Amadeo Souza-Cardoso
AMADEO SOUZA-CARDOSO (1887-1918) – Foi o único artista português que na primeira
metade do século se integrou plenamente nas movimentações das vanguardas
internacionais, mas a morte precoce interrompeu-lhe a prometedora carreira.
Nascido em Manhufe, no Minho, fez breves estudos em Lisboa e chegou a Paris com 19
anos, em 1906, com o projecto de se dedicar à arquitectura. No início da nova década
trocou os círculos de amigos portugueses pelo convívio com Modigliani e outros artistas
de primeiro plano, como Brancusi, Juan Gris, Robert Delaunay e outros. Sem se fixar na
opção por um estilo único, iniciou uma trajectória tão breve como fulgurante, marcada por
aproximações ecléticas às novas correntes do tempo (cubismo, futurismo, orfismo, etc) e
também por uma abordagem muito precoce da abstracção, de que foi, em 1912, um dos
pioneiros.
Entretanto, a sua obra ganhara alguma projecção parisiense e internacional com a
publicação de um álbum de desenhos e com pinturas em que se afirmava o gosto por
uma estilização orientalizante e elegantemente decorativa, com as quais participou em
exposições em Berlim e no famoso «Armory Show» norte-americano. Aí se venderam três
quadros que hoje pertencem ao Art Institut de Chicago.
A Guerra de 1914-18, que o surpreendeu em Barcelona, de visita a Gaudi, fê-lo regressar
ao país, mas ao isolamento dos seus últimos anos portugueses, até ser vítima da
epidemia de gripe, correspondeu o período da sua pintura mais radicalmente original. Os
últimos quadros, em que passou da inconstância das anteriores experiências a insólitas
inovações pessoais, foram uma síntese explosiva e vibrante de cor, onde os motivos
populares conviviam com a colagem de objectos. Fez exposições no Porto e em Lisboa,
com escândalo público e o apoio de Almada e da geração do «Orpheu», mas a sua obra
ficou a seguir quase esquecida, na posse da família, até ser objecto de uma nova atenção
crítica nos anos 50. Tem um museu com o seu nome em Amarante.
(de um dicionário - A.P. , Expresso, data?)
No Centenário da partida para Paris
«Amadeo: ida e volta»
Expresso Actual de 11-11-2006 (1)
Cem anos depois da partida para Paris, a Gulbenkian vai mostrar a obra de Amadeo de
Souza-Cardoso em diálogo com os contemporâneos e dar a conhecer inéditos e novas
pistas sobre a sua breve carreira
1916?
Amadeo partiu para Paris há exactamente um século - cumpre-se no dia 14 de Outubro, e
a data é assinalada com a inauguração da exposição que na Fundação Gulbenkian o
mostrará inserido no «Diálogo de Vanguardas» do seu tempo. Mas, de facto, é da
América que ele agora chega, com três importantes pinturas nunca vistas em Portugal,
duas delas perdidas durante muitas décadas, e, principalmente, com um itinerário mais
bem conhecido depois das investigações norte-americanas sobre o êxito da sua
participação na exposição do «Armory Show» que em 1913 apresentou a arte moderna
europeia em Nova Iorque, Chicago e Boston. Foi aí que se mostraram os quadros «Chateau
Fort» (Fortaleza), mais tarde doado pelo crítico Arthur Jerome Eddy ao Art Institute of Chicago,
«Return from the Chasse» (Regresso da Caça), localizado em 2000 no Museu de Michigan, e
«Avant la Corrida» (Antes da Corrida), descoberto já este ano e adquirido para a colecção do
Centro de Arte Moderna.
Falecido aos 30 anos no isolamento português do fim da I Guerra Mundial, deixou
interrompida uma obra aceleradamente instável e avessa a rígidas classificações de
estilo. Amadeo foi sempre visto como a maior das promessas mas também como
dificilmente integrável nas ortodoxias parisienses que por muito tempo balizaram a história
da arte; as aproximações aos cubismos, que foram diferentes entre si, levavam-no a
ocupar uma posição dependente e por isso menor, enquanto aos rasgos de originalidade
faltava a maturação de um percurso mais longo. Uma forma muito nacional de
inferioridade foi menorizando o que se apresentava como mais pessoal e interpretando
como influências sofridas (de Modigliani, de Brancusi, por exemplo) o que era
cumplicidade e concorrência criativa, ou mesmo influência exercida sobre outros.
Amadeo tivera uma presença notada entre os mais de 300 participantes, com mais de
1600 obras, na «International Exhibition of Modern Art» que em 1913 começou por se
apresentar em Nova Iorque, com mais de 75 mil visitantes, no arsenal («armory»)
desocupado do 69.º Regimento de Infantaria - daí a designação «Armory Show» por que
ficou conhecida. Das oito obras que mostrou, sempre bem colocadas em excelentes
companhias, sete (seis telas e uma aguarela) foram vendidas até ao fim da itinerância que
continuou em Chicago e Boston, adaptada em menores formatos. O nome do pintor
português figurava em 30.º lugar na lista de 36 artistas (entre mais de 300…) que o cartaz
de Nova Iorque anunciava - depois de Ingres, Delacroix, Manet, Degas, Cézanne, Renoir,
etc, e antes (sem ordem inteligível) de Gauguin, Archipenko e Bourdelle. Parte da
projecção dada a Amadeo (que incluiu a reprodução em postal de «Antes da Corrida», e
também de «Pêcheur» ou «Fisherman» / Pescador, este nunca mais localizado) resultava
da admiração que lhe votava o pintor e crítico norte-americano Walter Pach, agente na
Europa dos organizadores da mostra. A correspondência depois trocada com Amadeo
(até 1917) veio revelar novos projectos de exposição em Nova Iorque, que a sua viúva,
Lúcia, tentou concretizar ainda em 1921.
«Antes da Corrida» de 1912, comprado na América durante o «Armory Show» (1913),
redescoberto em 2006
Só em 1999 essa ambição de voltar a expor na América viria a concretizar-se com «At the
Edge. A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza Cardoso» (No Alvo. Etc…), inaugurada
em Washington na Carcoran Gallery of Art, e levada em 2000 ao Arts Club de Chicago e à
AXA Gallery de Nova Iorque, com organização em Lisboa do Gabinete de Relações
Internacionais do Ministério da Cultura. Essa foi certamente a mais importante das suas
retrospectivas, pela projecção alcançada junto da crítica norte-americana, e também a
mais decisiva, pela reorientação dos estudos sobre o período inicial da obra de Amadeo,
que fora sempre o mais incompreendido e desvalorizado pela crítica nacional, embora
tenha sido o que lhe assegurara o reconhecimento internacional.
Responsável pela iniciativa, Jack Cowart, director do Museu Corcoran, e Laura Coyle
levaram a cabo ou dinamizaram investigações modelares (também de Kenneth E. Silver e
Rosemary O’Neill) sobre as relações artísticas de Amadeo, sobre as obras que expôs em
vida e sobre a sua recepção pública e crítica. Para além de poderem ter acesso aos
espólios documentais conservados por Paolo Ferreira e pela viúva do pintor, uma
direcção de trabalho menos especulativa e mais sustentada em fontes materiais fez
reorientar o conhecimento do pintor português. Internamente, a sua valorização muito
tardia, a partir da década de 50, e a posterior investigação ficara sempre prejudicada pelo
relacionamento difícil entre o pioneirismo crítico de José-Augusto França e a tutela do
SNI, através de Paolo Ferreira, sobre a obra e a documentação de Amadeo.
Com a dominante informação parisiense dos anos 50, quando se julgava o
abstraccionismo uma definitiva libertação ou fatalidade, os primeiros estudos sobre
Amadeo diminuíam o trabalho decisivo dos anos 1911 e 12, que lhe granjeara notoriedade
em Paris e no «Armory Show», como «um decorativismo fantasista e literário, com
castelos e figuras quase heráldicas», ou um «bizantinismo estilístico, ligado a uma
maneira do princípio do século». Falou-se demasiado em Arte Nova, cerâmica persa e
preciosismo oriental, como se Amadeo tivesse voltado as costas às tendências e
inovações do seu tempo. Muito pelo contrário, as obras desses anos velozes, de 1910 a
1912, com os desenhos publicados em álbum (XX Dessins, que continuaram a expor-se
na Alemanha até 1913-14), como manuscrito iluminado de «La Légende de Saint Julien
L’Hospitalier», deixado inédito, os quadros que vão do «Salto do Coelho» e «Os Galgos»
a «O Príncipe e a Matilha», «Antes da Corrida» e «Cavaleiro», articulam informação da
maior actualidade e participam da inquieta busca de novos e diferentes caminhos, com
uma muito marcada individualidade criativa.
Numa das paredes do gabinete de trabalho de Helena de Freitas, a responsável pela
actual «operação» Amadeo, alinham-se fotografias que dão pela primeira vez um pleno
sentido a uma passagem de uma carta ao tio Francisco Cardoso, em Manhufe, datável de
1910, de Bruxelas, onde passou três meses: «Passo os meus dias com alguns pintores
primitivos que são os meus ídolos. A eles devo parte da grande evolução que tem
atravessado o meu espírito (…) os góticos são a alma intensa de uma religião elevada.
(…) Não se faz uma obra de arte sem uma grande emoção e ninguém como eles possui
emoções mais intensas.»
São góticas as arquitecturas do «Castelo» (col. CAM) e da «Fortaleza» e «Marina de Pont
l’Abbé», de 1912 (col. Art Institut of Chicago), mas as suas fragmentações espaciais que
multiplicam os pontos de vista, os ritmos angulares ou as torções esféricas dos volumes
testemunham uma observação inteligente de processos cubistas. Bem diferentes dos
interiores góticos da catedral de Saint Séverin que em 1909-10 tinham interessado a
Robert Delaunay para analisar as relações entre luz e arquitectura com uma disciplina
cezanniana, as obras de Amadeo distanciavam-se da modernização dos realismos (e em
especial das superficiais geometrizações das formas) com uma muito livre imaginação
ficcional que algo terá a ver com a conjunção dos mestres italianos (Benozzo Gozzoli,
Uccello, etc.), por vezes apropriados literalmente, e com a admiração por Henri
Rousseau, celebrado postumamente no Salão dos Independentes de 1911 entre duas
galerias de cubistas. Com as suas profundas diferenças, «Antes da Corrida» e «Regresso
da Caça» definem outras direcções de trabalho, apontadas para a interrogação do
movimento e da força emotiva da cor, sempre com a urgência que Amadeo imprime à sua
pintura.
Nos mesmo anos, a ligação a Modigliani e Brancusi é uma pista importante do quadro das
relações parisienses. Se em Portugal se falou da «influência de Brancusi através de
Modigliani», como se escrevia ainda em 1987, outra seria a posição dos estudos sobre a
obra do escultor romeno. No catálogo da sua retrospectiva no Centro Pompidou em 1995
(e no Museu de Filadélfia no mesmo ano), Friedrich Teja Bach veio propor a origem de
algumas esculturas de Brancusi em desenhos de Amadeo, com ilustrações em apoio da
sua tese que estabelecem o caminho desde o desenho «Le Bain des Sorcières» (do
álbum XX Dessins) até à escultura «La Sorcière» (1916-1924), tal como sucederia desde
o desenho «Mauresques» até «Princesse X», de 1915-16, através da redução progressiva
de pormenores das figuras - ao mesmo tempo que o autor faz uma contribuição essencial
sobre a noção de redução em Brancusi, distinguindo-a da busca da «forma pura ou
abstracta».
Outra contribuição estrangeira, que agora se publica no catálogo de «Diálogo de
Vanguardas», é a de Joachim Heusinger von Waldegg, orientada para a relações de
Amadeo com a Alemanha, com o expressionismo e em especial com o pintor Otto
Freundlich (1878-1943). Aí se abordam directamente as dificuldades de relacionamento
com a obra de Amadeo por ela não se integrar disciplinadamente em qualquer das correntes
definidas do modernismo (o que ainda em 2001 lhe valeria a classificação de «camaleão de
Amarante» num jornal alemão), ao mesmo tempo que se percorre um quadro de referências
diferente dos modelos formalistas dominantes, para o qual, como diz J. von Waldegg, «a cor e
forma não são apenas entendidas como valores pictóricos, mas estão investidos de emoções e
conteúdos».
Passado quase um século, a obra de Amadeo não está arrumada na história, continua a ser
iluminada por novas informações e oferecida a diferentes explorações. Com a exposição que o
situa entre os seus pares abre-se um caminho que irá prosseguir com a publicação da
fotobiografia e do catálogo «raisonné», contando com novas condições de rigor e, espera-se, de
contacto permanente com as suas obras.
Cronologia rápida
11-11-2006 - 2
1887 Amadeo Ferreira de Souza-Cardoso nasce a 14 de Novembro, em Manhufe,
freguesia de Mancelos, concelho de Amarante. O pai era um abastado proprietário rural e
viticultor. A infância (entre 12 irmãos) decorre entre a quinta de Manhufe e as férias em
Espinho.
1906 Depois de frequentar por alguns meses a Escola de Belas Artes de Lisboa, parte
para Paris a 14 de Novembro, com o projecto de estudar arquitectura. O pintor Franciscso
Smith acompanha-o na viagem. Instala-se no Boulevard Montparnasse. Dedica-se ao
desenho e à caricatura.
1908 Aluga um estúdio no nº 14 da Cité Falguière, morada de muitos outros artistas
estrangeiros e portugueses. Conhece Lucie Pecetto.
1909 Frequenta na Academia Vitti o curso do espanhol Anglada Camarasa, um pintor
original e então com larga fama internacional.
1910 Manifesta em carta ao tio Francisco Cardoso um grande entusiasmo pela pintura
dos Primitivos (os artistas góticos e primeiros renascentistas), que se reflecte na sua obra.
1911 Expõe seis trabalhos no Salão dos Independentes, em Abril, e depois (no Outono)
realiza uma exposição no seu atelier, Rue du Colonel Combes, com o amigo Amedeo
Modigliani. Relaciona-se com Brancusi, Archipenko e talvez já com o casal Delaunay.
1912 Publica o álbum XX Dessins e ilustra o manuscrito de La Légende..., de Flaubert,
durante uma estada na Bretanha. Expõe no Salão dos Independentes e no Salão do
Outono.
1913 Participa com êxito no «Armory Show» em Nova Iorque, Chicago e Boston; sete
obras são adquiridas e três delas vêm a ser reproduzidas em livro e doadas ao Art Institut
de Chicago. Expõe pinturas de uma nova orientação abstraccionista no I Salão de Outono
da Galeria Der Sturm em Berlim, por recomendação de Robert Delaunay.
1914 A Guerra surpreende-o em Espanha (onde visitara Gaudí, em Barcelona) e obriga-o
a instalar-se em Manhufe, com Lúcia, depois de terem casado no Porto.
1915 Contactos e correspondência frequente com Robert e Sonia Delaunay, que então
residem em Vila do Conde e depois em Vigo. Projectos de «expositions mouvantes»,
também com Eduardo Viana e Blaise Cendrars.
1916 Expõe em Novembro no Porto, no Salão Jardim Passos Manuel, 114 obras sob o
título «Abstraccionismo». E depois em Lisboa, na Liga Naval, no Palácio do Calhariz, com
um folheto-manifesto de Almada Negreiros. Publica o pequeno álbum 12 Reprodutions.
Entrevistas em «O Dia» e «Jornal de Coimbra».
1917 Duas obras são reproduzidas na revista «Portugal Futurista».
1918 Morre em Espinho, a 25 de Outubro, vítima da «pneumónica» ou «gripe espanhola».
Amadeo - "Diálogos de Vanguarda"
11-11-2006 - 3
Operação Amadeo
A exposição «Diálogos de Vanguarda» coloca a breve obra de Amadeo, com menos de
uma década de duração efectiva (entre 1907 e 1918), em relação com a de artistas que
foram seus amigos mais ou menos próximos, e em geral com a de contemporâneos com
quem se podem encontrar afinidades de experiências ou orientação. Além de obras dos
portugueses Eduardo Viana e Almada Negreiros, comparecem o seu professor Anglada
Camarasa (um grande pintor espanhol que deveria ser mais conhecido) e os amigos mais
chegados como Modigliani e Brancusi, os futuristas Boccioni, Severini, mais Archipenko,
Ortíz de Zárate, Robert e Sonia Delaunay, Otto Freundlich. Noutros casos vão sumariarse pontos de encontro e coincidências, ou interrogar-se possíveis influências e marcos
cronológicos, através de presenças cubistas parisienses como as de Picasso, Gleizes,
Metzinger e Gris ou Derain e Duchamp, de orientações expressionistas germânicas como
Macke, Gabriele Münter, Lyonel Feininger, Kokoschka, e de diversos russos como
Alexandra Exter, Jawlensky, Klioune, Puni, Malevitch, Popova, Gontcharova e Tatlin. O
itinerário alarga-se a imagens documentais dos Primitivos italianos e ainda a gravuras
japonesas e máscaras africanas, no âmbito de um vasto inquérito sobre o trabalho de
Amadeo que será também, certamente, uma original síntese das linhas de fractura de
uma década de convulsões e intensa experimentação. No total, deverão ser reunidas
perto de 260 obras, com recurso a empréstimos esperados das mais diversas
proveniências.
Comissariada por Helena de Freitas, a mostra é o primeiro capítulo visível de uma vasta
operação que se desencadeou no ano 2001 com a criação da equipa encarregada de
publicar o catálogo «raisonné» da obra de Amadeo de Souza-Cardoso. O projecto
começou a ser considerado em 1995, após a edição do catálogo sistemático de Vieira da
Silva e ainda por José Sommer Ribeiro, primeiro director do Centro de Arte Moderna, que
esteve ligado às sucessivas aquisições de obras de Amadeo para a Fundação
Gulbenkian. A preparação de um catálogo exaustivo e crítico deveria suceder-se à
exposição do centenário do nascimento do pintor, em 1987, e em especial à incorporação
das últimas obras e do espólio documental então ainda na posse da sua viúva, ao mesmo
tempo que com ele se procuraria asfixiar o mercado de obras que a Amadeo eram
falsamente atribuídas. Implicando um minucioso levantamento de trabalhos referenciados
e novas pesquisas das peças perdidas, bem como a actualização de registos fotográficos
e o cruzamento dos dados documentais, a operação irá dar lugar à publicação no início
de 2007 de um primeiro volume com a fotobiografia do pintor, seguindo-se os tomos
relativos à pintura e ao desenho, até ao fim do próximo ano.
Entretanto, a exposição que se inaugura no dia 14, no centenário da partida de Amadeo
para Paris e no âmbito das comemorações do meio centenário da FG, é acompanhada
por um catálogo próprio e pelo lançamento da edição facsimilda (em duas versões de
diferentes preços) de um álbum manuscrito e desenhado pelo pintor que se encontrava
inédito desde 1912.
O catálogo anunciado em 2004
Está prevista para 2006 a publicação do catálogo «raisonné» de Amadeo de SouzaCardoso, ao cabo de seis anos de trabalho de uma equipa criada no Centro de Arte
Moderna em 2001. Ficarão então inventariadas e estudadas - além de reproduzidas todas as obras entretanto localizadas, cujo número total, já alargado pela descoberta de
desenhos inéditos e outros trabalhos dispersos, não deve ultrapassar as 500 peças.
Em 1987, por ocasião do centenário do nascimento do pintor, a Gulbenkian reunira numa
grande exposição cerca de 160 pinturas e cem aguarelas, desenhos e caricaturas,
procedendo-se a um primeiro levantamento exaustivo. Mais duas centenas de outras
obras, incluindo algumas pinturas, são actualmente conhecidas, encontrando-se entre
elas um quadro descoberto no Museu de Arte de Michigan por efeito da antologia levada
aos Estados Unidos em 1999. Trata-se de uma das sete obras («Regresso da Caça»)
vendidas durante a famosa exposição no Armory Show, em 1913, onde Amadeo foi um
dos artistas em destaque.
Maria Helena de Freitas, que coordena o projecto, refere que a análise do espólio
documental da viúva do pintor, Lúcia de Souza-Cardoso, recentemente doado ao CAM, e
de outras fontes, bem como o estudo científico e técnico das obras, já facultou o acesso a
dados biográficos totalmente desconhecidos e «revelações surpreendentes» relativas ao
processo de trabalho. Houve também «avanços muito significativos» na datação de obras
e na identificação de títulos originais, que oportunamente o catálogo revelará.
Uma equipa de conservação e restauro (K4, de Vanda Coelho e Ana Isabel Pereira)
ocupa um espaço improvisado nas caves do CAM, por onde têm passado obras de muitas
colecções - também particulares - com vista à realização de exames periciais que
igualmente fornecem pistas de investigação. Para além da reflectografia e por vezes da
radiografia, é essencial conhecer os suportes e as grades das telas, com a identificação
das respectivas origens e a anotação exaustiva de tudo o que aí se pode encontrar
escrito: marcas de fabricantes, títulos, anotações, etiquetas de exposições, etc.
A própria brevidade da obra de Amadeo (produzida ao longo de cerca de 12 anos, de
1906 a 1918), bem como a sua concentração na posse de instituições (tendo a
Gulbenkian a colecção mais vasta), assegura a possibilidade de o catálogo sistemático
ser entendido como oportunidade para uma investigação aprofundada sobre o pintor, que
até agora foi sempre objecto de interpretações parcelares. Entretanto, «tentar asfixiar o
desenvolvimento do mercado de obras falsas» é também uma das preocupações a que o
catálogo virá dar resposta. (Expresso Actual 28-02-2004)
Memória de Lúcia
Lúcia Pecetto Souza Cardoso (1890-1989) foi, em Paris, uma dedicada guardiã da
obra de Amadeo
Amadeo conheceu-a em 1908. Segundo contou Domingos Rebelo, foi Manuel
Jardim que referiu a Emmerico Nunes a «crèmerie» do Boulevard Montparnasse e
a filha da proprietária, «muito engraçada, que atende os clientes e fala também
português». «Olhe que é bonita, é tímida, e muito simpática». Tinha 17-18 anos.
Amadeo apareceu «com a sua indumentária exótica - chapéu à Masantini, capa à
espanhola, atirada sobre o ombro, deixando aparecer o veludo vermelho da gola;
calça à boca de sino, polainas claras sobre um sapato castanho, luvas brancas»,
segundo o mesmo testemunho. O encontro foi para a vida toda (mas muito
Lúcia fotografada por Amadeo FCG/BIBLIOTECA DE ARTES/ESPÓLIO ASC
diferentes as duas vidas), primeiro ocultado da família conservadora de Manhufe, e
depois formalizado no Porto, quando o pintor ficou retido em Portugal no início da
Grande Guerra. As fotografias confirmam-lhe a beleza e as cartas que Amadeo lhe
escreveu durante as vindas a casa sugerem uma cumplicidade inteligente.
Lucie Meynardi Pecetto nasceu em 23 de Julho de 1890, em Villeurbanne-Rhône
(Lyon), de origem italiana, e passara algum tempo no Brasil. Morreu em Paris em
1989, 23 de Março, com 98 anos, e veio a enterrar para o jazigo de Manhufe.
Dois anos depois da morte de Amadeo, regressou a Paris, onde tinham ficado
numerosas obras e para onde levou as dos últimos anos. Logo em 1921, voltou a
tentar a exposição em Nova Iorque que Amadeo ambicionava, e promoveu em
1925, em Paris, uma mostra antológica que teve algum eco crítico.
Parece que nos anos 20 trabalhou para a Sociedade de Propaganda de Portugal,
associação de promoção do turismo, e depois António Ferro, que instituíra o
Prémio Souza Cardoso, arranjou-lhe um emprego na Casa de Portugal, a partir de
1931. Dedicada à defesa da obra do marido (talvez com a ajuda de uma pequena
renda da família; no fim com uma reforma mínima francesa), Lúcia recusava-se a
dispersar o acervo e aguardou o reconhecimento.
Vendeu um quadro escolhido por Jean Cassou para o Museu de Arte Moderna
(hoje Centro Pompidou) em 1958, após a retrospectiva organizada pelo pintor
Paolo Ferreira na Casa de Portugal; mais cinco quadros para a Gulbenkian em
1965 e diversos outros já nos últimos anos de vida, com a doação do importante
espólio documental que também conservara. (Expresso Actual de 11-11-2006 - 4)
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MONDRIAN. AMADEO – Da Paisagem à Abstracção
Expresso 7 Julho 2001
"Encontro em Paris»
As carreiras iniciais de Mondrian e Amadeo através do tema da paisagem
MONDRIAN. AMADEO – Da Paisagem à Abstracção
Museu de Serralves (até 30 de Setembro)
Se Mondrian tivesse morrido na idade com que desapareceu Amadeo, não saberíamos o
seu nome. Com 30 anos em 1902, Pieter Cornelis Mondriaan era um paisagista de
Amsterdão que expunha na Sociedade S. Lucas. Só uma década depois, ao mudar para
Paris, nasceria Piet Mondrian. Parecia um desafio inverosímil a junção de artistas de tão
diferentes itinerários e produções incomensuráveis, com lugares tão diversos na história
(universal) do século XX - se é que Amadeo já nela foi admitido, como certamente
merece, apesar da brevidade da obra.
O pretexto da parceria das capitais culturais, que poderia mal justificar o encontro dos
dois maiores pintores nacionais, fundamenta-se no argumento mais sólido da sua
pertença aos primeiros anos da Escola de Paris, entendida em sentido estrito como a
comunidade internacional que aí informalmente vivia a aceleração da aventura da arte
moderna.
As relações com o cubismo foram nos dois muito diversas, mas ambos intervieram no
decisivo processo de experimentação que dele tirou como consequência a passagem à
abstracção. Mondrian em definitivo, como uma inevitabilidade apontada à transformação
utópica do mundo e da arte, embora tenha continuado a pintar sentidas composições
florais e vistas rurais por conveniência económica e algum gosto idiossincrático («Quinta
em Divendrecht», de 1916?, é a obra mais tardia da mostra). Amadeo explorou a
abstracção radical em telas de 1913 que não se incluem, mas sempre como uma direcção
experimental entre outras, sem entender a recusa dos referentes da representação como
destino obrigado, em nome da pureza pictural ou metafísica. A exposição segue-lhes o
passo desde o início das respectivas carreiras, mas só até 14, data de regresso às
pátrias, sem chegar, por isso, a ilustrar o Mondrian mais característico nem o último e
mais original Amadeo.
Dedicada ao tema da paisagem, que Serralves tomou por tópico principal da programação
do ano, dispõe em paralelo as obras dos dois artistas, através das paredes opostas de
quatro pequenas salas comunicantes, e a própria configuração espacial da montagem
sublinha a diversidade da formação e do ritmo evolutivo de Mondrian e Amadeo. É um
percurso com distintas velocidades, em que se deixam bem patentes as diferenças
individuais (a intensa emotividade que a razão ordenará; a curiosidade vital e volúvel) e
em que ficam implícitas as circunstâncias de contexto das suas obras. No caso do
holandês, a vinculação tanto a uma sólida tradição regional do paisagismo como a um
processo colectivo de renovação, iniciado na Holanda logo na primeira década do século,
enquanto Amadeo vive uma aventura sem outras filiações nacionais que as que podiam
decorrer da morfologia da paisagem e da especificidade das cores e luzes do seu Minho,
mas em contacto directo, desde o início, com a pluralidade das direcções
simultaneamente ensaiadas na Babel parisiense.
A opção expositiva prescinde de acompanhar as obras com qualquer informação textual,
mesmo quando nos dá a conhecer os inesperados naturalismo e primeiro modernismo de
Mondrian, assim apontando a uma experiência de visualidade «pura». É uma aposta
legítima e bem ganha, mas no catálogo também não se encontra qualquer
enquadramento que guie o visitante desprevenido, o que já parece menos aceitável, tanto
mais que tem havido contributos recentes para que se entenda melhor o itinerário do
holandês. É o caso de recentes exposições do Museu de Arte Moderna de Paris, como
«La Beauté Exacte», de 1994, sobre o século XX holandês («Mondrian: Les Années
Préparatoires à 'De Stijl', Particulièrement en Zélande», de Robert P. Welsh, é um ensaio
de grande oportunidade), «Le Fauvisme ou l'Épreuve du Feu», de 2000, ou «L'École de
Paris 1909-1929, la Part de l'Autre», de 2001, em que também Amadeo esteve
representado. Entre nós, prevalece o hábito dos catálogos caros e pouco úteis, mesmo
quando ostentam o emblema comunitário do Programa Operacional da Cultura.
De Mondrian assiste-se aos seus inícios naturalistas, desde 1898/1900, e a um trajecto
lento em que se acentua uma inclinação simbolista (por vezes a lembrar António Carneiro)
antes de se poder falar em vanguardismo. Este surge (por via de Van Gogh, que foi
reconhecido em Amsterdão em 1905) com a clarificação da paleta e a iluminação dos
amarelos solares numa mudança que é evidente a partir de 1907 («Árvores à Beira do
Gein"), logo acentuada pela pincelada divisionista que separa as cores e faz vibrar a luz,
onde se conjuga a informação do pós-impressionismo pontilhista e a influência que os
«fauves» exerceram no grupo dos «luministas» holandeses.
Até aí, Mondrian (Mondriaan, aliás) acompanhara um paisagismo que se revia na grande
tradição do século de oiro (a Escola de Haia) e dela se já distanciava pelo exemplo da
Escola de Barbizon.
Integrado num contexto nacional que se manteve alheio ao impressionismo, Mondrian
dialoga, depois, com a evolução modernista de Jan Toorop, Jacoba van Heemskerck,
Johan Thorn Prikker, Leo Gestel e Jan Sluijters, de que a mostra « ‘In the Rough’ Imagens da Natureza Através dos Tempos na Colecção do Museu Boijmans Van
Beuningen», Roterdão (também vista no Museu de Serralves em 2001) trouxe alguns
exemplos desgarrados. Só retrospectivamente se poderá reconhecer a essas obras de
Mondrian bem inseridas numa história regional, que já era então aberta à informação
internacional, uma dimensão pessoal de excepção.
O interesse pelo cubismo, em 1911, é súbito e faz explodir, finalmente, a individualidade
genial de Mondrian, numa situação que fica documentada por três telas onde se assiste à
adopção de uma estratégia de construção do quadro como uma grelha espacial a que
aderem alguns traços representativos de massas de árvores e pedaços de paisagem. Do
mesmo passo evolutivo fazem parte estudos de figura e duas naturezas mortas decisivas,
com potes de gengibre, que a mostra não podia incluir. Aliás, apesar de parecerem
prometidas pelo título «Da Paisagem à Abstracção», também não se incluem as primeiras
composições radicalmente abstractas de 1913 e 14, nomeadamente as surpreendentes
telas ovais em que se desvanece a configuração espacial própria da paisagem. Essa é
uma opção menos compreensível no programa da exposição, que nos deixa à beira da
mudança decisiva, sem dar o salto anunciado.
Algo de semelhante se passa com Amadeo, que surge sempre e só com paisagens,
algumas numa acentuada direcção abstracta, mas com reconhecível origem no espaço
natural observado.
Os dois pintores coincidiram em Paris só nos dois anos que antecederam a I
Guerra: Amadeo chegara em Novembro de 1906 e ficou até Junho de 14;
toda a sua formação é parisiense, mas os três últimos anos de trabalho em
Portugal, até à morte em 1918, não deixariam de ser magnificamente
produtivos. Mondrian partiu para Paris em Dezembro de 1911, já consagrado
como um dos principais vanguardistas da Holanda, e a Guerra deixou-o
retido em Amsterdão, a partir de Julho de 14. Voltaria em 1918 para
permanecer até 38, transferindo-se nesse ano para Londres e em 40 para
Nova Iorque (morreu em 1944, com 72 anos).
É improvável que se tenham conhecido, porque, para além da diferença de idades,
Mondrian era uma figura reservada, que se manteve mais ou menos isolado entre a
colónia holandesa, ao contrário da abertura de Amadeo a múltiplos convívios. Ambos
participaram nos Salões dos Independentes de 1911 e 12, exposições sem júri de
admissão nem prémios, aonde afluíam jovens artistas e estrangeiros. A edição de 11 foi a
da aparição pública do cubismo, sem a presença de Picasso e Braque, mas com um forte
contingente dos que se chamariam depois os cubistas de salão (Fauconnier, Gleizes,
Metzinger, Lhote) e também Léger e Delaunay.
Mondrian tivera oportunidade de conhecer obras cubistas ainda em Amsterdão, nesse
mesmo ano, e à descoberta seguiu-se de imediato a adopção das suas regras,
radicalizando-as de um modo pessoal. Amadeo, que levava apenas cinco anos de
aprendizagem da pintura (em 1906 começara a frequentar as academias livres de
Montparnasse) relaciona-se mais lentamente com o cubismo, sem que este se torne uma
obediência escolar e única. As obras que expõe na edição de 1912 dos Independentes
são as do seu período «gótico» («Os Galgos» e «Paisagem com Pássaros»).
Em Setembro de 1913 ambos participam no primeiro Salão Alemão do Outono, em
Berlim, organizado pela Galeria Der Sturm. Mondrian com as primeiras pinturas de título
neutro e numerado, Amadeo com «Atleta» (só conhecido de fotografia) e os quadros «A»
e «G» (pág. 179 do catálogo), que o situavam também na linha avançada de um tempo
comum.
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Amadeo em Nova
Iorque
Expresso, Cartaz de 01-07-2000
(ver tb Balanço do ano 2000)
«At the Edge: a Portuguese Futurist -- Amadeo de
Souza Cardoso''
AXA Gallery», Manhattan
«Chateau-fort», de 1912, exposto no «Armory Show»
e pertencente ao Art Institut de Chicago
DEPOIS de ter sido exposto em Washington, na Corcoran Gallery, e no Arts Club de
Chicago, Amadeo de Souza-Cardoso está agora em Nova Iorque, até 16 de Setembro,
apresentado na Axa Gallery, da companhia de seguros do mesmo nome. Não se tratando
de um espaço museológico, mas é uma boa galeria de exposições situada na 7ª Avenida,
muito perto do Central Park, onde no mês de Maio se podia ver a retrospectiva do pintor
realista norte-americano Fairfield Porter.
Intitulada «At the Edge: a Portuguese Futurist» - explorando como alvo, no título e no
respectivo grafismo, o pormenor de um disco, ou olho de boi, retirado do quadro «Mucha",
de 1915 -, é a primeira antologia de Amadeo nos Estados Unidos, depois da sua bem
recebida participação no histórico «Armory Show», em 1913, em Nova Iorque, com
passagem posterior por Chicago e Boston. Três das obras então expostas e incluídas na
presente mostra vieram mais tarde a integrar a colecção do Art Institut de Chicago,
doadas por Arthur Jerome Eddy. São as únicas peças que se encontram localizadas das
sete (seis quadros e uma aguarela) que vendeu durante a «International Exhibition of
Modern Art», onde esteve representado por oito obras e era um dos 35 artistas
anunciados no respectivo cartaz, em Nova Iorque, entre mais de 300 participantes.
A mostra foi preparada desde 1995 por Jack Cowart, ex-director do museu Corcoran
(agora à frente da Fundação Roy Lichtenstein), e por Laura Coyle, conservadora da
mesma instituição, com organização em Lisboa do Gabinete de Relações Internacionais
do Ministério da Cultura, e já deparou com uma entusiástica recepção nas páginas do
«New York Times».
Num extenso artigo publicado em 16 de Junho, com o título «A Dazzling Flash,
Reflected at Last Upon History» (um «flash» deslumbrante, vindo de longe na
história), Roberta Smith chama-lhe «an exciting show» e uma «retrospectiva caída
do céu», que acrescenta mais um nome à constelação «multinacional e
multicultural do modernismo». Afirma depois que as 49 obras expostas «revelam
um artista que impregnou quase tudo em que tocou com um inconfundível sentido
de intensidade emocional e formal», desde as obras de 1911 que reflectem a
atenção à estilização Arte Nova e ao «primitivismo» de Rousseau, até ao póscubismo de 1918, «à frente do seu tempo».
ART REVIEW; A Dazzling Flash, Reflected at Last Upon History
By ROBERTA SMITH - JUNE 16, 2000
Modernism may or may not be over, but that hasn't kept historians from
adding names to its roster. With more and more names from more parts of
the world, it is at last being defined as a multinational, multicultural
phenomenon, which it always was.
One of the latest additions is the Portuguese painter Amedeo de Souza
Cardoso, who arrived in Paris in 1906 on his 19th birthday, drank the elixir
of the new and in a very short period produced a little newness of his own.
Souza Cardoso loved Paris and probably would have spent most of his life
there, but World War I began while he was on a visit home, and Portugal's
neutrality barred him from re-entering France. And his work might have
remained more visible if he had not died during the worldwide influenza
epidemic of 1918, a month shy of his 31st birthday and just two weeks
before the Armistice that would have allowed him to return to Paris.
But over the last few decades Souza Cardoso's achievement has gradually
resurfaced, first in Portugal, where he is by now something of a national
treasure, and then in the rest of Europe. Now it is being seen in the United
States in its first solo exhibition, a show of works borrowed primarily from
the Gulbenkian Museum in Lisbon and organized by the Corcoran Gallery
of Art in Washington and Portugal's Culture Ministry. By some serendipity of
scheduling, a New York stop has been added, at the AXA Gallery in
Manhattan, the space formerly known as the Equitable Gallery.
Both the show and its catalog (the first of Souza Cardoso's work to be
published in English) were overseen by Jack Cowart, formerly deputy
director and chief curator of the Corcoran, now executive director of the Roy
Lichtenstein Foundation. After opening there last fall, the show traveled to
the Arts Club in Chicago, a natural choice, as that city is the only place in
the United States where paintings by Souza Cardoso can be seen. The Art
Institute owns three, all from the bequest of Arthur Jerome Eddy, one of the
first American collectors of 20th-century art, who purchased them from the
1913 Armory Show. Two of the Chicago paintings are in this exhibition.
Continue reading the main story
It is an exciting show, exemplary of the dropped-from-the-sky genre of
retrospective. It has only 49 paintings and drawings, but it reveals an artist
who imbued nearly everything he touched with a distinct sense of emotional
and formal concentration.
The works reveal Souza Cardoso to be a master draftsman whose earlier
drawings imitate the sharp black and white of modern woodcuts and
elaborate the landscapes of his childhood into manic, revved-up patterns.
His later drawings are so hyper-refined, they suggest Ingres high on
Cubism.
But the show also introduces an artist who was equally gripped by painting
as a physical process, one whose last Cubist works, created in Portugal
during the war, are unusual for their robust color, solid visual structure,
compartmentalized space and extensive use of physical texture and
collage. Resplendent in the show's final gallery, these works don't present a
single object seen from multiple viewpoints in the manner of orthodox
Cubism. Instead they present a kind of cultural continuum that mixes
objects, abstract motifs, bits of Portuguese folk art and stenciled words and
numbers.
These works in particular earn Souza Cardoso a place among an array of
talented outsiders who journeyed from the margins to the heart of
modernism, took what they needed and combined it with elements that
reflected their own personal and cultural roots. His American counterparts
include Marsden Hartley, Gerald Murphy and Stuart Davis.
Souza Cardoso's story suggests a confident self-starter of the first order.
Photographs show that he had Picasso's dark Iberian looks, only more
handsome, and a similarly solid, energetic physique and combative attitude.
He almost invariably looks straight into the lens. In one photograph he
stands with his legs apart, like a young boxer. In another he poses with
friends, bare chested, a brocade bedspread across his lap, a crown of
flowers on his head. The group is supposed to be imitating Velasquez's
''Borrachos,'' but he looks like something straight out of Carravaggio.
In a third, his eyes smolder beneath the rim of a big, dark fedora while he
caresses a guitar. Not only did he know how to play, but according to a label
in the exhibition he also accompanied himself while singing fado songs for
friends in cafes. Occasionally he wore a magnificent Alentejo cape, possibly
the only one is Paris, which was worn in his country only by noblemen.
The son of wealthy vintners, Souza Cardoso grew up on the family estate in
Manhufe, near Armarante in northern Portugal. He showed an early talent
for drawing. After studying architecture in Lisbon he persuaded his parents
to send him to Paris. Within a year he had forsaken architecture for
painting, by far the livelier art of the moment. (Cezanne's paintings were
seen for the first time in the Salon d'Automne of 1907.) Over the next few
years he studied painting at the Academie Viti, submitted to what he
referred to as ''French artistic imperialism'' and ventured far beyond the
circle of Portuguese artists who had been his first companions in Paris.
He became friends with Brancusi, Archipenko, Diego Rivera, Apollinaire and
especially Modigliani, with whom he staged a joint exhibition in 1911. By
then Souza Cardoso had already shown his work in the Salon des
Independants. He would show there again in 1912 and 1914, as well as in
the Salon d'Automne.
The current show begins with works made in 1911; they reflect attention to
the stylization of Art Nouveau and the ''primitivism'' of Henri Rousseau. The
most striking work in the first gallery is ''Leap of the Rabbit,'' which depicts
the animal suspended over a cluster of tropical plants like a fish in an
aquarium. Everything about this painting conveys effortlessness and ease:
the lightly worked surface, the outlined flowers above, the odd little colored
discs below (early hints of the influence of Delaunay's Orphism) and other
touches of color, the rabbit's startled masklike face and the body-paint
patterns of its body.
Little else in Souza Cardoso's work is quite so relaxed. Nearly everything
seems packed, almost tightly wound, as if he was determined to get the
most out of every inch of available surface. His maniacally patterned
landscapes seem to presage Art Deco as much as they reflect the influence
of Art Nouveau. Sometimes they are the settings for exotic hunting scenes,
as in ''The Tiger''; sometimes for cavorting nudes that suggest an
awareness of Picasso's ''Demoiselles d'Avignon.''
Best of all is a drawing of an aristocratic couple standing in a garden. The
encroaching plant life elaborates the male of the species, who already
wears wildly checked jodhpurs, into a kind of peacock.
In the show's middle section, Souza Cardoso comes to grips with Cubism
and Futurism, usually buoyed by Delaunay's strong colors. At times Souza
Cardoso resurrects antiquated themes that evoke his Portuguese heritage,
depicting a cavalier and a prince mounted for the hunt in pale paintings that
look a little like tapestries.
But in ''Abstract Composition'' (1913), probably one of the earliest
completely nonrepresentational paintings of the 20th century, he reduces
the world to transparent spheres of radiant color. He then applies this
scheme to ''Don Quixote,'' a large 1914 painting in which the spheres
tumble and spin, curving down toward the strange red and black eyes and
masklike face of the patient steed Rocinante, who drinks water from a
stream.
In a small horizontal abstraction from 1913 Souza Cardoso flattens the
Cubist grid and extends it almost to the edges of the canvas, creating a
shadowy nocturnal space that he livens up with red and white.
It's not clear how he got from these Cubist variations to the commanding
works in the last gallery, with their carefully deployed planes of color, their
textural variety and their surprising additions, like the Johnsian stenciled
letters and little bits of mirror. Perhaps distance from his beloved Paris
actually helped, or he benefited from continued contact with the Delaunays,
who spent most of the war in Portugal.
But especially in works like ''Entrada'' and ''Painting,'' styles, spaces
and objects seem to break down into a kind of superbly controlled
chaos held in suspension, like the wall-eyed rabbits of Souza
Cardoso's early paintings and drawings. Call these last works postCubist. They show an artist working ahead of his time, moving toward
a future that he would never reach.
''At the Edge: A Portuguese Futurist -- Amadeo de Souza Cardoso'' is at the
AXA Gallery, 787 Seventh Avenue, at 51st Street, Manhattan, (212)
554-1704, through Sept. 16.
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Amadeo na Corcoran Gallery, Washington 1999
Amadeo de regresso à América
Expresso Actual, 18-Set-1999
«At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de
Souza Cardoso»
AMADEO de Souza Cardoso teve uma presença notada na exposição que em 1913 levou
a arte moderna internacional aos Estados Unidos («The Armory Show»), vendeu sete das
oito obras que aí apresentou e, nos poucos anos que lhe sobraram de vida, sempre
tentou voltar a expor em Nova Iorque. É só agora que se concretiza esse projecto
americano, graças à antologia da sua obra que foi inaugurada em Washington, na
Corcoran Gallery of Art (patente até 28 de Novembro), e que transitará depois para o Arts
Club of Chicago (20 de Janeiro – 17 de Março). A mostra foi preparada desde 1995 por
Jack Cowart, director do museu Corcoram, e por Laura Coyle, conservadora da mesma
instituição, com organização em Lisboa do Gabinete de Relações Internacionais do
Ministério de Cultura. Intitulada «At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza
Cardoso» (No Alvo – Um Futurista Português...), é a mais bem concebida das exposições
de Amadeo no estrangeiro e um contributo importante para o melhor conhecimento da sua
carreira, graças às investigações de autoria americana publicadas no catálogo.
Em 1913, ele foi um dos 35 artistas anunciados no cartaz da «International Exhibition of
Modern Art», ao lado de Ingres, Delacroix, Manet, Degas, Cézanne, Renoir, Monet,
Seurat, Van Gogh, Lautrec, Gauguin e dos seus contemporâneos Dufy, Braque, Brancusi,
Archipenko, Gleizes, Duchamp-Villon, etc, em destaque entre mais de 300 participantes e
1600 obras. A projecção dada a Amadeo, que se prolongou na edição em postal do
quadro «Avant la Corrida» (entretanto perdido), várias reproduções e referências na
imprensa, bem como nas vendas citadas, resultava directamente da admiração que lhe
votava o pintor e crítico americano Walter Pach, que fora o agente na Europa dos
organizadores do «Armory Show», Walt Kuhn e Arthur B. Davies.
Saut du Lapin, 1911, exposto e comprado no Armory Show (col. Art Institut of Chicago)
No seu artigo do catálogo, «Amadeo and America», Laura Coyle refere que o português
foi «one of the hits of the show» e que «enquanto foi vivo obteve mais êxito na América
que no seu país ou em Paris», sem esconder, no entanto, que ele viria mais tarde a ser
«severamente julgado» pelo seu estilo «primariamente decorativo» e «romântico pósimpressionista», apreciações feitas sem sentido negativo por Arthur J. Eddy, que lhe
adquirira três quadros. Essas mesmas telas, hoje pertencentes ao Art Institute of Chicago
e as únicas localizadas de entre as seis (e uma aguarela) que ficaram na América,
voltaram a ser expostas com a colecção de A. J. Eddy em 1922 e 1931-32, e de novo em
1944 e 1963 em mostras dedicadas à evocação do «Armory Show», enquanto a
exposição «Paris-Nova Iorque», do Centro Pompidou, em 1977, também destacou a
presença americana de Amadeo.
Laura Coyle avança com informações sobre a localização dos seus quadros na exposição
de Nova Iorque, na mesma sala que Ingres, Gauguin, Signac, Puvis de Chavannes,
Redon, Segonzac e Mary Cassat, bem como durante a posterior apresentação em
Chicago, então na sala dos «cubistas», acrescentando dados inéditos sobre a identidade
dos coleccionadores que compraram as suas obras e sobre as outras aquisições feitas
por eles. A fortuna crítica de Amadeo na América e os esforços de Walther Pach para
voltar a expô-lo em Nova Iorque, revelados em cartas do espólio de Paolo Ferreira, são
outros tópicos de uma investigação exemplar que vem pôr a nu as insuficiências dos
estudos portugueses sobre o pintor.
Outros textos de Kenneth E. Silver («Amadeo in the Tower of Babel») e Rosemary O'Neill
(«Modernist Rendez-vous: Amadeo de Souza Cardoso and the Delaunays») são
dedicados à estadia e às relações parisienses do pintor de Manhufe e, o segundo, à
convivência com Robert e Sonia Delaunay, que prosseguiria durante a permanência
destes em Portugal, entre 1915 e 1917. A «influência» de Amadeo sobre Brancusi, já
antes sublinhada em recentes retrospectivas do escultor romeno, o interesse pela pintura
do Douanier Rousseau, a contribuição de R. Delaunay para lhe abrir as relações alemãs
(Herwarth Walden e o Salão de Outono de «Der Sturm», em 1913) são outras pistas
significativas.
O extenso catálogo editado em Lisboa inclui ainda um ensaio de José-Augusto França,
que foi consultor da exposição, outro de Pedro Lapa, com um cunho teorético certamente
deslocado, uma síntese biográfica de Joana Cunha Leal, comentários de Rui Afonso
Santos a todas as peças expostas e alguma documentação (mas sem bibliografia,
cronologia e lista de exposições). O design gráfico de José Brandão e Paulo Falardo
(Atelier B2) é por vezes excessivamente «vistoso», com opções de duvidosa eficácia
(reproduções sobre fundo negro, excesso de pormenores recortados, etc), embora
também tire bom partido de alguns elementos iconográficos da obra de Amadeo.
Entretanto, é também a selecção das 53 obras expostas que distingue positivamente esta
antologia das que foram levadas a Pesaro em 88, a Bruxelas durante a Europália'91 e a
Madrid em 98. Condensada nos sete anos que vão de 1911 à insólita aguarela «Sagrado
Coração de Jesus», de 1918, inicia-se com «Saut du Lapin», do Museu de Chicago, e,
entre pintura e desenho, inclui 13 obras identificadas com o primeiro estilo de Amadeo,
em que a elegância «arte nova» se abre às referências primitivistas e depois futuristas.
Sem procurar a ortodoxia cubista, que nunca praticou, nem favorecer as dependências
parisienses, esta é uma escolha que começa a fazer justiça à originalidade da curta obra
de Amadeo.
Redescoberta americana
Amadeo de volta à América (Balanço de 2000)
EXPRESSO/Cartaz de 30-12-2000
EM 1913, Amadeo de Souza-Cardoso teve uma presença notada entre os mais de 300
artistas incluídos na exposição que levou a arte moderna aos Estados Unidos e que veio
a ficar conhecida como «The Armory Show» por ter sido montada, em Nova Iorque, no
arsenal desocupado do 69º Regimento de Infantaria.
2000 foi o ano da sua redescoberta americana, graças a uma exposição antológica que
se inaugurou na Carcoran Gallery, de Washington, ainda em 1999, foi depois apresentada
no Art Club de Chicago e, por fim, em Nova Iorque, na AXA Gallery, em mais uma escala
acrescentada à digressão.
«Enquanto foi vivo obteve mais êxito na América do que no seu país ou em Paris»,
assegura Laura Coyle no respectivo catálogo. Em confronto com o acolhimento mais que
discreto das anteriores retrospectivas europeias, pode dizer-se que o mesmo voltou a
acontecer depois de morto. Para culminar a operação, foi localizado no Museu de
Michigan um quadro vendido em 1913 que era dado como desaparecido.
O título do «Chicago Tribune» de 10 de Fevereiro anunciava: «Finalmente (at long
last), uma exposição individual do Modernismo de Cardoso». Na sua crítica, Alan
Artner destacou o quadro «Coty", de 1917, como a mais pessoal das pinturas de
Amadeo e como uma das obras mais impressionantes («striking») de toda a
pintura moderna, transcendendo as influências do cubismo e dos papéis colados
de Picasso e Braque num «frenético 'patchwork' de texturas e imagens sem
paralelo directo na arte desse período».
Numa página inteira da edição de fim-de-semana do «New York Times» (16 de
Junho) referia-se «Um flash deslumbrante, vindo da história longínqua», ilustrado a
toda a largura pelo quadro «Salto do Coelho», de 1911, outra das obras vendidas
no «Armory Show», depois doada ao Museu de Chicago. E a influente Roberta
Smith, que falava de «un exciting show», uma «retrospectiva caída do céu», voltou
à carga no dia seguinte num artigo intitulado «Acrescentando um nome à lista do
Modernismo».
No «The New York Observer» de 7 de Agosto, outro crítico de renome, Hilton
Kramer, e um título caloroso: «O cubista Amadeo regressa à cidade do Armory
Show». A lista poderia continuar.
Em 1913, Amadeo não se deslocou à América, mas, das oito obras que enviara, sete (seis
telas e uma aguarela) foram vendidas e não voltaram a Paris. Apoiado pela admiração
que lhe votava o pintor e crítico Walter Pach, agente na Europa dos organizadores do
«Armory Show», o seu nome foi um dos 35 anunciados no cartaz de Nova Iorque, numa
lista que se iniciava com Ingres, Delacroix, Degas, Cézanne, Redon, Renoir, Monet,
Seurat e Van Gogh... Depois, a I Guerra Mundial e a morte aos 30 anos, vítima da «gripe
espanhola», goraram projectos para expor individualmente na América.
Intitulada «At the Edge: a Portuguese Futurist», explorando no título e no grafismo o
pormenor de um alvo (o disco ou olho de boi do quadro «Mucha", de 1915), a antologia
começou a ser preparada em 1995 por Jack Cowart, director do Museu Corcoran, e por
Laura Coyle, conservadora do mesmo museu, em colaboração com o Gabinete de
Relações Internacionais do Ministério da Cultura.
O interesse americano traduziu-se numa investigação aprofundada sobre a participação
de Amadeo no «Armory Show», reunindo dados inéditos sobre a localização dos seus
quadros nas diferentes montagens da exposição (que foi levada também a Chicago e a
Boston), bem como sobre a identidade dos coleccionadores que lhe compraram as obras
e sobre a respectiva fortuna crítica. Para além das colaborações de José-Augusto França,
Pedro Lapa e Rui Afonso Santos, outros textos inovadores de autoria americana
debruçam-se sobre as múltiplas relações e influências internacionais do pintor.
Entre as razões da recepção favorável - e trata-se sem dúvida de um êxito genuíno, em
que não intervieram movimentações promocionais e de mercado (até porque não há,
infelizmente, obras disponíveis para entrarem em museus ou colecções particulares) poderá estar também o acerto da selecção das 53 obras expostas, que se iniciou com 13
telas e desenhos do período da apresentação de Amadeo na América e que, depois, não
se enfeudou à perspectiva habitual que procura associar o pintor à aprendizagem do
cubismo escolar e a um ponto de vista excessivamente parisiense.
(Entretanto, um outro episódio americano deve figurar no registo do ano: a
inclusão pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque de um trabalho de René
Bertholo na segunda parte de uma revisão da arte do século XX, ao mesmo tempo
que em Serralves se exibia a retrospectiva da sua obra.)
LEGENDAS: Sala 53 da «International Exhibition of Modern art, Chicago 1913
1. Em Paris, 1913.
2. Em Manhufe, em 1915 FCG/BIBLIOTECA DE ARTES/ESPÓLIO ASC
3. Paris, 1908.
4. 1909, no estúdio da Cité Falguière.
Manhufe, 1914-15 (?)
Última fotografia, 1818
Cabeça (c. 1913-1915)
óleo sobre cartão Museu do Chiado
Amadeo Souza-Cardoso
AMADEO SOUZA-CARDOSO (1887-1918) – Foi o único artista português que na primeira
metade do século se integrou plenamente nas movimentações das vanguardas
internacionais, mas a morte precoce interrompeu-lhe a prometedora carreira.
Nascido em Manhufe, no Minho, fez breves estudos em Lisboa e chegou a Paris com 19
anos, em 1906, com o projecto de se dedicar à arquitectura. No início da nova década
trocou os círculos de amigos portugueses pelo convívio com Modigliani e outros artistas
de primeiro plano, como Brancusi, Juan Gris, Robert Delaunay e outros. Sem se fixar na
opção por um estilo único, iniciou uma trajectória tão breve como fulgurante, marcada por
aproximações ecléticas às novas correntes do tempo (cubismo, futurismo, orfismo, etc) e
também por uma abordagem muito precoce da abstracção, de que foi, em 1912, um dos
pioneiros.
Entretanto, a sua obra ganhara alguma projecção parisiense e internacional com a
publicação de um álbum de desenhos e com pinturas em que se afirmava o gosto por
uma estilização orientalizante e elegantemente decorativa, com as quais participou em
exposições em Berlim e no famoso «Armory Show» norte-americano. Aí se venderam três
quadros que hoje pertencem ao Art Institut de Chicago.
A Guerra de 1914-18, que o surpreendeu em Barcelona, de visita a Gaudi, fê-lo regressar
ao país, mas ao isolamento dos seus últimos anos portugueses, até ser vítima da
epidemia de gripe, correspondeu o período da sua pintura mais radicalmente original. Os
últimos quadros, em que passou da inconstância das anteriores experiências a insólitas
inovações pessoais, foram uma síntese explosiva e vibrante de cor, onde os motivos
populares conviviam com a colagem de objectos. Fez exposições no Porto e em Lisboa,
com escândalo público e o apoio de Almada e da geração do «Orpheu», mas a sua obra
ficou a seguir quase esquecida, na posse da família, até ser objecto de uma nova atenção
crítica nos anos 50. Tem um museu com o seu nome em Amarante.
(de um dicionário - A.P. , Expresso, data?)
No Centenário da partida para Paris
«Amadeo: ida e volta»
Expresso Actual de 11-11-2006 (1)
Cem anos depois da partida para Paris, a Gulbenkian vai mostrar a obra de Amadeo de
Souza-Cardoso em diálogo com os contemporâneos e dar a conhecer inéditos e novas
pistas sobre a sua breve carreira
Amadeo partiu para Paris há exactamente um século - cumpre-se no dia 14 de Outubro, e
a data é assinalada com a inauguração da exposição que na Fundação Gulbenkian o
mostrará inserido no «Diálogo de Vanguardas» do seu tempo. Mas, de facto, é da
América que ele agora chega, com três importantes pinturas nunca vistas em Portugal,
duas delas perdidas durante muitas décadas, e, principalmente, com um itinerário mais
bem conhecido depois das investigações norte-americanas sobre o êxito da sua
1916?
participação na exposição do «Armory Show» que em 1913 apresentou a arte moderna
europeia em Nova Iorque, Chicago e Boston. Foi aí que se mostraram os quadros «Chateau
Fort» (Fortaleza), mais tarde doado pelo crítico Arthur Jerome Eddy ao Art Institute of Chicago,
«Return from the Chasse» (Regresso da Caça), localizado em 2000 no Museu de Michigan, e
«Avant la Corrida» (Antes da Corrida), descoberto já este ano e adquirido para a colecção do
Centro de Arte Moderna.
Falecido aos 30 anos no isolamento português do fim da I Guerra Mundial, deixou
interrompida uma obra aceleradamente instável e avessa a rígidas classificações de
estilo. Amadeo foi sempre visto como a maior das promessas mas também como
dificilmente integrável nas ortodoxias parisienses que por muito tempo balizaram a história
da arte; as aproximações aos cubismos, que foram diferentes entre si, levavam-no a
ocupar uma posição dependente e por isso menor, enquanto aos rasgos de originalidade
faltava a maturação de um percurso mais longo. Uma forma muito nacional de
inferioridade foi menorizando o que se apresentava como mais pessoal e interpretando
como influências sofridas (de Modigliani, de Brancusi, por exemplo) o que era
cumplicidade e concorrência criativa, ou mesmo influência exercida sobre outros.
Amadeo tivera uma presença notada entre os mais de 300 participantes, com mais de
1600 obras, na «International Exhibition of Modern Art» que em 1913 começou por se
apresentar em Nova Iorque, com mais de 75 mil visitantes, no arsenal («armory»)
desocupado do 69.º Regimento de Infantaria - daí a designação «Armory Show» por que
ficou conhecida. Das oito obras que mostrou, sempre bem colocadas em excelentes
companhias, sete (seis telas e uma aguarela) foram vendidas até ao fim da itinerância que
continuou em Chicago e Boston, adaptada em menores formatos. O nome do pintor
português figurava em 30.º lugar na lista de 36 artistas (entre mais de 300…) que o cartaz
de Nova Iorque anunciava - depois de Ingres, Delacroix, Manet, Degas, Cézanne, Renoir,
etc, e antes (sem ordem inteligível) de Gauguin, Archipenko e Bourdelle. Parte da
projecção dada a Amadeo (que incluiu a reprodução em postal de «Antes da Corrida», e
também de «Pêcheur» ou «Fisherman» / Pescador, este nunca mais localizado) resultava
da admiração que lhe votava o pintor e crítico norte-americano Walter Pach, agente na
Europa dos organizadores da mostra. A correspondência depois trocada com Amadeo
(até 1917) veio revelar novos projectos de exposição em Nova Iorque, que a sua viúva,
Lúcia, tentou concretizar ainda em 1921.
«Antes da Corrida» de 1912, comprado na América durante o «Armory Show» (1913),
redescoberto em 2006
Só em 1999 essa ambição de voltar a expor na América viria a concretizar-se com «At the
Edge. A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza Cardoso» (No Alvo. Etc…), inaugurada
em Washington na Carcoran Gallery of Art, e levada em 2000 ao Arts Club de Chicago e à
AXA Gallery de Nova Iorque, com organização em Lisboa do Gabinete de Relações
Internacionais do Ministério da Cultura. Essa foi certamente a mais importante das suas
retrospectivas, pela projecção alcançada junto da crítica norte-americana, e também a
mais decisiva, pela reorientação dos estudos sobre o período inicial da obra de Amadeo,
que fora sempre o mais incompreendido e desvalorizado pela crítica nacional, embora
tenha sido o que lhe assegurara o reconhecimento internacional.
Responsável pela iniciativa, Jack Cowart, director do Museu Corcoran, e Laura Coyle
levaram a cabo ou dinamizaram investigações modelares (também de Kenneth E. Silver e
Rosemary O’Neill) sobre as relações artísticas de Amadeo, sobre as obras que expôs em
vida e sobre a sua recepção pública e crítica. Para além de poderem ter acesso aos
espólios documentais conservados por Paolo Ferreira e pela viúva do pintor, uma
direcção de trabalho menos especulativa e mais sustentada em fontes materiais fez
reorientar o conhecimento do pintor português. Internamente, a sua valorização muito
tardia, a partir da década de 50, e a posterior investigação ficara sempre prejudicada pelo
relacionamento difícil entre o pioneirismo crítico de José-Augusto França e a tutela do
SNI, através de Paolo Ferreira, sobre a obra e a documentação de Amadeo.
Com a dominante informação parisiense dos anos 50, quando se julgava o
abstraccionismo uma definitiva libertação ou fatalidade, os primeiros estudos sobre
Amadeo diminuíam o trabalho decisivo dos anos 1911 e 12, que lhe granjeara notoriedade
em Paris e no «Armory Show», como «um decorativismo fantasista e literário, com
castelos e figuras quase heráldicas», ou um «bizantinismo estilístico, ligado a uma
maneira do princípio do século». Falou-se demasiado em Arte Nova, cerâmica persa e
preciosismo oriental, como se Amadeo tivesse voltado as costas às tendências e
inovações do seu tempo. Muito pelo contrário, as obras desses anos velozes, de 1910 a
1912, com os desenhos publicados em álbum (XX Dessins, que continuaram a expor-se
na Alemanha até 1913-14), como manuscrito iluminado de «La Légende de Saint Julien
L’Hospitalier», deixado inédito, os quadros que vão do «Salto do Coelho» e «Os Galgos»
a «O Príncipe e a Matilha», «Antes da Corrida» e «Cavaleiro», articulam informação da
maior actualidade e participam da inquieta busca de novos e diferentes caminhos, com
uma muito marcada individualidade criativa.
Numa das paredes do gabinete de trabalho de Helena de Freitas, a responsável pela
actual «operação» Amadeo, alinham-se fotografias que dão pela primeira vez um pleno
sentido a uma passagem de uma carta ao tio Francisco Cardoso, em Manhufe, datável de
1910, de Bruxelas, onde passou três meses: «Passo os meus dias com alguns pintores
primitivos que são os meus ídolos. A eles devo parte da grande evolução que tem
atravessado o meu espírito (…) os góticos são a alma intensa de uma religião elevada.
(…) Não se faz uma obra de arte sem uma grande emoção e ninguém como eles possui
emoções mais intensas.»
São góticas as arquitecturas do «Castelo» (col. CAM) e da «Fortaleza» e «Marina de Pont
l’Abbé», de 1912 (col. Art Institut of Chicago), mas as suas fragmentações espaciais que
multiplicam os pontos de vista, os ritmos angulares ou as torções esféricas dos volumes
testemunham uma observação inteligente de processos cubistas. Bem diferentes dos
interiores góticos da catedral de Saint Séverin que em 1909-10 tinham interessado a
Robert Delaunay para analisar as relações entre luz e arquitectura com uma disciplina
cezanniana, as obras de Amadeo distanciavam-se da modernização dos realismos (e em
especial das superficiais geometrizações das formas) com uma muito livre imaginação
ficcional que algo terá a ver com a conjunção dos mestres italianos (Benozzo Gozzoli,
Uccello, etc.), por vezes apropriados literalmente, e com a admiração por Henri
Rousseau, celebrado postumamente no Salão dos Independentes de 1911 entre duas
galerias de cubistas. Com as suas profundas diferenças, «Antes da Corrida» e «Regresso
da Caça» definem outras direcções de trabalho, apontadas para a interrogação do
movimento e da força emotiva da cor, sempre com a urgência que Amadeo imprime à sua
pintura.
Nos mesmo anos, a ligação a Modigliani e Brancusi é uma pista importante do quadro das
relações parisienses. Se em Portugal se falou da «influência de Brancusi através de
Modigliani», como se escrevia ainda em 1987, outra seria a posição dos estudos sobre a
obra do escultor romeno. No catálogo da sua retrospectiva no Centro Pompidou em 1995
(e no Museu de Filadélfia no mesmo ano), Friedrich Teja Bach veio propor a origem de
algumas esculturas de Brancusi em desenhos de Amadeo, com ilustrações em apoio da
sua tese que estabelecem o caminho desde o desenho «Le Bain des Sorcières» (do
álbum XX Dessins) até à escultura «La Sorcière» (1916-1924), tal como sucederia desde
o desenho «Mauresques» até «Princesse X», de 1915-16, através da redução progressiva
de pormenores das figuras - ao mesmo tempo que o autor faz uma contribuição essencial
sobre a noção de redução em Brancusi, distinguindo-a da busca da «forma pura ou
abstracta».
Outra contribuição estrangeira, que agora se publica no catálogo de «Diálogo de
Vanguardas», é a de Joachim Heusinger von Waldegg, orientada para a relações de
Amadeo com a Alemanha, com o expressionismo e em especial com o pintor Otto
Freundlich (1878-1943). Aí se abordam directamente as dificuldades de relacionamento
com a obra de Amadeo por ela não se integrar disciplinadamente em qualquer das correntes
definidas do modernismo (o que ainda em 2001 lhe valeria a classificação de «camaleão de
Amarante» num jornal alemão), ao mesmo tempo que se percorre um quadro de referências
diferente dos modelos formalistas dominantes, para o qual, como diz J. von Waldegg, «a cor e
forma não são apenas entendidas como valores pictóricos, mas estão investidos de emoções e
conteúdos».
Passado quase um século, a obra de Amadeo não está arrumada na história, continua a ser
iluminada por novas informações e oferecida a diferentes explorações. Com a exposição que o
situa entre os seus pares abre-se um caminho que irá prosseguir com a publicação da
fotobiografia e do catálogo «raisonné», contando com novas condições de rigor e, espera-se, de
contacto permanente com as suas obras.
Cronologia rápida
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1887 Amadeo Ferreira de Souza-Cardoso nasce a 14 de Novembro, em Manhufe,
freguesia de Mancelos, concelho de Amarante. O pai era um abastado proprietário rural e
viticultor. A infância (entre 12 irmãos) decorre entre a quinta de Manhufe e as férias em
Espinho.
1906 Depois de frequentar por alguns meses a Escola de Belas Artes de Lisboa, parte
para Paris a 14 de Novembro, com o projecto de estudar arquitectura. O pintor Franciscso
Smith acompanha-o na viagem. Instala-se no Boulevard Montparnasse. Dedica-se ao
desenho e à caricatura.
1908 Aluga um estúdio no nº 14 da Cité Falguière, morada de muitos outros artistas
estrangeiros e portugueses. Conhece Lucie Pecetto.
1909 Frequenta na Academia Vitti o curso do espanhol Anglada Camarasa, um pintor
original e então com larga fama internacional.
1910 Manifesta em carta ao tio Francisco Cardoso um grande entusiasmo pela pintura
dos Primitivos (os artistas góticos e primeiros renascentistas), que se reflecte na sua obra.
1911 Expõe seis trabalhos no Salão dos Independentes, em Abril, e depois (no Outono)
realiza uma exposição no seu atelier, Rue du Colonel Combes, com o amigo Amedeo
Modigliani. Relaciona-se com Brancusi, Archipenko e talvez já com o casal Delaunay.
1912 Publica o álbum XX Dessins e ilustra o manuscrito de La Légende..., de Flaubert,
durante uma estada na Bretanha. Expõe no Salão dos Independentes e no Salão do
Outono.
1913 Participa com êxito no «Armory Show» em Nova Iorque, Chicago e Boston; sete
obras são adquiridas e três delas vêm a ser reproduzidas em livro e doadas ao Art Institut
de Chicago. Expõe pinturas de uma nova orientação abstraccionista no I Salão de Outono
da Galeria Der Sturm em Berlim, por recomendação de Robert Delaunay.
1914 A Guerra surpreende-o em Espanha (onde visitara Gaudí, em Barcelona) e obriga-o
a instalar-se em Manhufe, com Lúcia, depois de terem casado no Porto.
1915 Contactos e correspondência frequente com Robert e Sonia Delaunay, que então
residem em Vila do Conde e depois em Vigo. Projectos de «expositions mouvantes»,
também com Eduardo Viana e Blaise Cendrars.
1916 Expõe em Novembro no Porto, no Salão Jardim Passos Manuel, 114 obras sob o
título «Abstraccionismo». E depois em Lisboa, na Liga Naval, no Palácio do Calhariz, com
um folheto-manifesto de Almada Negreiros. Publica o pequeno álbum 12 Reprodutions.
Entrevistas em «O Dia» e «Jornal de Coimbra».
1917 Duas obras são reproduzidas na revista «Portugal Futurista».
1918 Morre em Espinho, a 25 de Outubro, vítima da «pneumónica» ou «gripe espanhola».
Amadeo - "Diálogos de Vanguarda"
11-11-2006 - 3
Operação Amadeo
A exposição «Diálogos de Vanguarda» coloca a breve obra de Amadeo, com menos de
uma década de duração efectiva (entre 1907 e 1918), em relação com a de artistas que
foram seus amigos mais ou menos próximos, e em geral com a de contemporâneos com
quem se podem encontrar afinidades de experiências ou orientação. Além de obras dos
portugueses Eduardo Viana e Almada Negreiros, comparecem o seu professor Anglada
Camarasa (um grande pintor espanhol que deveria ser mais conhecido) e os amigos mais
chegados como Modigliani e Brancusi, os futuristas Boccioni, Severini, mais Archipenko,
Ortíz de Zárate, Robert e Sonia Delaunay, Otto Freundlich. Noutros casos vão sumariarse pontos de encontro e coincidências, ou interrogar-se possíveis influências e marcos
cronológicos, através de presenças cubistas parisienses como as de Picasso, Gleizes,
Metzinger e Gris ou Derain e Duchamp, de orientações expressionistas germânicas como
Macke, Gabriele Münter, Lyonel Feininger, Kokoschka, e de diversos russos como
Alexandra Exter, Jawlensky, Klioune, Puni, Malevitch, Popova, Gontcharova e Tatlin. O
itinerário alarga-se a imagens documentais dos Primitivos italianos e ainda a gravuras
japonesas e máscaras africanas, no âmbito de um vasto inquérito sobre o trabalho de
Amadeo que será também, certamente, uma original síntese das linhas de fractura de
uma década de convulsões e intensa experimentação. No total, deverão ser reunidas
perto de 260 obras, com recurso a empréstimos esperados das mais diversas
proveniências.
Comissariada por Helena de Freitas, a mostra é o primeiro capítulo visível de uma vasta
operação que se desencadeou no ano 2001 com a criação da equipa encarregada de
publicar o catálogo «raisonné» da obra de Amadeo de Souza-Cardoso. O projecto
começou a ser considerado em 1995, após a edição do catálogo sistemático de Vieira da
Silva e ainda por José Sommer Ribeiro, primeiro director do Centro de Arte Moderna, que
esteve ligado às sucessivas aquisições de obras de Amadeo para a Fundação
Gulbenkian. A preparação de um catálogo exaustivo e crítico deveria suceder-se à
exposição do centenário do nascimento do pintor, em 1987, e em especial à incorporação
das últimas obras e do espólio documental então ainda na posse da sua viúva, ao mesmo
tempo que com ele se procuraria asfixiar o mercado de obras que a Amadeo eram
falsamente atribuídas. Implicando um minucioso levantamento de trabalhos referenciados
e novas pesquisas das peças perdidas, bem como a actualização de registos fotográficos
e o cruzamento dos dados documentais, a operação irá dar lugar à publicação no início
de 2007 de um primeiro volume com a fotobiografia do pintor, seguindo-se os tomos
relativos à pintura e ao desenho, até ao fim do próximo ano.
Entretanto, a exposição que se inaugura no dia 14, no centenário da partida de Amadeo
para Paris e no âmbito das comemorações do meio centenário da FG, é acompanhada
por um catálogo próprio e pelo lançamento da edição facsimilda (em duas versões de
diferentes preços) de um álbum manuscrito e desenhado pelo pintor que se encontrava
inédito desde 1912.
O catálogo anunciado em 2004
Está prevista para 2006 a publicação do catálogo «raisonné» de Amadeo de SouzaCardoso, ao cabo de seis anos de trabalho de uma equipa criada no Centro de Arte
Moderna em 2001. Ficarão então inventariadas e estudadas - além de reproduzidas todas as obras entretanto localizadas, cujo número total, já alargado pela descoberta de
desenhos inéditos e outros trabalhos dispersos, não deve ultrapassar as 500 peças.
Em 1987, por ocasião do centenário do nascimento do pintor, a Gulbenkian reunira numa
grande exposição cerca de 160 pinturas e cem aguarelas, desenhos e caricaturas,
procedendo-se a um primeiro levantamento exaustivo. Mais duas centenas de outras
obras, incluindo algumas pinturas, são actualmente conhecidas, encontrando-se entre
elas um quadro descoberto no Museu de Arte de Michigan por efeito da antologia levada
aos Estados Unidos em 1999. Trata-se de uma das sete obras («Regresso da Caça»)
vendidas durante a famosa exposição no Armory Show, em 1913, onde Amadeo foi um
dos artistas em destaque.
Maria Helena de Freitas, que coordena o projecto, refere que a análise do espólio
documental da viúva do pintor, Lúcia de Souza-Cardoso, recentemente doado ao CAM, e
de outras fontes, bem como o estudo científico e técnico das obras, já facultou o acesso a
dados biográficos totalmente desconhecidos e «revelações surpreendentes» relativas ao
processo de trabalho. Houve também «avanços muito significativos» na datação de obras
e na identificação de títulos originais, que oportunamente o catálogo revelará.
Uma equipa de conservação e restauro (K4, de Vanda Coelho e Ana Isabel Pereira)
ocupa um espaço improvisado nas caves do CAM, por onde têm passado obras de muitas
colecções - também particulares - com vista à realização de exames periciais que
igualmente fornecem pistas de investigação. Para além da reflectografia e por vezes da
radiografia, é essencial conhecer os suportes e as grades das telas, com a identificação
das respectivas origens e a anotação exaustiva de tudo o que aí se pode encontrar
escrito: marcas de fabricantes, títulos, anotações, etiquetas de exposições, etc.
A própria brevidade da obra de Amadeo (produzida ao longo de cerca de 12 anos, de
1906 a 1918), bem como a sua concentração na posse de instituições (tendo a
Gulbenkian a colecção mais vasta), assegura a possibilidade de o catálogo sistemático
ser entendido como oportunidade para uma investigação aprofundada sobre o pintor, que
até agora foi sempre objecto de interpretações parcelares. Entretanto, «tentar asfixiar o
desenvolvimento do mercado de obras falsas» é também uma das preocupações a que o
catálogo virá dar resposta. (Expresso Actual 28-02-2004)
Memória de Lúcia
Lúcia Pecetto Souza Cardoso (1890-1989) foi, em Paris, uma dedicada guardiã da
obra de Amadeo
Amadeo conheceu-a em 1908. Segundo contou Domingos Rebelo, foi Manuel
Jardim que referiu a Emmerico Nunes a «crèmerie» do Boulevard Montparnasse e
a filha da proprietária, «muito engraçada, que atende os clientes e fala também
português». «Olhe que é bonita, é tímida, e muito simpática». Tinha 17-18 anos.
Amadeo apareceu «com a sua indumentária exótica - chapéu à Masantini, capa à
espanhola, atirada sobre o ombro, deixando aparecer o veludo vermelho da gola;
calça à boca de sino, polainas claras sobre um sapato castanho, luvas brancas»,
segundo o mesmo testemunho. O encontro foi para a vida toda (mas muito
diferentes as duas vidas), primeiro ocultado da família conservadora de Manhufe, e
depois formalizado no Porto, quando o pintor ficou retido em Portugal no início da
Lúcia fotografada por Amadeo FCG/BIBLIOTECA DE ARTES/ESPÓLIO ASC
Grande Guerra. As fotografias confirmam-lhe a beleza e as cartas que Amadeo lhe
escreveu durante as vindas a casa sugerem uma cumplicidade inteligente.
Lucie Meynardi Pecetto nasceu em 23 de Julho de 1890, em Villeurbanne-Rhône
(Lyon), de origem italiana, e passara algum tempo no Brasil. Morreu em Paris em
1989, 23 de Março, com 98 anos, e veio a enterrar para o jazigo de Manhufe.
Dois anos depois da morte de Amadeo, regressou a Paris, onde tinham ficado
numerosas obras e para onde levou as dos últimos anos. Logo em 1921, voltou a
tentar a exposição em Nova Iorque que Amadeo ambicionava, e promoveu em
1925, em Paris, uma mostra antológica que teve algum eco crítico.
Parece que nos anos 20 trabalhou para a Sociedade de Propaganda de Portugal,
associação de promoção do turismo, e depois António Ferro, que instituíra o
Prémio Souza Cardoso, arranjou-lhe um emprego na Casa de Portugal, a partir de
1931. Dedicada à defesa da obra do marido (talvez com a ajuda de uma pequena
renda da família; no fim com uma reforma mínima francesa), Lúcia recusava-se a
dispersar o acervo e aguardou o reconhecimento.
Vendeu um quadro escolhido por Jean Cassou para o Museu de Arte Moderna
(hoje Centro Pompidou) em 1958, após a retrospectiva organizada pelo pintor
Paolo Ferreira na Casa de Portugal; mais cinco quadros para a Gulbenkian em
1965 e diversos outros já nos últimos anos de vida, com a doação do importante
espólio documental que também conservara. (Expresso Actual de 11-11-2006 - 4)
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MONDRIAN. AMADEO – Da Paisagem à Abstracção
Expresso 7 Julho 2001
"Encontro em Paris»
As carreiras iniciais de Mondrian e Amadeo através do tema da paisagem
MONDRIAN. AMADEO – Da Paisagem à Abstracção
Museu de Serralves (até 30 de Setembro)
Se Mondrian tivesse morrido na idade com que desapareceu Amadeo, não saberíamos o
seu nome. Com 30 anos em 1902, Pieter Cornelis Mondriaan era um paisagista de
Amsterdão que expunha na Sociedade S. Lucas. Só uma década depois, ao mudar para
Paris, nasceria Piet Mondrian. Parecia um desafio inverosímil a junção de artistas de tão
diferentes itinerários e produções incomensuráveis, com lugares tão diversos na história
(universal) do século XX - se é que Amadeo já nela foi admitido, como certamente
merece, apesar da brevidade da obra.
O pretexto da parceria das capitais culturais, que poderia mal justificar o encontro dos
dois maiores pintores nacionais, fundamenta-se no argumento mais sólido da sua
pertença aos primeiros anos da Escola de Paris, entendida em sentido estrito como a
comunidade internacional que aí informalmente vivia a aceleração da aventura da arte
moderna.
As relações com o cubismo foram nos dois muito diversas, mas ambos intervieram no
decisivo processo de experimentação que dele tirou como consequência a passagem à
abstracção. Mondrian em definitivo, como uma inevitabilidade apontada à transformação
utópica do mundo e da arte, embora tenha continuado a pintar sentidas composições
florais e vistas rurais por conveniência económica e algum gosto idiossincrático («Quinta
em Divendrecht», de 1916?, é a obra mais tardia da mostra). Amadeo explorou a
abstracção radical em telas de 1913 que não se incluem, mas sempre como uma direcção
experimental entre outras, sem entender a recusa dos referentes da representação como
destino obrigado, em nome da pureza pictural ou metafísica. A exposição segue-lhes o
passo desde o início das respectivas carreiras, mas só até 14, data de regresso às
pátrias, sem chegar, por isso, a ilustrar o Mondrian mais característico nem o último e
mais original Amadeo.
Dedicada ao tema da paisagem, que Serralves tomou por tópico principal da programação
do ano, dispõe em paralelo as obras dos dois artistas, através das paredes opostas de
quatro pequenas salas comunicantes, e a própria configuração espacial da montagem
sublinha a diversidade da formação e do ritmo evolutivo de Mondrian e Amadeo. É um
percurso com distintas velocidades, em que se deixam bem patentes as diferenças
individuais (a intensa emotividade que a razão ordenará; a curiosidade vital e volúvel) e
em que ficam implícitas as circunstâncias de contexto das suas obras. No caso do
holandês, a vinculação tanto a uma sólida tradição regional do paisagismo como a um
processo colectivo de renovação, iniciado na Holanda logo na primeira década do século,
enquanto Amadeo vive uma aventura sem outras filiações nacionais que as que podiam
decorrer da morfologia da paisagem e da especificidade das cores e luzes do seu Minho,
mas em contacto directo, desde o início, com a pluralidade das direcções
simultaneamente ensaiadas na Babel parisiense.
A opção expositiva prescinde de acompanhar as obras com qualquer informação textual,
mesmo quando nos dá a conhecer os inesperados naturalismo e primeiro modernismo de
Mondrian, assim apontando a uma experiência de visualidade «pura». É uma aposta
legítima e bem ganha, mas no catálogo também não se encontra qualquer
enquadramento que guie o visitante desprevenido, o que já parece menos aceitável, tanto
mais que tem havido contributos recentes para que se entenda melhor o itinerário do
holandês. É o caso de recentes exposições do Museu de Arte Moderna de Paris, como
«La Beauté Exacte», de 1994, sobre o século XX holandês («Mondrian: Les Années
Préparatoires à 'De Stijl', Particulièrement en Zélande», de Robert P. Welsh, é um ensaio
de grande oportunidade), «Le Fauvisme ou l'Épreuve du Feu», de 2000, ou «L'École de
Paris 1909-1929, la Part de l'Autre», de 2001, em que também Amadeo esteve
representado. Entre nós, prevalece o hábito dos catálogos caros e pouco úteis, mesmo
quando ostentam o emblema comunitário do Programa Operacional da Cultura.
De Mondrian assiste-se aos seus inícios naturalistas, desde 1898/1900, e a um trajecto
lento em que se acentua uma inclinação simbolista (por vezes a lembrar António Carneiro)
antes de se poder falar em vanguardismo. Este surge (por via de Van Gogh, que foi
reconhecido em Amsterdão em 1905) com a clarificação da paleta e a iluminação dos
amarelos solares numa mudança que é evidente a partir de 1907 («Árvores à Beira do
Gein"), logo acentuada pela pincelada divisionista que separa as cores e faz vibrar a luz,
onde se conjuga a informação do pós-impressionismo pontilhista e a influência que os
«fauves» exerceram no grupo dos «luministas» holandeses.
Até aí, Mondrian (Mondriaan, aliás) acompanhara um paisagismo que se revia na grande
tradição do século de oiro (a Escola de Haia) e dela se já distanciava pelo exemplo da
Escola de Barbizon.
Integrado num contexto nacional que se manteve alheio ao impressionismo, Mondrian
dialoga, depois, com a evolução modernista de Jan Toorop, Jacoba van Heemskerck,
Johan Thorn Prikker, Leo Gestel e Jan Sluijters, de que a mostra « ‘In the Rough’ Imagens da Natureza Através dos Tempos na Colecção do Museu Boijmans Van
Beuningen», Roterdão (também vista no Museu de Serralves em 2001) trouxe alguns
exemplos desgarrados. Só retrospectivamente se poderá reconhecer a essas obras de
Mondrian bem inseridas numa história regional, que já era então aberta à informação
internacional, uma dimensão pessoal de excepção.
O interesse pelo cubismo, em 1911, é súbito e faz explodir, finalmente, a individualidade
genial de Mondrian, numa situação que fica documentada por três telas onde se assiste à
adopção de uma estratégia de construção do quadro como uma grelha espacial a que
aderem alguns traços representativos de massas de árvores e pedaços de paisagem. Do
mesmo passo evolutivo fazem parte estudos de figura e duas naturezas mortas decisivas,
com potes de gengibre, que a mostra não podia incluir. Aliás, apesar de parecerem
prometidas pelo título «Da Paisagem à Abstracção», também não se incluem as primeiras
composições radicalmente abstractas de 1913 e 14, nomeadamente as surpreendentes
telas ovais em que se desvanece a configuração espacial própria da paisagem. Essa é
uma opção menos compreensível no programa da exposição, que nos deixa à beira da
mudança decisiva, sem dar o salto anunciado.
Algo de semelhante se passa com Amadeo, que surge sempre e só com paisagens,
algumas numa acentuada direcção abstracta, mas com reconhecível origem no espaço
natural observado.
Os dois pintores coincidiram em Paris só nos dois anos que antecederam a I
Guerra: Amadeo chegara em Novembro de 1906 e ficou até Junho de 14;
toda a sua formação é parisiense, mas os três últimos anos de trabalho em
Portugal, até à morte em 1918, não deixariam de ser magnificamente
produtivos. Mondrian partiu para Paris em Dezembro de 1911, já consagrado
como um dos principais vanguardistas da Holanda, e a Guerra deixou-o
retido em Amsterdão, a partir de Julho de 14. Voltaria em 1918 para
permanecer até 38, transferindo-se nesse ano para Londres e em 40 para
Nova Iorque (morreu em 1944, com 72 anos).
É improvável que se tenham conhecido, porque, para além da diferença de idades,
Mondrian era uma figura reservada, que se manteve mais ou menos isolado entre a
colónia holandesa, ao contrário da abertura de Amadeo a múltiplos convívios. Ambos
participaram nos Salões dos Independentes de 1911 e 12, exposições sem júri de
admissão nem prémios, aonde afluíam jovens artistas e estrangeiros. A edição de 11 foi a
da aparição pública do cubismo, sem a presença de Picasso e Braque, mas com um forte
contingente dos que se chamariam depois os cubistas de salão (Fauconnier, Gleizes,
Metzinger, Lhote) e também Léger e Delaunay.
Mondrian tivera oportunidade de conhecer obras cubistas ainda em Amsterdão, nesse
mesmo ano, e à descoberta seguiu-se de imediato a adopção das suas regras,
radicalizando-as de um modo pessoal. Amadeo, que levava apenas cinco anos de
aprendizagem da pintura (em 1906 começara a frequentar as academias livres de
Montparnasse) relaciona-se mais lentamente com o cubismo, sem que este se torne uma
obediência escolar e única. As obras que expõe na edição de 1912 dos Independentes
são as do seu período «gótico» («Os Galgos» e «Paisagem com Pássaros»).
Em Setembro de 1913 ambos participam no primeiro Salão Alemão do Outono, em
Berlim, organizado pela Galeria Der Sturm. Mondrian com as primeiras pinturas de título
neutro e numerado, Amadeo com «Atleta» (só conhecido de fotografia) e os quadros «A»
e «G» (pág. 179 do catálogo), que o situavam
também na linha avançada de um tempo comum.
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Amadeo em Nova
Iorque
Expresso, Cartaz de 01-07-2000
(ver tb Balanço do ano 2000)
«At the Edge: a Portuguese Futurist -- Amadeo de
Souza Cardoso''
AXA Gallery», Manhattan
«Chateau-fort», de 1912, exposto no «Armory Show» e pertencente ao Art Institut de
Chicago
DEPOIS de ter sido exposto em Washington, na Corcoran Gallery, e no Arts Club de
Chicago, Amadeo de Souza-Cardoso está agora em Nova Iorque, até 16 de Setembro,
apresentado na Axa Gallery, da companhia de seguros do mesmo nome. Não se tratando
de um espaço museológico, mas é uma boa galeria de exposições situada na 7ª Avenida,
muito perto do Central Park, onde no mês de Maio se podia ver a retrospectiva do pintor
realista norte-americano Fairfield Porter.
Intitulada «At the Edge: a Portuguese Futurist» - explorando como alvo, no título e no
respectivo grafismo, o pormenor de um disco, ou olho de boi, retirado do quadro «Mucha",
de 1915 -, é a primeira antologia de Amadeo nos Estados Unidos, depois da sua bem
recebida participação no histórico «Armory Show», em 1913, em Nova Iorque, com
passagem posterior por Chicago e Boston. Três das obras então expostas e incluídas na
presente mostra vieram mais tarde a integrar a colecção do Art Institut de Chicago,
doadas por Arthur Jerome Eddy. São as únicas peças que se encontram localizadas das
sete (seis quadros e uma aguarela) que vendeu durante a «International Exhibition of
Modern Art», onde esteve representado por oito obras e era um dos 35 artistas
anunciados no respectivo cartaz, em Nova Iorque, entre mais de 300 participantes.
A mostra foi preparada desde 1995 por Jack Cowart, ex-director do museu Corcoran
(agora à frente da Fundação Roy Lichtenstein), e por Laura Coyle, conservadora da
mesma instituição, com organização em Lisboa do Gabinete de Relações Internacionais
do Ministério da Cultura, e já deparou com uma entusiástica recepção nas páginas do
«New York Times».
Num extenso artigo publicado em 16 de Junho, com o título «A Dazzling Flash,
Reflected at Last Upon History» (um «flash» deslumbrante, vindo de longe na
história), Roberta Smith chama-lhe «an exciting show» e uma «retrospectiva caída
do céu», que acrescenta mais um nome à constelação «multinacional e
multicultural do modernismo». Afirma depois que as 49 obras expostas «revelam
um artista que impregnou quase tudo em que tocou com um inconfundível sentido
de intensidade emocional e formal», desde as obras de 1911 que reflectem a
atenção à estilização Arte Nova e ao «primitivismo» de Rousseau, até ao póscubismo de 1918, «à frente do seu tempo».
ART REVIEW; A Dazzling Flash, Reflected at Last Upon History
By ROBERTA SMITH - JUNE 16, 2000
Modernism may or may not be over, but that hasn't kept historians from
adding names to its roster. With more and more names from more parts of
the world, it is at last being defined as a multinational, multicultural
phenomenon, which it always was.
One of the latest additions is the Portuguese painter Amedeo de Souza
Cardoso, who arrived in Paris in 1906 on his 19th birthday, drank the elixir
of the new and in a very short period produced a little newness of his own.
Souza Cardoso loved Paris and probably would have spent most of his life
there, but World War I began while he was on a visit home, and Portugal's
neutrality barred him from re-entering France. And his work might have
remained more visible if he had not died during the worldwide influenza
epidemic of 1918, a month shy of his 31st birthday and just two weeks
before the Armistice that would have allowed him to return to Paris.
But over the last few decades Souza Cardoso's achievement has gradually
resurfaced, first in Portugal, where he is by now something of a national
treasure, and then in the rest of Europe. Now it is being seen in the United
States in its first solo exhibition, a show of works borrowed primarily from
the Gulbenkian Museum in Lisbon and organized by the Corcoran Gallery
of Art in Washington and Portugal's Culture Ministry. By some serendipity of
scheduling, a New York stop has been added, at the AXA Gallery in
Manhattan, the space formerly known as the Equitable Gallery.
Both the show and its catalog (the first of Souza Cardoso's work to be
published in English) were overseen by Jack Cowart, formerly deputy
director and chief curator of the Corcoran, now executive director of the Roy
Lichtenstein Foundation. After opening there last fall, the show traveled to
the Arts Club in Chicago, a natural choice, as that city is the only place in
the United States where paintings by Souza Cardoso can be seen. The Art
Institute owns three, all from the bequest of Arthur Jerome Eddy, one of the
first American collectors of 20th-century art, who purchased them from the
1913 Armory Show. Two of the Chicago paintings are in this exhibition.
Continue reading the main story
It is an exciting show, exemplary of the dropped-from-the-sky genre of
retrospective. It has only 49 paintings and drawings, but it reveals an artist
who imbued nearly everything he touched with a distinct sense of emotional
and formal concentration.
The works reveal Souza Cardoso to be a master draftsman whose earlier
drawings imitate the sharp black and white of modern woodcuts and
elaborate the landscapes of his childhood into manic, revved-up patterns.
His later drawings are so hyper-refined, they suggest Ingres high on
Cubism.
But the show also introduces an artist who was equally gripped by painting
as a physical process, one whose last Cubist works, created in Portugal
during the war, are unusual for their robust color, solid visual structure,
compartmentalized space and extensive use of physical texture and
collage. Resplendent in the show's final gallery, these works don't present a
single object seen from multiple viewpoints in the manner of orthodox
Cubism. Instead they present a kind of cultural continuum that mixes
objects, abstract motifs, bits of Portuguese folk art and stenciled words and
numbers.
These works in particular earn Souza Cardoso a place among an array of
talented outsiders who journeyed from the margins to the heart of
modernism, took what they needed and combined it with elements that
reflected their own personal and cultural roots. His American counterparts
include Marsden Hartley, Gerald Murphy and Stuart Davis.
Souza Cardoso's story suggests a confident self-starter of the first order.
Photographs show that he had Picasso's dark Iberian looks, only more
handsome, and a similarly solid, energetic physique and combative attitude.
He almost invariably looks straight into the lens. In one photograph he
stands with his legs apart, like a young boxer. In another he poses with
friends, bare chested, a brocade bedspread across his lap, a crown of
flowers on his head. The group is supposed to be imitating Velasquez's
''Borrachos,'' but he looks like something straight out of Carravaggio.
In a third, his eyes smolder beneath the rim of a big, dark fedora while he
caresses a guitar. Not only did he know how to play, but according to a label
in the exhibition he also accompanied himself while singing fado songs for
friends in cafes. Occasionally he wore a magnificent Alentejo cape, possibly
the only one is Paris, which was worn in his country only by noblemen.
The son of wealthy vintners, Souza Cardoso grew up on the family estate in
Manhufe, near Armarante in northern Portugal. He showed an early talent
for drawing. After studying architecture in Lisbon he persuaded his parents
to send him to Paris. Within a year he had forsaken architecture for
painting, by far the livelier art of the moment. (Cezanne's paintings were
seen for the first time in the Salon d'Automne of 1907.) Over the next few
years he studied painting at the Academie Viti, submitted to what he
referred to as ''French artistic imperialism'' and ventured far beyond the
circle of Portuguese artists who had been his first companions in Paris.
He became friends with Brancusi, Archipenko, Diego Rivera, Apollinaire and
especially Modigliani, with whom he staged a joint exhibition in 1911. By
then Souza Cardoso had already shown his work in the Salon des
Independants. He would show there again in 1912 and 1914, as well as in
the Salon d'Automne.
The current show begins with works made in 1911; they reflect attention to
the stylization of Art Nouveau and the ''primitivism'' of Henri Rousseau. The
most striking work in the first gallery is ''Leap of the Rabbit,'' which depicts
the animal suspended over a cluster of tropical plants like a fish in an
aquarium. Everything about this painting conveys effortlessness and ease:
the lightly worked surface, the outlined flowers above, the odd little colored
discs below (early hints of the influence of Delaunay's Orphism) and other
touches of color, the rabbit's startled masklike face and the body-paint
patterns of its body.
Little else in Souza Cardoso's work is quite so relaxed. Nearly everything
seems packed, almost tightly wound, as if he was determined to get the
most out of every inch of available surface. His maniacally patterned
landscapes seem to presage Art Deco as much as they reflect the influence
of Art Nouveau. Sometimes they are the settings for exotic hunting scenes,
as in ''The Tiger''; sometimes for cavorting nudes that suggest an
awareness of Picasso's ''Demoiselles d'Avignon.''
Best of all is a drawing of an aristocratic couple standing in a garden. The
encroaching plant life elaborates the male of the species, who already
wears wildly checked jodhpurs, into a kind of peacock.
In the show's middle section, Souza Cardoso comes to grips with Cubism
and Futurism, usually buoyed by Delaunay's strong colors. At times Souza
Cardoso resurrects antiquated themes that evoke his Portuguese heritage,
depicting a cavalier and a prince mounted for the hunt in pale paintings that
look a little like tapestries.
But in ''Abstract Composition'' (1913), probably one of the earliest
completely nonrepresentational paintings of the 20th century, he reduces
the world to transparent spheres of radiant color. He then applies this
scheme to ''Don Quixote,'' a large 1914 painting in which the spheres
tumble and spin, curving down toward the strange red and black eyes and
masklike face of the patient steed Rocinante, who drinks water from a
stream.
In a small horizontal abstraction from 1913 Souza Cardoso flattens the
Cubist grid and extends it almost to the edges of the canvas, creating a
shadowy nocturnal space that he livens up with red and white.
It's not clear how he got from these Cubist variations to the commanding
works in the last gallery, with their carefully deployed planes of color, their
textural variety and their surprising additions, like the Johnsian stenciled
letters and little bits of mirror. Perhaps distance from his beloved Paris
actually helped, or he benefited from continued contact with the Delaunays,
who spent most of the war in Portugal.
But especially in works like ''Entrada'' and ''Painting,'' styles, spaces
and objects seem to break down into a kind of superbly controlled
chaos held in suspension, like the wall-eyed rabbits of Souza
Cardoso's early paintings and drawings. Call these last works postCubist. They show an artist working ahead of his time, moving toward
a future that he would never reach.
''At the Edge: A Portuguese Futurist -- Amadeo de Souza Cardoso'' is at the
AXA Gallery, 787 Seventh Avenue, at 51st Street, Manhattan, (212)
554-1704, through Sept. 16.
#
Amadeo na Corcoran Gallery, Washington 1999
Amadeo de regresso à América
Expresso Actual, 18-Set-1999
«At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de
Souza Cardoso»
AMADEO de Souza Cardoso teve uma presença notada na exposição que em 1913 levou
a arte moderna internacional aos Estados Unidos («The Armory Show»), vendeu sete das
oito obras que aí apresentou e, nos poucos anos que lhe sobraram de vida, sempre
tentou voltar a expor em Nova Iorque. É só agora que se concretiza esse projecto
americano, graças à antologia da sua obra que foi inaugurada em Washington, na
Corcoran Gallery of Art (patente até 28 de Novembro), e que transitará depois para o Arts
Club of Chicago (20 de Janeiro – 17 de Março). A mostra foi preparada desde 1995 por
Jack Cowart, director do museu Corcoram, e por Laura Coyle, conservadora da mesma
instituição, com organização em Lisboa do Gabinete de Relações Internacionais do
Ministério de Cultura. Intitulada «At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza
Cardoso» (No Alvo – Um Futurista Português...), é a mais bem concebida das exposições
de Amadeo no estrangeiro e um contributo importante para o melhor conhecimento da sua
carreira, graças às investigações de autoria americana publicadas no catálogo.
Em 1913, ele foi um dos 35 artistas anunciados no cartaz da «International Exhibition of
Modern Art», ao lado de Ingres, Delacroix, Manet, Degas, Cézanne, Renoir, Monet,
Seurat, Van Gogh, Lautrec, Gauguin e dos seus contemporâneos Dufy, Braque, Brancusi,
Archipenko, Gleizes, Duchamp-Villon, etc, em destaque entre mais de 300 participantes e
1600 obras. A projecção dada a Amadeo, que se prolongou na edição em postal do
quadro «Avant la Corrida» (entretanto perdido), várias reproduções e referências na
imprensa, bem como nas vendas citadas, resultava directamente da admiração que lhe
votava o pintor e crítico americano Walter Pach, que fora o agente na Europa dos
organizadores do «Armory Show», Walt Kuhn e Arthur B. Davies.
Saut du Lapin, 1911, exposto e comprado no Armory Show (col. Art Institut of Chicago)
No seu artigo do catálogo, «Amadeo and America», Laura Coyle refere que o português
foi «one of the hits of the show» e que «enquanto foi vivo obteve mais êxito na América
que no seu país ou em Paris», sem esconder, no entanto, que ele viria mais tarde a ser
«severamente julgado» pelo seu estilo «primariamente decorativo» e «romântico pósimpressionista», apreciações feitas sem sentido negativo por Arthur J. Eddy, que lhe
adquirira três quadros. Essas mesmas telas, hoje pertencentes ao Art Institute of Chicago
e as únicas localizadas de entre as seis (e uma aguarela) que ficaram na América,
voltaram a ser expostas com a colecção de A. J. Eddy em 1922 e 1931-32, e de novo em
1944 e 1963 em mostras dedicadas à evocação do «Armory Show», enquanto a
exposição «Paris-Nova Iorque», do Centro Pompidou, em 1977, também destacou a
presença americana de Amadeo.
Laura Coyle avança com informações sobre a localização dos seus quadros na exposição
de Nova Iorque, na mesma sala que Ingres, Gauguin, Signac, Puvis de Chavannes,
Redon, Segonzac e Mary Cassat, bem como durante a posterior apresentação em
Chicago, então na sala dos «cubistas», acrescentando dados inéditos sobre a identidade
dos coleccionadores que compraram as suas obras e sobre as outras aquisições feitas
por eles. A fortuna crítica de Amadeo na América e os esforços de Walther Pach para
voltar a expô-lo em Nova Iorque, revelados em cartas do espólio de Paolo Ferreira, são
outros tópicos de uma investigação exemplar que vem pôr a nu as insuficiências dos
estudos portugueses sobre o pintor.
Outros textos de Kenneth E. Silver («Amadeo in the Tower of Babel») e Rosemary O'Neill
(«Modernist Rendez-vous: Amadeo de Souza Cardoso and the Delaunays») são
dedicados à estadia e às relações parisienses do pintor de Manhufe e, o segundo, à
convivência com Robert e Sonia Delaunay, que prosseguiria durante a permanência
destes em Portugal, entre 1915 e 1917. A «influência» de Amadeo sobre Brancusi, já
antes sublinhada em recentes retrospectivas do escultor romeno, o interesse pela pintura
do Douanier Rousseau, a contribuição de R. Delaunay para lhe abrir as relações alemãs
(Herwarth Walden e o Salão de Outono de «Der Sturm», em 1913) são outras pistas
significativas.
O extenso catálogo editado em Lisboa inclui ainda um ensaio de José-Augusto França,
que foi consultor da exposição, outro de Pedro Lapa, com um cunho teorético certamente
deslocado, uma síntese biográfica de Joana Cunha Leal, comentários de Rui Afonso
Santos a todas as peças expostas e alguma documentação (mas sem bibliografia,
cronologia e lista de exposições). O design gráfico de José Brandão e Paulo Falardo
(Atelier B2) é por vezes excessivamente «vistoso», com opções de duvidosa eficácia
(reproduções sobre fundo negro, excesso de pormenores recortados, etc), embora
também tire bom partido de alguns elementos iconográficos da obra de Amadeo.
Entretanto, é também a selecção das 53 obras expostas que distingue positivamente esta
antologia das que foram levadas a Pesaro em 88, a Bruxelas durante a Europália'91 e a
Madrid em 98. Condensada nos sete anos que vão de 1911 à insólita aguarela «Sagrado
Coração de Jesus», de 1918, inicia-se com «Saut du Lapin», do Museu de Chicago, e,
entre pintura e desenho, inclui 13 obras identificadas com o primeiro estilo de Amadeo,
em que a elegância «arte nova» se abre às referências primitivistas e depois futuristas.
Sem procurar a ortodoxia cubista, que nunca praticou, nem favorecer as dependências
parisienses, esta é uma escolha que começa a fazer justiça à originalidade da curta obra
de Amadeo.
Redescoberta americana
Amadeo de volta à América (Balanço de 2000)
EXPRESSO/Cartaz de 30-12-2000
EM 1913, Amadeo de Souza-Cardoso teve uma presença notada entre os mais de 300
artistas incluídos na exposição que levou a arte moderna aos Estados Unidos e que veio
a ficar conhecida como «The Armory Show» por ter sido montada, em Nova Iorque, no
arsenal desocupado do 69º Regimento de Infantaria.
2000 foi o ano da sua redescoberta americana, graças a uma exposição antológica que
se inaugurou na Carcoran Gallery, de Washington, ainda em 1999, foi depois apresentada
no Art Club de Chicago e, por fim, em Nova Iorque, na AXA Gallery, em mais uma escala
acrescentada à digressão.
«Enquanto foi vivo obteve mais êxito na América do que no seu país ou em Paris»,
assegura Laura Coyle no respectivo catálogo. Em confronto com o acolhimento mais que
discreto das anteriores retrospectivas europeias, pode dizer-se que o mesmo voltou a
acontecer depois de morto. Para culminar a operação, foi localizado no Museu de
Michigan um quadro vendido em 1913 que era dado como desaparecido.
O título do «Chicago Tribune» de 10 de Fevereiro anunciava: «Finalmente (at long
last), uma exposição individual do Modernismo de Cardoso». Na sua crítica, Alan
Artner destacou o quadro «Coty", de 1917, como a mais pessoal das pinturas de
Amadeo e como uma das obras mais impressionantes («striking») de toda a
pintura moderna, transcendendo as influências do cubismo e dos papéis colados
de Picasso e Braque num «frenético 'patchwork' de texturas e imagens sem
paralelo directo na arte desse período».
Numa página inteira da edição de fim-de-semana do «New York Times» (16 de
Junho) referia-se «Um flash deslumbrante, vindo da história longínqua», ilustrado a
toda a largura pelo quadro «Salto do Coelho», de 1911, outra das obras vendidas
no «Armory Show», depois doada ao Museu de Chicago. E a influente Roberta
Smith, que falava de «un exciting show», uma «retrospectiva caída do céu», voltou
à carga no dia seguinte num artigo intitulado «Acrescentando um nome à lista do
Modernismo».
No «The New York Observer» de 7 de Agosto, outro crítico de renome, Hilton
Kramer, e um título caloroso: «O cubista Amadeo regressa à cidade do Armory
Show». A lista poderia continuar.
Em 1913, Amadeo não se deslocou à América, mas, das oito obras que enviara, sete (seis
telas e uma aguarela) foram vendidas e não voltaram a Paris. Apoiado pela admiração
que lhe votava o pintor e crítico Walter Pach, agente na Europa dos organizadores do
«Armory Show», o seu nome foi um dos 35 anunciados no cartaz de Nova Iorque, numa
lista que se iniciava com Ingres, Delacroix, Degas, Cézanne, Redon, Renoir, Monet,
Seurat e Van Gogh... Depois, a I Guerra Mundial e a morte aos 30 anos, vítima da «gripe
espanhola», goraram projectos para expor individualmente na América.
Intitulada «At the Edge: a Portuguese Futurist», explorando no título e no grafismo o
pormenor de um alvo (o disco ou olho de boi do quadro «Mucha", de 1915), a antologia
começou a ser preparada em 1995 por Jack Cowart, director do Museu Corcoran, e por
Laura Coyle, conservadora do mesmo museu, em colaboração com o Gabinete de
Relações Internacionais do Ministério da Cultura.
O interesse americano traduziu-se numa investigação aprofundada sobre a participação
de Amadeo no «Armory Show», reunindo dados inéditos sobre a localização dos seus
quadros nas diferentes montagens da exposição (que foi levada também a Chicago e a
Boston), bem como sobre a identidade dos coleccionadores que lhe compraram as obras
e sobre a respectiva fortuna crítica. Para além das colaborações de José-Augusto França,
Pedro Lapa e Rui Afonso Santos, outros textos inovadores de autoria americana
debruçam-se sobre as múltiplas relações e influências internacionais do pintor.
Entre as razões da recepção favorável - e trata-se sem dúvida de um êxito genuíno, em
que não intervieram movimentações promocionais e de mercado (até porque não há,
infelizmente, obras disponíveis para entrarem em museus ou colecções particulares) poderá estar também o acerto da selecção das 53 obras expostas, que se iniciou com 13
telas e desenhos do período da apresentação de Amadeo na América e que, depois, não
se enfeudou à perspectiva habitual que procura associar o pintor à aprendizagem do
cubismo escolar e a um ponto de vista excessivamente parisiense.
(Entretanto, um outro episódio americano deve figurar no registo do ano: a
inclusão pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque de um trabalho de René
Bertholo na segunda parte de uma revisão da arte do século XX, ao mesmo tempo
que em Serralves se exibia a retrospectiva da sua obra.)
LEGENDAS: Sala 53 da «International Exhibition of Modern art, Chicago 1913
A seguir: 1. Em Paris, 1913.
2. Em Manhufe, em 1915 FCG/BIBLIOTECA DE ARTES/ESPÓLIO ASC
3. Paris, 1908.
4. 1909, no estúdio da Cité Falguière.
Manhufe, 1914-15 (?)
Última fotografia, 1818
Cabeça (c. 1913-1915)
óleo sobre cartão Museu do Chiado
AMADEO DE SOUZA-CARDOSO
alguns artigos (1999-2006)
1) No centenário da partida para Paris, 2006
Amadeo, «Diálogos de Vanguarda», Fundação Gulbenkian
«Amadeo: ida e volta»
Cronologia rápida
«Operação Amadeo»
«Memória de Lúcia»
11-11-2006, Expresso
2) Mondrian - Amadeo
«Encontro em Paris»: Da Paisagem à Abstracção
Museu de Serralves, 2001
07-07-2001, Expresso
3) Amadeo de regresso à América
«At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza Cardoso»
Corcoran Gallery, Washington
18-09-1999, Expresso
Amadeo em Nova Iorque
Axa Gallery, NY
01-07-2000, Expresso
A Dazzling Flash, Reflected at Last
Upon History
By ROBERTA SMITH - JUNE 16, 2000
New York Times
Redescoberta americana
30-12-2000, Expresso
AMADEO SOUZA-CARDOSO (1887-1918) – Foi o único artista
português que na primeira metade do século se integrou plenamente nas
movimentações das vanguardas internacionais, mas a morte precoce interrompeulhe a prometedora carreira.
Nascido em Manhufe, no Minho, fez breves estudos em Lisboa e chegou a Paris
com 19 anos, em 1906, com o projecto de se dedicar à arquitectura. No início da
nova década trocou os círculos de amigos portugueses pelo convívio com
Modigliani e outros artistas de primeiro plano, como Brancusi, Juan Gris, Robert
Delaunay e outros. Sem se fixar na opção por um estilo único, iniciou uma
trajectória tão breve como fulgurante, marcada por aproximações ecléticas às
novas correntes do tempo (cubismo, futurismo, orfismo, etc) e também por uma
abordagem muito precoce da abstracção, de que foi, em 1912, um dos pioneiros.
Entretanto, a sua obra ganhara alguma projecção parisiense e internacional com a
publicação de um álbum de desenhos e com pinturas em que se afirmava o gosto
por uma estilização orientalizante e elegantemente decorativa, com as quais
participou em exposições em Berlim e no famoso «Armory Show» norteamericano. Aí se venderam três quadros que hoje pertencem ao Art Institut de
Chicago.
A Guerra de 1914-18, que o surpreendeu em Barcelona, de visita a Gaudi, fê-lo
regressar ao país, mas ao isolamento dos seus últimos anos portugueses, até ser
vítima da epidemia de gripe, correspondeu o período da sua pintura mais
radicalmente original. Os últimos quadros, em que passou da inconstância das
anteriores experiências a insólitas inovações pessoais, foram uma síntese
explosiva e vibrante de cor, onde os motivos populares conviviam com a colagem
de objectos. Fez exposições no Porto e em Lisboa, com escândalo público e o
apoio de Almada e da geração do «Orpheu», mas a sua obra ficou a seguir quase
esquecida, na posse da família, até ser objecto de uma nova atenção crítica nos
anos 50. Tem um museu com o seu nome em Amarante.
(de um dicionário - A.P. , Expresso, data?)
No Centenário da partida para
Paris
«Amadeo: ida e volta»
Expresso Actual de 11-11-2006
Cem anos depois da partida para Paris, a Gulbenkian mostra a obra de Amadeo
de Souza-Cardoso em diálogo com os contemporâneos e dá a conhecer inéditos e
novas pistas sobre a sua breve carreira
Amadeo partiu para Paris há exactamente um século - cumpre-se no dia 14 de
Outubro, e a data é assinalada com a inauguração da exposição que na Fundação
Gulbenkian o mostrará inserido no «Diálogo de Vanguardas» do seu tempo. Mas,
de facto, é da América que ele agora chega, com três importantes pinturas nunca
1916?
vistas em Portugal, duas delas perdidas durante muitas décadas, e, principalmente,
com um itinerário mais bem conhecido depois das investigações norte-americanas
sobre o êxito da sua participação na exposição do «Armory Show» que em 1913
apresentou a arte moderna europeia em Nova Iorque, Chicago e Boston. Foi aí que
se mostraram os quadros «Chateau Fort» (Fortaleza), mais tarde doado pelo crítico
Arthur Jerome Eddy ao Art Institute of Chicago, «Return from the Chasse» (Regresso da
Caça), localizado em 2000 no Museu de Michigan, e «Avant la Corrida» (Antes da
Corrida), descoberto já este ano e adquirido para a colecção do Centro de Arte Moderna.
Falecido aos 30 anos no isolamento português do fim da I Guerra Mundial, deixou
interrompida uma obra aceleradamente instável e avessa a rígidas classificações
de estilo. Amadeo foi sempre visto como a maior das promessas mas também
como dificilmente integrável nas ortodoxias parisienses que por muito tempo
balizaram a história da arte; as aproximações aos cubismos, que foram diferentes
entre si, levavam-no a ocupar uma posição dependente e por isso menor,
enquanto aos rasgos de originalidade faltava a maturação de um percurso mais
longo. Uma forma muito nacional de inferioridade foi menorizando o que se
apresentava como mais pessoal e interpretando como influências sofridas (de
Modigliani, de Brancusi, por exemplo) o que era cumplicidade e concorrência
criativa, ou mesmo influência exercida sobre outros.
Amadeo tivera uma presença notada entre os mais de 300 participantes, com mais
de 1600 obras, na «International Exhibition of Modern Art» que em 1913 começou
por se apresentar em Nova Iorque, com mais de 75 mil visitantes, no arsenal
(«armory») desocupado do 69.º Regimento de Infantaria - daí a designação
«Armory Show» por que ficou conhecida. Das oito obras que mostrou, sempre
bem colocadas em excelentes companhias, sete (seis telas e uma aguarela) foram
vendidas até ao fim da itinerância que continuou em Chicago e Boston, adaptada
em menores formatos. O nome do pintor português figurava em 30.º lugar na lista
de 36 artistas (entre mais de 300…) que o cartaz de Nova Iorque anunciava depois de Ingres, Delacroix, Manet, Degas, Cézanne, Renoir, etc, e antes (sem
ordem inteligível) de Gauguin, Archipenko e Bourdelle. Parte da projecção dada a
Amadeo (que incluiu a reprodução em postal de «Antes da Corrida», e também de
«Pêcheur» ou «Fisherman» / Pescador, este nunca mais localizado) resultava da
admiração que lhe votava o pintor e crítico norte-americano Walter Pach, agente
na Europa dos organizadores da mostra. A correspondência depois trocada com
Amadeo (até 1917) veio revelar novos projectos de exposição em Nova Iorque,
que a sua viúva, Lúcia, tentou concretizar ainda em 1921.
«Antes da Corrida» de 1912, comprado na América durante o «Armory Show» (1913),
redescoberto em 2006
Só em 1999 essa ambição de voltar a expor na América viria a concretizar-se com
«At the Edge. A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza Cardoso» (No Alvo.
Etc…), inaugurada em Washington na Carcoran Gallery of Art, e levada em 2000
ao Arts Club de Chicago e à AXA Gallery de Nova Iorque, com organização em
Lisboa do Gabinete de Relações Internacionais do Ministério da Cultura. Essa foi
certamente a mais importante das suas retrospectivas, pela projecção alcançada
junto da crítica norte-americana, e também a mais decisiva, pela reorientação dos
estudos sobre o período inicial da obra de Amadeo, que fora sempre o mais
incompreendido e desvalorizado pela crítica nacional, embora tenha sido o que lhe
assegurara o reconhecimento internacional.
Responsável pela iniciativa, Jack Cowart, director do Museu Corcoran, e Laura
Coyle levaram a cabo ou dinamizaram investigações modelares (também de
Kenneth E. Silver e Rosemary O’Neill) sobre as relações artísticas de Amadeo,
sobre as obras que expôs em vida e sobre a sua recepção pública e crítica. Para
além de poderem ter acesso aos espólios documentais conservados por Paolo
Ferreira e pela viúva do pintor, uma direcção de trabalho menos especulativa e
mais sustentada em fontes materiais fez reorientar o conhecimento do pintor
português. Internamente, a sua valorização muito tardia, a partir da década de 50,
e a posterior investigação ficara sempre prejudicada pelo relacionamento difícil
entre o pioneirismo crítico de José-Augusto França e a tutela do SNI, através de
Paolo Ferreira, sobre a obra e a documentação de Amadeo.
Com a dominante informação parisiense dos anos 50, quando se julgava o
abstraccionismo uma definitiva libertação ou fatalidade, os primeiros estudos sobre
Amadeo diminuíam o trabalho decisivo dos anos 1911 e 12, que lhe granjeara
notoriedade em Paris e no «Armory Show», como «um decorativismo fantasista e
literário, com castelos e figuras quase heráldicas», ou um «bizantinismo estilístico,
ligado a uma maneira do princípio do século». Falou-se demasiado em Arte Nova,
cerâmica persa e preciosismo oriental, como se Amadeo tivesse voltado as costas
às tendências e inovações do seu tempo. Muito pelo contrário, as obras desses
anos velozes, de 1910 a 1912, com os desenhos publicados em álbum (XX
Dessins, que continuaram a expor-se na Alemanha até 1913-14), como manuscrito
iluminado de «La Légende de Saint Julien L’Hospitalier», deixado inédito, os
quadros que vão do «Salto do Coelho» e «Os Galgos» a «O Príncipe e a Matilha»,
«Antes da Corrida» e «Cavaleiro», articulam informação da maior actualidade e
participam da inquieta busca de novos e diferentes caminhos, com uma muito
marcada individualidade criativa.
Numa das paredes do gabinete de trabalho de Helena de Freitas, a responsável
pela actual «operação» Amadeo, alinham-se fotografias que dão pela primeira vez
um pleno sentido a uma passagem de uma carta ao tio Francisco Cardoso, em
Manhufe, datável de 1910, de Bruxelas, onde passou três meses: «Passo os meus
dias com alguns pintores primitivos que são os meus ídolos. A eles devo parte da
grande evolução que tem atravessado o meu espírito (…) os góticos são a alma
intensa de uma religião elevada. (…) Não se faz uma obra de arte sem uma
grande emoção e ninguém como eles possui emoções mais intensas.»
São góticas as arquitecturas do «Castelo» (col. CAM) e da «Fortaleza» e «Marina
de Pont l’Abbé», de 1912 (col. Art Institut of Chicago), mas as suas fragmentações
espaciais que multiplicam os pontos de vista, os ritmos angulares ou as torções
esféricas dos volumes testemunham uma observação inteligente de processos
cubistas. Bem diferentes dos interiores góticos da catedral de Saint Séverin que
em 1909-10 tinham interessado a Robert Delaunay para analisar as relações entre
luz e arquitectura com uma disciplina cezanniana, as obras de Amadeo
distanciavam-se da modernização dos realismos (e em especial das superficiais
geometrizações das formas) com uma muito livre imaginação ficcional que algo
terá a ver com a conjunção dos mestres italianos (Benozzo Gozzoli, Uccello, etc.),
por vezes apropriados literalmente, e com a admiração por Henri Rousseau,
celebrado postumamente no Salão dos Independentes de 1911 entre duas
galerias de cubistas. Com as suas profundas diferenças, «Antes da Corrida» e
«Regresso da Caça» definem outras direcções de trabalho, apontadas para a
interrogação do movimento e da força emotiva da cor, sempre com a urgência que
Amadeo imprime à sua pintura.
Nos mesmo anos, a ligação a Modigliani e Brancusi é uma pista importante do
quadro das relações parisienses. Se em Portugal se falou da «influência de
Brancusi através de Modigliani», como se escrevia ainda em 1987, outra seria a
posição dos estudos sobre a obra do escultor romeno. No catálogo da sua
retrospectiva no Centro Pompidou em 1995 (e no Museu de Filadélfia no mesmo
ano), Friedrich Teja Bach veio propor a origem de algumas esculturas de Brancusi
em desenhos de Amadeo, com ilustrações em apoio da sua tese que estabelecem
o caminho desde o desenho «Le Bain des Sorcières» (do álbum XX Dessins) até à
escultura «La Sorcière» (1916-1924), tal como sucederia desde o desenho
«Mauresques» até «Princesse X», de 1915-16, através da redução progressiva de
pormenores das figuras - ao mesmo tempo que o autor faz uma contribuição
essencial sobre a noção de redução em Brancusi, distinguindo-a da busca da
«forma pura ou abstracta».
Outra contribuição estrangeira, que agora se publica no catálogo de «Diálogo de
Vanguardas», é a de Joachim Heusinger von Waldegg, orientada para a relações
de Amadeo com a Alemanha, com o expressionismo e em especial com o pintor
Otto Freundlich (1878-1943). Aí se abordam directamente as dificuldades de
relacionamento com a obra de Amadeo por ela não se integrar disciplinadamente em
qualquer das correntes definidas do modernismo (o que ainda em 2001 lhe valeria a
classificação de «camaleão de Amarante» num jornal alemão), ao mesmo tempo que se
percorre um quadro de referências diferente dos modelos formalistas dominantes, para o
qual, como diz J. von Waldegg, «a cor e forma não são apenas entendidas como valores
pictóricos, mas estão investidos de emoções e conteúdos».
Passado quase um século, a obra de Amadeo não está arrumada na história, continua a
ser iluminada por novas informações e oferecida a diferentes explorações. Com a
exposição que o situa entre os seus pares abre-se um caminho que irá prosseguir com a
publicação da fotobiografia e do catálogo «raisonné», contando com novas condições de
rigor e, espera-se, de contacto permanente com as suas obras.
Cronologia rápida
11-11-2006
1887 Amadeo Ferreira de Souza-Cardoso nasce a 14 de Novembro, em Manhufe,
freguesia de Mancelos, concelho de Amarante. O pai era um abastado proprietário
rural e viticultor. A infância (entre 12 irmãos) decorre entre a quinta de Manhufe e
as férias em Espinho.
1906 Depois de frequentar por alguns meses a Escola de Belas Artes de Lisboa,
parte para Paris a 14 de Novembro, com o projecto de estudar arquitectura. O
pintor Franciscso Smith acompanha-o na viagem. Instala-se no Boulevard
Montparnasse. Dedica-se ao desenho e à caricatura.
1908 Aluga um estúdio no nº 14 da Cité Falguière, morada de muitos outros
artistas estrangeiros e portugueses. Conhece Lucie Pecetto.
1909 Frequenta na Academia Vitti o curso do espanhol Anglada Camarasa, um
pintor original e então com larga fama internacional.
1910 Manifesta em carta ao tio Francisco Cardoso um grande entusiasmo pela
pintura dos Primitivos (os artistas góticos e primeiros renascentistas), que se
reflecte na sua obra.
1911 Expõe seis trabalhos no Salão dos Independentes, em Abril, e depois (no
Outono) realiza uma exposição no seu atelier, Rue du Colonel Combes, com o
amigo Amedeo Modigliani. Relaciona-se com Brancusi, Archipenko e talvez já com
o casal Delaunay.
1912 Publica o álbum XX Dessins e ilustra o manuscrito de La Légende..., de
Flaubert, durante uma estada na Bretanha. Expõe no Salão dos Independentes e
no Salão do Outono.
1913 Participa com êxito no «Armory Show» em Nova Iorque, Chicago e Boston;
sete obras são adquiridas e três delas vêm a ser reproduzidas em livro e doadas
ao Art Institut de Chicago. Expõe pinturas de uma nova orientação abstraccionista
no I Salão de Outono da Galeria Der Sturm em Berlim, por recomendação de
Robert Delaunay.
1914 A Guerra surpreende-o em Espanha (onde visitara Gaudí, em Barcelona) e
obriga-o a instalar-se em Manhufe, com Lúcia, depois de terem casado no Porto.
1915 Contactos e correspondência frequente com Robert e Sonia Delaunay, que
então residem em Vila do Conde e depois em Vigo. Projectos de «expositions
mouvantes», também com Eduardo Viana e Blaise Cendrars.
1916 Expõe em Novembro no Porto, no Salão Jardim Passos Manuel, 114 obras
sob o título «Abstraccionismo». E depois em Lisboa, na Liga Naval, no Palácio do
Calhariz, com um folheto-manifesto de Almada Negreiros. Publica o pequeno
álbum 12 Reprodutions. Entrevistas em «O Dia» e «Jornal de Coimbra».
1917 Duas obras são reproduzidas na revista «Portugal Futurista».
1918 Morre em Espinho, a 25 de Outubro, vítima da «pneumónica» ou «gripe
espanhola».
Amadeo - "Diálogos de Vanguarda"
EXPRESSO 11-11-2006
Operação Amadeo
A exposição «Diálogos de Vanguarda» coloca a breve obra de Amadeo, com
menos de uma década de duração efectiva (entre 1907 e 1918), em relação com a
de artistas que foram seus amigos mais ou menos próximos, e em geral com a de
contemporâneos com quem se podem encontrar afinidades de experiências ou
orientação. Além de obras dos portugueses Eduardo Viana e Almada Negreiros,
comparecem o seu professor Anglada Camarasa (um grande pintor espanhol que
deveria ser mais conhecido) e os amigos mais chegados como Modigliani e
Brancusi, os futuristas Boccioni, Severini, mais Archipenko, Ortíz de Zárate, Robert
e Sonia Delaunay, Otto Freundlich. Noutros casos vão sumariar-se pontos de
encontro e coincidências, ou interrogar-se possíveis influências e marcos
cronológicos, através de presenças cubistas parisienses como as de Picasso,
Gleizes, Metzinger e Gris ou Derain e Duchamp, de orientações expressionistas
germânicas como Macke, Gabriele Münter, Lyonel Feininger, Kokoschka, e de
diversos russos como Alexandra Exter, Jawlensky, Klioune, Puni, Malevitch,
Popova, Gontcharova e Tatlin.
O itinerário alarga-se a imagens documentais dos Primitivos italianos e ainda a
gravuras japonesas e máscaras africanas, no âmbito de um vasto inquérito sobre
o trabalho de Amadeo que será também, certamente, uma original síntese das
linhas de fractura de uma década de convulsões e intensa experimentação. No
total, deverão ser reunidas perto de 260 obras, com recurso a empréstimos
esperados das mais diversas proveniências.
Comissariada por Helena de Freitas, a mostra é o primeiro capítulo visível de uma
vasta operação que se desencadeou no ano 2001 com a criação da equipa
encarregada de publicar o catálogo «raisonné» da obra de Amadeo de SouzaCardoso. O projecto começou a ser considerado em 1995, após a edição do
catálogo sistemático de Vieira da Silva e ainda por José Sommer Ribeiro, primeiro
director do Centro de Arte Moderna, que esteve ligado às sucessivas aquisições
de obras de Amadeo para a Fundação Gulbenkian.
A preparação de um catálogo exaustivo e crítico deveria suceder-se à exposição
do centenário do nascimento do pintor, em 1987, e em especial à incorporação
das últimas obras e do espólio documental então ainda na posse da sua viúva, ao
mesmo tempo que com ele se procuraria asfixiar o mercado de obras que a
Amadeo eram falsamente atribuídas. Implicando um minucioso levantamento de
trabalhos referenciados e novas pesquisas das peças perdidas, bem como a
actualização de registos fotográficos e o cruzamento dos dados documentais, a
operação irá dar lugar à publicação no início de 2007 de um primeiro volume com
a fotobiografia do pintor, seguindo-se os tomos relativos à pintura e ao desenho,
até ao fim do próximo ano.
Entretanto, a exposição que se inaugura no dia 14, no centenário da partida de
Amadeo para Paris e no âmbito das comemorações do meio centenário da FG, é
acompanhada por um catálogo próprio e pelo lançamento da edição facsimilda
(em duas versões de diferentes preços) de um álbum manuscrito e desenhado
pelo pintor que se encontrava inédito desde 1912.
O catálogo anunciado em 2004
(Expresso Actual 28-02-2004)
Está prevista para 2006 a publicação do catálogo «raisonné» de Amadeo de
Souza-Cardoso, ao cabo de seis anos de trabalho de uma equipa criada no Centro
de Arte Moderna em 2001. Ficarão então inventariadas e estudadas - além de
reproduzidas - todas as obras entretanto localizadas, cujo número total, já
alargado pela descoberta de desenhos inéditos e outros trabalhos dispersos, não
deve ultrapassar as 500 peças.
Em 1987, por ocasião do centenário do nascimento do pintor, a Gulbenkian reunira
numa grande exposição cerca de 160 pinturas e cem aguarelas, desenhos e
caricaturas, procedendo-se a um primeiro levantamento exaustivo. Mais duas
centenas de outras obras, incluindo algumas pinturas, são actualmente
conhecidas, encontrando-se entre elas um quadro descoberto no Museu de Arte
de Michigan por efeito da antologia levada aos Estados Unidos em 1999. Trata-se
de uma das sete obras («Regresso da Caça») vendidas durante a famosa
exposição no Armory Show, em 1913, onde Amadeo foi um dos artistas em
destaque.
Maria Helena de Freitas, que coordena o projecto, refere que a análise do espólio
documental da viúva do pintor, Lúcia de Souza-Cardoso, recentemente doado ao
CAM, e de outras fontes, bem como o estudo científico e técnico das obras, já
facultou o acesso a dados biográficos totalmente desconhecidos e «revelações
surpreendentes» relativas ao processo de trabalho. Houve também «avanços muito
significativos» na datação de obras e na identificação de títulos originais, que
oportunamente o catálogo revelará.
Uma equipa de conservação e restauro (K4, de Vanda Coelho e Ana Isabel
Pereira) ocupa um espaço improvisado nas caves do CAM, por onde têm passado
obras de muitas colecções - também particulares - com vista à realização de
exames periciais que igualmente fornecem pistas de investigação. Para além da
reflectografia e por vezes da radiografia, é essencial conhecer os suportes e as
grades das telas, com a identificação das respectivas origens e a anotação
exaustiva de tudo o que aí se pode encontrar escrito: marcas de fabricantes,
títulos, anotações, etiquetas de exposições, etc.
A própria brevidade da obra de Amadeo (produzida ao longo de cerca de 12 anos,
de 1906 a 1918), bem como a sua concentração na posse de instituições (tendo a
Gulbenkian a colecção mais vasta), assegura a possibilidade de o catálogo
sistemático ser entendido como oportunidade para uma investigação aprofundada
sobre o pintor, que até agora foi sempre objecto de interpretações parcelares.
Entretanto, «tentar asfixiar o desenvolvimento do mercado de obras falsas» é
também uma das preocupações a que o catálogo virá dar resposta.
Lúcia fotografada por Amadeo FCG/BIBLIOTECA DE ARTES/ESPÓLIO ASC
Memória de Lúcia
Lúcia Pecetto Souza Cardoso (1890-1989) foi, em Paris, uma dedicada
guardiã da obra de Amadeo
(Expresso 11-11-2006)
Amadeo conheceu-a em 1908. Segundo contou Domingos Rebelo, foi Manuel
Jardim que referiu a Emmerico Nunes a «crèmerie» do Boulevard Montparnasse e
a filha da proprietária, «muito engraçada, que atende os clientes e fala também
português». «Olhe que é bonita, é tímida, e muito simpática». Tinha 17-18 anos.
Amadeo apareceu «com a sua indumentária exótica - chapéu à Masantini, capa à
espanhola, atirada sobre o ombro, deixando aparecer o veludo vermelho da gola;
calça à boca de sino, polainas claras sobre um sapato castanho, luvas brancas»,
segundo o mesmo testemunho. O encontro foi para a vida toda (mas muito
diferentes as duas vidas), primeiro ocultado da família conservadora de Manhufe,
e depois formalizado no Porto, quando o pintor ficou retido em Portugal no início
da Grande Guerra. As fotografias confirmam-lhe a beleza e as cartas que
Amadeo lhe escreveu durante as vindas a casa sugerem uma cumplicidade
inteligente.
Lucie Meynardi Pecetto nasceu em 23 de Julho de 1890, em Villeurbanne-Rhône
(Lyon), de origem italiana, e passara algum tempo no Brasil. Morreu em Paris em
1989, 23 de Março, com 98 anos, e veio a enterrar para o jazigo de Manhufe.
Dois anos depois da morte de Amadeo, regressou a Paris, onde tinham ficado
numerosas obras e para onde levou as dos últimos anos. Logo em 1921, voltou a
tentar a exposição em Nova Iorque que Amadeo ambicionava, e promoveu em
1925, em Paris, uma mostra antológica que teve algum eco crítico.
Parece que nos anos 20 trabalhou para a Sociedade de Propaganda de Portugal,
associação de promoção do turismo (não confundir SPP com SPN…), e António
Ferro, que instituirá o Prémio Souza Cardoso, arranjou-lhe um emprego na Casa
de Portugal, a partir de 1931 (esta virá depois a ser dirigida por Paolo Ferreira,
pintor-decorador do SNI).
Dedicada à defesa da obra do marido (talvez com a ajuda de uma pequena renda
da família; no fim com uma reforma mínima francesa), Lúcia recusava-se a
dispersar o acervo e aguardou o reconhecimento.
Vendeu um quadro escolhido por Jean Cassou para o Museu de Arte Moderna
(hoje Centro Pompidou) em 1958, após a retrospectiva organizada pelo referido
Paolo Ferreira na Casa de Portugal; mais cinco quadros para a Gulbenkian em
1965 e diversos outros já nos últimos anos de vida, com a doação do importante
espólio documental que também conservara.
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MONDRIAN. AMADEO – Da Paisagem à
Abstracção
Expresso 7 Julho 2001
"Encontro em Paris»
As carreiras iniciais de Mondrian e Amadeo através do tema da paisagem
MONDRIAN. AMADEO – Da Paisagem à Abstracção
Museu de Serralves (até 30 de Setembro)
Se Mondrian tivesse morrido na idade com que desapareceu Amadeo, não
saberíamos o seu nome. Com 30 anos em 1902, Pieter Cornelis Mondriaan era
um paisagista de Amsterdão que expunha na Sociedade S. Lucas. Só uma década
depois, ao mudar para Paris, nasceria Piet Mondrian. Parecia um desafio
inverosímil a junção de artistas de tão diferentes itinerários e produções
incomensuráveis, com lugares tão diversos na história (universal) do século XX se é que Amadeo já nela foi admitido, como certamente merece, apesar da
brevidade da obra.
O pretexto da parceria das capitais culturais, que poderia mal justificar o encontro
dos dois maiores pintores nacionais, fundamenta-se no argumento mais sólido da
sua pertença aos primeiros anos da Escola de Paris, entendida em sentido estrito
como a comunidade internacional que aí informalmente vivia a aceleração da
aventura da arte moderna.
As relações com o cubismo foram nos dois muito diversas, mas ambos intervieram
no decisivo processo de experimentação que dele tirou como consequência a
passagem à abstracção. Mondrian em definitivo, como uma inevitabilidade
apontada à transformação utópica do mundo e da arte, embora tenha continuado a
pintar sentidas composições florais e vistas rurais por conveniência económica e
algum gosto idiossincrático («Quinta em Divendrecht», de 1916?, é a obra mais
tardia da mostra). Amadeo explorou a abstracção radical em telas de 1913 que
não se incluem, mas sempre como uma direcção experimental entre outras, sem
entender a recusa dos referentes da representação como destino obrigado, em
nome da pureza pictural ou metafísica. A exposição segue-lhes o passo desde o
início das respectivas carreiras, mas só até 14, data de regresso às pátrias, sem
chegar, por isso, a ilustrar o Mondrian mais característico nem o último e mais
original Amadeo.
Dedicada ao tema da paisagem, que Serralves tomou por tópico principal da
programação do ano, dispõe em paralelo as obras dos dois artistas, através das
paredes opostas de quatro pequenas salas comunicantes, e a própria
configuração espacial da montagem sublinha a diversidade da formação e do ritmo
evolutivo de Mondrian e Amadeo. É um percurso com distintas velocidades, em
que se deixam bem patentes as diferenças individuais (a intensa emotividade que
a razão ordenará; a curiosidade vital e volúvel) e em que ficam implícitas as
circunstâncias de contexto das suas obras. No caso do holandês, a vinculação
tanto a uma sólida tradição regional do paisagismo como a um processo colectivo
de renovação, iniciado na Holanda logo na primeira década do século, enquanto
Amadeo vive uma aventura sem outras filiações nacionais que as que podiam
decorrer da morfologia da paisagem e da especificidade das cores e luzes do seu
Minho, mas em contacto directo, desde o início, com a pluralidade das direcções
simultaneamente ensaiadas na Babel parisiense.
A opção expositiva prescinde de acompanhar as obras com qualquer informação
textual, mesmo quando nos dá a conhecer os inesperados naturalismo e primeiro
modernismo de Mondrian, assim apontando a uma experiência de visualidade
«pura». É uma aposta legítima e bem ganha, mas no catálogo também não se
encontra qualquer enquadramento que guie o visitante desprevenido, o que já
parece menos aceitável, tanto mais que tem havido contributos recentes para que
se entenda melhor o itinerário do holandês. É o caso de recentes exposições do
Museu de Arte Moderna de Paris, como «La Beauté Exacte», de 1994, sobre o
século XX holandês («Mondrian: Les Années Préparatoires à 'De Stijl',
Particulièrement en Zélande», de Robert P. Welsh, é um ensaio de grande
oportunidade), «Le Fauvisme ou l'Épreuve du Feu», de 2000, ou «L'École de Paris
1909-1929, la Part de l'Autre», de 2001, em que também Amadeo esteve
representado. Entre nós, prevalece o hábito dos catálogos caros e pouco úteis,
mesmo quando ostentam o emblema comunitário do Programa Operacional da
Cultura.
De Mondrian assiste-se aos seus inícios naturalistas, desde 1898/1900, e a um
trajecto lento em que se acentua uma inclinação simbolista (por vezes a lembrar
António Carneiro) antes de se poder falar em vanguardismo. Este surge (por via
de Van Gogh, que foi reconhecido em Amsterdão em 1905) com a clarificação da
paleta e a iluminação dos amarelos solares numa mudança que é evidente a partir
de 1907 («Árvores à Beira do Gein"), logo acentuada pela pincelada divisionista
que separa as cores e faz vibrar a luz, onde se conjuga a informação do pósimpressionismo pontilhista e a influência que os «fauves» exerceram no grupo dos
«luministas» holandeses.
Até aí, Mondrian (Mondriaan, aliás) acompanhara um paisagismo que se revia na
grande tradição do século de oiro (a Escola de Haia) e dela se já distanciava pelo
exemplo da Escola de Barbizon.
Integrado num contexto nacional que se manteve alheio ao impressionismo,
Mondrian dialoga, depois, com a evolução modernista de Jan Toorop, Jacoba van
Heemskerck, Johan Thorn Prikker, Leo Gestel e Jan Sluijters, de que a mostra «
‘In the Rough’ - Imagens da Natureza Através dos Tempos na Colecção do Museu
Boijmans Van Beuningen», Roterdão (também vista no Museu de Serralves em
2001) trouxe alguns exemplos desgarrados. Só retrospectivamente se poderá
reconhecer a essas obras de Mondrian bem inseridas numa história regional, que
já era então aberta à informação internacional, uma dimensão pessoal de
excepção.
O interesse pelo cubismo, em 1911, é súbito e faz explodir, finalmente, a
individualidade genial de Mondrian, numa situação que fica documentada por três
telas onde se assiste à adopção de uma estratégia de construção do quadro como
uma grelha espacial a que aderem alguns traços representativos de massas de
árvores e pedaços de paisagem. Do mesmo passo evolutivo fazem parte estudos
de figura e duas naturezas mortas decisivas, com potes de gengibre, que a mostra
não podia incluir. Aliás, apesar de parecerem prometidas pelo título «Da Paisagem
à Abstracção», também não se incluem as primeiras composições radicalmente
abstractas de 1913 e 14, nomeadamente as surpreendentes telas ovais em que se
desvanece a configuração espacial própria da paisagem. Essa é uma opção
menos compreensível no programa da exposição, que nos deixa à beira da
mudança decisiva, sem dar o salto anunciado.
Algo de semelhante se passa com Amadeo, que surge sempre e só com
paisagens, algumas numa acentuada direcção abstracta, mas com reconhecível
origem no espaço natural observado.
Os dois pintores coincidiram em Paris só nos dois anos que
antecederam a I Guerra: Amadeo chegara em Novembro de 1906 e
ficou até Junho de 14; toda a sua formação é parisiense, mas os três
últimos anos de trabalho em Portugal, até à morte em 1918, não
deixariam de ser magnificamente produtivos. Mondrian partiu para
Paris em Dezembro de 1911, já consagrado como um dos principais
vanguardistas da Holanda, e a Guerra deixou-o retido em Amsterdão,
a partir de Julho de 14. Voltaria em 1918 para permanecer até 38,
transferindo-se nesse ano para Londres e em 40 para Nova Iorque
(morreu em 1944, com 72 anos).
É improvável que se tenham conhecido, porque, para além da diferença de idades,
Mondrian era uma figura reservada, que se manteve mais ou menos isolado entre
a colónia holandesa, ao contrário da abertura de Amadeo a múltiplos convívios.
Ambos participaram nos Salões dos Independentes de 1911 e 12, exposições sem
júri de admissão nem prémios, aonde afluíam jovens artistas e estrangeiros. A
edição de 11 foi a da aparição pública do cubismo, sem a presença de Picasso e
Braque, mas com um forte contingente dos que se chamariam depois os cubistas
de salão (Fauconnier, Gleizes, Metzinger, Lhote) e também Léger e Delaunay.
Mondrian tivera oportunidade de conhecer obras cubistas ainda em Amsterdão,
nesse mesmo ano, e à descoberta seguiu-se de imediato a adopção das suas
regras, radicalizando-as de um modo pessoal. Amadeo, que levava apenas cinco
anos de aprendizagem da pintura (em 1906 começara a frequentar as academias
livres de Montparnasse) relaciona-se mais lentamente com o cubismo, sem que
este se torne uma obediência escolar e única. As obras que expõe na edição de
1912 dos Independentes são as do seu período «gótico» («Os Galgos» e
«Paisagem com Pássaros»).
Em Setembro de 1913 ambos participam no primeiro Salão Alemão do Outono, em
Berlim, organizado pela Galeria Der Sturm. Mondrian com as primeiras pinturas de
título neutro e numerado, Amadeo com «Atleta» (só conhecido de fotografia) e os
quadros «A» e «G» (pág. 179 do catálogo), que o situavam também na linha
avançada de um tempo comum.
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Amadeo
em Nova
Iorque
Expresso, Cartaz de 01-07-2000
«At the Edge: a Portuguese Futurist -Amadeo de Souza Cardoso''
AXA Gallery», Manhattan
«Chateau-fort», de 1912, exposto no «Armory Show» e pertencente ao Art Institut
de Chicago
DEPOIS de ter sido exposto em Washington, na Corcoran Gallery, e no Arts Club
de Chicago, Amadeo de Souza-Cardoso está agora em Nova Iorque, até 16 de
Setembro, apresentado na Axa Gallery, da companhia de seguros do mesmo
nome. Não se tratando de um espaço museológico, mas é uma boa galeria de
exposições situada na 7ª Avenida, muito perto do Central Park, onde no mês de
Maio se podia ver a retrospectiva do pintor realista norte-americano Fairfield
Porter.
Intitulada «At the Edge: a Portuguese Futurist» - explorando como alvo, no título e
no respectivo grafismo, o pormenor de um disco, ou olho de boi, retirado do
quadro «Mucha", de 1915 -, é a primeira antologia de Amadeo nos Estados
Unidos, depois da sua bem recebida participação no histórico «Armory Show», em
1913, em Nova Iorque, com passagem posterior por Chicago e Boston. Três das
obras então expostas e incluídas na presente mostra vieram mais tarde a integrar
a colecção do Art Institut de Chicago, doadas por Arthur Jerome Eddy. São as
únicas peças que se encontram localizadas das sete (seis quadros e uma
aguarela) que vendeu durante a «International Exhibition of Modern Art», onde
esteve representado por oito obras e era um dos 35 artistas anunciados no
respectivo cartaz, em Nova Iorque, entre mais de 300 participantes.
A mostra foi preparada desde 1995 por Jack Cowart, ex-director do museu
Corcoran (agora à frente da Fundação Roy Lichtenstein), e por Laura Coyle,
conservadora da mesma instituição, com organização em Lisboa do Gabinete de
Relações Internacionais do Ministério da Cultura, e já deparou com uma
entusiástica recepção nas páginas do «New York Times».
Num extenso artigo publicado em 16 de Junho, com o título «A Dazzling Flash,
Reflected at Last Upon History» (um «flash» deslumbrante, vindo de longe na
história), Roberta Smith chama-lhe «an exciting show» e uma «retrospectiva caída
do céu», que acrescenta mais um nome à constelação «multinacional e
multicultural do modernismo». Afirma depois que as 49 obras expostas «revelam
um artista que impregnou quase tudo em que tocou com um inconfundível sentido
de intensidade emocional e formal», desde as obras de 1911 que reflectem a
atenção à estilização Arte Nova e ao «primitivismo» de Rousseau, até ao póscubismo de 1918, «à frente do seu tempo».
ART REVIEW; A Dazzling Flash, Reflected at Last
Upon History
By ROBERTA SMITH - JUNE 16, 2000
Modernism may or may not be over, but that hasn't kept historians from
adding names to its roster. With more and more names from more parts of
the world, it is at last being defined as a multinational, multicultural
phenomenon, which it always was.
One of the latest additions is the Portuguese painter Amedeo de Souza
Cardoso, who arrived in Paris in 1906 on his 19th birthday, drank the elixir
of the new and in a very short period produced a little newness of his own.
Souza Cardoso loved Paris and probably would have spent most of his life
there, but World War I began while he was on a visit home, and Portugal's
neutrality barred him from re-entering France. And his work might have
remained more visible if he had not died during the worldwide influenza
epidemic of 1918, a month shy of his 31st birthday and just two weeks
before the Armistice that would have allowed him to return to Paris.
But over the last few decades Souza Cardoso's achievement has gradually
resurfaced, first in Portugal, where he is by now something of a national
treasure, and then in the rest of Europe. Now it is being seen in the United
States in its first solo exhibition, a show of works borrowed primarily from
the Gulbenkian Museum in Lisbon and organized by the Corcoran Gallery
of Art in Washington and Portugal's Culture Ministry. By some serendipity of
scheduling, a New York stop has been added, at the AXA Gallery in
Manhattan, the space formerly known as the Equitable Gallery.
Both the show and its catalog (the first of Souza Cardoso's work to be
published in English) were overseen by Jack Cowart, formerly deputy
director and chief curator of the Corcoran, now executive director of the Roy
Lichtenstein Foundation. After opening there last fall, the show traveled to
the Arts Club in Chicago, a natural choice, as that city is the only place in
the United States where paintings by Souza Cardoso can be seen. The Art
Institute owns three, all from the bequest of Arthur Jerome Eddy, one of the
first American collectors of 20th-century art, who purchased them from the
1913 Armory Show. Two of the Chicago paintings are in this exhibition.
Continue reading the main story
It is an exciting show, exemplary of the dropped-from-the-sky genre of
retrospective. It has only 49 paintings and drawings, but it reveals an artist
who imbued nearly everything he touched with a distinct sense of emotional
and formal concentration.
The works reveal Souza Cardoso to be a master draftsman whose earlier
drawings imitate the sharp black and white of modern woodcuts and
elaborate the landscapes of his childhood into manic, revved-up patterns.
His later drawings are so hyper-refined, they suggest Ingres high on
Cubism.
But the show also introduces an artist who was equally gripped by painting
as a physical process, one whose last Cubist works, created in Portugal
during the war, are unusual for their robust color, solid visual structure,
compartmentalized space and extensive use of physical texture and
collage. Resplendent in the show's final gallery, these works don't present a
single object seen from multiple viewpoints in the manner of orthodox
Cubism. Instead they present a kind of cultural continuum that mixes
objects, abstract motifs, bits of Portuguese folk art and stenciled words and
numbers.
These works in particular earn Souza Cardoso a place among an array of
talented outsiders who journeyed from the margins to the heart of
modernism, took what they needed and combined it with elements that
reflected their own personal and cultural roots. His American counterparts
include Marsden Hartley, Gerald Murphy and Stuart Davis.
Souza Cardoso's story suggests a confident self-starter of the first order.
Photographs show that he had Picasso's dark Iberian looks, only more
handsome, and a similarly solid, energetic physique and combative attitude.
He almost invariably looks straight into the lens. In one photograph he
stands with his legs apart, like a young boxer. In another he poses with
friends, bare chested, a brocade bedspread across his lap, a crown of
flowers on his head. The group is supposed to be imitating Velasquez's
''Borrachos,'' but he looks like something straight out of Carravaggio.
In a third, his eyes smolder beneath the rim of a big, dark fedora while he
caresses a guitar. Not only did he know how to play, but according to a label
in the exhibition he also accompanied himself while singing fado songs for
friends in cafes. Occasionally he wore a magnificent Alentejo cape, possibly
the only one is Paris, which was worn in his country only by noblemen.
The son of wealthy vintners, Souza Cardoso grew up on the family estate in
Manhufe, near Armarante in northern Portugal. He showed an early talent
for drawing. After studying architecture in Lisbon he persuaded his parents
to send him to Paris. Within a year he had forsaken architecture for
painting, by far the livelier art of the moment. (Cezanne's paintings were
seen for the first time in the Salon d'Automne of 1907.) Over the next few
years he studied painting at the Academie Viti, submitted to what he
referred to as ''French artistic imperialism'' and ventured far beyond the
circle of Portuguese artists who had been his first companions in Paris.
He became friends with Brancusi, Archipenko, Diego Rivera, Apollinaire and
especially Modigliani, with whom he staged a joint exhibition in 1911. By
then Souza Cardoso had already shown his work in the Salon des
Independants. He would show there again in 1912 and 1914, as well as in
the Salon d'Automne.
The current show begins with works made in 1911; they reflect attention to
the stylization of Art Nouveau and the ''primitivism'' of Henri Rousseau. The
most striking work in the first gallery is ''Leap of the Rabbit,'' which depicts
the animal suspended over a cluster of tropical plants like a fish in an
aquarium. Everything about this painting conveys effortlessness and ease:
the lightly worked surface, the outlined flowers above, the odd little colored
discs below (early hints of the influence of Delaunay's Orphism) and other
touches of color, the rabbit's startled masklike face and the body-paint
patterns of its body.
Little else in Souza Cardoso's work is quite so relaxed. Nearly everything
seems packed, almost tightly wound, as if he was determined to get the
most out of every inch of available surface. His maniacally patterned
landscapes seem to presage Art Deco as much as they reflect the influence
of Art Nouveau. Sometimes they are the settings for exotic hunting scenes,
as in ''The Tiger''; sometimes for cavorting nudes that suggest an
awareness of Picasso's ''Demoiselles d'Avignon.''
Best of all is a drawing of an aristocratic couple standing in a garden. The
encroaching plant life elaborates the male of the species, who already
wears wildly checked jodhpurs, into a kind of peacock.
In the show's middle section, Souza Cardoso comes to grips with Cubism
and Futurism, usually buoyed by Delaunay's strong colors. At times Souza
Cardoso resurrects antiquated themes that evoke his Portuguese heritage,
depicting a cavalier and a prince mounted for the hunt in pale paintings that
look a little like tapestries.
But in ''Abstract Composition'' (1913), probably one of the earliest
completely nonrepresentational paintings of the 20th century, he reduces
the world to transparent spheres of radiant color. He then applies this
scheme to ''Don Quixote,'' a large 1914 painting in which the spheres
tumble and spin, curving down toward the strange red and black eyes and
masklike face of the patient steed Rocinante, who drinks water from a
stream.
In a small horizontal abstraction from 1913 Souza Cardoso flattens the
Cubist grid and extends it almost to the edges of the canvas, creating a
shadowy nocturnal space that he livens up with red and white.
It's not clear how he got from these Cubist variations to the commanding
works in the last gallery, with their carefully deployed planes of color, their
textural variety and their surprising additions, like the Johnsian stenciled
letters and little bits of mirror. Perhaps distance from his beloved Paris
actually helped, or he benefited from continued contact with the Delaunays,
who spent most of the war in Portugal.
But especially in works like ''Entrada'' and ''Painting,''
styles, spaces and objects seem to break down into a
kind of superbly controlled chaos held in suspension,
like the wall-eyed rabbits of Souza Cardoso's early
paintings and drawings. Call these last works postCubist. They show an artist working ahead of his time,
moving toward a future that he would never reach.
''At the Edge: A Portuguese Futurist -- Amadeo de Souza Cardoso'' is at the
AXA Gallery, 787 Seventh Avenue, at 51st Street, Manhattan, (212)
554-1704, through Sept. 16.
#
Amadeo de regresso à
América
Expresso Actual, 18-Set-1999
«At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de
Souza Cardoso», Corcoran Gallery, Washington
AMADEO de Souza Cardoso teve uma presença notada na exposição que em
1913 levou a arte moderna internacional aos Estados Unidos («The Armory
Show»), vendeu sete das oito obras que aí apresentou e, nos poucos anos que lhe
sobraram de vida, sempre tentou voltar a expor em Nova Iorque. É só agora que
se concretiza esse projecto americano, graças à antologia da sua obra que foi
inaugurada em Washington, na Corcoran Gallery of Art (patente até 28 de
Novembro), e que transitará depois para o Arts Club of Chicago (20 de Janeiro –
17 de Março). A mostra foi preparada desde 1995 por Jack Cowart, director do
museu Corcoram, e por Laura Coyle, conservadora da mesma instituição, com
organização em Lisboa do Gabinete de Relações Internacionais do Ministério de
Cultura. Intitulada «At the Edge – A Portuguese Futurist, Amadeo de Souza
Cardoso» (No Alvo – Um Futurista Português...), é a mais bem concebida das
exposições de Amadeo no estrangeiro e um contributo importante para o melhor
conhecimento da sua carreira, graças às investigações de autoria americana
publicadas no catálogo.
Em 1913, ele foi um dos 35 artistas anunciados no cartaz da «International
Exhibition of Modern Art», ao lado de Ingres, Delacroix, Manet, Degas, Cézanne,
Renoir, Monet, Seurat, Van Gogh, Lautrec, Gauguin e dos seus contemporâneos
Dufy, Braque, Brancusi, Archipenko, Gleizes, Duchamp-Villon, etc, em destaque
entre mais de 300 participantes e 1600 obras. A projecção dada a Amadeo, que se
prolongou na edição em postal do quadro «Avant la Corrida» (entretanto perdido),
várias reproduções e referências na imprensa, bem como nas vendas citadas,
resultava directamente da admiração que lhe votava o pintor e crítico americano
Walter Pach, que fora o agente na Europa dos organizadores do «Armory Show»,
Walt Kuhn e Arthur B. Davies.
No seu artigo do catálogo, «Amadeo and America», Laura Coyle refere que o
português foi «one of the hits of the show» e que «enquanto foi vivo obteve mais
êxito na América que no seu país ou em Paris», sem esconder, no entanto, que ele
viria mais tarde a ser «severamente julgado» pelo seu estilo «primariamente
decorativo» e «romântico pós-impressionista», apreciações feitas sem sentido
negativo por Arthur J. Eddy, que lhe adquirira três quadros. Essas mesmas telas,
hoje pertencentes ao Art Institute of Chicago e as únicas localizadas de entre as
seis (e uma aguarela) que ficaram na América, voltaram a ser expostas com a
colecção de A. J. Eddy em 1922 e 1931-32, e de novo em 1944 e 1963 em
mostras dedicadas à evocação do «Armory Show», enquanto a exposição «ParisNova Iorque», do Centro Pompidou, em 1977, também destacou a presença
americana de Amadeo.
Saut du Lapin, 1911, exposto e comprado no Armory Show (col. Art Institut of
Chicago)
Laura Coyle avança com informações sobre a localização dos seus quadros na
exposição de Nova Iorque, na mesma sala que Ingres, Gauguin, Signac, Puvis de
Chavannes, Redon, Segonzac e Mary Cassat, bem como durante a posterior
apresentação em Chicago, então na sala dos «cubistas», acrescentando dados
inéditos sobre a identidade dos coleccionadores que compraram as suas obras e
sobre as outras aquisições feitas por eles. A fortuna crítica de Amadeo na América
e os esforços de Walther Pach para voltar a expô-lo em Nova Iorque, revelados
em cartas do espólio de Paolo Ferreira, são outros tópicos de uma investigação
exemplar que vem pôr a nu as insuficiências dos estudos portugueses sobre o
pintor.
Outros textos de Kenneth E. Silver («Amadeo in the Tower of Babel») e Rosemary
O'Neill («Modernist Rendez-vous: Amadeo de Souza Cardoso and the
Delaunays») são dedicados à estadia e às relações parisienses do pintor de
Manhufe e, o segundo, à convivência com Robert e Sonia Delaunay, que
prosseguiria durante a permanência destes em Portugal, entre 1915 e 1917. A
«influência» de Amadeo sobre Brancusi, já antes sublinhada em recentes
retrospectivas do escultor romeno, o interesse pela pintura do Douanier Rousseau,
a contribuição de R. Delaunay para lhe abrir as relações alemãs (Herwarth Walden
e o Salão de Outono de «Der Sturm», em 1913) são outras pistas significativas.
O extenso catálogo editado em Lisboa inclui ainda um ensaio de José-Augusto
França, que foi consultor da exposição, outro de Pedro Lapa, com um cunho
teorético certamente deslocado, uma síntese biográfica de Joana Cunha Leal,
comentários de Rui Afonso Santos a todas as peças expostas e alguma
documentação (mas sem bibliografia, cronologia e lista de exposições). O design
gráfico de José Brandão e Paulo Falardo (Atelier B2) é por vezes excessivamente
«vistoso», com opções de duvidosa eficácia (reproduções sobre fundo negro,
excesso de pormenores recortados, etc), embora também tire bom partido de
alguns elementos iconográficos da obra de Amadeo.
Entretanto, é também a selecção das 53 obras expostas que distingue
positivamente esta antologia das que foram levadas a Pesaro em 88, a Bruxelas
durante a Europália'91 e a Madrid em 98. Condensada nos sete anos que vão de
1911 à insólita aguarela «Sagrado Coração de Jesus», de 1918, inicia-se com
«Saut du Lapin», do Museu de Chicago, e, entre pintura e desenho, inclui 13 obras
identificadas com o primeiro estilo de Amadeo, em que a elegância «arte nova» se
abre às referências primitivistas e depois futuristas. Sem procurar a ortodoxia
cubista, que nunca praticou, nem favorecer as dependências parisienses, esta é
uma escolha que começa a fazer justiça à originalidade da curta obra de Amadeo.
Sala 53 da «International Exhibition of Modern art, Chicago 1913
Redescoberta americana
Amadeo de volta à América (Balanço de 2000)
EXPRESSO/Cartaz de 30-12-2000
EM 1913, Amadeo de Souza-Cardoso teve uma presença notada entre os mais de
300 artistas incluídos na exposição que levou a arte moderna aos Estados Unidos
e que veio a ficar conhecida como «The Armory Show» por ter sido montada, em
Nova Iorque, no arsenal desocupado do 69º Regimento de Infantaria.
2000 foi o ano da sua redescoberta americana, graças a uma exposição
antológica que se inaugurou na Carcoran Gallery, de Washington, ainda em 1999,
foi depois apresentada no Art Club de Chicago e, por fim, em Nova Iorque, na AXA
Gallery, em mais uma escala acrescentada à digressão.
«Enquanto foi vivo obteve mais êxito na América do que no seu país ou em Paris»,
assegura Laura Coyle no respectivo catálogo. Em confronto com o acolhimento
mais que discreto das anteriores retrospectivas europeias, pode dizer-se que o
mesmo voltou a acontecer depois de morto. Para culminar a operação, foi
localizado no Museu de Michigan um quadro vendido em 1913 que era dado como
desaparecido.
O título do «Chicago Tribune» de 10 de Fevereiro anunciava: «Finalmente (at long
last), uma exposição individual do Modernismo de Cardoso». Na sua crítica, Alan
Artner destacou o quadro «Coty", de 1917, como a mais pessoal das pinturas de
Amadeo e como uma das obras mais impressionantes («striking») de toda a
pintura moderna, transcendendo as influências do cubismo e dos papéis colados
de Picasso e Braque num «frenético 'patchwork' de texturas e imagens sem
paralelo directo na arte desse período».
Numa página inteira da edição de fim-de-semana do «New York Times» (16 de
Junho) referia-se «Um flash deslumbrante, vindo da história longínqua», ilustrado
a toda a largura pelo quadro «Salto do Coelho», de 1911, outra das obras
vendidas no «Armory Show», depois doada ao Museu de Chicago. E a influente
Roberta Smith, que falava de «un exciting show», uma «retrospectiva caída do
céu», voltou à carga no dia seguinte num artigo intitulado «Acrescentando um
nome à lista do Modernismo».
No «The New York Observer» de 7 de Agosto, outro crítico de renome, Hilton
Kramer, e um título caloroso: «O cubista Amadeo regressa à cidade do Armory
Show». A lista poderia continuar.
Em 1913, Amadeo não se deslocou à América, mas, das oito obras que enviara,
sete (seis telas e uma aguarela) foram vendidas e não voltaram a Paris. Apoiado
pela admiração que lhe votava o pintor e crítico Walter Pach, agente na Europa
dos organizadores do «Armory Show», o seu nome foi um dos 35 anunciados no
cartaz de Nova Iorque, numa lista que se iniciava com Ingres, Delacroix, Degas,
Cézanne, Redon, Renoir, Monet, Seurat e Van Gogh... Depois, a I Guerra Mundial
e a morte aos 30 anos, vítima da «gripe espanhola», goraram projectos para expor
individualmente na América.
Intitulada «At the Edge: a Portuguese Futurist», explorando no título e no grafismo
o pormenor de um alvo (o disco ou olho de boi do quadro «Mucha", de 1915), a
antologia começou a ser preparada em 1995 por Jack Cowart, director do Museu
Corcoran, e por Laura Coyle, conservadora do mesmo museu, em colaboração
com o Gabinete de Relações Internacionais do Ministério da Cultura.
O interesse americano traduziu-se numa investigação aprofundada sobre a
participação de Amadeo no «Armory Show», reunindo dados inéditos sobre a
localização dos seus quadros nas diferentes montagens da exposição (que foi
levada também a Chicago e a Boston), bem como sobre a identidade dos
coleccionadores que lhe compraram as obras e sobre a respectiva fortuna crítica.
Para além das colaborações de José-Augusto França, Pedro Lapa e Rui Afonso
Santos, outros textos inovadores de autoria americana debruçam-se sobre as
múltiplas relações e influências internacionais do pintor.
Entre as razões da recepção favorável - e trata-se sem dúvida de um êxito
genuíno, em que não intervieram movimentações promocionais e de mercado (até
porque não há, infelizmente, obras disponíveis para entrarem em museus ou
colecções particulares) - poderá estar também o acerto da selecção das 53 obras
expostas, que se iniciou com 13 telas e desenhos do período da apresentação de
Amadeo na América e que, depois, não se enfeudou à perspectiva habitual que
procura associar o pintor à aprendizagem do cubismo escolar e a um ponto de
vista excessivamente parisiense.
(Entretanto, um outro episódio americano deve figurar no registo do ano: a
inclusão pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque de um trabalho de
René Bertholo na segunda parte de uma revisão da arte do século XX, ao
mesmo tempo que em Serralves se exibia a retrospectiva da sua obra.)
1. Paris, 1908.
2. 1909, no estúdio da Cité Falguière.
3. Em Paris, 1913.
4. Em Manhufe, em 1915 FCG/BIBLIOTECA DE ARTES/ESPÓLIO ASC
Manhufe, 1914-15 (?)
Última fotografia, 1818
Cabeça (c. 1913-1915)
óleo sobre cartão (Museu do Chiado)