UMA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DA BAHIA:
uma análise do ensino de Aritmética nas Revistas do Ensino Primário
(1892-1893)
Rosemeire dos Santos Amaral
Doutoranda - UFS – roseamaral@gmail.com
Irani Parolin Santana
Doutora – UESB - irani@ccsantana.com
Claudinei de Camargo Sant’Ana
Pós-doutor – UESB - claudinei@ccsantana.com
Resumo
Este artigo apresenta uma exposição e análise dos pressupostos do ensino de Aritmética
na Bahia, nos anos finais do século XIX, por intermédio das publicações da Revista do
Ensino Primário, referentes aos anos de 1892 e 1893, como constructos para o estudo da
História da Educação Matemática na Bahia. A Revista do Ensino, disponível na
Biblioteca Pública do Estado da Bahia, no setor de periódicos raros, em seus 10
exemplares, mostrou-se um instrumento para a referida pesquisa, elucidando aspectos
de cunho histórico-cultural, social e educativo, quanto à situação do ensino de
Aritmética nas Escolas Primárias do Estado que, seguindo o perfil dos outros Estados,
porém de maneira vagarosa e retardatária, investia nos preceitos de uma pedagogia
moderna, com base nos modelos pedagógicos desenvolvidos e aplicados em países
como os Estados Unidos. Mesmo com dificuldades, foi implantado o ensino intuitivo
em tais escolas, com a adoção do livro de Antônio Trajano, bem como tecnologias mais
avançadas para a época como as máquinas de contar e os contadores mecânicos
conhecidos como “arithmometros e fracciometros”, visando um melhor desempenho
para o ensino da Aritmética.
Palavras-chave: Aritmética. Educação na Bahia. História da Educação Matemática.
Revista do Ensino Primário. Século XIX.
Abstract
This article presents an exposition and analysis of the presuppositions of Arithmetic
teaching in Bahia in the last years of nineteenth century, using the publications of the
Journal of Primary Education, referring to the years of 1892 and 1893, as buildings for
the study of History of Mathematics Education in Bahia. The Magazine of teaching,
available in the Public Library of the State of Bahia, in the rare periodicals sector, in its
10 copies, was an instrument for this research, solving historical, cultural, social and
educational aspects regarding the situation of Arithmetic teaching in Primary Schools of
the State that, following the profile of other states, but in a slow and downgrading way,
invested in the precepts of a modern pedagogy, based on the pedagogical models
developed and applied in countries like the United States. Even with difficulties,
2
intuitive teaching, was implemented in such schools, with the adoption of Antonio
Trajano's book, as well as more advanced technologies for the time, such as counting
machines and the mechanical counters known as "arithmometros and fracciometers",
looking for a better performance for teaching Arithmetic.
Keywords: Arithmetic. Education in Bahia. History of Mathematics Education.
Magazine of Primary Education. XIX century.
Os caminhos da pesquisa
O Grupo de Estudos em Educação Matemática (GEEM), instituído na
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) no ano de 2004, diferindo um
pouco de sua formação inicial, é composto por docentes e discentes do Curso de
Licenciatura em Matemática, alunos de Iniciação Científica, Mestrandos dos Programas
de Pós-graduação em Educação Científica e Formação de Professores (PPG-ECFP) –
Campus Jequié e em Ensino (PPGEn) – Campus Vitória da Conquista, doutorandos da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e da Universidade Federal de
Sergipe (UFS), e professores da Rede Pública do Ensino Básico, divulgando parte de
seu trabalho pelo site http://geem.mat.br/br/node/.
O compromisso de seus integrantes e o envolvimento nas atividades científicas
propiciaram a participação e/ou organização em/de eventos, como seminários temáticos,
congressos nacionais e internacionais, palestras e oficinas, bem como a produção de
trabalhos acadêmicos, a exemplo, artigos e dissertações, enfim, diversas produções.
Dentre as propostas de pesquisa, três se encontram em andamento. Primeiro, um
projeto “guarda-chuva”, coordenado pelo Grupo de Pesquisa em História da Educação
Matemática no Brasil (GHEMAT), desde o ano de 2012, intitulado “A Constituição dos
Saberes Elementares Matemáticos: a Aritmética, a Geometria e o Desenho no Curso
Primário em Perspectiva Histórico-Comparativa, 1890-1970”; segundo, “A Construção
dos Saberes Elementares Matemáticos no Curso Primário no Estado da Bahia (19401970)”, de chamada Pública Universal do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), MCTI-CNPq, edital 14/2013 - n° 479504/2013-0; e,
por último, “O ensino de Matemática no Curso Primário no Estado da Bahia: a
caracterização de um percurso”, também vinculado ao CNPq, Edital Universal 01/2016,
processo 407925/2016-3.
O ACCE (Ações Colaborativas e Cooperativas em Educação) compõe uma das
ramificações do GEEM e configura-se enquanto um programa extensionista na UESB.
Como fruto deste empenho, dois livros, “Grupos de Estudos em Educação Matemática:
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
3
ações cooperativas e colaborativas constituídas por várias vozes” e “Ações
Colaborativas e Cooperativas em Educação: entre História, Ensino e Formação de
Professores”, representam a compilação dos trabalhos apresentados nos “I e II
Simpósios de Pesquisa e Extensão em Grupos Colaborativos e Cooperativos/Jornadas
de Estudos do GEEM: discutindo a Constituição dos Saberes Elementares Matemáticos
no Curso Primário no Estado da Bahia”, ocorridos em 2015 e 2016, respectivamente.
Um dos desafios do mais novo empreendimento GEEM, a Revista eletrônica
“Com a palavra, o professor”, é a divulgação de trabalhos originais, vivenciados e
externados por profissionais da educação em situações de ensino e aprendizagem em
sala de aula, por meio do que intitulamos “Relatos de experiência”. Com tão pouco
tempo de existência, a avaliação de periódicos CAPES foi positiva, escalonando a
revista para o Qualis B2. Uma publicação quadrimestral, com recebimento de
submissões de artigos em demanda contínua e chamadas para números temáticos,
acessível no endereço http://revista.geem.mat.br/index.php/CPP.
Contamos ainda com a integração junto a colaboradores de outras áreas e
instituições de Ensino Superior. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é
uma dessas parceiras, disponibilizando uma vasta coletânea de arquivos e fontes
documentais (1.317 documentos submetidos, até agosto/2017) a respeito da História da
Educação Matemática, sob a responsabilidade dos mais variados grupos de pesquisa do
país, compartilhando-a por meio do Repositório Institucional Digital, de livre acesso,
sob o link https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769.
Costa (2015, p. 437- 438) enfatiza que,
inicialmente o Repositório estava estruturado para algumas coleções,
tais como: legislação escolar, livros didáticos, revistas pedagógicas,
artigos acadêmicos, teses e dissertações. No entanto, o uso do
repositório demonstrou maior efetividade quando o mesmo passou a
ser categorizado não pela natureza de suas fontes, mas da localidade
das fontes originais indicadas pelos diversos pesquisadores lotados em
diversas instituições de pesquisa e ensino nos diferentes estados
federativos brasileiros.
Mediante isso, é imprescindível esquadrinharmos, ainda que rapidamente, o
processo percorrido pela pesquisa em História da Educação Matemática com relação ao
uso de revistas pedagógicas como fontes documentais, para alçarmos o propósito
essencial deste texto que é apresentar uma exposição e análise dos pressupostos do
ensino de Aritmética na Bahia nos anos finais do século XIX, por intermédio das
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
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publicações da Revista do Ensino Primário, referentes a 1892 e 1893, como constructos
para o estudo da História da Educação Matemática na Bahia.
A pesquisa em História da Educação Matemática e as revistas pedagógicas
Com ensejo nas propostas do projeto nacional, realizou-se o “XII Seminário
Temático - A Constituição dos Saberes Elementares Matemáticos: o que dizem as
revistas pedagógicas? (1890 – 1970)”, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR), Curitiba, de 8 a 11 de abril de 2015. O referido evento teve por escopo o
debate a respeito de
como o método analítico, os grupos escolares, a história comparada,
tendo em vista estimular novas discussões e compreensões acerca da
constituição dos saberes elementares matemáticos, buscando
similaridades e contrastes entre o regional e o nacional e as formas
como diferentes ideários educativos, disseminados em impressos
pedagógicos publicados no Brasil, marcaram o ensino primário desde
a implantação do modelo de escola primária seriada, os denominados
grupos escolares. (PINTO; VALENTE, 2015, p. 3).
Ao todo, foram sessenta e um artigos fundamentados na constituição dos saberes
elementares matemáticos e discutidos com foco, em sua maioria, nas revistas
pedagógicas como fontes primárias de pesquisa histórica, os quais constituem os Anais
disponíveis em: http://www2.td.utfpr.edu.br/seminario_tematico/anais.php.
Ao observarmos os trabalhos, dez fazem referência aos anos finais do século
XIX, como explícito no Quadro 01:
QUADRO 01: Trabalhos apresentados no XII Seminário Temático – Curitiba, 2015,
com referência nos anos finais do século XIX
AUTOR(ES)
AMARAL;
SANTANA;
SANT’ANA
BARROS;
OLIVEIRA
D’ESQUIVEL;
SANT’ANA
FONTE DOCUMENTAL
A Revista do Ensino
Primário (1892-1893); A
Eschola Publica (18961897); e A Escola Primária
(1928); Provas do Ensino
Primário e Relatos de exalunos
(Brumado
e
Guanambi-BA).
Revista do
legislação.
Revista
Primário.
de
Ensino
e
Ensino
FOCO
PERÍODO
Ensino de Geometria;
1892-1893;
A continuidade/ruptura
1896-1897;
da Cultura Escolar;
1928.
Grupos Escolares.
Ensino de Geometria;
formação
de
normalistas.
Como
foram
interpretadas por parte
dos professores as
ações governamentais
de atendimento às
ESTADO
BAHIA;
RIO DE
JANEIRO;
SÃO PAULO.
1890-1930
MINAS
GERAIS
1892-1893
BAHIA
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
5
FONSECA;
SANTOS
FRIZZARINI
LEME DA
SILVA
LUZ; RIOS
SALVADOR
SILVA; RIOS
Decretos, Leis,
Regulamentos e a Revista
A Eschola Publica.
Revista A Eschola Publica
- artigos de Ramon Roca e
Alfredo Bresser sobre
Trabalhos Manuais.
Revista A Eschola Publica
- artigos de Oscar
Thompson e Gomes
Cardim.
A coleção da RIC (Revista
Infantil Cacique), 19541963;
Centro
de
Documentação
da
Universidade Federal de
Pelotas (CEDOC/UFPel).
Legislações, livros, relatos
do período.
Legislação;
Matrizes Curriculares;
Programas de Ensino.
determinações legais
para o ensino de
Matemática na Revista
do Ensino Primário.
Exame
sobre
os
saberes
elementares
geométricos.
Trabalhos Manuais e
os Saberes Elementares
Matemáticos.
O método analítico;
estudos da leitura e
escrita;
ensino
de
saberes geométricos.
Programas de ensino
de Matemática no
Curso
Primário
Geometria
e
Aritmética.
Ensino de Aritmética
na Escola Normal.
Instrução pública no
Maranhão e na análise
dos Programas de
Ensino de Matemática.
1896-1897
SERGIPE
1896-1897
SÃO PAULO
1896-1897
SÃO PAULO
1890-1930
MARANHÃO
1890-1950
RIO DE
JANEIRO
1890-1930
MARANHÃO
Revista A Eschola Publica
- artigos escritos por
Ensino das medidas
TRINDADE
1896-1897
Ramon Roca e Gabriel para o Curso Primário.
Prestes.
Revista Escola Nova; as Caracterização
dos
ideias de Caetano de saberes elementares do
Campos
(1891)
- Curso Primário, em
VALENTE
Annuario do Ensino do especial aqueles que 1891-1930
Estado de São Paulo dizem
respeito
à
(1907-1908) e de Fernando Matemática escolar.
de Azevedo (1930).
Fonte: Elaboração dos autores, com base nos Anais do XII Seminário Temático.
SÃO PAULO
SÃO PAULO
Particularizando os 10 textos, praticamente a metade se debruça exclusivamente
sobre os saberes elementares geométricos – conforme o tarjado acinzentado no quadro
01 –, 1 dedica-se à relação dos Trabalhos Manuais com os saberes matemáticos e 4
pontuam
uma
investigação
sobre
os
Programas,
Currículo
e
Ensino
de
Matemática/Aritmética, sendo o Estado de São Paulo o mais destacado no quantitativo
de investigações.
O trabalho que mais se aproxima do que apresentamos é o de D’Esquivel e
Sant’Ana que, por sinal, utilizam a mesma fonte de pesquisa. Embora anunciem no
título o método intuitivo, a preocupação primordial é “como nas publicações da Revista
do Ensino Primário foram interpretadas as ações governamentais de atendimento a tais
determinações para o ensino de Matemática” (D’ESQUIVEL; SANT’ANA, 2015, p.
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
6
371), mais precisamente quanto ao ensino de Aritmética e Desenho Linear, sendo esta
última a matéria mais factível, devido ser objeto da pesquisa de Mestrado, na ocasião.
Em uma busca por investigações que analisam as Revistas do Ensino da Bahia
(1892-1893), localizamos a elaboração de Santana (2009). Seu objetivo foi “o resgate de
um aspecto da memória da educação ainda pouco trabalhado entre nós e identificar as
distâncias e aproximações existentes entre o currículo prescrito pela administração do
ensino e o currículo em uso na sala de aula” (SANTANA, 2009, p. 70).
O que diferencia o trabalho de D’Esquivel e Sant’Ana (2015) e Santana (2009) é
a abordagem. O primeiro detém-se nos saberes matemáticos, com base no Desenho
Linear; o segundo descreve aspectos mais amplos como as condições de trabalho dos
professores, a situação das escolas, a obrigatoriedade escolar. Ambos detalham o
contexto da criação da revista, as políticas públicas para a educação e as normas legais,
quando concordam sobre a incongruência entre o que determinavam as leis
educacionais e o que ocorria, na prática, na escola primária baiana.
Visto o crescente número de pesquisas em Educação Matemática que pretende
os periódicos pedagógicos enquanto fonte primária, esse quantitativo de trabalhos pode
ser considerado pequeno. Talvez isso implique na afirmativa de que os arquivos/acervos
não foram conservados para posteridade e permitido o alcance de pesquisadores da área,
ou o fato de não existirem registros mais evidentes desse recorte temporal para os
periódicos educacionais.
Quanto ao Repositório Institucional UFSC, dos dezessete Estados que inseriram
periódicos pedagógicos no Repositório, somente quatro contemplam publicações para
os anos finais do século XIX e, chama-nos a atenção o fato de que o Estado do Pará
conseguiu preservar um acervo potencial, composto de trinta exemplares, como listado
no Quadro 02:
QUADRO 02: Revistas no Repositório Institucional UFSC, anos finais do século XIX
ESTADO
Bahia
REVISTA
QUANTITATIVO
REVISTA DE ENSINO
10
REVISTA DE EDUCAÇÃO E
Pará
30
ENSINO
Rio de Janeiro
REVISTA PEDAGÓGICA
6
A ESCHOLA PUBLICA
18
REVISTA DO JARDIM DE
São Paulo
2
INFÂNCIA
REVISTA PEDAGÓGICA
1
Fonte: Elaboração dos autores, com base no Repositório UFSC
PERÍODO
(1892-1893)
(1891-1894)
(1891 e 1893)
(1893-1894-1896-1897)
(1896 e 1897)
(1893)
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
7
Considerando essas informações e o pensamento de Garnica e Souza (2012, p.
27), nos é recorrente refletir a função da Educação Matemática, pautando-se no
transcorrer da História quando especificamente,
a História da Educação Matemática visa compreender as alterações e
permanências nas práticas relativas ao ensino e à aprendizagem de
Matemática; dedica-se a estudar como as comunidades se
organizavam para produzir, usar e compartilhar conhecimentos
matemáticos como, afinal de contas, as práticas do passado podem –
se é que podem – nos ajudar a compreender, projetar, propor e avaliar
as práticas do presente. (Grifo nosso).
“Compreender, projetar, propor e avaliar as práticas” de um determinado tempo
e sociedade, inspira mudanças. Renovação e reformas são as palavras que permearam os
discursos escritos ou orais, oficiais ou extraoficiais desde as evidências iniciais até a
consolidação da Escola Primária no Brasil, particularmente, na esfera pública, com vista
à implantação de novos modelos educacionais. A reforma da educação antecedente à
instauração da República delegava autonomia para cada Estado elaborar sua Lei
Orgânica. Leal (1893), representando o corpo de editores da Revista do Ensino
Primário, aponta que, na Bahia, foi uma ação inconsistente, pois
si reformar é dar outra forma, renovar, melhorar, necessariamente não
podia deixar de produzir effeitos vantajosos em sua execução o
Regulamento de 18 de Agosto de 1890 sobre a instrucção publica,
uma vez que o fim do legislador era dar ao Estado uma lei orgânica de
accordo com os princípios democráticos; mas, tendo-se, na pratica,
pouco aproveitado das salutares disposições d’essa lei, em virtude de
sua não execução total, quer por falta de recursos pecuniários por
parte do governo, quer por falta do pessoal habilitado, que por
qualquer outra causa que ignoramos, o certo é que das escholas
infantis apenas acaba de ser iniciada uma a esforços de sua digna
diretora. (LEAL, 1893, p. 127).
Mesmo com esse contexto na Bahia, as experiências desenvolvidas nos Estados
Unidos e Europa passaram a ser tomadas como modelos precursores e de sucesso em
vários Estados e setores sociais brasileiros, consequentemente, instaurando-se como
“forte a necessidade de imitação como forma de conquistar um status de civilidade,
progresso, modernidade, não se excetuando o campo da educação, em especial, ao que
se refere a escolarização da infância, realizada nas escolas primárias” (AMARAL;
SOBRAL, 2016, p. 2), utilizando-se dos impressos para propagandear seus resultados.
A imprensa do ensino no Brasil, no que diz respeito aos anos finais do século
XIX, sem dúvida, foi veículo de comunicação que publicitou momentos históricos e
políticos no setor educacional do país e do exterior. Curiosamente, as revistas do ensino
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
8
da Bahia, em 1893, possuem seções e artigos que equivalem a correspondências com o
Pará, Rio de Janeiro e São Paulo, comprovando o intercâmbio cultural entre os Estados,
um exemplo de “como as comunidades se organizavam para produzir, usar e
compartilhar conhecimentos” (GARNICA; SOUZA, 2012, p. 27) e, em algumas delas,
publicações com informes sobre a educação em outros países, como segue no Quadro
03:
QUADRO 03: As Revistas do Ensino Primário da Bahia e seus informativos (1893)
REVISTA
Revista do
Ensino
Primário
da Bahia
NÚMERO
N. 06,
p. 109-115.
SEÇÃO
Colaboração
N. 07,
p. 128-134.
Colaboração
INFORMAÇÃO
Projecto de Reforma da Instrucção Publica do Estado de S.
Paulo.
Projecto de Reforma da Instrucção Publica do Estado de S.
Paulo (continuação).
Recebimento da Revista Pedagogica do Pedagogium – Rio
de Janeiro
Informações da repartição de instrução pública prussiana;
N. 10,
Noticiário
Comunicado de Recebimento da Revista de Educação e
p. 196.
Ensino, do Pará, anno 3, vol, 3, n. 6, de mez de junho.
N. 12,
Recebimento da Revista de Educação e Ensino, do Pará,
Noticiário
p. 236.
anno 3, vol, 3, n. 8, agosto.
Fonte: Elaboração dos autores, com base nas Revista do Ensino Primário
N.9,
p. 176.
Bibliographia
Denominamos “informativos” as seções das revistas de ensino que possuíam
notas de colaboração, noticiário e bibliografia (indicações de lançamento de livros e
revistas). Não obstante, endossando as palavras de Santana (2009), escassa é a
preservação desse material como memória da escola primária e, sobretudo, fontes
indeléveis para a História da Educação.
Catani (1996), ao fazer um levantamento em perspectiva histórica sobre as
revistas de ensino, destaca que a titularidade “Revista de ensino” é peculiar à “criação e
a edição em 1883 da Revista de ensino, no Rio de Janeiro. Esse título, aliás, viria a se
repetir muitas vezes nos periódicos educacionais, podendo ser visto em revistas do Pará,
Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul” (CATANI, 1996, p. 123 - grifo da
autora), representando mais uma similitude ou aproximação entre esses estados.
O Brasil, tendo seu pioneiro o Estado de São Paulo – talvez isso nos responda
quanto aos resultados de pesquisa e acesso aos documentos serem mais aparentes – e,
difundido por todos os outros, adentrando as capitais e interior, dissipou o projeto de
modernização da escola brasileira. Alguns periódicos paulistas são enunciados por
Catani (1996), englobando esse mesmo período:
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
9
1893-1897: A Escola pública (editada por iniciativa de um grupo de
professores, sofre várias interrupções e em alguns momentos conta
com o apoio do Estado).
1896-1897: Revista do Jardim da Infância (editada por Gabriel
Prestes, destinava-se à divulgação dos métodos e materiais de
educação pré-escolar utilizados no Jardim da Infância anexo à Escola
Normal). (CATANI, 1996, p. 125).
Ainda desconhecido o motivo, mas as Revistas de Ensino, em muitos lugares,
tiveram suas edições interrompidas por um determinado tempo ou eliminadas do
cenário educacional, uma pauta para futura inquirição. “A Revista A Eschola Publica,
tem seu período de veiculação de 1893 a 1897, tendo seu ciclo de vida desenvolvido em
três momentos distintos: 1893, 1895 e 1896” (PINTO, 2000, p. 3). Embora saibamos
que a Revista do Ensino da Bahia foi instalada em 1892, Santana (2009) afirma não
haver informações sobre a sua extinção, possivelmente, em 1893.
A Revista do Ensino Primário na Bahia
Compreendida a conformidade Educação/período histórico brasileiro, o que nos
atém, nesta chamada, é essencialmente uma investigação sobre a produção e circulação
da Revista do Ensino Primário da Bahia, visto que
o final do século XIX se caracteriza também pela intensificação da
circulação dos periódicos educacionais em várias províncias do país.
Tais publicações constituem como que “sínteses” dos discursos
pedagógicos de seu tempo, seja como veículo de reprodução das
representações oficiais para a educação, seja como espaço de
contestação. Tomados como fontes, os periódicos educacionais são
uma alternativa à dispersão documental possível sobre um
determinado fato histórico. (D’ESQUIVEL; SANT’ANA, 2016, p.
187 – grifos nossos).
O “veículo de reprodução das representações oficiais para a educação” nos
permite depreender que era por intermédio das Revistas do Ensino que se propagava o
que estava em vigor ou em discussão na área educacional, os ditos oficiais eram
salientados nos exemplares dos periódicos, vistos ora em concordância, ora em forma de
controvérsia. D’Esquivel e Sant’Ana (2015, p. 374) convencionam que,
se por um lado apresentam críticas às iniciativas governamentais,
classificadas de “antipedagógicas” em alguns casos; por outro, assume
uma postura propositiva, e apresentam alternativas às determinações
legais, no intuito de torná-las mais condizentes com a realidade do
ensino primário no estado.
Amaral (2015, p. 21) expõe que “o estado da Bahia homologou sua primeira
Constituição em 1891. Porém, os deputados e senadores adiaram a elaboração da
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
10
Resolução Complementar relativa à educação exigida pelo texto constitucional”, por
uma média de quatro anos. “Em novembro de 1892, três anos após a proclamação da
República, quando a Revista aparece, estava em vigor o Regulamento de 1890 e o
Regimento interno das escolas primárias estabelecido em março de 1891” (SANTANA,
2009, p. 73), o que pode ser um indício comprobatório da declaração quanto à
precariedade em que o setor se encontrava, conforme declararam os redatores da revista
em questão, tanto quanto aos recursos financeiros, como humanos.
O diretor geral da Instrução Pública do Estado da Bahia, Dr. Satyro de Oliveira
Dias (1892, p. 1), em sua “falla” ao excelentíssimo Contra-almirante Governador do
Estado – texto apresentado no relatório à Assembleia Legislativa pelo então, sub-diretor
Joaquim Leal Ferreira –, reconhece a situação de inércia e ineficiência do setor,
afirmando que “por aquele regimento continua ainda hoje a reger-se a Instrucção
Publica do Estado, se bem que não executado em grande parte de suas mais urgentes e
beneliças disposições”.
Assim, as Revistas do Ensino Primário, uma publicação mensal efetivada e
inaugurada em 1º de novembro de 1892, produzidas no Estado da Bahia constituem um
rico e instigante objeto de pesquisa, possibilitando a investigação quanto aos modelos
pedagógicos, aos programas de ensino adotados, em especial, de Aritmética, bem como
a condução por parte dos professores em resposta às condições oferecidas pelos órgãos
governamentais, enquanto “ espaço de contestação” (D’ESQUIVEL; SANT’ANA, 2016,
p. 187).
De acordo com Santana (2009, p. 73), na referida revista, “o mote para a
construção dos textos pelos redatores e colaboradores é a crítica à legislação vigente, o
descaso das autoridades e a incompetência dos administradores e inspetores por
desconhecimento do campo educacional e da realidade local”, um aspecto que implica
dizer que o estado poderia estar em dissonância com outras localidades, em uma
situação de precariedade do sistema educacional.
Diante deste contexto, indagamo-nos: Qual o teor das publicações das Revistas
do Ensino Primário na Bahia? Que aspectos do ensino da Aritmética são externados?
Pesquisadores como Santana (2009) e D’Esquivel e Santana (2015) citam a
catalogação e o conhecimento de doze exemplares da revista. No entanto, nas últimas
visitas aos arquivos, somente dez foram localizados e puderam ser manuseados junto ao
acervo da Biblioteca Pública do Estado da Bahia, setor de Periódicos Raros, constando a
ausência dos números 4 e 5, como verificado junto ao Repositório UFSC.
EM TEIA – Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana – vol. 8 - número 3 – 2017
11
A princípio, a Revista do Ensino Primário alocada pela Lhito-typographia de J.
G. Tourinho – situada ao Largo das Princezas, nº 15, 2º andar, Salvador – enfatiza sua
periodicidade e chama-nos a atenção em seu slogan em latim: “Nos etiam pro causa
nóstra pugnamos” que, traduzindo-o, “Nós, por nossa causa, combatemos, diga-se,
pugnamos”.
Embora seus redatores, os professores Leopoldo dos Reis, Luis Leal e Theotímio
de Almeida, tenham sugerido que a interpretação não se faça fielmente às palavras
expressas,
torna-se
relevante
o
reconhecimento
destas
produções
para
o
acompanhamento, registro, planejamento e avaliação da Educação, ao passo que
registram-se as deliberações do período, bem como colaborações espontâneas para a
escrita e divulgação das edições, lançando-as ao mercado em condições de assinaturas
anuais e semestrais ou catálogos avulsos, com preços diferenciados para a capital e as
regiões, um informativo autêntico e norteador para a sociedade baiana, um percurso da
História da Educação no Brasil, considerando que, “como professores, os editores da
revista tinham conhecimento amplo da realidade da escola primária na Bahia, o que
enriquece suas análises” (D’ESQUIVEL; SANT’ANA, 2016, p. 373).
Em seu primeiro caderno, os editores Leopoldo dos Reis e Luiz Leal destacam
as intencionalidades da publicação, reverenciando o slogan da revista:
Despidos de pretensões ás altas posições sociaes, ambicionando
aquillo que estiver ao nosso alcance, não discutiremos politica, nem
ocupar-nos-hemos de questões pessoaes; defenderemos, com tudo, a
qualquer dos membros d’essa grande classe, que tão indiferentemente
tem sido olhada por muitos dos nossos governos, quando precisam do
nosso auxilio, assim como, não deixaremos de censurar e profligar os
actos maos praticados por qualquer professor, que, esquecido de sua
honrosa missão, a isso der causa (REIS; LEAL, 1892, p. 5).
Sabendo-se da tomada de consciência da classe professoral e que a propaganda
governamental utiliza-se, independentemente do espaço temporal, territorial e histórico,
dos meios de comunicação em massa, principalmente dos escritos, para a propagação de
seus atos e dimensionar crescentemente os feitos públicos com o intuito de angariar
simpatia junto à maioria de uma população, a Revista do Ensino Primário não
demonstra uma ligação política, nem mesmo um instrumento de corroboração de luta de
classes, administração social, dominação, educação elitizada etc. Ao contrário, seus
colaboradores fazem questão de ser o mais “correto” possível, até mesmo quando o
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assunto tange aos colegas de profissão, em decorrência de atitudes que ferem “sua
honrosa missão”.
Nos discursos proferidos em seus cadernos, há uma incisiva e declarada
necessidade de mudanças no setor educacional, sugestões em acatar/assimilar padrões
de comportamentos aplicados no exterior - Europa e América do Norte – ou ainda
provenientes dos planos/reformas educacionais/sociais os quais o país vivenciara ou
recusara/transgredira naquele momento. Ao mesmo tempo, “nos remete às dificuldades
para integrar o método intuitivo à prática escolar dos professores da escola primária da
Bahia” (SANTANA, 2009, p. 76), pois como declara Cavalcante (1892a, p. 6), o Estado
já possuía “uma lei que determina que o ensino deve ser pratico e intuitivo, e a adoção
destes livros anti-pedagógicos não satisfaz aos requisitos impostos pela lei”.
Assim, a Revista do Ensino Primário induz-nos ao questionamento quanto ao
ensino de Aritmética no Curso Primário baiano nos anos finas do século XIX, em
especial, no que diz respeito aos livros didáticos e ao método intuitivo. O que
argumenta o periódico?
O ensino de Aritmética nas Revistas do Ensino: produzindo, usando e
compartilhando conhecimentos matemáticos – Bahia (1892 – 1893)
Do total de exemplares da Revista do Ensino Primário da Bahia, os que fazem
referência ao ensino da Aritmética são os de número 1, 2 (edições do ano de 1892),
sendo assinante das matérias o professor Argemiro Cavalcante e os de número 8, 9, 10,
11 e 12 (edições do ano de 1893), sob a redação do professor Pedro Celestino Silva.
Em relação às “Considerações sobre o ensino de Leitura e Arithmetica”, o artigo
do professor Argemiro Cavalcante, no volume inaugural da revista, explicita a suposta
rejeição de cartilhas do ABC e tabuadas, bem como suas aquisições, por considerar uma
metodologia ineficaz e inviável, um gasto inútil por parte da Diretoria de Instrucção
Pública do Estado, um dispêndio desnecessário do dinheiro público em reposições, pois
“são encadernadas e impressas em ruim papel, podem durar, quando muito um anno.
Terminado o fornecimento terá a repartição de fazer nova acquisição, despendendo o
Estado um dinheiro inútil” (CAVALCANTE, 1892a, p. 7-8).
Argemiro Cavalcante denuncia a qualidade do material empregado nos
instrumentos pedagógicos, mas delineia alternativas mais viáveis, pois
seria mais pedagógico, e de acordo a marcha progressiva da
instrucção, substituir as cartas, pelas Caixas Alphabeticas de Thollois,
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Cubos Alphabeticos, etc. O ensino de Aritmética tem por base o
cálculo mental, que exerce grande influência sobre a formação das
idéas e sobre as faculdades intellectuaes, desenvolvendo o raciocinio
deductivo, deve ser feito por meio de exercícios práticos, análogos as
secções de cousas por meio de exercícios de calculo oral, com auxilio
de quantidades concretas... A ideia de numero não diz nada ao espirito
da creança, si tal ideia não fôr materializada em alguma cousa que ella
possa ver e apalpar: “3 não significa cousa alguma para ella, ao passo
que 3 maçãs é muito clara”. (CAVALCANTE, 1892a, p. 8).
Para fundamentar a sua crítica, Cavalcante apresenta uma justificativa pautada
na concepção de que, para a pedagogia moderna,
o ensino d’estas disciplinas, como de todas as mais, deve ser do
simples para o composto, do indefinido, para o definido, do concreto
para o abstrato... a prática tem demonstrado que a creança não
comprehende senão o concreto e o synthetico; o que falla aos seus
sentidos e o que a interessa; e esses livros são absolutamente
contrários à marcha natural da inteligência infantil... como
consequência o atrophiamento das faculdades, o cansaço e o desgosto
para o estudo. (CAVALCANTE, 1892a, p. 6-7).
A aplicação da tabuada é um exemplo. Como algo mecânico e desprovido de
contexto social para o aprendiz, gerava interrogações: “Si estas e outras muitas
considerações de sábios pedagogistas tem demonstrado que o ensino de arithmetica
deve ser pratico e análogo as lecções de cousas, devemos admitir as taboadas para o
ensino nas nossas escholas?” (CAVALCANTE, 1892a, p. 8).
Esse questionamento diz respeito também ao fato de que a Aritmética da escola
dos primeiros anos deveria ser baseada na materialidade das coisas, de preferência, de
maior alcance das crianças, quando associadas, melhor compreendidas e aprendidas.
Todas essas indicações nos conduzem a pensar na “apropriação” da obra “Primeiras
Lições de Coisas, Manual de Ensino Elementar para uso dos Paes e Professores”, de
autoria do norte-americano Norman Allison Calkins, traduzida para o português por Rui
Barbosa, possivelmente em 1886, com “ampla circulação no Brasil nas duas últimas
décadas do século XIX e nas duas iniciais do século XX” (GOMES, 2011, p. 55).
Entretanto, D’Esquivel e Sant’ana (2015, p. 372) manifestam uma desconfiança desta
orientação, à medida que “na Bahia a expressão lição de coisas já fazia parte do texto
legal da reforma educacional de 1881”, ou seja, bem anterior à adoção do manual.
No número 2, Argemiro Cavalcante, em continuidade ao seu colóquio em
relação ao modelo pedagógico proferido pelo estado baiano, expõe questionamentos
quanto aos livros didáticos aprovados pelo Conselho de Educação, qualidade e
quantidade inconsistentes para o atendimento do público estudantil/número de escolas:
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A directoria pediu 1000 exemplares da Arithmetica de Trajano e 3000
exemplares da de Rodrigues da Costa. São estas Arithmetica uteis á
eschola primaria? Admitindo a hypothese de serem estas Arithmeticas
uteis á eschola primária, 3000 exemplares de uma, 1000 exemplares
de outra são numero suficiente para o fornecimento de todas as
escholas primarias do Estado? Temos mais de 700 escholas primarias.
(CAVALCANTE, 1892b, p. 21-22).
Discorrer sobre livros didáticos sem dedicarmo-nos a relatar o mínimo sobre
seus autores incorre em uma incoerência. É inegável a participação do português
Trajano na consolidação do ensino primário no Brasil, pois, como destaca Valente
(2007, p. 164), “à parte os didáticos de Aritmética escritos por professores do Pedro II e
das escolas militares, que formavam a referência para o ensino nos liceus e
preparatórios, um autor, Antônio Trajano, teve suas obras de Aritmética como
verdadeiros best sellers”.
Manoel Olympio Rodrigues da Costa, o mencionado Rodrigues da Costa na
Revista do Ensino da Bahia e colaborador de “A Escola: Revista Brasileira de Educação
e Ensino” (RJ), foi professor de Português, Aritmética e Geografia, lecionou por mais
de vinte anos no Colégio Pedro II e dentre seus livros no campo da Aritmética, “Noções
de Arithmetica e do systema metrico decimal para uso das escolas”, “composto por
animação e sob as vistas do Exmo. Sr. Comendador Abilio Cesar Borges e por ele
impresso” (LORENZ; VECHIA,2004, p. 61), fazendo jus ao título, constituiu-se um dos
compêndios utilizados no Pedro II e difundido para muitas escolas.
Retomando a discussão sobre a escolha ou o privilégio de uma coleção em
relação à outra – Trajano e Rodrigues da Costa –, Cavalcante critica a forma por qual
fora decidido o número de exemplares e não a obra, propriamente dita, afirmando a
ausência de seriedade no tratamento de um assunto de suma importância social, a qual
deveria ser dispensada à Educação. Para ele, “no primeiro caso deviam pedir numero
egual de exemplares; no segundo não deviam pedir nenhum; no terceiro pedir da que
julgasse melhor e numero suficiente á todas as escholas. Ora, isto é sério?!”
(CAVALCANTE, 1892b, p. 22).
Notadamente, os exemplares em disputa eram de pouco conhecimento por parte
desses professores que os avaliavam como os “mais caros”, em desacordo com as
dispensas do poder publico, tão quanto em relação ao programa de ensino estabelecido.
Ao visitar a edição de número 8, notamos que o cerne de nossa discussão, o teor
aritmético, é condicionado aos momentos de “folga” do funcionarismo público, além de
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cautela quanto aos anseios/permissões científicos concedidos pelos órgãos autorais,
evidenciando a superficialidade do ensino, tanto aritmético como em outras áreas:
O ensino de Arithmetica – Occupando-nos do assumpto que dá título a
estas linhas, fora nosso desejo apresentar um estudo completo, se a
isto não se oppuzessem, a escassez de nosso cabedal scientifico e a
pouquidade do tempo que dispomos nas horas livres do serviço
publico.
As observações que seguem não são novidades, porque não dirá cousa
nova, quem fallar ou escrever sobre as desvantagens do ensino
superficial e lacunoso do calculo, como do das outras disciplinas
escolares. Ellas estão na sciencia e consciência de todos (SILVA,
1893a, p. 153).
Seguindo a leitura, uma ostensiva afirmação direcionada ao uso indevido da
Aritmética – o que deveria ser foco no ensino –, um reconhecimento de
desvantagem/atraso brasileiro/baiano em matéria de instrução em relação a outros
países: “Conseguintemente, o que vamos dizer não é novo, nem ignorado perante o que
se tem escripto e recommendada pela pratica, sobre este importante ramo do ensino, tão
brilhantemente cultivado nos paizes que nos avantajam em matéria de instrucção”
(SILVA, 1893a, p.154).
Essa sentença é mais veemente detectável no trecho que se segue, uma
demonstração de inaptidão do ensino primário, desestabilidade e retrocesso, o vão
trabalho do ensino aritmético, devido aos “processos rotineiros e imperfeitos, por meio
dos quaes é esta disciplina, ministrada no geral de nossas escolas, só tem servido, triste
é dizei-o, para as creanças de um trabalho vão e quase nullo, pelos insignificantes e
tardios resultados” (SILVA, 1893a, p. 154).
Elucidando ainda mais esses resultados como inapropriados, indesejados, uma
tendência em educação aritmética é concebida. A certeza da continuidade e porque não,
do prolongamento dos velhos métodos:
Não tememos que quem conhecendo a morfologia do nosso ensino,
seus methodos e seus processos, ouse contestar esta verdade.
É evidente o abuso dannoso das abstrações e decorações que a rotina
inveterada tem exhibido para o ensino exclusivo de tão importante
matéria, longe de diminuir, parece que tende a prolongar-se em nossas
escolas, atento a existência dos velhos methodos, que de todos
condenados, entre nós encontram guarida e conservação. (SILVA,
1893a, p.154).
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Embora em 1893 reformas educacionais haviam sido implantadas, há uma
discordância na aplicação das mesmas para o ensino primário, notadamente ao ensino
de cálculo:
D’ahi, o nenhum melhoramento votado ao ensino do calculo, apezar
das sucessivas reformas porque tem passado a instrucção publica
d’este estado.
Debalde se há pedido ao legislador, medidas conducentes a tornai-o
intuitivo e pratico.
Está isto na consciência de todos. Cônscio de que exercemos um
dever, não cessaremos de combater contra tudo o que possa contribuir
para o entorpecimento do progresso da instrucção da infância.
E, como semelhante ensino feito por esses defeituosos methodos, não
pode legitimamente ser considerado instrucção, é mister substituil-o
por outros mais racionaes e humanitários.
Dizemos mais racionaes e humanitários, porque condemnar uma
creança a decorar extensas regras, cujo fim ella ignora, e outras
abstrações da arithmetica que só mais tarde a pratica desenvolve; tem
sido mais prejudicial do que benéfico, tanto para o corpo como para o
espirito.
Negal-o é desconhecer os mais comeeinhos princípios de physiologia.
O estudo da arithmetica, observa Rousselot, não é ao principio senão o
estudo pratico do calculo; elle principiará por lições análogas de
cousas: e, por assim dizer, exercícios de calculo oral com o auxilio das
quantidades concretas. (SILVA, 1893a, p.154).
A discussão se pauta na questão das extensas fórmulas para a resolução dos
exercícios aritméticos, muitas vezes, levando a criança à memorização instantânea, nem
sempre eficaz. O que se ensinava nas aulas de Aritmética só teria possibilidades de
compreensão por parte das crianças, na prática, em outros momentos, situações distantes
da aula em que se aprendia a teoria. Assim, tornava-se imperiosa a adoção de novos
métodos de ensino, “de tudo quanto levamos dito. Vê-se que uma reforma nos processos
de ensino do calculo se impõe nas circunstâncias actuaes, como medida urgente,
inadiavel e imprescindivel” (SILVA, 1893a, p. 154).
Pais (2014, p. 4) destaca que “ era então o momento de modernizar as práticas
escolares, contemplando nessa proposta a inserção de diferentes objetos destinados ao
ensino primário da aritmética e do sistema métrico decimal”. Uma das soluções para a
situação seria a incorporação de um contador mecânico: “o contador mecânico é talvez
o instrumento mais antigo que apareceu na Europa para o ensino de calculo. O seu uso é
hoje universalmente recomendado pelos professionaes, e acceito com incontestavel
beneficio em todas as escolas do mundo civilizado” (SILVA, 1893a, p. 155).
No número 9 da Revista, Silva (1893b, p. 165) enaltece, sequenciando a sua
redação do número anterior, a importância das inovações para o ensino de Aritmética,
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endossando: “Não fallando nos pausinhos delgados de Bapet, nos cubos de Froebel ou
no apparelho de Bitt, pode-se dizer que uma feliz revolução operou-se no crescente
apparecimento de novos apparelhos para os exercícios concretos dos números”. Dentre
os novos aparelhos a que se refere estão os fracciometros. Devido às experiências
comprovadas, vários modelos foram exemplificados na Revista:
Os contadores mecânicos ou abacus simples de Mr Leroy e de Mr. De
Lamarche são destinados para os exercícios concretos das quatro
operações fundamentaes do calculo. O abacus simples em espheras de
differentes cores é muito usado nas Escolas dos Estados Unidos do
Norte. Os contadores mecânicos de Mr. Chaumeil, de Cordier e de
Chabenat, offerecem a compreensão infantil um curso completo sobre
números inteiros e decimais. Dão também noções exactas do systema
métrico, com seus multiplos e sub-multiplos particularmente os dois
primeiros.
Os contadores de Froebel, de Mr. Seguin e Mr. Courcelle prestam
também valioso concurso aos primeiros elementos de calculo,
tornando os exercícios summamente agradáveis e fáceis para as
creanças. (SILVA, 1893b, p. 166).
O professor Pedro Celestino Silva inicia a sua redação no número 10 retomando
a lista de contadores recomendados para o ensino de Aritmética, destacando as
vantagens de seu uso. Segundo Pais (2014, p. 2), os modelos dos aritmômetros
utilizados no Brasil
eram formados por ábacos, bastões para ensinar os princípios do
sistema de numeração decimal, instrumentos para o ensino do sistema
métrico decimal, quadros sinóticos para ensinar a conversão de
unidades, pequenos quadros para escrever, réguas e outros
dispositivos destinados à exploração das formas geométricas.
Por fim, faz referência ao aparelho escolar múltiplo ou fracciometro de autoria
de Abílio Cezar Borges, o Barão de Macaúbas que, como “defensor da modernização do
ensino e fervoroso crítico do uso da antiga palmatória, sua produção estava filiada à
vertente particular da instrução primária e secundária” (PAIS, 2014, p. 14).
Considerado um dos mais modernos e reunindo resultados de diversas
experiências, a invenção de Abílio Cezar Borges constitui-se de nove partes: “contador
mechanico para inteiros; fracciometro, ou contador denominado por Froebel para as
diversas ordens de unidades; apparelho chromatico; imprensa escolar; pauta musical;
quadro-negro; porta-mapas e sólidos arithmeticos” (SILVA, 1893c, p. 186).
Quanto ao método intuitivo, o professor Pedro Celestino Silva anuncia que
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os meios práticos que a methodologia moderna soube tirar do methodo
intuitivo, para aplainar as difficuldades do calculo, também serviram
para suavizar-lhe a avidez, levando á maior evidencia, a utilidade do
seu ensino, quer pelo puramente pratico, quer sob o ponto de vista
scientifico. (SILVA, 1893d, p. 212).
Em relação ao ensino de Aritmética, o contador mecânico supriria todas as
necessidades do cálculo nos cursos infantis, desobrigando a criança das abstrações
imediatas, para “facilitar os primeiros ensaios do espirito, sem fadiga, sem esforço, de
modo que ella passe gradualmente do simples para o composto, do concreto para o
abstracto, do exemplo ás regras, da generalização ás minucias” (SILVA, 1893e, p. 218219).
Uma outra característica do arithmometro é o acesso a todas as crianças,
independente de classe social, bem como de seu uso para a metrologia, a física, a
leitura, a escrita, a música, a geometria e a geografia, “evitando desperdício de tempo,
economizando esforços ao discípulo e ao professor” (SILVA, 1893e, p. 219).
Em relação aos compêndios didáticos para o ensino primário, Silva em 1893 já
não tendo dúvidas quanto as vantagens da adoção do livro de Antônio Trajano, ressalta
que, para além do uso do contador mecânico, estes são muito importantes e
responsáveis também pelo sucesso dos alunos em países como Alemanha e Estados
Unidos, visto que o “compendio que nos parece preferível a alguns que por ahi
abandam, e, pela simplicidade do methodo, clareza das definições e variedade dos
exercícios, talvez de modo visível á moderna orientação pedagógica” (SILVA, 1893e, p.
220).
O livro “A Arithmetica Elementar” de Antônio Trajano, ao que tudo indica, fora
utilizado na mesma proporção em outros estados brasileiros. Na Revista “A Escola”,
Paraná, Lourenço A. de Souza, ainda em 1906, o apresenta como “um excelente livro (o
melhor que conheço, desse gênero, para escolas primárias) e produz sempre bons
resultados, porquanto nelle a exposição dessa importante matéria é feita pelo methodo
pedagógico por excellencia – o intuitivo” (SOUZA, 1906, p. 81-82).
Valente (2007, p. 165) sublinha que “o grande diferencial dos livros de Trajano
situa-se na forma didática do texto. A teoria é sempre posta por meio de exemplos
numéricos, seguidos de exemplos resolvidos, com explicação passo a passo do que o
aluno deverá realizar”. Porém, não se resume a isso. “A forma gráfica de apresentação
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dos conteúdos também é um diferencial importante do ponto de vista didático:
desenhos, tipos de letras de tamanhos diferentes etc.” (VALENTE, 2007, p. 165).
Pais e Maranhão (2014, p. 40) enfatizam que Aritmética Elementar Ilustrada, de
1879, constituiu-se “um livro didático de aritmética cuja difusão no ensino primário
levou à publicação de mais de 140 edições no transcorrer de oito décadas”. Talvez essa
relevância tenha sido recorrente devido ao fato de que “na sua Aritmética, Trajano não
utiliza nenhum recurso algébrico. Aí está, segundo ele próprio, o segredo da aceitação
de seu livro” (VALENTE, 2007, p. 165).
Encerrando a matéria, Silva apresenta uma postura menos sobressaltada em
relação às determinações/ações deliberadas pelos órgãos responsáveis pela organização
do ensino primário, declarando:
Agora que a Assemblea estadual trata de dotar o ensino com uma
reforma compatível com as nossas necessidades sociaes, nutrimos as
mais fagueiras esperanças, que o poder legislativo, para o qual
appellamos, inspirado de verdadeiro patriotismo, procure melhorar o
estado precário das nossas escolas publicas, porque o ensino popular é
sem duvida, como acertadamente qualifica Laveley, a mais seria, a
mais viva preoccupação dos governos livres, por ser também a mais
importante e urgente do nosso tempo. (SILVA, 1893e, p. 220).
Assim, a Escola Primária Pública da Bahia dos anos finais do século XIX retrata,
ainda que timidamente, uma conformação entre os ideários educacionais e políticos,
com o acréscimo de alguns itens ensejados pelos projetos de reforma. O ensino de
Aritmética passou a contar com a adoção de livros que priorizavam o ensino intuitivo e
métodos da moderna orientação pedagógica, oriundos da Europa e dos Estados Unidos,
tendo como preconizadores também brasileiros como o próprio Barão de Macaúbas que
foi responsável pela escrita, edição e impressão de livros didáticos e instrumentos
pedagógicos, como os arithmometros e os fracciometros.
Algumas considerações: ponderações e perspectivas
A História da Educação Matemática na Bahia é um campo investigativo que, por
assim dizer, ainda muito incipiente, carece de pesquisas, bem como organização mais
padronizadas de suas fontes. O GEEM tem despontado nessa tarefa de aproximar os
pesquisadores, sejam eles docentes ou discentes da área da Matemática, e a quem se
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interessar como colaborador, das fontes histórico-documentais para o registro e estudo
de assuntos referentes a essa temática.
A Revista do Ensino Primário da Bahia se reveste de um grande potencial para a
pesquisa a respeito da História da Educação da Bahia e, por sua vez, do Brasil. Como
citado, as publicações se tornaram veículo de informação, comunicação e troca de
experiências relacionadas às aulas e ao emprego de métodos ou modelos pedagógicos
no Curso Primário da Bahia, uma oportunidade para professores dialogarem e exporem
suas perspectivas quanto ao ensino e às ações sociais, advindas tanto dos órgãos
governamentais quanto da sociedade baiana, em geral.
O interesse por uma modernização pedagógica levou muitos estudiosos e até
políticos, como o Barão de Macaúbas, a se deslocarem de país a país, em busca de
inovações para o ensino. A Revista do Ensino, com a análise dos dez exemplares
alocados junto à Biblioteca Pública do Estado da Bahia, mostrou-se um excelente
instrumento para a referida pesquisa, elucidando aspectos de cunho histórico-cultural,
social e educativo, quanto à situação do ensino de Aritmética nas Escolas Primárias do
Estado.
Com base nos indícios de um investimento nos preceitos de uma pedagogia
moderna, nos modelos pedagógicos desenvolvidos e aplicados em países como os
Estados Unidos, é possível inferir que o ensino intuitivo foi implantado nas Escolas
Primárias e os livros progressivamente adotados – mesmo com alguns percalços –,
assim como o uso de tecnologias como as máquinas de contar e os contadores
mecânicos conhecidos como “arithmometros e fracciometros” – ainda que não os mais
eficazes –, visando um melhor desempenho para o ensino da Aritmética nos anos de
1892 e 1893.
Novas perspectivas desta pesquisa se delineiam ao ponderarmos sobre todos os
aspectos aqui elencados e pensarmos enquanto recorte temporal para esse texto, os anos
entre 1892 e 1893, ou estendê-lo até 1899. Questionamentos recorrentes à História das
Revistas de Ensino Primário: que motivos levaram as edições das Revistas de Ensino
serem interrompidas por um determinado tempo ou eliminadas do cenário educacional?
Até que período os livros de Trajano e Rodrigues da Costa foram adotados pelas escolas
primárias no Brasil, em especial, partindo dos arquivos disponíveis no Repositório
Institucional da UFSC, dos Estados do Pará, Rio de Janeiro e São Paulo, visto que são
estes os Estados que possuem periódicos educacionais para os anos finais do século
XIX? Há indícios de outros livros didáticos nas revistas pedagógicas destes estados?
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Em que aspectos são correlatos ou díspares ao que se refere aos programas, métodos e
instrumentos de ensino para a Aritmética Escolar entre 1892 e 1899? Enfim, uma
tentativa em “compreender as alterações e permanências nas práticas relativas ao ensino
e à aprendizagem de Matemática” (GARNICA; SOUZA, 2012, p. 27), e refletir sobre
suas mais novas proposições.
São caminhos a trilhar...
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