caso Tailandês, onde são esperados 70 mil óbitos por causa relacionadas com a SIDA no ano 2000, os projectos governamentais sofreram significativas reduções ao nível das políticas preventivas e curativas, passando dos 50 milhões de dólares em 1997 para 26 milhões de dólares em 1998. A menos que um vasto programa de solidariedade internacional seja accionado, tal como foi proposto na XII Conferência Mundial sobre SIDA, Genebra, 1998, abrangendo numerosos países asiáticos e a quase totalidade do continente africano, o risco de explosão regional voltará a emergir. Bibliografia: Aggleton, Peter et al -Risking everything ? 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