A Governação “Sombra”
no Espaço Marítimo Angolano
A Governação “Sombra”
no Espaço Marítimo Angolano
“NARRAÇÃO DA AUSÊNCIA DE UMA POLÍTICA DE ORDENAMENTO
E DE GESTÃO DO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL”
2024
F. Nassoma Bentral-Baldacchino
A GOVER NAÇÃO “SOMBR A”
NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
autor
F. Nassoma Bentral-Baldacchino
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Maio, 2024
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MENÇÕES ESPECIAIS
Regras de redacção
O presente trabalho não segue as regras do novo acordo ortográfico.
No caso de transcrições, mantivemos a grafia original.
Modo de citar
A presente dissertação obedece às regras de citação e de redacção de
referências bibliográficas da norma portuguesa NP 405.
5
Ao
Meu Jesus, amigo que nunca falha!
E
Em memória a minha querida avó
Francisca de Oliveira.
PREFÁCIO
É com enorme gosto que, respondendo a um seu convite, escrevo o
Prefácio deste excelente e incisivo estudo da Mestre Francisca Nassoma
Cumandala Bentral-Baldacchino. Encaro este convite com regozijo, mas
não com surpresa: o regozijo que senti ao me ser solicitado a feitura de
um prefácio para o livro que o Leitor tem entre mãos resulta, tão-só, da
qualidade da obra; a ausência de surpresa provém também do facto deste
trabalho resultar da dissertação de Mestrado que, a pedido da agora
Mestre Francisca Bentral me ter solicitado ser o orientador do Mestrado
por ela escrito e que deu origem a este notável trabalho. Tal como foi o caso
do desenrolar dos capítulos que a Francisca me ia enviando a par e passo,
e com a desenvoltura que demonstrou nas provas públicas de defesa a que
se sujeitou com brilho, sinto-me de novo cativado com a o rigor, o carácter
inovador, e a coragem da agora Autora de um livro que, estou certo, atrairá
atenções, no melhor sentido da expressão. Assim espero e confesso que
não é nada que me espante.
Detalho o porquê deste meu prognóstico. No que ao Mestrado dela
diz respeito, a receção pelos meus colegas de júri traduziu-se numa óbvia
alegria pelos membros do júri perante quem ela se submeteu, caso nem
sempre comum em exercícios deste tipo. No que concerne a esta obra,
a Mestre F. N. C. Bentral subiu claramente de patamar. Como aluna, a
Francisca esmerou-se. Agora, como Autora, logrou dar um marcado passo
em frente. Auguro o melhor para o seu futuro.
Nos livros que aceito prefaciar, nunca me limito a apenas referir que
o texto é bom, útil, sério e construtivo. Só aceito prefaciar, claro está, os
9
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
trabalhos que considero de qualidade. Mas, para além disso, faço sempre
questão de indicar aquilo que considero os pontos fortes aos quais considero
dever dar mais atenção – sobretudo, como é aqui manifestamente o caso,
quando a qualidade do que aceito prefaciar não me deixa dúvidas. O que é
aqui o caso. Tenho como dever académico, ademais, sublinhar de maneira
explícita aquilo que considero inovador, no sentido mais forte do termo:
tudo o que desafie, com fundamentos indiscutíveis rupturas criativas do
que considero serem “sabedorias convencionais” que dificultem suscitar
a consciência de que mais deve ser feito para o bem-comum sobre o qual
um texto se debruça.
O que, sem qualquer dúvida é aqui o caso: basta, para tanto absorver sem
pestanejar, o título desta Obra: o livro intitula-se A Governação “sombra” no
espaço marítimo angolano. E, para que o Leitor não tenha dúvidas, a Autora
acrescentou-lhe um subtítulo explícito da sua nitidez: “Narração da ausência
de uma política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional”. Com
galhardia e precisão, tanto factuais como jurídico-políticas, a Mestre
Francisca Bentral soube bem, e de frente, pôr o dedo em várias das feridas,
que tanto lesam Angola, como o fazem aqui, em Portugal.
Antes seja ouvida e haja capacidade de resposta. Bem disso precisamos.
Se acordarmos, livros como este depressa se podem tornar em marcos
de mudanças que a todos beneficiam. Como a Autora escreve na sua
Introdução, “A ausência na ordem jurídica de uma política de ordenamento e de gestão do espaço marítimo nacional, a omissão legislativa
sobre a matéria e a necessidade de ordenar as áreas marítimas com vista
a assegurar a eficiência, a segurança e a sustentabilidade das atividades
humanas no mar, leva-nos a refletir um exemplo de modelo de governação dos espaços marítimos que deveria ser adotado na ordem jurídica
angolana”. E continua citando o Ministério angolano do Urbanismo e do
Ambiente: “uma vez que o país ocupa uma superfície marítima de 162 000
m, uma orla marítima de 1650 km2 com uma profundidade de variação
mínima média entre 3 aos 5 metros, enquanto as profundidades na zona
do talude continental atingem 5000 a 5500 metros nas zonas Centro e Sul,
sendo o mar a espinha dorsal da sua economia e exportando mais de 95 %
dos recursos que dela provêm”. Seria difícil começar melhor no chamar de
atenção para quaisquer Leitores...
Estou em crer que a leitura desta obra, muitíssimo bem pensada
e redigida, tornar-se-á porventura mais fácil de compreender indo
10
PREFÁCIO
aos conceitos centrais nela introduzidos pela Autora, visto ela lhes dar
conteúdos robustos. Para não maçar os Leitores tocarei, de forma expedita
e superficial apenas três dos muitos conceitos que a Autora manuseia com
cuidado: (i) “governança”, (ii) “sombra”, e (iii) “segurança marítima”. Em
todos estes casos, a Mestre Francisca Bentral, não perde tempo. Segue a
direito.
Quando utiliza o termo “governança”, o conteúdo semântico que lhe dá
é o de um claro abandono da gestão ambiental de um espaço marítimo, seja
ele qual for, sem o aproveitamento ou a distribuição devida dos recursos,
numa óbvia falta de plano de um qualquer plano de gestão das atividades ligada ao mar nas zonas em causa. O sentido que atribui ao termo
“sombra” redunda no descuido/contraditório/uma falsa imagem, que
localiza como estando “abaixo da vontade legislador e dos compromissos
internacionais”. Seguramente mais interessante ainda é o significado que
impõe à expressão “segurança marítima”, que dialeticamente encara como
uma forma – que não posso caraterizar senão como a de uma ativista com
visão e lucidez – de “instabilidade, de “ausência de soberania no espaço
marítimo por falta da vigilância” que deveria ser requerida. A força ilocucionária destas verdadeiras transmutações linguísticas, cartografam as
interpretações feitas pelo Leitor que é sempre chamado à intenção crítica
da Autora. Um tour de force notável. Parece-me ser este o método seguida
por uma Autora indignada por aquilo que encara como lacunas perigosas
para o que considera, ser, com óbvia convicção e fundamento certeiro, o
bem-comum do seu País.
Outra maneira de o soletrar é a seguinte: a necessária postura oficial
angolana na definição geoestratégica e geopolítica exigem a gestação
de uma identidade marítima e de um exercício continuado e sustido
de soberania nas suas águas territoriais e zonas económicas exclusivas.
Carências no exercício da soberania angolana na sua parcela do Atlântico
descredibilizam a sua posição nestas regiões, uma afirmação consequente
de Angola no seu Atlântico – aquelas parcelas do mar que as Nações
Unidas lhe atribuírem – exige o exercício continuado do Estado angolano,
exercendo, nele, uma soberania de que não pode prescindir.
Para terminar, mudando de tom e de ponto de aplicação, gostaria de
relatar em breves linhas, o historial daquilo que deu azo à emergência do
Mestrado escolhido pela agora Mestre Francisca Bentral. Bendito o dia em
que, na NOVA School of Law, Faculdade de Direito da Universidade Nova
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A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
de Lisboa, um grupo de colegas meus me instaram a desenhar e criar um
Mestrado do Mar. Anuí de imediato, surpreendendo-me a mim próprio,
confesso. Interrompi uma Sabática (a única que usufrui numa carreira
académica de 32 anos, 22 deles na NSL) para o fazer; não só porque me
pareceu essencial, mas também porque foi o meu Pai quem introduziu, em
Portugal e no mundo Lusófono, o Direito do Mar. Avancei, muito por isso
mesmo, quantas vezes contra tanto ventos como marés, desfazendo sem
muito me preocupar a minha licença sabática. Tudo ponderado, tomei a
decisão de apelidar o Mestrado, que Co-Coordenei até me jubilar (o que
teve lugar em setembro de 2022), dando-lhe o nome de Mestrado em
Direito e Economia do Mar: a Governação do Mar (desde há alguns anos, dos
Oceanos). Ou seja, desenhei um mestrado focado no Direito, na Economia,
e na Política. O que me pareceu imprescindível.
O processo não foi, porém, pacífico, pois várias vozes se levantaram
contra a pluridisciplinaridade que lhe incuti ab initio – isto numa
Universidade que apela a isso mesmo e numa Faculdade que dizia querer
também fazê-lo. Sem que eu fosse informado, o Mestrado que gizei
foi redesenhado de modo a tornar-se apenas jurídico – sendo assim eu
excluído dele, ficando lá só “juristas de cepa”, ao que me foi dito ser a
intenção. Soube da tentativa porque vários colegas me mostraram o
documento redutor que iria ser submetido ao Conselho Científico da
Faculdade. Mas muitas vezes Deus escreve direito por linhas tortas, e
dois dias antes da confrontação, foi anunciado que o Mestrado recebido
pelo edu-universal (uma agência internacional de rankings académicos
que eu não conhecia) como o quarto melhor do Mundo, entre todos os
mestrados relativos ao Mar. À nossa frente ficaram um mestrado em
Roterdão, outro em Copenhaga e um terceiro em Melbourne (todos eles
com Universidades viradas para os respetivos portos de águas profundas).
O documento que iria ser apresentado dois dias depois, desapareceu de
repente, ficando o que estava. Com o benefício da retrospeção, ainda bem.
Dois anos depois fomos classificados como o primeiro, o melhor Mestrado,
o melhor, à frente destes outros três. Hoje em dia aí está, com docentes
das várias áreas com nele convivem, e há a intenção, do lado da Professora
Assunção Cristas, que me substituiu, de criar uma Licenciatura com um
design semelhante. Que avance e singre!
Voltando ao Mestrado: a Francisca Nassoma Bentral-Baldacchino,
como muitos outros mestrandos de várias nacionalidades, muito disso
12
PREFÁCIO
beneficiaram. As aulas são, em geral, dadas em Língua Inglesa – o que o
projeta como um Mestrado global fornecido em Portugal. O que me parece
justo. Desde há muito sabemos que a investigação científica beneficia de
uma língua franca. Se assim não fosse o nosso Mestrado não teria tido o
rating que teve, isso estou certo. E os alunos lusófonos aprendem a falar,
claro está, em Inglês, melhorando também essa valência – sendo absurdo,
a meu ver, considerar que tal “mata a Língua Portuguesa”. Não o faz de
todo, enriquece-nos o ampliar de horizontes, internacionalizando-nos
e cativando, para cá, discentes e docentes que falam bem, claro está, o
Inglês. Em todo o caso, quase toda a bibliografia existente nestes campos
está redigida nessa língua... Disso mesmo beneficiou, por exemplo, a
Francisca, que começou a trabalhar nestas áreas em Malta. A dissertação
dela, tal como este livro, estão escritos em Português, numa língua que ela
nem por sombras perdeu, evidentemente…
Queria acabar este já longo prefácio com alegria e algum regozijo
desvanecido. Muitos livros houvesse como este. Escrito com cuidado, firme
e rigoroso, com um claro e explícito posicionamento que, agrade-nos ou
não, me parece, sempre, ser salutar. Muitas das dissertações do domesticamente chamado “Mestrado do Mar” também o são – embora raramente
incluam a largura de banda e o pragmatismo deste, agora decantado num
livro que deixará marcas na Angola natal da Autora, Francisca Bentral-Baldachino. Despercebido, não passará decerto. Quando sentados numa
bicicleta e com os pés nos pedais, só conseguimos deixar de cair enquanto
nos mantivermos em movimento.
ARMANDO MARQUES GUEDES
Professor Catedrático Jubilado,
NOVA School of Law, UNL
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PRINCIPAIS SIGLAS, ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS
AAFDL – Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade
de Lisboa
Ac. – Acórdão
AIM – Estratégia Marítima Integrada de África 2050
AMN – Autoridade Marítima Nacional
Art.º – Artigo
Art.ºs – Artigos
CCB – Convenção da Corrente de Benguela
CEEAC – Comunidade Económica dos Estados da África Central
Cit. por – citado por
Cfr. – Conferir ou confrontar
CNUDM – Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar
COMFORCE – Central African Multinational Force
CRA – Constituição da República de Angola
DMA – Domínio Marítimo da África
DL – Decreto Lei
DPM – Domínio Público Marítimo
DR – Diário da República
Ed. – Edição
ELP 2025 – Estratégia de Longo Prazo Angola 2025
ENM – Estratégia Nacional para o Mar
EST – Esquemas de Separação de Tráfego
FDUL – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
FDUNL – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
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A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
FMI – Fundo Monetário Internacional
GMDSS – Global Maritime Distress and Safety System
i.e. – isto é
IMPA – Instituto Marítimo Portuário de Angola
Jur. – Jurisprudência
LA – Lei de Água
LEM – Lei dos Espaços Marítimos
LMMPAC – Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas
LOTU – Lei do Ordenamento do Território e do Urbanismo
LRIT – Sistema de Identificação e Localização de Longo Alcance (Long
Range Identification & Tracking)
LT – Lei de Terras
MARPOL 73/78 – Convenção Internacional sobre a Prevenção da Poluição
por Navios e Protocolo
MMSI – Maritime Mobile System Identification
MRCC – Maritime Rescue Co-ordination Centre
n.º(s) – número(s)
op. cit. – obra citada
OEM – Ordenamento do Espaço Marítimo
OPRC 1990 – Cooperação e Combate Contra a Poluição para Hidrocarboneto
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico do Norte
p. – Página
pp. – Páginas
p.p – pontos percentuais
ref. – refundida
REPTUR – Regulamento Geral dos Planos Territoriais, Urbanísticos e
Rurais
s. – Seguinte
ss. – Seguintes
SADC – Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
SAR – Sistema de Busca e Salvamento
SINAVIM – Sistema Nacional de Vigilância Marítima
UA – União Africana
UE – União Europeia
Vol. – Volume
VTS – Vessel Traffic System (Sistema Nacional Integrado para o Controlo
do Tráfego Marítimo)
16
INTRODUÇÃO
À ausência na ordem jurídica de uma política de ordenamento e de
gestão do espaço marítimo nacional, a omissão legislativa sobre a matéria
e a necessidade de ordenar as áreas marítimas com vista a assegurar a
eficiência, a segurança e a sustentabilidade das actividades humanas
no mar, leva-nos a reflectir um exemplo de modelo de governação dos
espaços marítimos que deveria ser adoptado na ordem jurídico angolana,
uma vez que o país ocupa uma superfície marítima de 162 000 m, uma
orla marítima de 1 650 km2 com uma profundidade de variação mínima
média entre 3 aos 5 metros, enquanto as profundidades na zona do talude
continental atingem 5 000 a 5 500 metros nas zonas Centro e Sul, sendo
o mar a espinha dorsal da sua economia e exportando mais de 95 % dos
recursos que dela provêm1.
Esta realidade vasta e complexa acarreta desafios e impõe grandes
responsabilidades na sua governação que deve atender ao enquadramento
jurídico dos bens do domínio marítimo.
Neste estudo visa fornecer uma análise global e coordenada da política
de gestão da zona marítima nacional, com uma gama complexam, envolvendo diferentes níveis de autoridades, operadores económicos e outras
partes interessadas, que apelam a soluções que passam por instrumentos
de gestão sistemáticos de planeamento e de ordenamento do espaço
marítimo.
1
ANGOLA. Ministério do Urbanismo e Ambiente – Programa de investimento
ambiental: relatório do estado geral do ambiente em Angola, p. 63.
17
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Este tipo de abordagem da gestão e da governação marítima deve ser
desenvolvido no âmbito da política para o mar que determine a extensão
dos espaços marítimos sob soberania e jurisdição nacionais e que defina os
poderes que o Estado deve exercer2. A política marítima terá por objectivo
apoiar a utilização sustentável, equitativa e eficiente dos recursos vivos e
não vivos, protecção e a preservação do meio marinho e elaborar projectos
intersectorial coerentes e transparentes para as políticas sectórias de
actuação para o mar.
De sublinhar que a necessidade de um instrumento estratégico
intersectorial de governança do espaço marítimo permitirá às autoridades públicas e às partes interessadas aplicar uma abordagem baseada
no ecossistema, tendo em conta a utilização sustentável dos recursos
marinhos e a promoção do desenvolvimento e do crescimento sustentável
da economia marítima e costeira.
Nesta senda, sugere-se a implantação de um sistema que assenta,
justamente, numa concepção global da problemática do ordenamento
marítimo como sistema de normas, princípios e instrumentos em que
avultam os planos de gestão marítima, em razão do âmbito oceânico, da
interacção terra-mar, dos objectivos visados e da política de acções que
os concretizam, protegem a biodiversidade e o ecossistema marinho,
ordenando os usos e actividades marítimas, como formas sistemáticas de
governação do espaço marítimo nacional.
A concepção integrada de ordenamento marítimo a adoptar promoverá
a coexistência das diferentes utilizações e a repartição adequada do
espaço marítimo entre as utilizações relevantes, através da criação de um
quadro para um processo de decisão coerente, transparente, sustentável e
fundamentado. Para tal, é necessário que se preveja obrigações tendentes
a estabelecer um processo de ordenamento do espaço marítimo e que se
traduza em planos económicos oceânicos, bem como em obrigações que
digam respeito às opções concretas quanto às modalidades de execução das
políticas sectórias nestes domínios através do processo de ordenamento.
Todavia, aquando do estabelecimento dos planos de ordenamento do
espaço marítimo e das estratégias de gestão costeira integrada, deverá
2
Parágrafo sexto do preâmbulo da Lei n.º 14/10, de 14 de Julho, Lei dos Espaços
Marítimos.
18
INTRODUÇÃO
ser dada a devida atenção às alterações climáticas, aos riscos naturais e à
dinâmica do litoral, designadamente à erosão e à deposição, pois podem
ter repercussões severas no desenvolvimento e crescimento económico
costeiro, nos ecossistemas costeiros e marinhos, com a consequente
deterioração do estado ambiental, perda de biodiversidade e degradação
dos serviços ecossistémicos3.
Salientamos que as actividades marinhas e costeiras estão, com
frequência, estreitamente interligadas. Por este motivo, o ordenamento do
espaço marítimo deverá ter por objectivo integrar a dimensão marítima de
algumas utilizações ou actividades costeiras e os seus impactos e permitir,
em última instância, uma visão integrada e estratégica.
O ordenamento do espaço marítimo visa igualmente desempenhar
um papel muito útil na determinação das orientações relativas à gestão
sustentável e integrada das actividades humanas no meio marítimo, à
preservação dos habitats, à fragilidade dos ecossistemas costeiros, à erosão
e a factores sociais e económicos e encorajar utilizações múltiplas.
Todas estas incursões irão trazer na presente análise uma concentração
de informações, institutos, princípios e conhecimentos técnico-marítimos,
a fim de promover o desenvolvimento económico sustentável marinho, em
termos de pedagógicos, e um amplo intercâmbio de boas práticas e debates
interactivos no campo Direito Administrativo e Direito Internacional do
Mar, tendo em vista a elaboração de orientações internacionais sobre o
Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional, explorar casos de estudo
de aplicação do OEM, com o intuito de identificar as melhores práticas
internacionais e a preparação de recomendações sobre o formato, o
âmbito e o valor acrescentado da cooperação internacional no domínio
do OEM.
De realçar que, no âmbito da política marítima nacional, bem como dos
vários projectos de financiamento para os sectores com actividades ligadas
ao mar, não estão identificadas as necessidades de realizar mais estudos de
investigação, para obter informações mais rigorosas que contribuam para
a adopção de futuras medidas para protecção espacial e temporal ou para
a aplicação de programas de monitorização nas áreas marítimas.
3
Vide paragrafo décimo terceiro do preâmbulo da Directiva 2014/89/EU do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 2014.
19
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Essas e outras observações demonstram o desinteresse e distanciamento do poder executivo em relação aos assuntos marítimos, que, até
o momento, não apresenta uma política de ordenamento e de gestão ou
medidas de governação no espaço marítimo de soberania e jurisdição
nacional.
20
Capítulo I
Regime da delimitação das fronteiras marítimas
SECÇÃO I
Da historicidade da demarcação das fronteiras terrestre e fluviais4
1. Razão de ordem
As fronteiras africanas foram definidas pelas potências coloniais
europeias entre 1885 e 1900; todavia, a actual carta geográfica dos países
africanos é fruto da adaptação de acordos estabelecidos entre essas
potências, que ignoraram os direitos dos povos africanos e até mesmo a
importância de bem visíveis acidentes geográficos5.
A presente demarcação da fronteira terrestre e delimitação marítima
supõe um acto de respeito aos tratados que definiram a divisão de África
e não uma combinação de diferentes factores históricos e culturais.
É completamente expectável que haja conflito na delimitação de fronteiras,
4
Vide o nosso artigo de avaliação, Segurança marítima costeira no leito de Angola,
p. 5.
5
Vide OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de – Os Caminhos Históricos das Fronteiras
de Angola, e “Fronteiras de Angola e a evolução histórica”, artigo publicado no Jornal de
Angola, 30 de Novembro de 2009.
21
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
sobretudo, se algum Estado africano pretender estender a sua plataforma
continental.
Deste legado histórico, Angola herdou uma costa marítima de 1650
km2, uma superfície marítima de 162 000 m, e uma configuração terrestre
de bloco maciço de forma sensivelmente quadrangular, entre elas o
enclave de Cabinda situado na costa do rio Zaire, ocupando uma área
de cerca de 1 246 700 km2 na região da África Central Ocidental, com
uma fronteira terrestre de 4837 km2, o que faz que seja considerada o
quinto país com maior dimensão na África subsariana, sendo os recursos
marinhos a espinha dorsal da sua economia.
A razão desta secção é analisar o percurso histórico problemático da
demarcação – entendida como um acto de administração verdadeiramente
distinto da delimitação, esta, sim, um acto pleno de jurisdição, consistindo
na colocação de marcos no terreno para assinalar os limites descritos,
adoptados no Tratado de Delimitação6 –, das fronteiras terrestres e fluviais,
definidas por meio de tratados celebrados pelas potências coloniais,
descurando qualquer referência à delimitação da fronteira marítima.
Seguidamente, examinaremos a fronteira lateral norte e nordeste, leste
e sudeste e sul, bem como a costa marítima sul e norte angolana, fundamental para o entendimento do presente tema de investigação.
2. A demarcação da fronteira norte e nordeste
Em relação a outros pontos cardeais e seus colaterais, a demarcação
definitiva da fronteira norte e nordeste é seguramente a que maior
complexidade regista, após longos anos conflituantes de negociação, pois
Portugal procurava dirimir a sua posição geográfica na região com os
britânicos, os franceses, mais tarde com os belgas.
6
OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de – Subsídios para o estudo da delimitação e
jurisdição dos espaços marítimos em Angola, p. 428; no sentido sociológico a demarcação
de fronteira é entendida como uma realidade de identidades sociais, política e jurídica que
se impõe entre nações e povos com o território in Andrey Cordeiro Ferreira – Políticas
para fronteira História e Identidade: a luta simbólica nos processos de demarcação de
terras indígenas Terena. Mana, vol. 15, n.º 2. (Outubro, 2009), disponível em: https://doi.
org/10.1590/S0104-93132009000200003.
22
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
As primeiras dificuldades surgem em 1846 quando a Inglaterra
contestou a soberania de Portugal nos territórios da costa ocidental de
África situados entre os paralelos 5º 12´ e 8º de latitude S., isto é, entre
a margem direita do rio Zaire e a sul do Ambriz. Tal objecção veio a
constituir a Questão do Ambriz e a Questão do Zaire, por terem lançado
erradamente na costa oriental os territórios de Malembo e Cabinda – esse
erro foi corrigido dois anos depois na Convenção adicional de 30 de abril
de 1819, com a justificação de «erro verbal» 7.
A contestação inglesa teve por base o erro de redacção geográfico
descrito no tratado celebrado entre Portugal e Inglaterra, em 28 de Julho
de 1817, relativo ao regime de excepção no tráfico de escravos8, estabelecendo que os territórios em que os súbditos portugueses continuariam a
ter liberdade de tráfico por pertencerem a coroa portuguesa eram:
a) todos os efectivamente possuídos por essa coroa entre o paralelo
18º e o 8º latitude S;
b) aqueles em que Portugal declara que reserva o seu direito, chamados
Malembo e Cabinda, na costa oriental de África, desde o paralelo 5º
12´, ao paralelo 8º latitude S.
Somente a 9 de Novembro de 1850 é que o Embaixador Inglês em
Lisboa esclareceu que Lorde Palmerston apenas soubera em 1847, pelos
comissários britânicos de Luanda, que Ambriz fica a 7º 52´, isto é, ao
norte do paralelo 8º. Por mais que o Governo Inglês tenha reconhecido
o equivoco ‒ que colidia com as limitações fixadas no tratado de 1817 ‒,
ainda assim não desistiu da contestação ao direito português de ocupação
do Ambriz, fundamentando que um erro não prevaleceria sobre o texto e
a interpretação dos tratados.
Por seu turno, Portugal replicava os seus direitos invocando:
1.º a prioridade do descobrimento;
2.º a posse conservada durante séculos;
OLIVEIRA , Joaquim Dias Marques de, op. cit., pp. 17 e 18.
Ao contrário dos dois primeiros tratados celebrados a 19 de Fevereiro de 1810 no Rio de
Janeiro e 22 de Janeiro de 1815 em Viena, respectivamente, este tratado fixa matematicamente
os limites do regime de excepção no tráfico de escravos com uma grande precisão geográfica.
7
8
23
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
3.º a introdução da civilização pelo cristianismo;
4.º a conquista pelas armas;
5.º o reconhecimento do seu domínio pelos indígenas9.
Sequentemente a esses acontecimentos, a 26 de Novembro de 1853, foi
emitida uma nota que vem aduzir que «Portugal adquiriu no século XV o
direito à soberania da região compreendida entre o 5º 12´ e o 8º latitude S.,
mas que esse direito se acha prejudicado pelo abandono, “suffered to lapse”,
porque não ocupara»10. Em réplica a esta nota, a coroa inglesa alegou que
Portugal havia deixado cair o direito que pela prioridade da descoberta –
tinha essa parte da costa, porque não havia ocupação.
Efectivamente, não havia nesta circunscrição territorial autoridades
permanentes que afirmassem a soberania, que se opusessem ao tráfico de
escravos e que protegessem e promovessem o comércio lícito. Em reacção
a estes factos, a coroa portuguesa ordenou, a 20 de Janeiro de 1855, a
ocupação e anexação dos portos de Ambriz e de Cabinda, sendo que apenas
em 6 de Junho deste ano tal se cumpriu, mediante uma expedição militar
chefiada por José Baptista de Andrade, a fim de pôr termo à Questão do
Ambriz11.
Face às medidas tomadas por Portugal, em 1860, o Governo inglês
endereçou uma nota ao Embaixador de Portugal em Londres avisando
que qualquer tentativa para estender a ocupação para o norte ‒ como era
o propósito português ‒ encontraria a oposição das forças navais inglesas.
Neste sentido, foram dadas instruções aos comandantes dos cruzadores
ingleses da costa ocidental de África; por seu turno, as autoridades portuguesas de Ambriz e de Angola foram, por mais de uma vez, informadas
destas instruções.
9
SANTARÉM, Visconde de – Demonstração dos direitos que tem a coroa de
Portugal sobre os territórios situados na costa ocidental de África entre o 5º e 8º de
latitude meridional e por conseguinte aos territórios de Molembo, Cabinda, Zaire e
Ambriz.
10
CORDEIRO, Luciano – A Questão do Zaire. Revista de Estudos Livre, p. 82-262.
11
A fim de pôr termo à actividade de contrabando estrangeiro no norte de Angola e
aumentar as receitas aduaneiras angolanas, em 1838, Sá da Bandeira ordenou a ocupação e
anexação dos portos de Ambriz e de Cabinda. Porém, o seu plano para expansão comportava
inúmeras dificuldades, sendo executado lentamente.
24
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
Perante a ameaça inglesa, Portugal teve de se submeter e, para evitar
que o conflito se agravasse, desistiu da ocupação de Cabinda, limitando-se
a lembrar o fundamento dos seus direitos e propor uma solução do caso
em aberto12.
Depois de alguns anos de negociações, finalmente, foi assinado o tratado
em 26 de Fevereiro 1884, no qual a Inglaterra reconhecia a soberania
portuguesa em toda a costa compreendida entre os paralelos de 5º 12´ e 8º
de latitude Sul, fixava Nóqui como limite no rio Zaire, e a fronteira interior
ocidental coincidiria com os limites das actuais possessões das tribos da
costa e marginais13.
Não satisfeita com as negociações luso-inglesas, a França, a Associação
Internacional Africana, a Alemanha e uma grande parte da opinião
pública inglesa levantaram sérias objecções contra o tratado de 26 de
Fevereiro de 1884, que acabou por não ser ratificado com receio de que se
tratasse de um expediente dilatório. É precisamente nestas circunstâncias
que se levanta a Questão do Zaire, o que motivou os líderes das potências
coloniais a conferenciarem de 15 Novembro de 1884 a 14 Fevereiro de
1885 em Berlim para a partilha de África.
Paralelamente, a Associação Internacional do Congo exigia a posse
de toda margem direita e esquerda do rio Zaire; por sua vez, Portugal
opôs-se terminantemente e reivindicou toda a margem navegável do
Zaire até Nóqui. Em 14 de Fevereiro de 1885, em Berlim, foi assinada
a Convenção entre Portugal e a Associação Internacional do Congo, na
qual Portugal recebia tratamento de «nação mais favorecida», fazendo-se,
assim, a delimitação de fronteiras, reconhecendo Portugal a bandeira da
Associação, e prometendo acatar-lhe neutralidade14.
12
Memorando do Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Ministro de Portugal em
Londres, de 8 de Novembro de 1882, no Volume dos Negócios Externos, 1884 (Questão do
Zaire), p. 5, cit. por OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de – Fronteiras de Angola e a evolução
histórica. Jornal de Angola. 30 de Novembro de 2009. [Consult. 2020-05-05] Disponível
em http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/fronteiras_de_angola_e_a_evolucao_historica.
13
Tratado de 26 de Fevereiro de 1885, cit. por OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de –
Subsídios para o estudo da delimitação e jurisdição dos espaços marítimos em Angola.
14
Livro Branco de 1885, Questão do Zaire, vol. II, p. 128, cit. por OLIVEIRA, Joaquim
Dias Marques de – Fronteiras de Angola e a evolução histórica. Jornal de Angola. 30 de
Novembro de 2009.
25
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Na pretensão de obter reconhecimento dos territórios situados entre
o rio Chiloango e Massabi, em 1884, Portugal renovou com a França a
proposta de delimitarem o domínio fluvial e terrestre no Congo, em que
a França insistia que a fronteira seguisse o curso do Chiloango, desde a
sua confluência com o Lucula até à sua foz. No entanto, as negociações
foram longas, tanto mais que se tratou simultaneamente das fronteiras
da Guiné15, tendo o processo sido concluído com a com a assinatura da
Convenção para a delimitação das possessões portuguesas e francesas na
África Ocidental datada de 12 de Maio de 1886 16. Esta Convenção decreta
que «Na região do Congo, a fronteira entre as possessões portuguesas e
as possessões francesas, seguirá, conforme o traçado indicado na carta
n.º II, anexa à presente convenção, uma linha que, partindo da ponta
de Chamba, situada na conferência do Loema ou Luísa Loango e do rio
15
Estabelece o art.º I da Convenção para a delimitação das possessões portuguesas e
francesas na África Ocidental assinada em Lisboa a 12 de Maio de 1886 que «Na Guiné,
a fronteira que há de separar as possessões portuguesas das possessões francesas, seguirá
conforme o traçado indicado na carta n.º I anexa à presente convenção:
– Ao norte, uma linha que, partindo do cabo Roxo, se conservará, tanto quanto
possível, segundo as indicações de terreno, a igual distância dos rios de Casamansa
(Cazamance) e de São Domigues de Cacheu (San-Domingo de Cacheu) até à intersecção do meridiano de 17.º 30´ de longitude oeste de Paris com o paralelo de 12.º 40´
de latitude norte. Entre este ponto e o meridiano de 16º de longitude oeste de Paris
a fronteira confundir-se há com o paralelo de 12º 40´ de latitude norte.
– A leste, a fronteira seguirá o meridiano de 16º de longitude oeste de Paris, desde o
paralelo de 12º 40´ de latitude norte até ao paralelo de 11º 40´ de latitude norte.
– Ao sul, a fronteira seguirá uma linha que partirá da foz do rio Cajet, situado entre a ilha
Catack (que ficará para Portugal) e a ilha Tristão (que ficará para França) e, conservando-se tanto quanto possível, segundo as indicações do terreno, a igual distância
do rio Componi (Tabatí) e do braço meridional do rio Cassini (esteiro de Kakondo) a
princípio, e do rio Grande por fim, virá terminar no ponto de intersecção do meridiano
de 16º de longitude oeste de Paris com o paralelo de 11º 40´ de latitude norte.
– Ficarão pertencendo a Portugal todas as ilhas compreendidas entre o meridiano do
cabo Roxo, a costa, e um limite meridional formado por uma linha que seguirá o
thalweg do rio Cajet e se dirigirá depois para sudoeste, seguindo o canal dos Pilotos
até atingir o paralelo de 10º 40´ de latitude norte com o qual se confundirá até ao
meridiano de cabo Roxo».
16
Publicado no Diário do Governo n.º 194 de 1 de Setembro de 1887; Colecção de
legislação p. 413; Livro Branco de 1887, vols. 1.º e 2.º, a Convenção consta dos anexos cit. por
OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de – Fronteiras de Angola e a evolução histórica. Jornal
de Angola.
26
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
Lubinda, se conservará, tanto quanto possível, e seguindo as indicações
do terreno, a igual distância dêstes dois rios, e a partir da nascente mais
septentrional do rio Luali, seguirá a linha de cumiada que separa a bacia
do Loema ou Luísa Loango da bacia do Chiloango, até ao meridiano de 10º
30´ de longitude leste de París, depois confundir-se há com êste ridiano
até ao seu encontro com Chiloango, que neste ponto serve de fronteira
entre as possessões portuguesas e o Estado Livre do Congo», nos termos
do art.º III.
Com efeito, a citada Convenção foi ratificada a 31 de Agosto de 1887, e,
a 12 de Janeiro de 1901,17 assinou-se, em Paris, o Protocolo que interpreta
e completa o artigo III da Convenção de 12 de Maio de 1886, relativo
ao traçado da linha de fronteira Franco-Portuguesa na região do Congo.
Estava assim consumada a divisão do Congo em três partes: belga, francesa
e portuguesa.
Para Marques de Oliveira, o Enclave de Cabinda nasce neste cenário,
confinando na sua parte norte com o Congo Francês e a restante parte
com o Estado Livre do Congo, com o cuidado de se instalar o seu limite a
sul e o rio Zaire (ficando definida a fronteira norte e nordeste da foz do rio
Zaire até à divisória das águas do Zaire e do Zambeze com o meridiano 24º
Leste de Greenwich e a fronteira nordeste desde a intersecção do paralelo
6º de Latitude Sul com o rio Cuango, até à da divisória das águas do Zaire e
do Zambeze com o meridiano 24º Leste Greenwich), de forma a desalojar
Portugal de margem norte18.
Quanto ao nordeste, a Bélgica defendia que a fronteira nordeste de
Angola se fixava no Cuango, apontando a delineação na direcção sul
com todo o curso do rio Cuango; contrariamente, Portugal alegava que o
limite ia para além deste rio, seguindo o curso do Cuango apenas na região
compreendida entre o paralelo de Nóqui e o de 6º de latitude Sul, sendo a
linha divisória as águas que pertencem a bacia do Cassai entre os paralelos
6º e 12º de latitude Sul.
17
Colecção de legislação p. 251, Tomo VII, cit. por OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques
de – Fronteiras de Angola e a evolução histórica. Jornal de Angola, o Protocolo consta dos
anexos.
18
OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de – Os Caminhos Históricos das Fronteiras
de Angola, p. 25; GUEDES, Armando Marques [et tal.] – Pluralismo e legitimação: a
edificação jurídica pós-colonial de Angola, p. 70.
27
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Os governos português e belga assinaram a 5 de Julho de 1913, em
Bruxelas, o Protocolo da demarcação das fronteiras luso-belga de Cabinda
e do paralelo do Nóqui ao Cuango19.
Relativamente à demarcação da fronteira na região do Dilolo, o
problema teve origem nos termos da Convenção que regula os respectivos
limites de fronteiras e adopta diversas disposições fiscais, assinada em
Bruxelas a 25 de Maio de 189120 e trocadas as ratificações em Lisboa a
1 de Agosto do mesmo ano, que fixou geograficamente a fronteira no
alto Cassai e lago Dilolo, situando este último na linha divisória das
águas do Zaire e do Zambeze, e definindo, como limite, um afluente
do rio Cassai que nascia no lago Dilolo, nos termos do art.º 3.º da
Convenção.
Verificando, mais tarde, que os signatários da Convenção tinham
cometido um erro geográfico por se haver reconhecido a inexistência
do afluente do rio Cassai que nasce no lago Dilolo (este lago situa-se na
bacia do rio Zambeze), o Governo português analisou que a interpretação
mais lógica feita ao artigo III da Convenção seria tomar como fronteira o
afluente do Cassai, cuja nascente se encontra mais próxima do lago Dilolo,
no braço oriental do Luakanu em Cha-calumbo21.
Não obstante ter sido Portugal a propor inicialmente Cha-calumbo,
ao ser levantada a carta geográfica da região, constatou-se que a nascente
mais próxima, por uma diferença de 15 km e que fica ao nordeste do lago
Dilolo, é a do rio Luau e não a do afluente oriental do Luakeno. Portanto,
vem novamente Portugal alegar que o rio Luau era o limite da fronteira,
19
Livro Branco de 1913, tomo VII, p. 209; vem publicados os mapas do traçado das
fronteiras, CIT. POR OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de – Fronteiras de Angola e a
evolução histórica. Jornal de Angola.
20
Publicado no Diário do Governo n.º 101 de 6 de Maio de 1892, Livro Branco de 1891,
Limites no Congo, p. 102 (OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de – Fronteiras de Angola e a
evolução histórica. Jornal de Angola. 30 de Novembro de 2009.); os trabalhos de demarcação
realizaram-se em conformidade com a referida Convenção, e o acordo de troca de notas de
12 de Abril e 6 de Agosto 1907 e de 30 de Abril e 2 de Junho de 1910, e concluíram com um
protocolo datado de 18 de Setembro de 1915.
21
Arquivo do Ministério dos Negócios e Estrangeiros, cota 3º piso, armário n.º 9, maço
13. Nota do Ministro de Portugal em Bruxelas, Visconde Santo Thirso, ao Secretário Geral
do Departamento dos Negócios Estrangeiros do Estado Independente do Congo, A. Cuvelar,
Bruxelas 12 de Abril de 1907.
28
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
cuja nascente era preciso ligar à linha divisória das águas do Zaire e do
Zambeze22.
Por seu turno, o Congo Belga enfrentava um obstáculo vital ao seu
desenvolvimento económico: o acesso ao mar. O rio Zaire revelou-se não
navegável em todo o seu curso, nomeadamente, na região das cataratas
entre Matadi e Kinshasa. Neste sentido, o Governo belga desenvolveu
uma intensa actividade junto do Governo português, de forma a obter
a cedência da margem esquerda do rio Zaire, para aí construir um porto
suficientemente capaz de responder melhor que Matadi e para permitir a
modificação do traçado da linha férrea nos primeiros 30 km.
Assim, no desejo de mutuamente darem uma demonstração de boa
vizinhança e de favorecerem a valorização dos respectivos territórios,
Portugal e a Bélgica assinaram, a 22 de Julho de 1927, em Luanda, a
Convenção em que acordaram a troca de terrenos.
Estabelece o art.º I da mencionada Convenção que «A Bélgica cede a
Portugal, em plena soberania, a parte da Colónia do Congo Belga compreendida pelos seguintes limites:
– A fronteira actual entre a confluência do Cassai com o Luakano até
o ponto mais próximo da origem do rio Luau, nas proximidades do
marco 25;
– Uma linha recta deste ponto até a origem do Luau;
– O rio Luau até a sua confluência com o Cassai;
– O Cassai para montante desde essa confluência até a do Luakano;
– A superfície aproximada deste território é de 3500 quilómetros
quadrados».
Dispõe o art.º II que «Portugal cede à Bélgica, em plena soberania, a
parte do território de Angola compreendida pelos limites seguintes:
– O rio M´pozo desde o ponto em que deixa de formar a fronteira
Luso-Belga, junto do marco 10 embocadura do Mia, até à embocadura
do rio Duizi, que fica a cerca de 2300 metros a montante daquele
ponto;
22
COUTINHO, Gago, Memorandum reservado para elucidação das questões de
fronteiras Angola – Congo, p. 10.
29
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
– O rio Duizi a montante da sua confluência com o M´pozo até à
fronteira actual;
– A fronteira actual entre o Duizi e o M´pozo, passando pelos marcos
10 e 11;
– A superfície aproximada desta porção de território é de três quilómetros quadrados.
Observando que a troca de terrenos não constava na agenda das
resoluções aprovadas na primeira conferência luso-belga, realizada em
Lisboa de 6 a 10 de Dezembro de 1926, Joaquim Marques de Oliveira diz
que «esta convenção só se explica à luz de factores supervenientes, que
decorreram à margem dos trabalhos da conferência»23.
Com estes factos, fica encerrado a questão da delineação da fronteira
nordeste de Angola.
3. A demarcação da fronteira leste e sudeste
A disputa relativa à fronteira leste e sudeste manifestou-se como uma
extrema complicação com o Ultimatum Inglês de 11 de Janeiro de 189024,
que exigia o termo do projecto português de ocupar os terrenos africanos
a partir da costa oeste oceânica do Atlântico à costa leste do Índico, isto
é, de Angola a Moçambique.
A Inglaterra opôs-se às cláusulas das Convenções Luso-Francesa de 13
de Maio de 1886 e Luso-Alemã de 30 de Dezembro de 188625 que contém
23
OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de, op. cit., p. 7, disponível para consulta em:
http://info-angola.ao/index.php?option=com_content&view=article&id=2652:front
eiras-de-angola-e-a-evolu-hista&catid=687&Itemid=1727&showall=&limitstart=6.
24
Vide PATRÍCIO, Miguel – Do ultimatum de 1890 ao Tratado Luso-britânico de
1891 – Ensaio da História Diplomática. RIDB, pp. 11371-11408; MARTINEZ, Pedro Soares
– História Diplomática de Portugal, Lisboa: Verbo, 1982; PINTO, Eduardo Vera-Cruz
– Apontamentos de História das Relações Internacionais, Lisboa: AAFDL, 1998;
TEIXEIRA, Nuno Severiano – O ultimatum inglês – Política Externa e Política Interna
no Portugal de 1890.
25
Em troca de reconhecimento da ligação de Angola a Moçambique e sem prejuízo de
eventuais direitos de terceiros, custaram a Portugal as regiões de Casamansa e Ziguinchor
para a França e a região entre Cabo Frio e a foz do rio Cunene para a Alemanha; Negócios
30
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
em anexo o mapa que compreende toda a região que se estende entre
Angola e Moçambique, a bacia inteira do Zambeze, o país dos Matabeles
e os distritos do lago Nyssa até à latitude do rio Rovuma, alegando que
essas potências nunca tiveram interesses na zona. A mesma potência
entendia que, de acordo com o convencionado na Conferência de Berlim,
a ocupação efectiva era condição essencial para o exercício de jurisdição
em África, algo que Portugal não poderia assegurar nos territórios em
causa. Por sua vez, Portugal contrapunha que, tal como refere a 1.ª parte,
do art.º 35.º do Acto Geral da Conferência de Berlim, a ocupação efectiva
é só aplicável à costa e não ao interior africano26.
Com vista a reconhecer os limites territoriais, depois de árdua
negociação, o Governo português e o Governo inglês assinaram, em
Londres, o Tratado de 11 de Junho de 1891, em conformidade com o art.º
IV da Convenção de 20 de Agosto de 1890, na qual Portugal perdia a
maior parte do planalto de Manica, vinte milhas ao norte e dez ao sul
do rio Zambeze, de Tete ao Chole, que permitia a ligação entre Angola
e Moçambique, ficando acordado que a linha divisória (parte do leito do
Zambeze adjacente ao Kabompo e o curso deste rio) eram substituídos
pela linha que constitui a fronteira ocidental do Barotze, desde um ponto
situado a montante dos rápidos de Katima até ao ponto em que o rio
Zambeze entra no reino de Barotze27.
Sobre este Tratado surge a questão, invocada pela Inglaterra, de saber
quais eram os limites ocidentais do Barotze. A questão foi resolvida por
meio de arbitragem decidida a 30 de Maio de 1905, em que ficaram
reconhecidas, para Portugal, cerca de 30 000 km2, correspondente a
quatro quintas partes deste território, tendo Portugal perdido territórios
consideráveis na África Central ficando para sempre desfeita a ambição
Externos: Documentos apresentados ás Cortes na Sessão Legislativa de 1887 pelo
Ministro e Secretario d’Estado dos Negócios e Estrangeiros: negociações relativas à
delimitação das possessões portuguezas e alemãs na África Meridional.
26
PATRÍCIO, Miguel , op. cit., p. 11378.
27
OLIVEIRA Joaquim Marques de, Fronteiras de Angola e a evolução histórica, p. 8,
disponível para consulta em: http://info-angola.ao/index.php?option=com_content&view
=article&id=2652:fronteiras-de-angola-e-a-evolu-hista&catid=687&Itemid=1727&showal
l=&limitstart=6.
31
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
secular da ligação entre Angola e Moçambique28. Deste modo, Angola viu
assegurada a área que lhe assinalava a carta de 190029.
Contudo, só em 18 de Agosto de 1931 foram rubricados a acta final e
um acordo em que ficou descrita a fronteira desde Andara até Katima, ao
sudoeste africano e à Rodésia30. Desta forma, estabeleceu-se definitivamente a questão do Barotze e, consequentemente, os limites da fronteira
sudoeste de Angola.
4. A demarcação da fronteira sul
Contrariamente aos anteriores pontos cardeais, as negociações sobre
a circunscrição das fronteiras do sul de Angola com o sudoeste africano
alemão foram menos tensas. A fim de salvaguardar eficazmente os
interesses comerciais situados ao longo da costa entre o Cabo frio e o rio
Orange, o Embaixador da Alemanha em Lisboa dirigiu a carta, datada de
18 de Outubro de 1884, ao Ministro Estrangeiro informando a pretensão
do seu Governo. Em resposta, Portugal concordou ser conveniente definir
as fronteiras das possessões limítrofes, de modo a ficar definitivamente
estatuída a esfera de acção em que cada uma das duas potências poderá
exercer desassombradamente nesta parte do continente Africano.
Posteriormente, surge o problema de localização exacta do Cabo frio:
Portugal afirmava que o limite sul de Angola era o paralelo do Cabo frio,
situado em 18º 24´ de latitude sul, e a Alemanha, nas suas cartas, fixava-o
em 18º S31.
Na condição de desistir de todos os direitos e pretensões que pudesse
alegar relativamente aos territórios ao norte do rio Cunene, bem como
OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de, op. cit., p. 75.
De acordo com a escala geográfica 1:9.000.000 ou a carta de 1900 a zona ocidental
de Barotze uma linha que, partindo de Catima no Zambeze, sobe por este rio até encontrar
o seu afluente Lueti, com o qual se confunde até à sua origem; corta pelo meridiano de 20º
Este de Greenwich para o norte até ao paralelo de 13º Sul, onde inflecte para nordeste em
direcção ao ponto de confluência do Lefuge com o Zambeze; sobe esse afluente em direcção
ao meridiano de 24º Este, acompanhando-o para norte até a linha divisória de águas entre
o Zaire e o Zambeze.
30
SANTOS, Eduardo dos – A Questão do Barotze.
31
Joaquim Dias Marques de Oliveira, op. cit., p. 11.
28
29
32
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
a abster-se de qualquer interferência política nesta região, a Alemanha
propôs, a 27 de Julho de 1886, a sua delimitação, fixando como linha
divisória a foz do rio Cunene, seguindo pela margem esquerda do curso
deste rio até o ponto fronteiro do Humbe. Contrapôs Portugal a 4 de
Agosto desse mesmo ano, argumentando que a marcação partiria do Cabo
frio, seguindo pelo cordão orográfico do lado do nascente, até chegar a
Otymorongo, daí seguindo para a margem setentrional do Etocha, e o
rio Ovampo prolongar-se-ia, então, até às lagoas Ansun do Berg Damara.
Das lagoas Ansun seguiria o rio Omaramba até cortar o paralelo de
18º, dirigindo-se depois para Mai-ini, e pela margem norte do Thobe,
prosseguindo então até à confluência deste com o Zambeze. Esta linha
de limites, ao ter de se adaptar ao estado actual das circunstâncias e aos
acidentes naturais do terreno, descendo umas vezes e subindo outras,
para além de passar pelo paralelo do Cabo frio, apenas ficaria menos bem
determinada pela incerteza, ainda hoje existente, dos conhecimentos
geográficos desta parte da África Central, a porção que fica entre a lago
de Etocha e Mai-ini32.
Portugal comunicou a sua aceitação à proposta através de um
memorandum enviado ao Governo alemão, a 22 de Setembro de 1886,
conquanto solicitou a alteração para a linha de limite o curso do Cunene
até às cataratas no prolongamento da Serra da Chela ou Canná, daí um
paralelo até ao Cubango, e o curso deste rio, até se aproximar da margem
norte do Chobe, e confluência deste com o Zambeze.
Em contrapartida, o Governo alemão sugeriu a linha do paralelo das
cataratas, depois o Cubango até Andara, daí até encontrar o Zambeze nos
rápidos de Katima – esta sugestão foi aceite pelo Governo português e o
acordo foi assinado a 30 de Dezembro de 1886 em Lisboa e ratificado por
decreto de 14 de Julho de 188733.
Segundo o art.º 2.º do referido acordo «a fronteira partindo do
Cunene, seguia o seu curso até as cataratas que forma no sul do Humbe,
32
PORTUGAL, Ministério dos negócios Estrangeiros – Documentos apresentados
as Cortes na sessão Legislativas de 1887 pelo Ministro e Secretario de Estado dos
Negócios e Estrangeiros, negociações relativas à delimitação das possessões portuguezas e alemãs na África Meridional, pp. 11-15.
33
Ratificada por Decreto de 11 de Julho de 1887 e publicada no Diário do Governo
n.ºs 159 e 160 de 21 e 22 de Julho de 1887, respectivamente.
33
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
ao atravessar a Serra Canná; daqui em diante seguia o paralelo até ao rio
Cubango, o seu curso até Andara e, finalmente, deste lugar a fronteira
seguia em linha recta na direcção do leste até aos rápidos de Katima no
Zambeze»34. Não obstante, o território compreendido entre o Cunene
e o Cubango manteve-se em litígio até que os territórios do Sudoeste
passaram para a União Sul-Africana, tendo sido assinado o Tratado a 22
de Junho de 192635, na cidade do Cabo.
Finalmente, as actividades de demarcação da fronteira entre o Sudoeste
Africano e Angola registou-se com a assinatura do acto de Kakeri em 23
de Setembro de 1928, fixando o ponto de longitude 18º 25º 06,2´ E36.
Assim, encerrou-se a série de controvérsias que envolveram a demarcação da fronteira sul de Angola, ficando definitivamente resolvida a
questão da zona neutra, assegurando-se Angola da posse do rectângulo de
4950 km2 entre os rios Cunene e Cubango. Com a demarcação da fronteira
sul, concluíram-se os trâmites para a fixação das fronteiras terrestres de
Angola.
5. A delimitação das fronteiras marítimas sul e norte
Depois de estudarmos o historial da constituição fronteiriça terrestre e
fluvial, é o momento de analisar a delineação da fronteira marítima lateral
sul e norte, atendendo à sua extensão aproximada de 1650 km, e às características profundamente irregulares da costa angolana, muito instável e
recheada de baías, desembocaduras, baixos a descoberto, deltas e outros
acidentes naturais, percebendo-se, claramente, a necessidade de definir o
ordenamento do espaço marítimo nas águas sob jurisdição nacional.
Sobre as fronteiras marítimas, o art.º 13.º da Carta sobre a Protecção e
a Segurança Marítimas e o Desenvolvimento em África (Carta de Lomé)
34
PORTUGAL, Ministério dos negócios Estrangeiros – Documentos apresentados
as Cortes na sessão Legislativas de 1887 pelo Ministro e Secretario de Estado dos
Negócios e Estrangeiros, negociações relativas à delimitação das possessões portuguezas e alemãs na África Meridional, pp. 41-44.
35
Publicado no Diário do Governo, I série, n.º 249 de 6 de Novembro de 1926, consta
dos anexos juntamente com o Relatório da Comissão de delimitação da fronteira marítima
entre a República de Angola e a República da Namíbia
36
Diário do Governo 1ª série, n.º 222, de 25 de Setembro de 1931.
34
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
dispõe que «o Estado deve esforçar-se para delimitar as suas respectivas
fronteiras marítimas, em conformidades com as disposições dos instrumentos internacionais relevantes».
A delimitação da fronteira norte é a que maior complexidade oferece
pelas cláusulas estabelecidas nos Tratados celebrados pelas potências, pela
configuração geográfica a que corresponde o sistema oro-hidrográfico
de um território formado de duas partes distintas e geograficamente
separadas, e pelo Enclave de Cabinda que ocupa a margem direita do rio
Zaire, compreendido entre os paralelos 4º 22´ e 5º 45´ de latitude sul, e os
meridianos 12º e 13º 03´ de longitude este Greenwich37, sobretudo, pela
cedência da margem esquerda do rio Zaire, conforme a Convenção de 22
de Julho de 1927, relativa a troca de terrenos.
Conforme traçado na carta n.º II, anexada à Convenção de 12 de
Maio de 1886, a linha divisória da fronteira entre o norte de Cabinda e
a República do Congo Brazaville, nos termos do art.º III da mencionada
Convenção, completado pelo Protocolo de Paris de 12 de Janeiro de 1890
ficou estabelecida da seguinte forma:
… a fronteira confundir-se há com a linha de cumeada que separa as bacias
do Loema ou Luisa Loango e do Chiloango até à origem do primeiro rio que se
acha à 10-22´-50´´ de longitude Este de Paris, pouco mais ou menos e 4-22´-50´´
de latitude Sul pouco mais ou menos.
A partir dêste ponto, a fronteira seguirá a linha divisória das águas das bacias
do Niari-Quillou, ao Norte, e do Chiloango, ao sul, até ao meridiano 10-30´ de
longitude Este de Paris, aproximando-se tanto quanto possível do paralelo que
passa pela origem do rio Loema ou Luisa Loango acima indicado. A fronteira
seguirá em seguida o meridiano 10-30´ até ao ponto de intercepção com a
crista das alturas que limitam a encosta chamada floresta do Mayombe, depois
confundir-se há com esta crista até ao seu encontro com o rio Chiloango, que
serve neste sítio de fronteira entre as possessões portuguesas e o Estado Livre
do Congo.
37
No mesmo sentindo, OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de – Subsídios para o estudo
da delimitação e jurisdição dos espaços marítimos em Angola, p. 212; veja-se também,
o mesmo autor, op. cit., p. 79.
35
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Quanto à fixação da fronteira sul da província de Cabinda, o segundo
parágrafo do art.º III da Convenção de 14 de Fevereiro de 1885,
estabelece que
Ao norte do rio Zaire, a recta que une a embocadura do rio que se lança no
Oceano atlântico ao sul da baía de Cabinda, junto de Ponta Vermelha, a Cabo
Lombo; o paralelo deste último ponto prolongado até à sua intersecção com
o meridiano da confluência do Cula-calla com o Lu-culla; o meridiano assim
determinado até à seu encontro com o rio Lu-culla; o curso do Lu-culla até à sua
confluência com o Chiloango.
Nesta conformidade, Angola possui cerca 524 km de fronteira marítima
lateral norte, partilhando 304 km ao norte da província de Cabinda com
a Repúblicas do Congo Brazaville e 220 km entre o Sul da província de
Cabinda e ao norte da província do Zaire com a República Democrática do
Congo. Contudo, pela falta de delimitação definitiva, vislumbra-se sérias
ameaças de segurança na região, e estes países resolvem a controvérsia por
meio de troca de notas diplomáticas, acordando no exame das respectivas
propostas de extensão da plataforma continental, sem prejuízo do futuro
estabelecimento dos limites fronteiriços. São comummente chamados
«acordos de não objecção»38.
Entende Joaquim Marques de Oliveira que a definição da fronteira
marítima ao norte de Cabinda entre Angola e a República do Congo pode
ser feita por
Uma linha perpendicular definida pelo azimute 235.º com o seu Ponto de
início, na Baliza A, cujas coordenadas são as seguintes; Latitude 05º 01´36,29´´;
Longitude 12º 00´53,19´´, até ao ponto de intersecção com a linha perpendicular
de 06º 01´54,44´´ respeitante a fronteira lateral norte ao norte da província do
Zaire, traçada a partir do Ponto de início fixado na mediana do rio Zaire39.
Relativamente à fronteira marítima norte ao sul entre essa província
e a República Democrática do Congo, o autor defende que pode vir a ser
definida por
38
Vide o nosso artigo de avaliação na disciplina de Segurança Marítima, Janeiro, 2019,
p. 11.
39
36
OLIVEIRA, Joaquim Dias Marques de, op. cit., p. 217.
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
Uma linha perpendicular definida pelo azimute 230.º com o seu Ponto de
início, na Baliza D, de coordenadas desconhecidas, mas cuja latitude se prevê
de 5º 47´ 14, até ao ponto de intersecção com a linha paralela de latitude 06º
01´54,44´´ traçada a partir do Ponto de início fixado na mediana do rio Zaire40.
Quanto à possível delimitação definitiva ao norte da província do Zaire
entre Angola e a República Democrática do Congo, o referido doutrinário
é de opinião que seja definida por
Uma linha ao longo do paralelo de latitude 06º 01´54,44´´ traçada a partir
do ponto de início fixado na mediana do rio Zaire, até a intersecção com a linha
perpendicular definida pelo azimute 230º com o seu Ponto de início na Baliza D,
de coordenadas desconhecidas, mas cuja latitude se prevê de 5º 47´14 41.
Por seu turno, o art.º 12.º da Lei dos Espaços Marítimos (LEM),
estabelece que «As fronteiras marítimas do Estado Angolano com os
Estados com costas adjacentes, salvo se de outro modo for estabelecido por
Convenção Internacional ou outra prática for adoptada a título provisório,
são constituídas pela linha equidistante».
Contrariamente à fronteira marítima ao norte, a fronteira da orla costeira
sul, isto é, o Mar Territorial, a Zona Económica Exclusiva e a Plataforma
Continental estão definidas no tratado de delimitação e demarcação da
fronteira marítima assinada a 4 de Junho de 200242, em Luanda, entre a
República de Angola e a República da Namíbia, nos termos do art.º 13.º
da LEM conjugado com art.ºs 74.º e 83.º da CNUDM.
As negociações tiveram por base a Declaração de 30 de Dezembro de
1886 e o Tratado de 22 de Junho de 192643 ‒ que serviram de títulos históricos nos termos da 2.ª parte do art.º 15.º CNUDM ‒, em que se declarava
que a fronteira entre a República de Angola e a República da Namíbia era
determinada por uma linha mediana traçada a partir das duas margens
do rio Cunene.
Idem, p. 220.
Idem, p. 222.
42
Aprovado pela Resolução n.º 3/03, de 3 de Fevereiro, Diário da República I Série n.º 9.
43
Primeiro e segundo parágrafo do preâmbulo do Tratado da delimitação e demarcação
da fronteira marítima entre República de Angola e a República da Namíbia, de 4 de Junho
de 2002, com os anexos.
40
41
37
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Estabelece o parágrafo 1 do art.º III do Tratado de Delimitação e
Demarcação da Fronteira Marítima que
O ponto de partida para a determinação do Mar Territorial, Zona Económica
Exclusiva e Plataforma Continental entre a República de Angola e a República
da Namíbia, será a intercepção da linha de base e do paralelo de 17º 15´, Latitude
Sul.
A partir desse ponto, sobre a linha de base a fronteira marítima estender-se-á
ao longo do paralelo 17º 15´ latitude Sul em direcção Oeste, por uma distância
de 200 milhas náuticas.
O artigo acima citado foi regido à luz do ponto 23 do Anexo B que
dispõe que
Demarcar e delimitar a fronteira marítima entre a República da Namíbia e
a República de Angola, monumentado dos marcos em terra firma, na linha de
Latitude 17º15´ Sul. Estes marcos serão monumentados de tal forma que a linha
de visão entre os marcos projectados na direcção Oeste interceptará a linha de
base. O ponto de intercepção desta linha e a linha de bases deverão ter a latitude
de 17º15´ Sul e uma longitude que coincidirá com a posição da linha de base. Este
ponto início e em direcção Este, a fronteira deverá continuar a ser a linha entre
o ponto início e a mediana da foz do rio Cunene.
Respeitante às ilhas situadas no mar44, estatui o art.º IV do Tratado
que «Onde a linha definida, de acordo ao Artigo III do presente Tratado,
atravessar uma ilha situada no mar, a mesma linha constituirá a fronteira
marítima entre a República da Namíbia e a República de Angola».
Em suma, após estudarmos o percurso histórico do marco territorial
e marítimo de jurisdição nacional, propormo-nos reflectir, a seguir, sobre
44
Haverá ilha(s) situadas nas águas marítimas angolanas? Pois, este assunto vem sendo
ignorado há séculos! Em concreto, é a Ilha Santa Helena descoberta em 1501 pelo navegador
galego João da Nova, que, na ocasião, estava a serviço de Portugal. João da Nova dirigia-se
à Índia, tendo nessa viagem também descoberto a Ilha de Ascensão. O primeiro habitante
permanente da ilha foi o soldado português Fernão Lopes, que permaneceu isolado em Santa
Helena de 1515 a 1545, excepto durante uma breve visita que ele fez à Europa, após 10 anos
de isolamento na ilha. Portugal nunca colonizou Santa Helena, sendo que a ilha veio a ser
ocupada pela marinha britânica no século xix.
38
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
o legado cultural marítimo, bem como a renovada importância do mar
no contributo estratégico para o desenvolvimento económico e o poder
do Estado.
SECÇÃO II
A identidade marítima, geoeconomia e o poder do Estado
6. Razão de ordem
Após a abordagem histórica da demarcação da fronteira terrestre e
fluvial, temos, pois, motivos para reconhecer os benefícios de uma relação
angolana com o mar, que ganhará consistência na busca de identidade
cultural marítima e da geoeconomia do mar.
No passado, o mar era tido como um activo estratégico decisivo para a
expansão marítima; actualmente, o mar é considerado como um recurso
natural, um enorme espaço económico e político, fonte de poder e de
riqueza, e de extremo impacto na qualidade de vida na população.
O mar nacional representa um dos principais mananciais significativos
de receita pública, essencialmente com o petróleo e o gás natural, sendo
mais importante do que a representação de outros sectores terrestres no
processo de crescimento económico sustentável. Daí falar-se no promissor
desafio da exploração e do desenvolvimento dos clusters de interesses
ligados ao mar, nomeadamente, em diversas áreas económicas, científicas
e tecnológicas, donde decorre a noção de hypercluster da economia do mar,
para que a economia angolana não dependa exclusivamente das receitas
do petróleo e do gás natural.
O mar é, no primeiro plano, um meio de comunicação, de trocas comerciais e da existência de uma consciência colectiva marítima virada para
as questões do mar, i. e., questões económicas e de poder de Estado que
importam para o enfoque marítimo. A essas questões correspondem a ideia
do conceito de talassocracias, como entende António Rebelo Duarte45.
45
Vide DUARTE, António Rebelo – A geoestratégia, o mar e a economia, texto
apresentado na Conferência no Instituto Dom João de Castro, 28 de Janeiro de 2008, p. 12 s.,
disponível em: https://www.idjc.pt/pdf/A_GEOESTRATEGIA_E_O_MAR.pdf.
39
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Todavia, as questões do mar continuam a não inspirar interesse ao
Governo angolano que carece de uma política de articulação e harmonização das áreas marítimas 46, de modo a extrair o máximo partido dos seus
recursos vivos e não vivos.
Não será exagerado lembrar que o mar é o mais importante dos
recursos naturais do espaço económico angolano; contudo, é o recurso
menos explorado e com desafios mais promissores e, previsivelmente, irá
ter um desenvolvimento mais relevante em termos de criação de valor na
economia mundial, razão pela qual é, hoje, dito como a nova fronteira de
exploração económica.
Em título de resumo, nesta secção, ocupar-nos-emos de retratar
aspectos que poderão ajudar a procurar uma relação cultural e de verdadeira soberania com o mar, bem como identificar componentes relevantes
de desenvolvimento estratégico para a economia do mar.
7. O mar na identidade cultural angolana
Historicamente, Angola não tem um legado cultural marítimo que
possamos narrar e que sirva de cobrança para questões ligadas ao mar,
bem como para enfrentar desafios e tensões e aproveitar as oportunidades
do século xxi. Não há uma ligação umbilical entre Angola e o mar que a
história se pode encarregar de cerzir47.
Numa visão histórica e geográfica, com sentido poético, Armado
Pereira caracteriza o mar em frases tão profundas e apelativas, dizendo
que «_ o mar não afasta, aproxima; não é um motivo de dispersão, mas é a grande
estrada natural de ligação e de atracção»48.
46
Sirva de exemplo a inexequibilidade e incumprimento dos diplomas do sector
marítimo.
47
Neste sentido, Damião Fernandes Capitão Ginga afirma que «o povo angolano não tem
cultura marítima, ainda que desde cedo uma boa parte da população se tenha dedicado às
atividades ligadas ao mar» (Angola e a complementaridade do mar: o mar enquadramento
fator geoestratégico de segurança, defesa e de afirmação – Tese de Doutoramento em
Relações Internacionais na especialidade em Ciências Políticas pela Faculdade de Ciências
Políticas, Lusofonia e Relações Internacionais da Universidade Lusófona de Humanidade e
Tecnologias), p. 182.
48
Cfr. PEREIRA, Armando Gonçalves – A economia do mar, p. 24.
40
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
A identidade marítima que propomos revelar surge num espírito de
formação única, com a sua contiguidade e afinidade alcançadas pelo mar,
que, como grande estrada natural, desempenha uma acção atractiva e de
aproximação entre povos, exercendo o mar a função dominante geoestratégica no sul do Atlântico, deixando mais clara a ligação e inserção no
triangulo lusófono (Brasil, Angola e Cabo Verde).
Falar da lusofonia é falar da maritimidade, a história lusófona está indissociavelmente ligada ao mar. Esta ligação existe desde a materialização da
política de expansão marítima e da colonização que marcou a humanidade,
devendo ser preservada e valorizada como estratégia de presente e de
futuro para que se estreitem os lanços da Comunidade Lusófona dispersa
por todos os continentes e unida pelos maiores oceanos49.
Não obstante os elementos histórico, linguístico e cultural partilhados
pelos povos lusófonos, ainda assim, a ideia da construção de identidade
marítima lusófona carece de tradição e cultura de navegação, legado que
não foi passado aos países africanos que integram a comunidade50.
Com efeito, a identidade que Angola mantém com o Atlântico assegura
a nacionalidade, ajuda a consolidar a independência, permite manter a
coesão nacional, mas falta-lhe, ainda, a valia estratégica para se afirmar
como soberania de serviço em apoio marítimo ao controlo dos mares
na região do Golfo da Guiné, dos Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, na
projecção de poder que lhe proporcionará alianças geopolíticas compensadoras e a consequente visibilidade internacional.
Digamos que a visão míope impede o Estado angolano de exercer a sua
influência nos grandes espaços marítimos que lhe estão jurisdicionalmente
afectados. Aqui, gostaríamos de lembrar que a dimensão terrestre – cerca
de 1 246 700 km2 ‒ apresentando a sua costa uma extensão significativa de
1650 km2, é superior ao espaço marítimo com uma dimensão aproximada
de 36 670 km2 (3 %) para Mar Territorial, 611 160 km2 (49 %) respeitante
à Zona Económica Exclusiva e uma proporção de 1 069 530 km2, caso
for deferido o pedido de extensão da Plataforma Continental. Destarte,
com a submissão da extensão da Plataforma Continental aumenta a
49
Vide nosso artigo Mar e Identidade Marítima, curso de Mestrado em Direito e
Economia do Mar, pp. 7 e 8.
50
Idem.
41
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
responsabilidade de cuidar do destino dos espaços marítimos que lhe
pertencem51.
O mar e seu fundo marinho representam a grande mina nacional, dada
a existência de recursos biológicos e minerais e de reservas de hidrocarboneto na Zona Económica Exclusiva e na Plataforma Continental.
Contudo, estima-se que o solo e o subsolo, o fundo marinho e os leitos
correspondentes angolanos alberguem 35 dos 45 minérios mais importantes do comércio mundial entre os quais se destacam o petróleo, gás
natural, diamantes, fosfatos, substâncias betuminosas, ferro, cobre,
magnésio, ouro e rochas ornamentais, etc.52.
Com as várias descobertas no mar angolano, o país tornou-se o segundo
maior produtor de petróleo na costa oeste do continente africano53.
Apreciaríamos lembrar que a actividade de prospecção e pesquisa
51
Julgamos ser falta de seriedade do Governo angolano em questões do mar, visto que
não consegue preservar e proteger o espaço marítimo sob a sua jurisdição, mas compromete-se internacionalmente com «a sua pretensão de reservar para si os direitos de soberania
sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos
naturais em toda a extensão da área apresentada à Comissão de Limites da Plataforma
Continental», conforme declaração prestada pela Florbela Rocha Araújo, antiga Secretária
do Presidente da República para os Assuntos Judiciais e Jurídicos e Membro da Comissão
Interministerial para Delimitação e Demarcação dos Espaços Marítimos de Angola, na
Conferência dos Estados partes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar,
disponível para consulta em: http://www.embaixadadeangola.pt/angola-desenvolve-estudospara-medir-limites-exteriores-mar/ .
52
Para mais informações, consulte o site: http://www.governo.gov.ao/opais.aspx.
53
O petróleo abriu as portas a Angola para Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (OPEP) como membro de pleno direito desde 2008, na qualidade de segundo
maior produtor de petróleo, com produção actual de 1,8 milhão de b/d (barris por dias),
com a terceira maior reserva de África com 12 mil milhões de barris, comparadas com 37,4
mil milhões da Nigéria e 48,4 mil milhões da Líbia e é 12.º maior do mundo em 2016, com
cerca de 70 % do seu PIB proveniente do sector petrolífero, in Boletim de Conjuntura da
Indústria do Petróleo, n.º 3 2.º semestre, 2017, pp. 2 e 3, disponível em: http://www.epe.
gov.br/sites-pt/publicacoes-dadosabertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao226/
topico336/Boletim%20de%20Conjuntura%20da%20Ind%C3%BAstria%20do%20
Petr%C3%B3leo_2sem2017.pdf, vide também o Relatório do Fundo Monetário Internacional
n.º 18/157, junho, 2018, disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s
&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiO3LLl8aHrAhX3WxUIHcJmCzoQFjAAegQIBBAB&
url=https%3A%2F%2Fwww.imf.org%2Fpt%2FPublications%2FCR%2FIssues%2F2018%2F
06%2F11%2FAngola-Selected-Issues-45958&usg=AOvVaw2cQozqrxDIk0XVZX8THc0Q.
42
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
de hidrocarboneto nas águas nacionais teve início em 1910, sendo a
primeira descoberta comercial feita em Abril de 1955 no vale do Kwanza
(300 km2 ao longo da costa Atlântica, com uma profundidade para
o interior do território de 140 km2) e em Setembro de 1962 nas águas
marítima de Cabinda. O petróleo tornou-se o principal material de exploração em 1973, e a exploração em águas profundas e ultra-profundas, a
partir de 1500 m, torna a indústria petrolífera angolana pioneira a nível
mundial54.
Para além da exploração de hidrocarboneto, o mar tem dado outras
oportunidades ao país, que não tem sabido aproveitar a sua múltipla
funcionalidade, que pode representar um dos mais significativos mananciais de recursos, especialmente económicos, mais do que os respectivos
processos de crescimento até aqui adoptados. É a hora de Angola se
lançar ao mar; não basta ser reconhecida internacionalmente apenas pelo
petróleo, existem outros recursos não vivos e vivos a serem descobertos e
potencializados.
Outra tarefa que achamos ser o mais importante no processo de identificação marítima é a sensibilização55 e inclusão do povo nos assuntos ligados
ao mar, investimento na investigação científica e tecnológica, formação
de quadros nas diversas áreas do mar, a implementação nas comunidades
de programas educacionais e, no primeiro e segundo ciclos, disciplinas
relacionadas com o mar, tendo em vista ditar e consolidar o pensamento
cultural marítimo nas gerações vindouras.
8. O mar e o poder do Estado
A localização geográfica de Angola permite que o seu mar seja próspero
em biodiversidade, essencialmente pelo cruzamento entre a Corrente Fria
de Benguela e a Corrente Quente da Guiné, enriquecido com ecossistema
de mangais e um habitat para a sua flora e fauna.
54
Para mais informações sobre a história do crude em Angola, consulte o site: http://
www.sonangol.co.ao
55
Entende Damião Capitão Ginga que «a falta de cultura marítima do povo angolano
resulta na fraca atitude e sensibilidade psicológica da nação como um todo em relação aos
assuntos do mar», op. cit., p. 183.
43
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
O mar nacional apresenta-se, na maior parte da sua extensão, calmo,
com velocidades médias dos ventos que rondam os 0,3 m/s e correntes
marítimas que, ao longo da costa, raramente atingem um nó, com uma
ondulação suave, navegável durante todo o ano permitindo o trânsito
submarino, sendo que a partir de 5 m da costa a profundidade ronda
os 100 m56.
Apesar da faixa litoral sul se situar em posição latitudinal correspondente a temperaturas de massas de águas oceânicas superficiais
relativamente quentes, a temperatura da água a 10 metros de profundidade
é baixa, devido à ascensão de águas frias, transportadas pela Corrente Fria
de Benguela57. Com efeito, a Corrente de Benguela é altamente variável,
propensa a eventos de aquecimento em grande escala chamados Benguela
Niños, invasões de água quente do leste ou água fria do sul e mudanças nos
ventos e na salinidade. Tudo isto compõe os efeitos na pesca e complica a
tarefa de gerenciamento sustentável de recursos58.
Conforme referimos oportunamente, o mar não constitui um elemento
genético da consciência marítima do povo angolano, nem tão pouco um
factor do poder nacional na orientação estratégica para a construção
do futuro económico sustentável e melhoria de qualidade de vida das
populações. Isto porque, desde a descoberta e a exploração de petróleo
e gás, o poder executivo sempre privilegiou estes recursos não vivos
face aos demais recursos marinhos; com efeito, compreende-se que essa
preferência se tenha justificado no decorrer da guerra civil e no período
de reconstrução nacional, mas, passada essa fase,59 é inaceitável o pouco
interesse ou mesmo a falta dele na protecção e preservação do meio
marinho, investigação científica marinha, desenvolvimento e transferência
56
Vide nosso Mar – meio sustentável para a economia angolana tema de avaliação na
disciplina Os Recursos Naturais Marinhos e a Economia, curso de Mestrado em Direito e
Economia do Mar, Junho, 2019, p. 7.
57
HENRIQUES, M. H.; CANALES, M. L. & MBADU, E. – Foraminíferos atuais do
litoral de Benguela (Angola): diversidade e implicações ecológicas. In Lopes, F. C., Andrade
[et al.] – Para conhecer a terra memórias e notícias de geociências no espaço Lusófono,
p. 201.
58
The Benguela current, GEF. 2016. Disponível em: https://www.thegef.org/news/
benguela-current.
59
Já passaram dezoito anos desde a assinatura da paz, a 4 de Abril de 2002.
44
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
de tecnologia marinha, conforme convencionado nas Partes XII, XIII
e XIV da CNUDM.
Comparando os investimentos financeiros feitos no sector petrolífero
e demais sectores ligados ao mar, se o governo subtraísse 3 % ou 2 % do
primeiro sector para investir nas restantes áreas marítimas60 ‒ a partir da
segunda República ‒, cremos que Angola registaria resultados satisfatórios, inclusivamente no âmbito da política do crescimento azul.
Achamos que as decisões que o Estado angolano tem tomado sobre
as matérias do mar não têm em conta a política nacional em matéria de
meio ambiente, nem tão pouco o dever de proteger e preservar o meio
marinho, nos termos do art.º 193.º do CNUDM, conjugados com a Lei
n.º 5/98, de 19 de Junho (que define os conceitos e princípios de base
da protecção, preservação e conservação do meio ambiente e promoção
da qualidade de vida e a utilização racional dos recurso naturais), com a
Lei 6-A/04, de 8 de Outubro (Lei dos Recursos Biológicos e Aquáticos
(LRBA)) que estabelece as politicas de conservação e renovação sustentável dos recursos biológicos aquáticos61, com as disposições da Convenção
da Corrente de Benguela, e com a Estratégia e o Plano de Acção Nacional
para a Biodiversidade.
Este reparo constata-se na manifestação da Agência Nacional de
Petróleo, Gás e Biocombustíveis, no Decreto Presidencial n.º 49/19, de 6 de
Fevereiro, de levar avante a construção das refinarias no litoral sul do país,
60
Mesmo que o Governo não reduzisse o investimento no sector petrolífero, se fosse
cabimentada metade da linha de crédito chinês para fomentar os sectores da biotecnologia,
energia renováveis, turismo marinho e marítimo, recursos minerais, aquicultura e pescas,
certamente, Angola alcançaria o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo para a
sua economia. Infelizmente, esse crédito foi aplicado, sobretudo, na construção de infra-estruturas que, passados menos de oito anos, se encontram arruinadas.
61
Conforme já referimos, o problema em Angola não é a falta de leis, mas, sim, a respetiva
aplicabilidade. De informar que, em Agosto de 2019, houve um derrame nas águas marítimas
de Cabinda num dos blocos de exploração de petróleo, matando os recursos vivos da região
– todavia a notícia não teve impacto nacional, dito melhor, foi abafada (não é a primeira vez
que tal sucede) e, pelo que sabemos, o Estado angolano não intentou nenhuma acção judicial
contra a empresa petrolífera nos termos da Convenção Internacional sobre Responsabilidade
Civil pelos Prejuízos devidos a Poluição por Hidrocarbonetos, de 1992 versão inglesa, cuja
adesão foi aprovada pela Resolução n.º 32/01, de 1 de Novembro.
45
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
nas províncias de Benguela e Namibe62, justamente na região da Corrente
Fria de Benguela, onde existem correntes de águas, acompanhadas de
ventos frios, que se movem no sentido sul-norte e que banham a costa
ocidental meridional de África, desde o Cabo da Boa Esperança na África
do Sul, passando pela Costa dos Esqueletos na Namíbia e pela Costa de
Angola até alcançar o equador, onde vira, rapidamente, para oeste para se
transformar na Corrente Equador Sul63.
A Corrente Fria de Benguela representa um dos 64 grandes ecossistemas marinhos em todo o mundo, cuja preservação constitui objecto
de múltiplas iniciativas intergovernamentais. De entre elas, destaca-se a
Comissão da Corrente de Fria de Benguela, criada em 2007, constituída
por Angola, Namíbia e África do Sul, e visa proteger e promover a sustentabilidade do ecossistema marinho na região64.
Esperamos que a pretensão de construção da refinaria nesta costa
litoral não se materialize, não pela razão do baixo preço do barril do
petróleo, previsto em menos 20 % (equivalente a 20 milhões de barris por
dia provocado pela epidemia da Covid-19)65, mas pelo dever de proteger e
preservar o ecossistema marinho, sobretudo, porque mexerá com o nosso
futuro e com o futuro das próximas gerações.
62
Mais informações assunto vide Russos lançam construção de refinaria no sul de Angola
em projeto de 10,5 mil MEuro. Diário de Notícias. 12 de Julho de 2017. Disponível em:
https://www.dn.pt/lusa/russos-lancam-construcao-de-refinaria-no-sul-de-angola-emprojeto-de-105-mil-meuro-8632311.html.
63
HENRIQUES, M. H.; CANALES, M. L. & MBADU, E. – Foraminíferos atuais do
litoral de Benguela (Angola): diversidade e implicações ecológicas. In Lopes, F. C., Andrade
[et al.] – Para conhecer a terra memórias e notícias de geociências no espaço Lusófono,
p. 201.
64
The Benguela current, GEF. 2016. Disponível em: https://www.thegef.org/news/
benguela-current.
65
Devido à crise orçamental de 2020, o Governo angolano prevê uma revisão significativa das previsões do Orçamento Geral do Estado de 2021, antecipando uma recessão de
1,2 % com o petróleo abaixo de 35 dólares norte-americanos e o preço do quilate de diamante
nos 100,3 dólares (Governo angolano reduz número de ministérios. Deutsche Welle.
Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/governo-angolano-reduz-n%C3%BAmero-deminist%C3%A9rios/a-52948905). Somos de opinião que sejam reconstruídas as refinarias
existentes na zona norte do país, uma vez que o ecossistema da zona litoral sul figura na
lista mundialmente protegida (COVID 19: impactos económicos e sociais em Angola:
contribuição para debate).
46
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
Sobre a protecção do ecossistema marinho ocupar-nos-emos na
segunda secção do capítulo terceiro.
No tocante ao exercício do poder do Estado no mar, importa lembrar
que, no passado, a colónia portuguesa reivindicou o direito de soberania,
alegando que a ocupação efectiva é só aplicável à costa marítima e não ao
interior africano, nos termos da 1.ª parte, do art.º 35.º do Acto Geral da
Conferência de Berlim; tal como hoje, o mar vê renovada a sua importância
na medida em que surge como o último espaço do planeta a permitir a
descoberta de novas fronteiras nacionais66.
Todavia, o governo colonial prestou pouca atenção à gestão do espaço
marinho e seus recursos e, ainda hoje, para análise de quaisquer questões
do mar, procura-se incentivo às actividades terrestres e hídricas para
trabalhar de maneira integrada. Este tipo de observações encontra eco
em António Rebelo Duarte ao defender que
Independentemente da dicotomia e rivalidade entre poderes marítimo e
terrestre, a força gerada pelo mar é incontestável, como a história o comprova,
devendo ser avaliadas devidamente as potencialidades políticas, económicas e
culturais do oceano, na prossecução de uma estratégia para o espaço oceânico
em geral e zonas marítimas sob jurisdição nacional, em particular67.
Certamente, o mar constitui um factor de poder regional (Região
do Golfo da Guiné (RGG) e comunitário (Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP) na reorientação estratégica para a regeneração
construtiva do futuro. Na Região do Golfo da Guiné, apesar da língua
não unir Angola com outros membros, actualmente, verifica-se a mobilização e interesse dos Estados em busca de uma visão estratégica para a
segurança marítima, desenvolvimento económico sustentável, científico
e tecnológico marinho.
Assim como os demais países da região, Angola enfrenta problemas
que minam o processo de desenvolvimento e de segurança marítima,
nomeadamente, a pesca ilegal (não regulada e não declarada), os crimes
contra a biodiversidade, o transbordo ilegal de produtos em alto mar, a
pirataria marítima, o tráfico de drogas, a imigração ilegal, o despejo de
66
67
DUARTE, António Rebelo, op. cit., p. 4.
Idem p. 13.
47
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
dejectos tóxicos e a disputa pelo alargamento da plataforma continental.
Dos problemas evocados, o grande risco e desafio à soberania marítima
angolana é a falta de capacidade de governação do domínio marítimo
nacional.
Por outro lado, a integração de Angola na CPLP, através do mar, é densificada pela língua, política, economia e valores culturais, mas alargando-a
também ao domínio da segurança, já que as fronteiras culturais se alargam
pelo Atlântico Sul e se estendem onde chega a CPLP68.
Em suma, o mar é o reflexo de responsabilidade de cidadania e sentido
de Estado; portanto, o interesse por ele não deve enlear apenas na exploração offshore do petróleo e na política, deixando na periferia vocações e
motivações culturais, educacionais e tecnológicas.
9. Angola e a geoeconomia marítima
Apresentando o bilhete de identidade histórico, geográfico e
evidenciando o grau de parentesco do território angolano com o mar,
concentrar-nos-emos, agora, no poder do Estado na economia, em particular, na economia no mar.
Para começar a noção “Economia no Mar” ou “Economia do Mar” foi
aclarada no IV Congresso do Jornal da Economia do Mar, na qual ficou
diferenciada que a Economia do Mar diz respeito ao ramo das ciências
exactas, tais como física, matemática, química, enquanto a Economia no
Mar se refere ao conjunto das ciências exactas e sociais implementada
no mar69.
Alguns autores, como João Confraria, optam pelo segundo conceito,
defendendo este doutrinário que a Economia do Mar corresponde às
actividades económicas que dependem de recursos marítimos»; do mesmo
modo Félix Ribeiro entende que «a Economia do Mar integra um vasto
conjunto de actividades que têm como base a variedade de utilizações que
o Mar suporta, nomeadamente, defesa, transportes e logística, energia,
pesca e aquacultura, turismo e desporto, bem como a concepção e fabrico
dos equipamentos e estruturas que permitem viabilizar essas mesmas
68
69
48
Idem, p. 11.
IV Congresso do Jornal da Economia do Mar, Estoril, de 22 a 23 de Janeiro, 2019.
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
utilizações e salvaguardar a permanência dessa base de recursos e proteger
as populações dos riscos que o Mar envolve»70.
Assim como para Damião Capitão Ginga,
a Economia do Mar surge como uma variante da Economia que se encontra
ligada às políticas e às práticas inseridas numa estratégia conjunta de instituições
e de sectores especializados, tendo por objectivo o melhor aproveitamento das
vantagens e das potencialidades do Mar, a fim de permitir o desenvolvimento
sustentado dos Estados71.
Pelo nosso lado, optaremos por tratar de economia no mar por englobar
várias disciplinas do saber que se dedicam ao estudo dos recursos
marinhos, a ser implementada no espaço marítimo de jurisdição nacional.
O mar é um dos principais activos estratégicos e económicos, mas
mingua da necessidade de encontrar novas oportunidades e domínios de
crescimento para potencializar a anémica economia angolana. Julgamos
nós que a resposta estratégica que se procura não deve ser reduzida,
exclusivamente, à economia e à política, mas, também, deve basear-se na
articulação entre a formação, a tecnologia, as empresas e as instituições
públicas e privadas especializadas em assuntos do mar, a fim de permitir
o desenvolvimento sustentável tão almejado pelo Estado.
De igual modo, consideramos que outra forma de ultrapassar esta
debilidade e estagnação económica poderá basear-se na ideia de que o
futuro passará pelo mar e pela investigação e exploração dos seus recursos,
incluindo os do solo e subsolo das águas nacionais72. Trata-se, obviamente,
de uma efectiva reconstituição num país riquíssimo em recursos mineiros
marinhos e terrestres, com um reduzido leque de ministérios (recordaria
que foi reduzido o número de departamento ministeriais de 28 para 21,
com a fusão de alguns ministérios, nomeadamente da Defesa com o dos
Antigos Combatentes, o da Cultura com o da Hotelaria e Turismo, o dos
Transportes com o das Telecomunicações e Tecnologias de Informações, o
70
Cfr. CONFRARIA, João – Economia e política do mar. Caderno de Economia, n.º 24
(95), (2011), p. 14, e RIBEIRO, Félix – A economia do mar. In MATIAS, N. V.; SOROMENHO-MARQUES, V.; LEITÃO, A. G. (coord.) – Políticas Públicas do Mar, p. 130.
71
GINGA, Damião Capitão, op. cit., p. 56.
72
DUARTE, António Rebelo, op. cit., p. 16.
49
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
do Comércio com o da Indústria e o da Agricultura com os das Pescas e do
Mar), a fim de dirimir ao mínimo a possibilidade de existência de conflito
de interesses e competências, bem como propiciar maior racionalização
da despesa pública73. Outra possibilidade seria procurar novos caminhos,
no sector marítimo, no sentido de uma rápida adaptação ao competitivo
mundo globalizado.
Em relação ao valor estratégico que o mar representa, na nossa economia
teremos, primeiramente, de alterar a política das actividades de utilização
do mar, visto que a economia depende totalmente do petróleo. Traz-se
à colação o indicador deste recurso não vivo que nos últimos três anos
contribuiu 2,71 % para o crescimento do PIB74.
Além disso, nos últimos três anos, registou-se uma recessão económica
com a descida de 5,5 % do PIB75. Como exemplo, em 2018, verificou-se um
recuo de 4,5 % do PIB – esta cifra deve-se pelo declínio da taxa de crescimento da actividade petrolífera na ordem de 3,87 pontos percentuais
(p.p.), justificado, principalmente, pela quebra nos níveis de produção
do petróleo e gás em 12,48 % e reflexo do declínio de alguns poços
petrolíferos, conjugado com os baixos níveis de investimento observados,
particularmente, nos segmentos de prospecção, pesquisa e exploração e
com a ineficiência dos sistemas de recuperação secundária.
No que diz respeito à desaceleração da actividade não petrolífera
em 0,98 p.p. decorreu do menor dinamismo observado na actividade
dos sectores da indústria transformadora (passou de 1,18 % para
0,10 %), serviços mercantis (passou de 1,48 % para 0,65 %) e da construção
(passou de 2,51 % para 1,85 %)76. Entretanto, prevê-se para 2021 e 2022
73
Decisão tomada na terceira sessão ordinária do Conselho de Ministros datada de 27
de Março de 2020.
74
Cfr. Universidade Católica de Angola – Relatório económico de Angola 2016. Disponível para consulta em: http://www.ceic-ucan.org/wp-content/uploads/2017/06/
Apresenta%C3%A7%C3%A3o-do-Relat%C3%B3rio-Econ%C3%B3mico-de-Angola2016.pdf.
75
Economia de Angola sofreu recessão de 0,9% no ano passado. RTP Notícias. 20
de Abril de 2020. Disponível para consulta em: https://www.rtp.pt/noticias/economia/
economia-de-angola-sofreu-recessao-de-09-no-ano-passado_n1222448.
76
Vide Banco Nacional de Angola – Relatório Anual e Contas 2018, p.17 [em linha].
Disponível para consulta em: https://www.bna.ao/uploads/%7B490f344a-dce2-4be2-a749a125996dbf65%7D.pdf.
50
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
um crescimento económico do PIB no sector não petrolífero de 79 % e
21 % no sector petrolífero, quanto a taxa de crescimento do PIB, de acordo
com o resultado da MODUCAN (modelo de previsão macroeconómica
constituído com base nas equações do modelo IS/LM, que determina
os pontos correspondentes à taxa de crescimento do PIB e à taxa de
juros) regista-se –1,4 em 2019, –6,8 em 2020, –0,2 em 2021 e 1,6 para
202277. Já o Fundo Monetário Internacional regista saldo negativo na
taxa de crescimento económica de –1,5 em 2019 e –1,4 em 2020, para
2021 o Fundo Monetário Internacional estima um crescimento positivo
de 2,678.
A génese desta vulnerabilidade deve-se à baixíssima produção
nacional, ou seja, a dependência da importação fortaleceu-se como o
cancro da economia angolana, aliás, este diagnóstico é associado à falta
de rigor e de organização nos sectores de produção. Se assim continuar,
ficaremos sem economia e sem margem de manobra fiscal, só nos
restando, claro, potencializar outros meios marinhos e todo o sector real
económico79.
Para rematar, dentre outros requisitos, para amplitude mais reforçada,
a estratégia económica marítima passará pela identificação do potencial
dos recursos marinhos, excepto o petróleo, pela coerente e integrada
planificação da acção estratégica que justificam uma coordenação entre
órgãos ministeriais com actividade marítima, já que nos defrontamos com
um cenário de crise estrutural que exige resposta para «o que fazer» e
«como agir» e daí a necessidade de ordenar o espaço marítimo.
77
COVID 19: impactos económicos e sociais em Angola: contribuição para debate.
Vide, também, Potencial impacto socioeconómico da pandemia da COVID-19 uma análise
sintética. PNUD Angola. N.º 2-21 (Abril, 2020).
78
The great lockdown: worst economic downturn since the great depression, in
INTERNATIONAL MONETARY FUND – World economic outlook (International Monetary
Fund). April 2020. Disponível para consulta em: https://www.imf.org/en/Publications/
WEO/Issues/2020/04/14/weo-april-2020.
79
A economia angolana é distinguida por três sectores: sector primário (agricultura,
pescas e derivados, diamantes e outros e petróleo); sector secundário (indústria transformadora, construção e energia) e sector terciário (serviços mercantis), de acordo com BANCO
NACIONAL DE ANGOLA – Relatório Anual e Contas 2018, p. 13. Disponível para consulta
em: https://www.bna.ao/uploads/%7B490f344a-dce2-4be2-a749-a125996dbf65%7D.pdf.
51
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
10. Porquê planear e ordenar o espaço marítimo?
Actualmente, uma das prioridades mundiais é o ordenamento das
actividades que ocorrem no mar; vários são os países que se preocupam
com o ordenamento do espaço marinho sob sua jurisdição. Logo, é
chegada a hora de Angola velar pela defesa das zonas marítimas, no intuito
de rentabilizar o bem comum, através da gestão das actividades humanas
que ocorrem no mar.
O Estado exerce jurisdição e direitos de soberania em matéria de
conservação, exploração e aproveitamento dos recursos naturais, biológicos e não biológicos, na zona contínua, na zona económica exclusiva e
na plataforma continental, ou seja, este poder constitui uma oportunidade
para meditar sobre a gestão destes recursos e nas vantagens estratégicas
que estes trazem para a sua valorização económica, social e ambiental.
Assim, no espírito de estabelecer uma verdadeira «política para o mar»,
que determina a extensão dos espaços marítimos sob jurisdição nacionais
e que define os poderes que o Estado angolano neles deva exercer, foi
promulgada a Lei n.º 14/10, de 14 de Julho (Lei dos Espaços Marítimos).
Todavia, para que a acção «política para o mar» resulte eficaz é necessário delinear estratégias organizadas em torno de clusters produtores de
riqueza, que potenciarão a indústria e os serviços virados para determinados sectores, como, por exemplo, para o turismo, telecomunicações,
tecnologia, energias renováveis, aquicultura, pesca, transporte marítimo,
e em clusters de conhecimento.
A planificação das actividades e exploração no mar parece-nos ser a
via possível para que Angola, que vive uma crise económica e financeira,
olhe para o mar como a sua «reserva estratégica», cuja finalidade é gerar
emprego, riqueza, aumentar a coesão social, promover o desenvolvimento
económica sustentável e, sobretudo, ampliar o seu poder na interacção
com outros Estados.
O processo referido exigirá uma gestão eficaz, tendo em conta as especificidades de cada zona marítima, principalmente da Zona Económica
Exclusiva e da Plataforma Continental, em conformidade com a densidade
e natureza das utilizações marítimas, a vulnerabilidade ambiental, a
estrutura administrativa e política, ou o modelo de governança, a dotação
de capacidade empresarial, de tecnologia, de desenvolvimento sustentável
e o sistema de fiscalização. A zona que for palco de utilizações marítimas
52
REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS MARÍTIMAS
diversas e intensivas deve ser objecto de um processo de ordenamento mais
pormenorizado do que uma zona em que são exercidas poucas actividades.
Como já antes mencionado, a actividade marítima que mais contribui
para o crescimento do PIB é a petrolífera, isto por falta de competitividade
dos diferentes sectores de actividade no mar; este quadro poderá alterar-se se for aumentado o exponencial dos usos nos sectores da náutica de
recreio, turismo náutico, pesca, transporte marítimo, etc.
É tempo de empreender outra história e destino em Angola. O mar
está à nossa espera para nos ajudar a mergulhar no projecto colectivo,
feito desígnio nacional, que garanta o recurso ao ordenamento do espaço
marítimo, a fim de favorecer o crescimento sustentável dos sectores
marítimos.
Para elaborar um plano de ordenamento do espaço marítimo, os
instrumentos utilizados podem ser juridicamente vinculativos ou de
natureza mais indicativa. Também, é essencial definir claramente quem
fica vinculado pelo plano, i. e., agentes económicos, autoridades publicas
ou público em geral80.
A planificação do espaço marítimo será crucial do ponto de vista
económico e jurídico, da previsibilidade e da transparência, levando a uma
redução dos custos suportados pelo Estado, investidores e operadores.
Além disso, sem ordenamento do espaço marítimo, é vã a pretensão de
dirimir os conflitos de sobreposição de autoridade e de jurisdição entre os
vários ministérios e agências governamentais responsáveis pelo domínio
marítimo.
Em suma, expostas as razões da necessidade de planificar e ordenar o
espaço marítimo, seguidamente analisaremos os objectivos e perspectivas
que trará este instrumento ao ordenamento jurídico interno.
80
Comissão Europeia – Ordenamento do espaço marítimo na UE – balanço e
perspectivas. Disponível em: https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/maritimeaffairs/
files/docs/body/com_2010_771_brochure_pt.pdf.
53
Capítulo II
Ordenamento do espaço marítimo
SECÇÃO I
Disposições gerais
11. Razão de ordem
A análise que se segue focar-se-á nos pontos que julgamos de reflexão
para o enquadramento da temática. A experiência estrangeira revela
serem fundamentalmente dois os modos adoptados pelos Estados para
legislarem em matéria de Ordenamento do Espaço Marítimo, i. e., criar
uma nova legislação propositadamente para esse efeito, reinterpretando
e alterando a legislação já existente, quer atinente ao ambiente ou ao
ordenamento do espaço terrestre, estendendo ao espaço marítimo, quer
aquela relativa à Gestão Integrada da Zona Costeira81.
O Ordenamento do Espaço Marítimo, doravante abreviada por OEM,
constitui uma tarefa fundamental do Estado que se concretiza através
de políticas do mar, cuja implementação compete aos órgãos públicos
81
NORONHA, Francisco, O que há de novo no Mar? Primeiro comentário à Lei de Bases
da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional. Revista do Centro
de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, n.º 34, Ano XVII
(2014), pp. 23-44.
55
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
e privados de actuação no mar, por outras palavras, o OEM é um dos
instrumentos transectoriais de apoio à execução da Estratégia Nacional
para o Mar.
Na plenitude do enquadramento legal-contextual alargado, cremos que
se justificaria a promulgação desse instrumento, através da enunciação do
quadro jus-internacional regulador dos assuntos do mar, desde logo da
Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, da Convenção sobre
Diversidade Biológica, da Convenção sobre a Protecção do Património
Cultural Subaquático, da Convenção Internacional para a Prevenção da
Poluição por Navios, e da Estratégia Marítima Integrada de África 2050.
No plano interno, conveniente seria chamar à colação, pelo menos a Lei
n.º 14/10, de 14 de Julho, a Lei do Espaço Marítimo, a Lei n.º 6-A/04, de 8
de Outubro, a Lei dos Recursos Biológicos Aquáticos e a Lei n.º 6/02, de
21 de Junho, Lei da Água.
Um dos objectivos do OEM será identificar e encorajar utilizações
múltiplas, considerando as alterações climáticas e de acordo com as legislações existente; tendo como objectivo a congregação e integração de
várias abordagens do mar (ecossistema, biodiversidade e meio ambiente)
num único diploma estratégico no âmbito do crescimento azul.
12. Reflexões sobre o ordenamento do espaço marítimo
Em Angola, o ordenamento do espaço marítimo é tema que ainda não
mereceu reflexão, nem integrada no Direito. Em todo o caso, o enquadramento jurídico desta matéria está cada vez mais na ordem do dia, nos
países mais conscientes e mais exploradores da sua própria economia azul.
É certo que o interesse de alguns Estados pelo ordenamento do espaço
marítimo cresce cada vez mais, porém, enquanto área científica, esse
ordenamento tem-se desenvolvido à margem do Direito e das ciências
voltadas para a terra82, o que se justifica por o ordenamento do espaço
marítimo ter nascido no seio da área científica voltada para o mar (por
exemplo, a engenharia ambiental, a biologia marinha) com a preocupação
82
Aqui reforça o nosso entendimento quanto à terminologia Economia no Mar ou
Economia do Mar.
56
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
fundamental de preservar e proteger os recursos marinhos da crescente
procura pelos agentes económicos83.
Dada as circunstâncias da sua origem, a planificação do espaço marítimo
deve contar com especialistas em assuntos do mar, mas, também, precisará
de quem saiba congregar todas essas áreas científicas, daí a integração do
ordenamento do espaço marítimo no Direito.
Sublinha Joana Albernaz Delgado que
não só tal integração no Direito vai assentando num quadro jurídico que nunca
se preocupou satisfatoriamente com a uniformização terminológica ao nível do
espaço marítimo, proliferando conceitos variadíssimos que agravam a insegurança de uma matéria que já por si é aflorada numa pluralidade de disposições
e de instrumentos normativos, como também as cautelas associadas à relação
com o ordenamento terrestre têm criado incertezas quanto ao modo mais eficaz
e adequado de trazer o ordenamento do mar para o Direito, identificando-se
formas muito diferentes de absorção do ordenamento do espaço marítimo nos
vários ordenamentos jurídicos84.
Relativamente aos objectivos para orientar o OEM, entende-se que
deverá ser encarado como um processo que começa com um acordo sobre
os objectivos estratégicos, que são, em seguida, mais detalhados sob forma
de objectivos operacionais, i. e., claramente mensuráveis e quantificáveis,
numa perspectiva a longo prazo e orientada para o futuro. A planificação
deverá ter presente a dimensão da orla marítima nacional no seu todo num
único quadro de ordenamento85.
83
Vide DELGADO, Joana Albernaz, Histórias da terra e do mar. In GARCIA, Maria da
Glória [et al.] (coord.) – Direito do Mar: novas perspectivas, p. 160; bem como, RIBEIRO,
Marta Chantal – A protecção da biodiversidade marinha através de áreas protegidas
nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição do Estado: discussões e soluções
jurídicas contemporâneas – o caso português, p. 470 ss.; e ainda NORONHA, Francisco
– O ordenamento do espaço marítimo – para o corte com uma visão terrestrialmente
centrada do ordenamento do território, p. 59 s.
84
DELGADO, Joana Albernaz, op. cit., p. 162 s.; e ainda CORREIA, Fernando Alves –
Linhas gerais do ordenamento e gestão da zona costeira em Portugal. Revista de Legislação
e de Jurisprudência, n.º 3956 (2009), pp. 252 ss.
85
Comissão Europeia – Ordenamento do espaço marítimo na UE – balanço e
perspectivas. Disponível para consulta em: https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/
maritimeaffairs/files/docs/body/com_2010_771_brochure_pt.pdf.
57
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Com as inúmeras actividades a desenvolver nas águas oceânicas
nacionais acrescido daquelas que cada dia se descobrem e reinventam,
hoje, cada vez mais, é visível os conflitos resultantes do aproveitamento e
exploração dos recursos, destarte a questão da planificação e do OEM deve
assumir um papel central para o Estado.
O Estado angolano está consciente de que os problemas relacionados
com a gestão das utilizações do espaço marítimo estão estritamente
interligados, considerados como um todo86. Porém, sem a planificação
e ordenação do espaço oceânico, esta gestão ficará circunscrita a uma
abordagem licenciadora avulsa, longe de qualquer linha orientadora para
melhor distribuição dos usos e para a mais eficaz e justa resolução dos
conflitos87.
Dentre outras razões, a crescente relevância do espaço marítimo a nível
mundial, tem que ver, na opinião de António Rebelo Duarte
com a potencial instabilidade que decorre do chamado resource stress, visto
como uma combinação de stresses, nomeadamente hídrico, económico, político
e democrático, associados a um explosivo potencial de conflitualidade, com
guerras decorrentes da escassez de matérias-primas e de outros recursos vitais e
das induzidas guerras imigratórias, a que não serão estranhas as alterações climáticas e o aquecimento global já hoje conhecido como multiplicador de ameaças88.
O ordenamento do espaço oceânico constituirá a evolução lógica e a
estruturação das obrigações e da utilização dos direitos concedidos ao
abrigo da CNUDM, assim como permitirá a todos os clusters e hubs falar a
uma só voz e tomar um só registo no posicionamento que se quer assumir
perante o mar89. A par de outras ferramentas, o OME terá o seu lugar
de excelência na forma eficaz e harmoniosa de suplantar os inevitáveis
desacordos e impasses a um nível acima de vários sectores implicados
nos interesses do mar, por isso, a sua abordagem vai além da perspectiva
86
Terceiro parágrafo do preâmbulo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar, Angola subscreveu-a em 10 de Dezembro de 1982, e ratificou-a no dia 5 de Dezembro
de 1990.
87
DELGADO, Joana Albernaz, op. cit., p. 158.
88
DUARTE, António C. Rebelo, op. cit., p. 4.
89
DELGADO, Joana Albernaz, op. cit., p. 158. Igualmente, ponto 7 da Diretiva 2014/89/
EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 2014.
58
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
sectorial, do conhecimento científico, das biotecnologias, do turismo, da
pesca, das energias renováveis e da aquicultura.
Portanto, o mar tornou-se tão desejado, tão disputado ou tão desafiado
nos dias actuais90, na medida em que deixa de ser visto como objecto de
utilização tradicional dispersa e desprovida de qualquer estratégia e passa
como o último espaço do planeta a permitir descoberta de novas fronteiras
nacionais.
13 O mar propriedade exclusiva do Estado
O mar, como recurso natural, constituindo parte do domínio público
hídrico, é propriedade do Estado angolano (art.º 10.º, da Lei n. 9/04 e art.º
5.º, n. 1, conjugado com os artigos 2.º, 4.º e anexo da Lei n. 6/02). O direito
ao uso deste recurso é concedido de modo a garantir a sua preservação e
gestão em benefício do interesse público.
A propriedade estatal dos recursos naturais é um princípio que vem
desde as primeiras versões da Lei Constitucional de 11 de Novembro
de 1975, cujo artigo 11.º proclamava que «todos os recursos naturais
existentes no solo e subsolo, nas águas territoriais, na plataforma continental e no espaço aéreo são propriedade do Estado que determinará
as condições do seu aproveitamento e utilização». Como se vê a actual
redacção do artigo 16.º da Constituição, repete inteiramente aquela letra
original com pequenos acréscimos, conjugada com a alínea g) da Lei
n.º 3/04, de 25 de Junho.
De igual forma, este princípio vem firmado no Direito Internacional,
constando de documentos como a Resolução da Assembleia Geral da ONU
1803 (XVII), de 14 de Dezembro de 1962, a Declaração de Estocolmo,
a Declaração sobre a instauração de uma Nova Ordem Económica
Internacional (aprovada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU 3201
(S.VI), de 1 de Maio de 1974) e a Carta dos Direitos e Deveres Económicos
dos Estados (aprovada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU 281
(XXIX), de 12 de Dezembro de 1974)91.
DELGADO, Joana Albernaz , op. cit., p. 156.
Vide o nosso tema de dissertação em Direito em Prática Jurídica, A transferência dos
bens imóveis para o domínio privado do Estado após a independência de Angola, Lisboa,
Maio, 2019, p. 68.
90
91
59
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Percebe-se que a ratio deste princípio visa essencialmente ordenar o
acesso equitativo e equilibrado dos particulares aos recursos naturais;
todavia, o mar foi, sempre, visto como um recurso para gerir e não para
ordenar.
Relativamente ao seu regime jurídico, entendemos que a propriedade
do Estado sobre recursos naturais não é distinta da propriedade originária
da terra, diferenciando apenas na integração do domínio do Estado, tendo
natureza de propriedade pública ou de domínio público não podendo ser
transmissível a particulares, salvo o direito de exploração (n.ºs 2 e 3 do
art.º 10.º da Lei de Terra, art.º 5.º da Lei n.º 10/04); contrariamente a este
regime são os recursos mineiros que se integram no domínio privado do
Estado, transmissíveis em vida ou por morte do seu titular (art.ºs 42.º e
48.º do Código Mineiro).
Na opinião de Morais Guerra, a característica desta propriedade
do Estado tem por «objecto os recursos naturais do solo e do subsolo,
parecendo-nos mais de natureza público-dominal, é deveras importante
pela sua repercussão no objecto dos direitos fundiários concedidos ao
abrigo da [Lei n.º 9/04]92».
O legislador constituinte, de forma criativa, decretou que a «terra
constitui propriedade originária do Estado» (1.ª parte do n.º 1, do art.º 15.º
e n.º 1, do art.º 98.º da Constituição e o art.º 5.º da LT), olvidando referenciar
outros elementos que compreendem a definição do território nacional, tais
como o espaço hídrico e o espaço aéreo. Esta exclusão encontra explicação
no n.º 2, do art.º 202.º do Código Civil, que distingue coisas «no comércio»
e «fora do comércio». Estatui este preceito que «consideram-se fora do
comércio aquelas que não podem ser objecto do direito privado e as que são,
por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual», e as «coisas
comerciáveis aquelas que são objecto de direito privado».
Sobre esta controvérsia, a doutrina clássica civilística e administrativa
discutiram a respeito e a solução apresentada oferece interesse teórico.
Assim, para o civilista Cabral de Moncada, as coisas públicas «são
inalienáveis e imprescritíveis, mas esta inalienabilidade e imprescritibilidade não são suas características essenciais (pois outras coisas há que
estão in comércio e que também as possuem); são mera consequência da
92
GUERRA, José Armando Morais – Temas de direito fundiário e de direito do ordenamento territorial, p. 97.
60
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
sua natureza jurídica especial de incomerciáveis». Continuando com a
citação, diz este civilista que «as coisas públicas são aquelas de que a todos
é lícito aproveitar-se pelo uso; dito doutro modo, as coisas públicas são
aquelas que, estando apropriadas pelo Estado, estão simultaneamente à
disposição de todos, enquanto que as comuns se acham apenas postas
à utilização dos indivíduos compreendidos numa certa circunscrição
administrativa»93.
Por seu turno, o administrativista Marcello Caetano defende que «há
coisas públicas que podem ser objecto de grande número de direitos e
outras quase absolutamente incomerciáveis. É assim que nem sempre
o domínio público corresponde a um direito de propriedade pública.
O domínio administrativo pode ir até à apropriação colectiva, mas não se
identifica necessariamente com ela»94.
Nesta conformidade, o mar integra o domínio público do Estado,
compreendendo a característica da inalienabilidade, imprescritível e
impenhorável e incomerciável (arts. 95.º da CRA e 13.º da Lei n.º 18/10, de
6 de Agosto, Lei do Património Público), sendo regido pelo direito público
e excluindo a possibilidade da aplicação direito privado, principalmente,
o direito das coisas. O mesmo não sucede com as terras, que embora
sejam propriedade originária do Estado, está sujeito ao regime do direito
privada.
Todavia, a transferência da propriedade dos recursos vivos e não vivos
marinhos verifica-se sempre após a sua extracção no espaço marítimo.
Serve de exemplo, a transferência da propriedade do petróleo produzido
situa-se sempre fora ou para além da boca do poço, devendo o ponto
de contagem do petróleo produzido proceder o ponto de transferência
da propriedade (art.º 82.º da Lei n.º 10/04, de 12 de Novembro, Lei das
Actividades Petrolíferas).
14. Regulamentação do espaço marítimo nacional
A composição da organização do território, estabelecida no art.º 5.º
da Constituição, não se preocupa em descrever as várias dimensões do
93
94
MONCADA, Luís Cabral de – Lições direito civil, pp. 95 e 104.
CAETANO, Marcello – Manual de Direito Administrativo. Tomo II, p. 827.
61
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
território, sendo certo que a definição do território nacional compreende
o espaço terrestre, o espaço hídrico e o espaço aéreo95.
Em conformidade com os n.ºs 2 e 3, do art.º 3.º da Lei magna conjugado
com a Lei n.º 14/10, de 14 de Julho, Lei dos Espaços Marítimos (LEM),
a regularização da territorialidade do mar está dividida em três espaços
marítimos: os espaços marítimos submetidos à soberania total do Estado
angolano; os espaços marítimos sujeitados à jurisdição e à soberania do
Estado; e espaço internacional.
Os limites das diferentes zonas oceânicas sobre as quais Angola exerce
direitos de soberania e de jurisdição estão previstas na Lei n.º 14/10, de
14 de Julho, e estende a sua aplicação para além do alto mar (art.º 2.º).
Esta opção normativa contraria a disposição da CNUDM – repara-se que
a Convenção não confere aos Estados costeiros poderes além do alto mar,
pela razão de, nesta zona, vigorar o princípio do património comum da
humanidade. Por outro lado, a Convenção apenas estabelece a extensão da
plataforma continental além das 200 milhas marítimas (n.º 4, do art.º 76.º),
pese, embora, a Lei em questão não identificar a plataforma continental
para além das 200 milhas.
É relevante referir que, juridicamente, a plataforma continental96
coexiste com a zona económica exclusiva até às 200 milhas marítimas e
para além desta distância com o alto mar; neste último, ao Estado costeiro
é-lhe atribuído o direito de exploração e aproveitamento dos recursos da
plataforma continental e a obrigação de salvaguardar as liberdades do alto
mar (arts. 77.º, n.º 1 e 87.º da CNUDM).
De volta à territorialidade do mar, no plano internacional, é estabelecido que, pela ordem jurídica, se facilite as comunicações e se promova
os usos pacíficos dos mares e oceanos, a utilização equitativa e eficiente
dos seus recursos, a conservação dos recursos vivos e o estudo, a protecção
e a preservação do meio ambiente; e que, pela ordem económica justa
e equitativa, se tenha em conta os interesses e as necessidades da
95
MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui – Constituição portuguesa anotada. Tomo I,
p. 131.
96
Sobre esta matéria vide BECKER-WEINBERG, Vasco – Plataforma Continental. In
MENDES, Nuno Canas; COUTINHO, Francisco Pereira (org.) – Enciclopédia das Relações
Internacionais, pp. 391-395.
62
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
humanidade em geral e, em particular, os interesses e necessidades dos
países em desenvolvimento, quer costeiros, quer sem litoral97.
Aludida a facilidade de comunicação, é patente na busca de soluções
conjunta de regulamentação dos problemas do espaço oceânico que estes
estão estritamente inter-relacionados98. Daqui resulta o modelo complexo
e diversificado da regulação jurídico-internacional sobre o mar, que incorporou regras de fundamento costumeiro, como assim entende Fernando
Loureiro Bastos, afirmando que «o estatuto jurídico-internacional do mar
está organizado de forma a existir uma conciliação entre os poderes e os
deveres dos diversos Estados e dos navios com a sua nacionalidade»99.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar sistematizou
a delimitação dos espaços marítimos, cada um com o seu próprio regime
jurídico a partir de características implícitas. A mesma estrutura normativa
gramatical e teleológica foi transposta para a LEM. Analisaremos, de
seguida, os tipos distintos de espaços marítimos (sem termos em conta as
motivações políticas e económicas) de acordo com a Constituição e com
a LEM:
a) Os espaços marítimos submetidos à soberania total do Estado angolano
incluem as águas interiores, mar territorial, bem como o espaço
aéreo subjacente, o solo e o subsolo, o fundo marinho e os leitos
correspondentes. A soberania exercida nas águas interiores é
idêntica à exercida sobre a parte emersa da crusta terrestre (art.º
18.º da LEM), já a soberania exercida sobre o mar territorial está
sujeita as limitações decorrentes da CNUDM e demais normas do
direito internacional (art.º 24.º da LEM), nomeadamente: direito
de passagem inofensiva de navios com a nacionalidade de qualquer
Estado; e direito de passagem em trânsito (arts. 29 da LEM e 17.º
seguintes da CNUDM);
97
Parágrafos quarto e quinto do preâmbulo da Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de Dezembro de 1982.
98
Idem.
99
BASTOS, Fernando Loureiro – Direito Internacional do Mar: guia de estudo, p. 88.
Para Wagner Menezes, «os temas que estão disciplinados na Convenção são comummente
estudados na estrutura doutrinária compreendida como Direito do Mar» (O Direito do Mar,
p. 84).
63
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
b) Os espaços marítimos sujeitados à jurisdição e à soberania do Estado
abrangem a zona contínua, zona económica exclusiva e na plataforma continental – na primeira o Estado angolano pode exercer
poderes de fiscalização necessários para evitar infracções às leis e
aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários;
na zona económica exclusiva, o Estado angolano exerce direitos de
soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e
gestão dos recursos naturais vivos e não vivos existentes na coluna
de água abrangida pela zona, bem como sobre as potencialidades
energéticas dessa coluna de água e da camada aérea que sobre
ela assenta, incluindo direitos de jurisdição sobre a utilização e
colocação de ilhas artificiais, instalações e estruturas, investigação
científica marinha e a criação de reservas naturais para fins de
protecção e preservação do meio marinho; quanto à plataforma
continental, o Estado exerce direitos dominiais próprios e de raiz
sobre a própria plataforma, com o seu leito e subsolo, recursos
vivos e não vivos nela existentes (arts. 31.º, 36.º e 47.º, n.º 1, da
LEM, conjugado com artigos 33.º, n.º 1, 56.º, n.º 1 e 77.º, n.º 1 da
CNUDM).
Tendo em consideração a definição de soberania estatuída no n.º 1,
do art.º 2.º da CNUDM, que dita que «a soberania do estado
costeiro estende-se além do seu território e das águas interiores
[…], a uma zona de mar adjacente pelo nome de mar territorial»
e que a mesma Convenção atribui direitos de soberania na zona
económica exclusiva, coloca-se a seguinte questão: tratar-se-á do
mesmo poder de soberania conferido às águas interiores e mar
territorial? Responde o art.º 55.º do mesmo diploma que «A zona
económica exclusiva é uma zona situada além do mar territorial e
a este adjacente, sujeito ao regime jurídico específico estabelecido
na presente Parte, segundo o qual os direitos a jurisdição do Estado
costeiro e os direitos e liberdades dos demais Estados são regidos pelas
disposições pertinentes da presente Convenção». De igual modo,
o n.º 1, do art.º 77.º da CNUDM estabelece que «O Estado costeiro
exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para
efeitos de exploração aproveitamento dos seus recursos naturais».
Por seu turno, o n.º 1 do art.º 40, combinado com o n.º 1 do art.º 38.º
da LEM, estatui que «O Estado angolano, para a prossecução dos
64
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
direitos de soberania que exerce na sua zona económica exclusiva,
elabora, nos termos das alíneas a) a j) do n.º 4, do artigo 62.º da
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, leis e regulamentos que fixam regras de capturas permitidas dos recursos vivos
na zona económica exclusiva»; sobre a plataforma continental, o
Estado angolano exerce poderes de soberania finalisticamente
limitados para efeitos de exploração e de aproveitamento dos seus
recursos naturais (1, do art.º 49.º da LEM).
Com essas justificações, podemos afirmar que o exercício dos
direitos de soberania do Estado angolano nos espaços marítimos
das águas interiores, mar territorial, zona económica exclusiva e na
plataforma continental não são equivalentes -- pode dizer-se que,
nas duas primeiras zonas, o Estado exerce o poder de soberania
absoluta e, nas duas últimas, poderes de soberania relativa. A esse
respeito, defende Fernando Loureiro Bastos que «é preferível a
utilização do conceito de jurisdição ( jurisdiction), mesmo quando
são expressamente atribuídos “direitos de soberania” relativamente
à exploração de recursos naturais»(100);
c) Espaço internacional é o alto mar; a Convenção concede-lhe a Parte
VII (arts. 86.º a 120.º) e trata este espaço como todas as zonas/
/partes do mar não incluídas na zona económica exclusiva, o mar
territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem nas águas
arquipelágicas de um Estado Arquipelágico aplica o estatuto
jurídico-internacional, excepto as liberdades de que gozam todos os
Estados na zona económica, conforme art.º 58.º da CNUDM. Neste
sentido, determina o n.º 1, do art.º 58.º que «Na zona económica
exclusiva, todos os Estados, quer costeiros quer em litoral, gozam,
nos termos das disposições da presente Convenção, das liberdades
de navegação e sobrevoo e de colocação de cabos e ductos submarinos, a que se refere o artigo 87.º, bem como de outros usos do
mar internacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios, aeronaves, cabos
e ductos submarinos e compatíveis com as demais disposições da
presente Convenção». Desta feita, a aplicação do regime deste
100
Idem, p. 90.
65
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
espaço marítimo é a mesma da zona económica exclusiva, salvo
restrições impostas na parte final do art.º 86.º.
Actualmente, o entendimento da impossível subordinação do alto mar
ao Direito recebe objecções, dentre alguns autores, aduzem Luís da Costa
Diogo e Rui Januário, que
existe a possibilidade de [Estado] exercer o poder no alto mar desde que se
promova a correcta coordenação das suas utilizações. O uso público será, desta
forma, o resultado de um compromisso entre o poder dos Estados (sobre cada
vez maiores parcelas de mar) e a necessária manutenção da liberdade no alto mar,
o qual como, bem do domínio público internacional, deverá conferir utilidades
comuns a toda a Comunidade, o que pressuporá a existência de um princípio de
igualdade entre Estados101.
Conforme apresentado, a Convenção consolidou os temas pontuais
sobre o mar, tipificando e estabelecendo o regime jurídico de cada espaço
oceânico a ser observado pelos Estados.
15. Articulação do ordenamento marítimo e terrestre
Os instrumentos de ordenamento marítimo e do ordenamento do
território articular-se-ão sempre que estes incidam nas políticas que têm
por objecto o espaço biofísico, constituído pelo conjunto dos solos urbanos
e rurais, do subsolo, dos interiores, do mar territorial, da plataforma continental, bem como da zona económica exclusiva, enquanto elementos ou
recursos naturais contidos no interior das fronteiras territoriais nacionais
com relevo para a execução dos respectivos instrumentos102.
Apesar destes instrumentos incorporarem o conceito do ordenamento
territorial, todavia, a abordagem do ordenamento marítimo é diferente do
101
DIOGO, Luís Gomes da Costa; JANUÁRIO, Rui Justino – Direito Internacional do
Mar e temas de Direito Marítimo, p. 80.
102
Artigo 1.º e alínea i) do art.º 2.º, da Lei n.º 3/04, de 25 de Junho, Lei do Ordenamento
do Território e Urbanismo.
66
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
ordenamento terrestre, isto pela diversidade das zonas marítimas e das
utilizações humanas, a exclusão de direitos de propriedade individuais
no espaço oceânico, e pelas diferenças nas organizações administrativas e nos sistemas jurídicos que dão origem a uma grande variedade
de estratégias, passando por políticas de gestão integrada da zona
costeira103.
No entanto, acoitando a noção da plataforma continental – o princípio
de “a terra domina o mar” – quando refere que «compreende todo o leito e o
subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial,
em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre,
até ao bordo exterior da margem continental […]»104, e atendendo às disposições da Lei n.º 3/04, de 25 de Junho, Lei do Ordenamento do Território
e do Urbanismo, concluir-se-á, com exactidão, que o legislador adoptou
pela interpretação e implementação deste último diploma, estendendo-o
ao espaço marítimo.
A primeira linha de constatação é feita nos termos da alínea a) do
art.º 2.º, da Lei do Ordenamento do Território e do Urbanismo (LOTU), ao
decretar que «as águas interiores, plataforma continental, mar territorial
e zona económica exclusiva que, como recursos naturais passíveis de uso
e ocupação, relevem para os fins do ordenamento do território».
Conforme acima aduzido, a noção do território alberga os elementos
espaciais terra, mar e ar, portanto, a lei em referência apenas equipara a
terra ao território, definindo-o como «espaço biofísico constituído pelo
conjunto dos solos urbanos e rurais, do subsolo, das águas interiores, do
mar territorial, da plataforma continental, bem como da zona económica
exclusiva […]» (al. i), do art.º 2.º).
Embora o legislador pudesse ter abrangido o tratamento do ordenamento do espaço marítimo e do território e do urbanismo na Lei n.º 3/04,
o certo é que este diploma se ocupa da organização e gestão do espaço
biofísico territorial, urbano e rural, em razão do conteúdo material e os
objectivos visados e a política de acções que os concretizam, valorizando
os solos, ordenando-os, infra-estruturando-os para uso geral e colectivo,
103
Comissão Europeia – Ordenamento do espaço marítimo na UE – balanço e
perspectivas. Disponível para consulta em: https://ec.europa.eu/maritimeaffairs/sites/
maritimeaffairs/files/docs/body/com_2010_771_brochure_pt.pdf, p. 7.
104
Primeira parte do artigo 76.º da CNUDM.
67
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
como formas sistemáticas de intervenção do Estado e das autarquias locais
no ordenamento do território105. Importa sublinhar que a lei em questão
visa tratar exclusivamente o desenvolvimento do solo.
Neste contexto, torna-se claro que o espaço marítimo não tem sido
tomado como território na concepção global da problemática do ordenamento territorial. Certamente, porque muitos factores contribuíram
para a falta de afeição do ordenamento do território ao mar, desde
já, por o espaço marítimo não ser dominável como o espaço terrestre
e por não ser susceptível de ocupação humana para fins de fixação
habitacional.
Em todo o caso, a assunção do mar enquanto parte do território para
efeitos de ordenamento regista-se com o reconhecimento da inter-relação
dos problemas do espaço marítimo e com as regras de delimitação do
espaço marítimo passíveis de poderes de soberania e/ou de jurisdição,
de acordo com a CNUDM. Daqui, podemos perspectivar o ordenamento
do espaço marítimo como parte imprescindível do ordenamento do território ao lado do ordenamento do espaço terrestre106.
Todavia, a necessidade de articular ambos os ordenamentos justifica-se
na organização do território do Estado e nos instrumentos de ordenamento
do território e do urbanismo que visam proteger os recursos hídricos,
zonas ribeirinhas e a orla costeira107, mormente, esta última zona onde se
concentram a maioria das actividades económicas marítimas propensas a
conflitos.
Por fim, concernente à gestão de uso e utilização, estes ordenamentos
divergirão na medida em que o espaço terrestre é um processo integrado
da organização do espaço biofísico, tendo como objectivo o uso e transformação do território de acordo com as capacidades, vocações, permanência
de equilíbrio biológico e de estabilidade geológica, numa perspectiva de
manutenção e aumento da sua capacidade de suporte à vida [al. d) do
anexo I, do Decreto n.º 4/01, de 2 de Fevereiro], ao passo que o OEM deverá
105
Segundo parágrafo do preâmbulo e artigo 3.º da Lei n.º 3/04, de 25 de Junho, Lei do
Ordenamento do Território e Urbanismo.
106
No mesmo sentido, NORONHA, Francisco – O ordenamento do espaço marítimo
– para o corte com uma visão terrestrialmente centrada do ordenamento do território,
p. 34.
107
Parte final do n.º 2, do art.º 1.º e al. g) do n.º 1, do art.º 4.º da Lei n.º 3/04, de 25 de
Junho.
68
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
ser visto como o processo pelo qual as autoridades públicas analisam e
organizam a forma como as actividades humanas se distribuem no espaço
e no tempo nas zonas marinhas para alcançar objectivos ecológicos,
económicos e sociais108.
SECÇÃO II
Domínio público marítimo
16. Razão de ordem
O Domínio Público Marítimo (DPM) é apenas uma das modalidades
do domínio público hídrico, juntamente com o Domínio Público Lacustre
e Fluvial e Domínio Público das Restantes Águas. Como a própria designação indica, domínio público hídrico diz respeito às águas públicas,
com os respectivos leitos e margens, zona terrestre de protecção e faixa
máxima de protecção, atento à natureza da sua utilidade e das funções
que desempenha.
No entanto, o DPM não se restringe única e exclusivamente às águas
dominiais, porque havendo conexão entre estas águas, os leitos e as
margens podem estender o âmbito deste domínio.
Considera-se do Domínio Público Marítimo as águas marítimas
costeiras e interiores e respectivos leitos e margens, que correspondem
a uma faixa marítima de protecção que tem como limite máximo a
batimétrica 30 metros do zero hidrográfico, bem como o uso privativo de
parcelas de terrenos destinados à implantação de infra-estrutura e equipamentos de apoio não só à utilização das praias, mas a toda a orla costeira,
abrangendo uma faixa de protecção terrestre com a largura máxima de
500 metros109.
Ordenamento do Espaço Marítimo na EU, op. cit., p. 3.
A definição do domínio público marítimo estava estabelecida, implicitamente, na
conjugação do segundo parágrafo do preâmbulo e art.º 3.º do Decreto n.º 4/01, de 2 de
Fevereiro. Todavia, este diploma foi revogado pelo Decreto Presidencial n.º 232/11, de 23
de Agosto.
108
109
69
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Por outro lado, o legislador ordinário dita que
os terrenos do domínio público marítimo destinados à implantação de infra-estruturas e equipamentos de apoio não só à utilização das praias, mas a toda
orla costeira, bem como à faixa de protecção terrestre com a largura máxima de
500 metros, são desafectados do domínio público transferido para o domínio
privado dos Governos Provinciais» (n.ºs 1 e 2, art.º 2.º e art.º 3.º, do Decreto
Presidencial n.º 232/11, de 23 de Agosto).
O n.º 1, do art.º 95.º da Constituição e o art.º 14.º da Lei n.º 18/10, de 6
de Agosto de 2010, do Património Público, prescrevem os bens do domínio
público110. Assim, integram no domínio público marítimo bens que estão
estabelecidos nas alíneas a), b) e f) e als. a), b), c) e k), dos respectivos
artigos. Todavia, esta enumeração não é um catálogo que seja taxativo
porque a al. k), do art.º 95.º e a al. p) do art.º 14.º, de ambos os diplomas,
mantêm uma cláusula aberta em matéria de bens dominiais ao preverem
que possam ser classificados outros bens por via legislativa, e carecem
de ser interpretados à luz dos conceitos do Direito Internacional do Mar
tendo em conta as normas da CNUDM.
110
A doutrina clássica entendeu domínio público como «conjunto de bens que o estado
aproveita para os seus fins usando de poderes de autoridade», ou seja, através do direito público»
– Cfr. MOREIRA, Carlos – Do Domínio Público, pp. 124 e ss. Igualmente, existe outro autor
que definiu como «conjunto das coisas públicas e os direitos públicos que à Administração
competem sobre elas» – CAETANO, Marcello – Manual de Direito Administrativo. Tomo II,
p. 815 –, aliando a «Noção de Coisa Pública» e o conceito de «domínio público». Nesta mesma
obra, outras dimensões contribuem para a distinção do domínio público e domínio privado,
tal como o domínio privado indisponível e disponível (pp. 894 s). Outra figura confundível
com este instituto é a propriedade pública, a qual Marcello Caetano «alerta-nos para a circunstância, de em razão do critério da comerciabilidade de direito público, haver coisas públicas
que podem ser objecto de um grande número de direitos e outras quase absolutamente
incomerciáveis. É assim que nem sempre o domínio público corresponde a um direito de
propriedade pública» (CAETANO, Marcello, op, cit. p. 827); as Ordenações Filipinas, L.º II,
tit. XXVI, diferenciam a soberania com propriedade (aquela agora transplantada do rei para o
povo), e que dava à coroa (agora ao Estado) o «domínio eminente» sobre o território, domínio
que envolvia a faculdade de distribuir, pelos súbditos, as terras do seu património (agora do
património da nação), e do qual decorriam múltiplas sujeições para os seus possuidores, como
a do aproveitamento dos bens […]”, citado por PRETO, António Martinez Valadas – O regime
de terras do Estado em Moçambiqu. Revista Jurídica de Macau , p. 36. Vide definições
estatuídas no art.º 2.º da Lei n.º 18/10.
70
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
Por seu turno, o art.º 1.º, da Lei de Terras, define o que é o domínio
público do Estado, integrando, por força das als. a) e e), do n.º 1, do art.º
29.º, da Lei n.º 9/04, de 9 de Novembro, Lei de Terras (LT) as águas
interiores, o mar territorial, a plataforma continental, a zona económica
exclusiva, os fundos marinhos contíguos, incluindo os recursos vivos e não
vivos neles existentes, as praias e a orla costeira.
Ainda de acordo com a referida Lei, «são havidos como terrenos reservados ou reservas os excluídos do regime geral de ocupação, uso ou fruição
por pessoas singulares ou colectivas, em função da sua afectação, total ou
parcial», à realização de fins especiais (art.º 27.º, n.º 1).
Em função da sua afectação, são havidos como parte integrante das
reservas parciais, por força da als. a), b) e c), do n.º 7, do art.º 27.º, da lei em
análise, o leito das águas interiores, do mar territorial e da zona económica
exclusiva, a plataforma continental e a faixa da orla marítima e do contorno
de ilhéus, baías e estuários, medida da linha das máximas preia-mares,
observando uma faixa de protecção para o interior do território, por
permitirem todas as formas de ocupação ou uso que não colidam com os
fins previstos no respectivo diploma constitutivo.
Quanto à definição das áreas integrantes do domínio público marítimo,
designadas como zonas marítimo-terrestres, esta é feita casuisticamente,
estando acometida ao governo a competência para constituir reservas e
definir a sua extensão (n.º 2, do art.º 27.º da LT).
Um aspecto a ter em atenção é o facto de, nos termos da Constituição
e da Lei n.º 18/10, o legislador excluir a coluna de água e a superfície das
águas da Zona Económica Exclusiva de fazer parte do domínio público
marítimo, conferindo apenas esta qualidade aos recursos naturais
biológico e não biológico aí existente, conforme redacção da al. b), do
art.º 95.º da Constituição e al. b), do art.º 14.º, da Lei n.º 18/10, e al. a), do
art.º 36.º da Lei n.º 14/10111.
111
A mesma constatação, segundo Francisco Noronha, faz a redacção do n.º 1, do art.º
2.º da Lei n.º 17/2014, de 10 de Abril, que estabelece as Bases da Política de Ordenamento
e de Gestão do Espaço Marítimo Português, NORONHA, Francisco – O que há de novo
no Mar? Primeiro comentário à Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do
Espaço Marítimo Nacional. Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento,
do Urbanismo e do Ambiente, pp. 26-27.
71
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Por conseguinte, aqui colocaremos, com acuidade, as questões que
apelam à política integrada dominial marítima, na perspectiva da sua
valorização e salvaguarda dos bens marinhos, tendo como finalidade a
gestão diligente, criteriosa, e uniforme dos assuntos do mar que servirá
como suporte essencial a medidas político-governativas estruturais112.
17. Ordenamento do espaço marítimo como tarefa pública
A circunstância do ordenamento do espaço marítimo se tratar de uma
tarefa pública decorre do chamamento de princípios gerais, fundamentalmente de natureza biológica aquática, designadamente: os princípios
do desenvolvimento sustentável, da conservação e utilização óptima dos
recursos biológicos aquáticos, da prevenção, da precaução; da integração;
da defesa dos recursos genéticos, da participação de todos os interessados;
da coordenação institucional e da compatibilidade da política de gestão
dos recursos biológicos aquáticos com as políticas de ordenamento do
território, ambiental, de recursos hídricos e de exploração de outros
recursos naturais no mar e nas águas continentais, da cooperação na gestão
dos recursos partilhados, da responsabilização, do utilizador pagador, do
poluidor pagador e da igualdade, da livre iniciativa económica, da defesa
da concorrência, da protecção dos direitos de investidores (art.º 6.º, da Lei
n.º 6-A/04, de 8 de Outubro, Lei dos Recursos Biológicos Aquáticos).
A convocação destes princípios faz com que se deslumbre o traço da
existência da tarefa pública ou da responsabilidade pública conforme
assim entendemos. Além destes, o legislador, na Lei 5/98, de 19 de Junho,
Lei de Bases do Ambiente, elencou princípios que nos dão a ideia da
responsabilidade pública com o meio ambiente, tais como o princípio da
formação e educação ambiental, do equilíbrio e o da unidade de gestão e
acção (art.º 4.º).
Já a perspectiva de natureza biológica remete-nos para uma abordagem
ecossistemática que, assente na natureza complexa e dinâmica dos
ecossistemas, propugne a protecção adequada do ambiente marinho, a
coordenação institucional e compatibilidade da política de gestão dos
112
Parágrafo cinto do preâmbulo da Lei n.º 18/10, de 6 de Agosto, Lei do Património
Público.
72
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
recursos, o uso racional e sustentável dos recursos biológicos aquáticos,
do ambiente costeiro e ribeirinho, bem como a sua gestão integrada que,
intimamente, vai ligar os princípios que regerão a gestão do ordenamento
do espaço marítimo nacional (arts. 6.º, al. i), 8.º, al. a) e 63.º, al. e) da Lei
dos Recursos Biológicos Aquáticos).
Para tanto, a coordenação e compatibilização da política do ordenamento marítimo e da gestão dos recursos marinhos no espaço nacional
devem ser articuladas com outras políticas públicas sectoriais, especialmente com o ordenamento do espaço terrestre e medidas ambientais
(art.º 22.º da Lei n.º 3/04, de 25 de Junho, art.º 16.º, da Lei de Terras,
art.º 5.º da Lei 5/98 e al. f), do arts. 9.º e 10.º, da Lei n.º 6/02, de 21 de
Junho, Lei de Águas).
A marca da actividade pública resulta ainda de outros objectivos consagrados no art.º 63.º, da Lei n.º 6-A/04, de 8 de Outubro – para alcançar
estes objectivos tem de existir um regime público e também um aparelho
público, competindo neste caso, à administração pública alcançar estes
fins de interesse público.
A questão que se coloca é saber qual a entidade competente para a
realização destes mesmos objectivos; embora a competência primordial
pertença ao executivo, entende-se, porém, que muitos destes objectivos
impõe ou requerem a intervenção de entidades públicas de base territorial, nomeadamente do Estado (através dos governo provinciais)113 e
das autarquias locais pelas amplas atribuições que dispõem sobre o
território114.
Devido aos problemas constatados nos departamentos ministeriais,
dentre os quais fusão sem conexão de atribuição (agricultura com o mar),
dificuldades financeiras e carência de recursos humanos com formação
para o mar, somos pela criação de uma agência nacional com representação de todas as secções ministeriais com actividade ligada ao mar, a fim
de responder aos assuntos oceânicos.
113
Nos termos do parágrafo cinco do Decreto Presidencial n.º 232/11, de 23 de Agosto,
incumbe os Governos Províncias enquanto autoridades administrativa de exercerem a gestão
e o controlo dos terrenos urbanísticos do parâmetro da orla costeira.
114
A primeira eleição autárquica está agendada para este ano, mas devido à recessão
económica e orçamental provocada pela pandemia da Covid-19, é mais do que provável que
seja remarcada para próximo ano.
73
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Outra questão que deve ser esclarecida, por haver discórdia doutrinária,
é a distinção entre a valorização e a salvaguarda dos recursos marinhos,
por se entender que uma coisa é a defesa do bem com suas características,
outra completamente diferente é a valorização que não seja rentabilização
económica, melhor dito, acrescentar valor não é necessariamente retirar
um valor económico do bem115.
Na delimitação objectiva do OEM excluir-se-á do âmbito da sua
aplicação as áreas militares e outras que, em caso de justificado interesse
nacional, venham a ser definidas (n.º 2, do art.º 1, do Decreto Presidencial
n.º 232/11, de 23 de Agosto); não obstante, o legislador pode evidenciar
actividades administrativas em ordem a lograr a promoção da exploração
económica sustentável, racional e eficiente dos recursos marinhos e dos
serviços dos ecossistemas, a preservação, protecção e recuperação dos
valores naturais e dos ecossistemas, a segurança jurídica e a transparência
dos procedimentos de atribuição dos títulos de utilização privativa, bem
como prevenir e minimizar eventuais conflitos entre usos e actividades.
Sem dúvida que a actividade de promoção de políticas activas de
ordenamento do espaço marítimo é uma tarefa pública que compete ao
Estado e às autarquias locais, portanto, em nossa opinião, deve-se criar,
o quanto antes, condições para inclusão dos planos de ordenamento da
orla costeira, que, durante quase uma década, tem sido disciplinado pelos
planos especiais de ordenamento do território e do urbanismo e pela lei
de terras116, no ordenamento do espaço marítimo.
18. A relação entre o ordenamento do espaço marítimo e o plano de
ordenamento da orla costeira
O plano de ordenamento da orla costeira é encarado como um instrumento regulamentar de natureza administrativa que congrega medidas de
ordenamento dos diferentes usos e actividades específicas da orla costeira,
de valorização e qualificação das praias, orientando o desenvolvimento de
Partilha a mesma opinião: MIRANDA, João – Ordenamento do Espaço Marítimo.
Primeiro e segundo parágrafos do preâmbulo do Decreto Presidencial n.º 232/11, de
23 de Agosto.
115
116
74
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
actividades aí a implementar, regulando o uso balnear e conservando os
patrimónios biológicos e geológicos existentes na orla costeira.
Importa sublinhar que não existe no ordenamento jurídico angolano
um instrumento específico que regule o ordenamento da orla costeira,
porque, revogada o Decreto n.º 4/01, de 2 de Fevereiro, nos termos do
art.º 8.º do Decreto Presidencial n.º 232/11, esta matéria integrou-se no
domínio privado dos Governos Provinciais e ficou sujeita ao regime da Lei
de Terras e da Lei do Ordenamento do Território e Urbanismo (segundo
parágrafo do preâmbulo e art.º 1, n.º 1 do citado diploma).
Neste decreto, o legislador dissemina um conflito de interpretação
e de aplicação ao estatuir que «são transferidos para o domínio privado
dos Governos Provinciais, todos os direitos fundiários adquiridos sobre
os terrenos compreendidos no perímetro da orla costeira» (artigo 4.º),
quando, na verdade, as administrações provinciais, em representação do
Estado, sempre foram titulares do domínio directo destes terrenos.
Todavia, a incompreensão surge em saber-se quando é que a aquisição
de uns dos direitos fundiários sobre terrenos da orla costeira se transfere
para a titularidade dos Governos Provinciais: como transferir a ocupação
ou uso havidos sobre os terrenos compreendidos no perímetro da orla
costeira? Em resposta, o mesmo decreto estatui que «São respeitados, nos
termos da legislação em vigor, os direitos fundiários constituídos sobre
terrenos desafectados por títulos válidos das autoridades administrativas»
(art.º 5.º).
Por sua vez, estabelece a Lei de Terras que o Estado pode transmitir
ou constituir sobre os terrenos concebíveis integrados no seu domínio
privado em benefício de pessoas singulares ou colectivas, desde que estes
façam prova da sua capacidade para garantir o aproveitamento útil e
efectivo dos terrenos a conceder (art.º 34.º e n.º 2, do art.º 45.º)117.
Quanto à transmissão da ocupação ou uso dos terrenos abrangendo a
orla marítima, o único direito fundiário que a Lei de Terras “reconhece”
(mas não “respeita”) à ocupação e ao direito de uso é o domínio útil
consuetudinário conferido às famílias que integram as comunidades
117
Sobre o regime dos direitos reais fundiários, vide a nossa dissertação de mestrado em
prática jurídica, op. cit., p. 67-81. Ainda, o nosso tema de relatório para obtenção de certificado
do Curso de Pós-graduação em Direito Notarial e Registal, A fictícia aquisição dos direitos
fundiários à luz da Lei de Terras angolana.
75
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
rurais; por sua vez, o n.º 1, do art.º 6.º do Decreto estipula que a efectivação da transferência de todos os planos de ordenamento da orla costeira
para o domínio privado dos Governos Provinciais é conduzido por estes e
articulado com todos os órgãos interessados.
Com isto, torna-se evidente que se trata da transferência dos planos
de ordenamento da orla costeira e não da ocupação e do direito de uso
havidos aos terrenos reservados ao contorno da orla costeira.
Este Decreto Presidencial não compreende um conjunto de limitações
e interdições do uso do espaço da orla costeira, nem estabelece positivamente o regime do uso do solo; porém, entende-se que este regime é
definido ao nível dos planos territoriais nacionais, provinciais e municipais
– os chamados instrumentos do ordenamento urbanístico (2.º parágrafo
do preâmbulo do Decreto Presidencial conjugado com o art.º 28.º da
Lei n.º 3/04).
A realidade descrita tem gerado conflitos de sobreposição de competência territorial do Estado do porto entre os Governos Provinciais e as
administrações portuárias118 por um lado, por outro, cria desconforto
aos entes privados por se depararem com dispersões de atribuições entre
várias entidades públicas com actividades conexas ao mar, e, muitas das
vezes, ficam perdidos por não saberem aonde se dirigir para regularizar
assuntos respeitantes ao uso e a actividades específicas da orla costeira e
marítima.
Contudo, inquieta-nos o seguinte: fará sentido existir dois instrumentos diferentes – o do ordenamento do espaço marítimo e o do da orla
costeira? Até que ponto é que os valores que salvaguardam os recursos
marinhos e os valores naturais ambientais não justifiquem que haja um
único instrumento?
Sem prejuízo da coerência, articulação e compatibilidade dos planos
especiais de ordenamento do território e do urbanismo que são aplicados
na orla costeira, nos termos do Decreto Presidencial n.º 232/11, que
remete para Leis n.º 3/04, de 25 de Julho, justificar-se-á a unificação da lei
118
A este respeito, o n.º 2, do art.º 6.º do Decreto Presidencial n.º 232/11, de 23 de Agosto,
estabelece que «As transferências [todos os direitos fundiários adquiridos sobre todos os
territórios compreendidos no perímetro da orla marítima] abrangem também todo o cadastro
das ocupações autorizadas, no âmbito das licenças emitidas pelo Capitão do Porto».
76
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
do ordenamento de todo o espaço marítimo e terrestre ou a dispersão em
dois diplomas distintos?
Em resposta a questão, João Miranda vem dizer que
basta haver uma única lei de base de espaço que compreendesse quer espaço
terrestre quer espaço marítimo em vez de haver regimes ou instrumentos
diferentes. Atendendo as afinidades toda continuidade que existe no território
porque território terrestre e marítimo é um território contínuo indivisível, na
verdade, poderíamos justificar se for tratamento integrado do problema, sendo
que, em muitos casos em vez de haver duas perspectivas distintas poderia haver
uma única119.
No que diz respeito a orla costeira, este doutrinário mostra sensibilidade na sua opinião, ao defender a possibilidade de haver um instrumento
específico de gestão territorial destinado a proceder ao ordenamento da
orla costeira.
Do nosso lado, tendo em consideração as matérias específicas a que
estes espaços (marítimo e terrestre) se dedicam e pela sua natureza, por
exemplo, a tridimensionalidade do mar120, a característica quintessencial
119
MIRANDA, João – Ordenamento do Espaço Marítimo, sessão n.º 7 , do II Curso de
Pós-graduação em Direito Marítimo Portuário 2019/2020, FDUL, 27 de Março, 2020; ainda
o mesmo autor com Estudos de Direito do Ordenamento do Território e do Urbanismo,
p. 13; DELGADO, Joana Albernaz, Histórias da terra e do mar. In GARCIA, Maria da Glória
[et al.] (coord.) – Direito do Mar: novas perspectivas, p. 178 e seguintes.
120
Como é sabido, a tridimensionalidade do mar decorre da tríade fundos marinhos,
coluna de água e superfície. Desta tridimensionalidade resulta a coexistência, no mesmo
espaço e, em simultâneo, de múltiplos usos (pescas, aquicultura, parques eólicos, indústria de
gás e petróleo, extração mineira, navegação, turismo, etc.). Por seu turno, esta coexistência de
múltiplos usos é geradora de conflitos com usos de uma modulação dúplice, e que a doutrina
estrangeira vem desdobrando em user-user conflicts (conflitos entre usos ou actividades levados
a cabo por dois ou mais particulares na mesma área ou volume do espaço marítimo) e user-environment conflicts (quando determinados usos ou actividades explorados por um particular
apresentam inconvenientes para a protecção e conservação do ambiente marinho numa dada
área ou volume de espaço). NORONHA, Francisco – Comentário à Diretiva 2014/89/UE
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho, que estabelece um quadro para
o ordenamento do espaço marítimo. In GARCIA, Maria da Glória; CORTÊS, António;
ROCHA, Armando (coords.) – Direito do Mar: novas perspectivas, nota n.º 24, p. 134.
DOUVERE, Fanny; EHLER, Charles N. – New perspectives on sea use management: initial
77
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
do ecossistema marinho, a conservação dos recursos biológicos do mar e a
dinâmica do ambiente marinho, somos a favor da implementação de duas
leis distintas, uma de aplicação para o ordenamento marítimo e outra para
ordenamento terrestre.
A nossa posição contra a necessidade de reunir num único diploma o
ordenamento de todo o espaço justifica-se, precisamente, pela complexidade e fragmentação na abordagem dos temas essenciais e pelos
eventuais desrespeito e conflitos que este diploma comportará em relação
aos princípios da superintendência, subsidiariedade e da atribuição de
competência.
Não obstante, percebe-se que a necessidade surge em criar-se um
quadro jurídico, à semelhança do que acontece no ordenamento do espaço
terrestre, que, além de gerar segurança e certeza jurídica nos procedimentos de licenciamento e concessão, possua força vinculativa não só para
entes públicos e particulares, mas também para terceiros121.
Portanto, somos optimistas quanto à implementação do diploma
que visará regular o ordenamento e gestão espaço marítimo nacional,
abrangendo todos os programas de planificação afectos às actividades
económicas marítimas no espaço de jurisdição e soberania do Estado,
e sanar os problemas de conflitos de sobreposição, de interpretação e
omissões, aqui invocados.
19. Ordenamento espacial para uma economia marítima próspera
O ordenamento espacial marítimo é fundamental para a protecção e
preservação dos recursos marinhos e para a potencialização dos usos e
actividades ali exercida. Com o crescimento do sector marítimo, exacerbar-se-á a concorrência pela utilização das águas costeiras nacionais.
findings from European experience with marine spatial planning. Jornal of Environmental
Management, Vol. 90, Issue (January 2009), p.77. SCHAEFER, Nicole; BARALE, Vittorio –
Maritime spatial planning: opportunities &challenges in the framework of the EU integrated
maritime policy. Journal of Coastal Conservation, Vol. 15, Issue 2, Springer, (June 2011),
p. 240.
121
SCHAEFER, Nicole; BARALE, Vittorio, op. cit., p. 242. NORONHA, Francisco,
op. cit., pp. 134-135.
78
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
Observa-se a necessidade da adopção do sistema de ordenamento
espacial para actividades marítimas nas águas de jurisdição angolana, a fim
de assegurar a coerência das decisões que afectam o mesmo ecossistema
ou os mesmos usos e actividades marítimas, i. e., é necessário que haja um
certo grau de homogeneidade entre estes. Se não existir alguma forma de
ordenamento indicativo, as decisões de investimento serão refreadas pela
incerteza quanto à possibilidade de obter uma licença para o exercício de
uma dada actividade num determinado local marítimo. Serve de exemplo,
os seguintes modelos122:
i)
sistema de ordenamento concebido com a participação de todos os
interessados;
ii) sistema de fornecimento de dados espaciais – a criação desta rede
exigirá a adopção de medidas legislativas, institucionais e financeiras para facilitar o acesso a dados provenientes dos diversos
sectores marítimos e informação pública, como apoio à política
marítima nacional.
A política marítima deverá criar instrumentos e métodos destinados
a assegurar a coerência dos sistemas de ordenamento do espaço terrestre
e do espaço marítimo, a fim de evitar duplicações da regulamentação e
impedir a transferência para o espaço marítimo de problemas de ordenamento terrestre não resolvidos. Um olhar geral, sob a forma de plano de
desenvolvimento espacial global, marítimo e terrestre, permitiria estabelecer um conjunto coerente de objectivos e princípios políticos123.
Quanto mais as actividades económicas se afastam da costa, maior é a
possibilidade de serem exercidas em águas sujeitas ao direito de passagem
inofensiva. Neste contexto, há que criar-se um mecanismo para promover a
cobertura cartográfica das águas costeiras angolanas, tal como estabelece
a al. b), do art.º 6.º, da Lei n.º 6/02, para fins de ordenamento espacial e
segurança.
O recenseamento das actividades existentes ou previstas nas águas
ou nos fundos marinhos é essencial. É imprescindível, também, uma
Estes sistemas são de experiência canadiana.
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS – Livro Verde: Para uma futura
política marítima da União: uma visão europeia para os oceanos e os mares, p. 38.
122
123
79
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
representação cartográfica da distribuição da flora e fauna marinhas,
para efeitos da análise do ecossistema. Uma cartografia exaustiva dos
fundos marinhos tem múltiplas utilizações. A ter em consideração que a
cartografia para as áreas potenciais deve estar em harmonia com o modelo
terrestre e os regimes existente, de modo a evitar situações de conflitos ou
de interpretação flexíloqua.
Com base nos dados proveniente das diferentes fontes (Direcção
Nacional de Recursos Naturais; Instituto Nacional de Meteorologia e
Geofísica; Centro de Estudo de História e Cartografia Antiga; Instituto
Hidrográfico e de Sinalização Marítima de Angola; Direcção Nacional
do Ambiente; Instituto de Investigação Científica e Tropical), será
possível elaborar um verdadeiro atlas das águas costeiras, susceptível de
ser utilizado como instrumento para o ordenamento espacial, ao mesmo
tempo que se cria uma preciosa ferramenta pedagógica para integrar o
mar na vida cultural dos angolanos.
20. A atractividade crescente das zonas costeiras enquanto local de
lazer e trabalho
As zonas costeiras são de importância para a estratégia marítima
nacional, fonte de alimentos e matérias-primas, constituem um vínculo
vital para os transportes e para as trocas comerciais e albergam os habitats
mais valiosos de protecção mundial.
O litoral angolano é povoado por comunidades que vivem da pesca
artesanal e é o destino para quem procura uma vida à beira-mar apenas
pelo prazer, não emergindo novas actividades na sua periferia.
Os serviços de pescas e de lazer ligados ao mar são levados a cabo,
normalmente, por cidadãos com baixo ou sem nível de escolaridade.
As condições laborais, sobretudo piscatórias, são precárias. Poucas
empresas surgem na zona costeira e não satisfazem a demanda da necessidade do emprego, pese, embora, a insuficiência de dados estatísticos.
Normalmente estes empreendimentos são classificados como pequenas
e médias empresas.
A falta de estatísticas leva as autoridades responsáveis pelo ordenamento a não referirem o peso destes elementos nas decisões relativas ao
desenvolvimento económico na zona ou águas costeiras.
80
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
No entanto, não existem estimativas disponíveis quanto ao valor destas
zonas, à oferta de lazeres ligados ao mar ou aos efeitos positivos do mar na
qualidade de vida nestas zonas. Porém, os valores do cenário que a costa
oferece, o ir à praia e as actividades de recreio podem ter um impacto
significativo no bem-estar124.
Assim sendo, a capacidade de atracção dos recursos ou zonas costeiras
está sujeita ao esgotamento além da sua capacidade de carga, a conflitos
de utilização devido à escassez de espaço, havendo grandes variações
sazonais na população e emprego, e os ecossistemas que sustentam as
zonas costeiras degradam-se – a deterioração do meio marinho, especialmente do ecossistema na zona da Corrente Fria de Benguela, reduz
consideravelmente a qualidade de vida.
As zonas costeiras estão particularmente expostas a riscos, agravados
pelos eventuais impactos das alterações climáticas. Entre os sectores
importantes para as costas, os mais vulneráveis a possíveis alterações
no clima são as pescas, a agricultura e o turismo. A vulnerabilidade dos
sistemas humanos e naturais nas costas aumentou devido à construção na
proximidade da orla costeira e à falta de espaço para ter em conta a subida
do nível do mar125.
Sem embargo do que foi dito, de notar que as medidas que conduzem
ao ordenamento das actividades que ocorrem nas zonas costeiras, de modo
a salvaguardar a sustentabilidade ambiental dos ecossistemas marinhos,
não têm sido severamente cumpridas.
21. Dos usos e actividades económicas conexas ao mar
Com a ampliação dos usos e actividades económicas no mar
nacional, estão a tomar lugar cenários de insegurança, nas várias
formas de tráfico ilegal, pesca ilegal, degradação do ambiente marinho,
perda da biodiversidade e nos efeitos agravados sobre mudança
Livro Verde, op. cit., p. 27.
Neste sentido, COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS – Comunicação
da Comissão Relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho: Avaliação da Gestão
Integrada da Zona Costeira (GIZC) na Europa [em linha]. Disponível para consulta em:
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52007DC0308&fr
om=PT.
124
125
81
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
climática126. Contudo, as grandes variedades de actividades estão inter-relacionadas de alguma forma, e todas têm um impacto potencial sobre
a consequente prosperidade, através da contribuição para a estabilidade
social, económica, política, defesa e segurança127.
O inter-relacionamento entre os sectores económicos no espaço
marítimo tem por base os princípios da solidariedade, racionalidade e
da integração, com a finalidade de proteger a diversidade biológica do
ambiente marinho, bem como cumprir os objectivos económicos e sociais.
Nesta conformidade, prevê-se como objectivos da política marítima
nacional o alcance ou a manutenção do bom estado ambiental marinho,
a aplicação de uma abordagem ecossistémica à gestão das actividades
humanas nas zonas marinhas e a integração das preocupações ambientais
marinhas nos diferentes sectores.
Para atingir estes objectivos pode incluir-se medidas espaciais e de
coordenação de gestão do espaço marítimo. Por conseguinte, o ordenamento do espaço marítimo pode constituir um instrumento para apoiar
determinado aspecto da execução da política marítima, nomeadamente
na planificação de múltiplas actividades no espaço oceânico nacional. Em
seguida, expomos algumas actividades de relevo:
a) A pesca é uma das mais actividades económicas exercidas nas águas
nacionais. Esta actividade é feita de forma regulada e registada
(não obstante a verificação de pesca ilegal). Porém, verificam-se
problemas de declínio das unidades populacionais de peixes e baixa
rendibilidade, com o sector a enfrentar, também, uma crescente
invasão na captura de pescado por parte de navios estrangeiros.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO)128 indica que a aquicultura oferece um enorme
126
Vide nosso Mar – meio sustentável para a economia angolana, tema de avaliação
na disciplina Os Recursos Naturais Marinhos e a Economia, curso de Mestrado em Direito
e Economia do Mar, p. 11.
127
União Africana – Estratégia Marítima Integrada de África 2050 (Estratégia AIM
2050). Versão 1.0, 2012, p. 7. Disponível para consulta em: https://au.int/sites/default/files/
documents/30932-doc-2050_aim_strategy_pt_0.pdf.
128
Relatório destaca o crescente papel do peixe na alimentação mundial [em linha]. FAO.
Roma. 19 de Maio de 2014. Disponível para consulta em: http://www.fao.org/news/story/pt/
item/232037/icode/.
82
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
potencial para responder à procura de alimentos, associada ao
crescimento da população global. No entanto, percebe-se que
a dificuldade consistirá em gerir este aumento de uma forma
sustentável e compatível com o ambiente, por um lado; por outro, a
competição no espaço marítimo poderá constituir um importante
problema em certas zonas costeiras, obrigando a aquicultura a
distanciar-se da costa, e exigirá novos trabalhos de investigação e
aplicação de tecnologia em jaula offshore129.
Está estabelecida uma área reservada de pesca equivalente à
extensão do mar territorial até às quatro milhas náuticas, bem como
as águas continentais para a pesca artesanal, podendo estender-se
até oito milhas náuticas na zona norte, entre o Ambriz e o enclave
de Cabinda. Já a captura necessita de acessos flexíveis, a fim de
dar resposta a mudanças nos padrões de distribuição das unidades
populacionais de peixes130.
Para estes dois sectores (aquicultura e captura), é importante
dispor de um acesso claramente definido e a longo prazo, pelo
que é essencial um quadro normativo que envolva a participação e
contemplação de todos os que exercem estas actividades, máxime,
as cooperativas e as comunidades pesqueiras. Além disso, os conhecimentos costumeiros sobre o mar que os pescadores possuem
podem ser úteis para optimizar a localização de, por exemplo,
zonas marinhas protegidas, parques eólicos e haliêuticos, limitando
simultaneamente os custos.
Compete ao Ministério da Agricultura, Pescas e do Mar131 a gestão
do ordenamento das pescas, promover a preparação progressiva
129
COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS – Livro Verde: Para uma futura
política marítima da União: uma visão europeia para os oceanos e os mares. Vol. II,
Anexo, p. 8.
130
Em 2018, foi estabelecido uma quota de 320 000 de toneladas para captura de
pescado; as províncias costeiras do Sul, Benguela e Namibe, representam a maioria das
capturas por beneficiarem da corrente fria de Benguela. Para mais informações, vide Angola
mantém quota de 320 mil toneladas para captura de pescado em 2018. Observador. 29
de Janeiro de 2018. Disponível para consulta em: https://observador.pt/2018/01/29/
angola-mantem-quota-de-320-mil-toneladas-para-captura-de-pescado-em-2018/.
131
O Ministério das Pescas e do Mar é criado na terceira República, posteriormente
fundida com o Ministério da Agricultura.
83
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
e a actualização periódica dos planos de ordenamento, ajustando
a capacidade de captura ao potencial disponível e explorável dos
recursos (n.º 1, do art.º 8.º da Lei n.º 20/92).
Este plano tem a duração de cinco anos, sendo prorrogada automaticamente por iguais períodos (n.º 2, do art.º 11.º da Lei n.º 6-A/04,
da LRBA). Relativamente ao domínio da protecção do meio
marinho, evidencia-se a carência de harmonia e flexibilidade em
matéria de utilização, i.e., na designação e delimitação das zonas
marinhas protegidas.
b) A utilização das energias renováveis seria a solução primordial para a
política nacional de combate às alterações climáticas, assim como
para outros objectivos vernáculos. As fontes de energia renovável
offshore, em particular, a energia eólica marítima, contribuirão
significativamente para este objectivo.
Os parques eólicos offshore e outras fontes de energia renováveis
devem ser ligados à rede em terra132, através da implementação do
sistema de vigilância marítima com vista a garantir a protecção dos
recursos marinhos existentes no espaço nacional contra as ameaças
no mar.
Reconhecendo que o mar desempenha um papel essencial na
competitividade, no desenvolvimento sustentável e na segurança
do aproveitamento energético, a Declaração de Luanda sobre
a Segurança Marítima e Energética133 aponta várias recomendações, mas omite o que achamos ser fundamental: a criação de
um programa de investigação, financiada pelo sector público ou
privado, que vise apoiar o desenvolvimento das energias renováveis
produzidas offshore e optimizar o ordenamento do espaço
marítimo.
c) As águas oceânicas nacionais são intensivamente exploradas para
a produção de petróleo e de gás com uma produção de 1,8 milhão
132
Ordenamento do Espaço Marítimo na EU – balanço e perspectiva, op. cit.,
p. 10. Directiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2009,
relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e
subsequentemente revoga as Directivas 2001/77/CE e 2003/30/CE.
133
Documento designando as recomendações da Conferência Internacional sobre a
Segurança Marítima e Energética, Luanda, 28 de Outubro de 2015.
84
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
de b/d134 (barris por dias), obtendo uma reserva de 12 mil milhões
de barris, sendo o sector petrolífero responsável pelo aumento das
receitas públicas (75,92 %), equivalentes a 67,88 % do total das
receitas e 12,26 % do PIB135.
As operadoras petrolíferas136 desenvolvem know-how na área
das tecnologias marinhas, não só no domínio da exploração de
hidrocarbonetos no mar, como também nas actividades em offshore
realizadas a mais de três quartos em águas profundas onde os
desafios são maiores.
Apesar de vários instrumentos regulatórios para garantir que as
operações petrolíferas em offshore se realizem com um elevado
grau de segurança e de protecção do ambiente e da saúde humana,
ainda assim, registam-se situações de derrame de petróleo nas
águas marítimas do norte do pais, cujas informações são muitas
vezes abafadas137 – na verdade, isso ocorre pelo fraco controlo e
intervenção na segurança contra o derrame de petróleo no mar
nacional.
O exercício das operações petrolíferas assenta num elevado nível
de responsabilidade relativamente aos princípios da preservação e
a protecção ambiental, nos termos do art.º 23.º da Lei da Actividade
Petrolífera, em que o dano ambiental é preferencial face aos demais
e que o poluidor terá de pagar (art.º 24.º). A responsabilidade pelos
134
BANCO NACIONAL DE ANGOLA – Relatório Anual e Contas 2018. Disponível
para consulta em: https://w w w.bna.ao/uploads/%7B490f344a-dce2-4be2-a749a125996dbf65%7D.pdf.
135
FMI – Relatório do Fundo Monetário Internacional. N.º 18/157, 2018. Disponível
para consulta em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd
=&ved=2ahUKEwi6qe3UraLrAhWRWhUIHTEoCOcQFjAAegQIAxAB&url=https%3A%
2F%2Fwww.imf.org%2Fpt%2FPublications%2FCR%2FIssues%2F2018%2F06%2F11%2FA
ngola-Selected-Issues-45958&usg=AOvVaw2cQozqrxDIk0XVZX8THc0Q, p. 6.
136
A Lei n.º 10/04, de 12 de Novembro, Lei das Actividades Petrolíferas, define operações
petrolíferas, como «as actividades de prospecção, pesquisa, avaliação, desenvolvimento e
produção de petróleo» e «operador como entidade que executa, numa determinada concessão
petrolífera, as operações petrolíferas (art.º 2.º, n.ºs 12 e 13)».
137
Em 2008, foi adoptado um Plano Nacional de Contingência contra Derrames de
Petróleo no Mar, que estabelece as estratégias e prioridades nacionais, bem como a sua inter-relação com todos planos locais em termos de preparação e resposta a derrames de petróleo
no mar.
85
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
danos causados ao meio ambiente marinho constitui uma condição
prévia para fazer os operadores petrolíferos sentir-se responsáveis
pelos eventuais efeitos negativos das suas operações no ambiente
enquanto tal138.
De atender que as actuais práticas da indústria petrolífera, em
matéria de segurança ambiental, não dão garantias totalmente
adequadas a que os riscos de acidentes offshore nas águas de jurisdição nacional sejam minimizados ou que se consiga mobilizar a
resposta mais eficaz de uma forma atempada. Com os regimes de
responsabilidade existentes no direito interno, o responsável pode
nem sempre ser claramente identificável, podendo não ser capaz
de pagar todos os custos da reparação dos danos ambientais que
causou ou não ser responsabilizado pelos mesmos. Isto pode ser
uma das razões para reflectir no estabelecimento de um quadro
regulamentar adequado a actividades offshore que tenha em conta
os princípios do ordenamento do espaço marítimo nacional139.
d) O transporte marítimo é um catalisador para outros sectores, nomeadamente a construção naval e os equipamentos marítimos. O
transporte marítimo e os portos são elos-chave das cadeias logísticas
que ligam o comércio externo à economia nacional. Salienta-se que
a actividade portuária é exclusiva do sector público, podendo ser
desenvolvida por entidades privadas, nos termos da Lei n.º 5/02, de
16 de Abril, e n.º 1, do art.º 117.º, da Lei n.º 27/12, de 28 de Agosto.
Em Angola, cerca de 80 % das importações e exportações são
feitas por via marítima140. Quanto ao crescimento económico neste
138
Vide nosso trabalho de avaliação na disciplina de Direito Europeu do Mar, sob o tema
Que património marítimo da união europeia?, p. 24.
139
COMISSÃO EUROPEIA – Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento
Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: enfrentar
o desafio da segurança da exploração offshore de petróleo e gás. Disponível para consulta
em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52010DC0560&
from=PT.
140
Os resultados definitivos do Comércio Externo (importação e exportação), apurados
em 2018, indicam uma taxa de variações anual de 76,87 % para as exportações e 58,69 %
para as importações. O combustível teve a maior participação no valor total das exportações
com 95,67 % (Exportações angolanas em 2018 com variação de 76,87% e importações com
58,69%. Diário de notícias. 15 de Maio de 2019. Disponível para consulta em: https://
86
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
sector, verifica-se a ausência de políticas operacionais globais para
promoção do sistema portuário no mercado regional, com vista à
captação de fretes marítimos, de forma competitiva e estimulada
por políticas e programas bens concebidos. Igualmente, observa-se
a falta de publicação de informações e estatísticas suplementares
respeitante ao sector – esta e outras razões vão repercutir-se na
ineficiência e decadência do sector.
A inovação neste sector deve ser determinada não só pela sociedade,
mas também pela evolução da legislação.
O instrumento do ordenamento do espaço marítimo pode apoiar o
processo do tráfego marítimo e sistemas adequados à organização
do tráfego, tomando em consideração as rotas marítimas acordadas
a nível internacional, a respectiva gestão e as deslocações de navios
fora delas141.
e) Os oceanos e os mares geram igualmente receitas graças ao turismo.
A região costeira nacional é detentora de uma beleza extraordinária,
recursos culturais, históricos, naturais e é rica em biodiversidade.
Os turistas que passam férias nessa área usufruem do mar, da praia
e da zona costeira de formas muito diversas. Muitos destinos turísticos devem a sua popularidade à proximidade do mar e dependem
da qualidade ambiental deste.
Para a sustentabilidade do turismo em geral e, em particular,
do ecoturismo, sector este que se encontra retraído em receitas
públicas e crescimento do PIB, é, pois, crucial prever uma política
de desenvolvimento sustentável turístico em coordenação com
www.dn.pt/lusa/exportacoes-angolanas-em-2018-com-variacao-de-7687-e-importacoes-com-5869-10899555.html).
141
Ordenamento do Espaço Marítimo na EU – balanço e perspectiva, op. cit., p. 10;
Directiva 2002/59/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho de 2002,
relativa à instituição de um sistema comunitário de acompanhamento e de informação
do tráfego de navios e que revoga a Directiva 93/75/CEE do Conselho. Disponível para
consulta em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32002L0
059&from=DA; Directiva 2010/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de
Outubro de 2010, relativa às formalidades de declaração exigidas aos navios à chegada
e/ou à partida dos portos dos Estados-Membros e que revoga a Directiva 2002/6/CE.
Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32010
L0065&from=pt.
87
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
os demais Departamentos Ministeriais transversais à actividade
turística, de forma a alcançar os objectivos macro e microeconómicos preconizados pelo Executivo (art.º 11.º da Lei n.º 9/15, de 15
de Junho, Lei do Turismo).
Na primeira fase, os objectivos da política nacional para o sector do
turismo devem assentar nos recursos que satisfaça as necessidades
actuais, respeitando o ambiente e a biodiversidade, permitindo
que as vertentes económicas e socioculturais evoluam de forma
equilibrada e em respeito pelos valores locais (n.º 1, do art.º 12.º).
A estratégia nacional para a promoção do “crescimento azul”
reconhece o sector do turismo como uma área com especial
potencial para promoção de uma economia sustentável, transversal e competitiva, nos temos do artigo 4.º da Lei n.º 9/15. Esta
expectativa está longe de ser concretizada, porque à medida que
vão mudando os titulares dos órgãos ministeriais sem chegarem
ao termo de mandato, muitas vezes, os novos titulares não dão
seguimento aos projectos implementados pelo seu antecessor.
Do exposto resulta que a força do sector marítimo nacional residirá no
espírito empresarial e na capacidade de inovar. Porém, dada a centralização
económica deste sector pelo Estado, muito tem de ser feito para garantir
que o sector privado tenha acesso a factores de potenciar a concorrência e
competitividade nos sectores marítimos.
Importa referir que os usos e actividades que se desenvolvem no
espaço marítimo implicam uma dependência estrutural e funcional da
orla costeira, sendo também necessária uma articulação com os valores
naturais aí existentes.
Em termos de conclusão, o ordenamento do espaço marítimo seria
altamente benéfico por permitir estabelecer parâmetros que facilitem
a cooperação inter-actividades entre os sectores económicos no espaço
marítimo nacional, sobretudo porque, em Angola, o desenvolvimento
das actividades marinhas é encarado separadamente, sector por sector,
assim como as tentativas de protecção e conservação dos ecossistemas
marinhos.
88
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
SECÇÃO III
Dos planos de ordenamento do espaço marítimo
22. Razão de ordem
O planeamento dos usos ou actividades ligadas ao mar é uma das linhas
orientadoras da Estratégia Nacional para o Mar (ao lado do conhecimento
e o ordenamento do espaço marítimo), que vela pelos aspectos económicos,
sociais e ambientais, pelo crescimento e o desenvolvimento sustentável
do sector marítimo e identifica as diferentes utilizações dadas ao espaço
marítimo, bem como gere as utilizações múltiplas que ocorrem no espaço
tridimensional marinho, prevendo e minimizando os conflitos de usos e
utilizações nas zonas marinhas e identificar e encorajar utilizações142.
Nesta conformidade, o plano de ordenamento do espaço marítimo é
visto como uma ferramenta de governação indispensável para assegurar
directrizes assentes nos princípios do desenvolvimento sustentável, da
protecção, da precaução, da defesa dos recursos genéticos e da coordenação
institucional, através do levantamento dos usos e utilizações presentes e
futuros, com a finalidade de uma gestão verdadeiramente integrada143.
A elaboração desta ferramenta deve seguir as normas definidas no
regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, daí que o nosso
estudo refira a necessidade da integração e articulação com os planos,
políticas e programas que incidem nos terrenos compreendidos no
perímetro da orla costeira e águas adjacentes, decorrentes da Lei de Terra,
da Lei de Água e do Decreto Presidencial n.º 232/11 e do plano marítimo-nacional, entre outros documentos normativos.
A elaboração do plano terá de ser feita com a participação da
comunidade, para satisfação de interesses nacionais, sobretudo, para
solucionar o problema de burocratização dos procedimentos de concessão
ou licenciamento de título de utilização privativa, tendo por base uma
142
Sobre esta matéria, Ordenamento do Espaço Marítimo: Volume síntese: memória
geral da proposta de Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo. Disponível no site:
https://www.dgpm.mm.gov.pt/ordenamento-e-maritimo.
143
Idem, p. 2; Despacho do Governo português 32277/2008, de 18 de Dezembro, DR,
2.ª Série, p. 50546.
89
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
informação técnico-científica sólida. Após a auscultação pública, para
melhor gestão e utilização da área marítima, o passo a seguir deve ser
a criação de planos de ordenamento que prevejam a execução de usos e
actividades afectos a esse espaço.
Em síntese, de modo narrativo, observaremos os objectivos, princípios
e fases fundamentais do processo do ordenamento marítimo, bem como os
conflitos de usos ou actividades que possam surgir na utilização da mesma
área ou contra o ambiente marinho.
23. Objectivos e princípios do plano de ordenamento do espaço
marítimo
Os principais objectivos do Plano de Ordenamento do Espaço
Marítimo, doravante POEM, passam por promover um levantamento de
todas as actividades que se desenvolvem no espaço marítimo sob soberania
ou jurisdição angolana, tais como cartografar essas actividades; ordenar
os usos e actividades do espaço marítimo, existentes e futuros, em articulação com a zona costeira, garantir a utilização sustentável dos recursos,
a sua preservação e conservação, fomentando a utilização eficiente do
espaço marítimo, desenvolver os parâmetros de sustentabilidade de cada
actividade e do espaço marítimo, definir actividades passíveis de desenvolvimento a médio e longo prazo, fomentar a importância económica,
social e ambiental do mar, definir as orientações para o desenvolvimento
de indicadores de avaliação do desempenho sustentável das actividades
marítimas e respectiva monitorização e registar a interacção dos diferentes
fins, a sua incidência económica e social, as suas prioridades e a influência
que as diversas utilizações têm na interacção montante-jusante144.
Sobre os princípios a observar, há os contidos nas convenções
referentes ao mar e os compromissos marítimos internacionais assumidos
por Angola, bem como outras políticas e instrumentos em vigor, ou em
curso, tais como a Estratégia Marítima Integrada de África 2050, a Política
Nacional em Matéria de Gestão dos Recursos Hídricos, o Programa
144
Artigos 15.º da Lei n.º 6/02, de 21 de Junho e 12.º seguintes da Lei n.º 6-A/04, de 8
de Outubro. Sétimo parágrafo do Despacho do Governo português 32277/2008, de 18 de
Dezembro, Diário da República, 2.ª Série, p. 50547;
90
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
Nacional da Política de Ordenamento do Território, a Política para o Mar,
o Plano Nacional para o Turismo, o Plano de Ordenamento dos Recursos
Biológicos Aquáticos, os Planos Gerais de Desenvolvimento e Utilização
dos Recursos Hídricos das Bacias. Os princípios contidos nestas legislações são válidos e poderiam ser utilizados para o ordenamento do espaço
marítimo.
Eis alguns princípios gerais que poderiam ser acordados para a
definição da política marítima145:
i)
ii)
iii)
iv)
v)
Atendendo à complexidade das relações, os procedimentos deverão
garantir a integração dos melhores pareceres técnicos e científicos
disponíveis;
Todos os interessados deverão ser consultados, não só devido à
dificuldade de policiar as actividades exercidas no mar e à necessidade de aqueles apoiarem plenamente as restrições que lhes
são impostas, mas também para se compreenderem os efeitos
colaterais das acções previstas para as partes interessadas;
Para garantir a coerência entre os sectores, a definição da política
para o mar deverá ser estritamente coordenada com os objectivos,
as zonas geográficas e a política externa; sendo necessário determinar as competências institucionais e os meios de assegurar a
cooperação, a colaboração, a coordenação e a integração;
Dar especial atenção à coerência dos objectivos, as questões
relacionadas com os mares e a Estratégia Marítima Integrada de
África 2050;
A definição das políticas deverá incluir a fixação de metas, relativamente às quais se avaliará o desempenho, e mecanismos que
possibilitem o aperfeiçoamento constante dessas políticas e da
respectiva execução.
Como instrumento previsão da Estratégia Marítima Nacional, o POEM
deve assegurar o desenvolvimento sustentável do espaço marítimo e a
utilização sustentável dos recursos marinhos, tendo em consideração os
princípios da preservação, da precaução, da abordagem ecossistémica e da
gestão integrada para a prossecução desse desenvolvimento.
145
Livro Verde, op. cit., p. 41.
91
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
O mar não é objecto de direitos de propriedade privada da mesma
forma que o espaço terrestre e as condições de planificação dos respectivos
ordenamentos diferem, daí a constatação de que planear do mar para a
terra é crucial e exige coerência não só entre os planos e as estratégias
elaboradas para o mar e os elaborados para terra, mas também ao nível da
execução146.
Importa referir que, havendo incompatibilidade entre o plano de
ordenamento do espaço marítimo e o plano e programa terrestre preexistentes (quer seja plano sectorial, programa especial ou outro), estes
terão de ser adaptados ou alterados para incorporar os planos do espaço
marítimo; assim é pela justificação de que os instrumentos de gestão
territorial têm um enfoque essencialmente na vertente terrestre, não
considerando o âmbito multidimensional do mar, i. e., o fundo, a coluna
de água, a superfície e a atmosfera, e pela circunstância de os princípios
que enformam o ordenamento marítimo serem diferentes dos princípios
do ordenamento terrestre.
24. Sistema de ordenamento e de gestão do espaço marítimo
O sistema de ordenamento e de gestão do espaço marítimo (SOGEM)
deve compreender o conjunto integrado de instrumentos de ordenamento
do espaço marítimo nacional e a Estratégia Nacional para o Mar147, e ter
como objectivos o crescimento e desenvolvimento sustentável do sector
marítimo, considerando os aspectos económicos, sociais e ambientais,
e promover a coexistência entre o ordenamento do espaço marítimo e
o plano ou planos correspondentes e outros processos, como a gestão
costeira integrada ou as práticas formais ou informais equivalentes148.
O sistema de gestão do espaço marítimo será a base da política nacional
para o mar. Destarte, pretende-se elaborar uma Estratégica Nacional
Ordenamento do Espaço Marítimo na EU – balanço e perspectiva. op. cit., p. 6.
Artigo 6.º da Lei n.º 17/2014, de 10 de Abril, Lei de Base do Ordenamento do Espaço
Marítimo portuguesa.
148
Artigo 6.º, n.º 2, al. c) da Directiva 2014/89/EU do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 23 de Julho de 2014, que estabelece um quadro para o ordenamento do
espaço marítimo. Disponível para consulta em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/
PT/TXT/?uri=CELEX%3A32014L0089.
146
147
92
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
para o Mar149 que, comparando com outros regimes jurídicos, não altere
o regime da conservação da natureza ou do ambiente, não seja aplicável
a áreas de jurisdição portuária, actividades de defesa ou de segurança
nacional e esteja em articulação com a Lei do Ordenamento do Território
e do Urbanismo e a Lei de Águas. Quanto ao projecto de lei relativo aos
instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional, do nosso
conhecimento, ainda não há avanço substancial.
Com a promulgação de um diploma que estabeleça as bases da política
de ordenamento e gestão do espaço marítimo angolano, o sistema
jurídico organizará e dará coerência ao ordenamento marítimo nacional,
estabelecendo regras, instrumentos, assemelhando as zonas marítimas,
emergindo, principalmente, o domínio de efectivação das políticas de
gestão e de desenvolvimento marítimo, incluindo o que o legislador vier
a prescrever no futuro regime jurídico de elaboração, alteração, revisão e
suspensão dos instrumentos de ordenamento.
Para melhor analise e compreensão, este tema esquematizamos em
dois subtemas, i é, os instrumentos de planeamento do espaço marítimo e
a utilização do espaço marítimo nacional, elementos que compreendem
o SOGEM.
24.1. Instrumentos de planeamento do espaço marítimo
A necessidade da análise tipológica de instrumentos de planeamento150,
particularmente vocacionados para o ordenamento do espaço marítimo
será uma valia para o alcance do crescimento azul e desenvolvimento
sustentável no sector marítimo nacional.
Da experiência portuguesa retiram-se dois tipos de instrumentos: os
planos de situação e planos de afectação (art.º 7.º da Lei n.º 17/2014, de
10 de Abril, que estabelecem as bases da Política de Ordenamento e de
Gestão do Espaço Marítimo português).
149
ANGOLA. Ministério das Relações Exteriores – Relatório do workshop sobre
formação de uma Estratégia Marítima Nacional.
150
Este instrumento abrangerá todos espaços marítimos sob a soberania e jurisdição
nacional desde a linha de base até ao limite exterior da plataforma continental, integrando as
águas interiores, o mar territorial, a zona contígua, a zona económica exclusiva e a plataforma
continental, conforme artigo 3.º da Lei n.º 14/10, de 14 de Julho.
93
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
O plano de situação identifica a distribuição espacial e temporal dos
usos e das actividades desenvolvidas em uma ou mais áreas e/ou volumes
do espaço marítimo, como por exemplo: zonas de aquicultura, pesca,
instalações e infra-estruturas para a prospecção, exploração e extracção
de petróleo, de gás e de outros recursos energéticos, de minérios e
agregados, e para a produção de energia a partir de fontes renováveis, rotas
de transporte e fluxos de tráfego marítimo, áreas de treino militar, sítios
de conservação da natureza e das espécies e zonas protegidas, zonas de
extracção de matérias-primas, zonas de investigação científica, o percurso
dos cabos e condutas submarinos e zonas de turismo e de património
cultural submarino151.
Certamente se compreenderá que a identificação dos sítios de protecção
e de preservação do meio marinho e da distribuição temporal e espacial
de usos e actividades é imprescindível para garantir a compatibilidade e
a sustentabilidade das diversas utilizações a desenvolver e , desde logo,
evitar que sejam atribuídos títulos de utilização com diferentes usos ou
actividades nas mesmas áreas ou volumes no espaço marítimo nacional.
Nesta conformidade, cartografar aquilo que existe ou efectuar levantamento dos usos e actividades no âmbito do POEM será profícuo para a
elaboração do plano de situação152.
O plano de situação é encarado como algo prévio à elaboração do plano
de afectação, em que se tem em conta e se reflecte toda a informação
relevante e acessível sobre o espaço marítimo nacional. Este plano terá uma
dinâmica própria, que se verificará na sua elaboração faseada, consoante
a informação disponível e obtida sobre a zona oceânica, com alteração,
revisão e medidas de suspensão igualmente específicas.153.
151
Alínea a) do n.º 1, do art.º 7.º da Lei n.º 17/2014, de 10 de Abril, que estabelece as
bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo português (LBOGEM)
conjugada com o art.º 8.º, n.º 2 da Directiva 2014/89/EU do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 23 de Julho de 2014.
152
Neste sentido, BECKER-WEINBERG, Vasco; MARTINS, Rosa, op. cit., p. 280;
BECKER-WEINBERG, Vasco – Ordenamento e Gestão do Espaço Marítimo
Nacional: enquadramento e legislação; PORTUGAL. Direcção_Geral de Política do
Mar – Ordenamento do Espaço Marítimo: Volume 5 – Relatório de Diagnóstico e
Fundamentação Técnica. Tomo 2 – Caracterização Cartográfica, p. 2-23.
153
Idem, p. 281.
94
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
Por sua vez, o plano de afectação é percebido como a execução dos
usos e actividades previstos no plano de situação. Estes instrumentos
de planeamento não estão isentos de críticas, mormente porque estas
figuras, em parte, podem vir a possuir conteúdo que se confunde com
o dos planos de ordenamento da orla costeira, e com o do regulamento
do espaço costeiro, previstos no Decreto n.º 2/06, de 23 de Janeiro, que
estabelece o Regulamento Geral dos Planos Territoriais, Urbanísticos e
Rurais (designado por REPTUR)154.
Analisando a doutrina portuguesa, deparamo-nos com algumas
opiniões críticas, dentre elas, Jorge Miranda ao alegar que «Não teria sido
preferível fundir as duas figuras, encarando o plano de situação como
um prius face ao plano de afetação, fazendo integrar neste o conteúdo
do primeiro? A solução prevista legalmente aponta no sentido inverso,
determinando que “os planos de afetação devem ser compatíveis ou
compatibilizados com o plano de situação, logo que aprovados, automaticamente integrados nestes” (art.º 7.º, n.º 3, da Lei n.º 17/2014, de 10 de
Abril, que estabelece as bases da Política de Ordenamento e de Gestão do
Espaço Marítimo, o legislador português)»155.
Do seu lado, Francisco Noronha entende que «foi intenção do legislador, ao menos no que concerne aos planos de afetação, fazer deles planos
de natureza regulamentar e munidos de eficácia plurisubjetiva, e como
tal, diretamente impugnáveis pelos particulares em sede jurisdicional»156.
No que respeita ao procedimento de formação dos instrumentos de
ordenamento caberá às autoridades competentes elaborar e aprovar os
planos de uma área e/ou volumes de espaço da zona do espaço marítimo,
bem como sujeitá-la a uma avaliação durante a sua execução no território
marítimo.
Enfim, no devido momento, deverá procurar-se esclarecer todas a
questões relativas ao regime aplicável aos instrumentos de planeamento
do ordenamento do espaço marítimo nacional, isto é, a forma do acto de
154
Artigo 1.º do Decreto n.º 2/06, de 23 de Janeiro; SILVA, Águeda – Planeamento territorial – a coordenação de intervenções – âmbito regional e nacional in Oliveira, Fernanda
Paula (coord.) – Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território, p. 79-97.
155
MIRANDA, João, op. cit., p. 15; igualmente do autor, Ordenamento do espaço
marítimo.
156
NORONHA, Francisco, op. cit., p. 32; BECKER-WEINBERG, Vasco; MARTINS, Rosa,
op. cit., p. 288.
95
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
aprovação dos planos ou recorrer-se da experiência da formação de planos
territoriais e incorporando nos instrumentos de planeamento do espaço
marítimo os regimes dos planos sectoriais157 ou planos especiais 158.
24.2. A utilização do espaço marítimo nacional
O instrumento do sistema de ordenamento e gestão marítima incide
sobre a utilização de todo o espaço oceânico nacional, na perspectiva
da sua valorização e salvaguarda em articulação com os demais
vectores, principalmente, a preservação e o exercício das actividades
económicas, com vista a contribuir para o desenvolvimento económico
sustentável159.
Aqui, podemos equivaler a terminologia «espaço marítimo nacional»
com o termo técnico «espaços marítimos sob soberania e jurisdição
nacionais» acolhido pelo art.º 3.º da Lei n.º 14/10; este artigo deixa
evidência de que o melhor será o legislador avançar mais em termos
substanciais, optando por «ordenamento e gestão dos espaços marítimos
sob soberania e jurisdição nacional»160.
Cabe ao legislador decidir se inclui, ou não, neste diploma, disposições
sobre o exercício de actividades e sobre a articulação entre atribuição
dos títulos de utilização privativa com outros procedimentos. Podemos
distinguir dois tipos de utilização: a utilização geral ou comum dos
bens de domínio público reconhecido a todos cidadãos ‒ consequência
do respaldo das alíneas a), b) e f), do n.º 1, do art.º 95.º da Constituição,
Constantes dos artigos 40.º a 45.º do Decreto n.º 2/06, de 23 de Janeiro.
Constante dos artigos 46.º a 51.º do Decreto n.º 2/06, de 23 de Janeiro.
159
O n.º 2, artigo 1.º da Lei n.º 17/2014, de 10 de Abril (a Lei de Base do Ordenamento
do Espaço Marítimo portuguesa) estabelece que «A política de ordenamento e de gestão
do espaço marítimo nacional define e integra as ações promovidas pelo Estado português,
visando assegurar uma adequada organização e utilização do espaço marítimo nacional,
na perspetiva da sua valorização e salvaguarda, tendo como finalidade contribuir para o
desenvolvimento sustentável do País». BECKER-WEINBERG, Vasco; MARTINS, Rosa – A
Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional. In
GARCIA, Maria Glória; CORTÊS, António; ROCHA, Armando (coord.) – Direito do Mar:
novas perspectivas, p. 274.
160
A este respeito vide a posição critica de NORONHA, Francisco, op. cit., p. 26.
157
158
96
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
art.º 14.º, als. a), b), c) e k), da Lei n.º 18/10, e o art.º 23.º, n.º 3, da Lei
n.º 6/02 ‒, e a utilização ou uso privativo dos bens de reservas parciais de
integração do domínio marítimo, nos termos das als. a), b) e c), do n.º 7, do
art.º 27.º da Lei de Terras e Decreto Presidencial n.º 232/11, por pessoas
singulares ou colectivas. Esta matéria tem que ser conjugada com a Lei
n.º 6/02, de 21 de Junho, Lei de Água (LA), que prevê a utilização privativa
dos recursos hídricos (art.º 24.º e seguintes).
Considerando a gestão integrada, o desenvolvimento dos recursos
hídricos e, simultaneamente, a sua protecção e conservação, o legislador
consentiu (na Lei de Água) a determinados sujeitos o uso privativo para
a produção de energia, reprodução de espécies piscícolas ou de outros
recursos aquáticos, a localização das obras hidráulicas a construir, o
volume de água concedido e os fins e actividade a que se destina (art.º 25.º
da Lei de Águas). Entre linhas, aqueles que beneficiam do uso privativo
gozam de um exclusivo que lhes confere o direito de privar qualquer outra
pessoa de utilização da parcela que se encontra onerada com uma servidão
administrativa (arts. 12.º, n.º 5 e 31.º da LA)161.
A regra do direito angolano para utilização privativo de recursos
hídricos é a de que o beneficiário da concessão, ou licença, deve obrigatoriamente requerer o registo no prazo de três meses a contar da data da
outorga do direito de uso, para efeitos em relação a terceiros (art.º 12.º,
n.ºs 3, 4 e 5). Uma vez adquirido o direito de utilização privativo, convém
ao seu titular fazer o uso que for determinado no título, podendo este ser
revisto nos termos a serem estabelecidos e ser sujeito a um conjunto de
deveres a ser enunciado por Lei.
Com vista a evitar duplicidade de interpretação, supomos que o legislador perfilha o mesmo critério adoptado na Lei, n.º 6/02 para distinguir
as utilizações sujeitas à concessão da licença, na medida em que o título
de concessão constitua ex novo na esfera jurídica do titular de direito de
161
Sobre o uso privativo de bens do domínio público, vide CAETANO, Marcello, op. cit.,
p. 937 e ss.; Sobre a problemática da utilização dos bens do domínio público por particulares
e sobre a sua utilização privativa, vide LEITÃO, Alexandra – A utilização do domínio público
hídrico por particulares. In MIRANDA, João [et tal.] (coord.) – Direito da Água , pp. 183
e ss.; GUERREIRO, Sandra Cristina Pereira – A natureza jurídica do direito de utilização
privativa do domínio hídrico: entre o direito obrigacional e o direito real administrativo. In
MIRANDA, João [et tal.] (coord.) – Direito da Água, pp. 227 e ss.
97
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
utilização privativo e não podendo afectar os usos comuns preexistentes
ou direitos de terceiros162.
Não podemos deixar de destacar a gravidade cometida pelo legislador
ao decretar, na epígrafe do art.º 7.º do Decreto Presidencial n.º 232/11, o
«regulamento de concessão de orla costeira» e, depois, ditar, no seu corpo,
que «a concessão dos direitos fundiários faz nos termos do arts. 81.º a 93.º
do Decreto 58/07, de 13 de Julho, Regulamento Geral de Concessão de
Terrenos». O direito fundiário de que os artigos em remissão se ocupam
trata-se do direito de ocupação precária, constituída por contrato de
arrendamento celebrado por tempo determinado, e destina-se a terrenos
a utilizar temporariamente e aqueles em relação aos quais se revele inconveniente a criação de direitos fundiários duradouros (art.º 40.º da LT e 81.º
do citado Decreto).
Verifica-se discórdia na forma de aquisição da orla costeira, visto que
a concessão e contrato de arrendamento são formas distintas para constituição de um direito: o primeiro é regido no âmbito do Direito Público e
o segundo pelo Direito Privado. Contudo, de destacar que o único direito
fundiário em que a celebração do negócio jurídico é transmitida ou constituída pelo contrato especial de concessão é o direito de superfície (al. d),
do n.º 1, do art.º 46.º da LT).
Ainda há questão do prazo: o direito de ocupação precária tem por
prazo não superior a um ano, renovado por período sucessivos (art.º 55.º,
n.ºs 1, al. e) e 2 da LT) e, em regra, as concessões dos recursos hídricos são
outorgadas, temporariamente, por um período de 50 anos, passíveis de
renovação (art.º 51.º da LA)163.
162
Por se tratar da utilização privativa de bens do domínio público, entende-se que
o particular não deixa de prosseguir um interesse público, no sentido em que vai exercer
um direito preexistente que está dependente da atribuição de um novo direito que é mais
coadunável com o regime da concessão e menos com o regime da licença. Esta licença tem
que ver com situações que, no fundo, vão remover o obstáculo para a realização de uma
actividade normalmente proibida ou permitida. Sobre esta matéria, vide MONIZ, Ana Raquel
– O domínio público: o critério e o regime jurídico da dominialidade , pp. 467 e ss.
163
Nos termos do artigo 55.º n.ºs 1, al. d) e 2, da Lei de Terras, o contrato especial de
concessão de direito de superfície «tem por prazo não superior a 60 anos, renovado por
períodos sucessivos se nenhuma das partes o tiver denunciado no tempo e pela forma convencionados ou se não ocorrer nenhuma causa de extinção prevista na lei».
98
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
Não obstante, reconhece o legislador que, ao abrigo do disposto na
Lei de Terra, não implica a aquisição, por acessão ou por outro modo de
aquisição, de qualquer direito sobre outros recursos naturais (2.ª parte do
n.º 4, do art.º 10.º). Assim, atendendo a que os bens integrados no domínio
público hídrico são regidos pela Lei de Águas e pelo seu Regulamento
(Decreto Presidencial n.º 82/14, de 21 de Abril), e a orla costeira, parte
integrante deste domínio, particularmente do domínio marítimo,
perfilhamos que, na falta de uma lei de ordenamento e gestão do espaço
marítimo de jurisdição nacional, a sua aquisição por concessão deve ser
em conformidade com o disposto nos diplomas mencionados.
25. Fases fundamentais do processo de ordenamento marítimo
O ordenamento do espaço marítimo é definido como um processo
de decisão coerente, transparente, sustentável e fundamentado, no qual
os órgãos públicos planificam, avaliam, implementam e monitorizam a
forma como os usos e actividades humanas se distribuem no tempo e no
espaço nas zonas marinhas para alcançar o desenvolvimento económico,
ecológico e social164.
Este processo de ordenamento deverá ter em conta as interacções
terra-mar e promover a cooperação intersectorial. Todos os interessados
devem ser envolvidos no processo de ordenamento do espaço marítimo
desde a primeira fase (planificação). Tal é indispensável para procurar
sinergias e desenvolver a inovação e para clarificar os objectivos e
benefícios do processo. Outrossim, é indispensável a abertura de debate
entre os diversos sectores de actividades, de modo a identificar os conflitos
e encontrar uma forma de coexistência.
O processo de ordenamento do espaço marítimo deve ser dirigido por
uma única entidade administrativa (a denominar de Agência Nacional
Marítima), que lhe competirá definir responsabilidades e encorajar a
interacção entre departamentos ministeriais que prosseguem atribuições
envolvendo actividades desenvolvidas no mar, e não apenas entre estes,
mas também entre entidades privadas. Tal não implicará necessariamente
164
Artigo 3.º, n.º 2, da Directiva 2014/89/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de
23 de Julho de 2014, que estabelece um quadro para o ordenamento do espaço marítimo.
99
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
a criação de uma nova entidade – a agência congregará todas representações dos ministérios e institutos públicos com actividades ligadas ao
mar com vista a atingir os objectivos de governação traçados para o sector
marítimo, garantir que os planos de ordenamento marítimo se baseiem em
dados fiáveis e evitar cargas administrativas adicionais. Um ordenamento
marítimo eficaz exige o desenvolvimento de uma visão conjunta baseada
em interesses nacionais.
O ordenamento do espaço marítimo deve processar-se no respeito do
direito internacional do mar. Para garantir a eficácia jurídica do ordenamento do espaço marítimo nacional, há que assegurar a cooperação
interministerial e clarificar as competências administrativas. Uma zona
económica exclusiva oferece condições mais favoráveis para uma aplicação
mais eficiente do ordenamento do espaço marítimo, na medida em que
facilita a execução deste.
Para elaborar um plano de ordenamento do espaço marítimo, os instrumentos utilizados podem ser juridicamente vinculativos ou de natureza
mais indicativa. É essencial definir claramente quem fica vinculado pelo
plano, ou seja, agentes económicos, autoridades públicas, público em
geral165.
Os indicadores a definir na fase inicial do processo devem ter por
base as estruturas ao nível nacional, provincial, municipal e comunal.
Os sistemas de monitorização devem ter devidamente em conta que os
processos naturais do meio marinho e as diferentes utilizações do espaço
marinho têm escalas espaciais e temporais diferentes.
A transparência é uma condição sine qua non da responsabilidade
e legitimidade. É necessário identificar todos os decisores e partes
interessadas pertinentes e garantir que todas as fases do processo sejam
compreensíveis. As expectativas ligadas ao processo de tomada de decisão
devem ser devidamente consideradas e os motivos subjacentes às decisões
tomadas no âmbito do processo devem ser comunicados e justificados
perante as partes interessadas pertinentes.
165
100
Idem.
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
26. Participação pública no ordenamento marítimo
A elaboração de um quadro para o ordenamento do espaço marinho
deve ser constituída através do processo de discussão pública (por debates
intensos e participação de todos os interessados), ao nível nacional,
abrangendo particulares interessados e vários sectores marítimos,
a fim de buscar uma solução harmonizadora e que contribua para a
Estratégia Nacional para o Mar, conciliando as questões ambiental e
económica.
A participação pública166 é um dos princípios centrais da matéria
marítima e a sua inclusão no processo de ordenamento marítimo é o
corolário do artigo 52.º da Constituição, preceituando, nesta conformidade, o art.º 27.º do Decreto Presidencial n.º 82/14, de 21 de Abril,
em que a «Atribuição de título de utilização dos recursos hídricos, que
careçam de estudo de impacto ambiental, fica obrigatoriamente sujeita à
auscultação pública prévia».
O exercício do direito à informação e do direito à participação, para o
regime jurídico aplicável à elaboração, alteração, revisão e suspensão dos
planos de OEM, deve conter mecanismos que contribuam para o reforço da
participação cívica de todos os particulares (interessados ou não), quanto
às causas da degradação do meio marinho e o contributo para a melhoria
do mesmo. Subjectivamente, o direito de participação deve estender-se
aos ministérios que tutelam os sectores de actividades desenvolvidas no
espaço marítimo, aos municípios interessados e às associações científicas,
profissionais, sindicais e empresariais com interesses nas actividades
desenvolvidas no mar167.
Posto isto, e tendo presente as noções gerais sobre o instituto de
ordenamento marítimo nacional, perceber-se-á que a lei poderá vir a
exigir a participação mínima das autoridades na fase do planeamento
166
No ordenamento jurídico interno angolano verifica-se a ausência de um diploma
que regule o acesso à informação e participação nas decisões tomadas em matéria de
interesse público, bem como do direito de recurso, caso estes direitos não sejam respeitados.
Contrariamente à Lei n.º 1/17, de 23 de Janeiro, Lei de Imprensa, que estabelece os princípios
gerais orientadores da Comunicação Social e regula as formas de Exercício da Liberdade de
Imprensa.
167
Neste sentido, NORONHA, Francisco, op. cit., p. 37.
101
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
e permitir uma margem de liberdade de prazo para que os diplomas
complementares168 se adaptem à realidade concreta.
É fundamental a participação pública na fase do planeamento,
envolvendo o máximo possível não apenas de indivíduos com interesses
específicos, mas também a análise das condições existentes e futuras, por
exemplo, conflitos a constatar na área que será objecto de OEM169.
Em cumprimento do princípio da transparência no processo de
ordenamento do espaço marítimo, os resultados da participação deverão
estar disponíveis para consulta, a fim de que os participantes tenham
oportunidade de analisar os resultados; mais importante do que uma
resposta, será haver uma explicação quanto ao porquê de se ter seguido
ou não determinada proposta surgida em sede de participação pública.
27. Conflitos de uso ou actividades dos meios marinhos
Os conflitos de uso ou actividades no espaço oceânico sucedem
quando estiver em causa uma modulação dúplice, ou seja, conflitos entre
utilizadores particulares (user-user conflicts) e entre o ambiente marinho
(user-environment conflicts)170. Outrossim, a possibilidade do aparecimento
de conflitos mistos, i. e., quando os usos ou actividades desenvolvidos por
particulares, no mesmo espaço marítimo, são em si incompatíveis e, simultaneamente, se mostram, ambos ou um deles, potencialmente prejudiciais
para a protecção e conservação do ambiente marinho171.
168
Por exemplo, diplomas que definem os instrumentos de acompanhamento permanente e de avaliação técnica do ordenamento do espaço marítimo nacional; o regime jurídico
aplicável à elaboração, alteração, revisão e suspensão dos instrumentos de OEM; o regime
jurídico aplicável aos títulos de utilização privativa do espaço marítimo nacional e o regime
económico e financeiro associado à utilização privativa do espaço marítimo nacional; a regulamentação dos meios de financiamento das políticas de ordenamento e de gestão do espaço
marítimo nacional. Nesta conformidade, o art.º 30.º Lei n.º 17/2014, de 10 de Abril estabelece
as bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo português (LBOGEM).
169
Sobre a participação pública no Ordenamento do Espaço Marítimo, vide RONCHA,
Inês Maria da Cunha – O direito de participação pública na tomada de decisão sustentável [em linha], pp. 64 a 101. Disponível para consulta em: https://estudogeral.sib.uc.pt/
handle/10316/29916?mode=simple.
170
DOUVERE, Fanny; EHLER, Charles N., op. cit., p. 77.
171
NORONHA, Francisco, op. cit., nota 88, p. 35.
102
ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
Com efeito, alguma doutrina entende que os instrumentos de ordenamento do mar devem equacionar três níveis de ordenamentos horizontais
sobrepostos que, em simultâneo, devem ser cruzados verticalmente nas
várias dimensões que abrangem172.
Tendo em conta que estão em causa bens dominiais ambientalmente
sensíveis, é exigido do titular da concessão ou licença de utilização de
determinado espaço marítimo que adapte medidas necessárias para a
obtenção e manutenção do bom estado ambiental do meio marinho da
zona que lhe for atribuída. Normalmente, essa zona é definida por menção
ao uso que dela se pretende fazer do espaço. Destarte, trata-se de uma
obrigação plena na abordagem ecossistémica concebida como princípio
do ordenamento da e gestão do espaço marítimo.
Há que se estabelecer critérios para a resolução de conflitos de usos
ou actividades no âmbito da zona marítima coberta por um determinado
plano de afectação ou plano de situação, na eventualidade de surgir
conflitos de usos ou de actividades em que se mostre necessário proceder
à alteração ou revisão do plano.
Para o efeito, primeiramente, há que colacionar a política nacional em
matéria de gestão dos recursos hídricos que visa a igualdade de tratamento
e oportunidade para os intervenientes, a preservação do bem-estar e do
ambiente, a promoção da prática de uso eficiente da água, bem como o
incentivo à iniciativa particular relativa ao uso racional dos recursos hídricos
disponíveis (n.º 1, do art.º 10.º, da LA). Nesta conformidade, a Lei de Água
contempla o critério de subordinação de prioridade dos usos privativos.
Relativamente aos conflitos, dispõe esse diploma que «[…] são resolvidos em função da rentabilidade socioeconómica e impacto ambiental
dos respectivos usos (n.º 3, do art.º 33.º)». Quanto aos conflitos resultantes
de uso ou actividades no mar, em nossa opinião, deve-se optar pelo critério
de subordinação, na medida em que está subjacente a resolução dos
interesses sociais, económicos e ambientais, justamente para a prossecução do desenvolvimento sustentável173.
DELGADO, Joana Albernaz, op. cit., p. 181; NORONHA, Francisco , op. cit., p. 36.
O legislador português optou pelos critérios de preferência a maior vantagem social e
económica para a resolução de conflitos de usos e actividades que surjam no âmbito de áreas
ou volumes cobertos por um determinado plano de afetação, artigo 11.º da Lei n.º 17/2014,
de 10 de Abril.
172
173
103
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Portanto, o ordenamento do espaço marinho surge para gerir os
conflitos resultantes da crescente necessidade de utilização do espaço
oceânico, no intuito de proteger e conservar os ecossistemas, bem como
prevenir mecanismos claros e consensuais para a sua resolução.
104
Capítulo III
Governança no espaço marítimo nacional
SECÇÃO I
Coordenação nas utilizações dos sectores ligados ao mar
28. Razão de ordem
Qualquer forma de governação no espaço nacional deve ter em conta
os princípios circunscritos na ordem interna e na ordem internacional.
Uma política marítima incluindo a Região do Golfo da Guiné e a zona da
corrente fria de Benguela deverá visar o crescimento e a criação de mais
e melhores postos de trabalho, contribuindo assim para uma economia
marítima nacional forte, em expansão, competitiva e sustentável, em
harmonia com o meio marinho. Deverá proporcionar uma maior previsibilidade para o sector e outros interessados e uma abordagem mais eficaz
em matéria de conservação dos recursos marinhos.
Para tanto, é necessário coordenar e integrar as políticas sectoriais,
através de trabalho conjunto para obter resultados positivos – pensamos
nós que a melhor forma seria examinar a possibilidade de se criar um
grupo de trabalho horizontal em que os interessados são convidados a
expor as suas preocupações, bem como as suas sugestões de melhoramento em matéria marítima.
105
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Tais sugestões estão patentes na CNUDM que fomenta os Estados a
regulamentar o uso dos espaços marítimos e de seus recursos a partir
de mecanismos de governança, pautados por regimes de cooperação e
integração das políticas do sector marítimo. Porém, a doutrina defende
que a governança (no espaço marítimo) vai além de actividades esteadas
em autoridades, com apoio em determinado poder de polícia de natureza
administrativa e com o respectivo comando do Estado, que objectiva
efectivar as políticas que são regularmente institucionalizadas174.
Portanto, das responsabilidades ref lectidas nas disposições das
convenções internacionais, de que Angola é signatária, nomeadamente
na Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no
Mar (SOLAS 1974) e no respectivo protocolo de 1978175, Convenção
Internacional sobre Padrões de Formação, Certificação e de Serviço de
Quartos para os Marítimos, 1978176, Convenção Internacional sobre a
Cooperação e Combate Contra a Poluição para Hidrocarboneto (OPRC
1990)177, Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil pelos
Prejuízos devidos à Poluição Hidrocarbonetos (CLC 1992)178, Convenção
Internacional para Constituição de um Fundo Internacional para a
Compensação pelos Prejuízos devidos a Poluição Hidrocarbonetos
(FUND PROT 1992 ou FUND 1992)179, Convenção Internacional sobre a
Prevenção da Poluição por Navios e Protocolo (MARPOL 73/78) e anexos
174
ROSENAU, James N. – Governance and democracy in a globalizing world. In
ARCHIBUGI, Daniele; HELD, David; KÖHLER, Martin (eds.) – Re-imagining Political
Community, p. 30 ss.
175
Convenção n.º 1/12, de 19 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 242, adesão aprovada pela Resolução n.º 11/89, Diário da República n.º 20 de 27 de Maio.
176
Convenção n.º 3/12, de 21 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 244, adesão aprovada pela Resolução n.º 11/89, Diário da República n.º 20 de 27 de Maio.
177
Convenção n.º 7/12, de 26 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 246, adesão aprovada pela Resolução n.º 33/01, Diário da República n.º 51 de 9 de
Novembro.
178
Convenção n.º 8/12, de 26 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 246, adesão aprovada pela Resolução n.º 32/01, Diário da República n.º 50 de 1 de
Novembro.
179
Convenção n.º 10/12, de 26 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 246, adesão aprovada pela Resolução n.º 31/01, Diário da República n.º 49 de 26 de
Outubro.
106
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
(I, II, III, IV e V)180, Convenção Internacional sobre a Intervenção em Alto
Mar em caso de Acidentes que causem Poluição por Hidrocarbonetos, tal
como emendada em 1973 e 1991 (INTERVENTION 1969)181, Convenção
para Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e outras
Matérias (LC 1996)182 e Convenção Internacional sobre a Responsabilidade
e Indemnização Relacionadas com o Transporte Marítimo de Substancias
Perigosas e Tóxicas (HNS 1996)183, emerge obrigações importantes para
gerar vontade política, desejável para a implementação da estratégia,
e desafios a serem enfrentados pela decisões de governança no espaço
oceânico nacional com vista a equacionar, máxime, os conflitos de actividades que impactam no meio ambiente marinho.
Em resumo, no presente capítulo, em particular nesta secção, focar-nos-emos nas medidas de coordenação interna dos assuntos ligados
aos oceanos, que visam constituir uma estrutura destinada a promover
a integração da política marítima, a protecção e preservação do meio
marinho, levando em consideração que o desenvolvimento sustentável
passa necessariamente, para além da partilha geográfica, pelos desafios
comuns de natureza diversa que os Estados da região do Golfo da Guiné
enfrentam.
29. A utilização comum e partilha da informação de vigilância do
domínio marítimo africano
Uma das prioridades a ser catalogada na Estratégia Nacional Marítima
é a harmonização na partilha de informação relativa à vigilância do
180
Convenção n.º 11/12, de 26 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 246, adesão aprovada pela Resolução n.º 41/01, Diário da República n.º 62 de 21 de
Dezembro.
181
Convenção n.º 12/12, de 26 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 246, adesão aprovada pela Resolução n.º 29-A/01, Diário da República n.º 46 de 5 de
Outubro.
182
Convenção n.º 13/12, de 26 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 246, adesão aprovada pela Resolução n.º 22/01, Diário da República Sup. n.º 22 de 11 de
Maio.
183
Convenção n.º 14/12, de 26 de Dezembro, publicado no Diário da República, I Série
n.º 246, adesão aprovada pela Resolução n.º 29/01, Diário da República n.º 46 de 5 de Outubro.
107
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
domínio marítimo africano, essencialmente dos Estados do Golfo da
Guiné184; sendo outra prioridade definir os limites da sustentabilidade
das actividades humanas com impacto no meio marinho, nomeadamente
no âmbito da Estratégia Marítima Integrada de África 2050185, com vista
a basear-se no reconhecimento inequívoco de que, para podermos colher
os resultados desejados, todas as políticas ligadas ao mar devem ser elaboradas de uma forma articulada.
Relativamente à matéria de vigilância marítima, a Comissão do
Golfo da Guiné preconiza os Estados uma coordenação neste sentido, e
recomenda para si um estudo mais profundo dos riscos, desafios e ameaças
ao domínio marítimo da região, através dos mecanismos existentes, tanto
numa perspectiva de segurança como de protecção das actividades realizadas no mar186.
Dentre os mecanismos de vigilância tidos pela Comissão, supomos
que estão inclusos a promoção da cooperação entre as guardas costeiras
dos Estados e os serviços adequados e a promoção da interoperabilidade
do sistema de vigilância, através da congregação dos actuais sistemas de
vigilância e localização utilizados para garantir a segurança marítima, a
protecção do transporte marítimo, a protecção do ambiente marinho, o
184
Os Estados-membros da Comissão do Golfo da Guiné são: República de Angola;
República dos Camarões; República do Congo; República Democrática do Congo; República
do Gabão; República do Gana; República da Guiné Equatorial; República Federal da Nigéria
e República Democrática de São Tomé Príncipe.
185
UNIÃO AFRICANA – Estratégia Marítima Integrada de África 2050 (Estratégia
AIM 2050, p. 7; BERNARDINO, Luís Manuel Brás – A Estratégia Marítima Integrada de
África 2050 – uma nova dimensão para a segurança marítima africana. Revista Militar,
p. 240.
186
Consideram-se riscos e desafios à segurança do domínio marítimo do Golfo da
Guiné: a pesca ilegal, não regulamentada e não declarada; os crimes contra a biodiversidade;
a pirataria marítima; o transbordo ilegal de produtos em alto mar; o roubo de petróleo; o
tráfico de drogas; o tráfico de seres humanos; a imigração ilegal; o despejo de dejectos tóxicos;
disputas pelo alargamento das plataformas continentais dos Estados; a falta de capacidade
de governação dos domínios marítimos nacionais; a falta de coerência legislativa em alguns
dos países da região e a corrupção que afecta os países da região, especialmente a industria
marítima. Paragrafo 10.1 seguintes do Relatório Síntese: do seminário sobre a estratégia
integrada da região do Golfo da Guiné, p. 5; UNIÃO AFRICANA – Estratégia Marítima
Integrada de África 2050 (Estratégia AIM 2050), p. 12.
108
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
controlo das pescas, o controlo das fronteiras externas e outras actividades
de fiscalização no cumprimento da legislação dos países da região187.
O objectivo da vigilância marítima deve pautar-se pela obtenção de um
conhecimento mais fiel das actividades em curso no mar, com atenção para
uma ampla gama de ameaças e vulnerabilidades no Domínio Marítimo da
África (DMA)188, tais como a segurança e protecção dos sistemas de transporte marítimo, o controlo da pesca, os crimes contra a biodiversidade, a
pirataria marítima, o transbordo ilegal de produtos em alto mar, o roubo
de petróleo, o tráfico de drogas, o tráfico de seres humanos, a imigração
ilegal, o despejo de dejectos tóxicos, escassez/má manutenção de instrumentos de ajuda à navegação e levantamentos hidrográficos modernos
e controlo das fronteiras marítimas, de modo a melhorar viabilidade
marítima dos Estados-membros da União Africana (UA)189.
Estas ameaças e vulnerabilidades, segundo Luís Manuel Bernardino,
causaram «uma perturbação crescente no Sistema Político Internacional,
revelando-se uma permanente ameaça transnacional à segurança global,
demonstrando que o factor “segurança no mar” é primordial na consolidação do “desenvolvimento em terra” e que ambos são atualmente
elementos estratégicos no desenvolvimento sustentável no continente
Africano»190.
187
UNIÃO AFRICANA – Estratégia Marítima Integrada de África 2050 (Estratégia
AIM 2050), pp. 13-14; ver também COMISSÃO EUROPEIA – Comunicação da Comissão
ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao
Comité das Regiões: uma política marítima integrada para a União Europeia , p. 5 s; e
COMISSÃO EUROPEIA – Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu:
relativa a um projecto de roteiro para a criação de um ambiente comum de partilha da informação de vigilância do domínio marítimo da EU.
188
UNIÃO AFRICANA – Estratégia Marítima Integrada de África 2050 (Estratégia
AIM 2050), p. 13.
189
A decisão [Assembly/AU/Dec.252(XIII)] adoptada pela 13ª Sessão Ordinária da
Conferência da UA, realizada em Sirte, Líbia, Julho, 2009, encarregou as Organizações
Regionais Africanas e demais interlocutores da África de desenvolverem, coordenarem e
harmonizarem as políticas e estratégias e melhorarem as normas de segurança e da protecção
marítima, bem como a economia marítima para a criação de mais riqueza nos seus mares e
oceanos, garantindo o bem-estar ao povo africano; art.º 4.º da Carta sobre a Protecção e a
Segurança Marítimas e o Desenvolvimento em África (Carta de Lomé).
190
BERNARDINO, Luís Manuel Brás, op. cit., p. 241.
109
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
A mais-valia da integração da vigilância marítima deve consistir
na representação mais fiel que o sector marítimo proporcionará aos
Estados-membros, permitindo a troca de informação e dados entre
os parceiros, aumentando a interoperabilidade organizacional, legal,
técnica e semântica. Abordar este exercício de partilha da informação
numa perspectiva africana propicia um quadro político coerente, que vai
permitir um desenvolvimento sustentável de todas as actividades relacionadas com o mar, e a garantia de uma boa governança marítima (art.º 12.º
da Carta de Lomé).
Analisar este tema é reflectir na filosofia de orientação dos princípios
e valores que inspiraram a Estratégia-AIM 2050191, em que a sua materialização passa pela criação de um sistema especializado para facilitar o
intercâmbio de informações em formato electrónico entre os Estadosmembros; desconhecemos, portanto, as propostas ou recomendações da
Comissão do Golfo da Guiné sobre esta matéria. Abrimos parêntesis para
referir que os Estados-membros da União Europeia estão vinculados a
transpor para a sua ordem interna a Directiva da União, o mesmo não
sucedendo com países africanos, porque não delegaram o poder legislativo
à UA.
No que diz respeito a Angola, foi criado o Sistema Nacional de
Vigilância Marítima (SINAVIM) pelo Decreto n.º 59/09, de 26 de Outubro.
Todavia, urge a necessidade de implementação do Sistema de Vigilância e
Informação que possibilite o intercâmbio de informações marítimas entre
utilizadores autorizados, entre eles a Segurança e Serviços Marítimos,
os armadores, agentes, comandantes, carregadores e outros para quem a
informação do sistema possa ser relevante, tendo em conta a actividade
que desenvolvem no âmbito do sector, pois, tal como refere Damião
Capitão Ginga, «trata-se portanto, de caracterizar os fluxos de tráfego e o
conjunto das actividades desenvolvidas nos espaços marítimos, uma vez
que só se consegue identificar o que é ilícito se existir um conhecimento
profundo do cenário»192.
O SINAVIM é um órgão de coordenação intersectorial liderado pelo
Ministério da Defesa Nacional (através da Marinha de Guerra Angolana),
191
Artigo 4.º do Acto Constitutivo da UNIÃO AFRICANA – Estratégia Marítima
Integrada de África 2050 (Estratégia AIM 2050), p. 14.
192
GINGA, Damião Fernandes Capitão, op. cit., p. 263.
110
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
cuja finalidade é contribuir para o exercício de poderes de soberania
e/ou jurisdição nos espaços oceânicos nacionais (arts. 1.º e 2.º, do Decreto
n.º 59/09). Este sistema tem como objectivo principal integrar, de forma
coordenada, as entidades que exercem as suas actividades no mar com a
finalidade de reforçar a vigilância e monitorização permanente dos espaços
marítimos nacionais. Outros objectivos são o controlo do tráfego marítimo
(Vessel Traffic Services (VTS)193 na zona costeira e portuária, o auxílio e apoio
às operações SAR e a localização de embarcações em perigo de naufrágio
ou zonas de risco.
O SINAVIM constitui-se, fundamentalmente, em duas componentes:
a componente de detecção e a componente de intervenção. A primeira
actua no âmbito da obtenção dos dados e informação sobre as diversas
actividades desenvolvidas no espaço marítimo nacional, por forma a
identificar as actividades ilícitas que põem em causa a vida humana, que
prejudicam o ambiente, os recursos naturais e, sobretudo, que conflituam
com a soberania ou jurisdição do Estado. Já a componente de intervenção
actua no âmbito do exercício de fiscalização e patrulhamento no mar, de
operações SAR ou de repressão das actividades ilícitas no espaço marítimo
nacional194.
30. Importância do meio marítimo para a utilização sustentável dos
nossos recursos marinhos
Um meio marinho saudável é condição sine qua non para que Angola
tire pleno partido do potencial do seu mar. A sua deterioração reduz a
capacidade de os oceanos gerarem rendimento e emprego, afectando
significativamente as actividades económicas e marítimas, entre as quais
193
Idem, os Vessl Traffic Services (VTS) representam a maior importância que tem sido
dada à segurança marítima, quer em termos de security e safety, quer na consciência de
garantir um conhecimento tão completo quanto possível das actividades que têm lugar
nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição dos Estados ribeirinhos, a fim de salvaguardar os interesses nacionais económicos, de segurança e defesa, e de afirmação no quadro
internacional.
194
Tchindele, Daniel Mango – O exercício da autoridade do Estado no Mar: análise do
Sistema de Autoridade Marítima de Angola, proposta de criação de um novo sistema,
p. 76 s.
111
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
o transporte marítimo e os portos, o turismo costeiro e marítimo, a
aquicultura e a pesca.
Conservar um meio marinho saudável significa manter a diversidade
biológica nos níveis de população, de espécies, genéticos e de habitat,
bem como a manutenção dos processos ecológicos que apoiam a diversidade biológica e a produtividade dos recursos [al. g) do art.º 63.º, da Lei
n.º 6-A/04]. Os recursos necessários para um sector das pescas dinâmico
só podem ser assegurados se os níveis das unidades populacionais permitirem uma exploração sustentável195.
A protecção do meio marinho exige uma acção imediata. Para tal, as
políticas das pescas e do ambiente devem ser vistas como parceiros que
lutam por objectivos comuns com base nas ciências biológica e tecnológica,
visando alcançar um bom estado ecológico do meio marinho angolano, a
satisfação das necessidades, em especial alimentares, dos cidadãos, e salvaguardando a possibilidade de satisfação das necessidades das gerações
futuras.
Importa sublinhar que Angola carece de uma estratégica temática para
a protecção do meio marinho, pilar ambiental da futura política marítima,
que será útil para definir os quadros que permitirão reger todas as utilizações do mar nacional, cujo objectivo final consiste na busca de um meio
marinho saudável. A estratégia em questão deve introduzir o princípio
de um ordenamento espacial baseado na gestão dos recursos biológicos,
ecológicos e dos ecossistemas (art.º 64.º, al. a) da Lei n.º 6-A/04).
A introdução deste princípio poderá levar à designação de mais
zonas marinhas protegidas, assegurará a sustentabilidade de longo
prazo dos mananciais biológicos aquáticos e promoverá a sua utilização
óptima, em especial, prevenindo a diminuição da dimensão de qualquer
pescaria abaixo dos níveis que assegurem a renovação sustentável, tendo
em conta os factores ecológicos e económicos [al. h), do art.º 63.º da Lei
n.º 6-A/04].
A política de segurança marítima é uma das preocupações do Governo
angolano que, nos últimos anos, tem vido adoptar medidas de reestruturação da política funcional, legislativa e estratégica em matéria da Defesa
195
Artigos 6.º, n.º 3, al. b), 9.º, al. e) e 63.º al. h) da Lei n.º 6-A/04, de 8 de Outubro, Lei
dos Recursos Biológicos e Aquáticos; Livro Verde, op. cit., p. 11.
112
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
Nacional196. Entende Damião Capitão Ginga que «o conjunto dos objectivos nacionais permanentes no âmbito da Segurança e Defesa não podem
ser resultantes diretos do enunciado geral, simples e vago das finalidades
últimas da actividade política, mas sim do conjunto de interesses nacionais
expressamente sublinhados pelos diplomas jurídico-legais que desenham
os objectivos da Estrutura Superior Segurança e Defesa Nacional»197.
Pelo exposto, percebe-se que o âmago da política marítima nacional
deve procurar uma compreensão mútua e uma visão comum das diferentes
políticas sectoriais marítimas, a fim de alcançar o desenvolvimento
económico marítimo sustentável, que será o principal repto para a futura
política para o mar.
As questões da política de sustentabilidade ambiental são uma
preocupação transversal da Estratégia de Longo Prazo Angola 2025 (ELP
2025)198, que estabelece como objectivo geral assegurar a existência e
manter a qualidade dos recursos da natureza, garantindo o seu uso
saudável para as gerações actuais e futuras, através de um quadro legal e
institucional apropriado e de adequada gestão, envolvendo forte participação da sociedade.
Para a concretização desse objectivo, são definidos como objectivos
específicos: preservar os recursos da biodiversidade; evitar a destruição de
ecossistemas e a descaracterização dos biomas, especialmente aqueles que
são únicos ao País; assegurar o uso sustentável dos recursos renováveis,
respeitando as suas taxas de regeneração; controlar as emissões poluentes
e o lançamento de dejectos, respeitando a capacidade de absorção do
ambiente e impondo regras para a emissão de CO2, de aerossóis e outros
gases tóxicos, minimizar os impactos ambientais causados pela exploração
do petróleo, diamantes, gás natural e outros recursos não-renováveis;
adoptar um conjunto de leis e edificar instituições que garantam o
respeito dos recursos naturais, enquanto bens públicos necessários ao
desenvolvimento económico e ao bem-estar da população angolana.
196
Nesta conformidade, Decreto Presidencial n.º 108/18, de 25 de Abril que aprova o
Livro Branco de Defesa Nacional.
197
GINGA, Damião Fernandes Capitão, op. cit., p. 177.
198
ANGOLA. Ministério da Economia e Planeamento – Plano de Desenvolvimento
Nacional 2018-2022. Vol. I, pp. 180. Disponível para consulta em: https://www.info-angola.
com/attachments/article/4867/PDN%202018-2022_MASTER_vf_Volume%201_13052018.
pdf.
113
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
De igual forma, a política ambiental procura respeitar os objectivos
da Agenda 2063 da UA, em particular: o Desenvolvimento da Economia
Azul para um crescimento económico acelerado para o qual são definidas,
como áreas prioritárias, os recursos marinhos e a energia e as operações
portuárias e o transporte marítimo; as comunidades e economias ambientalmente sustentáveis e resilientes aos factores climáticos, cujas áreas
prioritárias compreendem a gestão sustentável de recursos naturais; a
conservação da biodiversidade; os recursos genéticos e ecossistemas;
padrões de consumo e produção sustentáveis; a segurança da água, a resiliência climática; a prevenção e resposta a desastres naturais e as energias
renováveis199.
Relativamente às actividades humanas que possam gerar risco ou danos
ambientais marinhos, como a generalidade das actividades industriais,
afirmam expressamente António Cortês e Armando Rocha que «a solução
passará, antes, pela busca criativa de soluções responsáveis que permitam
conjugar a exploração e recursos naturais marinhos com a subsistência
desse ecossistema específico, ou, numa linguagem jurídica, que permitam
a concentração dos princípios da protecção e preservação do ambiente
marinho e da liberdade de exploração dos recursos naturais marinhos»200.
Em larga medida, para os referidos autores, os desafios da protecção
jurídica do ambiente marinho prendem-se com a expressa incerteza que
existe em relação à identificação e quantificação dos efeitos da acção
humana, ao momento em que esses efeitos se farão sentir, e ao local onde
se manifestarão201.
Por fim, atendendo a que a maior parte das zonas marítimas angolanas
e os seus recursos ainda não foram descobertos e explorados, reiteramos
que, para se estabelecer elos entre diferentes políticas do sector marítimo,
é essencial, antes, explorar plenamente a avaliação e identificação dos
riscos da acção humana na elaboração da política marítima com vista
à protecção, preservação e utilização sustentável dos nossos recursos
marinhos.
199
Idem.
CORTÊS, António; ROCHA, Armando – O princípio de protecção do ambiente
marinho na ordem jurídica global. In GARCIA, Maria da Glória [e tal.] (coord.) – Direito do
Mar: novas perspectivas, p. 38.
201
Idem, p. 39.
200
114
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
31. A articulação de uma estratégia angolana para o Mar
A Estratégia Nacional para o Mar (ENM) constitui um instrumento
político fundamental para que Angola possa proteger e valorizar o
inestimável recurso marinho existente nas águas marinhas nacionais,
respondendo, simultaneamente, aos desafios internacionais e promovendo
os objectivos do sector marítimo.
A posição geoestratégica do espaço marítimo e a dimensão da costa
marítima sob soberania e/ou jurisdição nacional impõem importantes
desafios e responsabilidades nas áreas da defesa nacional, segurança e
vigilância marítima, imigração ilegal, pesca ilegal (não regulada e não
declarada), tráfico de drogas, crimes contra a biodiversidade, mas encerra,
também, um conjunto de oportunidades de desenvolvimento económico
que importa aproveitar.
Sugere-se que a ENM seja implementada através de um diálogo com
todas as partes interessadas e orientada para a acção, coordenação e articulação, clarificando, simplificando e acelerando os procedimentos para os
agentes económicos, tendo por base uma informação técnico-científica
sólida, bem como o respeito dos princípios e acordos internacionais
assumidos por Angola.
A definição das acções e medidas prioritárias da Estratégia Nacional
para o Mar dá sequência ao trabalho que Angola tem vindo a fazer a nível
nacional e internacional202. A mais-valia para a estratégia será a abordagem
integrada da governação dos assuntos do mar, que congregue os esforços
das diferentes tutelas, dos agentes económicos, das comunidades
científicas, das organizações não governamentais e da sociedade civil,
co-responsabilizando todos os actores para o aproveitamento do mar como
factor diferenciador do desenvolvimento económico e social, valorizado e
preservando este património.
202
Serve de referência a algumas actividades realizadas, o seminário sobre a Estratégia
Marítima Integrada da Região do Golfo da Guiné, realizada em Luanda, nos dias 23, 24 e
25 de Julho de 2019; Workshop sobre Formulação de uma Estratégica Marítima Nacional,
realizado , nos dias 15 e 16 de Novembro de 2018 e Conferência Internacional sobre a
Segurança Marítima e Energética, realizada em Luanda, nos dias 7 e 8 de Outubro de 2015;
a subscrição de Angola, em 2015, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
115
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Convém tornar bem claro que esta estratégia não é a solução para todos
os problemas e que só poderá alcançar os seus objectivos se o mar for
considerado por todos como um verdadeiro projecto nacional. O Estado
tem um papel facilitador e promotor de condições de desenvolvimento
económico e social, mas o papel principal na concretização dos objectivos
que são a razão de ser desta ENM cabe às empresas e à sociedade civil.
«A obtenção de resultados tangíveis só será perceptível em alguns casos a
médio e longo prazo, exigindo por isso uma aposta rápida, mas persistente
nas áreas ligadas à educação, capacitação de meios humanos, criação e
optimização de infra-estruturas e investigação e desenvolvimento»203.
É necessário ter presente que a realidade económica e financeira actual
terá travado o processo de reestruturação da Administração Pública em
curso e os recursos nacionais disponíveis, condicionando a ENM a ser
orientada por uma abordagem ambiciosa, mas realista, assumindo um
carácter prático e exequível, inclusivo, envolvendo as entidades públicas
e privadas ligadas ao mar, bem como toda a sociedade civil, reforçando a
vontade de participação responsável e de cooperação na resolução activa
dos problemas.
Sugere Damião Capitão Ginga que «Para a materialização e elaboração de uma Estratégia Marítima Angolana deverão ser ponderados
todos elementos relativos a dimensão marítima interna (infra-estruturas,
políticas públicas, etc.), tornando-se então fundamental que o tratamento
seja feito de maneira transversal e integral dos diversos assuntos e actividades que concorrem na edificação do sector marítimo»204.
A necessidade deste instrumento é sentida em áreas onde existe
sobreposição de jurisdição e competências de várias autoridades que, em
acréscimo, se encontram divididas pelos vários níveis da administração
local, regional e central, sendo particularmente evidente nas áreas de
interface entre mar e terra205.
Todavia, é necessário apontar os principais caminhos e criar uma
estrutura de coordenação dos assuntos do mar que se adeque a um país em
203
Estas observações também constam na Estratégia Nacional para o Mar (2006-2016),
publicado pelo Ministério Defesa Nacional, p. 7.
204
GINGA, Damião Fernandes Capitão, op. cit., p. 360.
205
Questões debatida no Workshop sobre Formulação de uma Estratégica Marítima
Nacional, realizada, nos dias 15 e 16 de Novembro de 2018.
116
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
aprendizagem na matéria, com possibilidade de aproveitar todo o potencial
que o seu mar encerra, para a geração presente e para as gerações futuras.
De destacar que o objectivo central a atingir com a Estratégia Nacional
para o Mar deve ser o de aproveitar melhor os recursos do oceano nacional
e suas zonas costeiras, promovendo o desenvolvimento económico e social
de forma sustentável e respeitadora do ambiente, através de uma coordenação eficiente, responsável e empenhada que contribua activamente para
a Agenda Internacional dos Oceanos.
Um objectivo com este alcance deve adoptar-se como um projecto
nacional que conjugue e valorize o crescimento das actividades económicas,
o emprego e a coesão social, contribuindo para a melhoria da qualidade
de vida dos angolanos, para o respeito, a protecção e a manutenção do
património natural e cultural e das condições ambientais para as gerações
vindouras, alicerçado em valores e princípios globais reconhecidos no seio
das Nações Unidas, da União Africana e noutros fora internacionais.
Face ao enquadramento nacional e internacional, a formulação da ENM
dará prioridade ao desenvolvimento de conhecimento, competências e
ferramentas de gestão partilhada que permitam abordar as causas dos
problemas e não apenas os seus sintomas. Para isso deve-se criar uma
estrutura de coordenação dos assuntos do mar que promova a articulação
de políticas, a definição de rumos estratégicos, a clarificação de áreas
de acção e competências, acrescentando valor aos objectivos sectoriais,
fazendo que o resultado global seja mais do que a soma dos resultados
meramente sectoriais206.
Dado o seu carácter horizontal, a implementação da ENM exige
para além das responsabilidades de cada organismo competente a nível
sectorial, a criação de uma estrutura de coordenação que assegure a
necessária coerência das acções, promovendo a complementaridade das
políticas sectoriais e criando mecanismos de valorização dos objectivos
partilhados e incentivos a acções conjuntas. É fundamental que a estrutura
de coordenação a criar apoie o Ministério das Relações Exteriores, contribuindo eficazmente para a preparação das posições angolanas a apresentar
nos diversos fora internacionais, de forma a maximizar a articulação e
coerência de acção de Angola.
206
Estratégia Nacional para o Mar (2006-2016), op. cit., p. 11.
117
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Em suma, na situação actual, é necessária uma política de racionalização
e qualificação dos recursos humanos disponíveis, importando, desde logo,
considerar todos os agentes relevantes como recursos humanos necessários ao desenvolvimento da ENM. Bem assim, a Estratégia Nacional
para o Mar não pode ser implementada, tendo em conta a inoperância
do sistema integrado de vigilância, a falta de meios que possibilitem uma
eficaz e articulada vigilância marítima, a salvaguarda contra riscos do meio
marinho e ameaças aqui invocadas.
32. Medidas de segurança e defesa no espaço marítimo nacional
A defesa nacional corresponde a um conceito alargado e multissectorial, resultado da sua natureza, conforme expresso no art.º 206.º da
Constituição e art.º 1.º da Lei n.º 2/93, de 26 de Março, Lei de Defesa
Nacional e das Forças Armadas. Assim, a defesa surge como um conjunto
de medidas e de actividades que contribuem para assegurar que uma dada
sociedade possa responder com eficácia e presteza às ameaças e aos riscos207.
O mar nacional tem sido palco de desenvolvimento de actividades
criminosas e ilícitas, que minam a segurança e estabilidade nacional.
Esta situação é fomentada pela incapacidade de garantir a salvaguarda
da soberania e/ou jurisdição do imensurável espaço marinho contra as
ameaças e riscos decorrentes no mar. Da amplitude destas ameaças e
riscos derivam os elementos que devem contribuir para a capacitação e o
robustecimento da segurança e defesa.
Apesar da restruturação, do redimensionamento e reequipamento
feito no quadro das Reformas do Sector de Segurança, das Reformas
do Sector da Defesa, sobretudo, na Marinha de Guerra Angolana, essas
reestruturações ainda são insuficientes, por falta de capacidade técnica e
de recursos humanos devidamente habilitados e capacitados nas unidades
navais, o que representa uma das maiores vulnerabilidades na segurança
e defesa do espaço marítimo nacional, bem como um fracasso frente aos
desafios e objectivos da Estratégia Nacional para o Mar.
207
DUARTE, António Paulo [et al.] – Documento de apoio: referencial de educação
para a segurança, a defesa e a paz: as Forças Armadas e as forças e serviços de segurança,
p. 4.
118
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
Reconhecemos que a defesa no espaço marinho só funcionará se a sua
capacidade for assegurada pelo poder dissuasório, visando garantir uma
resposta atempada e eficaz aos riscos e ameaças. Por conseguinte, esta
constatação é intrínseca à ideia de defesa: quanto maior for a capacitação
dos meios que podem e devem responder às ameaças e riscos, mais eficaz
será a resposta que darão, garantindo a celeridade e o menor dispêndio de
cada intervenção208.
Para alguns autores209. um país como Angola, que se posiciona entre
uma potência pequena e uma potência média, os assuntos relacionados
com a segurança e defesa devem constituir responsabilidade de todos,
dado que, na actual conjuntura internacional, o melhor ou menor aproveitamento das acessibilidades marítimas e da dimensão dos mares e oceanos,
como vectores de desenvolvimento, ditam o posicionamento geopolítico e
geoestratégico de qualquer Estado ribeirinho.
Nesta ordem de ideias, entendemos que Angola tem tirado pouco
proveito (muito menos do que devia) do seu posicionamento geopolítico
e geoestratégico, pois, tal como opinam Eugênio Costa Almeida e Luís
Manuel Bernardino, a temática da defesa e segurança nacional e regional
em que Angola tem assento no quadro das Organizações Regionais
Africanas, nomeadamente a Comunidade Económica dos Estados da
África Central (CEEAC) e a Comunidade para o Desenvolvimento da
África Austral (SADC) ainda está condicionada a uma pura reflexão
geoestratégica dos analistas e estudiosos angolanos, mormente, quando
os assuntos se relacionam com a acção político-estratégica ou com os
assuntos delicados da soberania do Estado210.
Com maior prudência, Armindo Bravo da Rosa considera que
as temáticas da defesa e segurança à luz de um conceito mais amplo, pois que
as profundas mudanças introduzidas na última década do século xx, no cenário
internacional, apesar de abrirem novas oportunidades na cooperação entre
208
Idem.
ALMEIDA, Políbio Fernando Amaro Valente de – Ensaios de geopolítica, pp. 14-17.
210
ALMEIDA, Eugênio Costa; BERNARDINO, Luís Manuel – Uma reflexão estratégica
sobre a segurança e defesa em Angola e a intervenção no contexto regional subsaariano.
Revista Sol Nascente, p. 47; mesmo autores, A Comissão do Golfo da Guiné e a Zona de Paz
e Cooperação do Atlântico Sul. Revista Militar., pp. 43-61.
209
119
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
as nações e não só, e ter trazido a retracção gradual dos níveis de hostilidade
directa entre determinadas potências, ainda persistente a hostilidade indirecta,
uma vez atenuada as ameaças clássicas tradicionais de cariz militar e ameaças
assimétricas, que fazem surgir outros factores de instabilidade, traduzidos em
novos riscos e potenciais ameaças […]211.
Relativamente aos meios de protecção utilizados para defesa e segurança
à soberania ou jurisdição no espaço oceânico nacional, como sabemos, a
Marinha de Guerra não dispõe de meios técnicos e humanos habilitados
que possam executar missões de soberania marítima (principalmente de
vigilância) e a segurança marítima ‒ numa orla costeira com dimensão
de cerca de 1650 km de extensão e em todo espaço oceânico nacional ‒,
sendo que o patrulhamento nas águas nacionais é feito através navios de
pequeno e médio porte, tais como lanchas e patrulhas de fiscalização212.
Importa referir que o Governo angolano tem vindo a realizar um grande
investimento na Marinha de Guerra Angolana, desde o registo do crime
de sequestro de um navio-tanque contratado pela Sonangol carregado
de crude ocorrido a 12 milhas da costa angolana, em Janeiro de 2014.
Todavia, é de se esperar que o desenvolvimento e expansão da Marinha
de Guerra esteja travado devido actual crise económica e financeira que
o país vive.
Sabe-se que Angola tem especial interesse em participar activamente
na segurança e defesa da Região do Golfo da Guiné, a fim de preservar
a sua própria segurança. No entanto, a inserção da Angola na CEEAC
(através do ramo militar COMFORCE) e na SADC confere-lhe uma
dicotomia, simultaneamente, de responsabilidade e de intencionalidade
na salvaguarda dos interesses regionais ao nível da segurança e defesa,
principalmente, marítima e aérea.
Neste contexto, Eugênio Costa Almeida e Luís Manuel Bernardino
vêm dizer que «ainda que a importância em que se reveste a presença
de Angola seja grande, quase que fundamental, para a defesa das rotas
marítimas de e para Angola, bem como para a defesa das suas zona
211
ROSA, Armindo Bravo da – Política de defesa de Angola. Revista Nação e Defesa.,
pp. 73-74.
212
Na realidade, as generalidades dos meios da Marinha de Guerra angolana estão
adstritas ao Ministério das Pescas, actualmente Ministério da Agricultura Pescas e Mar.
120
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
territorial e zona económica exclusiva, o país não dispõe uma Marinha
de Guerra que possa assegurar a sua segurança de forma a se considerar,
minimamente, admissível»213.
Sem embargo do que ficou dito, em suma, essa abordagem eleva-nos a
ideia de uma defesa multidimensional e multissectorial, com a respectiva
coordenação e integração a abarcar múltiplos domínios e actividades
humanas, cada um deles a reforçar, mutuamente e de forma sinergética, as
capacidades que a defesa tem em responder às ameaças e riscos e as medidas
que tendem a reforçar os meios e as capacidades ao dispor da defesa.
SECÇÃO II
A biodiversidade e o ecossistema marinho
33. Razão de ordem
Angola é um dos mais importantes centros de biodiversidade marinha
e uma das áreas mais produtivas em recursos haliêuticos do mundo,
tornando-se um dos países mais importantes do continente africano,
particularmente em relação à variedade de ecossistemas, ao grau de
endemismo de espécies e à diversidade de flora. A linha da sua costa é de
grande importância para os processos ecológicos e pela fauna e flora que
alberga.
A postura do nosso país perante a responsabilidade internacional de
protecção do oceano e de preservação dos seus ecossistemas e biodiversidade deve consistir em segurar o bom estado ambiental214 de todas
ALMEIDA, Eugênio Costa; BERNARDINO, Luís Manuel, op. cit., p. 49.
O conceito de «bom estado ambiental» é definido pela Directiva-Quadro Estratégica
Marinha (Directiva 2008/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de
2008) como a conservação da biodiversidade ou a atenuação das pressões antropogénicas,
as quais incluem a pesca, os danos no leito marinho, o lixo marinho e os contaminantes,
através de descritores (os 11 descritores qualitativos são definidos no Anexo I da DirectivaQuadro Estratégia Marítima e especificados na Decisão da Comissão 2017/848UE, sendo
os seguintes: D1 – Biodiversidade, D2 – Espécies não indígenas, D3 – Peixes e moluscos
explorados comercialmente, D4 – Cadeias alimentares, D5 – Eutrofização, D6 – Integridade
dos fundos marinhos, D7 – Alteração das condições hidrográficas, D8 – Contaminantes, D9
213
214
121
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
as águas marinhas nacionais, através da fixação de metas ambientais
apropriadas e da elaboração de programas de monitorização adequados à
execução das metas e medidas e à sua eficácia.
Para obter informações rigorosas que contribuam para a adopção de
futuras medidas ou para a aplicação de programas de monitorização, urge
a necessidade de realizar estudos de investigação215, a fim de se criar redes
coerentes e representativas de zonas marinhas protegidas, particularmente, as associadas à pesca ou à protecção de certos habitats.
A abordagem ecossistémica encontra-se sistematizada no leque do
princípio geral do ordenamento do espaço marítimo. As actividades
humanas no mar exercem pressões que afectam a vida marinha e os
habitats, bem como as funções essenciais dos nossos oceanos216.
Pode parecer paradoxal, porém, a inexistência de legislação complementar e a não-ratificação de alguns Acordos Multilaterais de Ambientes,
que não são os principais obstáculos à protecção e conservação do
ecossistema e da biodiversidade marinha – o verdadeiro motivo prende-se
com a deficiente aplicação das legislações e com a falta de uma política
clara e estratégias sectoriais.
Contextualizado as razões do tema desta secção, descreveremos em
termos de ecossistema e biodiversidade em Angola, particularmente da
gestão da biodiversidade e dos ecossistemas para o equilíbrio ecológico,
o desenvolvimento económico e social e a partilha justa e equitativa
dos benefícios provenientes desses recursos, bem como a protecção do
ambiente marinho.
34. Gestão da biodiversidade e dos ecossistemas marinhos
Entende-se por biodiversidade «a variabilidade entre os organismos
vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres,
marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos
– Contaminantes nos peixes e mariscos, D10 – Lixo, Energia, incluindo o ruído submarino,
D11 A introdução de energia, incluindo ruído submarino.
215
Alíneas a) e b) do art.º 128.º e n.º 1, do art.º 142.º da Lei n.º 6-A/04, de 8 de Outubro,
Lei dos Recursos Biológicos Aquáticos.
216
Primeiro parágrafo da Directiva-Quadro Estratégica Marinha, p. 1.
122
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie,
entre as espécies e dos ecossistemas» e por ecossistema «um complexo
dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microrganismos e seu
ambiente não vivo, interagindo como uma unidade funcional». Conceitos
estatuídos no texto do art.º 2.º da Convenção sobre a Diversidade Biológica
(ratificado por Angola em Abril de 1998)217 e art.º 1.º da Convenção
da Corrente de Benguela (esta última prevê apenas a definição de
ecossistema).
A informação sobre a biodiversidade em Angola é escassa, pelo que
a investigação é considerada uma prioridade para o incremento do
conhecimento que permita a sua gestão efectiva. Importa referir que o
conhecimento existente sobre a biodiversidade em Angola está disperso
por várias agências sectórias e indivíduos, sob a forma de projectos,
relatórios, artigos científicos, mapas, fotografias aéreas e imagens de
satélite, acrescido do facto de alguns documentos e informações sobre
a biodiversidade angolana, realizados na época colonial, encontrarem-se
fora do País.
Portanto, de acordo com a Estratégia e o Plano de Acção Nacional para
a Biodiversidade (para a conservação desta biodiversidade), as decisões
dos organismos de gestão deverão basear-se em informação actualizada e
detalhada218. Lamentavelmente, assim não sucede por falta de amplitude
na divulgação de informação e acesso à mesma, obtida através de acções
de investigação sobre a biodiversidade em Angola, impedindo o estudo
para uma boa gestão e uma adequada conservação dessa biodiversidade.
As áreas de protecção ambiental criadas ainda no tempo colonial para
a conservação de habitats e de espécies particulares estão hoje postas
em causa, sem administração, nem fiscalização adequadas e com infra-estruturas degradadas, resultando no facto de grande parte das espécies
protegidas estarem em sérios riscos de extinção. Nesta senda, foram
definidas oito áreas estratégicas, através de um processo de consulta
217
Adaptada no Rio de Janeiro, a 5 de Junho de 1992; a Assembleia Nacional aprovou, em
2001, a Convenção sobre o Comércio de Espécies da Fauna e da Flora em Extinção (CITES)
e, em 2002, o Protocolo de Cartagena sobre a Biossegurança (um acordo suplementar da
Convenção sobre a Diversidade Biológica).
218
Neste sentido, a Resolução n.º 42/06, de 26 de Julho, que aprova a Estratégia e o Plano
de Acção Nacional para a Biodiversidade, publicado no Diário da República, I série n.º 90,
p. 1500.
123
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
pública que envolveu representantes de instituições governamentais,
autoridades locais e tradicionais, associações do ambiente, sector de
ensino, sector privado e imprensa219.
Entretanto, no âmbito do projecto de Gestão e Governação
Espacial Marinha220, que está a ser desenvolvido pelo Programa de
Acção Estratégica da Convenção de Benguela 2019-2021, o Grupo de
Coordenação do Ordenamento do Espaço Marinho propôs a delimitação
de cinco novas Áreas Marinhas de Importância Ecológica ou Biológica,
nas seguintes zonas: Chiloango (província de Cabinda); Ponta Padrão e
Soyo (província do Zaire); Longa e Amboim (província do Cuanza Sul);
Ombaka (província de Benguela) e Bentiaba (província do Namibe)221.
Desconhecemos a distribuição das actividades a serem exercidas em cada
área, mas, sabendo do potencial das referidas zonas, cremos que as mesmas
são ou serão definidas para a prática de pesca e aquicultura.
Na costa angolana, existem espécies protegidas como as tartarugas
marinhas que nidificam em praias tranquilas e que têm registado um
declínio, sendo uma das prováveis causas para tal a perturbação de zonas
de praia, a captura directa, o assalto aos ninhos e a exploração de inertes.
Igualmente, as aves marinhas mais representativas ao longo da costa
do país, como por exemplo, o Atoba-do-cabo, a Pardela preta, o Corvo-marinho-do-cabo, o Albatroz-de-bico-amarelo-do-atlântico, a Ardena
grisea e o Albatroz-de-sobrancelha, estão listadas como vulneráveis e em
risco, necessitando de medidas especiais de conservação222.
Uma dezena das espécies de mamíferos marinhos, dos quais baleias,
cachalotes, orcas e golfinhos encontram-se em ameaça e risco de sobrevivência, sobretudo, o manatim que está sujeito a capturas voluntárias e
Idem, p. 1499.
Este projecto é financiado pelo Governa da Alemanha, com um valor de 8,9 milhões
de dólares, correspondente a 7,7 milhões de euros, informação disponível em: https://www.
dn.pt/lusa/angola-vai-delimitar-mais-cinco-areas-de-importancia-ecologica-9722724.html,
consultado em 14/07/2020.
221
Idem.
222
Vide tabela 5 em BENGUELA CURRENT CONVENTION – Ameaças induzidas
por humanos às tartarugas,aves marinhas e outras espécies vulneráveis;visão geral,
análise de necessidades eidentificação das partes interessadasÁfrica do Sul: preparado
para Convenção da Corrente de Benguela, p. 18.
219
220
124
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
involuntárias223. Das 57 espécies de peixes cartilagíneos (tubarões e raias)
que ocorrem nas águas costeiras angolanas cerca de 12 estão classificadas
como espécies que merecem medidas particulares de conservação224.
A população dos lobos marinhos (Arctocephalus pusillus) na região
da corrente de Benguela encontra-se estimada em 2 milhões, sendo
promovida, activamente, a plena protecção destas espécies, questionando-se a capacidade de estabelecer um sistema de utilização sustentável225.
Outras espécies que também enfrentam grandes riscos e ameaças são
as baleias jubarte (Megaptera novaeangliae) – por viver ao longo do litoral
tornam-se motivo de preocupação nas explorações de petróleo e gás e
actividade haliêutico, incluindo as rotas comerciais de navios. 226
Importa salientar que, no litoral de Benguela, habitam as associações
de foraminíferos bentónicos e planctónicos, sendo que as condições
ambientais a que tais associações estão sujeitas, como, por exemplo,
a contaminação de origem antrópica, estão a pôr em risco o desenvolvimento destas e outras populações que ali vivem, contribuindo para a
degradação dos habitats que integram o Grande Ecossistema Marinho da
Corrente Fria de Benguela227.
É nas águas de Benguela que encontramos o Grande Ecossistema
Marinho da Corrente Fria de Benguela228 visto como sangue vital do
Atlântico Sul e que apoia um importante reservatório global de biodiversidade e biomassa de zooplâncton, peixe, aves marinhas e mamíferos
223
Vide tabela 4 que alista as espécies de mamíferos marinhos que se encontram em
risco de sobrevivência ao longo da costa angolanaAmeaças induzidas por humanos às
tartarugas,aves marinhas e outras espécies vulneráveis;visão geral, análise de necessidades eidentificação das partes interessadasÁfrica do Sul: preparado para Convenção
da Corrente de Benguela, p. 14.
224
Resolução n.º 42/06, de 26 de Julho, que aprova a Estratégia e o Plano de Acção
Nacional para a Biodiversidade, publicado no Diário da República, I série n.º 90, p. 1449
225
Idem p. 14.
226
Idem, p. 15.
227
Sobre este assunto, vide HENRIQUES, M. H.; CANALES, M. L.; MBADU, E., op. cit.,
p. 199-208.
228
O Grande Ecossistema Marinho da Corrente de Benguela é definido como «o grande
ecossistema marinho associado com a Corrente de Benguela e caracterizado pela distinta
batimetria, hidrografia, produtividade e populações dependentes de tróficos, na área da
aplicação desta Convenção», texto do art.º 1.º da Convenção da Corrente de Benguela.
125
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
marinhos, sendo a pesca, aproximadamente, seis vezes mais produtiva que
a do mar do Norte.
A região da Corrente Fria de Benguela abrange as águas costeiras,
desde bacias hidrográficas e estuários até à fronteira marítima das plataformas continentais e as margens externas das correntes costeira. É uma
região relativamente ampla, em torno de 200 000 km2, definida pela sua
topografia submarina ou batimetria, profundidade e composição do fundo
do mar ou hidrografia, produtividade de suas pescaria e composição de sua
cadeia alimentar natural. Em todo mundo, 80 % da pesca marítima global
é proveniente desses ecossistemas229.
De lembrar que, durante o período de guerra, uma profusão de frotas
estrangeiras pescava nas águas nacionais, particularmente na região
da Corrente Fria de Benguela -- as consequências foram a migração da
população para a costa e a pressão localizada sobre os recursos marinhos
e costeiros (por exemplo, destruição de florestas e manguezais costeiros)
e a poluição severa do ecossistema.
No entanto, os três países que integram a região (Angola, Namíbia
e África do Sul) fizeram uma análise diagnóstica transfronteiriça da
situação em que se encontrava os ecossistemas marinhos que identificou
e investigou as causas dos impactos negativos na região e construiu uma
estrutura comum para encontrar soluções. Os diálogos nacionais iniciaram
o processo de alinhamento de diferentes ministérios relacionados com as
actividades terrestres e hídricas para trabalhar de maneira integrada e
baseada no ecossistema.
Após aproximadamente duas décadas de investigação, consulta e
negociação no sentido de proteger a biodiversidade, manter a integridade
dos ecossistemas e minimizar os riscos dos impactos irreversíveis a
longo prazo, causados pelas actividades humanas, os Estados da região
assinaram a Convenção da Corrente de Benguela, na qual reconhecem o
carácter único do Grande Ecossistema Marinho da Corrente de Benguela,
a riqueza e a complexidade do seu funcionamento físico e biológico, o seu
significado para o desenvolvimento socioeconómico e para o bem-estar
das populações dele dependente e as ameaças ao mesmo230.
229
The Benguela current, GEF. 2016. [Consult. 2020-05-08]. Disponível em: https://
www.thegef.org/news/benguela-current.
230
Primeiro parágrafo do preâmbulo da Convenção da Corrente de Benguela, assinada
em Benguela, aos 18 de Março de 2013.
126
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
No cerne da Convenção reside o conceito de uma abordagem ecossistémica a longo prazo, que visa manter os bens e serviços do ecossistema
para efeitos de utilização sustentável, ao mesmo tempo que se reconhece
que os seres humanos são parte integral do processo. Este instrumento
fixa três prioridades, designadamente a minimização da poluição marinha,
quer de fontes baseadas em terra, quer de exploração mineira marinha e
das indústrias de extracção de petróleo; a harmonização de políticas, leis
e regulamentos, por forma a que as actividades industriais de um país não
impactam o meio ambiente costeiro e marinho de outro país; e a gestão
transfronteiriça dos recursos pesqueiros, incluindo a monitorização e
controlo das actividades piscatórias231.
A Convenção da Corrente de Benguela estabelece a Comissão da
Corrente de Benguela232 (que já existia desde Janeiro de 2007) como
uma organização intergovernamental permanente, que tem como base
o conceito de governação oceânica de um Grande Ecossistema Marinho,
rumo à gestão dos recursos a uma escala maior do ecossistema e do
equilíbrio das necessidades humanas, relativamente aos imperativos de
conservação.
Para efeitos do objectivo da Convenção, foram atribuídas funções à
Comissão, nos termos do art.º 8.º da CCB, nomeadamente promover,
tanto quando possível, a harmonização, implementação e execução das
políticas e leis vigentes, implementação e execução das políticas e leis
vigentes relacionadas com a conservação e gestão dos recursos marinhos
transfronteiriços e do ambiente; incentivar a harmonização de medidas de
conservação e gestão dos recursos marinhos e do ambiente; promover e
apoiar programas de investigação relacionados com os recursos marinhos
transfronteiriços e o ambiente; promover a recolha, intercâmbio, divulgação e análise dos dados e informações pertinentes, incluindo dados
estatísticos, biológicos, ambientais e socioeconómicos; promover a colaboração na monitorização, controlo e vigilância, incluindo as actividades
conjuntas na região da Comunidade de Desenvolvimento da África
Austral (SADC).
Como medidas de execução, a Comissão está focada na gestão
dos recursos haliêuticos partilhados, na avaliação e monitorização do
231
232
Quarto parágrafo da parte introdutória da referida Convenção.
A Comissão da Corrente de Benguela está sedeada em Swakopmund – Namíbia.
127
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
ambiente físico, no estabelecimento de um sistema de informação sobre o
ecossistema, bem como na gestão cooperativa da biodiversidade e da sua
saúde do ecossistema233.
Ainda há muito por se fazer para a protecção da biodiversidade,
manutenção ecossistémica e minimizar o impacto negativo no meio
marinho dentro da nossa área de soberania ou jurisdição marítima, uma
vez que a zona marítima norte do país representa grandes ameaças e riscos
de segurança que obstaculizam a gestão da biodiversidade e ecossistema
da corrente quente da Guiné, que ocupa a totalidade da costa de Cabinda.
35. Poluição marinha resultante de hidrocarboneto
A CNUDM define a poluição do meio marinho como
a introdução pelo homem, directa ou indirectamente, de substâncias ou de
energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesma provoque
ou possa vir provocar efeitos nocivos, tais como danos aos vivos e à vida marinha,
riscos à saúde do homem, entrave às actividades marítimas, incluindo a pesca e
as outras utilizações legítimas do mar, alteração da qualidade da água do mar,
no que se refere à sua utilização, e deterioração dos locais de recreio (parágrafo
4, do ponto 1, do art.º 1.º).
Nos termos do ponto 2, do art.º 2.º da Convenção Internacional sobre
a Cooperação e Combate Contra a Poluição para Hidrocarboneto (OPRC
1990), aderida por Angola através da Resolução n.º 33/01, publicado no
Diário da República n.º 51, de 9 de Novembro, entende-se por incidente
de poluição por hidrocarboneto234
233
Mais informações sobre a Comissão da Corrente de Benguela, vide o site: www.
benguelacc.org
234
Nos termos do parágrafo quinto do art.º 2.º do Protocolo de 1992 à Convenção
Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição por
Hidrocarbonetos, 1969, «Hidrocarbonetos significa quaisquer hidrocarbonetos minerais
persistentes, nomeadamente petróleo bruto, fuelóleo, óleo diesel pesado e óleo de lubrificação, quer sejam transportados a bordo de um navio, quer como carga, quer como
combustível do navio».
128
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
um acontecimento ou uma série de acontecimentos com a mesma origem
tendo como consequência uma descarga real ou presumível de hidrocarbonetos
e constituíndo ou sendo susceptível de constituir uma ameaça para o meio
marinho, para o litoral ou para os interesses conexos de um ou mais Estados,
impondo-se uma acção urgente ou uma actuação imediata.
Parte da poluição por hidrocarbonetos está relacionada com derrames
que ocorrem durante as operações de carga e descarga dos hidrocarbonetos e por ruptura de condutas e vazamento nas plataformas de petróleo,
por descargas ilegais ou acidentes. Grande parte destes acidentes são
causados por erros humanos, todavia, para evitar derrames nas nossas
águas é importante criar estratégias, tecnologias ou equipamentos que
diminuam os riscos de acidentes e operações de combate à poluição do
mar.
Os eventos de poluição por hidrocarbonetos estão associados a
acidentes em navios que levam ao derrame de grandes quantidades de
hidrocarbonetos, o que motivou a comunidade internacional a elaborar
uma convenção que estabelece regras de prevenção, controlo da poluição
marinha e protecção do meio marinho [Convenção Internacional para a
Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL 73/78), aderida por Angola
através da Resolução n.º 41/01, publicado Diária da República n.º 62, de
21 de Dezembro].
Actualmente, os navios petroleiros de porte bruto de certas dimensões
estão obrigados, antes de entrarem em serviço ou emissão, a vistoria inicial,
vistorias periódicas e vistoria intermédia. Esta última permite assegurar
que os equipamentos, os sistemas de bombagem e de encanamentos
associados, incluindo os monitores de descarga de hidrocarbonetos,
sistemas de lavagem com petróleo bruto, os equipamentos separadores
hidrocarbonetos/água e os equipamentos de filtragem de hidrocarbonetos cumpram integralmente os requisitos e estão em boas condições de
funcionamento (regra 4 da Convenção MARPOL 73/78).
Entretanto, no caso de se verificar a poluição marinha por hidrocarboneto, os proprietários de navios235, pelos danos resultantes do derrame
235
Entende-se por navio «qualquer embarcação marítima ou engenho marítimo seja de
que tipo for, construído ou adaptado para o transporte de hidrocarbonetos a granel como
carga, desde que se trate de um navio com capacidade para o transporte de hidrocarbonetos
129
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
de hidrocarbonetos provenientes de navios-tanque, são responsabilizados
objectivamente e não dependem, por isso, da existência de culpa ou negligência da sua parte pelos danos; dito doutro modo, a responsabilidade
do proprietário está limitada a um montante calculado em função da
arqueação do navio, nos termos do art.º 5.º da Convenção Internacional
sobre Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição por
Hidrocarbonetos, adoptada em Bruxelas, em 29 de Novembro de 1969,
alterada pelo protocolo assinado em Londres, em 27 de Novembro de
1992, aderido por Angola através da Resolução n.º 32/01, publicado no
Diário da República n.º 50, de 1 de Novembro.
Nos termos da al. a) do artigo 3.º, do Protocolo de 1992 relativo à
Convenção acima mencionada, a responsabilidade civil é aplicada aos
prejuízos devidos à poluição causados no território, incluindo no mar
territorial de um Estado contratante e na zona económica exclusiva desse
Estado, estabelecida em conformidade com o direito internacional ou,
eventualmente, numa área para além e adjacente ao mar territorial desse
Estado, determinada por esse Estado em conformidade com o direito
internacional, numa extensão não superior a 200 milhas náuticas contadas
a partir das linhas de base utilizadas para determinar a largura do mar
territorial.
Tanto a Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil pelos
Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos como a Convenção
Internacional para a Constituição de um Fundo Internacional para
Compensação pelos Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos,
adoptada em Bruxelas, em 18 de Dezembro de 1971, alterada pelo
Protocolo assinado em Londres, em 27 de Novembro de 1992 (aderida
por Angola pela Resolução n.º 31/01, publicado pelo Diário da República
n.º 49, de 26 de Outubro), estabeleceram um sistema de responsabilidade
em dois níveis: a responsabilidade objectiva, mas limitada, do proprietário
registado do navio, por um lado; por outro, o Fundo, financiado pelos
e outros tipos de carga só de ser considerado quando transporte, efectivamente, como carga,
hidrocarbonetos a granel assim como durante qualquer viagem que se siga àquele transporte,
a menos que se prove que não existem quaisquer resíduos de hidrocarbonetos a bordo originados por aquele transporte a granel», conforme parágrafo primeiro do art.º 2.º do Protocolo
de 1992 à Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos
à Poluição por Hidrocarbonetos, 1969.
130
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
destinatários dos hidrocarbonetos, que assegura uma compensação
(indemnização) para as vítimas dos danos resultantes da poluição por
hidrocarbonetos que não consigam obter do proprietário do navio uma
indemnização integral.
Por fim, independentemente de a concepção do princípio poluidor-pagador assentar na reparação integral do dano, esta compensação não
favorece o meio marinho – como é sabido, os derrames de hidrocarbonetos
prejudicam o ecossistema, constatando-se uma diminuição do nível de
actividade fotossintética das algas e do fitoplâncton. Além dos efeitos
físicos, a poluição por hidrocarbonetos tem efeitos químicos devido à
toxicidade quando ingeridos e devido ao efeito impermeabilizante236.
36. A protecção do meio marinho nas águas nacionais
O meio marinho é um património precioso que deve ser protegido,
preservado e, quando exequível, recuperado, com o objectivo último de
manter a biodiversidade e de possibilitar a existência de oceanos e mares
diversos e dinâmicos, limpos, sãos e produtivos237. Nesta conformidade,
o Estado tem obrigação de proteger e preservar o meio marinho; igualmente, tem direito de soberania para aproveitar os seus recursos naturais
de acordo com a sua política em matéria de meio ambiente (arts. 192.º e
193.º da CNUDM).
Assim, o estabelecimento de áreas marinhas protegidas238, incluindo
as zonas já designadas, ou a designar, ao abrigo da Estratégia e Plano de
Acção Nacional para a Biodiversidade, do Programa de Acção Estratégica
da Convenção de Benguela e de outros acordos internacional de que
Angola faça parte, constitui um contributo importante para a consecução
do bom estado ambiental nos termos dos referidos instrumentos.
236
PORTUGAL. Direcção-Geral da Autoridade Marítima – Guia de apoio ao combate
à poluição do mar por hidrocarbonetos e outras substâncias perigosas, p. 12.
237
Neste sentido, terceiro parágrafo da Directiva 2008/56/CE do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 17 de Junho de 2008, (Directiva-Quadro Estratégia Marinha).
238
De acordo com o art.º 2.º da Convenção sobre a Diversidade Biológica, área protegida
é entendida como «uma área geograficamente definida que tenha sido designada ou regulamentada e gerida para alcançar objectivos específicos da conservação».
131
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Consultado o instrumento legislativo Europeu, no âmbito do domínio
da política para o meio marinho, o bom estado ambiental é definido como
«o estado ambiental das águas marinhas quando estas constituem oceanos
e mares dinâmicos e ecologicamente diversos, limpos, sãos e produtivos
nas suas condições intrínsecas, e quando a utilização do meio marinho é
sustentável, salvaguardando assim o potencial para utilizações e actividades das gerações actuais e futuras»239.
Deste conceito subentende-se que o bom estado ambiental será
atingido quando a diversidade biológica for mantida e a qualidade e a
ocorrência de habitats e a distribuição e abundância das espécies sejam
conformes com as condições fisiográficas, geográficas e climáticas prevalecentes. Não obstante, o Estado deve desenvolver e implementar medidas
de abordagem ecossistemática à gestão de actividades humanas, de modo
que o emprego dessas actividades seja mantido a níveis compatíveis com
o bom estado ambiental. Entendem alguns autores240 que, numa área
marinha em bom estado ambiental, não há perda adicional de diversidade
dentro de cada espécie, entre espécies e de habitats e ecossistemas a escalas
ecologicamente relevantes.
Para Vasco Becker-Weinberg e Marta Chantal Ribeiro, o alicerce da
consecução do bom estado ambiental «é a abordagem ecossistémica a
qual, por sua vez, se realiza através de um conjunto de princípios e instrumentos de onde avultam a precaução, a avaliação de impacte ambiental, a
gestão adaptativa e as áreas marinhas protegidas»241.
Conforme já referido, Angola possui um dos Grandes Ecossistemas
Marinhos e as áreas de protecção ambiental cobrem aproximadamente
6,6 % do território nacional, o que corresponde a aproximadamente 82
200 km2. Contudo, há necessidade de determinar «áreas especiais» no
espaço marinho nacional que, por razões técnicas reconhecidas relativamente às características específicas do seu tráfego, exigem a adopção de
239
Artigo 3.º, n.º 5, da Directiva 2008/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de
17 de Junho de 2008.
240
DOMINGOS, Isabel [et al.] – Ecossistema da Plataforma Continental, p. 55, disponível para consulta em: https://www.sophia-mar.pt/uploads/GUIA_Plat_Cont_Final.pdf.
241
RIBEIRO, Marta Chantal; BECKER-WEINBERG, Vasco – Direito do Mar, Protecção
do Ambiente Marinho e Legislação Europeia e Ordenamento do Espaço Marítimo Nacional,
respectivamente. RIBEIRO, Marta Chantal (coord.) – Módulos de Formação Sophia:
conhecimento para a gestão marinho.
132
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
métodos especiais obrigatórios para a prevenção da poluição do mar por
hidrocarbonetos onde a vulnerabilidade do meio ambiente marinho é
muito grande242.
O art.º 3.º, ponto 8, do Decreto Executivo 224/12, de 16 de Julho, define
“áreas sensíveis” como «áreas geográficas constituídas por ecossistemas
em que ligeiras alterações nos parâmetros físicos, químicos e biológicos
usados na avaliação da qualidade do ambiente provoquem alterações
severas na ecologia local de que resultem danos de difícil recuperação».
Outra questão a considerar é o lixo no meio marinho, tido como um
problema particularmente premente, devendo o Estado tomar medidas
que visem travar a produção de lixo marinho nas águas nacionais,
contribuindo assim para o objectivo da Agenda para o Desenvolvimento
Sustentável 2030243, visto que o lixo marinho, nomeadamente os resíduos
de plástico, resulta em grande parte de actividades terrestres, causadas
por más práticas de gestão dos resíduos sólidos, por más infra-estruturas,
pela deposição de lixo em espaços públicos por parte dos cidadãos e por
uma falta de sensibilização do público – os programas de prevenção de
resíduos e os planos de gestão de resíduos deverão contemplar medidas
específicas 244.
Como medida necessária à protecção do ambiente, à manutenção do
equilíbrio ecológico e à prevenção dos padrões ambientais das actividades
humanas, potencialmente poluidoras, por um lado; por outro, devido à
exigência de regular a prevenção e reparação dos danos ambientais e criar
condições para que o cidadão usufrua do direito a um ambiente são e não
242
SILVA, Joaquim Ferreira da – Resposta à poluição marinha. Revista de Direito do
Ambiente e Ordenamento do Território, pp. 106 e 107.
243
Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 25 de setembro de 2015, a
agenda determina os 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas a
implementar todos os Estados membros do ONU; bem como Agenda 2063 da União Africana,
adaptada a 27 de Janeiro de 2014.
244
ANDRADE, Vicente José Pinto de – Desenvolvimento Sustentável e Economia
Verde e o Quadro Pós-2015; Parágrafo trinta e cinco da Directiva (UE) 2018/851
do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2018, que altera a Directiva
2008/98/CE relativa aos resíduos; ONU – Roteiro para a Localização dos Objectivos
de Desenvolvimento Sustentável: implementação e acompanhamento no nível
subnacional disponível no site: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/06/
Roteiro-para-a-Localizacao-dos-ODS.pdf.
133
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
poluído, foi promulgado o Decreto Presidencial 194/11, de 7 de Julho, que
regula a responsabilidade por danos ambientais e tem por objecto estabelecer a responsabilidade pelo risco e degradação do ambiente, baseado no
princípio do “poluidor-pagador”, para prevenir e reparar danos ambientais
(art.º 1.º).
Estatui este diploma que «os padrões de qualidade em vigor em Angola
são os referidos pelas normas ISO, que se referem a organização internacional de «standarização» das Nações Unidas (n.º 3, do art.º 9.º)».
Por sua vez, estabelece o n.º 1 do art.º 24.º da Lei nº 10/04 (Lei de
Actividade Petrolífera) que «no exercício das suas actividades, as licenciadas, a Concessionária Nacional e suas associadas devem tomar as
precauções necessárias para a protecção do ambiente, com vista a garantir
a sua preservação, nomeadamente no que concerne à sua saúde, água, solo
e subsolo, ar, a preservação da biodiversidade, fauna e a flora, ecossistemas,
paisagem, atmosfera e os valores cultura, arqueológica e estéticos»; por
sua vez, o art.º 69.º da Lei n.º 6-A/04, adopta medidas de preservação de
espécies de recursos biológicos aquáticos.
Pelo exposto, percebemos que, para obtenção do bom estado ambiental
marinho, o Estado terá de fixar metas ambientais apropriadas, programas
de avaliação do estado ambiental, no sentido de atenuar as principais
pressões exercidas sobre o meio marinho (feitos através de descritores,
critérios e indicadores), e medidas que contribuam directamente para
reduzir a pressão, i.e., medidas que incluam acções de governação e
campanhas de sensibilização ou de comunicação, por exemplo, para
reduzir a deposição de lixo.
SECÇÃO III
O exercício da autoridade do Estado no mar
37. Razão de ordem
A importância da geoestratégia dos mares, oceanos e das vias navegáveis
interiores para o desenvolvimento socioeconómico de Angola e do seu
papel para o desenvolvimento sustentável do continente só alcançará a
sua ênfase, se for prestada mais atenção e recursos consideráveis para a
134
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
segurança marítima, visto que a criminalidade transfronteiriça contribui
para a propagação da insegurança e da instabilidade e representa riscos
graves para a navegação marítima no espaço nacional.
De acordo com a realidade angolana, a carência da aplicação da lei no
mar verifica-se no reforço da formação e profissionalização das forças navais
e da guarda costeira, das agências responsáveis pela protecção e segurança
marítimas, das autoridades portuárias e alfandegárias, e na promoção de
uma estratégia integrada de recursos humanos para o sector marítimo
que vise apoiar a oferta de competências, tendo em conta o equilibro do
género em toda a cadeia de valor marítima, bem como a manutenção ou
medidas de acções exequíveis de patrulha, vigilância e reconhecimento de
soberania no território marítimo para fins de aplicação da lei e operações
de busca e salvamento.
A segurança marítima está intimamente associada ao desenvolvimento económico. O Estado deve optar por políticas que garantam a
disponibilidade de recursos tanto por meio de fundos públicos, como
por meio de estabelecimento de parcerias público-privadas necessárias
para o investimento em equipamento, operações e formação em matéria
de protecção e segurança marítimas, em conformidade com os procedimentos domésticos.
Nesta secção, analisaremos a protecção contra os actos ilegais e deliberados e procuraremos, igualmente, colmatar o vazio relativo à política
pública da Autoridade Marítima, em articulação com os factores de desenvolvimento económico e de estabilidade nacional.
Conforme a abordagem sumária nas secções anteriores sobre a
segurança e defesa no espaço marítimo nacional, aqui trataremos do
envasamento e desvios na formulação, na concretização e nas reformulações de fronteiras entre a defesa e segurança interna, i.e., entre a Marinha
e a Autoridade Marítima Nacional, a fim de harmonizar o exercício da
autoridade do Estado do mar.
38. Um olhar sobre a evolução institucional da Autoridade Marítima
Nacional
A história da Autoridade Marítima é a história secular das dinâmicas
dos interesses e dos actores que sentem, analisam, reflectem, pressionam,
135
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
debatem, agendam, formulam, reformulam, concretizam, avaliam e
contestam a lei e a sua aplicação245. São raríssimos os artigos publicados
sobre a Autoridade Marítima Nacional, só se sabe de uma dissertação
sobre o tema: Exercício da Autoridade do Estado no Mar: análise do
sistema da autoridade marítima de Angola, proposta de criação de
um novo sistema, de Daniel Mango Tchindele.
Há um enorme vazio e perplexidade na relação de Angola com o mar;
prova disto é a falta de interesse no ensaio histórico sobre a Autoridade
Marítima, desconhecendo-se estudos académicos que o aprofundem e
delimitem, e, também, não abundam as posições públicas, acrescendo
ainda a falta de análises independentes, estudos, relatórios e autores que
se exprimam publicamente.
No período colonial, as repartições marítimas da metrópole (capitanias
dos portos e delegações marítimas), órgãos externos da Direcção-Geral dos
Serviços de Fomento Marítimo, eram consideradas repartições militares
e sujeitas exclusivamente às autoridades do Ministério da Marinha e o
pessoal que nelas prestava serviço só podia ser notificado pelas autoridades administrativas nos termos em que podia ser feita a sua requisição
pelos tribunais civis246.
Eram incumbências principais das repartições marítimas cumprir e
fazer cumprir as disposições legais relativas às marinhas de comércio, de
pesca e de recreio, rebocadores e embarcações auxiliares; à indústria da
pesca; à segurança e disciplina da navegação marítima, fluvial e lacustre; à
iluminação e sinalização das margens para segurança da navegação; à assistência a pessoas e embarcações em perigo, com vista à salvação de vidas
humanas; à disciplina nas praias e assistência aos banhistas; à segurança
da exploração dos leitos das águas; aos objectos achados no mar ou por
este arrojados; à poluição das águas e margens; aos terrenos do domínio
público marítimo e aos inscritos marítimos. Além destas atribuições,
asseguravam, também, o policiamento geral das respectivas áreas de jurisdição, sem prejuízo das atribuições policiais das autoridades portuárias
(art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de Julho, Regulamento Geral
245
Neste sentido, PAULO, Jorge Silva – A Autoridade do Estado no Mar: génese e
ordenamento da Autoridade Marítima, p. 5 s.
246
Art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de Julho, Regulamento Geral das Capitanias.
136
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
das Capitanias). Actualmente, essas competências estão repartidas em
diversos órgãos marítimos e de actividades conexas.
Após a independência, as atribuições de Autoridade Marítima,
asseguradas pela Direcção Provincial dos Serviços de Marinha, foram
transferidas com amplas atribuições para a Direcção da Marinha Mercante
de Angola, actualmente Instituto Marítimo Portuário de Angola (IMPA),
que exerce as funções de coordenação, orientação, controlo, fiscalização,
licenciamento e regulamentação de todas as actividades relacionadas com
a marinha mercante e portos (art.º 1.º do Decreto 66/07, de 15 de Agosto,
que aprova o estatuto orgânico do IMPA).
As Capitanias dos Portos247 e as Delegações Fluviais são delegações
regionais ou provinciais do IMPA (n.º 7, do art.º 16.º do Decreto 66/07),
classificadas como serviços externos. De acordo com o organigrama do
IMPA, as Capitanias dos Portos estão hierarquicamente subordinadas à
Direcção-Geral deste instituto.
Lamentavelmente, ainda se mantém o défice estrutural e funcional que
se visava colmatar com a criação da Autoridade Marítima Nacional; por
outro lado, verifica-se subsidiariedade nas atribuições de competências
entre a Administração Marítima Nacional e o Instituto Marítimo Portuário
de Angola, de tal modo que Daniel Mango Tchindele afirma que «O IMPA
assume-se como Administração Marítima Nacional»248.
De facto, o legislador foi infeliz ao redigir que a Administração Marítima
Nacional é um órgão tutelado pelo Departamento Ministerial responsável
pelo sector marítimo-portuário, o qual, sob a designação de IMPA, dispõe
de atribuições e exerce competências nos domínios da marinha mercante,
da marinha de recreio e do desporto náutico, dos portos, da navegação e da
segurança marítima; das actividades económicas exercidas no âmbito dos
sectores marinho, fluvial, lacustre e portuário, assim como da supervisão
247
Nos termos do n.º 23, do art.º 3.º da Lei n.º 27/12, de 28 de Agosto, Lei da Marinha
Mercante, Portos e Actividades Conexas, entende-se por Capitania do Porto «órgão local
da Administração Marítima Nacional destinada a desempenhar, por delegação de poderes
e na respectiva área de jurisdição, as funções que lhe são atribuídas por lei, bem como as de
fiscalizar o cumprimento da legislação aplicável, das normas e regulamentos, das directivas
e demais decisões e procedimentos da competência da Administração Marítima Nacional».
248
TCHINDELE, Daniel Mango – O exercício da autoridade do Estado no Mar:
analise do Sistema de Autoridade Marítima de Angola, proposta de criação de um novo
sistema, p. 50.
137
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
e regulamentação das actividades desenvolvidas neste sector, por um
lado; e, por outro, que este órgão é integrado e apoiado pelas Capitanias
dos Portos, pela Autoridade Nacional Competente para a Protecção do
Transporte Marítimo e dos Portos, pela Autoridade Nacional de Controlo
de Tráfego Marítimo, pela Polícia Marítima, e pelo Serviço Nacional de
Fiscalização Pesqueira e de Aquicultura (artigos 3.º, n.º 8 e 12.º da Lei
n.º 27/12, de 28 de Agosto, Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades
Conexas (LMMPAC)].
39. A Autoridade Marítima Nacional
A expressão «autoridade marítima» surge para designar os órgãos
com atribuições e competências para o exercício da autoridade do Estado
nos espaços marítimos sob soberania e/ou jurisdição nacional, nomeadamente patrões-mores, cabos de mar, guardas de lastro, capitães dos
portos, intendentes da Marinha, delegados dos intendentes da Marinha
nos portos, chefes de divisão ou departamentos marítimos e outros249. Há
poucos estudos sobre a Autoridade Marítima Nacional e é difícil aceder
aos documentos internos do Estado, nos quais se descreve ou justifica a
política pública de autoridade marítima.
A criação da Autoridade Marítima é intrínseca aos ministérios com
atribuições nos assuntos do mar250, da armada, dos vários serviços que
249
Sobre origem da expressão «autoridade marítima», vide PAULO, Jorge Silva – A
Autoridade do Estado no Mar: génese e ordenamento da Autoridade Marítima, p. 9
ss.; do mesmo autor, Autoridade Marítima Nacional: a orgânica e o enquadramento jurídico.
RDeS – Revista de Direito e Segurança, p. 61-167.
250
Nos termos do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 27/12, de 28 de Agosto, Lei da Marinha
Mercante, Portos e Actividades Conexas, compõem a Autoridade Marítima Nacional
os seguintes órgãos: o Ministério dos Transportes, que é o Departamento Ministerial
responsável pelo sector marítimo-portuário que coordena a Autoridade Marítima Nacional;
o Departamento Ministerial responsável pela Defesa Nacional [e Veteranos da Pátria]; o
Departamento Ministerial responsável pelo Interior; o Departamento Ministerial responsável
pelo [Cultura, Turismo] Ambiente; Departamento Ministerial responsável pela Agricultura
e Pesca [e Mar]; o Departamento Ministerial responsável pelas Relações Exteriores;
Departamento Ministerial responsável pela Saúde; o Departamento Ministerial responsável
pelos [Recursos Minerais] Petróleos; o Departamento Ministerial responsável pela Justiça; os
Órgãos do Sistema de Segurança Nacional; a Administração Marítima Nacional; a Autoridade
138
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
abrangeram a marinha marcante, os portos, os pilotos, a hidrografia, o
salvamento marítimo, a pesca e o recreio. Segundo Jorge Silva Paulo, a
autoridade marítima «é um poder tipificado em razão da matéria e da
competência»251.
Nos termos do n.º 20, do art.º 3.º da Lei n.º 27/12, de 28 de Agosto,
Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas (LMMPAC),
a Autoridade Marítima Nacional (AMN) é definida como «conjunto
de entidades, órgãos ou serviços de nível central, provincial ou local de
natureza interministerial e intersectorial que, investidas nos poderes de
autoridade marítima, exercem funções executivas, consultivas, policiais e
de coordenação».
No entanto, a AMN assume um carácter de transversalidade que
integra todas as entidades civis e militares com competências sobre as
actividades marítimas e portuárias exercidas em espaços sob soberania ou
jurisdição marítima nacional252. Em razão da matéria, cabe à Autoridade
Marítima garantir o cumprimento da lei aplicável aos espaços marítimos
e ao domínio público marítimo, principalmente garantir a segurança,
fiscalizar e controlar a navegação, controlar e garantir a segurança da
faixa costeira do domínio público, das fronteiras marítimas fluviais ou
lacustres, preservar e proteger a área, assim como o meio marinho, os
recursos naturais e o património natural marinho e subaquático, prevenir
o combate à poluição das águas sob jurisdição nacional, garantir a sinalização e balizagem marítimas, os acessos, a segurança marítima, as ajudas e
avisos à navegação e a radiobalizagem marítima (art.º 8.º da Lei n.º 27/12).
Pese embora a Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas
definir, estabelecer a composição e ditar as atribuições da AMN, todavia,
não prevê um sistema de autoridade marítima constituída pelas entidades,
órgãos ou serviços de nível central, provincial ou local que, com funções
de coordenação, executivas, consultivas ou policiais, exerçam poderes de
autoridade marítima.
competente para a Segurança de Navios e Instalações Portuárias e o Sistema Nacional de
Vigilância Marítima e a Guarda Costeira Nacional.
251
Autoridade Marítima Nacional: a orgânica e o enquadramento jurídico. RDeS –
Revista de Direito e Segurança, p. 65.
252
N.º 1, do art.º 7.º da Lei n.º 27/12, de 28 de Agosto, Lei da Marinha Mercante, Portos
e Actividades Conexas.
139
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Não obstante, o referido diploma legal prevê o Sistema Nacional
Integrado para o Controlo do Tráfego Marítimo nas águas nacionais,
abreviadamente designado por SNICTM/VTS (Vessel Traffic System),
que tem como objectivo monitorizar, controlar e fornecer informações
adicionais aos navios em águas confinadas ou muito movimentadas – é
coordenado pela Autoridade Nacional de Controlo de Tráfego Marítimo
e exercido pela Administração Marítima Nacional (art.º 14.º).
Sublinha Fernando Manuel Silva Mota que o sistema VTS «É um
sistema estruturante do ponto de vista da segurança marítima e tem
como objectivos aumentar a segurança da navegação ao longo da costa e
nos Esquemas de Separação de Tráfego (EST), aumentar a segurança da
vida humana no mar, evitar intrusões e o desembarque ilegal de pessoal
e actividades ilícitas nas águas costeiras bem como proteger e melhorar o
ambiente marinho na costa»253.
Relativamente à coordenação, fiscalização, implementação e supervisão
da aplicação das medidas de protecção previstas no Código de Protecção
dos navios de comércio do tráfego internacional e das instalações portuárias a que se destinam, aos riscos e ameaças contra a segurança dos navios
e das instalações portuárias, incluindo as instalações portuárias offshore,
fixas ou flutuantes usadas para armazenamento, carga e descarga de navios,
foi criado, através do Decreto n.º 48/05, de 8 de Agosto, o Comité Nacional
para Aplicação do Código Internacional de Segurança de Navios e das
Instalações Portuárias, órgão interministerial coordenada pela Direcção
Nacional da Marinha Marcante e Portos (arts. 1.º e 2.º do referido Decreto
e art.º 13.º da LMMPAC).
Há vários modelos organizacionais de autoridade marítima no mundo.
Cabe a cada Estado optar pelo seu modelo, que em regra é articulado
com a marinha militar em consideração ao percurso histórico e à cultura
nacional quanto à sua íntima relação com o mar254.
O modelo da autoridade marítima angolana é semelhante ao português
por apresentar uma autoridade administrativa emblemática, i.e., embora
253
MOTA, Fernando Manuel da Silva – Segurança Marítima: o caso nacional e perspectivas de futuro. Instituto de Estudos Superiores Militares [em linha]. Disponível para
consulta em: https://comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/12670/1/1TEN%20Fernando%20
Mota.pdf.
254
Mesmo entendimento PAULO, Jorge Silva, op. cit., p. 68.
140
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
o capitão de porto esteja integrado numa estrutura orgânica que não tem
natureza policial, o capitão de porto é, por inerência legal, o comandante
local da Polícia Marítima e é um oficial da armada, ainda que fora da
estrutura militar255. De igual modo, o capitão de porto tem um leque
muito amplo de competências e de responsabilidades, destacando-se o
facto de que das suas decisões cabe recurso contencioso.
Contudo, há um défice na definição, estruturação e eficácia de exercício
das funções da Autoridade Marítima estabelecida pela Lei n.º 27/12, de 28
de Agosto, Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas.
Nesta senda, Daniel Mango Tchindele propõe um sistema baseado
em duas vertentes: a coordenação política entre os ministérios com
atribuições marítimas, através do Conselho de Ministros do Mar, sob a
presidência do Vice-Presidente da República, com o apoio do SecretárioGeral do Mar, e a coordenação operacional dos serviços executivos, sob a
direcção do Almirante Comandante da Marinha – Autoridade Marítima
Nacional (órgão). O mesmo autor apresenta uma estruturação do sistema
de Autoridade Marítima hierarquicamente subordinada ao Presidente da
República, coordenada e fiscalizada pela Marinha de Guerra de Angola256.
Discordamos da proposta de organigrama, porque obscurece as fronteiras
rígidas entre a Armada e a Autoridade Marítima, e faz retroceder todas as
reformas feitas até ao momento, no âmbito do Direito Marítimo, sobretudo,
do Direito do Mar.
40. Vigilância e monitorização nas zonas oceânicas nacionais
De acordo com o glossário da Organização do Tratado do Atlântico
do Norte (OTAN), a vigilância marítima é entendida como a observação
sistemática da superfície e subsuperfície das áreas marítimas, através
de todos os meios disponíveis, com o principal objectivo de localizar,
255
Idem, p. 69; A Polícia Marítima é uma força policial armada e uniformizada, dotada
de competência especializada nas áreas e matérias legalmente atribuídas à Administração
Marítima Nacional e composta de agentes paramilitares. A Polícia Marítima depende
metodologicamente da Administração Marítima Nacional, sendo regida por Estatuto
Orgânico próprio (art.º 18.º da Lei n.º 27/12, de 28 de Agosto, Lei da Marinha Mercante,
Portos e Actividades Conexas).
256
TCHINDELE, Daniel Mango, op. cit., pp. 90 e 91.
141
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
identificar e determinar o movimento de navios, submarinos ou outros
veículos, amigos ou inimigos, que operam na superfície ou subsuperfície
dos mares e oceanos257, e a monitorização é definida como a «actividade
composta por observar, avaliar e relatar o desempenho, eficiência e práticas
de trabalho de uma organização ou parte dela»258.
Destas noções podemos dizer que a monitorização distingue-se da
vigilância por ser uma acção continuamente melhorada ao longo do tempo,
i.e., os dados adquiridos servem para complementar o conhecimento de
que já se tem de determinado trabalho ou pesquisa; portanto, para se
chegar a uma conclusão sobre as actividades monitorizadas é necessário
levar a cabo acções de vigilância259.
Angola é responsável por uma vasta zona oceânica, porém, vem demonstrando que não está capaz de dissuadir e prevenir qualquer actividade que
ponha em causa a segurança e protecção marítima260, pese embora terem
sido tomadas medidas políticas e investimento financeiro para colmatar
a situação; ainda assim, mantém-se a carência de recursos humanos e
tecnológicos para assegurar a vigilância e monitorização permanente nos
1650 km2 da costa marítima.
Através do Decreto n.º 59/09, de 26 de Outubro, foi criado o Sistema
Nacional de Vigilância Marítima, designado por SINAVIM261, a fim de
garantir o exercício de poderes de soberania e jurisdição nos espaços
marítimos nacionais. Este sistema tem por objecto reforçar a vigilância
e monitorização permanente dos espaços marítimos sob soberania ou
jurisdição angolana, o controlo do tráfego marítimo na zona costeira
NATO – Glossary of terms and definitions (English and French), p. 114.
Idem, p. 85.
259
Neste sentido, CAROLAS, Pedro Miguel da Encarnação – Vigilância e monitorização dos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição portuguesa, p. 8.
260
As ameaças de segurança caracterizam-se por porem em causa a sustentabilidade
ambiental ou por colocarem em risco a vida humana. Já a ameaça de protecção caracteriza-se
por dois tipos: erosivas e sistemáticas. CAROLAS, Pedro Miguel da Encarnação, op. cit., p. 20.
261
O SINAVIM é definido como sendo um órgão interministerial de coordenação
das atividades dos seguintes ministérios: Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da
Pátria, Ministério do Interior, Ministério da Justiça e dos Direitos humanos, Ministério
dos Transporte, Telecomunicações e Tecnologias de Informação, Ministério da Cultura,
Turismo e Ambiente, Ministério da Agricultura e Pescas, Ministério dos Recursos Minerais e
Petróleos, Ministério das e Comunicação Social e Órgãos do Sistema de Segurança Nacional.
Este sistema é liderado pelo Ministério da Defesa Nacional e Veteranos da Pátria.
257
258
142
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
e portuária, o auxílio e apoio às operações SAR (sistema de Busca e
Salvamento) e a localização de embarcações em perigo de naufrágio ou
em zonas de risco (arts. 1.º e 2.º).
Todavia, desconhece-se o documento orientador que apresenta os
vectores e medidas de acção para avaliar estes objectivos dentro de determinado período. Sublinha-se que a falta deste instrumento programático
representa um dos fracassos na coordenação do sistema.
O SINAVIM é apoiado, tecnicamente, pelo Sistema Nacional Integrado
para o Controlo do Tráfego Marítimo (VTS)262, pelo Sistema Nacional
de Monitorização e Captura do Pescado263 e pelo Sistema Nacional de
Observação e Vigilância do Território Nacional264. Este sistema é composto
por duas componentes: a componente de detecção e a componente de
intervenção.
A componente de detecção actua no âmbito da obtenção dos dados
e informações sobre as diversas actividades desenvolvidas no espaço
marítimo nacional, por forma a identificar as actividades ilícitas que põem
em causa a vida humana, que prejudicam o ambiente, os recursos naturais
e, sobretudo, que conflituam com a soberania ou jurisdição do Estado. A
componente de intervenção actua no âmbito do exercício de fiscalização
e patrulhamento no mar, operações SAR ou repressão das actividades
ilícitas nos espaços marítimos265.
Convém-nos também referir alguns sistemas de vigilância e monitorização no espaço marítimo que surgiram com o exponencial desenvolvimento da electrónica266, dentre eles:
Sistema controlado pelo Instituto Marítimo Portuário de Angola.
Este sistema é fiscalizado pelo actual Ministério da Agricultura e Pesca.
264
Tal como o SINAVIM, este sistema pelo Ministério da Defesa e Veterano da Pátria.
265
Na componente de deteção e processamento de informação, contribuem as entidades
detentoras de meios para o efeito, de forma coordenada, mediante a interligação dos respetivos centros de coordenação marítima, nomeadamente, a Marinha de Guerra de Angola
(MGA), a Polícia Fiscal Marítima, o Ministério da Agricultura e Pescas, o Ministério dos
Recursos Minerais e Petróleos, o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, o Ministério
dos Transportes, Telecomunicações e Tecnologia de Informação, órgãos do Sistema de
Segurança Nacional e outros organismos. Na componente de intervenção actuam a MGA, a
Polícia Marítima e a Polícia de Investigação criminal. TCHINDELE, Daniel Mango, op. cit..
266
Sobre esta matéria vide CORREIA, Armando José Dias – Controlar remotamente o
mar. Revista da Armada, pp. 10-12. MOTA, Fernando Manuel da Silva, op. cit., pp. 15-18.
262
263
143
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
a)
O Sistema de Identificação e Localização de Longo Alcance
(Long Range Identification & Tracking – LRIT)267 que tem
como objectivo o seguimento pelos Estados dos navios com a sua
bandeira, sujeitos à regulamentação SOLAS (mais de 300 tons),
através de informações padronizadas de posição, fornecidas pelos
sistemas de seguimento.
A implantação do LRIT e os respectivos Centros de Dados
permitem a fusão e troca de informações entre os sistemas de
controlo do tráfego marítimo e os sistemas SAR.
b) O GMDSS é um sistema automático de emergência e comunicações que permite a difusão de alertas a nível mundial que,
no caso da difusão de um pedido de emergência, efectuado por
qualquer embarcação, é enviado o seu MMSI (Maritime Mobile
System Identification), permitindo uma rápida identificação e
georreferência, contribuindo, decisivamente, para a simplificação
das operações de rádio e para a melhoria de busca e salvamento
marítimo, devidamente coordenada em centros de salvamento
específicos como, por exemplo, o Maritime Rescue Co-ordination
Centre (MRCC) no Centro de Operações Marítimas268.
41. A segurança e defesa militar naval nos espaços marítimos
No âmbito da segurança e defesa da soberania nacional, as forças navais
representam o exercício de autoridade do Estado no território marítimo, e
impõe-se como uma das principais preocupações dos Estados ribeirinhos.
É precisamente no mar que as forças navais devem utilizar a acção de
Estado através de medidas tanto defensivas quanto ofensivas, explorando
as suas características de mobilidade, de permanência, de versatilidade e
PARGANA, Miguel Xavier da Cunha Oliveira Júdice – O exercício da autoridade do Estado
no Mar.
267
Este sistema foi especificado no âmbito do Comité de Segurança Marítima da IMO
(Maritime Safety Committee - MSC), aprovada pela Resolução MSC 202(81) a nova regra
19-1 do Capítulo V referente à segurança da navegação da Convenção Internacional para
Salvaguarda da Vida Humana do Mar, designada por Convenção SOLAS 1974/1988 (com
conteúdo consolidada até 1 de Janeiro de 2010), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008.
268
MOTA, Fernando Manuel da Silva, op. cit., p. 17 s.
144
GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
de flexibilidade. Por esta e outras razões, é afirmado que o mar tem um
valor geoestratégico imensurável no âmbito da Segurança e Defesa, pelo
que permite tomar medidas e acções conducentes à defesa da soberania
e da integridade territorial perante uma ameaça ou agressão externa269.
Alguns autores defendem que a função estratégica de projecção do
mar que bordeja Angola deve surgir como fundamento para que o Estado
invista, com maior seriedade, na edificação do seu dispositivo naval,
mormente pelo quadro geopolítico onde o país se encontra inserido,
sendo necessário que se criem capacidades de projecção de forças, de
forma a garantir a sua própria segurança, minimizando deste modo as
suas vulnerabilidades270.
Relativamente à “doutrina da Marinha de duplo uso”, que define a
Autoridade Marítima Nacional como mais um serviço do ramo militar do
mar, i.e., dá a possibilidade à Marinha de desempenhar missões de âmbito
militar e funções de guarda costeira, esta não é acolhida em Angola, pois
a Marinha desempenha apenas funções de guarda costeira e não propriamente missões militares, tanto a nível nacional como internacional.
A guarda costeira angolana apresenta-se como órgão civil, actuando
como polícia marítima no âmbito da segurança interna, preservando a
autoridade do Estado no domínio marítimo, prevenindo as práticas ilícitas
e promovendo a segurança.
Por sua vez, apesar da falta de meios operacionais, e outros já referidos,
a Marinha de Guerra de Angola tenta garantir a segurança e defesa nas
águas nacionais, destacando-se nas operações SAR (Buscas e Salvamento).
Neste sentido, GINGA , Damião Fernandes Capitão, op. cit., p. 224 s.
FERNANDES, A. Horta; BORGES, João V. – Enquadramento conceptual. In Nogueira
J. M. Freire (coord.) – Pensar a Segurança e Defesa., p. 87. GINGA , Damião Fernandes
Capitão, op. cit., p. 225
269
270
145
Considerações Finais
Na perspectiva de contribuir para a gestão de planificação e ordenamento do uso e utilização dos espaços marítimos nacionais pelos entes
públicos e privados com actividade ligada ao mar, ingressámos neste
desafio para colmatar o vazio doutrinário que se verifica no ramo do
Direito do Mar e Marítimo em Angola.
Angola, tendo sido colonizada por um país reconhecido mundialmente
pela sua perspicácia e domínio sobre o mar, não soube construir uma
identidade cultural marítima e um conhecimento de segurança e defesa
do espaço marítimo. Paralelamente, Angola declarou aprofundar a relação
com o mar a fim de se salvaguardar das ameaças e riscos que tentam a
sua soberania, assim como proteger e preservar os recursos marinhos.
Em contrapartida, o Governo angolano precisa de articular e harmonizar
as diversas políticas dos departamentos ministeriais com actividade
no mar.
Independentemente das boas intenções políticas para o mar, urge
o despertar dos angolanos para os assuntos marítimos, pois o alcance
do desenvolvimento sustentável marítimo carece da participação da
população.
Acautelamos o legislador a ser cuidadoso na adopção do modelo de
ordenamento e gestão do espaço marítimo, não transportando as soluções
da terra para o mar, pois as questões do mar devem ser respondidas pelas
áreas do saber ligados a elas. É necessário este sublinhado, porque nos
deparamos com matérias de competência marítima a serem delegadas a
147
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
sectores não ligados à área, tendo, como exemplo, o Decreto Presidencial
n.º 232/11, de 23 de Agosto, que retira a competência territorial da
orla costeira da Capitania e a transfere para os Governos Provinciais,
levantando-se com este acto o problema da jurisdição do Estado
no porto.
Tal como aqui estudámos, ordenar o espaço marítimo nacional constitui
uma tarefa fundamental do Estado, que se concretiza através de políticas
do mar e cuja implementação compete aos órgãos públicos e privados de
actuação no mar. Um dos objectivos do OEM é, com certeza, identificar e
encorajar utilizações e usos múltiplos do mar. Igualmente, o planeamento
dos usos ou actividades ligadas ao mar é uma das linhas orientadoras da
Estratégia Nacional para o Mar.
O Governo angolano deve adoptar o plano de ordenamento do espaço
marítimo como uma ferramenta de governação indispensável para
assegurar as directrizes assentes nos princípios do desenvolvimento
sustentável, da protecção, da precaução, da defesa dos recursos genéticos
e da coordenação institucional, através do levantamento dos usos e utilizações presentes e futuras, com a finalidade de uma gestão marítima
verdadeiramente integrada.
Reconhecemos que a política de geoestratégia e geoeconomia para o
mar nacional e o seu papel para o desenvolvimento sustentável do continente só alcançará a sua ênfase se forem executados investimentos em
equipamento, operações e formação, em matéria de protecção e segurança
marítimas, e adoptadas medidas de reformas para a Marinha de Guerra
Angolana.
De sublinhar também que o distanciamento de Angola com o mar
não se deve à falta de interesse ou vontade política legislativa, social e
financeira, mas, sim, ao incumprimento dos mesmos e à falta de avaliação
das medidas de carácter nacional, regional e internacional.
A promulgação da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão
do Espaço Marítimo Nacional alterará profundamente o paradigma
nacional e incrementará, inevitavelmente, a responsabilidade dos serviços
e organismos da Administração Pública que intervêm na utilização do
espaço marítimo nacional. Atendendo à nossa realidade, este diploma
representará um desafio em assegurar a compatibilização entre planos
de ordenamento do espaço marítimo e planos com incidência territorial,
concretamente, o plano de ordenamento da orla costeira.
148
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Contudo, Angola deve comprometer-se, seriamente, com uma
Estratégia Nacional para o Mar, a fim de alcançar o uso e utilização sustentável dos recursos marinhos, a afirmação do seu poder no espaço marítimo,
e, sobretudo, para o Angolano identificar o mar como sua identidade e
sustento.
149
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Hidrocarbonetos, tal como emendada em 1973 e 1991 (INTERVENTION 1969),
publicado no Diário da República, I Série n.º 246, adesão aprovada pela Resolução
n.º 29-A/01, Diário da República n.º 46 de 5 de Outubro, publicada no Diário da
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Marinha por Alijamento de Resíduos e outras Matérias (LC 1996), publicado
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de Substancias Perigosas e Tóxicas (HNS 1996), publicado no Diário da
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161
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
Convenção n.º 7/12, de 26 de Dezembro, Convenção Internacional sobre a
Cooperação e Combate Contra a Poluição para Hidrocarboneto (OPRC 1990),
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Convenção n.º 8/12, de 26 de Dezembro, Convenção Internacional sobre
Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição Hidrocarbonetos
(CLC 1992), publicado no Diário da República, I Série n.º 246, adesão aprovada
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Convenção para a delimitação das possessões portuguesas e francesas na África
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Decisão [Assembly/AU/Dec.252(XIII)] adoptada pela 13ª Sessão Ordinária da
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Decisão da Comissão 2017/848 da Comissão, de 17 de Maio, que estabelece os
critérios e as normas metodológicas de avaliação do bom estado ambiental
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sua monitorização e avaliação, e que revoga a Decisão 2010/477/EU [em linha].
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Lei n.º 18/10, Lei do Património Público. DR I série. 148 (06-08-2010) 1676-1688.
Lei n.º 27/12, Lei da Marinha Mercante, Portos e Actividades Conexas. DR I série.
166 (28-08-2012) 3870-3908.
Lei n.º 3/04, Lei do Ordenamento do Território e Urbanismo. DR I série. 51
(25-06-2004) 1001-1018.
Lei n.º 6/02, Lei de Águas. DR I série. 49 (21-06-2002).
Lei n.º 6-A/04, Lei dos Recursos Biológicos Aquáticos. DR I série. 81, suplemento
(08-10-2004).
Lei n.º 9/04, Lei de Terras. DR I série. 90 (09-11-2004) 2117 – 2136.
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Subsídios para o estudo da delimitação e jurisdição dos espaços marítimos
em Angola. Coimbra: Almedina, 2007.
163
ÍNDICE
PREFÁCIO
9
PRINCIPAIS SIGLAS, ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS
15
INTRODUÇÃO
17
CAPÍTULO I – REGIME DA DELIMITAÇÃO DAS FRONTEIRAS
MARÍTIMAS
21
SECÇÃO I – DA HISTORICIDADE DA DEMARCAÇÃO
DAS FRONTEIRAS TERRESTRE E FLUVIAIS
1.
2.
3.
4.
5.
Razão de ordem
A demarcação da fronteira norte e nordeste
A demarcação da fronteira leste e sudeste
A demarcação da fronteira sul
A delimitação das fronteiras marítimas sul e norte
SECÇÃO II – A IDENTIDADE MARÍTIMA, GEOECONOMIA
E O PODER DO ESTADO
6.
7.
8.
9.
10.
Razão de ordem
O mar na identidade cultural angolana
O mar e o poder do Estado
Angola e a geoeconomia marítima
Porquê planear e ordenar o espaço marítimo?
21
21
22
30
32
34
39
39
40
43
48
52
165
A GOVERNAÇÃO “SOMBRA” NO ESPAÇO MARÍTIMO ANGOLANO
CAPÍTULO II – ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO
55
SECÇÃO I – DISPOSIÇÕES GERAIS
55
55
56
59
61
66
11.
12.
13
14.
15.
Razão de ordem
Reflexões sobre o ordenamento do espaço marítimo
O mar propriedade exclusiva do Estado
Regulamentação do espaço marítimo nacional
Articulação do ordenamento marítimo e terrestre
SECÇÃO II – DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
16. Razão de ordem
17. Ordenamento do espaço marítimo como tarefa pública
18. A relação entre o ordenamento do espaço marítimo e o plano
de ordenamento da orla costeira
19. Ordenamento espacial para uma economia marítima próspera
20. A atractividade crescente das zonas costeiras enquanto local
de lazer e trabalho
21. Dos usos e actividades económicas conexas ao mar
SECÇÃO III – DOS PLANOS DE ORDENAMENTO DO ESPAÇO
MARÍTIMO
69
69
72
74
78
80
81
89
89
22. Razão de ordem
23. Objectivos e princípios do plano de ordenamento do espaço
marítimo
24. Sistema de ordenamento e de gestão do espaço marítimo
24.1. Instrumentos de planeamento do espaço marítimo
24.2. A utilização do espaço marítimo nacional
25. Fases fundamentais do processo de ordenamento marítimo
26. Participação pública no ordenamento marítimo
27. Conflitos de uso ou actividades dos meios marinhos
90
92
93
96
99
101
102
CAPÍTULO III – GOVERNANÇA NO ESPAÇO MARÍTIMO NACIONAL
105
SECÇÃO I – COORDENAÇÃO NAS UTILIZAÇÕES DOS SECTORES
LIGADOS AO MAR
28. Razão de ordem
166
105
105
PREFÁCIO
29. A utilização comum e partilha da informação de vigilância
do domínio marítimo africano
30. Importância do meio marítimo para a utilização sustentável
dos nossos recursos marinhos
31. A articulação de uma estratégia angolana para o Mar
32. Medidas de segurança e defesa no espaço marítimo nacional
SECÇÃO II – A BIODIVERSIDADE E O ECOSSISTEMA MARINHO
33.
34.
35.
36.
Razão de ordem
Gestão da biodiversidade e dos ecossistemas marinhos
Poluição marinha resultante de hidrocarboneto
A protecção do meio marinho nas águas nacionais
SECÇÃO III – O EXERCÍCIO DA AUTORIDADE DO ESTADO NO MAR
37. Razão de ordem
38. Um olhar sobre a evolução institucional da Autoridade
Marítima Nacional
39. A Autoridade Marítima Nacional
40. Vigilância e monitorização nas zonas oceânicas nacionais
41. A segurança e defesa militar naval nos espaços marítimos
107
111
115
118
121
121
122
128
131
134
134
135
138
141
144
CONSIDERAÇÕES FINAIS
147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
151
167