Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental
pós Rio +20?
Policies on the Earth: Is there a new environmental discourse after the Rio +20?
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Juliana Wenceslau
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Natalia Latino Antezana
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Paulo du Pin Calmon
Resumo
Políticas públicas envolvem a construção de significado através de discursos, que caracterizam redes semânticas
complexas, articulando diferentes pressupostos, conceitos e hipóteses. O objetivo deste artigo é contribuir para o debate
sobre a evolução recente da política ambiental, indagando em que medida os debates que marcaram a Rio +20
caracterizam uma ruptura com os quatro discursos predominantes na política ambiental ao longo dos últimos 40 anos.
São eles: sobrevivencialismo, resolução de problemas, sustentabilidade e radicalismo verde. Esses discursos são
diferentes em seus pressupostos ontológicos (mais realista ou mais nominalista); nas suposições sobre a natureza dos
relacionamentos com o meio ambiente (baseados em competição ou em cooperação); na perspectiva que assumem
sobre os atores (individualistas ou coletivistas; fortes ou fracos); e nas metáforas que utilizam para defender seus
pontos de vista (DRYZEK, 1997). Algumas perguntas também são colocadas para avaliar o impacto e plausibilidade do
discurso: que política é associada a ele; seu efeito nas políticas públicas e nas instituições; os argumentos dos críticos;
e as falhas reveladas pelas evidências e argumentos. A análise do discurso da Rio +20 foi baseada no documento final
da conferência “The Future We Want”. Concluímos que os debates da conferência agregam dois grandes discursos:
resolução de problemas e sustentabilidade. Alguns efeitos antecipados da Rio +20 são: a melhoria das estatísticas
ambientais; aumento de empregos ligados à economia verde; e adoção de políticas regulatórias que modifiquem os
preços relativos do uso dos recursos e internalizem os custos das externalidades ambientais.
Palavras-chave: Discurso ambiental. Rio +20. Política ambiental. Desenvolvimento sustentável. Economia verde.
Abstract
Public policy involves the search for meaning through discourses that are complex semantic systems, expressing
different perspectives, concepts and assumptions. This paper aims to contribute to the current dialogue concerning
recent environmental policies, inquiring as to what extent the debates that took place at Rio + 20 break away from the
dominant environmental discourses of the last 40 years. These predominant discourses are: survivalism, problem
solving, sustainability and green radicalism. They differ on their ontology (realist or nominalist), their assumptions
Artigo submetido em 30 de julho de 2012 e aceito para publicação em 09 de agosto de 2012.
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Doutoranda em Administração Pública pelo Programa de Pós-Graduação em Administração – PPGA da Universidade de Brasília;
Mestre em Políticas Públicas pela London School of Economics. Endereço: SQN 212 Bl A apt. 310, Asa Norte, CEP 70861-010,
Brasília-DF. E-mail: juwenceslau@uol.com.br
Mestranda em Administração Pública pelo Programa de Pós-Graduação em Administração – PPGA da Universidade de Brasília.
Endereço: Universidade de Brasília - Campus Darcy Ribeiro, PPGA - Instituto Central de Ciências, ala norte, subsolo, módulo 25,
CEP 70910-900, Brasília-DF. E-mail: natalialatino@gmail.com
PhD pela University of Texas at Austin, MA pela Vanderbilt University; Professor Adjunto do Instituto de Ciência Política e do
Programa de Pós-Graduação em Administração – PPGA da Universidade de Brasília. Endereço: SHCGN 713 Bl P apt. 201, Asa
Norte, CEP 70760-746, Brasília-DF. E-mail: paulocalmon@uol.com.br
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
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regarding natural relationships (competition or cooperation), agents and their mot ives (individuals or collectivities, strong
or weak) and the key metaphors and other rhetorical devices used to defend their positions (DRYZEK, 1997). Some
questions are also asked in order to evaluate the impact and feasibility of the discourse: policies associated with
discourse, effect on the policy of governments, the effect on institutions, arguments of critics and flaws revealed by
evidence and argument. These analytical devices were applied to the final document of the conference “The Future We
Want” to appraise the Rio +20 discourse. We conclude that two prior discourses can be included in the conference
debates: problem solving and sustainability. Some anticipated effects of Rio +20 are: improvement of environmental
statistics; increased number of green economy jobs; and public policies that change the relative prices of using natural
resources and internalizing the costs of environmental externalities.
Keywords: Environmental discourse. Rio +20. Environmental policy. Sustainable development. Green economy.
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Ao longo dos últimos anos tem ocorrido uma crescente ênfase no estudo da dinâmica e das propriedades dos
discursos que pautam as políticas públicas. Tal ênfase decorre, entre outros elementos, do reconhecimento de
que muitos dos temas mais importantes na agenda governamental são complexos e envolvidos em grande
incerteza e ambiguidade e, portanto, nem sempre podem ser analisados simplesmente com base em
evidências ou, se essas evidências existem, elas são objeto de contestação e disputas políticas. Nesse sentido,
a análise de políticas públicas passa a acompanhar tendência importante já presente nas Ciências Sociais em
geral, que reconhece nos discursos, na análise crítica e no mundo das ideias um conjunto de elementos
fundamentais importante para entender a dinâmica social e política das decisões governamentais
(FOUCAULT, 1980; HABERMAS, 1998; HALL, 2001; SKOCPOL, 1985; MARCH, 2010).
Políticas públicas envolvem a construção de significado através de discursos, que caracterizam redes
semânticas complexas, articulando diferentes pressupostos, conceitos e hipóteses sobre como e quando atuar
nos problemas que se apresentam. Diferentes discursos geram diferentes diagnósticos e suscitam diferentes
formas de problematizar uma situação assim como demandam o uso de diferentes instrumentos e medidas de
políticas públicas.
O objetivo deste artigo é contribuir para o debate sobre a evolução recente da política ambiental, indagando
em que medida os debates que marcaram a Rio + 20 caracterizam uma ruptura com os discursos que
prevaleceram no âmbito da política ambiental até então. Afinal de contas, qual foi o impacto da Rio + 20
para os debates recentes sobre política ambiental? No campo das ideias e dos discursos, que inovações
importantes foram propostas?
O ponto de partida do artigo é a existência de quatro grandes discursos que têm marcado o debate sobre
política ambiental ao longo dos últimos quarenta anos. São eles: sobrevivencialismo, resolução de
problemas, sustentabilidade e radicalismo verde, que se distinguem em seus pressupostos ontológicos. A
existência desses quatro discursos ambientais básicos foi proposta por Dryzek (1997) e representa, de
maneira bastante adequada, a evolução do debate no período anterior à Rio +20. Esses discursos são
diferentes nos pressupostos sobre a natureza dos relacionamentos com o meio ambiente (baseados em
competição ou em cooperação); na perspectiva que assumem sobre os atores (coletivistas ou individualistas;
fortes ou fracos); e nas metáforas que seus subscritores utilizam para defender seus pontos de vista.
Com objetivo de caracterizar a evolução recente dos discursos ambientais, esse artigo está estruturado da
seguinte forma: inicialmente será apresentada a metodologia da análise de discurso e sua aplicação ao debate
ambiental. Em seguida, serão detalhados os principais discursos ambientais até 2012, especificamente:
resolução de problemas, sobrevivencialismo, sustentabilidade e radicalismo verde. Por fim, será feita a
análise do discurso do documento final da Rio +20, procurando-se avaliar se ele traz novidades ao tema, ou
se é uma combinação de discursos preexistentes. Também serão analisados os documentos produzidos nos
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eventos paralelos à Rio + 20, como a Cúpula dos Povos, a Cúpula dos Prefeitos e a Cúpula das Mulheres
Chefes de Estado. Na conclusão, o trabalho procura refletir sobre as perspectivas futuras das políticas
ambientais após a realização da Rio +20, utilizando a análise do documento final da Conferência “The
Future We Want” (UNITED NATIONS, 2012) para pensar sobre o efeito nas políticas governamentais e nas
instituições, os argumentos dos críticos e as possíveis falhas reveladas pelas evidências e argumentos.
Análise de Discurso: A Complexidade Ambiental e a Proliferação de Problemas
A abordagem metodológica de análise de discurso leva em conta a história bem como o conteúdo do
discurso. O modo de pensar sobre conceitos a respeito de um determinado tema pode mudar dramaticamente
ao longo do tempo, com consequências políticas e para as políticas públicas. O discurso é uma visão de
mundo compartilhada que é transmitida pela linguagem, permitindo àqueles que a partilham interpretar
informações por meio de narrativas históricas. Cada discurso tem pressupostos que são ponto de partida para
análise, debates, consensos e disputas. Eles possibilitam que histórias sejam contadas de acordo com a
interpretação que se deseja defender. Há elementos comuns aos discursos que servem para analisar seus
conteúdos e seus efeitos. Devem ser trabalhados quatro elementos para analisar um discurso (DRYZEK,
1997, p. 15-18):
1. Ontologia: entes fundamentais reconhecidos ou construídos pelo discurso
Os discursos focalizam temas específicos que estão ao nosso redor. Assim, alguns discursos reconhecem
a existência de ecossistemas, outros veem a natureza como matéria bruta, outros ainda focalizam a
perniciosidade da ação humana. A variedade dos discursos está baseada no modo como veem a
organização do mundo também. Assim, alguns discursos entendem a humanidade como categoria geral.
Outros dividem a humanidade em grupos sociais, políticos, geográficos, étnicos, tais como governos,
setor privado, mulheres, indígenas etc.
2. Hipóteses sobre relações naturais
Todos os discursos desenvolvem hipóteses sobre as relações entre os entes fundamentais, tanto dos
sistemas naturais quanto dos sistemas sociais humanos. Alguns entendem que as relações são
competitivas; outros, que são cooperativas. Nas visões competitivas, podem ser utilizados mercados para
caracterizar os sistemas sociais onde há disputas por recursos escassos. A competição pode fundamentarse em hierarquias sociais, como a dominação baseada em gênero, raça, poder econômico, expertise, etc.
3. Agentes e seus motivos
A história requer atores, que podem ser indivíduos ou coletividades. Geralmente, há juízos de valor em
relação à ação dos atores. Um discurso pode ver os servidores públicos como administradores bemintencionados com espírito público. Outro pode enxergá-los como burocratas autointeressados em conluio
com capitalistas que visam a lucros apenas. Outros podem ignorar a existência dos funcionários
governamentais. Assim, há dezenas de atores (elites, consumidores, empresários) que são classificados de
formas díspares (ignorantes, virtuosos, desinteressados, ativistas) a cada discurso.
4. Metáforas e outros mecanismos retóricos
Metáforas são ferramentas retóricas utilizadas para convencer o interlocutor, utilizando-se de imagens (no
caso dos discursos ambientais têm sido utilizadas alusões a Gaia, deusa-mãe, nave espacial, organismos
vivos,) ou apelando-se para práticas e direitos amplamente aceitos (liberdades, declarações universais,
convenções internacionais).
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Quadro 1
Elementos para a Análise do Discurso
1. Entes fundamentais reconhecidos ou constituídos pelo discurso
(ontologia);
2. Hipóteses sobre relações naturais;
3. Agentes e suas motivações;
4. Metáforas e outros mecanismos retóricos.
Fonte: Dryzek, 1997, p. 18.
Os impactos dos discursos podem ser sentidos nas políticas dos governos, dos organismos internacionais e
suas instituições. A torrencial criação de legislações ambientais dos anos 70 nos países industrializados é um
exemplo dos efeitos do discurso resolução de problemas, na subcategoria racionalismo administrativo. Os
discursos muitas vezes são instituições informais que proporcionam o entendimento de contextos no qual
acontecem as interações sociais, em paralelo às instituições formais. Por exemplo, o radicalismo verde
influenciou comunidades a se distanciarem do governo e do capitalismo corporativo, buscando soluções
alternativas de autossuficiência.
A análise do discurso também requer atenção às disputas e interações que ocorrem entre os adeptos e seus
críticos, suas promessas, ameaças e implicações práticas para a política e políticas públicas. Ela possibilita
que falhas nos argumentos sejam encontradas, bem como complementaridades e similaridades. Algumas
perguntas são colocadas para avaliar o impacto, plausibilidade e atratividade do discurso (ver Quadro 2).
Quadro 2
Itens para avaliar os Efeitos do Discurso
1. A política associada ao discurso
2. Efeito nas políticas públicas dos governos
3. Efeitos nas instituições
4. Argumentos dos críticos
5. Falhas reveladas pelas evidências e argumentos
Fonte: Dryzek, 1997, p. 20.
Com intuito de caracterizar e comparar o discurso da Rio +20 e seus possíveis efeitos na política dos
governos, políticas públicas e instituições, será analisado o conteúdo do documento “The Future We Want”
(UNITED NATIONS, 2012). Porém, inicialmente será feito o resgate histórico dos discursos ambientais.
Trajetória Histórica dos Discursos Ambientais
A preocupação ambiental é um tema recente na agenda governamental. Na maioria dos países, foi ao final da
década de 1960 que a preocupação com o meio ambiente ganhou notoriedade, vigorando a visão de que os
recursos do planeta são finitos, e que o ritmo de crescimento econômico e demográfico levaria a uma
situação catastrófica, sendo urgente a necessidade de medidas para retroceder esse quadro (DRYZEK, 1997).
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Ao longo dessas quatro décadas de discussões sobre o meio ambiente, surgiram vários argumentos que
tornaram o debate multipolar, com avanços e recuos. Isso acontece porque os problemas ambientais são
interconectados, multidimensionais e podem ser estudados e compreendidos a partir de distintas perspectivas
(DRYZEK, 1997). Assim, enquanto alguns defendem que a vida na Terra está ameaçada pela ação humana e
pelas mudanças climáticas dela provenientes, outros defendem que as mudanças climáticas são fenômenos
naturais sobre os quais a ação humana possui efeitos muito pequenos quando comparada a outros fatores
naturais; enquanto sobrevivencialistas e os adeptos do radicalismo verde defendem que os recursos naturais
são finitos, outros, como os adeptos ao discurso de Prometeu, acreditam que não há necessidade de
preocupação em relação aos limites do meio ambiente. Existe ainda a tese de que o mundo estaria passando
por um processo de resfriamento e de que o aquecimento global seria apenas uma tentativa dos países ricos
de frear o crescimento dos países em desenvolvimento (RANGEL, 2007 apud CARVALHO, MACHADO e
MEIRELLES, 2011).
Nesse contexto, diante de um tema tão interconectado e multidimensional, Dryzek (1997) delineia dois
níveis de complexidade - a complexidade dos ecossistemas e dos sistemas sociais humanos – e acrescenta:
“the more complex a situation, the larger is the number of plausible perspectives upon it” (DRYZEK, 1997,
p. 8), fazendo referência ao nível de ambiguidade da temática ambiental, em que muitas vezes não existe o
certo ou o errado, mas apenas interpretações distintas acerca de um mesmo fenômeno.
Sobrevivencialismo
A visão de mundo dos sobrevivencialistas defende que as demandas humanas necessitam ser controladas,
pois a Terra possui capacidade finita para atender a essas demandas, e que medidas draconianas necessitam
ser estabelecidas como forma de limitar a ação humana (DRYZEK, 1997). O discurso é fundamentado numa
ontologia nominalista, pela qual o meio ambiente é um estoque de recursos não renováveis. O discurso
surgiu em 1968, a partir da primeira fotografia da Terra tirada do espaço. Essa imagem ganhou mais
repercussão pela hipótese Gaia, segundo a qual a Terra se comporta como se fosse um único organismo
(LOVELOCK, 2010). Dessa forma, a metáfora de Gaia se tornou um recurso muito utilizado pelos
defensores do discurso sobrevivencialista.
As relações naturais são guiadas pela hierarquia: existe o pressuposto de que as elites são responsáveis pelo
mundo, seja pela expertise, pelo carisma ou por ambos os fatores. Assim, toda a ação relativa às decisões
sobre o futuro do meio ambiente cabe às elites; a população não age nesse sentido, ela é apenas monitorada e
controlada de acordo com as definições feitas pelas elites. Estas, por sua vez, agem com base em seus
interesses e suas motivações se mantêm em disputa. Em termos de metáforas e de outros mecanismos
retóricos, são utilizadas as ideias de colapso; a analogia com uma nave-mãe que necessita de sistemas de
suporte que garantam a vida de sua população; a comparação do crescimento da população e dos prejuízos
causados ao meio ambiente pelo homem com um câncer que o planeta precisa tratar, entre outros. Cabe citar
também a comparação da Terra com um vilarejo medieval, metáfora lançada pelo ensaio “A Tragédia dos
Comuns”, de Garrett Hardin (1968), segundo a qual os interesses privados são opostos aos interesses
comuns, sendo que o meio ambiente, como interesse comum, geralmente será posto de lado em razão de
interesses privados.
Em 1970, as ideias de Paul Ehrlich ganharam espaço com a publicação do livro “The Population Bomb”,
segundo o qual muitas pessoas morreriam de fome durante os anos 70 e 80 devido à superpopulação. O
autor, assim como muitos outros sobrevivencialistas, fazia prescrições centralizadoras e autoritárias, em
particular, o estabelecimento de limites ao crescimento populacional.
Nesse contexto, aconteceu a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
realizada na cidade de Estocolmo em 1972. O evento representou o primeiro grande passo no enfrentamento
dos problemas ambientais e institucionalizou a temática ambiental na agenda política internacional. Nessa
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ocasião, foram estabelecidos o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho) e os princípios que até hoje
norteiam a política ambiental da maioria dos países, dentre os quais: a obrigação do homem de proteger e
melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras; manter e, sempre que possível, restaurar ou
melhorar a capacidade da Terra de produzir recursos renováveis vitais; assegurar o usufruto dos recursos não
renováveis da Terra, bem como evitar o perigo do seu esgotamento; a ideia de que as políticas ambientais
devem melhorar e não afetar adversamente o potencial desenvolvimentista atual e futuro dos países em
desenvolvimento; e o progresso da ciência e da tecnologia para contribuir para o desenvolvimento
econômico, social e ambiental (UNITED NATIONS, 1972). O livro “The Limits to Growth” de
Meadows, Meadows, Behrens e Randers (1972 apud DRYZEK, 1997), publicado no mesmo ano,
também influenciou significativamente o discurso ambiental.
Em oposição ao discurso do sobrevivencialismo, está o discurso de Prometeu, segundo o qual não existe a
necessidade de haver preocupações quanto aos limites dos recursos naturais: o crescimento econômico e o
desenvolvimento de novas tecnologias conseguem criar alternativas de recursos, por meio de relações de
equilíbrio entre demanda e oferta. A posição ontológica do discurso de Prometeu é a de que os recursos
naturais não existem; não existe um estoque de recursos, quando eles se tornarem necessários, eles vão ser
procurados e encontrados (SIMON, 1981 apud DRYZEK, 1997). As entidades básicas do discurso de
Prometeu são as pessoas, os mercados, os preços, a energia e a tecnologia, que se relacionam de acordo com
a lógica de que as mentes humanas possuem hierarquia sobre todo o sistema. Nesse caso, a capacidade de
ação não está restrita a uma elite, mas acessível a todos. Assim, as pessoas são vistas como solucionadoras de
problemas, não como a causa deles, e agem motivadas por interesses materiais próprios. A principal
metáfora utilizada por essa categoria discursiva é a da máquina, remetendo ao desenvolvimento de
tecnologias, criação de recursos e conserto de disfunções no ambiente. O discurso de Prometeu teve grande
influência durante a década de 80, sendo que Dryzek (1997) enfatiza sua predominância no discurso político
da administração de Reagan (de 1981 a 1989, com dois mandatos consecutivos), o que serve para explicar os
posicionamentos dos Estados Unidos nas negociações internacionais do período.
Quadro 3
Análise do Discurso: Sobrevivencialismo e a Resposta de Prometeu
Ontologia
Hipóteses sobre
relações naturais
Agentes e Motivações
Metáforas
Sobrevivencialismo
Carrying Capacity
População máxima que
um ecossistema suporta,
limites ecológicos,
tragédia dos comuns,
estoque finito de
recursos, população
como um agregado
Hierarquia baseada na
expertise, ação dos
cidadãos, controle dos
agregados como
população, recursos,
poluição
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
A elite pode operar de
acordo com seus
interesses, seja para
maximizar o crescimento
econômico com justiça
social , ou controlar o
crescimento com ação
coordenada global. A
população não age, é
controlada pelas
estatísticas
Colapso
Terra como nave, mãe,
Gaia, casa, sistema
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Continuação do quadro 3
A Resposta de Prometeu
Ecossistemas e natureza
não existem, recursos
naturais são criados ao
serem transformados
pelos seres humanos.
Com o crescimento
econômico é possível
acabar com a poluição,
fazer saneamento
adequado, ter água
potável
Os humanos dominam
tudo.
Ênfase na competição
como forma de inovação
e superação da escassez.
Crença no mercado como
melhor modo de
organizar a economia e a
sociedade sem
intervenção do estatal
Capacidade de ação é
para todos como atores
econômicos
Máquinas e mecânica
construídas de
componentes simples.
A retórica vem das
tendências: queda nos
preços dos insumos,
aumento na expectativa de
vida
Fonte: Dryzek, 1997, p. 37 e 53.
Resolução de problemas
O discurso de resolução de problemas engloba três subtipos: o discurso da racionalidade administrativa, o
discurso do pragmatismo democrático e o discurso do racionalismo econômico. A racionalidade
administrativa busca organizar conhecimentos científicos e técnicos em favor da burocracia do governo. O
governo é tratado sob uma perspectiva técnica, racional, voltado para a resolução de problemas. Sua
percepção sobre o meio ambiente é tratada como agnóstica, de forma que nem os posicionamentos dos
sobrevivencialistas nem os dos defensores do discurso de Prometeu são defendidos ou refutados. Assim, esse
discurso se estrutura sobre a lógica de que a natureza se submete à capacidade de resolução humana de
problemas, sendo que o povo se submete ao Estado, e este é controlado por especialistas e gestores. A
atuação dos especialistas e gestores é motivada pelo interesse público, mas é conceitualizada em termos
unitários. Em termos de metáforas, a principal é da mente administrativa unitária e onisciente, que representa
o Estado.
O pragmatismo democrático é uma resposta à racionalidade administrativa e busca reajustar sua forma de
resolver os problemas ambientais. Ao invés de deixar todas as ações a cargo das instâncias governamentais,
esse discurso defende a participação das pessoas no debate ambiental. O Estado é uma entidade mais porosa,
aberta à participação dos cidadãos. Nessa concepção, as relações são marcadas pela isonomia entre os
cidadãos - todos podem participar das questões ambientais -, mas as interações entre os atores misturam
elementos de cooperação e de competição. Como são muitos atores envolvidos, os seus interesses também
são difusos e variados, contemplando o interesse público e também interesses materiais próprios. As
metáforas utilizadas nesse discurso remetem ao entendimento das políticas públicas como resultado de várias
forças e à comparação da vontade e da participação social com um termostato, que ajuda a manter o
equilíbrio do sistema.
Finalizando o discurso de resolução de problemas, apresenta-se o racionalismo econômico, discurso que se
manifestou de forma expressiva durante as décadas de 80 e 90 e que aposta na ação inteligente dos
mecanismos de mercado para alcançar o interesse público. O principal argumento do racionalismo
econômico é derivado da metáfora de “A Tragédia dos Comuns” (HARDIN, 1968): as pessoas dão mais
importância aos interesses privados do que aos interesses públicos. Assim, a proposta seria a de privatizar os
recursos naturais e inseri-los no sistema de mercado, bem como a de estabelecer mecanismos de mercado
que incentivem ou restrinjam a utilização de determinados recursos.
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
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A ontologia do discurso do racionalismo econômico considera os atores - individuais ou coletivos - como
econômicos e motivados por interesses materiais, mas também admite a necessidade de alguma entidade
responsável por cuidar do interesse público. Assim, o governo é um ator que possui seu papel dentro desse
discurso, porque, ademais de ser responsável pelo interesse público, interfere e participa das atividades de
mercado por meio da tributação e do controle da moeda, sendo impossível a existência de estruturas
governadas apenas pelos mercados (MEIRELLES, 2010). Os defensores desse discurso reconhecem que os
recursos naturais são finitos e, por isso, as relações entre os atores são competitivas. A relação da natureza
com o homem resume-se ao fato de que os recursos naturais são inputs para o sistema social e econômico
que atende às necessidades humanas, a qual estabelece a metáfora mecanicista utilizada neste discurso.
Outros mecanismos retóricos dão ênfase à palavra “liberdade”, como os termos “free-market”, “freeenterprise”. Por outro lado, a gestão governamental dos recursos naturais é estigmatizada, pregando-se
soluções de mercado. Conforme aponta Dryzek (1997), o racionalismo econômico foi um dos discursos
predominantes no Relatório Brundtland, “Nosso Futuro Comum” (UNITED NATIONS, 1987), com a
promoção de instrumentos de mercado como solução política. Outro discurso que teve relevância no mesmo
documento foi o da sustentabilidade apresentado a seguir.
Quadro 4
Analisando o Discurso: Resolução de Problemas
Ontologia
Hipóteses sobre relações
naturais
Agentes e Motivações
Metáforas
Racionalidade Administrativa
Capitalismo liberal
Estado gerencial
Especialistas
Gestores
A natureza se submete à
capacidade de resolução
humana de problemas;
O povo se submete ao
Estado;
Especialistas e Gestores
Motivados pelo
interesse público,
definido em moldes
unitários
Mistura de preocupação e
reconforto;
A “mente gerencial”
Especialistas e gestores
controlam o Estado
Pragmatismo Democrático
Capitalismo Liberal
Democracia Liberal
Cidadãos
Igualdade entre os
cidadãos
Muitos agentes
diferentes
Políticas públicas resultam
de forças
Relacionamentos políticos
interativos, misto de
competição e cooperação
Motivações são mix de
autointeresse e
múltiplas concepções
de interesse público
Políticas são experimentos
científicos
Termostato
Racionalismo Econômico
Homo econômico
Competição
Homo-econômico:
Mecanicista
Mercado
Hierarquia baseada na
expertise
autointeressado
Estigmatiza a regulação
administrativa
Preços
Propriedade
Subordinação à natureza
Governos
Alguns servidores
podem ser motivados
pelo interesse público
Conexão com liberdade
Histórias de terror
Fonte: Dryzek, 1997, p. 76, 97 e 115.
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Sustentabilidade
O discurso da sustentabilidade subdivide-se em duas vertentes: a do desenvolvimento sustentável e a da
modernização ecológica. O desenvolvimento sustentável é um dos discursos ambientais mais influentes, mas,
talvez, um dos mais ambíguos. Dryzek (1997) comenta que existem dúvidas sobre o que, de fato, significa o
termo “desenvolvimento sustentável”, sendo que inúmeras definições já foram formuladas, inclusive como
forma de colocar as ideias e os interesses de outros discursos (como o do sobrevivencialismo) em nova
roupagem. A essência do discurso baseia-se na compreensão de que o desenvolvimento econômico é
necessário, principalmente para atender às necessidades dos países mais pobres, mas que estes não poderão
seguir o caminho trilhado pelos países ricos, pois o planeta Terra não suportaria. Assim, é necessário que o
desenvolvimento econômico seja guiado por princípios ambientais e sociais.
O discurso do desenvolvimento sustentável defende que o ambiente não é um sistema em separado dos
sistemas sociais e econômicos, e que o crescimento econômico, a justiça social e a sustentabilidade de longo
prazo são objetivos que se fortalecem mutuamente, numa relação de cooperação. Os principais atores são as
organizações transnacionais e as organizações não governamentais, além dos atores locais. As metáforas
utilizadas são as que abordam o desenvolvimento das sociedades como algo orgânico, que necessita crescer e
se desenvolver; ou de um ser humano que, com o passar do tempo, vai tornando-se mais sensível, cuidadoso
e inteligente. Reafirma a tese de que é possível ter tudo: crescimento econômico, justiça social e conservação
do meio ambiente.
O discurso da modernização ecológica assemelha-se ao discurso do desenvolvimento sustentável por ser
baseado em valores e princípios que defendem que todos ganham com a preservação do meio ambiente, mas
enfatiza os ganhos dos quais os empresários e industriais do sistema capitalista também podem desfrutar. A
modernização ecológica percebe o meio ambiente como uma fonte de recursos e como um reciclador de
poluentes, não como o lugar onde vivemos como o discurso do desenvolvimento sustentável. Os principais
atores são os governos, as empresas, os ambientalistas reformistas e os cientistas, sendo que as relações entre
eles devem se basear na cooperação, tendo o consenso como elemento-chave de suas deliberações. As
metáforas neste discurso são a casa arrumada, onde a Terra se mantém limpa e organizada pela minimização
do desperdício. A palavra modernização é associada à ideia de progresso, no sentido defendido tanto pelos
industrialistas, quanto por marxistas, social-democratas e liberais, de que a história se move em direção ao
avanço do desenvolvimento social. Entretanto, esse discurso não se preocupa muito com a justiça social, ao
contrário do desenvolvimento sustentável, nem com a trajetória dos países pobres.
Entretanto, a sustentabilidade não é “privativa” do discurso do desenvolvimento sustentável e da
modernização ecológica. Pelo fato de ter sido o discurso dominante há mais de trinta anos, expoentes de
outros discursos utilizam a sustentabilidade para propagar suas ideias na direção mais conveniente. Trata-se
de um veículo para os ambientalistas perseguirem seus objetivos (LAFFERTY, 1996, apud DRYZEK, 1997,
p. 135)
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 592-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
Juliana Wenceslau
Natalia Latino Antezana
Paulo du Pin Calmon
Quadro 5
Analisando o Discurso: Sustentabilidade
Ontologia
Hipóteses sobre
relações naturais
Agentes e Motivações
Metáforas
Desenvolvimento Sustentável
Sistemas ecológicos e
sociais estruturados do
global para o local
Subordinação da
natureza aos seres
humanos
Economia Capitalista
Crescimento
econômico, proteção
ambiental, justiça
distributiva e
sustentabilidade de
longo prazo ao mesmo
tempo
Não há limites
Muitos agentes nos
diferentes níveis,
notadamente no
internacional e local ao
invés do estatal,
motivados pelo bem
público.
Crescimento orgânico
Conexão para o progresso
É possível ter tudo:
crescimento econômico,
conservação ambiental e
justiça social
Modernização Ecológica
Sistemas complexos
Economia Capitalista
O Estado
Natureza como estação
de tratamento de
resíduos
Subordinação da
natureza
Parcerias motivadas pelo
bem público
Proteção ambiental e
Prosperidade
econômica andam
juntas
Parceria entre governo,
empresas,
ambientalistas, cientistas
Casa arrumada
Progresso
É possível ter tudo
Fonte: Dryzek, 1997, p.132 e 146.
Radicalismo verde
O discurso do radicalismo verde critica o status quo englobando uma imensa variedade de ideologias,
movimentos, grupos e pensadores. Possui duas subcategorias: a dos românticos e a dos racionalistas. A
categoria dos românticos acredita que as relações do ser humano com o meio ambiente devem ser mudadas
por meio de novas experiências e da sensibilização do homem. Os românticos não estão preocupados com
melhores políticas ou instituições que possam direcionar o comportamento humano rumo à preservação do
ambiente, mas com a subjetividade. Subdividem-se em ecologia profunda, ecofeminismo cultural,
biorregionalismo, estilo de vida verde, ecoteologia e ecocomunitarismo, de acordo com o quadro abaixo:
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 593-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
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Quadro 6
Variedades de Romantismo Verde e Suas Características Centrais
Variedades
Característica Central
Ecologia Profunda (Deep
Ecology)
Consciência da unidade orgânica self-in-Self
Igualdade biocêntrica sem arrogância humana (misantropia)
Necessidades vitais
Preservação e proteção da vida selvagem
Ecofeminismo Cultural
Luta contra antropocentrismo e machismo
Libertação feminina leva à libertação da Natureza
Divindade, santidade do feminino
Biorregionalismo
(espacial)
Indivíduo como parte de seu ecossistema
Estilo de Vida Verde
Adoção de outro estilo de vida, experiência pós-industrial
Rejeição de rótulo político
Ecoteologia
Afastamento (judaico-cristão) de Deus da natureza
Base espiritual, orientação religiosa
Atitude contemplativa e reverencial
Ecocomunitarismo
Afastamento monástico da sociedade humana
Novo espírito, nova cultura
Fonte: Dryzek, 1997, p. 156-162.
Os racionalistas, por sua vez, acreditam que mudanças devem ocorrer por meio de uma ação política radical
e mudanças estruturais. A mudança individual e de subjetividades são bem-vindas, mas não são capazes de
atingir as causas dos problemas, que são as relações sociais complexas. Os homens são especiais, pois
possuem capacidade de raciocínio, mas isso não permite que tenham licença para dominar a natureza.
Acreditam na igualdade entre os indivíduos para o engajamento no debate sobre questões coletivas. A ação
política pode ser individual ou coletiva, por meio de movimentos sociais, partidos, estados. As metáforas são
orgânicas e ligadas à potencial racionalidade das estruturas sociais. Para os racionalistas, as políticas públicas
e as instituições são essenciais para lidar com os múltiplos interesses sociais e econômicos relacionados ao
meio ambiente. Nesse sentido, o racionalismo verde é mais abrangente que o romantismo. Trata-se de um
discurso que também possui várias vertentes: os verdes europeus, a ecologia social, a justiça ambiental, o
ecofeminismo social, o biorregionalismo, a esquerda verde e a liberação dos animais. Suas características são
explicitadas no Quadro 7.
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 594-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
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Paulo du Pin Calmon
Quadro 7
Variedades de Racionalismo Verde e Suas Características Centrais
Variedades
Característica Central
Os “Verdes” Europeus
Partidos políticos europeus
Facções distintas (aceitação do jogo político)
Ecologia Social
Rival da ecologia profunda (deep ecology)
Ênfase na dimensão social e cultural do tema
Hierarquia não natural
Justiça Ambiental
Ação pragmática em causas particulares
NIMBY (Not in my Backyard) →NIABY (Not in Anybody’s Backyard)
Redes
Ecofeminismo Social
Machismo como elemento central
Outros elementos opressores
Biorregionalismo (político)
Estruturas político-econômicas redesenhadas regionalmente
Aproxima-se do racionalismo administrativo
Esquerda Verde
Questão ambiental como contradição do capitalismo
(eco-marxismo)
Eco-marxismo
Liberação dos Animais
Direitos dos animais, nova onda iluminista
Peter Singer (base em J. Bentham)
Pouco ecológico (holístico)
Fonte: Dryzek, 1997, p. 173-184.
Ambas as categorias acreditam que os recursos naturais são finitos, mas os românticos defendem que a
mudança deve vir de dentro, não ser imposta por outros, enquanto os racionalistas demandam urgência para
evitar crises futuras. As relações devem ser naturais, igualitárias entre os seres humanos, e, para os
românticos, também entre os seres humanos e o ambiente que os cerca. As metáforas utilizadas pelos
românticos enfocam sentimentos, emoções, intuição; as utilizadas pelos racionalistas visam à razão e ao
progresso.
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 595-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
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Quadro 8
Analisando o Discurso: Radicalismo Verde
Ontologia
Hipóteses sobre relações
naturais
Agentes e
Motivações
Metáforas
Romantismo Verde
Limites Globais
Natureza externa
Relações entre seres
humanos e natureza são
naturais, mas foram
violadas
Subjetividade e
Consciência individual
Igualdade entre
humanidade e natureza
Natureza Interna
Indivíduos, alguns
mais conscientes que
outros
A natureza (Gaia)
Biológicas e orgânicas
Apelo emocional e a
intuição
Paixão
Grupos
historicamente
ignorados
Racionalismo Verde
Limites globais
Igualdade entre pessoas
Seres humanos racionais
Relações complexas
entre o ser humano e a
natureza
Natureza como
ecossistemas complexos
Indivíduos e
coletividades
Motivações
multidimensionais
Orgânicas
Apelo à razão
Progresso
Estruturas políticas
sociais e econômicas são
importantes
Fonte: Dryzek, 1997, p.167 e 188.
O futuro que Queremos: Analisando o Discurso da Rio +20
Da Rio 92 para a Rio + 20
Em 1992, ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que
consolidou o conceito de desenvolvimento sustentável, marcando a convergência entre propostas de
desenvolvimento e de proteção ambiental. Dez anos após, foi realizada a Cúpula Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável (Rio +10) com o objetivo de analisar os resultados alcançados e indicar o
caminho a ser seguido para implementação dos compromissos. Entretanto, muito pouco foi efetivamente
realizado após a Rio +10. As inúmeras conferências sobre mudanças climáticas (COPs) e outros encontros
realizados para discutir problemas como o aquecimento global, aumento da desertificação, perda da
biodiversidade, impactos ambientais em populações vulneráveis, apresentaram poucos avanços.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) foi realizada com o
propósito de superar o impasse dos anos anteriores e definir a agenda ambiental para as próximas décadas.
Mais especificamente, o objetivo da conferência foi o de renovar o compromisso político com o
desenvolvimento sustentável, avaliando o progresso e as lacunas na implementação da agenda ambiental,
bem como discutindo e tratando temas novos e emergentes. Da Rio+20 resultou o relatório “The Future We
Want”, (UNITED NATIONS, 2012) que será a base para a análise do discurso ambiental atual e seus
possíveis impactos.
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 596-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
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1. Ontologia da Rio +20: Entes Fundamentais Reconhecidos
O documento não contesta a estrutura da economia capitalista, porém declara na abertura que erradicar a
pobreza é o maior desafio para o mundo e pré-condição para o desenvolvimento sustentável (UNITED
NATIONS, 2012, parag. 2). O documento defende a visão de que a humanidade tem habilidade para
atender às necessidades das gerações presentes sem comprometer a habilidade de as gerações futuras
suprirem suas próprias necessidades. Esse conceito, lançado pelo Relatório Brundtland (1987), é o
coração da ideia do desenvolvimento sustentável e também serviu de base filosófica da Rio 92. Esta
habilidade é possível por meio da interação entre três pilares: crescimento inclusivo, desenvolvimento
social e proteção ambiental.
O documento foi organizado em volta de dois pontos principais: a economia verde e a criação do
arcabouço institucional para o desenvolvimento sustentável. Grande importância é atribuída à criação de
instituições e estruturas para integrar as perspectivas, promover participação e coerência, e implementar
políticas científicas para o desenvolvimento sustentável nos países (UNITED NATIONS, 2012, parag.
75-103).
2. Hipóteses sobre relações naturais
No que tocam às hipóteses sobre as relações naturais é clara a posição de que as pessoas são o centro da
sustentabilidade, e de que há subordinação da natureza aos seres humanos. Há um apelo na abertura por
relações justas, equitativas e inclusivas (UNITED NATIONS, 2012, parag. 5-6). Foi dada ênfase à
parceria entre grupos e atores em prol do bem comum. Porém, foi confirmado o princípio de que países
ricos e pobres possuem responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Este ponto foi bastante suavizado e
simplificado no documento final, mas fica clara a maior preocupação com a redução das diferenças entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2012, parag. 19-41).
É feita uma abordagem holística e integrada do desenvolvimento sustentável, onde o crescimento
econômico, a proteção ambiental e a justiça distributiva podem ocorrer simultaneamente (UNITED
NATIONS, 2012, parag. 6). Entretanto, no decorrer do documento, os aspectos econômicos ganharam
uma força comparativamente superior aos aspectos ambientais em senso estrito e aos aspectos sociais,
como se o ambiental se subordinasse ao econômico (ibdem, parag. 56-74).
3. Agentes e Motivações
É reconhecida a diversificação dos atores envolvidos no tema, convocando a participação efetiva de todos
os países, principalmente dos países em desenvolvimento (UNITED NATIONS, 2012, parag. 20). O
documento afirma o papel e convida o engajamento ativo na promoção, planejamento e implementação
do desenvolvimento sustentável de todos os níveis de governo, legislativos, judiciários, níveis locais e
subnacionais e de grupos como: mulheres, crianças, jovens, ONGs, indígenas, trabalhadores, sindicatos,
empresas, indústrias, fazendeiros, comunidade científica e tecnológica, sociedade civil, comunidades e
autoridades locais, voluntários, migrantes, idosos e pessoas deficientes (ibdem, parag. 43). Assim, os
grupos e as instâncias governamentais ganham destaque como atores que possuem a ação política na área
ambiental.
O documento enfatiza a liderança das mulheres, decidindo promover a igualdade de gênero e o
empoderamento para assegurar a participação feminina efetiva no processo. Nesse sentido, demanda a
extinção de leis discriminatórias, o acesso igual à justiça, educação, saúde, terra, crédito e às decisões
políticas e econômicas. O documento solicita a coleta, análise e uso de indicadores sensíveis a gênero na
formulação de programas. Da mesma forma, reitera o papel das mulheres camponesas como agentes do
desenvolvimento rural, agrícola e da segurança alimentar (UNITED NATIONS, 2012, parag. 45, 109,
236-244). Apesar do destaque às mulheres, a expressão "direitos reprodutivos", que designa a autonomia
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 597-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
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da mulher para decidir quando ter filhos, foi retirada do texto final por pressão do Vaticano. Essa decisão
demonstra o tipo de conflito envolvido na formulação de uma instituição como essa.
4. Metáforas e outros mecanismos retóricos
Em sua abertura, o documento “The Future We Want” utiliza como recurso retórico o resgate e
reafirmação das cúpulas ambientais anteriores, como forma de facilitar o convencimento e a aceitação do
que vem depois4 reconhecendo o caminho já percorrido (UNITED NATIONS, 2012, parag. 16-17). O
documento reconhece o “progresso desigual” em relação ao desenvolvimento sustentável e à erradicação
da pobreza. Essa é uma das menções mais claras à tensão e oposição entre países ricos e pobres, que
permeou todo o processo da Rio +20. Tal tensão vem de Estocolmo, foi amenizada na Rio 92 e ganhou
força novamente. O documento atribui a falta de progresso às múltiplas crises dos últimos anos, como a
financeira, econômica, dos alimentos, energética, atribuindo a maior parte dos seus impactos aos países
em desenvolvimento. Entretanto, o documento não atribui culpa aos países desenvolvidos pela crise
financeira.
O documento também utiliza metáforas comuns a outros discursos como a Terra é a nossa casa, nossa
mãe. Os direitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de aceitação ampla, são usados para
defender princípios como paz, liberdade, educação, saúde, justiça, segurança, bem como para defender
princípios liberais, como democracia e Estado de direito.
A metáfora da “economia verde” foi bastante forte, apresentada como uma novidade do discurso atual em
oposição a uma “economia marrom” ou “suja”. Esta metáfora resume o sistema de atividades econômicas
relacionadas à produção, distribuição e consumo de bens e serviços que aumentarão o bem estar humano
no longo prazo, sem expor as futuras gerações a riscos ambientais e à escassez ecológica.
O documento destaca que não devem ser impostas regras rígidas à economia verde, e que a soberania
nacional de cada país deve ser respeitada. Antecipa que o conceito pode ser usado como barreira não
tarifária e alerta que não deve ser usada como “uma restrição disfarçada ao comércio internacional". O
documento defende que a economia verde deve contribuir para diminuir as diferenças tecnológicas entre
países desenvolvidos e em desenvolvimento. As ONGs presentes na Cúpula dos Povos atacaram a
metáfora, afirmando que o termo é usado para mascarar os malefícios do sistema de mercado, o consumo
desenfreado e a necessidade inesgotável de crescimento.
4
As cúpulas citadas são: Rio Declaration on Environment and Development, Agenda 21, Johannesburg Declaration on Sustainable
Development, World Summit on Sustainable Development, Barbados Program of Action and the Mauritius Strategy for
Implementation, Istanbul Program of Action for Least Developed Countries (IPOA), Almaty Program of Action for Landlocked
Developing Countries, Political Declaration on Africa’s Development Needs, New Partnership for Africa’s Development, UN
Millennium Declaration and 2005 World Summit, Monterrey Consensus and Doha Declaration on Financing for Development, UN
General Assembly on the MDGs, International Conference on Population and Development, Beijing Declaration and Platform for
Action, United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC), Convention on Biological Diversity (CBD) and the
United Nations Convention to Combat Desertification (UNCCD).
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 598-604
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Quadro 9
Análise do discurso da Rio +20
Ontologia
Hipóteses sobre
relações naturais
Agentes e Motivações
Metáforas
Economia Capitalista
Relações cooperativas
entre os atores
População é formada por grupos
e instâncias governamentais
Casa, Mãe terra
Abordagem holística e
integrada do
desenvolvimento
sustentável
Afirma papel e convoca o
engajamento ativo na promoção,
planejamento e implementação
do desenvolvimento sustentável
de todos os níveis de governo,
legislativos, judiciários, níveis
locais e subnacionais e dos
grupos: mulheres, crianças,
jovens, ONGs, indígenas,
trabalhadores, sindicatos,
empresas, indústrias, fazendeiros,
comunidade científica e
tecnológica, migrantes, idosos.
Erradicar a pobreza é o
maior desafio para o
mundo e condição do
desenvolvimento
sustentável
Desenvolvimento
sustentável tem três
dimensões:
crescimento inclusivo,
avanço social e
proteção ambiental
As pessoas são o centro
da sustentabilidade
Subordinação de facto
do ambiental ao
econômico
Aliança entre as
pessoas, governos,
sociedade civil e setor
privado
Responsabilidades
comuns e diferenciadas
Ricos x Pobres
Libertar a
Humanidade da
Pobreza e Fome
Gerações Futuras
Economia Verde
Saúde e Integridade
dos Ecossistemas
Liberdade, Paz e
Segurança
Direito à
alimentação,
igualdade de
gênero, Estado de
direito, justiça,
equidade,
Fonte: Elaboração dos Autores.
Comparando o Discurso da Rio +20 e os Discursos Ambientais Prévios
A análise comparada do discurso do documento “The Future We Want” com os discursos ambientais prévios
demonstra que ele é baseado no discurso do desenvolvimento sustentável. Porém, as indicações de ação
futura apontam em direção ao discurso do racionalismo econômico.
A ontologia do documento utiliza o desenvolvimento sustentável como princípio, dado seu conceito amplo e
abstrato. Por sua vez, o racionalismo econômico traz meios mais concretos para implementar os princípios da
sustentabilidade. Segundo Bertha Becker (2012, p. 10), essa visão de mundo serve aos interesses
geopolíticos dos países desenvolvidos, significando a abertura de novos mercados. Há interesse em ampliar o
controle sobre as grandes reservas de recursos naturais dos países em desenvolvimento, pois a tecnologia
para a expansão pertence aos países ricos.
No que tocam às hipóteses sobre as relações naturais, é clara a subordinação da natureza aos seres humanos,
ou seja, a visão antropocêntrica da relação homem-natureza. A Rio +20 continuou a ênfase na parceria entre
grupos e atores em prol do bem comum, reconhecendo, porém, que países ricos e pobres possuem
responsabilidades comuns, mas diferenciadas. Este ponto foi bastante suavizado no documento final, mas
fica clara a maior preocupação com a redução das diferenças entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento.
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 599-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
Juliana Wenceslau
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No que se refere aos agentes e suas motivações, o documento dá continuidade ao discurso da
sustentabilidade, no qual a população é formada por grupos que podem agir em parceria. A Rio+20 procura
abranger o maior número possível de grupos, do nível global ao local. Porém, o documento deixa de lado o
fato de que estes grupos podem ter interesses bastante díspares e multidimensionais. Em outras palavras,
esvaziou-se a criticidade em relação ao status quo.
As metáforas da Rio +20 derivam de vários discursos. Do sobrevivencialismo vieram as imagens de “Casa e
Mãe terra”. Foram também utilizados apelos emocionais e orgânicos típicos do radicalismo verde como
“libertar a humanidade da pobreza e da fome” e “saúde e integridade dos ecossistemas”, “harmonia com a
natureza”. As mais relevantes vieram do desenvolvimento sustentável como a reafirmação incansável de que
“é possível ter tudo: crescimento econômico, conservação ambiental e justiça social” e a preocupação com a
preservação para as “gerações futuras”. A grande novidade foi a metáfora da “economia verde”, que,
justamente por ser nova, foi a que gerou mais polêmica, tanto na imprensa quanto na Cúpula dos Povos.
A Rio +20 trouxe como elemento importante a ênfase na erradicação da pobreza e da fome como questão
central para o ambientalismo e condição para o desenvolvimento sustentável. Esse fato reflete a maior
influência dos países emergentes nos fóruns internacionais e o papel do Brasil como coordenador do
documento. A metáfora de economia verde, um novo elemento do discurso, foi objeto de controvérsia, tanto
na fase das negociações quanto durante a Rio +20. Para as Nações Unidas, o conceito de economia verde é
utilizado para ilustrar a viabilidade de haver crescimento econômico e proteção ambiental simultaneamente.
Becker adverte ainda que por trás da metáfora há uma tentativa de superar a crise econômica, pela expansão
do sistema por múltiplos meios, inclusive sobre os recursos naturais. Assim como o desenvolvimento
sustentável, a economia verde é uma ideia vaga, o que facilitaria a adesão (2012, p.14), já que ninguém é
contra a reciclagem, a energia limpa ou a redução das emissões.
Para Flávio Comin (2012), o debate em torno da economia verde reduziu o universo de objetivos a serem
alcançados, pois “o respeito à natureza não deve ser fruto do cálculo econômico, mas da convicção dos
indivíduos sobre o valor intrínseco do meio ambiente”.
Discursos Paralelos à Rio+20
A Rio + 20 contou com vários eventos paralelos, como a Cúpula dos Povos, a Cúpula dos Prefeitos, a Cúpula
das Mulheres Chefes de Estado, a Cúpula da Cidadania Inclusiva e do Voluntariado, a Cúpula Mundial de
Estados e Regiões, a Cúpula dos Legisladores. Organizados por movimentos civis, empresas, ambientalistas,
além de outros grupos de diferentes esferas e setores governamentais. Esses eventos tiveram o objetivo de
discutir questões ambientais e de articular propostas e agendas comuns.
Cúpula dos Povos
A Cúpula dos Povos foi uma das que teve maior repercussão na mídia. Participaram das discussões
movimentos sociais e populares, sindicatos, povos, organizações da sociedade civil e ambientalistas de todo
o mundo, e os resultados foram compilados na “Declaração Final da Cúpula dos Povos por Justiça Social e
Ambiental”. O discurso dominante desse documento é que precisa haver convergência entre os movimentos
de mulheres, indígenas, negros, juventudes, agricultores/as, familiares e camponeses, trabalhadores/as, povos
e comunidades tradicionais, quilombolas, lutadores pelo direito à cidade, e religiões de todo o mundo para
que se possam combater os interesses das grandes corporações e do capital financeiro que dominam hoje a
agenda dos governos e são os grandes responsáveis pela crise estrutural pela qual o mundo está passando.
Trata-se de um discurso, portanto, antagônico ao do racionalismo econômico e administrativo: nem o Estado,
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 600-604
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nem o mercado são agentes confiáveis na tarefa de preservar o meio ambiente. Assim, trata-se do discurso do
radicalismo verde, com algumas variações.
Segundo a Declaração Final da Cúpula dos Povos, houve uma captura corporativa da ONU e dos governos
em prol dos interesses das corporações. Existe a ideia de que a humanidade e o meio ambiente correm riscos
de destruição, e que a Rio+ 20 não se posiciona de forma a mudar esse quadro, mas apenas “repete o falido
roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global” (CÚPULA DOS
POVOS, 2012).
De acordo com o documento, os recursos ambientais precisam parar de ser tratados como inputs do processo
produtivo capitalista e devem ser reconhecidos como direitos da humanidade. Assim, o discurso da Cúpula
dos Povos sugere uma mudança ontológica, que saia da perspectiva realista - os recursos naturais como
inputs do processo produtivo capitalista - para uma perspectiva nominalista - os recursos naturais como
direitos da humanidade, a serem protegidos e preservados por todos.
Ademais, os países altamente industrializados têm uma dívida ambiental histórica com o resto do mundo e
precisam se comprometer com ela. No entanto, ao contrário, os países ricos se esquivam de suas obrigações e
continuam a exercer seus interesses. Usam, para tanto, uma nova roupagem: a economia verde, a qual seria
apenas uma forma de continuar a exercer atividades de cunho capitalista, mas sob o aval do “corretamente
político”.
As soluções propostas para tornar o meio ambiente um direito de todos incluem a defesa dos espaços
públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular; a economia cooperativa e solidária; o
estabelecimento de um novo paradigma de produção, distribuição e consumo; a mudança da matriz
energética, com a adoção de um modelo baseado em energias renováveis descentralizadas e que garantam
energia para a população; a instituição de uma ampla rede de seguridade e proteção social, entendida como
um direito humano, bem como de políticas públicas que garantam formas de trabalho decentes.
Trata-se de um discurso que já havia sido defendido durante a Rio 92, no qual os movimentos da sociedade
civil protagonizam as mudanças. A Declaração Final da Cúpula dos Povos possui um tom de luta, bastante
usual do radicalismo verde, conforme expressam as suas palavras finais:
“Voltemos aos nossos territórios, regiões e países animados para construirmos as
convergências necessárias para seguirmos em luta, resistindo e avançando contra o sistema
capitalista e suas velhas e renovadas formas de reprodução. Em pé continuamos em luta!”
(CÚPULA DOS POVOS, 2012, p.5)
Quadro 10
Análise do discurso da Cúpula dos Povos
Ontologia
Relações naturais
Agentes e motivações
Metáforas
O discurso da Cúpula dos
Povos sugere uma mudança
ontológica, que saia da
perspectiva realista - os
recursos naturais como
inputs do processo produtivo
capitalista - para uma
perspectiva nominalista - os
Defende relações de
cooperação e a
convergência entre as
diversas agendas
defendidas pelos
movimentos sociais.
Os agentes de mudança são os
movimentos sociais e
populares, os sindicatos, os
povos, as organizações da
sociedade civil e os
ambientalistas de todo o
mundo.
Lutas pelo
estabelecimento
de uma nova
ordem
Ao mesmo tempo,
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 601-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
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Continuação do quadro 10
recursos naturais como
direitos da humanidade, a
serem protegidos e
preservados por todos.
estabelecem uma relação
de oposição às grandes
corporações e de
desconfiança em relação
ao Estado.
No entanto, deixa o papel dos
Estados em um segundo plano,
pois considera que os entes
governamentais foram
capturados por interesses do
sistema capitalista.
Fonte: Elaboração dos Autores
O desenvolvimento sustentável e seus agentes
Outras importantes discussões aconteceram na Cúpula dos Prefeitos e a Cúpula das Mulheres Chefes de
Estado. A cúpula dos Prefeitos, formada pelos 58 prefeitos das maiores cidades do mundo, integrantes do
grupo C40, reuniu-se para discutir mudanças climáticas. Nesse discurso, o elemento que se destaca são os
agentes: os prefeitos são vistos como os atores com a maior possibilidade de atuar em favor do
desenvolvimento sustentável, conforme destaca Rodrigo Rosa, coordenador da Cúpula dos Prefeitos (ROSA,
2012). Para Rosa, a atuação dos prefeitos possibilita mudanças em nível local, mais direcionadas a atender às
demandas da sociedade e mais propensas a obter resultados factíveis, impulsionando mudanças também na
agenda política.
Nessa cúpula, os prefeitos das maiores cidades do mundo atuaram como protagonistas e se comprometeram a
reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 12% até 2016 e em 1,3 bilhão de toneladas até 2030. Além
disso, foi acordada a criação do primeiro Banco de Investimentos Verdes do mundo, o qual terá como
objetivo financiar empreendimentos de infraestrutura com baixa emissão de carbono.
A “Cúpula das Mulheres Chefes de Estado pelo Futuro que as Mulheres Querem” enfocou o papel da mulher
como protagonista de mudanças da sociedade com relação ao meio ambiente. No discurso proferido pela
presidente Dilma, as mulheres foram colocadas como a face da pobreza no mundo, juntamente com as
crianças. Ao mesmo tempo, são elas as grandes aliadas no combate à pobreza, pois investem nas crianças,
nas famílias e nas comunidades. Elas representam padrões de comportamento, guias de conduta e, por isso,
são agentes decisivas nas mudanças nos padrões de consumo, no uso de energia, no uso da água e do solo.
Dessa forma, a Cúpula posiciona-se no sentido de defender a promoção da igualdade de gênero e do
empoderamento das mulheres no desenvolvimento sustentável.
Perspectivas para as Políticas Públicas Ambientais pós Rio +20
A análise comparada do discurso do documento “The Future We Want” com os discursos ambientais prévios
demonstra que ele busca harmonizar os princípios do desenvolvimento sustentável com aplicação de medidas
concretas defendidas pelo racionalismo econômico. Assim, haveria uma tendência de mudança em direção
ao estabelecimento de mercado, preços e competição na área ambiental. Assim, devem ser introduzidas
políticas ambientais e mudanças regulatórias que modifiquem os preços relativos do uso dos recursos (e.g.
mercado de carbono e serviços ecossistêmicos), internalizem os custos das externalidades ambientais e
eliminem subsídios aos combustíveis fósseis.
A implementação da economia verde tende a ser prioridade para as Nações Unidas (UNITED NATIONS,
2012, parag. 56-74), que procurará estimular os países a combinarem seus financiamentos, tecnologias,
capacitação na direção de encontrar modelos e metodologias para políticas de energias renováveis e para
aumentar a criação de empregos ligados à economia verde, como o turismo ambiental (idem, 2012,
Cad. EBAPE.BR, v. 10, nº 3, artigo 7, Rio de Janeiro, Set. 2012
p. 602-604
Políticas da Terra: Existe um novo discurso ambiental pós Rio +20?
Juliana Wenceslau
Natalia Latino Antezana
Paulo du Pin Calmon
parag.130-131), transporte e cidades sustentáveis ( idem, parag.132-137), tratamento de resíduos (idem,
parag. 213-223).
Outro efeito da Rio +20 pode ser a melhoria da comparabilidade e benchmarking das estatísticas ambientais
e a criação de metas mundiais, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), para que os países
priorizem e informem suas ações de proteção do meio ambiente (UNITED NATIONS, 2012, parag. 245251). Para tanto, podemos esperar o fortalecimento de organizações internacionais ambientais, como o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), por meio de maior financiamento,
tecnologia e capacitação (UNITED NATIONS, 2012, parag. 252-277). Apesar do fortalecimento, o veto à
transformação do PNUMA em agência impediu a criação de uma estrutura internacional com poderes para
efetivar medidas práticas para proteção ambiental.
Estes avanços dependerão do quanto os países estão dispostos a investir nessas áreas. Durante todo o
processo, Estados e empresas tentaram blindar-se contra propostas onerosas, principalmente aquelas que
abordaram questões de direitos humanos e responsabilidades ambientais. Esta foi precisamente a grande
decepção da Rio +20, o documento final teve um conteúdo bastante minimalista na atribuição de
responsabilidades futuras e seu financiamento.
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