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AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO

O livro trata das mudanças no mercado de trabalho e mudanças na atuação do Sistema Público de Emprego e outros programas de políticas publicas para o mercdo de trabalho. Publicado pelo IDT.

AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL ORGANIZADORES Amilton José Moretto Franco de Matos Júnior Macambira Maria Cristina Cacciamali AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL Fortaleza INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO 2018 © 2018 Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. CONSELHO EDITORIAL Antonio Lisboa Teles da Rosa (UFC) João Saboia (UFRJ) Liana Maria da Frota Carleial (UFPR) Marcelo Weishaupt Proni (UNICAMP) Sandra Maria dos Santos (UFC) REVISÃO Antonio Brandão de Macêdo NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA Rosana de Vasconcelos Sousa EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Léo de Oliveira Alves CAPA Ildembergue Leite T772 As transformações no mundo do trabalho e o Sistema Público de Emprego como instrumento de inclusão social / Organizado por Amilton José Moretto ... [et al.]. ― Fortaleza : Instituto de Desenvolvimento do Trabalho, 2018. 302 p. : il. ISBN 978-85-67936-04-8 1. Trabalho. 2. Emprego. 3. Mercado de trabalho. I. Moretto, Amilton José (Org.). II. Matos, Franco de (Org.). III. Macambira, Júnior (Org.). IV. Cacciamali, Maria Cristina (Org.). CDD - 331 SUMÁRIO Parte 1 Crise e transformações no mercado de trabalho Capítulo 1 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL .... 11 Marcio Pochmann Capítulo 2 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 ..................................................................... 29 Paulo Baltar, Eugenia Leone Capítulo 3 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 ................................................................................. 59 Clemente Ganz Lúcio, Fernando Murta Ferreira, Duca Patrícia Lino Costa Capítulo 4 “MODELO UBER”, AUTOEMPREENDEDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI: BREVES NOTAS SOBRE ALIENAÇÃO E AUTOALIENAÇÃO NO CAPITALISMO FLEXÍVEL .................................................... 79 Giovanni Alves Capítulo 5 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL ............................................................................ 99 Erle Mesquita Capítulo 6 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI ........................................................................... 123 Christiane Luci Bezerra Alves, Valéria Feitosa Pinheiro, Evânio Mascarenhas Paulo, Júnior Macambira Parte 2 Desafios do SINE e das políticas de mercado de trabalho frente às mudanças recentes Capítulo 7 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO .. 155 Maria Cristina Cacciamali, Maria de Fátima José-Silva Capítulo 8 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO .................................... 175 Márcio Alves Borges Capítulo 9 O SINE NO SÉCULO XXI – INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO ............................ 207 Amilton J. Moretto Capítulo 10 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE ....................... 227 André Gambier Campos Capítulo 11 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS .............................................................. 249 Nadya Araujo Guimarães, Priscila Pereira Faria Vieira Capítulo 12 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA ................................................................................ 283 Franco de Matos, Márcia de Albuquerque Rosalvos, Thaís Rozas Teixeira Parte 1 Crise e transformações no mercado de trabalho Capítulo 1 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL Marcio Pochmann1 1 INTRODUÇÃO Na passagem da primeira para a segunda metade da década de 2010, o Brasil assistiu à mais grave recessão desde a década de 1930. Entre o segundo trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2017, por exemplo, a evolução do índice do Produto Interno Bruto (PIB) acusou decréscimo de 26,9%, enquanto o índice da taxa de desemprego aumentou 80,7%, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Contas Nacionais e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. 1 Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Marcio Pochmann Gráfico 1 – Brasil - Evolução do índice do PIB e da taxa de desemprego trimestral (1º trimestre de 2012 = 100) 175 155 135 115 95 75 2012 2012 2012 2012 2013 2013 2013 2013 2014 2014 2014 2014 2015 2015 2015 2015 2016 2016 2016 2016 2017 2017 T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4 T1 T2 PIB Taxa de desemprego Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em dados do IBGE/Contas Nacionais e Pnad Contínua. Diante dessa circunstância gravíssima para a economia nacional, o presente estudo visa analisar o impacto da recessão sobre o comportamento geral do mercado de trabalho brasileiro. Inicialmente, apresentam-se, brevemente, os componentes responsáveis pela recessão entre 2014 e 2017. Na sequência, busca-se considerar os principais aspectos relacionados à evolução da ocupação, bem como da situação do desemprego nos 36 meses que compreendem o período entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2017. As informações estatísticas selecionadas e sistematizadas são originárias do IBGE/Contas Nacionais e Pnad Contínua. 2 A RECESSÃO A trajetória de desaceleração da economia brasileira no início da década de 2010 foi interrompida com os primeiros sinais de recessão constatados desde o ano de 2014. Do ponto de vista dos componentes 12 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL do PIB pelo lado da oferta, percebe-se que o setor secundário foi o mais importante responsável pela recessão. Entre o primeiro trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2017, o setor secundário caiu 12,9% e o terciário diminuiu 5,6%. Apesar de o setor primário registrar crescimento de 9,9% no mesmo período de tempo, o PIB declinou 7,5% no acumulado do período. Gráfico 2 – Brasil - Evolução dos índices que compõem o PIB pelo lado da oferta (1º trimestre de 2014 = 100) 110 105 100 95 90 85 2014.I 2014.II 2014.III 2014.IV 2015.I 2015.II 2015.III 2015.IV 2016.I 2016.II 2016.III 2016.IV 2017.I 2017.II Primário Secundário Terciário PIB Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em dados do IBGE/Contas Nacionais. No comportamento do PIB pelo lado da demanda, constata-se que o investimento (Formação Bruta de Capital Fixo) constituiu o principal responsável pela queda do nível geral de atividade da economia brasileira. No intervalo entre o primeiro trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2017, o investimento registrou queda significativa de 28,9%, concomitante com o declínio importante das importações em 24,4%. Para o mesmo período de tempo, o consumo das famílias registrou redução intermediária, acumulando diminuição de 7,4%, praticamente idêntico ao verificado no comportamento do PIB (-7,5%). O consumo do governo apresentou queda de 2,9%, menor entre os componentes da demanda agregada. 13 Marcio Pochmann Somente as exportações tiveram trajetória distinta. No segundo trimestre de 2017, por exemplo, as exportações registraram crescimento de 11,4% em relação ao primeiro trimestre de 2014. Gráfico 3 – Brasil - Evolução dos índices que compõe o PIB pelo lado da demanda (1º trimestre de 2014 = 100) 115 110 105 100 95 90 85 80 75 70 2014.I 2014.II 2014.III 2014.IV 2015.I 2015.II 2015.III 2015.IV 2016.I 2016.II 2016.III 2016.IV 2017.I 2017.II Consumo das Famílias Consumo do Governo Formação Bruta de Capital Fixo Exportação Importação Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em dados do IBGE/Contas Nacionais. Uma vez apresentado brevemente o panorama da evolução do PIB brasileiro, pode-se avançar para a análise da situação geral do mercado de trabalho. Por serem dependentes do nível de atividade econômica, as ocupações, rendimentos e desemprego sofreram impacto significativo da recessão desde o segundo trimestre de 2014, conforme se busca tratar a seguir. 3 IMPACTOS DA RECESSÃO NA OCUPAÇÃO A população brasileira aumentou em 4,4 milhões de pessoas entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2017. No mesmo 14 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL período constata-se também que 6,1 milhões de indivíduos ingressaram na População em Idade Ativa (PIA) (14 anos e mais), enquanto a População fora da Idade Ativa diminuiu em 1,7 milhão de pessoas. Tabela 1 – Brasil - Evolução da população segundo características selecionadas Itens 2º trimestre de 2º trimestre de 2014 (em milhão) 2017 (em milhão) Variação (em milhão) População total 202,0 (100 %) 206,4 (100%) 4,4 (2,2%) População em Idade não Ativa 40,3 (19,9%) 38,6 (18,7%) -1,7 (-4,2%) PIA 161,7 (80,1%) 167,8 (81,3%) 6,1 (3,8%) PIA fora da População Economicamente Ativa (PEA) 62,8 (31,1%) 64,1 (31,1%) 1,3 (2,1%) PEA 98,9 (49,0%) 103,7 (50,2%) 4,8 (4,8%) - PEA ocupada 92,1 (45,6%) 90,2 (43,7%) -1,9 (-2,1%) 6,8 (3,4%) 13,5 (6,5%) 6,7 (98,5%) - PEA desempregada Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. Dos que passaram a ter idade ativa (6,1 milhões), 4,8 milhões de pessoas (78,6% do total) constituíram a População Economicamente Ativa (PEA) e 1.3 milhão de indivíduos (21,4% do total) não ingressou na PEA. Como a PEA ocupada reduziu em 1,9 milhões de pessoas, o desemprego elevou-se em 6,7 milhões de pessoas (4,8 milhões de ingressantes na PEA mais 1,9 milhões do saldo do total da ocupação destruída). Em síntese, a quantidade de desempregados aumentou 98,5% e o total dos ocupados diminuiu 2,1% na comparação entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2017. A maior queda na ocupação ocorreu entre os trabalhadores familiares auxiliares (-18,5%). Na sequência, o emprego assalariado com carteira assinada, que registrou o saldo líquido de destruição de 3,6 milhões de postos de trabalho (-7,5%). 15 Marcio Pochmann Em compensação, as atividades laborais vinculadas à ocupação por conta própria cresceu em 1,4 milhão de novas vagas. Também o emprego assalariado sem carteira de trabalho assinada (informal) aumentou em 500 mil postos de trabalho e a ocupação de empregador cresceu também em 500 mil novas vagas. Com isso, constata-se que a subutilização da força de trabalho no Brasil elevou-se consideravelmente, passando de 15,7 milhões para 26,3 milhões de pessoas. No período considerado, o contingente de brasileiros na condição de desempregados, acrescido tanto daqueles ocupados com jornada de trabalho inferior a 40 horas semanais e que desejam trabalhar mais, como também da força de trabalho potencial, que não procura por ocupação, mas gostaria de trabalhar, aumentou em 67,5%. Tabela 2 – Brasil - Evolução da população segundo características selecionadas 2º trimestre de 2014 2º trimestre de 2017 PEA 98,9 (100%) 103,7 (100%) 4,8 (4,8%) PEA ocupada 92,1 (93,2%) 90,2 (87,0%) -1,9 (-2,1%) Empregador 3,7 (3,7%) 4,2 (4,6%) 0,5 (13,5%) Empregados 64,4 (65,1%) 61,3 (68,0%) -3,1 (-4,8%) - Com carteira assinada 47,8 (74,2%) 44,2 (72,1%) -3,6 (-7,5%) - Sem carteira assinada 16,6 (25,8%) 17,1 (27,9%) 0,5 (3,0%) Conta própria 21,1 (21,3%) 22,5 (24,9%) 1,4 (6,6%) Trabalho familiar 2,7 (2,7%) 2,2 (2,4%) -0,5 (-18,5%) Desempregado 6,8 (6,8%) 13,5 (13,0%) 6,7 (98,5%) Subutilização* 15,7 (14,9%) 26,3 (23,8%) 10,6 (67,5%) Itens Variação Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. Nota: *Soma dos desempregados com pessoas que trabalham menos de 40 horas semanais e desejam trabalhar mais, e força de trabalho potencial, que não procura por trabalho, mas gostaria de trabalhar. 16 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL Em relação aos ocupados, percebe-se que os indivíduos com Ensino Superior tiveram melhor desempenho. A ocupação aumentou em 2,8 milhões de pessoas no período da recessão. Também os ocupados com Ensino Médio registraram crescimento em 600 mil novos postos de trabalho, ao contrário dos trabalhadores com menor escolaridade. No caso dos trabalhadores sem instrução, por exemplo, houve a redução em 1,3 milhão de ocupações, ao passo que os brasileiros com Ensino Fundamental tiveram destruídas 4 milhões de vagas. Tabela 3 – Brasil - Evolução da ocupação segundo instrução 2º trimestre de 2014 (em milhão) 2º trimestre de 2017 (em milhão) Variação (em milhão) PEA ocupada 92,1 (100%) 90,2 (100%) -1,9 (-2,1%) Sem instrução 4,7 (5,1%) 3,4 (3,8%) -1,3 (-27,7%) Ensino Fundamental 33,4 (36,3%) 29,4 (32,6%) -4,0 (-12,0%) Ensino Médio 34,8 (37,8%) 35,4 (39,3%) 0,6 (1,7%) Ensino Superior 19,2 (20,8%) 22,0 (24,4%) 2,8 (14,6%) Itens Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. Entre os grandes setores de atividade econômica, percebe-se que a ocupação cresceu somente no setor terciário. No subsetor de alojamento e alimentação, por exemplo, o nível da ocupação aumentou em 21,4%, embora os segmentos de atividades financeiras e de comunicação e informação tenham apontado para o decréscimo de 900 mil vagas. Mas as maiores perdas na ocupação ocorreram no setor secundário. A indústria apresentou saldo líquido de destruição em 1,7 milhões de ocupações, enquanto na construção civil, o nível de postos de trabalho caiu em 800 vagas durante a recessão. Por fim, nota-se que o setor primário da economia, não obstante ter sido o único setor de atividade econômica com crescimento da pro17 Marcio Pochmann dução durante a recessão, também reduziu o nível de ocupação em 900 mil postos de trabalho. Com isso, o setor agropecuário registrou em 9,4% o total dos ocupados. Tabela 4 – Brasil - Evolução da ocupação, segundo o setor econômico Itens PEA Ocupada 2º trimestre de 2º trimestre de Variação 2014 (em milhão) 2017 (em milhão) (em milhão) 92,1 (100%) 90,2 (100%) -1,9 (-2,1%) Agropecuária 9,6 (10,4%) 8,7 (9,6%) -0,9 (-9,4%) Indústria geral 13,4 (14,5%) 11,7 (13,0%) -1,7 (-12,7%) Indústria de transformação 12,0 (13,0%) 10,5 (11,6%) -1,5 (-12,5%) Construção civil 7,6 (8,3%) 6,8 (7,5%) -0,8 (-10,5%) Comércio 17,2 (18,7%) 17,4 (19,3%) 0,2 (1,2%) Transporte 4,1 (4,5%) 4,6 (5,1%) 0,5 (12,2%) Alojamento e alimentação 4,2 (4,6%) 5,1 (5,6%) 0,9 (21,4%) Informação e atividades financeiras 10,7 (11,6%) 9,8 (10,9%) -0,9 (-8,4%) Administração Pública, Defesa e Seguridade 15,1 (16,4%) 15,5 (17,2%) 0,4 (2,6%) Outros serviços 4,2 (4,6%) 4,5 (5,0%) 0,3 (7,1%) Domésticos 6,0 (6,5%) 6,1 (6,8%) 0,1 (1,7%) Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. Ainda seguindo a descrição das principais características da ocupação durante a manifestação da recessão na economia nacional, observa-se que a ocupação entre os trabalhadores que se consideram brancos decaiu 8,5 vezes mais do que para aqueles que indicaram ao IBGE ser não brancos. Também no que se refere ao gênero do ocupado, registra-se que a ocupação masculina reduziu-se 8,5 vezes mais em relação à situação do trabalho feminino. Para os ocupados segundo a faixa etária, percebe-se que entre os 14 e 24 anos, a redução no nível de ocupação foi de 2,1 milhões de postos de trabalhos. No caso da faixa etária de 25 a 39 anos de idade, o nível de ocupação descaiu em 1,7 milhões de vagas. 18 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL Tabela 5 – Brasil - Evolução da ocupação, segundo características selecionadas PEA ocupada Branca Não Branca 2º trimestre de 2014 (em milhão) 92,1 (100%) 43,2 (46,9%) 48,9 (53,1%) 2º trimestre de 2017 (em milhão) 90,2 (100%) 41,5 (46,0%) 48,7 (54,0%) Variação (em milhão) -1,9 (-2,1%) -1,7 (-3,9%) -0,2 (-0,4%) Masculino 52,8 (57,3%) 51,1 (56,6%) -1,7 (-3,2%) Feminino 14 – 17 anos 18 – 24 anos 25 – 39 anos 40 – 59 anos 60 e mais Rendimento médio real Rendimento total real 39,3 (42,7%) 2,4 (2,6%) 12,7 (13,8%) 36,3 (39,4%) 34,7 (37,7%) 6,0 (6,5%) 39,1 (43,4%) 1,5 (1,7%) 11,5 (12,8%) 34,6 (38,4%) 35,8 (39,7%) 6,7 (7,4%) -0,2 (0,5%) -0,9 (-37,5%) -1,2 (-9,4%) -1,7 (-4,7%) 1,1 (3,2%) 0,7 (11,7%) R$ 2.101,00 R$ 2.104,00 R$ 3,00 (0,1%) R$ 187,1 milhão R$ 185,1 milhão R$ 2,0 bilhões(1,1%) Itens Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. Somente para as faixas etárias dos trabalhadores acima de 40 anos de idade houve saldo positivo na ocupação. No segmento de 40 a 59 anos, por exemplo, a ocupação cresceu em 1,1 milhão de vagas, enquanto para as pessoas com 60 anos e mais de idade, os postos de trabalho aumentaram em 700 mil novas ocupações. A degradação do mercado de trabalho durante a recessão transcorreu também em relação à evolução da massa de rendimentos dos ocupados, assim como no rendimento médio individual. Entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2017, a massa de rendimentos decaiu 1,1% (R$ 2,0 bilhões) em termos reais, enquanto o rendimento médio subiu 0,1% (R$ 3,00). 19 Marcio Pochmann Gráfico 4 – Brasil - Evolução do índice da subutilização da força de trabalho e do total dos rendimentos dos ocupados (1º Trimestre de 2014 = 100) Fonte: Elaborado pelo autor, baseado em dados do IBGE/Contas Nacionais e Pnad Contínua. Diante da queda da ocupação em 2,1% (1,9 milhões de vagas a menos) e aumento do desemprego, constatou-se simultaneamente a elevação do contingente de trabalhadores subutilizados, conforme a literatura especializada, a nova classe trabalhadora do precariado. 4 IMPACTOS DA RECESSÃO NO DESEMPREGO O crescimento do desemprego foi a principal marca da queda no nível de atividade econômica entre o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2017. Isso porque o total da ocupação foi reduzido em 2,1% e a força de trabalho aumentou em 4,8%. Assim, a taxa de subutilização da força de trabalho aumentou 59,7% (de 14,9% para 23,8%), enquanto a taxa de desemprego subiu 91,2% (de 6,8% para 13,0%). Da mesma forma que a evolução da ocupação se mostrou diferentes para os trabalhadores, o desemprego registrou comportamento desigual, segundo características pessoais. 20 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL O contingente de desempregados cresceu mais para os trabalhadores com Ensino Superior (122,2%), uma vez que 1,1 milhão de pessoas nessa faixa de escolaridade ingressaram na condição dos sem ocupação. Na sequência, os trabalhadores sem instrução, cujo aumento na quantidade de desempregados foi de 100% (200 mil pessoas). Tabela 6 – Brasil - Evolução da composição do desemprego, segundo instrução Itens 2º trimestre de 2º trimestre de 2014 (em milhão) 2017 (em milhão) Variação (em milhão) PEA desempregada 6,8 (100%) 13,5 (100%) 6,7 (98,5%) Sem instrução 0,2 (3,3%) 0,4 (3,1%) 0,2 (100%) Ensino Fundamental 2,3 (34,1%) 4,4 (32,5%) 2,1 (91,3%) Ensino Médio 3,4 (49,0%) 6,7 (49,6%) 3,3 (97,1%) Ensino Superior 0,9 (13,6%) 2,0 (14,8%) 1,1 (122,2%) Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. Os trabalhadores com Ensino Médio também foram fortemente afetados pelo desemprego, com elevação de 97,1%, equivalendo a 3,3 milhões de pessoas a mais como desempregados. As pessoas com Ensino Fundamental registraram aumento de 91,3% na quantidade do desemprego. Ao se considerar a evolução do desemprego conforme cor/raça, percebe-se que a maior expansão transcorreu para os trabalhadores não brancos (117,5%), ou seja, 4,7 milhões de pessoas que passaram à condição dos sem ocupação. A expansão do desemprego para trabalhadores brancos equivaleu a 2/5 do verificado entre as pessoas não brancas. Na comparação do desemprego segundo o gênero, o aumento foi relativamente próximo para homens (100,0 %) e mulheres (97,1%). Em termos absolutos, contudo, ele cresceu mais para as mulheres. Ainda em relação ao aumento na quantidade dos desempregados, nota-se o impacto diferenciado em relação à idade dos brasileiros. A maior expansão absoluta ocorreu na faixa etária de 25 a 39 anos de ida21 Marcio Pochmann de, com adicional de 2,2 milhões, seguida de 2 milhões no segmento de 18 a 24 anos. Ampliando-se a faixa etária para 14 a 24 anos de idade, nota-se que a quantidade de desempregados aumentou em 2,6 milhões, ou seja, quase 40% dos novos desempregados. Os trabalhadores de 14 a 39 anos de idade corresponderam a 71,5% do aumento total do número de desempregados no Brasil. Tabela 7 – Brasil - Evolução do desemprego, segundo características selecionadas 2º trimestre de 2014 (em milhão) 2º trimestre de 2017 (em milhão) Variação (em milhão) PEA desempregada 6,8 (100%) 13,5 (100%) 6,7 (98,5%) Branca 2,8 (41,1%) 4,8 (35,5%) 2,0 (71,4%) Não Branca 4,0 (58,9%) 8,7 (64,5%) 4,7 (117,5%) Masculino 3,3 (48,0%) 6,6 (49,2%) 3,3 (100,0%) Feminino 3,5 (52,0%) 6,9 (50,8%) 3,4 (97,1%) Itens 14 – 17 anos 0,6 (9,0%) 1,2 (8,5%) 0,6 (100,0%) 18 – 24 anos 2,3 (34,1%) 4,3 (32,0%) 2,0 (87,0%) 25 – 39 anos 2,5 (36,3%) 4,7 (35,1%) 2,2 (88,0%) 40 – 59 anos 1,3 (18,9%) 3,0 (22,0%) 1,7 (130,8%) 60 e mais 0,1 (1,7%) 0,3 (2,3%) 0,2 (200,0%) Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. Na análise da trajetória dos trabalhadores sem ocupação durante a recessão, pode-se verificar que a taxa de desemprego seguiu maior para os trabalhadores que se consideram não brancos (15,5%). Praticamente 50% maior o desemprego que para a das pessoas brancas. No caso da taxa de desempregados por gênero, percebe-se que ela reduziu a distância que separa homens e mulheres. Antes da recessão, a taxa de desemprego feminina (8,2%) era 41,4% superior a dos homens (5,8%), ao passo que no segundo trimestre de 2017 ela decaiu para 29,6%. 22 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL A evolução do comportamento na taxa de desemprego aponta a gravidade assumida para os segmentos com idade mais precoce. O desemprego atinge mais de 2/5 das pessoas de 14 a 17 anos, ao passo que na faixa de 60 anos e mais responde por 4,5%, praticamente 1/10. Na faixa de 18 a 24 anos, a taxa do desemprego subiu de 15,3% para 27,3%. Ou seja, a cada três jovens que se encontram no mercado de trabalho, um situou-se na condição de desempregado. Tabela 8 – Brasil - Evolução da taxa de desemprego segundo características selecionadas Itens PEA desempregada Branca Não Branca Masculino Feminino 14 – 17 anos 18 – 24 anos 25 – 39 anos 40 – 59 anos 60 e mais 2º trimestre de 2º trimestre de 2014 (em %) 2017 (em %) 6,8 13,0 5,5 10,3 8,2 15,5 5,8 11,5 8,2 14,9 20,9 43,0 15,3 27,3 6,3 12,0 3,6 7,6 1,9 4,5 Variação (em %) 91,2 87,3 89,0 98,3 81,7 105,7 78,4 90,5 111,1 136,8 Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. Do ponto de vista do território, o desemprego apresentou comportamento também diferenciado. Entre as cinco grandes regiões geográficas, a região Sul foi a que mais registrou elevação (104,9%), seguida da região Sudeste (97,1%), do Centro-Oeste (89,3%), Nordeste (79,5%) e Norte (73,6%), embora a maior taxa de desemprego esteja na região Nordeste (15,8%) e a menor na região Sul (8,4%). O estado com maior elevação na taxa de desemprego foi Santa Catarina (167,9%) e a menor elevação ocorreu na Paraíba (29,5%). Em contrapartida, o estado com mais alta taxa de desemprego foi Pernambuco (18,8%), e a mais baixa taxa de desemprego em Santa Catarina (7,5%). 23 Marcio Pochmann Das 27 unidades da federação, constata-se que o conjunto de 12 estados apresenta taxa de desemprego abaixo da média nacional (13,0%) e 15 estados, em contrapartida, acima. Por outro lado, 14 estados registraram crescimento na taxa de desemprego abaixo da média nacional (91,2%) e 13 estados apresentaram acima. Tabela 9 – Brasil - Evolução da taxa de desemprego no território (continua) Itens 2º trimestre de 2014 (em %) 2º trimestre de 2017 (em %) Variação (em %) Brasil 6,8 13,0 91,2 Norte 7,2 12,5 73,6 Acre 9,6 14,9 55,2 Amapá 9,9 17,1 72,7 Amazonas 8,3 15,5 86,7 Pará 7,7 11,4 48,1 Rondônia 4,1 8,9 110,7 Roraima 5,2 10,8 107,7 Tocantins 7,7 11,7 51,9 Nordeste 8,8 15,8 79,5 Alagoas 9,7 17,8 83,5 Bahia 10,1 17,5 73,3 Ceará 7,5 13,2 76,0 Maranhão 7,2 14,6 102,8 Paraíba 8,8 11,4 29,5 Pernambuco 7,9 18,8 138,0 Piauí 7,0 13,5 92,9 Rio Grande do Norte 11,5 15,6 35,6 Sergipe 9,6 14,1 46,9 Sudeste 6,9 13,6 97,1 Espírito Santo 6,5 13,4 206,2 Minas Gerais 6,8 12,2 79,4 São Paulo 7,0 13,5 92,9 Rio de Janeiro 6,4 15,6 143,7 24 RECESSÃO E MERCADO DO TRABALHO NO BRASIL Tabela 9 – Brasil - Evolução da taxa de desemprego no território (conclusão) Itens 2º trimestre de 2014 (em %) 2º trimestre de 2017 (em %) Variação (em %) Sul 4,1 8,4 104,9 Paraná 4,1 8,9 117,1 Rio Grande do Sul 4,9 8,4 71,4 Santa Catarina 2,8 7,5 167,9 Centro-Oeste 5,6 10,6 89,3 Distrito Federal 9,2 13,1 42,4 Goiás 5,4 11,0 102,7 Mato Grosso 3,9 8,6 120,1 Mato Grosso do Sul 3,9 8,9 128,2 Fonte: Elaborada pelo autor, baseado em dados do IBGE/Pnad Contínua. O comportamento desigual do desemprego no território nacional tende a expressar o impacto da recessão em função das distintas trajetórias dos componentes do PIB, tanto pelo lado da demanda como pelo lado da oferta. Nesse sentido, os trabalhadores em cada região do Brasil sofreram ações não homogêneas, que decorrem da mais grave queda no nível das atividades econômicas, verificado no país durante o segundo trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2017. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com as páginas anteriores, nota-se a profundidade com que a recessão atingiu a economia brasileira a partir de 2014. O setor secundário foi o principal responsável pela trajetória negativa da produção, enquanto o investimento e as importações registraram quedas mais acentuadas durante o período considerado. Em função disso, o mercado de trabalho expressou comportamento desfavorável, com redução no nível geral das ocupações e aumento no desemprego. Tanto a ocupação como o desemprego não atingiram equanimemente o conjunto dos trabalhadores. 25 Marcio Pochmann Enquanto os jovens apresentaram as maiores taxas de desemprego, a ocupação não declinou nos postos de menor escolaridade. Essas diferenças também marcaram a situação do mercado de trabalho, considerada do ponto de vista territorial, especialmente para determinados estados brasileiros. REFERÊNCIAS ALVES, José Eustáquio Diniz. Crise no mercado de trabalho, bônus demográfico e desempoderamento feminino. In: ITABORAI, Nathalie Reis; RICOLDI, Arlene Martinez (Org.). Até onde caminhou a revolução de gênero no Brasil?: implicações demográficas e questões sociais. Belo Horizonte: Abep, 2016. p. 21-44. Disponível em: <http://www.abep.org.br/publicacoes/index. php/ebook/issue/viewIssue/40/6>. Acesso em: 14 nov. 2017. BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global. São Paulo: Boitempo, 2017. BRASIL 2016: recessão e golpe. 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STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. 28 Capítulo 2 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-20161 Paulo Baltar2 Eugenia Leone2 1 INTRODUÇÃO A atividade da economia brasileira diminuiu fortemente em 2015 e em 2016. Desde meados dos anos 1930 ocorreram poucas quedas significativas do Produto Interno Bruto (PIB) anual no Brasil. Antes de 2015, o PIB diminuiu expressivamente em 1981, 1983 e 1990. O PIB não chegou a diminuir em 1999, apesar do forte impacto sobre a economia brasileira, provocado pelas crises da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998; em 2009, a queda do PIB foi muito pequena, apesar da enorme magnitude da crise global. Na recessão atual, o PIB diminuiu expressivamente em dois anos consecutivos. Este artigo examinará os efeitos dessa recessão sobre o mercado de trabalho, comparando os últimos trimestres de 2014 e 2016. O PIB do último trimestre de 2016 foi 7,3% menor do que o do último trimestre de 2014. Uma queda, dessa magnitude, na atividade econômica, abalou profundamente o mercado de trabalho, cujos indicadores tinham melhorado substancialmente desde 2004. Vários autores mostraram essa me1 Versão ampliada de Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET), realizado em Rio de Janeiro/RJ - Brasil, de 06 a 09 de setembro de 2017. A pesquisa contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 2 Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). Paulo Baltar Eugenia Leone lhora nos indicadores do mercado de trabalho entre 2004 e 2013 – ver entre outros, Medeiros (2015), Baltar (2014), Leone (2015), Baltar e Leone (2015). Assim, por exemplo, no último trimestre de 2013, a taxa de desemprego situou-se em 6,2% da População Economicamente Ativa (PEA), e o percentual de pessoas ocupadas com emprego assalariado em estabelecimento que realiza atividade econômica atingiu 63,1%, sendo que 77,6% desses empregados foram contratados em conformidade com as normas trabalhistas existentes – Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e Estatutos dos Servidores Públicos Municipal, Estadual e Federal. Apesar do avanço observado no mercado de trabalho entre 2004 e 2013, no último trimestre deste último ano 36,9% das pessoas ocupadas não tinham emprego assalariado em estabelecimento, sendo 23,2% trabalhadores por conta própria, 6,5% trabalhadores do serviço doméstico contratados por famílias, 4,1% empregadores (a maioria com poucos empregados) e 3% membros da família que trabalhavam sem remuneração para um trabalhador por conta própria. O propósito deste artigo é mostrar os efeitos negativos da recessão sobre o mercado de trabalho, destacando as mudanças na condição de atividade das pessoas, nas posições da ocupação e nos setores de atividade em que trabalham. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) trimestral e, como mencionado, se comparam os últimos trimestres de 2014 e 2016. O artigo é dividido em quatro partes, além desta introdução e da conclusão. A primeira parte caracteriza brevemente o desempenho da economia brasileira em 2015 e 2016, com dados das Contas Nacionais Trimestrais. A segunda parte trata da condição de atividade da população com 14 ou mais anos de idade, mostrando a rapidez com que aumentou a taxa de desemprego. A terceira parte analisa as mudanças na composição dos ocupados por posição na ocupação, verificando a magnitude dos recuos em relação aos avanços logrados em 2003-2013. Finalmente, na quarta parte são destacados os setores de atividade responsáveis pelas mudanças observadas na ocupação e na posição da ocupação das pessoas que continuavam a ter um trabalho. 30 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 2 DESEMPENHO DA ECONOMIA BRASILEIRA EM 2015 E 2016 O PIB trimestral, comparado ao do mesmo trimestre do ano anterior, vinha desacelerando fortemente ao longo de 2014 e começou a diminuir desde o primeiro trimestre de 2015, ampliando a magnitude proporcional da queda até o primeiro trimestre de 2016, quando atingiu 5,4%, suavizando desde então, progressivamente, a intensidade da diminuição, até que a queda foi interrompida no segundo trimestre de 2017 (TABELA 1). O PIB trimestral parou de diminuir no último trimestre de 2016, em um nível 7,3% menor do que o do mesmo trimestre de 2014. Observando a evolução por trimestre, dos componentes da demanda efetiva, também em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, verifica-se que o principal responsável pela queda do PIB em 2015 e 2016 foi a Formação Bruta de Capital (incluindo a variação de estoques). A queda na Formação Bruta de Capital começou no segundo trimestre de 2014 e a intensidade da diminuição foi aumentando, até atingir 17,3% no primeiro trimestre de 2016, suavizando o ritmo da queda, desde então, mas ainda diminuindo 3,7% no primeiro trimestre de 2017 e 5,1% no segundo trimestre de 2017. 31 Paulo Baltar Eugenia Leone Tabela 1 – Desempenho da atividade econômica na recessão 2015-2016 Ano 2014 2015 2016 2017 Ano 2014 2015 2016 2017 Ano 2014 2015 2016 2017 PIB Consumo das famílias 1º trim 2º trim 3º trim 4º trim 1º trim 2º trim 3º trim 4º trim 3,5 -1,8 -5,4 -0,4 1,5 -2,4 -4,5 0,0 0,8 -3,1 -4,0 - 0,5 -3,8 -3,6 - Consumo do governo 3,7 -1,2 -5,8 -1,9 2,7 -2,1 -5,3 -0,6 2,1 -3,0 -4,7 - 2,3 -3,9 -4,2 - Formação Bruta de Capital 1º trim 2º trim 3º trim 4º trim 1º trim 2º trim 3º trim 4º trim 1,9 0,0 -0,8 -1,3 1,5 -0,6 -0,6 -1,9 1,4 -0,9 -0,7 - 0,8 -1,1 -0,6 - 4,3 -9,8 -17,3 -3,7 Exportação -1,2 -11,1 -13,1 -5,1 -3,4 -12,4 -11,6 - -4,2 -13,9 -10,2 - Importação 1º trim 2º trim 3º trim 4º trim 1º trim 2º trim 3º trim 4º trim 3,2 3,6 12,7 1,9 1,3 6,0 7,9 2,2 2,4 4,4 5,2 - -1,1 6,3 1,9 - 0,5 -5,2 -21,5 9,8 -1,7 -8,2 -16,0 2,9 -0,8 -12,2 -13,1 - -1,9 -14,1 -10,3 - Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Contas Nacionais Trimestrais. Por causa de sua dimensão relativa em termos de demanda efetiva, a evolução do Consumo das Famílias foi também importante. Este vinha desacelerando em 2014 e passou a diminuir desde o primeiro trimestre de 2015, aumentando a intensidade da queda até o primeiro trimestre de 2016, quando atingiu 5,8%, ficando suavemente menos intenso nos restantes trimestres de 2016 e caindo 1,9% no primeiro trimestre de 2017 e somente 0,6% no segundo trimestre de 2017. Assim, a Formação Bruta de Capital e o Consumo das Famílias provocaram a intensa queda do PIB em 2015 e 2016. A diminuição do Consumo do Governo foi muito menor e o Comércio Exterior de Bens e Serviços foi favorável ao desempenho do PIB, ajudando para que a queda da atividade econômica não fosse ainda mais acentuada em 2015 32 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 e 2016. Porém, no último trimestre de 2016 e, principalmente, nos dois primeiros trimestres de 2017, a exportação líquida perdeu vigor como componente da demanda efetiva, com a queda no ritmo da exportação e a retomada da importação, medidas em moeda nacional. A volta da valorização do real explica em grande medida a perda de dinamismo da exportação líquida como fator de retomada da demanda efetiva. Comparando o último trimestre de 2016 com o de 2014, a Formação Bruta de Capital foi 22,6% menor e o Consumo das Famílias 7,9% menor, proporções maiores do que a do PIB que foi 7,3% menor. O Consumo do Governo foi apenas 1,7% menor e o Comércio Exterior foi positivo para a demanda efetiva, com Exportação 8,3% maior e Importação 22,9% menor. Em 2017, o PIB deixou de diminuir, mas a Formação Bruta de Capital continuou diminuindo, embora bem menos que nos trimestres anteriores, e o Consumo das Famílias apenas deixou de diminuir. O Consumo do Governo continuou diminuindo e em ritmo um pouco maior do que nos trimestres anteriores; a Exportação cresceu mais lentamente e a Importação voltou a aumentar. Assim, a interrupção da queda no Consumo das Famílias e a queda menos intensa da Formação Bruta de Capital foram fundamentais para interromper a queda na atividade econômica, enquanto o Comércio Exterior apenas contribuiu para evitar uma maior redução do PIB durante a recessão provocada pela Formação Bruta de Capital e pelo Consumo das Famílias. A questão das perspectivas para uma retomada da atividade da economia brasileira, e do papel de cada componente da demanda efetiva na eventualidade desta retomada, vai além do propósito deste artigo, preocupado em mostrar os efeitos da recessão de 2015 e 2016 sobre os indicadores do mercado de trabalho. Nessa perspectiva, o próximo item examina a evolução da condição de atividade da população com 14 ou mais anos de idade. 33 Paulo Baltar Eugenia Leone 3 CONDIÇÃO DE ATIVIDADE NA RECESSÃO A queda do PIB de 7,3% entre os últimos trimestres de 2014 e 2016 foi acompanhada de diminuição de somente 2,8% no número de pessoas ocupadas3 (TABELA 2). Na média de doze meses, ocorreu uma queda de 1,4% na população ocupada para uma redução de 3,7% do PIB, indicando uma elasticidade de emprego de 0,38, magnitude relativamente pequena, associada a uma sensível redução no valor agregado por pessoa ocupada (4,6% entre os últimos trimestres de 2014 e 2016). Tabela 2 – Variação percentual da População em Idade Ativa (PIA), População Economicamente Ativa (PEA), População Ocupada (PO) e Desempregados (D), entre os últimos trimestres de 2014 e 2016. Brasil, Nordeste e resto do país Brasil Nordeste Condição Variação de atividade Variação % Variação milhões milhões Variação % Resto do Brasil Variação milhões Variação % PIA 3.997 2,45 1.252 2,85 2.745 2,3 PEA 3.278 3,3 -117 -0,47 3.395 4,57 PO -2.613 -2,81 -1.626 -7,09 -987 -1,41 D 5.890 91,29 1.509 73,07 4.381 99,87 Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. Uma queda relativamente pequena da população ocupada, entretanto, foi acompanhada de forte aumento no número de pessoas desempregadas. O número de desempregados aumentou 91,3%, porque a PEA aumentou 3,3% entre os últimos trimestres de 2014 e 2016. A ampliação em 5,8 milhões de desempregados resultou de uma queda da população ocupada de 2,6 milhões e um aumento da PEA de 3,2 milhões. Ou seja, 55,6% do aumento do desemprego tem relação com 3 Sobre o desempenho da economia brasileira a partir de 2015, ver Belluzzo e Bastos (2015). 34 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 o aumento da PEA e os outros 44,4% estão relacionados com a diminuição da população ocupada. O número de desempregados quase dobrou, passando de 6,4 para 12,3 milhões de pessoas, elevando a taxa de desemprego de 6,5% para 12% entre os últimos trimestres de 2014 e 2016. Voltou-se ao patamar alcançado antes da melhora nos indicadores do mercado de trabalho, a partir de 2004. A recessão diminuiu o número de pessoas ocupadas e, como ainda é intenso o aumento da PEA no país, retrocedeu, em dois anos, todo o avanço de 10 anos na redução da taxa de desemprego. Esse efeito da recessão sobre o mercado de trabalho foi reforçado pela interrupção da queda na taxa de participação que vinha acontecendo desde o início dos anos 2000 e tinha ajudado na melhora dos indicadores do mercado de trabalho, especialmente durante a desaceleração do crescimento do PIB que se observou desde 2008, com as repercussões da crise global sobre a economia brasileira. O ritmo de crescimento da PEA voltou a ser maior do que o da PIA, fazendo com que a taxa de participação da população brasileira na atividade econômica do último trimestre de 2016 (61,4%) fosse maior do que a do último trimestre de 2014 (60,9%). Assim, uma queda na ocupação das pessoas relativamente pequena, para a forte diminuição no ritmo de atividade da economia, repercutiu intensamente no mercado de trabalho do país onde o crescimento da PEA, embora bem menor do que no passado, ainda é muito significativo. É preciso destacar, entretanto, que segundo os dados da Pnad os efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho foram muito diferentes nas regiões do país. O contraste é muito marcante entre o Nordeste e as demais regiões, especialmente o Sudeste, o Sul e o Centro-Oeste. É possível ilustrar a magnitude dessas diferenças, comparando a evolução da condição de atividade da PIA entre o Nordeste e o conjunto das demais regiões do país. A diminuição da população ocupada foi muito maior no Nordeste do que no restante do país. O número de pessoas ocupadas diminuiu 7,1% no Nordeste e somente 1,4% no restante do país. Em termos ab35 Paulo Baltar Eugenia Leone solutos, a diminuição do número de pessoas ocupadas no Nordeste foi maior do que a que se verificou no conjunto do restante do país, correspondendo a 62,2% da diminuição do número de pessoas ocupadas no total do país, sendo que em 2014, a PEA do Nordeste correspondia a 25,2% da PEA nacional. A intensidade da queda da ocupação não deixa dúvidas de que a recessão teve um impacto muito maior no mercado de trabalho nordestino do que no do restante do país (especialmente nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste). O fato de o mercado de trabalho do Nordeste ter sido mais afetado pela recessão não transparece tão claramente na evolução do número de desempregados, porque a intensidade do impacto da recessão sobre o Nordeste foi tão forte, que chegou a afetar a participação na atividade econômica da população nordestina. A Pnad informa que a PEA nordestina no último trimestre de 2016 foi menor do que no mesmo trimestre de 2014, sendo que a PIA do Nordeste cresce em ritmo superior ao da PIA do restante do país (TABELA 2). Assim, o aumento da taxa de participação nacional ocorreu no restante do país, passando de 62,4% para 63,7%; mas não no Nordeste, onde a taxa de participação diminuiu de 56,9% para 55%. Apesar da redução da PEA nordestina, a forte redução do número de pessoas ocupadas nessa região fez aumentar o número de desempregados em 73,1%. Já no restante do país, o intenso aumento da PEA fez com que o número de desempregados dobrasse com uma queda proporcional do número de pessoas ocupadas, bem menor do que a verificada no Nordeste. Assim, no Nordeste, o aumento do número de desempregados foi menor do que a queda do número de pessoas ocupadas, enquanto no restante do país 77,5% do aumento do número de desempregados correspondeu ao aumento da PEA; a redução do número de pessoas ocupadas correspondeu a somente 22,5% do aumento do número de desempregados. A taxa de desemprego aumentou mais no Nordeste do que no restante do país, mas a queda na taxa de ocupação mostra mais claramente 36 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 que a recessão impactou mais o mercado de trabalho do Nordeste do que o do restante do país (TABELA 3). A taxa de desemprego aumentou 6,1 pontos percentuais no Nordeste e 5,4 pontos percentuais no restante do país, enquanto a taxa de ocupação diminuiu 6,1 pontos percentuais no Nordeste, e somente 2,2 pontos no restante do país. Tabela 3 – Condição de atividade da população de 14 anos ou mais de idade nos últimos trimestres de 2014 e 2016. Brasil, Nordeste e resto do país Grandes Regiões Taxas de participação Taxas de desemprego Taxas de ocupação 2014 2016 2014 2016 2014 2016 Brasil 60,9 61,4 6,5 12,0 56,9 54,0 Nordeste 56,9 55,0 8,3 14,4 52,2 47,1 Resto do país 62,4 63,7 5,9 11,3 58,7 56,5 Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. A queda na taxa de participação no Nordeste ocorreu entre homens e entre mulheres, mas foi maior entre os homens de todas as idades (TABELA 4). Já no restante do país, a taxa de participação aumentou entre homens e entre mulheres, mas o aumento foi maior para as mulheres de todas as idades. O forte impacto da recessão no mercado de trabalho do Nordeste não permitiu que as famílias nordestinas aumentassem a participação na atividade econômica para suavizar a queda na renda familiar, enquanto no restante do país, especialmente no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste, foi menor o impacto da recessão no mercado de trabalho e as famílias puderam aumentar a participação na atividade econômica para suavizar a redução na renda familiar. Em síntese, a diminuição do PIB na recessão foi muito intensa, mas levou a uma diminuição da população ocupada no conjunto do país, que foi proporcionalmente pequena em relação à da queda do PIB. O desemprego na totalidade do país, entretanto, aumentou fortemente, porque ainda é expressiva a expansão da população ativa, tendo sido 37 Paulo Baltar Eugenia Leone reforçada por uma ampliação da taxa de participação na atividade econômica, principalmente das mulheres. Tabela 4 – Taxas de participação da população de 14 anos ou mais de idade nos últimos trimestres de 2014 e 2016. Nordeste e resto do país Nordeste Faixas de idade Homem Resto do país Mulher Homem Mulher 2014 2016 2014 2016 2014 2016 2014 2016 14-17 24,3 18,2 13,9 12,1 24,5 23,6 16,4 16,9 18-24 73,0 70,2 50,4 50,7 78,1 78,5 61,3 65,4 25-39 88,9 87,4 63,4 63,5 93,3 93,9 73,3 75,9 40-59 83,7 81,1 54,2 53,0 86,8 87,7 62,1 63,5 60 + 32,5 28,8 12,1 10,7 34,1 35,6 14,3 15,2 Total 69,5 66,8 45,5 44,5 73,2 74,0 52,5 54,3 Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. Os dados do mercado de trabalho em nível nacional, entretanto, escondem uma diferença regional muito forte dos efeitos da recessão. O Nordeste concentrou a queda da ocupação das pessoas, provocada pela redução da atividade econômica; o aumento da participação das pessoas na atividade econômica ocorreu somente no restante do país, especialmente no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste. Assim, a região Nordeste, que tinha sido especialmente favorecida pelo crescimento com inclusão social, verificado entre 2004 e 2014, foi das regiões a mais prejudicada pela diminuição da atividade econômica nos anos 2015 e 2016. 4 POSIÇÕES NA OCUPAÇÃO DURANTE A RECESSÃO Na totalidade do país, a diminuição do número de pessoas ocupadas, durante a recessão, foi relativamente pequena, em comparação com a diminuição do PIB. Contribuíram para esse resultado a ampliação nos 38 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 números de empregadores, de trabalhadores por conta própria e de trabalhadores no serviço doméstico remunerado, que ocorreu apesar da redução no ritmo de atividade da economia (TABELA 5). A redução do número de empregados em estabelecimento que realiza atividade econômica, principalmente do setor privado, foi a principal manifestação da recessão no mercado de trabalho no conjunto do país. O número total de pessoas ocupadas com outra posição na ocupação (empregador, trabalhador por conta própria, não remunerado e trabalhador remunerado no serviço doméstico) aumentou ligeiramente, apesar da significativa ampliação do número de pequenos empregadores, do emprego domestico remunerado e do trabalho por conta própria por causa da continuação e, até da intensificação, da diminuição dos não remunerados que auxiliam negócios próprios de familiares, fato que vinha ocorrendo anteriormente, em momento de crescimento da economia. Tabela 5 – Evolução da população ocupada por posição na ocupação entre os últimos trimestres de 2014 e 2016. Brasil, Nordeste e resto do país Total ocupados Empregado Empregado S. Privado Empregado S. Público Trabalhador doméstico Empregador Brasil Nordeste Resto do país Variação Variação Variação 2014 2014 2014 % % % 100,0 -2,81 100,0 -7,09 100,0 -1,41 63,1 -4,82 56,7 -8,00 65,1 -3,92 50,6 -5,25 42,9 -7,66 53,1 -4,62 12,5 -3,08 13,8 -9,04 12,0 -0,82 6,4 2,12 6,5 2,13 6,4 3,55 4,3 5,20 3,0 5,35 4,7 5,17 Conta-própria 23,4 1,67 29,7 -5,35 21,4 4,87 Trabalho familiar auxiliar 2,8 -18,68 4,1 -24,25 2,4 -15,52 Posição na ocupação Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. Como destacado no item anterior, o panorama nacional dos efeitos da recessão no mercado de trabalho reflete o ocorrido no Sudeste, Sul e Centro Oeste do país e oculta o contraste marcante entre o que 39 Paulo Baltar Eugenia Leone aconteceu nessas regiões e o verificado no Nordeste. A ocupação das pessoas diminuiu muito mais no Nordeste do que no restante do país, onde a queda do número de pessoas ocupadas correspondeu à metade do ritmo verificado no conjunto do país, enquanto no Nordeste essa queda ocorreu em ritmo duas vezes e meia maior do que na totalidade do país. As diferenças na evolução das pessoas ocupadas por posição na ocupação entre Nordeste e o restante do país ilustra detalhes importantes do impacto maior da recessão no mercado de trabalho do Nordeste, comparativamente ao resto do país. O emprego assalariado em estabelecimento que realiza atividade econômica diminuiu muito mais no Nordeste (8%) do que no restante do país (3,9%); e a diferença foi bem maior no emprego do setor público do que no do setor privado. O emprego de estabelecimento, no entanto, tem uma participação na ocupação total das pessoas que é bem maior no restante do país (65,1%) do que no Nordeste (56,7%); essa diferença é especialmente grande no que diz respeito ao emprego do setor privado (42,9% da ocupação total no Nordeste e 53,1% no restante do país). A maior diminuição do número de pessoas ocupadas no Nordeste tem então a ver com a forte redução do emprego do setor público nessa região. Além disso, a queda no trabalho familiar auxiliar foi mais intensa no Nordeste do que no restante do país: houve diminuição do trabalho por conta própria e do trabalho doméstico remunerado no Nordeste enquanto se verificaram ampliação dessas últimas posições na ocupação no restante do país. Não obstante, mesmo no Nordeste, o principal responsável pela queda na ocupação total das pessoas durante a recessão foi o emprego do setor privado, devido à sua maior participação na ocupação total das pessoas, comparativamente às demais posições na ocupação. Na hipótese de constância do número de pessoas nas demais posições na ocupação, a diminuição do emprego no setor privado implicaria queda na ocupação total um pouco maior no Nordeste (3,3%) do que no restante do país (2,5%), apesar da menor participação desse tipo de emprego na 40 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 ocupação total do Nordeste, comparativamente ao conjunto das demais regiões. A diferença realmente observada foi bem maior, principalmente por causa da evolução diferente do trabalho por conta própria, do emprego do setor público e do trabalho doméstico remunerado. O emprego do setor público caiu muito pouco no restante do país e sua redução no Nordeste foi proporcionalmente mais intensa do que a do emprego do setor privado nessa região. Já o número de pessoas com trabalho por conta própria e trabalho doméstico remunerado, como mencionado, diminuíram no Nordeste e aumentaram no restante do país. As quedas do emprego nos setores público e privado no conjunto do país ocorreram com pequenas alterações no grau de formalidade dos contratos de trabalho que diminuiu de 77,7% para 76,4% no emprego do setor privado e aumentou de 80,1% para 81,9% no emprego do setor público. No conjunto do emprego de estabelecimento, o grau de formalidade dos contratos de trabalho caiu de 78,1% para 77,5%. No setor privado o número de empregados sem carteira foi praticamente o mesmo nos últimos trimestres de 2014 e 2016 (aumentou somente 0,3%) enquanto a queda no emprego do setor privado com carteira de trabalho foi de 6,9%, muito parecida com a diminuição proporcional do PIB nacional (TABELA 6). Já no setor público, refletindo a queda relativamente pequena do consumo do governo e os efeitos das peculiaridades dos contratos de trabalho do setor público sobre a maneira de adaptar o quadro de pessoal em um momento de restrição de suas atividades, foram intensas as quedas no emprego com carteira (17%) e no emprego sem carteira (11,5%), tendo aumentado, entre os últimos trimestres de 2014 e 2016, o número de funcionários públicos estatutários e militares (1,8%). Finalmente, na ampliação do trabalho no serviço doméstico remunerado, ocorrida no conjunto do país, predominaram contratos sem carteira de trabalho, mas a diminuição do grau de formalização das empregadas domésticas foi também relativamente pequena, passando de 32,1% para 31,9%. 41 Paulo Baltar Eugenia Leone Tabela 6 – Grau de formalidade do emprego nos setores público e privado e no trabalho doméstico remunerado nos últimos trimestres de 2014 e 2016. Brasil, Nordeste e resto do país Brasil Posição na ocupação Nordeste Resto do país Variação Variação Variação 2014 2014 % % % 77,7 -6,85 63,4 -10,31 81,5 -6,14 22,3 0,30 36,6 -3,07 18,5 2,06 2014 Emprego S. Privado c/ cart. Emprego S. Privado s/cart. Emprego S. Público Estutário e Militares Emprego S. Público c/ cart. Emprego S. Público s/cart. Trab. Doméstico c/cart. Trab. Doméstico s/cart. 68,2 1,80 61,6 -2,36 70,7 3,16 11,9 19,9 32,1 -16,96 -11,47 1,29 9,4 29,0 19,7 -17,25 -20,58 0,25 12,9 16,4 36,3 -16,89 -5,42 1,48 67,9 2,52 80,3 -2,72 63,7 4,73 Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. A evolução do grau de formalidade dos contratos de trabalho assalariado no Nordeste também foi muito diferente do verificado no restante do país. Assim, a queda mais intensa do emprego no setor privado nordestino ocorreu com uma diminuição mais intensa do grau de formalidade dos contratos, mesmo que o emprego sem carteira tenha aumentado no setor privado do restante do país (2,1%) e diminuído no Nordeste (3,1%). A proporção de empregos com carteira no setor privado nordestino diminuiu de 63,4% para 61,5% (1,9 pontos percentuais) enquanto no restante do país a diminuição foi de 81,5% para 80,2% (1,3 pontos percentuais). A diminuição do emprego com carteira do setor privado foi de 10,3% no Nordeste e 6,1% no restante do país. A imensa queda do emprego no setor público nordestino foi acompanhada de aumento no grau de formalidade dos contratos de trabalho, pois a proporção de estatutários, militares e celetistas aumentou de 71% para 74,7% (3,7 pontos percentuais) enquanto no restante do país uma queda muito pequena do emprego no setor público foi acompanhada de aumento muito menor no grau de formalidade dos contratos, pois a proporção de estatutários, militares e celetistas aumentou de 83,6% 42 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 para 84,3% (0,7 pontos percentuais). Traduzindo a forma peculiar de ajustamento do emprego do setor público, a redução do emprego celetista foi igualmente forte no Nordeste e no restante do país, mas a queda de 9% no emprego do setor público nordestino provocou queda ainda mais intensa do emprego sem carteira, e os próprios estatutários e militares diminuíram nessa região, com a recessão, enquanto no restante do país a diminuição do emprego do setor público foi de somente 0,8% com queda muito menor que no Nordeste, do emprego sem carteira e aumento do número de estatutários e militares. Finalmente, a queda do emprego no serviço doméstico remunerado nordestino foi exclusivamente do trabalho doméstico sem carteira, enquanto no restante do país o aumento do emprego no serviço doméstico remunerado foi mais intenso no trabalho doméstico sem carteira do que no trabalho doméstico com carteira, de modo que o grau de formalidade do trabalho doméstico aumentou ligeiramente no Nordeste, de 19,7% para 20,2% e diminuiu no restante do país, de 36,3% para 35,5%. Em síntese, a recessão provocou efeitos negativos particularmente fortes no emprego formal do setor privado que, no conjunto do país, diminuiu em proporção parecida com a queda do PIB. Na totalidade do país, o emprego sem carteira do setor privado não chegou a diminuir e no setor público os contratos, com e sem carteira de trabalho, tiveram forte redução, mas a ampliação do número de estatutários e militares impediu uma maior redução do emprego no setor público. Este panorama nacional dos efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho, entretanto, oculta uma profunda diferença entre o Nordeste e as demais regiões do país, especialmente Sudeste, Sul e Centro-Oeste. A queda do emprego formal do setor privado nordestino foi muito maior do que a do restante do país, os empregos sem carteira do setor privado e do serviço doméstico remunerado caíram no Nordeste e aumentaram no restante do país; a queda do emprego do setor público nordestino foi ainda maior do que a do setor privado, ao contrário do restante do país em que foi muito pequena a queda do emprego do setor público. 43 Paulo Baltar Eugenia Leone Fora do emprego assalariado, houve aumento dos pequenos empregadores e dos trabalhadores por conta própria no conjunto do país, mas foi parcialmente compensado pela diminuição muito expressiva do trabalho familiar não remunerado em auxilio de negócios por conta própria. A pequena ampliação das oportunidades ocupacionais, fora do emprego assalariado, foi consequência do aumento do número de pequenos empregadores e do trabalho por conta própria. Essa ampliação de oportunidades de ocupação correspondeu a uma fração pequena da redução do emprego assalariado e verificou-se no restante do país, mas não no Nordeste, onde a redução do trabalho por conta própria mais do que compensou o aumento do número de pequenos empregadores, sendo proporcionalmente maior a redução do trabalho familiar auxiliar. Desse modo, o fato de a diminuição das oportunidades para ocupar as pessoas ter sido relativamente pequena, comparada à intensidade da diminuição do PIB, verificada no conjunto do país, reflete o que aconteceu nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, onde a intensa redução do emprego formal do setor privado foi parcialmente compensada pelos aumentos do emprego sem carteira do setor privado, do emprego doméstico remunerado, do trabalho por conta própria e do número de pequenos empregadores, enquanto o emprego do setor público teve pequena redução. A região Nordeste foi a mais prejudicada pela recessão, com quedas bem maiores do emprego formal do setor privado e do emprego do setor público, sem efeitos compensatórios do emprego sem carteira do setor privado, emprego doméstico remunerado e trabalho por conta própria, que também diminuíram no Nordeste durante a recessão. Numa tentativa de avançar no entendimento das razões pelas quais no conjunto do país a diminuição das oportunidades para ocupar as pessoas ter sido relativamente pequena, comparada com a intensidade da diminuição do PIB e o contraste dos efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho do Nordeste e do restante do país, o próximo item apresenta a evolução setorial do emprego do setor privado, do trabalho por conta própria e do número de empregadores. 44 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 5 EMPREGADOS NO SETOR PRIVADO, TRABALHADORES POR CONTA PRÓPRIA E EMPREGADORES POR SETOR DE ATIVIDADE DA ECONOMIA 5.1 Emprego no setor privado por atividade da economia Na totalidade do país, a diminuição do emprego no setor privado foi expressiva na recessão, mas houve ampliação desse tipo de emprego em três atividades da economia: transporte, armazenagem e correios; educação, saúde, serviços sociais e agricultura (TABELA 7). Esse aumento do emprego do setor privado compensou só parcialmente a intensa redução no setor industrial (extrativa mineral, transformação e serviços de utilidade pública), nos serviços de apoio à empresa (informação, comunicação, atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas) e na construção civil. No conjunto do país, a redução do emprego no setor privado não aconteceu em alojamento e alimentação, e foi pequena em comércio e reparação, e mesmo em outros serviços (serviços pessoais e comunitários). 45 Paulo Baltar Eugenia Leone Tabela 7 – Emprego no setor privado por setor de atividade nos últimos trimestres de 2014 e 2016. Brasil, Nordeste e resto do país Agricultura Indústria Construção Comércio Transporte Aloj. e alim. Serv. Empresas Educação e Saúde Outros Serv. Mal definidos Brasil Variação 2014 % 6,8 5,96 21,9 -17,87 7,8 -11,15 23,5 -1,40 5,3 9,02 5,7 0,68 16,7 -8,97 8,3 7,23 3,7 -3,80 0,3 -5,99 Nordeste Variação 2014 % 11,1 5,25 16,1 -20,86 10,8 -17,28 25,6 -4,64 4,2 1,56 6,3 -6,32 13,5 -10,56 8,2 4,80 3,9 -12,70 0,3 16,14 Resto do país Variação 2014 % 5,7 6,33 23,4 -17,33 7,0 -8,63 23,0 -0,45 5,5 10,5 5,5 2,81 17,5 -8,64 8,3 7,87 3,7 -1,32 0,3 -10,81 Total 100,0 100,0 100,0 Setor de atividade -5,25 -7,66 -4,62 Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. A queda do emprego no setor privado foi muito maior no Nordeste (7,7%) do que no restante do país (4,6%). Isto porque as diminuições do emprego em setores como construção civil, indústria e serviços para empresas foram ainda maiores no Nordeste que no restante do Brasil, ao mesmo tempo em que os aumentos em transporte, armazenagem e correios e em educação, saúde e serviços sociais foram menores no Nordeste que no restante do país. Além disso, ocorreram quedas expressivas do emprego no Nordeste em comércio, reparação e em outros serviços, tendo sido muito pequenas as reduções de emprego nesses setores, no restante do país. Finalmente, em alojamento e alimentação, o emprego caiu significativamente no Nordeste e aumentou no conjunto das outras regiões. Ou seja, a evolução do emprego do setor privado mostra que a recessão atingiu mais fortemente o Nordeste nas atividades mais sensíveis à retração da economia nacional e isto prejudicou outras atividades lo46 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 calizadas no Nordeste, cujo emprego do setor privado é menos sensível à retração na atividade da economia nacional, vinculando-se ao ritmo econômico da localidade ou da região. A queda do emprego formal do setor privado na totalidade do país foi bem maior do que a diminuição do total do emprego do setor privado (6,9% e 5,3%, respectivamente). Houve uma pequena ampliação do emprego sem carteira de trabalho (0,3%), mas a diminuição do grau de formalidade dos contratos de trabalho do emprego no setor privado deve-se principalmente à intensa redução do emprego formal. A diminuição do grau de formalidade atingiu praticamente todo tipo de atividade (salvo transporte, armazenagem e correios e educação, saúde e serviços sociais, exatamente as duas atividades com maior aumento proporcional do total do emprego do setor privado). Mas foi particularmente intensa em construção civil, alojamento e alimentação e outros serviços (comunitários e pessoais), as três atividades onde a formalidade é menor e tinha aumentado só recentemente (TABELA 8). Tabela 8 – Grau de formalidade do emprego privado por setor de atividade nos últimos trimestres de 2014 e 2016. Brasil, Nordeste e resto do país Setor de atividade Brasil Nordeste Resto do país 2014 2016 2014 2016 2014 2016 Agricultura 46,3 45,1 27,0 24,6 56,4 55,6 Indústria 87,0 86,9 72,0 73,3 89,8 89,3 Construção 63,3 58,0 57,6 43,5 65,7 63,4 Comércio 78,3 77,7 64,5 65,2 82,4 81,2 Transporte 84,1 84,3 75,7 70,7 85,7 86,8 Alojamento e Alim. 69,3 66,7 56,3 54,0 73,2 71,1 Serv. Empresas 86,5 86,3 82,3 84,3 87,4 86,7 Educação e Saúde 83,9 84,6 76,4 78,3 85,9 86,2 Outros Serv. 57,3 55,3 45,9 45,0 60,4 57,8 Mal definidos 69,3 64,0 55,4 56,6 72,3 66,1 Total 77,7 76,4 63,4 61,5 81,5 80,2 Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. 47 Paulo Baltar Eugenia Leone A queda na atividade da economia brasileira em 2015 e 2016 provocou, então, uma ligeira diminuição do grau de formalidade dos contratos de trabalho do emprego no setor privado, através de marcante queda de emprego com carteira e ligeiro aumento do emprego sem carteira. Diminuições de emprego sem carteira ocorreram somente no setor industrial (transformação, extração mineral e serviços de utilidade pública) e em serviços para as empresas (informação, comunicação, atividade financeira, imobiliária, profissionais e administrativas), mas as diminuições do emprego privado não formal nessas atividades foram substanciais (17,1% e 7,4%, respectivamente). Houve aumento do emprego sem carteira do setor privado em todas as demais atividades e esse aumento foi substancial em agricultura (8,4%); transporte, armazenagem e correios (7,5%), e alojamento-alimentação (9,1%). As quedas do grau de formalidade dos contratos de trabalho em construção civil e em outros serviços (comunitários e pessoais) ocorreram com expressiva diminuição do emprego com carteira (18,7% e 7,1%, respectivamente) e ligeiro aumento de emprego sem carteira (1,8% e 0,7%, respectivamente), tendo diminuído o total do emprego do setor privado nessas atividades, enquanto em alojamento e alimentação a diminuição do grau de formalidade dos contratos de trabalho do emprego do setor privado deveu-se mais ao aumento do emprego sem carteira do que à queda do emprego com carteira, não ocorrendo diminuição do emprego do setor privado. Ou seja, nas três atividades onde foi expressiva a queda no grau de formalidade dos contratos de trabalho, essa diminuição reflete mais a redução do emprego formal do que a ampliação do emprego sem carteira de trabalho. Em resumo, a recessão provocou queda do emprego no setor privado, mas houve ampliação deste tipo de emprego em atividades como transporte, armazenagem e correios, agricultura e educação, saúde e serviços sociais. A diminuição do grau de formalização observada na recessão foi consequência da queda do emprego formal, mais do que devido à ampliação do emprego sem carteira. A ampliação do emprego 48 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 sem carteira só foi mais expressiva nas atividades agrícolas, de transporte, armazenagem e correios, e de alojamento e alimentação. A queda do emprego formal foi muito intensa na indústria, construção civil, serviços para empresa e outros serviços, justamente as atividades onde ocorreram expressivas diminuições no emprego total do setor privado. A recessão, então, afetou principalmente o emprego formal do setor privado, que diminuiu quase tão intensamente como o PIB entre os últimos trimestres de 2014 e 2016, mas também houve queda do emprego sem carteira na indústria e nos serviços de apoio às empresas, que junto com construção civil (atividade na qual o emprego sem carteira não chegou a diminuir) foram atividades com maior queda do emprego no setor privado. O recuo em termos de grau de formalidade dos contratos de trabalho do emprego do setor privado ocorreu principalmente em construção civil, alojamento e alimentação, e outros serviços onde esse grau de formalidade é menor e tinha aumentado recentemente. Mesmo nessas atividades não foi expressiva a ampliação do emprego sem carteira do setor privado. As maiores ampliações proporcionais do emprego sem carteira do setor privado ocorreram em transporte, armazenagem e correios, agricultura e educação, saúde e serviços sociais. Nessas atividades não ocorreram quedas expressivas do grau de formalidade dos contratos de trabalho do emprego no setor privado, porque ocorreram ampliações simultâneas de empregos formais e não formais. O panorama da evolução do grau de formalidade do emprego do setor privado tem diferenças marcantes entre o Nordeste e o resto do país. Em setores de atividade como agricultura, construção civil, transporte, armazenagem e comunicação, a diminuição do grau de formalidade dos contratos do emprego privado foi muito maior no Nordeste do que no resto do país. Em setores como indústria, comércio e reparação, e serviços para empresas, o grau de formalidade dos contratos de trabalho do emprego privado aumentou ligeiramente no Nordeste e diminuiu também ligeiramente no resto do país; em educação, saúde e serviços sociais, o grau de formalidade aumentou mais no Nordeste 49 Paulo Baltar Eugenia Leone do que no restante do país. Finalmente, em alojamento e alimentação a queda do grau de formalidade dos contratos do emprego privado foi semelhante no Nordeste e no resto do país; em outros serviços (comunitários e pessoais), a queda do grau de formalidade foi menor no Nordeste do que no resto do país. Em síntese, agricultura, transporte, armazenagem e correios contribuíram para amortecer a queda do emprego privado no Nordeste e no resto do país; no Nordeste, com muita geração de emprego não formal, enquanto no restante do país esses setores geraram muitos empregos formais. Já educação, saúde e serviços sociais foi um setor de atividade que também ajudou a amortecer a queda do emprego privado, mas gerando empregos formais, tanto no Nordeste quanto no restante do país. Porém, os principais responsáveis pela queda do emprego privado foram indústria, construção e serviços para empresas, tanto no Nordeste quanto no resto do país. Na indústria e em serviços para empresas, a queda do emprego formal foi semelhante no Nordeste e no resto do país, mas a diminuição do emprego não formal foi muito maior no Nordeste, enquanto em construção civil, o emprego formal caiu mais no Nordeste, sendo parcialmente compensado por forte aumento do emprego não formal, enquanto o emprego não formal da construção diminuiu no restante do país. Por último, em comércio e reparação, alojamento e alimentação, e outros serviços, a queda do emprego formal foi maior no Nordeste, acompanhada de queda do emprego não formal, enquanto os empregos não formais desses setores aumentaram no restante do país, fazendo o emprego privado diminuir muito mais no Nordeste do que no resto do país. 5.2 Trabalho por conta própria e empregadores por atividade da economia As ampliações dos números de empregadores e trabalhadores por conta própria entre os últimos trimestres de 2014 e 2016 pouco aju50 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 daram a suavizar a queda do número de pessoas ocupadas, mas as alterações nos números de pessoas com essas posições na ocupação foram bastante diferentes por atividade da economia e região do país, sinalizando aspectos importantes do impacto da recessão na criação de oportunidades para ocupar as pessoas. No conjunto do país e na totalidade do período de queda da atividade da economia brasileira (últimos trimestres de 2014 e 2016), a ampliação do número de empregadores foi proporcionalmente bem maior do que a de trabalhadores por conta própria (5,2% e 1,7%, respectivamente). Chama atenção, entretanto, que a situação inverteu-se entre 2015 e 2016. Assim, entre os últimos trimestres de 2014 e 2015 a ampliação do número de trabalhadores por conta própria foi de 5,3% e a dos empregadores 0,4%, enquanto entre os últimos trimestres de 2015 e 2016 o número de empregadores aumentou 4,8% e o de trabalhadores por conta própria diminuiu 3,4%. Esses movimentos diferentes dos números de empregadores e trabalhadores por conta própria deram origem à hipótese de que a perda de emprego formal no inicio da recessão levou a montar negócios por conta própria, com recursos da indenização por interrupção do vínculo de emprego, mas a continuidade da queda na atividade econômica eliminou alguns desses negócios sem impedir, entretanto, que surgissem pequenos empregadores, contratando principalmente empregados sem carteira de trabalho (LAMEIRAS; CARVALHO, 2017). O fato foi que o número de trabalhadores por conta própria que tinha aumentado expressivamente em 2015 diminuiu em 2016, ao mesmo tempo em que, de um lado, intensificou-se o aumento do número de empregadores e, do outro, os empregados do setor privado sem carteira de trabalho, que tinham diminuído 4,3% em 2015, aumentaram 4,8% em 2016. Em 2015, o trabalho por conta própria aumentou em praticamente todas as atividades, mas o aumento foi mais intenso em alojamento e alimentação, transporte, armazenagem e correios, comércio e reparação, construção civil, outros serviços (comunitários e pessoais) e na própria indústria (extração mineral, transformação e serviços de utilidade pú51 Paulo Baltar Eugenia Leone blica) (TABELA 9). Já a queda do trabalho por conta própria em 2016 ocorreu em construção, agricultura, indústria e comércio, mas não em alojamento e alimentação, outros serviços e transporte, armazenagem e correios. Nessas últimas atividades, a continuação da recessão não impediu o surgimento de pequenos negócios, sem empregados; essas são as únicas atividades da economia em que o número de trabalhadores por conta própria no final de 2016 é maior do que no final de 2014. A forte ampliação do trabalho por conta própria nessas três atividades (alojamento e alimentação, outros serviços e transporte armazenagem e correio) mal compensou a diminuição nas demais atividades; a expansão do trabalho por conta própria no início da recessão foi quase que completamente revertida em 2016. Tabela 9 – Variação (%) dos trabalhadores por conta própria por atividade da economia. Brasil Setor de Atividade 2014-2015 2015-2016 2014-2016 Agricultura 1,94 -9,08 -7,32 Indústria 3,45 -6,71 -3,49 Construção 5,12 -11,92 -7,41 Comércio 6,54 -3,51 2,80 Transporte 10,25 3,64 14,27 Alojamento 20,20 17,55 41,30 Serv. Empresas 2,24 0,71 2,96 Educação e Saúde -0,48 -1,13 -1,61 Outros Serv. 4,46 5,45 10,15 Total 5,26 -3,40 1,69 Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014, 2015 e 2016. As evidências do comportamento do trabalho por conta própria na queda da atividade econômica apoiam a ideia de que uma parte das pessoas que perdeu o emprego formal no início da recessão tentou montar um negócio por conta própria, contribuindo para amortecer a diminuição do número de pessoas ocupadas que foi de apenas 0,7% em 52 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 2015, tendo aumentado para 2,1% em 2016. (Outro fator que também contribuiu para amortecer a queda do número de pessoas ocupadas em 2015 foi uma intensa ampliação no número de empregadas domésticas - aumento de 5% em 2015 e queda de 2,7% em 2016 - que ocorreu com o aumento da participação feminina na atividade econômica no início da recessão). A continuação da recessão abalou esses dois fatores de amortecimento da queda de oportunidades ocupacionais e, em 2016, se explicitou mais categoricamente a diminuição no número total de pessoas ocupadas. A continuação da recessão dificultou enormemente o surgimento e continuação de pequenos negócios, especialmente em agricultura, indústria, construção e comércio. A ampliação do trabalho por conta própria, apesar da recessão, ocorreu somente em alojamento e alimentação, outros serviços e transporte, armazenagem e correios. Os sinais de surgimento de pequenos empreendimentos com poucos empregados são também categóricos. O número de empregadores no final de 2016 é maior do que no final de 2014 em muito poucas atividades, somente em comércio e reparação, educação saúde e serviços sociais e alojamento e alimentação (TABELA 10). Porém, em 2016, ocorreu um expressivo aumento do número de empregadores, compensando parcialmente a diminuição verificada no ano anterior, em diversas atividades como agricultura, transporte armazenagem e correio, serviços para empresas e outros serviços. Essa ampliação do número de empregadores em 2016 afetou a geração de empregos privados sem carteira de trabalho que neste ano aumentou expressivamente em agricultura, comércio e reparação, transporte, armazenagem e correio, alojamento e alimentação, serviços para empresas, educação, saúde e serviços sociais e outros serviços. Essa proliferação de pequenos negócios com a contratação de empregados sem carteira pouco afetou a geração de oportunidades ocupacionais, pois o próprio aumento de empregos sem carteira de trabalho, em 2016, apenas compensou a queda desse tipo de emprego verificada em 2015. 53 Paulo Baltar Eugenia Leone Tabela 10 – Variação (%) dos empregadores e dos empregados sem carteira do setor privado por atividade da economia. Brasil 2014-2015 Setor de Atividade Empregador Empregado s/ carteira 2015-2016 Empregador 2014-2016 Empregado s/ carteira Empregador Empregado s/ carteira Agricultura -9,52 2,27 8,27 5,99 -2,04 8,40 Indústria 7,64 -12,81 -9,89 -4,90 -3,01 -17,08 Construção -8,22 2,53 2,16 -0,65 -6,23 1,86 Comércio 4,53 -6,08 9,28 8,07 14,24 1,50 Transporte -16,00 7,38 7,62 0,00 -9,60 7,38 Alojamento 20,59 -3,79 -8,54 13,49 10,29 9,18 Serv. Empresas -7,79 -12,33 8,45 5,74 0,00 -7,31 Educação e Saúde 0,44 1,19 13,60 2,36 14,10 3,58 Outros Serv. -15,21 -10,76 13,04 12,80 -4,15 0,66 0,41 -4,29 4,83 4,82 5,26 0,31 Total Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014, 2015 e 2016. No período de recessão, houve uma diferença marcante na evolução dos números de empregadores e trabalhadores por conta própria, entre o Nordeste e o restante do país. O número de empregadores aumentou no Nordeste e no resto do país, mas foi no resto do país, mais claramente que no Nordeste que a proliferação de pequenos empregadores ocorreu em setores de atividade como comércio e reparação, alojamento e alimentação e educação, saúde e serviço social (TABELA 11). No Nordeste, a ampliação do número de empregadores ocorreu principalmente em indústria, construção e serviços para empresas. 54 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 Tabela 11 – Distribuição do número de empregadores por setor de atividade em 2014 e variação entre os últimos trimestres de 2014 e 2016. Brasil, Nordeste e resto do país Setor de atividade Brasil Nordeste Resto do país 2014 Variação % 2014 Variação % 2014 Variação % Indústria 11,0 -2,85 5,6 36,47 12,1 -6,67 Construção 9,0 -6,29 8,1 23,47 9,1 -11,82 Comércio 35,8 14,25 45,9 5,00 33,7 16,88 Transporte 3,2 -9,43 2,5 -39,21 3,3 -4,76 Alojamento 8,6 10,30 10,0 0,64 8,3 12,72 Serv. Empresas 13,7 -0,11 9,1 18,77 14,6 -2,56 Educação e Saúde 5,7 14,35 4,5 3,03 6,0 16,11 Outros Serv. 5,5 -4,11 5,1 -8,34 5,6 -3,30 Mal definidos 0,0 -90,16 0,0 0,00 0,1 -90,16 100,0 5,20 100,0 5,35 100,0 5,17 Agricultura Total Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. Já o trabalho por conta própria, durante a totalidade do período de recessão, diminuiu no Nordeste e aumentou no restante do país (TABELA 12). No Nordeste, a queda do número de trabalhadores por conta própria em agricultura, construção, serviços para empresas e educação, saúde e serviço social mais do que compensou o forte aumento ocorrido em alojamento e alimentação; o trabalho por conta própria também aumentou em outros serviços e indústria, enquanto no resto do país houve forte ampliação do trabalho por conta própria em alojamento e alimentação, transporte, armazenagem e correios, e outros serviços, e ampliação mais moderada em agricultura, comércio e reparação, e serviços para empresas. 55 Paulo Baltar Eugenia Leone Tabela 12 – Distribuição do número de trabalhadores por conta-própria por setor de atividade em 2014 e variação entre os últimos trimestres de 2014 e 2016. Brasil, Nordeste e Resto do país Setor de atividade Brasil Nordeste Resto do país 2014 Variação % 2014 Variação % 2014 Variação % Indústria 10,0 -3,49 8,3 3,34 10,8 -5,87 Construção 17,0 -7,42 13,7 -11,88 18,6 -5,92 Comércio 21,1 2,81 23,9 1,08 19,8 3,76 Transporte 6,4 14,24 6,6 0,64 6,3 20,62 Alojamento 5,1 41,36 5,0 39,29 5,1 42,28 Serv. Empresas 7,6 2,95 4,0 -8,51 9,3 5,19 Educação e Saúde 2,8 -2,63 1,4 -4,61 3,5 -2,28 Outros Serv. 9,7 10,12 7,7 5,68 10,6 11,59 Mal definidos 0,0 37,08 0,0 -9,33 0,1 40,67 100,0 1,67 100,0 -5,35 100,0 4,87 Agricultura Total Fonte: IBGE/Pnad Contínua 2014 e 2016. Em síntese, o Nordeste foi mais afetado pela recessão da economia nacional, como mostra a evolução do emprego do setor privado e do setor público; não foram tão fortes, nesta região, como no resto do país e especialmente no Sudeste, Sul e Centro-Oeste, as acomodações compensatórias no trabalho por conta própria, no emprego sem carteira e no trabalho doméstico remunerado. Assim foi no restante do país, mas não no Nordeste, que se observa uma diminuição relativamente pequena do total da população ocupada, em comparação com a intensidade da diminuição do PIB nacional. 6 CONCLUSÃO A diminuição no ritmo de atividade da economia brasileira foi intensa em 2015 e 2016, repercutindo no mercado de trabalho. A prin56 O MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL NA RECESSÃO DE 2015-2016 cipal manifestação da queda na atividade da economia no mercado de trabalho foi uma forte diminuição do emprego formal do setor privado. O total de oportunidades para ocupar a PEA diminuiu em ritmo muito menor do que o emprego formal do setor privado, porque o número de pequenos empregadores, o emprego privado sem carteira, o trabalho doméstico remunerado e o trabalho por conta própria aumentaram na recessão. Não obstante, o aumento do desemprego foi muito intenso, regredindo à situação anterior aos dez anos de crescimento com inclusão social, que ocorreram de 2004 a 2014, porque a queda relativamente pequena da população ocupada ocorreu em simultâneo a um ainda intenso crescimento da PEA. Esse panorama nacional reflete principalmente o que ocorreu no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste. O Nordeste foi muito mais afetado pela recessão, apresentando redução muito mais intensa das oportunidades para ocupar a PEA, a ponto de impactar no crescimento desta última, que chegou a diminuir entre os últimos trimestres de 2014 e 2016. A queda do emprego do setor público no Nordeste foi mais intensa do que a do emprego no setor privado e, nessa região, o estreitamento da atividade econômica foi tão intenso, que não permitiu espaço para adaptação das famílias, através de mais pessoas empregadas sem carteira de trabalho, trabalho doméstico remunerado e trabalho por conta própria. REFERÊNCIAS BALTAR, Paulo. Crescimento da economia e mercado de trabalho no Brasil. In: CALIXTRE, André Bojikian; BIANCARELLI, André Martins; CINTRA, Marcos Antonio Macedo (Ed.). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília, DF: Ipea, 2014. cap. 11, p. 423-468. Disponível em: <http:// www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/150605_livro_presente_futuro.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2017. BALTAR, Paulo; LEONE, Eugenia. Perspectivas para o mercado de trabalho no Brasil após o crescimento com inclusão social. Estud. av., São Paulo, v. 29, n. 85, set./dez. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142015000300005>. Acesso em: 22 nov. 2017. 57 Paulo Baltar Eugenia Leone BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello; BASTOS, Pedro Paulo Zahluth (Org.). Austeridade para quem? Balanço e perspectivas do Governo Dilma Rousseff. São Paulo: Carta Maior; Friedrich Ebert Stiftung, 2015. Disponível em: <https://cartamaior.com/_a/docs/2016/02/15.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2017. LAMEIRAS, Maria Andréia Parente; CARVALHO, Sandro Sacchet de. Mercado de trabalho. Carta de Conjuntura, n. 34, Rio de Janeiro, 1 trim. 2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/conjuntura/170418_cc34_mercado-de-trabalho.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2017. LEONE, Eugenia. O avanço das mulheres na expansão do mercado de trabalho após 2003. Carta Social e do Trabalho, Campinas, n. 29, jan./mar. 2015. Disponível em: <http://www.cesit.net.br/wp-content/uploads/2015/08/CartaSocial29.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2017. MEDEIROS, Carlos Aguiar de. Inserção externa, crescimento e padrões de consumo na economia brasileira. Brasília, DF: Ipea, 2015. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3845/1/Inser%C3%A7%C3%A3o%20externa%20crescimento%20e%20padr%C3%B5es%20de%20 consumo%20na%20economia%20brasileira.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2017. 58 Capítulo 3 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 Clemente Ganz Lúcio1 Fernando Murta Ferreira Duca2 Patrícia Lino Costa3 1 INTRODUÇÃO Desde 2014, a economia brasileira deixou de crescer. E as mudanças, tanto em termos políticos quanto econômicos, trouxeram resultados negativos para a economia e, consequentemente, para o mercado de trabalho. Entre 2014 e 2015, o Produto Interno Bruto (PIB) apresentou redução de -3,80% e, entre 2015 e 2016, de -3,60%. Ao comparar com o PIB per capita, indicador econômico que mostra a renda média do país, foi verificada queda ainda mais intensa, de -9,10% entre 2014 e 2016. As crises políticas desde 2014 vêm minando as expectativas dos agentes econômicos. Apesar das tentativas do atual governo de reativar a economia, as ações parecem estar limitadas a reformas que empobrecem ainda mais as parcelas mais carentes e necessitadas da população, que têm no Sistema de Seguridade Social a única possibilidade de viver com 1 Diretor do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). 2 Diretor do Sindicato dos Economistas. 3 Economista do DIEESE. Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa certa dignidade. Além disso, seguindo o mesmo ideário, propõe uma reforma trabalhista que desregulamenta o mercado de trabalho, legaliza formas precárias de contratação, reduz os ganhos dos trabalhadores e enfraquece os sindicatos, diminuindo a capacidade de organização e resistência dos trabalhadores. Esse cenário de crise, como não poderia deixar de ser, repercutiu no mercado de trabalho, que apresentou forte retração no período. Levando em conta o cenário de baixo crescimento e crise política, o presente artigo busca analisar o mercado de trabalho brasileiro entre 2014 e 2016, usando como fonte de informações os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). O objetivo é compreender como a presente crise econômica interferiu no mercado de trabalho, os principais efeitos causados por ela e como atinge diferenciadamente as diversas regiões do Brasil. 2 CARACTERÍSTICAS DO MERCADO DE TRABALHO DO BRASIL O mercado de trabalho no Brasil é marcadamente heterogêneo e dual. A industrialização tardia, intensiva de capital, fez com que o progresso técnico fosse incorporado por parte das empresas, que coexistiam com outras pequenas empresas, de baixa produtividade. Além disso, a rápida urbanização e a expulsão de mão de obra rural, em razão da modernização agrícola e da não realização de reformas da posse de terra, geraram um contingente de trabalhadores que não foi absorvido pelas empresas de alto padrão tecnológico e que passou a trabalhar nos segmentos menos dinâmicos. Apesar de o assalariamento ser a forma prevalecente de inserção no mercado de trabalho; ou melhor, daqueles que, de fato, conseguem se inserir no mercado de trabalho, os postos com carteira nunca foram 60 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 suficientes para absorver todo o contingente que se dispõe a trabalhar. Além do alto desemprego, o ingresso dos trabalhadores se dá, muitas vezes, em posições precárias, com baixos salários, alta rotatividade e sem cobertura legal. O longo e contínuo processo de expansão por que passou o mercado de trabalho brasileiro, desde o início dos anos 2000, indicou redução da desigualdade e melhora nas condições de emprego, sem alterar a marcada heterogeneidade. Tal situação, ímpar na história do país, chegou a um encerramento abrupto na virada de 2014 para 2015, quando a economia brasileira, como os níveis de crescimento dos anos anteriores já indicavam, entrou definitivamente em estagnação e posteriormente recessão. O mercado de trabalho reagiu fortemente à retração da atividade econômica, com redução dos postos gerados e elevação o desemprego. A expansão do mercado de trabalho, medida pela taxa de ocupação4 (as oscilações são fruto da sazonalidade, típica do mercado de trabalho), iniciou um período de expansão contínua a partir de 2006 que seguiu até o final de 2010 – excetuando-se 2009, devido aos efeitos da Crise do Subprime. A partir de 2011, o mercado de trabalho viveu um período de estabilidade, com algumas breves oscilações e tendência geral de manutenção da taxa de ocupação. A partir de 2014, a situação se deteriorou de forma acelerada, ao ponto de a taxa de ocupação de fevereiro de 2016 (último dado da série) superar a de fevereiro de 2003 por apenas 0,1 ponto percentual. Analisando toda a série histórica, fevereiro de 2016 apresentou o terceiro menor valor para o mês (GRÁFICO 1). 4 A taxa de ocupação mede a proporção da População em Idade Ativa (PIA) – no Brasil, a PIA é formada por pessoas com 10 anos ou mais – que se encontra ocupada, ou seja, é a razão entre População Ocupada (PO) e PIA. 61 Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa Gráfico 1 – Taxa de ocupação - Brasil (mar./02 a fev./16) (em %) 56 54 52 50 48 46 set/15 set/14 mar/15 set/13 mar/14 set/12 mar/13 set/11 mar/12 set/10 mar/11 set/09 mar/10 set/08 mar/09 set/07 mar/08 set/06 mar/07 set/05 mar/06 set/04 mar/05 set/03 mar/04 set/02 mar/03 mar/02 44 Fonte: IBGE/Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Nota: Dados disponíveis até fevereiro de 2016. Cabe ressaltar que uma das características do mercado de trabalho é a reação defasada em relação ao nível de produção e consumo da economia, além de, em grande medida, responder à dinâmica desses fatores. Portanto, analisar o comportamento das variáveis do mercado de trabalho passa também por examinar as causas principais que as influenciaram, com foco, principalmente, no nível de atividade econômica. A partir de 2004, o Brasil passou a apresentar taxas de crescimento satisfatórias, com aumento do PIB per capita ano a ano. O padrão de crescimento brasileiro, contudo, foi liderado pela absorção interna5 que, via de regra, atingia patamares de crescimento superiores aos do PIB e da produção industrial. O padrão de crescimento foi puxado pela demanda interna e o hiato entre esta e a produção industrial e as expor5 Absorção interna é a soma de consumo e Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), nas contas nacionais. 62 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 tações se elevavam constantemente. Esse crescimento, liderado pela demanda, sem ser acompanhado pela expansão da oferta, começou a dar sinais de instabilidade ainda em 2012, quando tanto a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) quanto a produção industrial apresentaram redução em relação ao ano anterior. Ou seja, ainda durante o período de crescimento do PIB, condições tanto de demanda (consumo e FBCF) quanto de oferta (produção industrial) começaram a dar sinais de esgotamento. Como mostra o Gráfico 2, produção industrial e FBCF apresentaram evolução marcada por muitos sobressaltos e fortes oscilações. Somente o consumo, mesmo perdendo fôlego continuamente desde 2010, manteve trajetória mais estável. A taxa de crescimento do PIB, por sua vez, ficou relativamente estável até 2008, passou por dois anos anormais (2009 e 2010) e, a partir de então, apresenta taxas de crescimento cadentes. Gráfico 2 – Taxa de variação real (%), componentes selecionados do PIB - Brasil (2003 a 1ºt/2016) 0,20 0,15 0,10 0,05 0,00 -0,05 -0,10 -0,15 PIB Indústria de transformação Consumo FBCF Fonte: IBGE/Sistema de Contas Nacionais. Importante notar que produção industrial e FBCF perderam relevância progressivamente, aumentando a importância do consumo para o crescimento. Contudo, até mesmo o consumo passou a crescer com intensidade cada vez menor, apresentando valores próximos de zero nos quatro trimestres de 2014. Assim, a partir desse ano – quando o país 63 Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa apresentou dois trimestres consecutivos (2º e 3º) de retração da atividade econômica e o PIB acumulado do ano cresceu somente 0,1% – teve início a crise da economia nacional. 3 MERCADO DE TRABALHO A PARTIR DE 2014 A economia brasileira veio, desde 2014, apresentando fracos resultados em termos de crescimento econômico. Na análise do PIB, percebe-se que a crise teve o maior impacto na produção industrial e nos investimentos em capital fixo. Como consequência, o mercado de trabalho reagiu à retração da atividade econômica. Períodos de crise são marcados por uma incapacidade de o capital se valorizar constantemente através da absorção de trabalho, questão que pode ser visualizada pela redução das taxas de lucro. Em razão dessa incapacidade de valorização constante no processo produtivo, reduz-se a demanda por mão de obra em razão da retração da produção. Levando em conta quatro das principais regiões metropolitanas brasileiras (Porto Alegre, São Paulo, Salvador e Fortaleza), serão analisados dados semestrais da PED, realizada pelo DIEESE, a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e parceiros regionais, a partir de 2014, para as características gerais do mercado de trabalho (desemprego, participação, ocupação e renda/rendimento). O desemprego total6 aumentou em todas as regiões pesquisadas. O impacto da desaceleração econômica em cada uma das regiões se deu de maneira diversa, algumas inclusive apresentaram redução na taxa de desemprego no segundo semestre de 2014, em comparação com o primeiro. Contudo, a partir do primeiro semestre de 2015, todas as regiões 6 Uma das características metodológicas da PED é o reconhecimento das idiossincrasias dos mercados de trabalho de economias subdesenvolvidas; portanto, o desemprego possui três definições: aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelo desalento. O desemprego total abarca o desemprego aberto e os tipos de desemprego oculto. Para uma explicação pormenorizada desses conceitos, consultar Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (2009, p. 35-38). 64 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 apresentaram aumento contínuo das taxas de desemprego, ainda que em intensidades diferentes. Interessante notar também que o desemprego aumentou mais nas regiões de menor taxa de desemprego: Porto Alegre e Fortaleza (GRÁFICO 3). Gráfico 3 – Taxa de desemprego total (%) - Regiões metropolitanas (1º sem./2014 a 2º sem./2016) 30,0 25,3 25,0 20,0 16,9 15,0 13,3 10,8 10,0 5,0 0,0 2014/1ºsemestre 2014/2ºsemestre Fortaleza 2015/1ºsemestre Porto Alegre 2015/2ºsemestre Salvador 2016/1ºsemestre 2016/2ºsemestre São Paulo Fonte: DIEESE/Seade, Ministério do Trabalho (MTb)/Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e convênios regionais, PED. Ainda em relação às taxas de desemprego, destaca-se o crescimento também do desemprego aberto e do oculto, que, em boa medida, se deveu ao aumento do trabalho precário. Ou seja, existiu um número maior de pessoas que aceitou a inserção ocupacional em atividades precárias, como estratégia de sobrevivência. Como segunda variável na composição do desemprego oculto, há também aqueles que abandonaram o mercado de trabalho pelo desalento, quer dizer, desistiram da procura depois de um período de busca contínua, desmotivados pela dificuldade em obter uma colocação. Esse tipo de desemprego é talvez o sinal mais marcante da crise, que expõe a falta de esperança ou motivação de conseguir um emprego, mesmo que haja necessidade e disponibilidade para trabalhar (Gráficos 4, 5 e 6). 65 Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa Gráfico 4 – Taxa de desemprego aberto - Regiões metropolitanas (1º sem./2014 a 2º sem./2016) (em %) 20 18 17,8 16 13,9 14 13,1 12 10 10,9 9,5 9,4 8 6 6,1 5,1 4 2 0 2014/1ºsemestre 2014/2ºsemestre 2015/1ºsemestre Fortaleza 2015/2ºsemestre Porto Alegre Salvador 2016/1ºsemestre 2016/2ºsemestre São Paulo Fonte: DIEESE/Seade, MTb/FAT e convênios regionais, PED. Gráfico 5 – Taxa de desemprego oculto total - Regiões metropolitanas (1º sem./2014 a 2º sem./2016) (em %) 8,0 7,5 7,0 6,0 5,0 4,0 3,0 3,0 2,4 2,0 1,4 1,0 0,0 2014/1ºsemestre 2014/2ºsemestre Fortaleza 2015/1ºsemestre Porto Alegre 2015/2ºsemestre Salvador 2016/1ºsemestre São Paulo Fonte: DIEESE/Seade, MTb/FAT e convênios regionais, PED. 66 2016/2ºsemestre IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 Gráfico 6 – Taxa de desemprego oculto pelo trabalho precário - Regiões metropolitanas (1º sem./2014 a 2º sem./2016) (em %) 7,0 6,6 6,0 5,0 4,0 3,0 2,4 2,0 1,3 1,1 1,0 0,0 2014/1ºsemestre 2014/2ºsemestre Fortaleza 2015/1ºsemestre Porto Alegre 2015/2ºsemestre Salvador 2016/1ºsemestre 2016/2ºsemestre São Paulo Fonte: DIEESE/Seade, MTb/FAT e convênios regionais, PED. Feita a primeira caracterização do aumento do desemprego, cabe avaliar se deriva do crescimento da pressão sobre o mercado de trabalho7 ou da redução dos postos de trabalho. Do lado da oferta, analisa-se a proporção de pessoas de 10 anos ou mais que está ativa no mercado de trabalho – ocupada ou em busca de uma colocação, ou seja, observa-se o comportamento da taxa de participação. Quando se comparou o primeiro semestre de 2014 com o segundo de 2016, verificou-se redução na taxa, de forma que não há uma pressão extra sobre o mercado de trabalho no período (GRÁFICO 7). Contudo, deve ser ressaltado que não há redução, em valores absolutos, da População Economicamente Ativa (PEA). Os dados indicam elevação em termos absolutos e a tendência demográfica é de alta. O que se percebeu foi a retração da proporção de pessoas em idade de trabalhar, que procuraram emprego ou estiveram trabalhando, em relação à população total em idade ativa. 7 Por pressão sobre o mercado de trabalho entende-se aumento da PEA mais do que proporcional ao crescimento da PIA, indicando que a ampliação do número de pessoas no mercado de trabalho não deriva somente de questões demográficas. 67 Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa Gráfico 7 – Taxa de participação - Regiões metropolitanas (1º sem./2014 a 2º sem./2016) (em %) 64,0 62,0 62,0 60,0 58,0 58,0 56,0 56,1 54,0 53,6 52,0 50,0 48,0 46,0 2014/1ºsemestre 2014/2ºsemestre Fortaleza 2015/1ºsemestre Porto Alegre 2015/2ºsemestre Salvador 2016/1ºsemestre 2016/2ºsemestre São Paulo Fonte: DIEESE/Seade, MTb/FAT e convênios regionais, PED. Para complementar esta análise, é importante observar como evoluiu o estoque de ocupados nas regiões. Houve a redução expressiva no número de ocupados de todas as regiões a partir de 2015 (GRÁFICO 8). Em 2014, apesar do desempenho macroeconômico ruim, ainda não há impacto significativo sobre o mercado de trabalho. Isso pode ser visto pelo aumento do emprego em todas as regiões, exceto em Porto Alegre. Mesmo com crescimento inexpressivo em 2014, com dois trimestres de crescimento negativo, os impactos sobre o mercado de trabalho só se fizeram notar no ano seguinte. Importante observar a velocidade na redução dos ocupados. Regiões metropolitanas como Fortaleza, Porto Alegre e Salvador apresentaram redução de aproximadamente 7% no número total de ocupados, comparando os dados do 1º semestre de 2016 com o mesmo período de 2014. Também é importante observar que a redução da ocupação se deu de maneira irrestrita. Para exemplificar, as regiões de maior e menor desemprego, respectivamente Salvador e Porto Alegre, apresentaram a mesma redução relativa. No último semestre de 2016, houve elevação do nível de ocupados, nas três capitais analisadas, exceto São Paulo, o que indica ligeira 68 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 melhora da atividade econômica de Salvador, Porto Alegre e Fortaleza. No entanto, para entender a dinâmica do mercado de trabalho de cada região, é necessário conhecer em que setores e qual o tipo de vagas criadas. Gráfico 8 – Evolução do nível de ocupação - Regiões metropolitanas (1º sem./2014 a 2º sem./2016) - (início da série em 1º sem de 2014=100) 104,0 102,0 100,0 98,0 96,0 94,0 92,0 90,0 88,0 2014/1ºsemestre 2014/2ºsemestre Fortaleza 2015/1ºsemestre Porto Alegre 2015/2ºsemestre Salvador 2016/1ºsemestre 2016/2ºsemestre São Paulo Fonte: DIEESE/Seade, MTb/FAT e convênios regionais, PED. Nota: Os valores se encontram em índice. O primeiro valor disponível da série equivale a 100. Para todas as regiões, 100 equivale ao número de ocupados da região em questão no primeiro semestre de 2014. Os dados revelam que, em Fortaleza, houve ligeira redução relativa dos assalariados com e sem carteira de trabalho do setor privado, e aumento dos autônomos e dos assalariados do setor público. Já em Porto Alegre, São Paulo e Salvador, cresceu mais a proporção de autônomos e de trabalhadores domésticos. Assim, a maior parte das vagas criadas foi precária e de baixo salário, o que indica desestruturação do mercado de trabalho (TABELA 1). 69 Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa Tabela 1 – Distribuição dos ocupados, por posição na ocupação - Regiões Metropolitanas - 1º semestre de 2014 a 2º semestre de 2016 (em %) (continua) Distribuição dos ocupados, por posição na ocupação Assalariados Autônomos Empregados domésticos 8,4 25,4 6,5 8,3 25,8 6,7 10,1 7,8 25,0 6,4 10,2 7,6 25,5 6,9 44,5 9,6 7,9 26,4 6,9 52,0 42,9 9,1 8,2 28,5 6,7 71,4 58,8 52,9 5,9 12,6 13,8 4,9 70,6 58,2 52,8 5,5 12,3 14,5 4,9 100,0 71,6 59,5 54,4 5,1 12,1 13,6 5,0 100,0 71,5 59,3 54,2 5,2 12,1 12,7 5,3 2016/1º semestre 100,0 70,9 59,3 53,6 5,6 11,6 12,8 5,2 2016/2º semestre 100,0 69,3 58,0 52,7 5,3 11,3 14,7 5,8 2014/1º semestre 100,0 68,9 59,5 51,7 7,8 9,3 18,5 8,0 2014/2º semestre 100,0 68,3 58,7 51,5 7,2 9,6 19,1 8,4 2015/1º semestre 100,0 69,2 59,3 52,9 6,4 10,0 18,1 7,7 2015/2º semestre 100,0 68,6 58,8 51,4 7,3 9,8 18,7 8,0 2016/1º semestre 100,0 68,4 59,6 52,9 6,7 8,8 18,2 8,1 2016/2º semestre 100,0 67,2 58,2 51,3 6,9 9,0 19,3 8,3 Região e período Setor privado Ocupados (2) Total geral (3) Total Com carteira assinada Sem carteira assinada Setor público 2014/1º semestre 100,0 63,8 55,5 44,8 10,7 2014/2º semestre 100,0 62,6 54,3 43,7 10,6 2015/1º semestre 100,0 64,1 56,2 46,2 2015/2º semestre 100,0 63,0 55,4 45,1 2016/1º semestre 100,0 62,1 54,1 2016/2º semestre 100,0 60,2 2014/1º semestre 100,0 2014/2º semestre 100,0 2015/1º semestre 2015/2º semestre Fortaleza (1) Porto Alegre (1) Salvador (1) 70 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 Tabela 1 – Distribuição dos ocupados, por posição na ocupação - Regiões Metropolitanas - 1º semestre de 2014 a 2º semestre de 2016 (em %) (conclusão) Distribuição dos ocupados, por posição na ocupação Assalariados Região e período Autônomos Empregados domésticos 7,9 15,5 6,7 7,9 15,2 6,3 7,9 8,3 15,4 6,1 7,8 7,8 16,3 6,5 55,1 7,9 8,1 15,9 6,4 53,6 7,8 7,8 16,5 7,0 Setor privado Ocupados (2) Total geral (3) Total Com carteira assinada Sem carteira assinada Setor público 2014/1º semestre 100,0 70,8 62,9 54,4 8,5 2014/2º semestre 100,0 71,4 63,6 54,7 8,8 2015/1º semestre 100,0 71,4 63,1 55,2 2015/2º semestre 100,0 70,3 62,5 54,7 2016/1º semestre 100,0 71,1 63,0 2016/2º semestre 100,0 69,2 61,3 São Paulo (1) Fonte: Convênio DIEESE/Seade/MTb-FAT e convênios regionais, PED. Nota: (1) Para as Regiões Metropolitanas de Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e São Paulo, referente à população de 10 anos e mais. (2) Inclui empregadores, donos de negócio familiar, trabalhadores familiares sem remuneração, profissionais liberais e outras posições ocupacionais. (3) Excluem os empregados domésticos, incluem aqueles que não sabem a que setor pertence a empresa em que trabalham. Por setor de atividade, a proporção de ocupados na indústria e da construção diminuiu, relativamente aos outros setores, em todas as cidades analisadas, exceto em Porto Alegre, que mostrou aumento, principalmente no último semestre de 2016. O comércio teve redução da proporção de ocupados em todas as regiões metropolitanas, exceto São Paulo, e os serviços foi o único setor que apresentou ligeiro aumento nos percentuais de ocupados. Contudo, cabe ressaltar que esse aumento de participação não significou que houve aumento na quantidade absoluta de ocupados neste setor, mas tão somente que a redução no estoque de ocupados deste setor foi, em relação à proporção no total de ocupados, menos intensa do que nos demais setores (TABELA 2). 71 Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa Tabela 2 – Distribuição dos ocupados, por setor de atividade - Regiões Metropolitanas - 1º semestre de 2014 a 2º semestre de 2016 (em %) (continua) Distribuição dos ocupados, por setor de atividade Cons- Comércio, reparação trução de veículos automotores e motocicletas (5) (4) Total (2) Indústria de transformação (3) 2014/1º semestre 100,0 18,0 8,5 24,1 47,5 2014/2º semestre 100,0 17,8 8,9 23,0 48,4 2015/1º semestre 100,0 17,4 8,5 23,8 48,4 2015/2º semestre 100,0 16,8 8,6 24,1 48,7 2016/1º semestre 100,0 16,4 8,1 23,3 50,0 2016/2º semestre 100,0 16,5 7,9 23,8 49,8 2014/1º semestre 100,0 16,6 7,2 19,7 55,3 2014/2º semestre 100,0 17,0 6,8 19,7 55,5 2015/1º semestre 100,0 16,9 6,5 19,0 56,6 2015/2º semestre 100,0 16,2 7,2 18,6 56,8 2016/1º semestre 100,0 15,4 6,8 19,7 57,2 2016/2º semestre 100,0 16,8 7,4 19,2 55,6 2014/1º semestre 100,0 8,4 10,2 19,7 59,5 2014/2º semestre 100,0 7,9 9,7 19,1 61,0 2015/1º semestre 100,0 8,9 8,3 19,2 61,8 2015/2º semestre 100,0 7,5 8,4 19,0 63,3 2016/1º semestre 100,0 7,4 8,1 19,4 63,3 2016/2º semestre 100,0 7,6 7,7 19,7 63,1 Região e período Serviços (6) Fortaleza (1) Porto Alegre (1) Salvador (1) 72 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 Tabela 2 – Distribuição dos ocupados, por setor de atividade - Regiões Metropolitanas - 1º semestre de 2014 a 2º semestre de 2016 (em %) (conclusão) Distribuição dos ocupados, por setor de atividade Cons- Comércio, reparação trução de veículos automotores e motocicletas (5) (4) Total (2) Indústria de transformação (3) 2014/1º semestre 100,0 16,4 7,6 17,3 57,5 2014/2º semestre 100,0 16,6 7,6 17,2 57,5 2015/1º semestre 100,0 16,3 7,1 17,3 58,2 2015/2º semestre 100,0 15,6 7,1 18,3 57,8 2016/1º semestre 100,0 15,3 6,7 17,5 59,2 2016/2º semestre 100,0 14,6 6,7 17,8 59,8 Região e período Serviços (6) São Paulo (1) Fonte: Convênio DIEESE/Seade/MTb-FAT e convênios regionais, PED. Nota: (1) Para as Regiões Metropolitanas de Fortaleza, Porto Alegre, Salvador e São Paulo, referente à população de 10 anos e mais. (2) Inclui agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura (Seção A); indústrias extrativas (Seção B); eletricidade e gás (Seção D); água, esgoto, atividades de gestão de resíduos e descontaminação (Seção E); organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais (Seção U); atividades mal definidas (Seção V). As seções mencionadas referem-se à Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 2.0 domiciliar. (3) Seção C da CNAE 2.0 domiciliar. (4) Seção F da CNAE 2.0 domiciliar. (5) Seção G da CNAE 2.0 domiciliar. (6) Seções H a T da CNAE 2.0 domiciliar. Outro ponto que atesta o impacto da crise sobre o mercado de trabalho é a duração do desemprego: o tempo médio que um desempregado leva para conseguir emprego. Essa é uma importante medida não só do desempenho econômico, mas também do impacto do desemprego na vida social. Ficar na situação de desemprego é estar afastado da vida social, é se manter alheio à construção social. Além disso, quanto maior o tempo de desemprego, maior a dificuldade de manter a reprodução básica do indivíduo. O tempo médio de procura por trabalho aumentou 73 Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa em todas as regiões, continuamente. No segundo semestre de 2016, foi observado o maior tempo médio de procura em todas as regiões, chegando a 53 semanas em Salvador, 41 em Porto Alegre, 40 em São Paulo e 35 semanas em Fortaleza (GRÁFICO 9). Gráfico 9 – Tempo médio (em semanas) despendido pelos desempregados na procura de trabalho - Regiões metropolitanas (1ºsem/2014 a 2ºsem/2016) 60 53 51 50 40 40 46 44 42 41 34 30 29 27 25 24 21 23 26 24 21 29 29 40 35 30 26 21 20 10 0 2014/1ºsemestre 2014/2ºsemestre Fortaleza 2015/1ºsemestre Porto Alegre 2015/2ºsemestre Salvador 2016/1ºsemestre 2016/2ºsemestre São Paulo Fonte: DIEESE/Seade, MTb/FAT e convênios regionais, PED. Em relação aos rendimentos8 derivados do trabalho, os resultados, como esperado, foram semelhantes aos observados para ocupação e desemprego, com redução dos valores médios tanto para os ocupados quanto para os assalariados (Gráficos 10 e 11). 8 São considerados os rendimentos reais em valores de maio de 2017, inflacionados pelos índices: Índice Nacional de Preço ao Consumidor (INPC)-DF/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); INPC-Região Metropolitana de Fortaleza (RMF)/IBGE; Índice de Preços ao Consumidor (IPC)-IEPE/RS; IPC-SEI/BA; Índice do Custo de Vida (ICV)-DIEESE/SP. 74 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 Gráfico 10 – Evolução do rendimento médio real dos ocupados nas Regiões metropolitanas - (1º sem./2014 a 2º sem./2016) - (reais de maio de 2017) Título do Gráfico 2.500 2.331 2.272 2.340 2.169 2.092 2.000 1.500 1.507 1.446 1.428 2.013 2.281 2.191 2.074 2.046 1.895 1.531 1.549 1.539 1.342 1.357 1.331 1.453 2.005 1.370 1.382 1.000 500 0 Fortaleza São Paulo Salvador Porto Alegre Fonte: DIEESE/Seade, MTb/FAT e convênios regionais, PED. Gráfico 11 – Rendimento médio real dos assalariados nas Regiões metropolitanas - (1º sem./2014 a 2º sem./2016) - (reais de maio de 2017) 2.500 2.290 2.000 1.545 1.500 2.211 2.333 2.298 2.124 2.016 2.113 2.105 2.077 1.925 1.909 1.649 1.671 1.626 1.476 1.480 2.202 1.420 1.462 1.453 1.552 1.463 1.466 1.000 500 0 Fortaleza Porto Alegre Salvador São Paulo Fonte: DIEESE/Seade, MTb/FAT e convênios regionais, PED. 75 Clemente Ganz Lúcio | Fernando Murta Ferreira Duca Patrícia Lino Costa 4 REFLEXÕES FINAIS Após um ciclo de expansão, o Brasil experimentou, entre 2014 e 2016, o que alguns chamam de “a pior recessão econômica”. E todos os indicadores e estatísticas indicaram a extensão e a profundidade dos impactos da crise no mercado de trabalho. A retração econômica afetou os mercados de trabalho de todas as regiões. Embora a intensidade e a forma específica como a crise atinge cada uma das regiões dependa de como a economia e o mercado de trabalho regional estão estruturados, os resultados gerais foram muito semelhantes: aumento do desemprego aberto e oculto, devido à redução do número de ocupados, e queda dos rendimentos, tanto dos assalariados quanto dos ocupados em geral. E mais: as vagas criadas foram, em sua maioria, precárias e sem proteção legal. Quando o movimento circular destrutivo da atividade econômica ganha dinâmica, o desemprego gera queda da renda do trabalho, que provoca retração do consumo (e, consequentemente, da demanda para as empresas), diminui o nível de atividade, e ocasiona demissões e arrocho salarial. O movimento circular perverso se fortalece, ampliando a recessão. O futuro do país ainda vem cheio de incertezas e reformas. Em dezembro de 2017, quando a reforma trabalhista entrar em vigor, em um mercado de trabalho debilitado por uma economia em recessão, os trabalhadores encontrarão múltiplas formas de trabalho precário, legalizadas pela reforma, que irão arrochar salários e reduzir direitos e benefícios. Por fim, além da desestruturação do mercado de trabalho, é importante lembrar que o governo tem em curso ações de desnacionalização da economia. O capital internacional imputará uma modernização tecnológica na base dos ativos adquiridos, aumentando a produtividade das empresas, com a redução do custo do trabalho, garantidos pela reforma trabalhista e pela utilização de tecnologias que desempregam. O mercado interno e a força de trabalho coletiva são grandes ativos da economia brasileira, cuja força pode ser vista no momento de crescimento econômico. Mas para que o mercado interno seja pujante, 76 IMPACTOS DA CRISE NO MERCADO DE TRABALHO: 2014 A 2016 é preciso empregar os trabalhadores, que receberão salários, elevarão o consumo, a demanda e o investimento. Em tempo de crise, a melhor estratégia para reverter esse círculo destrutivo – desemprego, queda de renda, de consumo e do nível de investimento – é o investimento do setor público em infraestrutura econômica e social ou em serviços públicos, pois todos se traduzem em crescimento para o país e melhoria de vida para a população brasileira. REFERÊNCIAS CARLEIAL, Liana Maria da Frota. Subdesenvolvimento e mercado de trabalho: uma análise a partir do pensamento latino-americano. Sociologias, Porto Alegre, ano 12, n. 25, p. 126-157, set./dez. 2010. Disponível em: <http:// www.scielo.br/pdf/soc/v12n25/06.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2017. COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA. La medición del empleo y de los ingresos en áreas urbanas a traves de encuestas de hogares. Santiago do Chile, 1979. Disponível em: <http://repositorio.cepal.org/ bitstream/handle/11362/20524/S7900044_es.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 15 nov. 2017. DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS. Fundação Seade. Dados das regiões metropolitanas: 2014 a 2016. São Paulo, 2016. ______. Fundação Seade. Pesquisa de emprego e desemprego (PED): conceitos, metodologia e operacionalização. São Paulo, 2009. FURTADO, Celso. Teoria e política do desenvolvimento econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1983. LÚCIO, Clemente Ganz; DUCA, Fernando Murta Ferreira. Crise econômica e mercado de trabalho no Brasil. Intersindical, São Paulo, 21 set. 2017. Disponível em: <http://www.intersindicalcentral.com.br/crise-economica-e-mercado-de-trabalho-no-brasil/#.WgXcaIhrzIU>. Acesso em: 15 nov. 2017. PREBISCH, Raúl. Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1968. 77 Capítulo 4 “MODELO UBER”, AUTOEMPREENDEDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI: BREVES NOTAS SOBRE ALIENAÇÃO E AUTOALIENAÇÃO NO CAPITALISMO FLEXÍVEL Giovanni Alves1 1 INTRODUÇÃO Neste artigo buscamos elaborar algumas reflexões sobre a morfologia social e o sociometabolismo do trabalho alienado nas condições do capitalismo flexível, tratando, por exemplo, da nova forma de organização do trabalho vivo baseada na “economia de compartilhamento”, “economia disruptiva”, “economia sob demanda” ou gig economy (economia 1 Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), livre-docente em sociologia, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Marília - SP, e do doutorado em ciências sociais da Unicamp. É pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET) – www.estudosdotrabalho.org; e do Projeto Tela Crítica/CineTrabalho (www.telacritica.org). É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais “O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000)”, “Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório” (Boitempo Editorial, 2011), “Dimensões da Precarização do trabalho” (Ed. Praxis, 2013), “Trabalho e neodesenvolvimentismo” (Ed. Praxis, 2014) e “A Tragédia de Prometeu” (Ed. Praxis, 2016). E-mail: giovanni.alves@uol.com.br. Home-page: www.giovannialves.org. Giovanni Alves dos bicos), a nova base técnica de exploração do trabalho humano na era do capitalismo flexível, nas condições da crise estrutural do capital. No cenário de crise do capitalismo global dissemina-se, no limiar da Quarta Revolução Industrial, o oferecimento de bens e serviços lastreados na tecnologia informacional em rede de computadores e aplicativos em smarthphones conectados à Internet. Trata-se das ditas tecnologias disruptivas, isto é, inovações tecnológicas de bens ou serviços que utilizam uma estratégia disruptiva ao invés de evolutiva ou incremental, promovendo mudanças drásticas nos paradigmas de organização social, classificação profissional e regulação jurídico-política. Na era do capitalismo global, iniciada em 1980, ocorreram pelo menos duas importantes revoluções tecnológicas. Elas alteraram, de modo significativo, a organização do trabalho e a produção social, com impactos disruptivos na cultura, ideologia, lazer, psicologia social, consumo e política. São elas: a revolução informática (a computação microeletrônica e o personal computer); e a revolução informacional (a Internet e o ciberespaço). Tanto a revolução informática, quanto a revolução informacional, são “cabeças de ponte” da Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0 do capitalismo do século XXI.2 Como exemplo de empresa capitalista nascida com a “economia disruptiva”, temos a Uber, fundada nos Estados Unidos em 2009. Em 2 Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0 é um termo que engloba algumas tecnologias para automação e troca de dados e utiliza conceitos de Sistemas ciberfísicos, Internet das Coisas e Computação em Nuvem. A Indústria 4.0 facilita a visão e a execução de “Fábricas Inteligentes” com as suas estruturas modulares, os sistemas ciberfísicos monitoram os processos físicos, criam uma cópia virtual do mundo físico e tomam decisões descentralizadas. Com a internet das coisas, os sistemas ciberfísicos comunicam e cooperam entre si e com os humanos em tempo real, e através da computação em nuvem, ambos os serviços internos e intraorganizacionais são oferecidos e utilizados pelos participantes da cadeia de valor. Embora muitos analistas só observem as mudanças drásticas na indústria propriamente dita, consideramos que a Quarta Revolução Industrial diz respeito a mutações tecnológicas na própria organização material do trabalho vivo no comércio e serviços – incluindo administração pública. Smartphones conectados à Internet e plataformas de serviços com aplicativos inteligentes “revolucionam” a prestação de serviços e o comércio dito eletrônico (e-commerce). A nova tecnológica informacional digital e virtual impulsiona aquilo que os autores denominam “economia de compartilhamento”, “economia disruptiva” ou “economia sob demanda”. 80 “MODELO UBER”, AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI 2010 ela lançou seu aplicativo e-hailing para smarthphones conectados à Internet, ferramenta essencial através da qual a empresa opera. A Uber surgiu como serviço de transporte privado, disseminando-se a seguir para outros campos de aplicação da tecnologia de compartilhamento. O “modelo Uber” se disseminou na indústria dos serviços on-line de transporte privado, existindo hoje outras plataformas similares. Hoje em 2017, diversificando seu negócio altamente lucrativo, a Uber está explorando, em alguns países, o serviço de entrega de refeições em domicílio: o UberEATS (a Uber é uma empresa capitalista avaliada em 18,2 bilhões de dólares, em junho de 2014, contando com investidores como a Google e Goldman Sachs. O vínculo da Uber com o capital financeiro é flagrante) (UBER…, c2017). Nosso objetivo neste artigo é oferecer uma pequena contribuição à reflexão sobre o modelo Uber, visando entender seu modo de funcionamento e organização, além da sua lógica de exploração da força de trabalho e acumulação de capital. Indicaremos como seu lastro ideológico o mito do autoempreendedorismo, ideologia capaz de aprofundar a alienação e autoalienação do trabalho humano nas condições históricas da nova precariedade salarial do capitalismo do século XXI. Em quase 10 anos de operação da Uber, começam a surgir no Brasil estudos sobre os efeitos sociais e jurídicos das plataformas de aplicativos e-hailing no mundo do trabalho e nos negócios de serviços. Podemos destacar o livro “Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais” (LEME; RODRIGUES; CHAVES JÚNIOR, 2017) que reúne um conjunto de pesquisadores do Direito, juristas e procuradores do trabalho (do Brasil e Portugal) que expõem os impactos das ditas “tecnologias disruptivas” no Direito do Trabalho e na vida social. Uma das preocupações candentes dos operadores do Direito no Brasil e no mundo3 tem sido enquadrar, por exemplo, a classificação profissional dos motoristas da Uber, discutindo 3 Means e Seiner (2016) ou ainda Employment… (2017). 81 Giovanni Alves se a relação “salarial” deles se configura como emprego ou trabalho por conta própria (autoempreendedorismo). 2 GIG ECONOMY, UBER E O CAPITALISMO FLEXÍVEL O “modelo Uber” de organização do trabalho deve ser situado no interior do movimento da totalidade concreta do capitalismo global e do novo regime de acumulação flexível (HARVEY, 1992). Ele representa a concatenação das novas tecnologias informacionais (aplicativos em rede) e o processo de exploração capitalista da força de trabalho nos serviços. Estamos apenas no limiar dos efeitos econômicos, sociais, culturais e psicológicos da revolução informacional em rede iniciada na década de 1990, primeiro com a Internet e depois, na década de 2000, com a disseminação em massa dos telefones celulares e depois smarthphones/ tablets conectados à Internet. A revolução das redes sociais, que surgiu com a economia da Internet na década de 2000, alterou não apenas padrões de sociabilidade e consumo, mas também os modos de organização e de regulação/controle do trabalho humano. O movimento tardio da propriedade privada lastreado na nova base tecnológica informacional revoluciona as condições de produção e existência social, ocultando o trabalho alienado e seu sociometabolismo estranhado. Nas condições históricas do turbocapitalismo4, dissemina-se o novo (e precário) mundo do salariato hiperfetichizado baseado na economia gig do século XXI5. 4 O turbocapitalismo é outra denominação do capitalismo flexível, o capitalismo global do século XX, capitalismo da crise estrutural do capital, no qual impera a hipervelocidade e a sociedade em rede capaz de aprofundar a redução do tempo de vida a tempo de trabalho alienado (o fenômeno da “vida reduzida”), a compressão do espaço-tempo (HARVEY, 1992) com efeitos nefastos no processo de subjetivação humana (BIFO, 2003). 5 De acordo com Lipovetsky (2004), vivemos em tempos hipermodernos. Deste modo, podemos conceber que na etapa do turbocaptalismo que instalara a hipermodernidade, ao invés da pós-modernidade, desenvolve-se um modo de salariato hiperfetichizado que oculta por meio do fetiche tecnológico a relação de emprego ou subalternidade estrutural entre o trabalho vivo e o capital (LIPOVETSKY, 2004). 82 “MODELO UBER”, AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI Economia dos bicos ou Gig Economy, também conhecida como “Freelance Economy“ ou “Economia sob demanda”, é o ambiente ou o mercado de trabalho que compreende, de um lado, trabalhadores temporários e sem vínculo empregatício (freelancers, “autônomos”), ou melhor, vínculos empregatícios ocultos pelo salariato hiperfetichizado; e, de outro, empresas que contratam esses trabalhadores independentes, para serviços pontuais, e ficam isentas de regras trabalhistas. O termo não é novo, mas se tornou tendência mundial na era digital e virtual do capitalismo flexível, impulsionado por empresas como Uber e Amazon. A gig economy expressa com vigor o novo (e precário) mundo do trabalho informacional. O glamour das novas tecnologias digitais (e virtuais) disruptivas6, oculta não apenas o vinculo de subalternidade estrutural entre o trabalho e o capital, mas a nova precariedade salarial em sua forma extrema. Enquanto na “economia tradicional” no Brasil, o trabalhador assalariado é contratado via Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, dessa forma, tem assegurado direitos como pagamento regular de salário e benefícios, 13º salário, férias, salário desemprego, aposentadoria etc.; na gig economy, os contratos são independentes e possuem cláusulas específicas (MENA, 2016, p. 2). “Na Gig Economy não costuma haver qualquer tipo de benefício ou direito trabalhista. Terminado o objeto do contrato ou o projeto, a relação entre empresa e empregado chega ao fim.” (MURER, 2016 apud MENA, 2016, p. 2). A Reforma Trabalhista de 2017 no Brasil legalizou o trabalho intermitente, que expressa, em termos jurídicos, a nova modalidade de contratação da força de trabalho na gig economy. 6 No livro “Infoproletários: degradação real do trabalho virtual”, organizado por Ricardo Antunes e Ruy Braga, não existe artigo tratando, por exemplo, dos “infoproletários” dos serviços de transporte privado, organizados pelo aplicativo e-healing. Talvez na concepção dos organizadores, “infoproletários” seriam principalmente os trabalhadores de call centers/teleatividade onde o vínculo empregatício está bastante explícito (o que não ocorre, por exemplo, com os trabalhadores da Uber); ou ainda, em 2008 a empresa Uber não existia e o surgimento do infotrabalho virtual por aplicativos não estivesse tão disseminado nos países do capitalismo global (ANTUNES; BRAGA, 2009). Nesse caso, ao examinar-se os novos infoproletários, a problemática ideológica do autoempreendedorismo seria colocada de modo candente. 83 Giovanni Alves A Revista Wired referiu-se à gig economy como o novo paradigma salarial do século XXI. Diz ela que, num estudo feito pelo JP Morgan Chase Institute revelou-se que o número gig workers nos Estados Unidos cresceu 10 vezes desde 2012; e que 4% de adultos já trabalhou, ao menos uma vez, nesse mercado (MENA, 2016). Um outro estudo, da Intuit Research, prevê que até 2020 a gig economy compreenderá 40% dos trabalhadores americanos” (ALBA, 2015). No artigo “Uber is just the tip of the iceberg: the gig economy is leveraging the human cloud”, Blikre (2016) observa que a gig economy caracteriza-se pela flexibilidade laboral: empregadores podem contratar a força de trabalho de acordo com demandas pontuais; e os trabalhadores assalariados não precisam ficar num local de trabalho e cumprir horário. As novas tecnologias informacionais permitem a desterritorialização do local de trabalho (teletrabalho) e a flexibilização da jornada laboral, reduzindo-se, deste modo, tempo de vida a tempo de trabalho. Altera-se a forma como os trabalhadores assalariados veem seus trabalhos, tanto em termos de planos de carreira, como em relação ao que esperam das empresas para as quais prestam serviços. A gig economy implica a “captura” da subjetividade do trabalho vivo pela nova lógica do capital. O novo e precário mundo do trabalho lastreado nos aplicativos virtuais e teletrabalho é o “paraíso” do espirito do toyotismo. A idéia do “patrão de si mesmo” representa o salariato hiperfetichizado, dominado pela ideologia do autoempreendedorismo) (ALVES, 2011). 3 O MODELO UBER E A NOVA FORMA DE EXPLORAÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO O “modelo Uber” de organização do trabalho é o sistema de autoempreendedorismo organizado por meio dos aplicativos informacionais e-hailing. A Uber presta serviços eletrônicos na área do transporte privado urbano por meio de um aplicativo e-hailing que oferece um serviço semelhante ao táxi tradicional, conhecido popularmente como 84 “MODELO UBER”, AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI serviços de “carona remunerada”. A base técnica informacional torna-se fundamental para a nova lógica de organização do trabalho vivo. Por meio dela constitui-se virtualmente o processo de trabalho da prestação de serviço de transporte privado nas metrópoles, ocultando-se os vínculos de subalternidade estrutural da relação salarial (vínculos de emprego) e, portanto, a relação social de exploração e espoliação própria da relação-capital. O modelo Uber de organização do trabalho difunde a ideologia do autoempreendedorismo salarial, sendo ele a expressão pós-moderna do movimento da propriedade privada, cuja “essência subjetiva” (como observou Karl Marx (2004)) é o trabalho estranhado. No modelo Uber de organização do trabalho existe um processo objetivo de cooperação entre trabalhadores assalariados que prestam o serviço de transporte privado, administrados por um aplicativo informacional. A forma tecnológica e seu fetiche reforçam a ideologia-mor do novo capitalismo flexível: o autoempreendedorismo. O modelo Uber de organização do trabalho institui a relação social de exploração (ou extração de mais-valia) mediada por um aparato tecnológico informacional: o aplicativo e-hailing7. “E-hailing é o ato de se requisitar um táxi através de um dispositivo eletrônico, geralmente um celular ou smartphone. Ele substitui métodos tradicionais para se chamar táxis, como ligações telefônicas ou simplesmente esperar ou ir à busca de um táxi na rua” (UBER…, c2017, p. 2). Eis como a ótica empresarial apresenta as vantagens do aplicativo e-hailing em relação às maneiras tradicionais de pedir por táxis: 7 “Fundada em 2009 por Garrett Camp e Travis Kalanick, a proposta inicial do Uber era ser um serviço semelhante a um táxi de luxo, oferecendo carros como Mercedes S550 e Escalade na cidade de São Francisco (Califórnia). O aplicativo foi lançado em 2010 para Android e iPhone. Ele foi um dos pioneiros no conceito de E-hailing. Em 2010 e 2011, o Uber recebeu quase 50 milhões de dólares em investimentos feitos por investidores-anjo e venture capitalists; em 2012 a empresa expandiu os serviços para Londres e iniciou testes de incluir a requisição de táxis convencionais através do aplicativo em Chicago. No mesmo ano, passou a oferecer táxi aéreo por helicóptero entre a cidade de Nova Iorque e Hampton por 3000 dólares. Em 2015 o Uber recebeu uma nova rodada de investimento, da qual a Microsoft fez parte, o que fez seu valor de mercado subir a US$ 51 bilhões” (UBER…, c2017, p. 1, grifo nosso). 85 Giovanni Alves • • • Facilidade no pagamento: armazenam-se informações de cartão de crédito no aplicativo, não necessitando de máquinas leitoras sem fio no táxi; Rapidez: enquanto empresas de táxi tradicionais não possuem informações precisas e em tempo real da localização de seus funcionários, o uso de aplicativos de e-hailing pelo taxista ou motorista permite que o aplicativo tenha informações de GPS em tempo real. Assim, chama-se automaticamente o táxi mais próximo, reduzindo o tempo de espera; Custo: os custos de se manter um aplicativo de e-hailing são muito menores que os de se manter uma empresa tradicional de táxi, possibilitando grande redução nos preços cobrados (UBER…, c2017, p. 2, grifo nosso). O e-hailing, produto da revolução informacional em rede provocada pelo capitalismo flexível na organização do trabalho da indústria de taxi e da prestação de serviços de transporte privado, não apenas propicia as vantagens acima salientadas (facilidade, rapidez e custo), mas também amplia o círculo de consumo dos serviços de transporte privado nas metrópoles e cidades médias, acirrando, ao mesmo tempo, a concorrência entre os trabalhadores da indústria do transporte privado (por exemplo, taxistas versus motoristas do Uber). O modelo Uber de organização do trabalho de transporte privado cria uma linha de produção de serviço que inclui trabalhadores recém-desempregados que auferem renda salarial como motorista da Uber; ou trabalhadores empregados em situação de precariedade salarial que utilizam o trabalho com a Uber como “bico”, isto é, complementam no “tempo livre”, a renda salarial precária. A linha de produção criada pelo aplicativo e-hailing tende a integrar numa rede de bicos (gig net), profissionais e trabalhadores de formação de grau superior, cujo acervo de qualificação da sua força de trabalho foi esvaziado pelo movimento do capital. Portanto, a nova linha de produção em rede do modelo Uber de organização do trabalho torna-se, assim, um receptáculo do precariado afluente. Por exemplo, de acordo com pesquisa com motoristas da Uber no Rio de Janeiro (2016), pelo menos 50% dos motoristas da Uber possuíam alta escolaridade (ensino superior completo e incompleto, 86 “MODELO UBER”, AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI e inclusive alguns pós-graduados) (LEME; RODRIGUES; CHAVES JÚNIOR, 2017). O “modelo Uber” de organização do trabalho representa um modo de “fluidez espúria” da superpopulação relativa estagnada do capital, aquela que Marx (2013) caracterizou como sendo constituída por ocupações completamente irregulares, trabalhando pelo máximo de tempo de serviço e mínimo de salário. Na gig economy – a economia dos subempregos – existe fluidez, mas uma fluidez espúria onde os trabalhadores assalariados lutam contra a “parada do tempo” (o desemprego aberto). O modelo Uber contribui para a performance da redução do desemprego aberto por meio da proliferação do subemprego. Como insistem em dizer os motoristas do Uber, “é preciso pagar as contas”. Assim, pode-se dizer que existe uma mobilidade interna do mercado de trabalho secundário, a flexibilidade numérica que sempre foi predominante no mercado de trabalho brasileiro (vide Gráfico 1, deslocamento BC). Existe uma rotatividade (ou fluidez) no interior da própria nova precariedade salarial, isto é, um contínuo se reinserir (ou permanecer) na situação da nova precariedade salarial (deslocamento BC). Ao mesmo tempo, a linha de produção de “prestação de serviços” de transporte privado cresce com a incorporação flexível de novos motoristas. A vantagem do modelo Uber de organização do trabalho é a facilidade da entrada e saída de novos motoristas na cadeia de produção, tornando-se, assim, oportunidade de trabalho para a superpopulação relativa líquida, repelida durante a desaceleração e recessão da economia capitalista. Com a retomada da economia, uma parcela de trabalhadores que prestam serviço como motoristas pode retornar para suas ocupações como “exército ativo” dos trabalhadores inseridos no mercado de trabalho primário (vide Gráfico 1, deslocamento BA). 87 Giovanni Alves Gráfico 1 – Deslocamentos laborais do trabalho vivo Fonte: Elaborado pelo próprio autor. Por exemplo, numa pesquisa realizada na cidade de Fortaleza8 (com o apoio de Ana Celeste Casulo) constatou-se o seguinte: a) aumento da concorrência entre os motoristas do Uber: de acordo com dados obtidos de um dos entrevistados, no começo de 2015 havia cerca de 3.000 motoristas inscritos. Em setembro de 8 A pesquisa sociológica com motoristas do Uber foi realizada de 4 a 8 de setembro de 2017 em Fortaleza - CE, uma das maiores regiões metropolitanas do País. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017), a estimativa da população na capital cearense em 2017 é de 2.627.482, o que torna Fortaleza a 5ª capital mais populosa do país. Fizemos entrevistas livres com 8 (oitos) trabalhadores do Uber, conversando sobre suas condições de trabalho, trajetória ocupacional, tempo de trabalho e rendimentos. Desde 2016, os motoristas de Fortaleza pleiteiam na Justiça a autorização para utilizar o aplicativo Uber, tendo sido concedidas liminares que autorizam motoristas que entraram individualmente na Justiça a exercerem suas funções sem fiscalização e perigo de terem seus carros apreendidos. De acordo com a Defensoria Pública do Ceará, “a utilização da plataforma Uber atende aos fins sociais preconizados pela Carta Magna de 1988 e pela política de geração de empregos que a economia do país deveria seguir, pois é uma forma de inclusão no mercado de trabalho, gerando emprego e renda aos trabalhadores, bem como um benefício para a economia e para os consumidores” (QUEIROZ, 2016 apud MOTORISTAS…, 2017, p. 3). Em 21 de agosto de 2017, a Justiça do Ceará liberou em caráter liminar (temporário) a atuação dos motoristas que utilizam o aplicativo Uber. Na decisão, o juiz Carlos Augusto Correia Lima, titular da 7ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, determinou que a Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) e Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e Cidadania (AMC) “se abstenham de proceder a quaisquer atos ou medidas que restrinjam ou impossibilitem o livre exercício das atividades da empresa Uber do Brasil Tecnologia” (LIMA, 2017 apud UBER…, 2017, p. 2). 88 “MODELO UBER”, AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI 2017, o número é de 17.000. A profunda recessão da economia brasileira e a autorização da Justiça em 2016 para a operação da Uber em Fortaleza contribuíram para o aumento de inscritos na plataforma Uber. Caso a Uber seja autorizada de vez a operar em Fortaleza, o número de inscritos no aplicativo deve crescer. b) redução do faturamento líquido de quem trabalhava com a Uber: segundo um entrevistado, em meados de 2016, o faturamento médio liquido de quem trabalhava por exemplo, das 7 às 13h, era de R$ 250,00/dia. Um ano depois, em meados de 2017, quem trabalhava das 7 às 17 h, faturava em média R$ 150,00/ dia. Entretanto, todos os entrevistados reiteraram que ganhavam o suficiente para “pagar as contas - e mal”, sendo que alguns deles exercem outras ocupações (o Uber seria um “bico”). Ao mesmo tempo, o crescimento da utilização do aplicativo Uber reduziu nas metrópoles a renda dos trabalhadores taxistas. Na verdade, taxistas e motoristas da Uber perdem com a expansão do serviço, tendo em vista que o aumento do número de trabalhadores prestadores de serviço e o aumento de usuários, que tem crescido exponencialmente, reduzem a parcela de faturamento diário dos motoristas da Uber. Por outro lado, os proprietários da plataforma Uber (a empresa), com o aumento da quantidade de motoristas inscritos no aplicativo e o crescimento da demanda pelos usuários devido à queda dos preços das corridas, obtém incremento na massa de mais-valia. Para cada corrida, a plataforma Uber fica com 25% e o trabalhador motorista com 75%. c) predomínio da circulação ocupacional dos motoristas da Uber no interior do mercado de trabalho secundário (vide Gráfico 1, o deslocamento BC): todos os motoristas do Uber que entrevistamos tinham anteriormente ocupações precárias na área de vendas ou serviços. A chegada do aplicativo no Brasil incorporou parcelas de trabalhadores precários “desligados” de suas atividades anteriores, incluindo-os num patamar rebaixado de remuneração. Pelo visto, o Uber serviu para manter os “precá89 Giovanni Alves rios” em situação de precariedade com a taxa de remuneração sendo regulada pela concorrência. Como vimos acima, na medida em que aumentou a concorrência entre os trabalhadores da Uber, caiu a remuneração individual de cada motorista. Portanto, quanto maior a velocidade de giro de cada motorista, maior a capacidade do aplicativo e-hailing reduzir, em termos relativos, o custo da viagem, tornando o sistema Uber atraente para os clientes. Entretanto, o aumento do número de motoristas inscritos e de usuários, que tem crescido exponencialmente, reduz a parcela de faturamento diário de cada motorista. Por outro lado, a empresa Uber, com o aumento da utilização do aplicativo por motoristas e usuários em cada metrópole e cidade média do Brasil e do mundo, obtém um incremento no faturamento diário, crescendo, assim, a massa de mais-valia extraída de cada trabalhador integrado na rede (o custo do combustível e a manutenção do veículo é por conta do trabalhador motorista da Uber). Com a nova base técnica do capitalismo global propiciada pela revolução informacional em rede, a mais-valia relativa articula-se cada vez mais com mais-valia absoluta no sentido de que, por exemplo, o aplicativo e-hailing, apesar das facilidades (e redução do custo) para o consumidor do serviço de transporte privado, exige intensificação do trabalho do motorista nas condições da metrópole capitalista. Enfim, o veículo inserido na rede do e-hailing deve girar mais para garantir um retorno monetário adequado para o sujeito que trabalha. O sistema informacional aproveita-se do aumento da concorrência entre os próprios trabalhadores para compor a rede (ou linha de produção). Ao mesmo tempo que cai o custo para o cliente, a remuneração do trabalhador motorista também se reduz, na medida da concorrência e do giro das corridas no espaço-tempo da metrópole. Assim, por um lado, a tecnologia e-hailing intensifica o trabalho, ao mesmo tempo que alonga o tempo de trabalho na medida em que a 90 “MODELO UBER”, AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI concorrência aumenta por conta da ampliação da rede de sujeitos que trabalham, por exemplo, como motoristas do Uber. Por outro lado, a degradação do mercado de trabalho formal com o aumento da mancha de precariedade salarial provoca o aumento de inscritos na plataforma que buscam fazer um “bico” para pagar as contas. Pela lei do mercado, o aumento da oferta reduz o preço do serviço. A operadora da organização do trabalho – a Uber – lucra com a escala ampliada da rede de motoristas incluídos no serviço. A remuneração média de cada motorista deve cair, ao mesmo tempo que se alonga a jornada de trabalho como necessidade para manter (ou aumentar) a remuneração média diária. Eis a lógica da nova precariedade salarial que o modelo Uber de organização do trabalho replica, na medida em que aumenta a escala da indústria de prestação de serviços de transporte privado. Deste modo, o aplicativo e-hailing apenas opera a nova organização do trabalho que mantém, como vimos acima, a lógica da nova precariedade salarial (a síntese entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa). Além da intensificação do trabalho e alongamento da jornada, o motorista do Uber está exposto a uma forma de controle do desempenho feita pelo próprio cliente do serviço que atribui a ele uma avaliação (como ocorre hoje em muitas prestações de serviços). É uma forma de controle do trabalho que visa supostamente melhorar a qualidade do atendimento ao usuário, sendo bastante eficaz enquanto “captura” da subjetividade, pois dispensa o “supervisor externo”. O usuário é o próprio supervisor do trabalho. O motorista do Uber é obrigado a cumprir uma série de regras para ter boa pontuação e ser o escolhido pelo aplicativo nas próximas corridas. Tais formas de controle da qualidade da ação ideológica sobre usuários de serviços contribuem para a autoculpabilização do trabalhador prestador de serviço. Entretanto, o controle do aplicativo e-hailing é de mão-dupla: o motorista da Uber também avalia o cliente usuário. Por exemplo, caso a pessoa seja um usuário 2 estrelas e solicita um carro, os motoristas podem recusá-la. 91 Giovanni Alves A utilização do aplicativo e-hailing no modelo Uber de organização do trabalho é um exemplo da utilização da tecnologia informacional na operação da manipulação reflexiva do capital, que se caracteriza pela ação ideológica do sujeito que trabalha sobre outros sujeitos usuários. A introdução da tecnologia informacional na organização capitalista de prestação de serviços possui efeitos incisivos na subjetividade da pessoa-que-trabalha. Ao se apropriar da reflexividade própria das tecnologias informacionais, o controle do trabalho vivo por meio do aplicativo e-hailing adquire um caráter fetichista que impacta a representação mental do estranhamento. Quadro 1 – “Modelo Uber” de organização do trabalho (nova base tecnológica informacional) Aplicativo e-hailing Síntese da mais-valia relativa e mais-valia absoluta Intensificação e alongamento do trabalho/ baixa remuneração (nova precariedade salarial) Gig Economia (economia dos bicos) Sociedade capitalista da “prestação de serviços” Acumulação flexível/exacerbação da concorrência Ideologia do autoempreendedorismo (alienação e autoalienação do trabalho vivo) “espirito do toyotismo” Estranhamento/“vida reduzida” Fonte: Elaborado pelo próprio autor. Constata-se na esfera da economia de bico (gig economy) o fenômeno da “vida reduzida” ou redução do tempo de vida a tempo de trabalho estranhado. Como fenômeno social do capitalismo global, a “vida reduzida” tem, por exemplo, como base técnica o aplicativo e-hailing. A nova tecnologia informacional transforma o modus operandi de organização da exploração da mais-valia, aprofundando a alienação e autoalienação do trabalho vivo (e as próprias contradições subjacentes da produção capitalista) ao instaurar a materialidade da ideologia do autoempreendedorismo. 92 “MODELO UBER”, AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI Enfim, o aplicativo e-hailing permite uma situação excepcional para o capital: ela opera com “mais pontos de produção” e “maior velocidade de circulação”. Ao mesmo tempo que amplia o mercado de produção/consumo disputado nas metrópoles, o crescimento da rede de cliente de transporte privado por conta da facilidade e redução do custo nos deslocamentos, dota o capital de maior velocidade de giro. Na verdade, o aumento da velocidade do giro do capital é benéfico para um capitalismo pressionado na sua taxa de lucratividade pelo aumento da composição orgânica do capital. Ao mesmo tempo, a tecnologia e-hailing reafirma o movimento da propriedade privada, ao ocultar o vínculo empregatício ou relação de subalternidade entre trabalho e capital e incutir a ideologia do autoempreendedorismo, velando o trabalho alienado como “essência subjetiva” do fato social de “ser proprietário” de seu instrumento de produção (o veículo). O depoimento de um motorista da Uber expressa a força da ideologia do autoempreendedorismo reforçada pelas possibilidades dadas pelas novas tecnologias informacionais. Disse ele: Não sinto [subordinação em relação à Uber]. É um trabalho como outro qualquer: tem um aplicativo, as regras deles que eu tenho que seguir como parceiro do aplicativo… Eu gosto daqui porque eu faço o meu horário, trabalho tranquilo. Trabalhar à noite é mais perigoso, mas eu gosto. Me sinto como um profissional autónomo: a Uber não exige o dia ou a hora em que eu tenho que trabalhar. Eu entrei pra Uber pela qualidade de vida, eu não tinha no meu emprego anterior. Aqui eu tenho mais liberdade, posso viajar quando quiser. Eu sigo o aplicativo: pra onde ele me levar, eu vou levando. Isso aqui é meio viciante […]. Você quer descansar, mas toca [o alerta de solicitação de corrida] e você vai de novo (informação verbal)9. No capitalismo flexível do século XXI, o capitalismo dos grandes oligopólios das finanças, no caso do modelo Uber, importa menos a 9 Depoimento fornecido numa pesquisa etnográfica com motoristas da Uber, realizada de maio a julho de 2016, por Rodrigo de Lacerda Carelli na cidade do Rio de Janeiro (CARELLI, 2017). 93 Giovanni Alves propriedade dos instrumentos laborais (o motorista é dono de seu próprio veículo) e mais, a renda auferida pela propriedade intelectual e marca do aplicativo e-hailing, capaz de exercer o controle do trabalho vivo e determinar a apropriação privada da riqueza social produzida. A sociedade capitalista baseada na exploração do trabalho humano tornou-se, na era do capitalismo global, uma “sociedade de serviços”. Não importa a forma material do trabalho concreto (indústria propriamente dita ou de serviços), mas sim o trabalho abstrato capaz de produzir valor. A Uber representa a forma material da indústria da prestação de serviços de transporte privado. A lógica do capital se materializou, principalmente a partir da década de 1970 nos países capitalistas centrais, na indústria dos serviços. As “tecnologias disruptivas” virtuais vinculadas à revolução informacional em rede deve aprofundar a “sociedade capitalista de serviços”. A “sociedade de prestação de serviços” com a nova revolução informacional em rede cria novas possibilidades de trabalho que apenas repõem a precariedade salarial noutra dimensão tecno-ideológica. A relação empregatícia – ou relação de exploração do trabalho humano – torna-se invisível com a ideologia do autoempreendedorismo. O “modelo Uber” é paradigma de outros aplicativos informacionais e-hailing que existem hoje prestando serviço de “carona remunerada” (por exemplo, cabify, lift, didi chuxing). 4 A TÍTULO DE CONCLUSÃO O capitalismo global exacerbou o movimento da propriedade privada na medida em que explicita uma profunda forma ideológica vinculada à fetichização da tecnologia do capital: o empreendedorismo como ideologia fundamental do mundo social do trabalho. Deste modo, a ideologia da Uber é apenas um exemplo da ideologia do autoempreendedorismo na medida em que cada trabalhador se insere na rede criada pelo aplicativo e-hailing (uma tecnologia capitalista) como proprietário do seu meio de produção. A Uber como ideologia do trabalho em rede 94 “MODELO UBER”, AUTO-EMPREENDORISMO E AS MISÉRIAS DO TRABALHO VIVO NO SÉCULO XXI oculta a relação de subalternidade entre seus motoristas e a organização capitalista mediada tecnológica e socialmente pelo aplicativo e-hailing. Assim, a propriedade aparece como materialização da vontade dos sujeitos humanos, ocultando que a propriedade é a submissão do mundo humano ao reino dos objetos, a lógica do capital. Ela representa a alienação (e autoalienação) do sujeito humano, expresso nos resultados crescentes de estresse, depressão, deformação do caráter e transtornos psicológicos, expressões subjetivas da miséria das individualidades pessoais de classe. REFERÊNCIAS ALBA, Davey. Amazon wades further into the complex world of the Gig Economy. Wired, 29 set. 2015. Disponível em: <https://www.wired.com/2015/09/ amazon-wades-complex-world-demand-economy/>. Acesso em: 26 set. 2017. ALVES, Giovanni. Trabalho e subjetividade: o espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011. ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (Org.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009. BIFO. La fábrica de la infelicidad: nuevas formas de trabajo y movimiento global. 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Ainda que boa parte destes efeitos possa ser considerada de natureza meramente conjuntural, tal como o índice de desemprego que praticamente dobrou nos últimos dois anos, não se pode desprezar que eles vieram acompanhados de mudanças estruturais, tais como na legislação trabalhista, a qual passa a viabilizar cada vez mais contratos temporários, parciais e intermitentes, 1 Analista do Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT). 2 Entre elas, o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Ciências sem Fronteiras. Erle Mesquita com impactos significativos para os mais jovens (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2016); e no gasto social, que o limitou à mera correção inflacionária pelos próximos vinte anos. Uma situação verdadeiramente preocupante na medida em que os efeitos do desemprego historicamente recaem com maior intensidade sobre os mais jovens que, além de sentirem os efeitos do comportamento geral da economia a que todos são submetidos, apresentam algumas peculiaridades próprias da faixa de idade, como a qualificação e a experiência profissional (POCHMANN, 2000). Por essa razão, tornou-se notável que uma parcela da população juvenil enfrentava maiores dificuldades de fazer a transição do sistema escolar para o mundo do trabalho, quer pela baixa escolarização advinda muitas vezes do abandono escolar, quer de outras barreiras que se colocavam nas situações de procura por trabalho. Esse tipo de situação despertou o interesse das organizações e da mídia ao ficar conhecida, ou até mesmo estigmatizada, como “geração nem-nem”. Uma designação que, no entanto, merece maiores reflexões devido às diferentes situações que podem levar os mais jovens a se distanciarem tanto do sistema escolar quanto do mundo laboral. É diante desse tipo de realidade que o presente estudo pretende contribuir no debate sobre a juventude, especialmente diante da grave crise que vive agora o mercado de trabalho nacional. Para isso, recorreram-se às bases de microdados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) de algumas das principais regiões metropolitanas do País, como forma de tentar compreender a alocação do tempo juvenil.3 Embora não se tenha a pretensão de dizer que os achados dessas regiões sejam representativos para toda a realidade metropolitana brasileira, não se podem desprezar as singularidades que foram observadas entre aqueles jovens que, além de não estarem estudando ou trabalhando, parece que também desistiram da procura por trabalho. É desse segmento da população juvenil que tratam as próximas seções. 3 Fortaleza, Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Distrito Federal. 100 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL 2 “NEM-NEM”: CATEGORIA OU ESTIGMA? Para enfrentar a resposta desta questão, é preciso levar inicialmente em consideração que os elevados índices de desemprego juvenil, desde o final do século passado, têm despertado o interesse dos diferentes atores governamentais e não governamentais para esse tipo de discussão. Até então, esses atores pareciam estar muito envolvidos em resolver os problemas ligados ao sistema educacional, tais como o analfabetismo e a evasão escolar, quando se tratava dos mais jovens. O “xis” da questão pareceu ocorrer quando se tornou mais perceptível que uma parcela da juventude não conseguia fazer a transição do sistema escolar para o mundo do trabalho pois, até então, parecia haver naturalmente essa transição, ainda que de maneira precoce e incompleta, sobretudo para os mais pobres que, muitas vezes, abandonavam cedo os estudos para poder trabalhar. Esse tipo de elo é relevante na medida em que o movimento que leva os mais jovens da escola para o mundo do trabalho representa um verdadeiro rito de passagem, dado que historicamente foi moldado e compartilhando por gerações. Ainda que “incompleto”, por existirem diferentes níveis de escolarização, esse movimento colocava - e ainda coloca - os indivíduos do lado da vida escolar ou do trabalho, bem como em ambas as situações. Ou seja, é exatamente a falta de posicionamento ou de marcação de uma trajetória escolar ou laboral, inclusive em cursos ou treinamentos para o trabalho, que esse grupo populacional passou a ser reconhecido como “geração nem-nem”. Uma denominação que acabou se popularizando internacionalmente devido às conceituações negativas dessa “falta de status” (FURLONG, 2006).4 Isso porque, em que pese que essa significação tenha variação nos diferentes espaços nacionais, é fato que tal tipo de valoração é mile4 Esta expressão é representada na língua inglesa pela sigla “NEET” (neither in employment nor in education or training) e de “ni-ni”, na versão espanhola (ni estudian ni trabajan). 101 Erle Mesquita narmente compartilhado desde o Antigo Testamento o qual diz que os indivíduos precisam sobreviver do seu próprio esforço.5 Um desafio que, no entanto, ganhou novos contornos na contemporaneidade, por não depender apenas do esforço individual, pois embora boa parcela da população reivindique trabalho, pode ser privada dessa reivindicação; ou seja, o desemprego, tal como institucionalmente reconhecido e contabilizado como tal na contemporaneidade, é a associação entre a reivindicação ao trabalho e à sua privação (DEMAZIÈRE, 1995, 2003; MESQUITA, 2013). Assim, ainda que pese a teimosia do pensamento liberal em não reconhecer essa realidade, a situação do desemprego é, na maioria dos caos, uma condição involuntária do indivíduo, na medida em que são contabilizados aqueles que efetivamente estão à procura de trabalho e, até então, não conseguiram uma oportunidade. É diante dessa realidade que o conceito de “nem-nem” recebe críticas e más interpretações, por chegar a rotular os jovens que involuntariamente estão em tal condição. Isso porque, diferentemente das situações ocupacionais de ocupado ou desempregado, que seguem normas internacionais de mensuração - oriundas, sobretudo, das definições da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não há uma padronização internacional para os “nem-nem” (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2015). Assim sendo, a variação na significação de “nem-nem” mais parece estar ligada a um processo de estigmatização de um determinado grupo populacional do que a uma clara categoria classificatória de situação ocupacional, ainda que possivelmente mensurável e de grande valia para as políticas públicas, especialmente daquelas voltadas para a juventude. Esse tipo de assertiva é ainda mais evidente quando levadas em consideração as construções sociais e os problemas que parecem estar próximos dos “nem-nem”, tais como a exclusão social (INTERNATIO5 Uma das referências mais explícitas está em Gênesis 3: 19: “Com o suor do teu rosto comerás o teu pão”. 102 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL NAL LABOUR ORGANIZATION, 2012) e a marginalização (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2012; QUINTINI; MARTIN, 2014). Ante as recorrências dessas situações, parecem ser poucas as abordagens que encaram esse período de ociosidade da juventude como uma forma saudável de transição da vida escolar para a do trabalho (ORGANIZATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT, 2013). Ao revés, e significativamente, os resultados estatísticos acabam favorecendo as preocupações com esse segmento da juventude que não estuda e nem participa do mercado de trabalho, especialmente por haver sobrerrepresentação de alguns segmentos específicos como os mais jovens e os mais pobres os quais, querendo ou não admitir, possuem historicamente maiores vulnerabilidades sociais perante os demais segmentos populacionais. 3 QUANTOS E QUEM SÃO? Entre os 8,6 milhões de jovens com idade entre 15 e 29 anos, que residiam nas áreas metropolitanas investigadas pela PED, em 20166, um quarto deles não estava estudando ou trabalhando (24,9%). Eram 2,1 milhões de pessoas na condição de “nem-nem”, ainda que mereça ser destacado que mais da metade desse segmento populacional estava involuntariamente nessa condição por conta do desemprego (1,2 milhão). Ou seja, eram jovens que efetivamente estavam à procura de trabalho nas agências de emprego (públicas ou privadas), nas empresas, bem como consultando anúncios de empregos, amigos e parentes. Ao se desconsiderar essa parcela de jovens desempregados, identificou-se que havia, em 2016, 963 mil pessoas, de 15 a 29 anos, que nem 6 A geração dos indicadores desta seção se deu por um processamento próprio com base nos microdados da PED de diferentes regiões metropolitanas. Esse acervo pode ser encontrado no endereço a seguir: https://www.dieese.org.br/analiseped/anualSINTMET.html 103 Erle Mesquita estavam estudando, nem trabalhando e nem procurando uma oportunidade laboral, no conjunto das regiões pesquisadas. Esse contingente é equivalente a 11,2% de toda a juventude tomada para investigação. Essa proporção de jovens não estudantes e na condição de economicamente inativos no mercado de trabalho (nem-nem-nem) chegou a ser mais expressiva nas regiões metropolitanas de Porto Alegre (11,9%), Salvador (12,2%) e, principalmente, de Fortaleza (16,9%). Já as menores representações foram encontradas na região metropolitana de São Paulo (10,0%) e no Distrito Federal (9,7%), cujas localidades registraram um peso relativamente mais expressivo da situação do desemprego do que de um possível desalento entre os mais jovens, quando analisada a composição daqueles que não participavam do mercado de trabalho ao mesmo tempo em que não estudavam, no ano de 2016. Tal situação também foi percebida na metrópole baiana, que detém o mais elevado patamar de desemprego entre as regiões pesquisadas (GRÁFICO 1). Gráfico 1 – Percentual de pessoas, de 15 a 29 anos, que não trabalham e não estudam, por tipo - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2016 Jovens inativos Jovens desempregados 35,0 30,0 25,0 11,4 20,0 17,8 9,1 15,0 10,0 16,9 5,0 0,0 Fortaleza 12,2 11,9 Salvador Porto Alegre 14,4 11,8 10,0 9,7 São Paulo Distrito Federal Fonte: Elaborado pelo próprio autor, baseado em dados da PED (2016). Em 2016, a taxa (global) de desemprego atingia 24,1% da força de trabalho metropolitana de Salvador, percentual bem mais expressivo do 104 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL que o registrado no Distrito Federal (17,8%) e nas áreas metropolitanas de São Paulo (16,8%), Fortaleza (13,1%) e Porto Alegre (10,7%). Mas para além do desemprego propriamente dito, verificou-se que parcelas das juventudes metropolitanas sequer participam do mercado de trabalho na condição de desempregado, isto é, pressionando e reivindicando um posto de trabalho. Tal situação tem despertado o interesse da inteligência analítica e colocado em xeque as políticas públicas que parecem não ter conseguido estabelecer um elo de transição entre a vida escolar e o mundo do trabalho, especialmente nas grandes metrópoles. É diante desta realidade que começo caracterizando essa parcela da juventude que nem trabalha, nem estuda e nem procura uma oportunidade laboral, quanto aos atributos pessoais, tais como sexo, escolaridade, faixa de idade e raça/cor. São informações que, de regra, são mais factíveis por meio da investigação dos microdados das pesquisas domiciliares, tal como a PED, uma vez que esses jovens, ao não estarem à procura de trabalho, tornam-se mais difíceis de ser identificados. É igualmente significativo colocar que tal recurso metodológico impõe também limitações na medida em que não se pode avançar mais detalhadamente nas significações quanto ao distanciamento dos mais jovens da vida escolar e do mundo do trabalho, ainda que as bases de dados de larga escala apontem importantes pistas. Note-se, por exemplo, que as jovens representam praticamente 2/3 da juventude “nem-nem-nem” (TABELA 1), cuja representação é consistente com a menor participação feminina no mercado de trabalho, quer motivada pela inatividade, quer pelo desemprego. 105 Erle Mesquita Tabela 1 – Composição por sexo das pessoas de 15 a 29 anos que não estudam e são inativas economicamente - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2016 Regiões Feminino Masculino Total Fortaleza 66,6 33,4 100,0 Salvador 67,2 32,8 100,0 São Paulo 67,9 32,1 100,0 Porto Alegre 69,2 30,8 100,0 Distrito Federal 63,2 36,8 100,0 Fonte: Elaborada pelo próprio autor, baseado em dados da PED (2016). Para além das maiores dificuldades de inserção feminina no mercado de trabalho e as limitações para maior desagregação das amostras para geração de estatísticas sobre temas ou subgrupos, constatou-se, por meio dos microdados, que boa parcela das jovens é mãe, sinalizando que precocemente engravidaram. Ou seja, o período de gestação, embora possa ser visto como um momento temporário do ciclo de vida, parece ter comprometido o andamento escolar e especialmente o nível de participação das mais jovens nos mercados de trabalho metropolitanos. Essa é uma sinalização importante na medida em que, embora possa estar havendo movimentos importantes de elevação da escolaridade da juventude, há indícios de que a questão da orientação sexual precisa ser reforçada diante da sobrerrepresentação feminina entre aqueles que nem estudam, nem trabalham e nem procuram oportunidades laborais. Isso porque a arte de cuidar dos filhos muitas e muitas vezes é colocada como se ainda fosse um papel eminentemente feminino, o que parece ainda estar distanciando boa parcela das mais jovens dos bancos escolares e do mercado de trabalho. Não obstante os avanços das políticas e dos indicadores educacionais, os níveis de escolaridade ainda são especialmente baixos entre os jovens que não participavam do mercado de trabalho e nem estavam 106 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL estudando, nas metrópoles investigadas. Em três das cinco regiões pesquisadas, verificou-se que mais da metade desses jovens não haviam concluído o ensino médio (TABELA 2). E mesmo entre aqueles que conseguiram “terminar” os estudos, numa clara marcação da conclusão do ensino médio como referência de padrão de escolarização, não haviam conseguido se (re)inserir no mercado de trabalho quando os inquéritos domiciliares foram levados a campo. Tabela 2 – Composição por escolarização das pessoas de 15 a 29 anos que não estudam e são inativas economicamente - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2016 Até fund. incompleto Entre fund. completo e médio incompleto Médio completo ou mais Total Fortaleza 26,8 26,3 46,9 100,0 Salvador 31,4 20,5 48,1 100,0 São Paulo 16,9 24,5 58,8 100,0 Porto Alegre 28,1 30,6 41,3 100,0 Distrito Federal 19,8 16,0 64,2 100,0 Regiões Fonte: Elaborada pelo próprio autor, baseado em dados da PED (2016). Essa é uma realidade que parece atingir sobretudo os mais jovens, haja vista que praticamente 2/3 desse segmento populacional são compostos por pessoas com até 24 anos de idade (TABELA 3). Insegurança e maiores riscos com situações de marginalização são algumas das preocupações elencadas pela literatura sobre esses jovens, uma vez que são raros os posicionamentos de ver tal período de “ociosidade” como um momento saudável de transição entre a escola e o trabalho, conforme já mencionado. 107 Erle Mesquita Tabela 3 – Composição por grupos etários das pessoas de 15 a 29 anos que não estudam e são inativas economicamente - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2016 Regiões 15 - 24 anos 25 - 29 anos Total Fortaleza 65,0 35,0 100,0 Salvador 58,8 41,2 100,0 São Paulo 62,9 37,1 100,0 Porto Alegre 62,2 37,8 100,0 Distrito Federal 60,7 39,3 100,0 Fonte: Elaborada pelo próprio autor, baseado em dados da PED (2016). É notável esse tipo de preocupação quando se contrasta com os elevados índices de mortalidade da população juvenil, particularmente no Brasil. Trata-se, igualmente, de uma provocação na forma de agir do poder público que até então estava muito centrada em assegurar uma educação básica aos mais jovens, reduzindo o analfabetismo e a evasão escolar. Ainda que tais ações não eliminem os riscos da violência que ocorre, muitas vezes, dentro das próprias escolas, não se podem desprezar os avanços educacionais que ocorreram nos últimos anos, quando se verificou que foi crescente a proporção de jovens que se dedicaram exclusivamente aos estudos, especialmente quando se contrastam as informações de 2016 com 2009 (GRÁFICO 2). 108 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL Gráfico 2 – Proporção de pessoas, de 15 a 29 anos, que estudam e são inativas economicamente - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 2009-2016 30,0 27,5 25,0 22,5 20,0 17,5 15,0 12,5 10,0 Fortaleza Salvador 2009 2010 Porto Alegre 2011 2012 2013 São Paulo 2014 2015 Distrito Federal 2016 Fonte: Elaborado pelo próprio autor, baseado em dados da PED. Se, por um lado, é preciso dar crédito aos avanços das políticas educacionais, por outro, não se pode desprezar os efeitos que o crescimento econômico - ainda que sucedido por momentos de arrefecimento e de crise da economia como foram os anos de 2015 e 2016 - detiveram para financiar a inatividade juvenil, dado que, muitas vezes, os jovens largavam precocemente os estudos para poder trabalhar, particularmente os mais pobres. Os dados referentes à condição de atividade juvenil são bastante evidentes quanto a esse tipo de sinalização, quando se percebe que houve, ao longo da série pesquisada, uma redução da parcela de jovens economicamente ativos, independentemente de serem estudantes, ou não, nas regiões pesquisadas (GRÁFICO 3). 109 Erle Mesquita Gráfico 3 – Pessoas de 15 a 29 anos economicamente ativas, por tipo Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2009-2016 Fortaleza 55,0 45,0 35,0 25,0 15,0 5,0 2009 2010 2011 2012 Estudante 2013 2014 2015 2016 2014 2015 2016 2015 2016 Não estudante Salvador 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 2009 2010 2011 2012 Estudante 2013 Não estudante Porto Alegre 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 2009 2010 2011 2012 Estudante 110 2013 Não estudante 2014 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL São Paulo 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 2009 2010 2011 2012 Estudante 2013 2014 2015 2016 Não estudante Distrito Federal 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 2009 2010 2011 2012 Estudante 2013 2014 2015 2016 Não estudante Fonte: Elaborado pelo próprio autor, baseado em dados da PED. O que parece evidente pela representação gráfica é que boa parcela da força de trabalho deixou o mercado de trabalho, tanto voluntária quanto involuntariamente, e parece ter adotado, pelo menos, dois possíveis caminhos, quando analisadas as informações contidas na base de microdados da PED. Um primeiro, visto como possivelmente “positivamente privilegiado”, está associado ao movimento de elevação ou de extensão da escolaridade dos mais jovens, ainda que tal estratégia possa ser muitas vezes encarada como um subterfúgio para não submissão às precárias condições de trabalho ou fora da área de interesse ou da formação desejada. Já o segundo está relacionado à situação de 111 Erle Mesquita não estudo e de não participação do mercado de trabalho, cuja parcela da juventude pode ser colocada como “negativamente privilegiada” por geralmente estar mais associada às situações de maior vulnerabilidade ou de “menor” reconhecimento social, tal como os afazeres domésticos, ainda que esta seja atividade bastante penosa e de grande relevância para as famílias. Trata-se de uma realidade associada à histórica divisão sexual do trabalho que destinava o espaço privado para as mulheres e o público para os homens (BOURDIEU, 2003). Esse tipo de situação é ainda mais pertinente quando se observa que a maioria dos jovens identificados como “nem-nem-nem” pertencem às famílias com menor padrão de renda. A maioria desses jovens convive em domicílios cuja renda familiar - somatório de todas as rendas dos indivíduos da família - não ultrapassa dois salários mínimos. Uma realidade percebida em todas as regiões metropolitanas ainda que de forma mais incisiva nas metrópoles nordestinas, especificamente Fortaleza (71,0%) e Salvador (78,3%), fato este muito influenciado pelo menor padrão de remuneração ofertada aos trabalhadores locais. Tabela 4 – Composição das pessoas de 15 a 29 anos que não estudam e são inativas economicamente, por faixa de renda domiciliar (em salários mínimos) - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2016 ┤1 1┤2 2┤4 >4 Total Fortaleza 38,5 32,5 21,0 8,0 100,0 Salvador 47,5 30,8 17,3 4,4 100,0 São Paulo 19,3 35,4 33,6 11,7 100,0 Porto Alegre 23,1 37,0 30,4 9,5 100,0 Distrito Federal 24,4 22,4 21,9 31,6 100,0 Regiões Fonte: Elaborada pelo próprio autor, baseado em dados da PED (2016). Ao revés, e significativamente, essa representação é menor nas regiões metropolitanas em que o padrão de renda é mais elevado, tal como no caso do Distrito Federal em que foi registrada a menor proporção 112 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL de jovens “nem-nem-nem” com renda familiar de até dois salários mínimos (46,8%) e destacadamente a maior entre aquelas com renda familiar superior a quatro salários (31,6%). Os achados expostos até aqui associado ao tamanho médio das famílias desses jovens identificados como “nem-nem-nem”, que gira em torno de quatro pessoas, sinaliza que boa parcela deles convive no limiar ou, até mesmo, abaixo da chamada “linha de pobreza”, caracterizada pela situação em que a renda familiar per capita não ultrapassa meio salário mínimo (TABELA 5). Tabela 5 – Tamanho médio das famílias e percentual daquelas em que a renda familiar não ultrapassa um salário mínimo – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2016 Tamanho médio das famílias (em pessoas) % de famílias com renda familiar de até um salário mínimo Fortaleza 4,0 38,5 Salvador 3,7 47,5 Regiões São Paulo 4,0 19,3 Porto Alegre 3,7 23,1 Distrito Federal 4,0 24,4 Fonte: Elaborada pelo próprio autor, baseado em dados da PED (2016). Sob tal aspecto, não se podem desprezar as maiores preocupações da literatura com relação a esses jovens, quando as fontes de dados empíricas apontam que boa parcela deles está exposta a maiores vulnerabilidades sociais, tais como os menores padrões de renda e de escolarização. Tal condição implica na necessidade de uma avaliação das políticas públicas que estão em curso, como forma de melhor estabelecer a transição entre o sistema escolar e o mundo do trabalho pois, pelo menos, um em cada dez jovens das regiões metropolitanas pesquisadas não conseguiu ou não fez este tipo de transição. 113 Erle Mesquita Se, por um lado, as bases de microdados permitem identificar e quantificar a parcela da juventude nesse tipo de situação, por outro, há de se reconhecer que existem limitações para se compreenderem mais detalhadamente as motivações dessa situação. Não se pode, por exemplo, identificar se a condição de não estudo e de inatividade no mercado de trabalho se dá de forma voluntária, ou não. Ou seja, dependendo do padrão da resposta, poderia ser possível avaliar se esse tipo de condição é encarado como um estatuto ou uma situação problemática. A situação do desemprego, por exemplo, é encarada como um problema na medida em que o indivíduo toma iniciativas de procurar por trabalho, para sair dessa condição; ao não conseguir, pode lidar com uma carga de sofrimento pessoal, uma vez que o desemprego é socialmente visto como uma fase momentânea e transitória (DEMAZIÈRE, 2003; GUIMARÃES, 2009). Ou seja, o prolongamento da situação de desemprego pode causar, assim, stress, insônia, depressão, revolta, isolamento e, até mesmo, o suicídio (FRYER; PAYNE, 1986; LORETO, 1987; JAHODA, 1987) pois, ao reivindicar uma oportunidade laboral e não conseguir, há um “déficit de reconhecimento” enquanto trabalhador. Por outro lado, deve haver aqueles que espontaneamente podem ter deixado os estudos, quer pelo término dos ciclos escolares, quer pelo próprio abandono, e optaram em não participar do mercado de trabalho. As motivações podem ser as mais diversas possíveis, que vão desde o cuidado com os afazeres domésticos e dos filhos até a estilos de vida diferentes aos do massiva e cartesianamente colocados como “comuns”. Ou seja, são situações, ainda que com menor expressividade, carentes de uma análise mais aprofundada e específica sobre o tema. A complexidade desse debate deve levar em consideração as possíveis variações em termos regionais e culturais. A questão da raça/cor, por exemplo, compreendida muitas vezes por uma série de características fenotípicas comuns dos indivíduos, como a “cor da pele”, o formato do nariz e dos lábios e o tipo de cabelo, pode se apresentar de maneira 114 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL mais latente em algumas regiões do que em outras. Para fins de exemplificação estatística dessa questão, agruparam-se dicotomicamente os grupos oficiais do sistema de classificação racial brasileiro entre negros (“pretos” e “pardos”) e não negros (“brancos” e “amarelos”). Se levarmos em consideração esse tipo de agrupamento, é possível perceber que a juventude negra está relativamente mais exposta às situações de não estudo e de inatividade no mercado de trabalho, na maioria das regiões pesquisadas. Ao contrário, destaca-se que a juventude não negra teve discreta sobrerrepresentação no Distrito Federal, enquanto na região metropolitana de Salvador, em que a população é majoritariamente negra, não foram registradas maiores disparidades quanto ao quesito raça/cor, quando analisados os jovens que não participavam do mercado de trabalho e nem estudavam, no ano de 2016 (GRÁFICO 4). Gráfico 4 – Proporção de pessoas, de 15 a 29 anos, que não estudam e são inativas economicamente, segundo a raça/cor - Regiões Metropolitanas e Distrito Federal - 2016 20,0 17,2 15,0 15,4 14,5 12,2 12,1 11,5 10,0 10,7 9,6 9,6 10,0 5,0 0,0 Fortaleza Salvador Porto Alegre Negra São Paulo Distrito Federal Não-negra Fonte: Elaborado pelo próprio autor, baseado em dados da PED (2016). Os resultados apresentados apontam que as juventudes atingidas pela inatividade não formam uma categoria social homogênea, ainda que majoritariamente composta pelos mais jovens. Nota-se, por exem115 Erle Mesquita plo, que a questão da raça/cor só se apresentou de forma possivelmente mais proeminente em algumas regiões, tal como na área metropolitana de Porto Alegre em que o diferencial entre negros e não negros foi o mais expressivo (3,0 pontos percentuais) entre as áreas pesquisadas, realidade essa que pode estar associada ao histórico processo de colonização e de formação do povo sulista. Ainda do ponto de vista territorial, é importante mencionar que a juventude residente fora das capitais parece estar mais exposta às situações de não estudo e de inatividade no mercado de trabalho. Afora o caso do Distrito Federal, em que não foi possível fazer tal tipo de investigação, verificou-se que os jovens residentes nas capitais estão relativamente menos expostos às situações de “nem-nem-nem” do que os jovens que residem nos demais municípios de suas respectivas regiões metropolitanas (GRÁFICO 5). Essa diferença pode estar associada às maiores concentrações de oportunidades nesses espaços, quer relativa à área educacional através do maior número de colégios, faculdades e universidades, quer do próprio mercado de trabalho, através do maior número de estabelecimentos concentradas nas capitais, realidade essa que historicamente produziu intensos e constantes fluxos de pessoas de uma cidade para outra (movimentos pendulares), produzindo grandes demandas por políticas públicas, entre as quais as de transporte público. 116 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL Gráfico 5 – Proporção de pessoas, de 15 a 29 anos, que não estudam e são inativas economicamente, segundo o local de moradia - Regiões Metropolitanas - 2016 20,0 16,0 18,4 16,2 14,7 12,8 11,4 12,0 10,5 9,5 10,6 8,0 4,0 0,0 Fortaleza Salvador Capital Porto Alegre São Paulo Demais municípios Fonte: Elaborado pelo próprio autor, baseado em dados da PED (2016). Observando o que sinalizam esses dados, e numa forma mais geral, pode-se dizer que os segmentos populacionais mais expostos às situações de “nem-nem-nem” são aqueles que tradicionalmente enfrentam maiores dificuldades de inserção no mercado de trabalho e muito provavelmente nas localidades com menores oportunidades, quer no entorno das capitais, quer nas próprias periferias das cidades. Conquanto as bases de microdados não permitam uma apuração ainda mais acurada dessa parcela de jovens que não estudam e são inativos economicamente, a expressão desses achados possibilitou uma melhor compreensão da parcela da juventude que, nos últimos anos, despertara o interesse das organizações e da mídia ao ser rotulada de “geração nem-nem”, ao mesmo tempo em que evidenciou a necessidade de maiores progressões nessa agenda de pesquisa devido às possíveis significações que este tipo de situação pode estar causando entre os mais jovens. Sobre essa questão, tornam-se necessárias algumas considerações finais. 117 Erle Mesquita 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Há grandes desafios metodológicos e até teóricos para desvendar a situação de que pessoas em plena idade ativa para o trabalho não enfrentem o mercado laboral, sequer tomando iniciativas de procura por trabalho. As situações de necessidade do exercício dos afazeres domésticos e o próprio desalento com relação às oportunidades de trabalho, que são ofertadas nas economias, especialmente em tempos de crise econômica, parecem ser as principais motivações a serem elencadas de acordo com o acervo de informações disponíveis dos inquéritos domiciliares. No entanto, deve-se reconhecer que há uma necessidade maior de se avançar na conformação dessa situação de inatividade, uma vez que as fontes de dados secundários não permitem avaliar se tal situação se conformou de maneira voluntária e espontânea ou, até mesmo, involuntária, podendo assim gerar uma carga de sofrimento para os indivíduos por não participarem do mercado de trabalho. Deve ser também reconhecido que a significação dessa realidade deve variar de acordo com os atributos pessoais (sexo e idade, por exemplo) e as localidades em que se encontram esses indivíduos, tornando necessária uma análise sociológica em termos de compreensão das relações sociais nas quais estes indivíduos estão inseridos, tornando, assim, necessário o complemento de métodos e técnicas de pesquisas de viés mais qualitativo ao acervo das bases de microdados geralmente utilizadas para esse tipo de empreitada, tal como a que fora utilizada neste estudo. A esse respeito, indicaria dizer que um dos grandes desafios metodológicos seria não apenas localizar, mas selecionar, os indivíduos que participariam de uma investigação mais aprofundada sobre a situação vivenciada por eles de não participarem do mercado de trabalho ou de alguma formação educacional, inclusive os cursos e treinamentos profissionais. Este é, sem dúvida, um desafio bem diferente do que tradicionalmente tem sido encarado pela sociologia do trabalho, que tem aborda118 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL do os indivíduos que estavam na busca ativa por trabalho, geralmente nas agências públicas de emprego. É certo que os indivíduos nos quais estamos interessados estão distantes dessas agências ou de qualquer outra estratégia de procura por trabalho, assim como das entidades de ensino, tornando necessária a definição de estratégias que possibilitem o contato com esses indivíduos os quais até poderiam ser identificáveis nas bases de microdados; mas os princípios éticos e de confiabilidade do informante dos inquéritos domiciliares impõem uma séria e relevante barreira metodológica, tornando assim necessários maiores esforços da comunidade científica para o progresso de tão importante investigação, a qual trata do possível distanciamento dos mais jovens do sistema escolar e do mundo do trabalho. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. DEMAZIÈRE, Didier. La sociologie du chômage. Paris: La Decouverte, 1995. ______. Le chômage: comment peut-on être chômeur? Paris: Berlin, 2003. FRYER, D.; PAYNE, R. Being unemployed: a review of the literature on psychological experience of unemployment. In: COOPER, C. L.; ROBERTSON, I. (Ed.). International review of industrial and organization psychology. Chischeter: Wiley, 1986. p. 235-278. FURLONG, Andy. Not a very NEET solution representing problematic labour market transitions among early school-leavers. Work, Employment & Society, v. 20, n. 3, p. 553-569, Sept. 2006. GUIMARÃES, Nadya Araujo. Desemprego, uma construção social: São Paulo, Paris e Tóquio. Belo Horizonte: Argbmentvm, 2009. 119 Erle Mesquita INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Global employment trends for youth 2012. Genebra, 2012. Disponível em: <http://www.ilo. org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/publication/ wcms_180976.pdf>. Acesso em: 6 nov. 2017. ______. Global employment trends for youth 2013: recovering from a second jobs dip. Genebra, 2013. Disponível em: <http://www.ilo.org/wcmsp5/ groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/ wcms_202326.pdf>. Acesso em: 6 nov. 2017. ______. Global employment trends for youth 2015: scaling up investments in decent jobs for youth. Genebra, 2015. Disponível em: <http://www.ilo. org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/publication/wcms_412015.pdf>. Acesso em: 6 nov. 2017. ______. Non-standard employment around the world: understanding challenges, shaping prospects. Genebra, 2016. Disponível em: <http://www. ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/---publ/documents/ publication/wcms_534326.pdf>. Acesso em: 6 nov. 2017. JAHODA, M. Empleo y desempleo: un análisis sóciopsicológico. Madrid: Morata, 1987. LORETO, Gadino. Depressão, crise e recessão econômica. Neurobiologia, v. 50, n. 1, p. 1- 68, jan./mar. 1987. MESQUITA, Erle. Formalização, flexibilização e mobilidade ocupacional: vivência de trabalhadores na grande Fortaleza. 2013. 242 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013. Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/6306/1/2013-TESE-ECMESQUITA.pdf>. Acesso em: 31 out. 2017. ORGANIZATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT. How difficult is it to move from school to work? Education indicators in focus, 4, Apr. 2013. Disponível em: <https://www.oecd.org/ education/skills-beyond-school/EDIF%202013--N%C2%B013%20(eng)--FINAL.pdf>. Acesso em: 31 out. 2017. POCHMANN, Marcio. A batalha pelo primeiro emprego: as perspectivas e a situação atual do jovem no mercado de trabalho brasileiro. São Paulo: Publischer Brasil, 2000. 120 A JUVENTUDE METROPOLITANA QUE NEM ESTUDA, NEM TRABALHA E NEM PROCURA OPORTUNIDADE LABORAL QUINTINI, Glenda; MARTIN, Sébastien. Same same but different: school-to-work transitions in emerging and advanced economies. Paris: OECD, 2014. (OECD Social, Employment and Migration Working Papers, n. 154). Disponível em: <http://www.oecd-ilibrary.org/docserver/download/5jzbb2t1rcwc-en.pdf?expires=1509454883&id=id&accname=guest&checksum=B4513DC0C668852FB0B64EC5BAE6179F>. Acesso em: 31 out. 2017. 121 Capítulo 6 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI Christiane Luci Bezerra Alves1 Valéria Feitosa Pinheiro2 Evânio Mascarenhas Paulo3 Júnior Macambira4 1 INTRODUÇÃO As transformações experimentadas pela economia capitalista nas últimas décadas do século XX, envolvendo as alterações no modo de acumulação e nos marcos de regulação do Estado, impuseram profundos desafios para a organização do trabalho. Por um lado, a crise que permeia os sistemas produtivos está intrinsecamente ligada ao esgotamento dos padrões de crescimento que marcaram a ‘época de ouro do capitalismo’, que ocorreu sob forte orienta1 Doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (UFC); Mestrado em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora Associada do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri (Urca). chrisluci@gmail.com 2 Mestrado em Desenvolvimento Regional pela Urca. Professora Adjunta do Departamento de Economia da Urca. 3 Mestre em Economia Rural pela UFC e Doutorando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 4 Analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT). Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira ção keynesiana, entre o pós-guerra e a crise financeira internacional/2º Choque do petróleo (anos 1970). Na esteira do quadro de desequilíbrios macroeconômicos que dominaram a economia americana, no início dos anos 1970, quando se acumularam inflação, profundo desequilíbrio fiscal, perda de produtividade e competitividade, esse cenário será marcado pelo esgotamento do padrão intervencionista do Estado, e por transformações profundas na organização produtiva, quando a rigidez taylorista-fordista dá lugar a modelos de acumulação flexíveis. Vale ressaltar o peso da recuperação das economias da Europa Ocidental e do Japão, e o aumento da concorrência dos países recém-industrializados, com a consequente compressão da demanda efetiva por produtos americanos, os quais influenciam na queda de lucratividade e competitividade da economia dos Estados Unidos. A revolução científico-tecnológica em curso, particularmente nos anos 1980, adicionada às novas formas de gestão da produção e força de trabalho, impulsionará ajustes estruturais de tamanha grandeza que, inexoravelmente e de maneira não negligenciável, o mundo do trabalho e suas relações com os mecanismos globais de organização do próprio sistema capitalista de produção serão definitivamente afetados. Acompanhando a racionalização do padrão de acumulação flexível, registram-se: padronização de peças e integração vertical; produção multivariada, voltada a demandas específicas e seletivas, a preços baixos e em pequenos lotes. No trabalho, a automação crescente promove desemprego estrutural e as novas ocupações obedecem a movimentos de desqualificação dos operários; baixa especialização; desregulamentação dos sistemas de empregos, generalizadas práticas de terceirização, aumento da subcontratação, diminuição do emprego por tempo completo, informalidade e ocupações precárias; somam-se a isso a queda dos salários reais e a perda da força das estruturas sindicais (HARVEY, 1992). Porém, aos efeitos estruturais a que se submete o mundo do trabalho, resultantes da consolidação do novo perfil das formas de organização industrial e social, soma-se um conjunto de ajustes impostos pelo 124 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI quadro de flutuações e crise na economia capitalista mundial, registrado pela desregulamentação do Estado e da economia, em face à nova orientação neoliberal, que passa a dominar os receituários macroeconômicos, liderados por governos como os de Ronald Reagan, nos Estados Unidos e Margaret Thatcher, na Inglaterra. O movimento de globalização e integração de mercados produtivos, comerciais e financeiros, facilitado pelo rápido avanço tecnológico, e por políticas de desregulamentação de mercados, praticadas por nações em diferentes estágios de desenvolvimento e integração à economia mundial, internacionaliza produção e padrões de investimentos. Nesse cenário, as regulações via Estados globais cedem espaço crescente para uma transnacionalização de poder econômico, através da consolidação de uma nova forma de atuação e reprodução do capital por parte das grandes corporações mundiais. Nesse movimento global, países periféricos, imersos em sua própria crise doméstica, a exemplo da crise e esgotamento de modelos de substituição de importações, característicos dos padrões de desenvolvimento de economias da América Latina, são coparticipantes de uma chamada “periferização da indústria”, […] através do deslocamento de partes menos complexas das atividades manufatureiras, que constituem cada vez mais bens que podem ser considerados quase commodities, com base na alta escala de produção, baixo preço unitário, simplificação tecnológica e rotinização das tarefas realizadas pelos trabalhadores (POCHMANN, [200-?], p. 15). Assim, são partícipes de uma nova divisão internacional do trabalho, marcada pela “polarização entre a produção de manufatura, comunicação sofisticada e de serviços de apoio à produção no centro do capitalismo” (POCHMANN, [200-?], p. 15). Em fins do século XX, a rapidez das transformações em curso põe um véu sobre as reais fissuras do sistema capitalista de produção, e a gravidade ecológica e das crises do trabalho, em curso, revela uma ‘de125 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira somogeneização’ do sistema, expondo diferenças internas e ao mesmo tempo, motivações, interesses e resistências. Assim, dentro do próprio sistema, as respostas tornam-se apropriações, garantindo-lhe a resiliência, como nos exemplos de desregulamentação do trabalho, empreendedorismo, economia solidária, desenvolvimento sustentável, economia verde, consumo consciente e responsabilidade social, entre outros. Isso ocorre, para Lima (2002, p. 118), “sequestrando a crítica à sociedade industrial e convertendo-a em mais um instrumento a serviço da sua reprodutibilidade”, conforme o mecanismo de “conservadorismo dinâmico”, como proposto por Guimarães (1998, p. 16). Nesse sentido, conforme Lima (2002, p. 118), aceita-se o alternativo, “antes que se torne ameaçador para a seguir absorver-lhe apenas os elementos compatíveis”. No Brasil, a crise da dívida externa e o ajuste ortodoxo, do início dos anos 1980, expõem o esgotamento de um modelo de desenvolvimento capitaneado pelo Estado, revelando a face severa da crise fiscal. Os ajustes que se seguem, envolvendo rebatimentos nas dinâmicas regionais e esvaziamento das políticas setoriais e regionais, abrem espaço pra disputa por capitais produtivos e financeiros, por meio de protagonismos estaduais, no processo que se caracteriza como “guerra fiscal”. Fortalecem-se, portanto, as políticas locais de atração de indústrias na maioria dos estados nordestinos, responsáveis pela transferência de investimentos produtivos do Sul-Sudeste, em busca de vantagens e apoio institucional, como incentivos governamentais, infraestrutura, baixo custo da mão de obra, redução de custos de transporte em alguns casos e pouca resistência sindical, entre outros. O quadro de desequilíbrios macroeconômicos, aprofundados pela crise dos anos 1980, e os esforços contínuos pró-políticas de estabilização heterodoxas, atrasam novas concepções sobre modelos de desenvolvimento, ao passo que retardam a implementação de receituários de orientação neoliberal na economia brasileira, os quais já são realidade em grande parte das economias latino-americanas. 126 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI A década de 1990 inicia-se com a aplicação de grande parte das recomendações do Consenso de Washington na economia doméstica, as quais são iniciadas e consolidadas entre os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso (FHC): liberalização financeira; abertura comercial e privatizações. Os resultados são sentidos, praticamente na velocidade de implementação das reformas, nos padrões de produção, preços relativos, produtividade, investimento, mercado de trabalho e orientação externa da economia brasileira. Particularmente no que diz respeito ao mercado de trabalho, os anos 1990 e a primeira década dos anos 2000 apresentam dois movimentos distintos: o primeiro, associado ao ajuste defensivo engendrado pela economia, após a implementação do receituário neoliberal e políticas macroeconômicas de sustentação dos programas de estabilização, e o segundo, a partir da recuperação de um conjunto de indicadores que envolvem criação de novos postos de trabalho, redução dos níveis de desemprego, diminuição da informalidade e recuperação do poder de compra do salário mínimo, entre outros. Mais recentemente, a conjuntura de ajustes ortodoxos, aprofundados com a mudança de governo (Dilma-Temer) e a instabilidade política, realidade no país desde 2014, constitui profunda ameaça aos avanços alcançados no cenário recente do mercado de trabalho no Brasil. Entretanto, a problemática da qualificação do emprego e da vulnerabilidade ocupacional em espaços periféricos é uma realidade brasileira, considerando períodos seja de constrangimento macroeconômico seja de maior vigor nos níveis de atividade econômica e do mercado de trabalho. Vale ressaltar os movimentos recentes de reorganização e reestruturação de espaços produtivos nacionais, onde se destaca a fortalecimento das cidades médias e sua capacidade de dinamização de subespaços regionais, e os processos de rápida urbanização e metropolização, em regiões onde diminui a influência dos centros urbanos e áreas metropolitanas tradicionais. Tal processo é impulsionado pela fragmentação 127 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira institucional da gestão metropolitana, facilitada pelos novos arranjos federativos proporcionados pela Constituição Federal de 1988. É nesse contexto que, acompanhando a consolidação do complexo urbano regional de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha (Crajubar), foi criada, a partir da Lei Complementar Estadual nº 78, de 2009, a Região Metropolitana do Cariri (RM Cariri)5 (CEARÁ, 2009). Considerando o conjunto desses movimentos, este ensaio propõe reflexões sobre a dinâmica do mercado de trabalho e sobre a vulnerabilidade ocupacional, presente na RM Cariri. 2 BREVES APONTAMENTOS SOBRE A DINÂMICA DO MERCADO DE TRABALHO NO BRASIL APÓS A DÉCADA DE 1990 Os principais movimentos que determinam a dinâmica do emprego no Brasil dos anos 1990 estão associados aos ajustes impostos pelo cenário de implementação e consolidação de reformas institucionais, orientadas pelo Consenso de Washington, e pelas políticas de estabilização e de ajuste às crises internacionais, ao longo da década. Os movimentos, portanto, obedecem a uma ópera em três atos. Num primeiro ‘ato’, o mercado de trabalho obedece à conjugação de crise e instabilidade macroeconômica (fruto do ajuste recessivo dos Planos Collor I e II) e à força de um ajuste de natureza defensiva, materializado na racionalização dos processos produtivos, como enfrentamento à desestruturação e ambiente de incerteza, associados à rápida liberalização comercial e financeira. Como mecanismo de 5 Apesar de constar na lei de sua criação a abreviação da Região Metropolitana do Cariri como “RMC”, será utilizado neste ensaio “RM Cariri”, considerando os elementos apontados em Pinheiro et al. (2017, p. 7): “por RMC já ser utilizada como abreviação de outras regiões metropolitanas como Campinas e Curitiba, e pelos marcantes aspectos identitários e de pertencimento que permeiam a construção social de um território Cariri. Considera-se, aqui, um marco de partida para um posterior ajuste legal na designação dessa região”. 128 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI acomodação, é adotado um conjunto de novas técnicas de gestão, baseadas na flexibilização, desverticalização, especialização, planejamento estratégico, terceirização etc. Os resultados desse conjunto são sentidos na desaceleração dos níveis de atividades, principalmente industrial, aumento do desemprego aberto e grau de informalização na economia brasileira. O segundo ‘ato’ encontra-se atrelado aos efeitos iniciais do programa de estabilização do Real e as implicações num rápido círculo virtuoso, onde prevalecem: controle das taxas de inflação, com forte efeito sobre a demanda e que ainda repercutem numa redistribuição de renda, com o aumento da massa salarial. Destaca-se, adicionalmente, o restabelecimento dos canais de financiamento doméstico, associado ao retorno do crédito, contribuindo para a dinamização do consumo interno (KUPFER, 1998). Porém, os mecanismos de ajuste que sucedem inicialmente, aos desequilíbrios macroeconômicos, subsequentes à implantação do Plano Real (déficits externos e aumento do déficit público) e às crises internacionais (Mexicana, em 1994; Asiática, 1997 e Russa, 1998), determinam a volta da incerteza, instabilidade e precarização dos indicadores do mercado de trabalho. As restrições, portanto, são recorrentes e associam-se, de modo geral, à política macroeconômica adversa, que estabelece o controle da inflação, ancorado na sobrevalorização do câmbio, controle do crédito e manutenção dos juros elevados, visando a atração de capitais estrangeiros. Nesse cenário: elevam-se os patamares do desemprego aberto; retomam-se elevadores graus de informalização da economia, quando aumenta consideravelmente o número de empregados sem carteira ou por conta própria (NERI; CAMARGO; REIS, 2000; COUTINHO; BALTAR; CAMARGO, 1999) e no final da década, registra-se uma saturação no movimento de recuperação da renda real, antes impulsionado pela estabilização monetária. 129 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira Ressalta-se que certo movimento de modernização e ganhos de produtividade na economia não necessariamente garantiram a manutenção dos melhores empregos ou o surgimento de novos empregos, exigindo alta escolaridade e pagando salários elevados (SABÓIA, 2001). O setor de serviços, que aparece como ‘acomodador’, absorvendo parte da força de trabalho liberada pela indústria, gera mais subcontratações, empregos temporários e menos qualificados, contribuindo para a precarização ocorrida no conjunto da economia. Portanto, passado o período de ajuste, nos anos 1990, ao contexto macroeconômico adverso, com predominância do trabalho informal e precário, a partir de baixos níveis de remuneração e alta rotatividade da mão de obra, o mercado de trabalho formal no Brasil passa a responder, nos anos 2000, de forma mais efetiva às políticas de recuperação implementadas na economia brasileira. Vale ressaltar, de início, o processo de ajuste pelo qual passam a economia doméstica e, por conseguinte, o mercado de trabalho, nos primeiros anos do governo Lula, condicionados pela continuidade do viés ortodoxo, característico do período anterior, e pela combinação de regime de metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávit primário, que materializam a política praticada na segunda fase do governo FHC (1999-2002). Esses elementos dão o “tom” do receituário macroeconômico do novo governo, que mantém câmbio apreciado e elevadas taxas de juros, acabando por novamente comprometer os níveis de investimento privado, gastos públicos e geração de emprego no Brasil (ALVES et al., 2012). Posteriormente, a eliminação do constrangimento monetário e o caráter mais expansionista da política econômica, sinalizada pelo governo após 2004, fornecem elementos para a volta da dinamização do mercado de trabalho. Impulsionado, principalmente, pelo cenário econômico externo favorável às exportações e à entrada de capitais e internamente pelo aumento do investimento (público e privado) e expansão e diversificação do crédito interno, a melhor performance da economia influencia a maior formalização no mercado brasileiro. A instituição 130 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI do regime tributário simplificado para micro e pequenas empresas – SIMPLES e a política de valorização do salário mínimo também condicionam a recuperação do emprego formal (CHAHAD; POSSAMAI, 2007; CARDOSO JR., 2007). Destacam-se, ainda, um novo desenho da política social no Brasil, caracterizando-se por elementos de caráter mais universal e mecanismos mais estruturais para o combate à pobreza, com a focalização e ampliação de programas de transferência de renda, expansão da cobertura da previdência rural, ampliação da política de microcrédito, programas especiais de estímulo à agricultura familiar, entre outros, os quais terão importantes efeitos na potencialização da demanda, dinamização da economia popular e, consequentemente, na promoção de emprego e formalização do mercado de trabalho. A despeito da crise que atinge os mercados financeiros e as principais economias mundiais, em 2008, a adoção de uma política interna, monetária e fiscal, caracteristicamente anticíclica, envolvendo flexibilização do redesconto, redução dos depósitos compulsórios, expansão do crédito para o agronegócio, expansão de gastos públicos e redução da carga tributária, não constituem ameaça estrutural à performance do emprego no Brasil. Conforme enfatiza Mattos (2016, p. 58), “embora o [Produto Interno Bruto] PIB tenha sofrido uma queda de 0,2% em 2009, ainda foi criado quase um milhão de postos de trabalho naquele ano”. Mesmo com um primeiro mandato de Dilma Rousseff mantendo elementos de uma política notadamente ortodoxa, ancorada em altos juros e superávit primário, os ajustes posteriores, como os que promovem desoneração tributária em diferentes segmentos, mantém certa estabilidade na performance do mercado de trabalho. Para Pochmann (2016, p. 15), considerando a última década, relativa ao emprego no Brasil e particularmente, regiões metropolitanas, “mesmo a partir de 2008, com a manifestação da crise global que abalou levemente o mercado de trabalho, a taxa de desemprego prosseguiu em queda até o ano de 2014”. 131 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira 3 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA RM CARIRI 3.1 Caracterização do emprego a partir de indicadores selecionados Nesta seção são apresentados alguns dos dados que caracterizam aspectos socioeconômicos da RM Cariri, os quais devem dar suporte à composição de uma plataforma para apresentação e compreensão das informações acerca da vulnerabilidade ocupacional dos trabalhadores da região. Na Tabela 1, encontram-se variáveis demográficas e sua distribuição pelos municípios que compõem a região. A RM Cariri constitui-se como o segundo agregado populacional do estado do Ceará (depois da Região Metropolitana de Fortaleza), apresentando, conforme censo de 2010, um contingente de 564.478 habitantes6. A conurbação Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha (Crajubar) concentra 75,6% da população da região, com uma taxa de urbanização de 78,8%; ademais, consolida-se como o segundo conglomerado urbano estadual. A dinâmica demográfica é ditada pela expressão urbana de Juazeiro do Norte, o município mais populoso, que detém um índice de urbanização de 97%, o que acaba por influenciar o ritmo da conurbação física em direção aos municípios Crato e Barbalha, os quais apresentam taxa de urbanização, correspondentes a 83% e 68,7%, respectivamente. Os demais municípios apresentam elevados percentuais de população no meio rural, superior a 40% em cinco deles, entre as nove cidades que compõem a RM Cariri. 6 Considerando estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017), a população estimada para 2017 na RM Cariri corresponde a 601.817 habitantes, confirmando-se como o segundo maior conglomerado urbano do Ceará. 132 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI Tabela 1 – RM Cariri - População por condição censitária - 2010 Município Barbalha Caririaçu Crato Farias Brito Jardim Juazeiro do Norte Missão Velha Nova Olinda Santana do Cariri Total Urbana [%] Rural [%] Total [%] 38.022 14.031 100.916 8.871 8.994 240.128 15.419 9.696 8.822 444.899 68,73 53,16 83,11 46,67 33,70 96,07 68,01 51,38 78,82 78,82 17.301 12.362 20.512 10.136 17.694 9.811 18.855 4.560 8.348 119.579 31,7% 46,84 16,89 53,33 66,30 3,93 55,01 31,99 48,62 21,18 55.323 26.393 121.428 19.007 26.688 249.939 34.274 14.256 17.170 564.478 0,10 0,05 0,22 0,03 0,05 0,44 0,06 0,03 0,03 1,00 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Censo Demográfico 2010. O Crajubar, cuja zona de conurbação pode ser conferida na Figura 1, é responsável por ditar a dinâmica econômica em uma macrorregião, que congrega, além de municípios do sul cearense, cidades dos estados da Paraíba, Pernambuco e Piauí. Concentra, neste sentido, a maior parte da produção de bens e prestação de serviços regionais. Ademais, a percepção do processo de conurbação revela-se não apenas no tecido urbano dessas cidades, mas, sobretudo, no seu arranjo regional e organizacional. O crescimento demográfico verificado nessas cidades, sobretudo nas últimas décadas, bem como a expansão das atividades e fluxos de caráter regional, concorreram para reforçar ainda mais o processo de integração econômica e social do Triângulo Crajubar (QUEIROZ, 2014, p. 97), reforçando-lhe centralidades socioeconômicas e demográficas. Em termos de crescimento anual da população, entre 2000 e 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2000, 2010), Juazeiro e Barbalha crescem a uma taxa média (1,84% a.a.), ligeiramente superior à de Fortaleza (1,73% a.a.), confirmando evidência apontada por Holanda (2011), que ressalta a tendência de crescimento acelerado das cidades médias na última década. 133 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira Figura 1 – RM Cariri - CE, como destaque para o Triângulo Crajubar Fonte: Google Maps (2017). As assimetrias intermunicipais e as centralidades da área Crajubar têm sido abordadas em diferentes literaturas (GURGEL, 2014; FEITOSA et al., 2014; QUEIROZ, 2014; RODRIGUES; ALVES; PINHEIRO, 2017), seja sob o aspecto espacial, seja setorial, e serão evidenciadas, neste ensaio, a partir de indicadores do mercado de trabalho. O primeiro aspecto abordado diz respeito aos rendimentos médios da população ocupada, dispostos na Tabela 2. Nota-se que o rendimento médio dos trabalhadores rurais, considerando a região como um todo, corresponde a cerca de 50,6% do rendimento médio auferido pelos trabalhadores urbanos. Essa diferença de rendimentos reproduz-se, largamente, entre os municípios da região, sendo maior a convergência de rendimentos rural-urbanos nos municípios de Barbalha (onde a renda média rural corresponde a 66,5% da urbana) e de Crato (55,9%). Esses municípios já consolidaram, historicamente, suas posições na oferta de bens agrícolas; particularmente Barbalha vem se destacando 134 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI na produção de frutas irrigáveis e hortifrutigranjeiros, constituindo-se polo regional de abastecimento, juntamente com o perímetro irrigável de Petrolina (PE) – Juazeiro (BA). Essa condição deve estar permitindo, a tradicionais ocupações rurais, o acesso a um rendimento menos precarizado. De modo geral, portanto, ou por consequência natural da complexidade do trabalho urbano e/ou pela condição histórica de vulnerabilidade do trabalho no campo e fragilidade de suas ocupações, ainda se verifica, na RM Cariri, um forte hiato entre os padrões de rendimento urbano e rural. Essa observação é um ponto importante para a compreensão das estruturas que marcam os diferenciais de vulnerabilidade ocupacional entre esses dois espaços. Tabela 2 – RM Cariri - Rendimento médio mensal da população ocupada - 2010 (R$) Município Urbano Rural Barbalha Caririaçu Crato Farias Brito Jardim Juazeiro do Norte Missão Velha Nova Olinda Santana do Cariri RM Cariri 1.576,44 1.113,42 1.889,47 1.099,61 1.252,56 1.725,08 1.649,07 1.183,86 950,21 1.678,40 1.116,13 778,61 938,3 598,72 855,53 838,46 810,98 661,23 690,52 850,36 Fonte: IBGE/Censo Demográfico 2010. Vale destacar os diferenciais em termos da formação do rendimento médio pela sua distribuição entre os municípios da região. Considerando os municípios com menor e maior nível de rendimento médio urbano, Santana do Cariri e Crato, respectivamente, é possível constatar que o primeiro apresenta um rendimento duas vezes inferior ao segundo (diferença de R$ 939,26). Ademais, com exceção de Juazeiro do Norte (R$ 1.690,17), os municípios restantes têm um nível de rendimento de 135 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira até 70% do município com maior nível de rendimento médio. As diferenças são menos acentuadas, quando se considera o rendimento rural; o diferencial entre a melhor e a pior remuneração (Crato e Farias Brito, respectivamente) corresponde a R$ 339,58, significativamente inferior ao observado nas ocupações urbanas, mostrando certa tendência de homogeneização (da precariedade) do emprego no campo. Os dados da Tabela 3 apresentam a composição do mercado de trabalho na região, pelos diferentes tipos de posição na ocupação. Esses dados ajudam a dimensionar um dos fenômenos que marcam profundamente a vulnerabilidade ocupacional da região metropolitana que é a informalidade, como será evidenciado a seguir. Do total da população assalariada (133.499 trabalhadores, empregados com e sem carteira assinada), apenas 47,1% possuem registro em carteira. Ao se considerarem as dimensões do urbano e do rural, observando a mesma base de comparação, o tecido rural confirma sua fragilidade na qualidade das ocupações e geração de rendimentos. Os dados apontam para 66,4% de trabalhadores sem registro carteira, enquanto no espaço urbano esse percentual corresponde a 50,6%. Deste modo, relativo à ótica de vulnerabilidade do mercado de trabalho rural, os dados sobre informalidade ficam ainda melhor caracterizados e apenas 16,2% (empregados com carteira, militares e funcionários públicos) da população ocupada rural possuem algum grau de formalidade nos seus contratos de trabalho. Assim, a informalidade marca profundamente o mercado de trabalho na região, porém, de forma mais contundente para o trabalho rural, que demanda mais explicitamente melhoria nos padrões de formalização. 136 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI Tabela 3 – RM Cariri - Trabalhadores segundo posição na ocupação - 2010 Tipo de posição Urbano % Rural % Total % Empregados com carteira assinada 56.189 31,2 6.670 14,2 62.858 27,7 Militares e estatutários 10.161 5,6 952 2,0 11.114 4,9 Empregados sem carteira assinada 57.449 31,9 13.192 28,2 70.641 31,1 Conta própria 45.540 25,3 12.153 26,0 57.694 25,4 Empregadores 2.965 1,6 216 0,5 3.182 1,4 Não remunerados 3.308 1,8 3.044 6,5 6.352 2,8 Produção para consumo próprio 4.701 2,6 10.592 22,6 15.292 6,7 180.313 100 46.820 100 227.133 100 Total Fonte: IBGE/Censo Demográfico 2010. Outro dado ajuda a demostrar a precariedade do trabalho no meio rural: a quantidade de trabalhos privados de atividades não mercantis e remuneradas (trabalho não remunerado e produção para o próprio consumo). Tais atividades costumam estar associadas a condições de recrutamento de mão de obra de forma precária e/ou subocupação da força de trabalho e, portanto, associados a um desemprego disfarçado. Juntas, essas atividades somam somente 4,4% dos trabalhadores urbanos; todavia, no meio rural, esse percentual é bastante significativo, alcançando 29,1% dos trabalhadores. Por fim, vale pontuar que 25,4% dos trabalhadores são ocupados em atividades por contra própria, sendo esse percentual reproduzido tanto para o emprego urbano, quanto para o rural. Assim, emprego sem carteira assinada, trabalho em atividades não mercantis e não monetárias (empregos não remunerados e produção para o consumo próprio) e emprego em atividades por contra própria constituem o tripé da informalidade do mercado de trabalho na RM Cariri, correspondentes a condição de 66% da população ocupada na região. Aqui, cabe uma 137 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira rápida reflexão sobre a categoria de atividades por conta própria, frequentemente apresentada como alternativa de ocupação e que ganha reforço nos defensores do empreendedorismo. Pelo próprio IBGE, é considerada, nessa categoria, “pessoa que trabalha explorando o seu próprio empreendimento, sozinha ou com sócio, sem ter empregado e contando, ou não, com ajuda de trabalhador não remunerado”. Porém, o que se constata é a posição de fragilidade que tal categoria ocupa na estrutura ocupacional, quando se registram baixos rendimentos e maior sensibilidade a movimentos conjunturais, como desaceleração do nível de atividades e/ou austeridade de políticas macroeconômicas, principalmente as que dizem respeito à oferta de crédito. Assim, essa janela de oportunidade pode favorecer a fragilização na qualidade do emprego, de modo geral. Adicionalmente, como já demonstrado, e evidenciado a seguir, uma das principais fontes de vulnerabilidade ocupacional, ao lado da informalidade, é o emprego com baixo rendimento. Na Tabela 4, registra-se o nível de rendimento médio, por grupo de ocupação na região. De imediato, identificam-se as atividades que condicionam a informalidade, as quais apresentam os três menores níveis de rendimento médio, segundo os dados do censo. Deste modo, na RM Cariri, informalidade e emprego com baixa remuneração parecem apresentar uma forte associação que expõe as condições de trabalho e suas vulnerabilidades na região. Nota-se, também, que as demais formas de contratação apresentam rendimentos médios bem superiores ao rendimento médio da região (TABELA 2). Isso mostra que a formação do painel de rendimentos na RM Cariri é fortemente influenciada por aquelas três atividades (emprego sem carteira assinada, trabalho em atividades não mercantis e não monetárias, e emprego em atividades por contra própria), já que juntas agregam a maior parte dos trabalhadores, definindo, com maior peso, o rendimento total. 138 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI Tabela 4 – RM Cariri - Rendimento médio segundo posição na ocupação - 2010 Tipo de posição Urbano Rural Total Empregados com carteira assinada 2.151,99 1.448,62 2.077,30 Militares e estatutários 3.887,34 1.561,15 3.687,28 Empregados sem carteira assinada 1.551,18 1.071,99 1.461,66 Conta própria 2.036,93 1.042,23 1.827,18 Empregadores 7.349,73 5.428,05 7.218,57 878,06 658,09 725,71 Produção para consumo próprio Fonte: IBGE/Censo Demográfico 2010. Em todas as classes de atividades, o nível de rendimento no meio rural é menor que no caso urbano o que, mais uma vez, está associado aos padrões de complexidade do emprego urbano frente ao rural e/ou a precarização do emprego no campo. Um dado que ajuda a caracterizar de forma mais evidente essa condição é quando se apontam as informações sobre o emprego da produção para o próprio consumo, que apresenta o menor nível de rendimento, tanto para a escala urbana, quanto para a rural, como pode ser constatado, mas que no campo, representa cerca de 22% da população ocupada. Assim, dado que ambos os mercados de trabalho apresentam indícios de precarização, certamente os trabalhadores rurais estão mais expostos a ela, como será evidenciado a seguir. 3.2 Para pensar a vulnerabilidade ocupacional na RM Cariri 3.2.1 Mensuração da vulnerabilidade ocupacional A mensuração da vulnerabilidade ocupacional, em seu sentido mais estrutural, envolve múltiplas percepções que fogem ao escopo de uma técnica de mensuração de natureza mais simples, com finalidades operacionais. Assim, a opção analítica de medição da vulnerabilidade ocupacional, desenvolvida neste ensaio, não tem por objetivo dimensionar todos os aspectos da vulnerabilidade do trabalho, em seu sentido 139 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira sistêmico; todavia, pretende-se realçar alguns de seus contornos mais latentes e chamar a atenção para a dimensão desses problemas. Assim, o conceito de vulnerabilidade e a estratégia para a sua mensuração, aqui utilizados, consideram a vulnerabilidade através de quatro percepções, a saber: i) trabalho privado de atividade remunerada, no sentido de que o trabalho sem remuneração ou com formas de pagamentos não monetários costumam estar associados a condições de precarização das relações trabalhistas; ii) trabalho informal de baixo rendimento, aqui se entendendo que a informalidade de baixa remuneração expõe os trabalhadores a uma condição de vulnerabilidade, já que está associada a trabalho de baixa produtividade e subocupação do trabalho; iii) trabalho informal, sem contribuição à previdência e de baixa remuneração, postos de trabalho, sem contribuição previdenciária, que restringem os direitos dos trabalhadores à seguridade social e os coloca em posição de precarização e limitação de direitos fundamentais, e iv) trabalhadores desempregados, cabendo registrar que as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, manifestadas na forma de desemprego, estão entre os fenômenos que expõem a força de trabalho a fontes de precarização e, nesse caso, à subutilização de capacidade de realização de trabalho em uma sociedade. O propósito, por conseguinte, é verificar a configuração das relações de trabalho desenvolvidas na RM Cariri e a exposição dos trabalhadores a fontes de vulnerabilidade em suas ocupações, que impedem um exercício pleno de um mercado de trabalho decente7, sabendo que esse exercício encontra diferentes obstáculos e atinge, com diferentes intensidades, o meio rural e urbano, considerando as características que marcam cada um desses espaços, distinção que recebe um olhar especial nesse trabalho. 7 A caracterização de trabalho decente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) refere-se ao “trabalho produtivo com remuneração justa, segurança no local do trabalho e proteção social, melhores perspectivas para o desenvolvimento pessoal e social, liberdade para que manifestem suas preocupações, organizem-se e participem da tomada de decisões que afetam suas vidas, assim como a igualdade de oportunidades e de tratamento para mulheres e homens” (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, 2007, p. 20). 140 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI Cabe registrar, ainda, que os dados utilizados para a composição dos indicadores de vulnerabilidade são provenientes dos microdados do censo de 2010, do IBGE, que apresenta um nível de desagregação por município, fundamental para os desígnios deste trabalho. Dadas as assimetrias municipais e centralidades conferidas ao complexo Crajubar, trabalhar-se-ão os indicadores de vulnerabilidade ocupacional, a partir de uma tipologia que agrega duas categorias de municípios: g1 congregando Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha; g2 correspondendo à RM Cariri, exclusive Crajubar. 3.2.2 Por onde caminha a vulnerabilidade ocupacional na RM Cariri Como um todo, o mercado de trabalho urbano da RM Cariri possui um pouco mais de 117 mil pessoas em condição de algum tipo de vulnerabilidade ocupacional, seja alguma precarização da forma de contratação, seja uma privação do acesso ao mercado de trabalho, por meio de desemprego. Isso representa 58,7% da população economicamente ativa urbana da região, sendo o trabalho informal de baixo rendimento a forma mais comum de vulnerabilidade, com 51,1% da vulnerabilidade urbana total (correspondentes a 59.784 indivíduos) (TABELA 5). 141 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira Tabela 5 – RM Cariri - Composição da vulnerabilidade ocupacional urbana Fontes de vulnerabilidade ocupacional 1 Trabalhador privado de atividade remunerada a) Ocupado em atividade não mercantil b) Ocupado em trabalho não remunerado g1 % 4.795 4,9 2.256 2,3 2.539 2,6 48.264 49,2 11.520 60,7 59.784 51,1 20.210 20,6 5.412 28,5 25.622 21,9 9.552 9,7 1.663 18.321 181 18,7 0,2 4.409 23,2 22.731 19,4 36 0,2 217 0,2 27.785 28,3 2.483 13,1 30.269 25,9 12.800 13,0 1.166 6,1 13.967 11,9 1.135 1,2 61 0,3 1.197 13.488 361 13,8 0,4 1.219 36 6,4 0,2 14.708 12,6 397 0,3 4 Desempregados 17.241 17,6 1.763 9,3 19.004 16,2 Total 98.085 100 18.980 100 117.066 100 2 Trabalhador informal com rendimento menor que 1 salário mínimo c) Empregado sem carteira assinada d) Trabalhador doméstico sem carteira e) Trabalhador por conta própria f ) Empregador 3 Trabalhador informal sem contribuição à previdência e com rendimento entre 1 e 2 s. m. g) Empregado sem carteira assinada h) Trabalhador doméstico sem carteira i) Trabalhador por conta própria j) Empregador g2 Total % 3.214 16,9 8.009 6,8 2.445 12,9 4.701 4,0 3.308 2,8 769 % 4,1 8,8 11.215 Trabalhadores em situação precária 80.844 17.217 98.062 População Economicamente Ativa 172.623 (PEA) Urbana 26.694 199.317 9,6 1,0 Fonte: Elaborada pelos autores, baseados em dados do IBGE/Censo Demográfico 2010. O desemprego é outro mecanismo importante na precarização das condições de trabalho urbano, respondendo por 16,2% da vulnerabilidade nos municípios da RM Cariri. Cabe ressaltar que o trabalho infor142 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI mal de baixo rendimento, sem cobertura por instituições de previdência, representa 25,9%, ao passo que os trabalhadores que não recebem uma remuneração monetária pelo trabalho que exercem representam 6,8% do nível de vulnerabilidade urbana da RM Cariri. Ao observar esses dados mais atentamente, nota-se que a vulnerabilidade urbana é fortemente marcada pela presença da informalidade das relações de trabalho, o que caracteriza significativamente a região. Assim como no caso nacional, apresentado em Proni (2013), o mercado de trabalho na RM Cariri possui como caraterística marcante a presença de uma elevada informalidade, o que nos coloca a preocupante relação entre pobreza e informalidade, identificada por autores como Neri (2000), o qual afirma que a informalidade no mercado de trabalho é um dos fatores que mais contribui para pobreza, ao observar que maior parte das famílias pobres do país era chefiada por indivíduos ocupados no segmento informal. Ainda pode-se acrescentar outro efeito da informalidade, apontando suas conexões com padrões de baixa produtividade do trabalho, que impedem avanços na rentabilidade das atividades marcadas pelo padrão informal e limitam ganhos de dinamicidade dessas atividades, ficando tais setores atrofiados economicamente. Como Meneguin e Bugarin (2008, p. 361) observam, em seus estudos sobre a informalidade do mercado de trabalho brasileiro, verificam-se indícios de “uma triste convergência do mercado de trabalho para uma situação de estabilidade da informalidade em níveis elevados”, dimensionando as dificuldades de superação da informalidade e seus efeitos não só em mercados de trabalho locais, como analisado neste ensaio, mas também ao se descrever quase uma tendência sistêmica no cenário nacional. Ao dissecar-se a composição da vulnerabilidade por grupos de municípios, dentro da região metropolitana, consegue-se notar as diferenças que o tamanho e a complexidade da economia, em cada subgrupo, têm sobre a vulnerabilidade do trabalho. No grupo formado pelos municípios de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha (g1), possuidores de um aparato econômico e institucional mais consolidado e dinâmico 143 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira na região, os níveis de vulnerabilidade urbana tendem a ser menores – 56,8% da PEA – comparados ao segundo grupo (g2), que congregam 71,1% da população economicamente ativa urbana, em condição de alguma vulnerabilidade ocupacional. Considerando a vulnerabilidade causada pelo desemprego, a tríade das cidades de maior complexidade econômica responde por 17,66% da vulnerabilidade urbana total, sendo que para os demais municípios esse valor cai para 9,3%. Denota-se, com isso, que nas cidades de menor porte, com nível de urbanização menores e com mercados de trabalho menos dinâmicos, os trabalhadores não conseguem se manter em uma condição de desempregados por períodos mais longos, buscando alguma condição de inserção, posto que acabam sendo ocupados em núcleos de trabalho informais, de baixa renumeração, algo que caracteriza fortemente a face da vulnerabilidade ocupacional nessas cidades. Essa condição se evidencia também ao ser observado o número bastante elevado de trabalhadores privados de atividades remuneradas: no g2 – cerca de 16,99 % dos trabalhadores em condição de vulnerabilidade; nas cidades principais da região (g1) esse valor é de 4,9 %. Um olhar sobre a dimensão rural da vulnerabilidade, como encontrado na Tabela 6, revela como a precariedade do trabalho se apresenta de forma mais intensa nas áreas não urbanizadas. Em torno de 82,5% da PEA rural da RM Cariri se encontra sob condição de algum tipo de vulnerabilidade, número bem superior daquele observado sob condições urbanas. A vulnerabilidade rural é também caracterizada pelo alto número de trabalhadores privados de atividades remunerada, 33,6% da vulnerabilidade rural total. Paralelamente, os municípios fora do eixo principal (Crajubar) possuem um nível bem maior desse tipo de atividade – 38,8%, quando nos três municípios mais dinâmicos, esse número é de aproximadamente 25%. Assim, a região vem acumulando distintos graus de vulnerabilidade e assimetrias tanto entre o setor urbano e rural, como entre os municípios que a compõe. 144 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI Adicionalmente, as atividades não monetizadas são bem mais comuns em áreas rurais. Essas formas de atividade costumam estar associadas a baixos padrões de complexidade e produtividade dos sistemas de produção, ao mesmo tempo em que limitam o desenvolvimento dos mesmos, mantendo os trabalhadores presos a essas relações. Além dessas formas de vulnerabilidade, o setor rural da RM Cariri, assim como o setor urbano, também é marcado fortemente pela informalidade com baixo rendimento, compondo em torno de 52,7% da vulnerabilidade total rural. Vale lembrar, como enfatiza Proni (2013), que as formas de vulnerabilidade ocupacional aqui quantificadas são acompanhadas, em maior ou menor grau, por outras precariedades frequentes no mercado de trabalho nacional e regional, tais como: elevada rotatividade no emprego, baixa capacidade de organização sindical e alta discrepância salarial, dentre outras, que impactam de forma direta os indicadores de vulnerabilidade analisados. Essas precariedades condicionam as fragilidades do mercado de trabalho, sendo, ao mesmo tempo, recondicionadas em sua dinâmica. Além disso, características do mercado de trabalho e do aparato econômico e social também se refletem sobre os indicadores de vulnerabilidade. Desse modo em áreas nas quais os trabalhadores possuem piores perfis educacionais e baixa produtividade, a vulnerabilidade ocupacional tende a se fazer sentir de forma mais intensa. Ademais, as condições desse aparato econômico e social também criam chances muito desiguais para os trabalhadores conseguirem escapar de uma situação de vulnerabilidade ou precariedade ocupacional, alimentando um ciclo de vulnerabilidade e pobreza, que só seria interrompido, dentre outros fatores, com um tipo de desenvolvimento indutor do emprego, com expansão e refinamento de instâncias de proteção ao trabalho, promotoras de trabalho decente, como lembram Meneguin e Bugarin (2008, p. 361), os quais destacam que “quanto mais eficiente o quadro institucional […] mais rapidamente acontecerá a formalização do contrato de trabalho”. 145 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira Tabela 6 – RM Cariri - Composição da vulnerabilidade ocupacional rural Fontes de vulnerabilidade ocupacional 1 Trabalhador privado de atividade remunerada k) Ocupado em atividade não mercantil l) Ocupado em trabalho não remunerado 2 Trabalhador informal com rendimento menor que 1 s.m. m) Empregado sem carteira assinada n) Trabalhador doméstico sem carteira o) Trabalhador por conta própria p) Empregador g1 % g2 % Total % 3.816 25,0 9.820 38,8 13.636 33,6 2.831 18,5 7.761 30,7 10.592 26,1 985 6,4 2.059 8,1 3.044 7,5 8.754 57,3 12.626 49,9 21.379 52,7 4.079 26,7 4.942 19,5 9.022 22,2 839 5,5 1.078 4,3 1.917 4,7 3.820 25,0 6.559 25,9 10.378 25,6 16 0,1 46 0,2 62 0,2 1.695 11,1 1.522 6,0 3.217 7,9 844 5,5 744 2,9 1.588 3,9 78 0,5 51 0,2 130 0,3 749 4,9 682 2,7 1.431 3,5 24 0,2 45 0,2 69 0,2 4 Desempregados 1.018 6,7 1.344 5,3 2.362 5,8 Total 15.283 100,0 25.312 100,0 40.594 100,0 3 Trabalhador informal sem contribuição à previdência e com rendimento entre 1 e 2 s.m. q) Empregado sem carteira assinada r) Trabalhador doméstico sem carteira s) Trabalhador por conta própria t) Empregador Trabalhadores em situação precária 14.265 23.968 38.232 População Economicamente Ativa Rural 29.318 49.182 19.864 Fonte: Elaborada pelos autores, baseados em dados do IBGE/Censo Demográfico 2010. 146 MERCADO DE TRABALHO E VULNERABILIDADE OCUPACIONAL NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI Cabe notar, ainda, que os trabalhadores em situação precária, mas que de alguma forma participam do mercado de trabalho, excluindo os trabalhadores desempregados, representam 67,2% da população ocupada rural e que, apesar de possuírem uma concentração populacional menor, 57,3% desses trabalhadores encontram-se nos municípios foram do eixo principal da região metropolitana. Os dados indicam, portanto, o elevado nível de vulnerabilidade do trabalho, especialmente do trabalho rural na RM Cariri, ficando também desenhada a dimensão dos desafios necessários à promoção do emprego decente e da proteção social dos trabalhadores, para a superação desses dilemas e fragilidades do mercado de trabalho na região. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os desafios com os quais o mercado de trabalho brasileiro tem se deparado, reproduzem-se em escalas metropolitanas: a necessidade de redução do desemprego; a criação de postos de trabalho em ocupações menos vulneráveis; a busca pela generalização do trabalho decente. Adicionam-se as necessidades de equalização e superação de padrões históricos estabelecidos, quando se tratam de segregações por gênero ou raça; extinção de trabalho infantil; dicotomias e precariedades entre rural e urbano; desafios de empregabilidade para jovens etc. Nessa perspectiva, o trabalho deve contemplar, como preconiza a Organização Internacional do Trabalho (2009, p. 9), “a superação de todas as formas de discriminação e a promoção de modalidades de crescimento que fomentem o desenvolvimento humano e gerem trabalho decente”, constituindo-se estes, requisitos determinantes para a redução da pobreza, a autonomia das mulheres, o fortalecimento da democracia e o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Particularmente, discutir o emprego na RM Cariri remete a considerar a dinâmica de um mercado de trabalho que reproduz as con147 Christiane Luci Bezerra Alves | Valéria Feitosa Pinheiro Evânio Mascarenhas Paulo | Júnior Macambira tradições das regiões periféricas e, particularmente, seus processos de urbanização e metropolização, mesmo que fujam diretamente ao escopo deste trabalho. A metropolização que ocorre na macrorregião em análise ocorre sob vasta assimetria nos padrões de desenvolvimento municipais, nos quais o centro dinâmico Crajubar acaba por determinar menores vulnerabilidades urbanas nos municípios polo, que drenam, por conseguinte, melhores condições de investimentos públicos e privados e políticas públicas que reforçam as centralidades do eixo Crajubar. As funcionalidades que tendem a estabelecer papéis na dinâmica espacial da região, fazem com que os centros dinâmicos, ao concentrarem a maior parte dos segmentos industriais e serviços especializados, como os relativos a saúde e educação, também demandem ocupações menos vulneráveis, configurando um quadro menos precarizado do emprego, tanto no que diz respeito à oferta, quanto à demanda no mercado de trabalho. Assim, a vulnerabilidade ocupacional na RM Cariri tem sido determinada, fortemente, pela esteira da informalidade, condicionada pelo trabalho informal com baixo rendimento, pelo precário acesso à seguridade social e pelo desemprego. Apresentam-se, porém, reforçados na maior fragilidade dos espaços rurais e dos municípios com menor dinamismo econômico. REFERÊNCIAS ALVES, Christiane Luci Bezerra et al. Ajustes na indústria brasileira frente aos “dilemas” do crescimento econômico nos anos 2000. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 17., 2009, Rio de Janeiro. 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Dentre os efeitos positivos ligados a este novo período vemos, entre inúmeros exemplos, o 1 Doutora em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-graduação no Massachusetts Institute of Technology (MIT/EUA), University of New Mexico (UNM/EUA), Universidade do Porto (UP/PT), Instituto Politécnico Nacional (IPN/MX) e Institute des Hautes Ètude de l’Àmerique Latine (IHEAL/FR), é pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e professora da USP; lidera o Núcleo de Estudos e Pesquisas de Política Internacional, Estudos Internacionais e Políticas Comparadas (Nespi-USP/CNPq) e é professora visitante na Universidad de la República (UDELAR - Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais) no Uruguai. 2 Doutora em Integração da América Latina pela USP. Especialista em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Sedes Sapientiae. Especialista em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). É docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e membro do Nespi-USP/CNPq. Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva avanço no campo da saúde que aumenta a expectativa de vida, a maior interação entre as pessoas e o maior acesso ao conhecimento pela Internet. Neste contexto, observamos que há desafios complexos a serem enfrentados, sobretudo com relação ao mercado de trabalho, ao acesso a renda e ao quesito desigualdade de renda. Os menos qualificados se defrontam com uma oferta de empregos de pior qualidade ou maior taxa de desemprego, quando não, em muitos países, com os dois fenômenos ao mesmo tempo. O desemprego e a pobreza caminham lado a lado, e o impacto à saúde dos trabalhadores é sentido de forma invasiva. A segmentação, a discriminação e a polarização do mercado de trabalho levam à maior desigualdade na distribuição de renda e o aumento do rentismo financeiro e dos lucros aumentam a desigualdade funcional dessa mesma renda. O menor capital social dos estratos mais pobres, o acesso desigual à educação e o menor contato com as inovações tecnológicas pioram o quadro, pois implicam oportunidades desiguais para obter informações e conhecimentos, menor probabilidade de conseguir um emprego de qualidade e com isso obter renda socialmente adequada. Reproduz-se e agrava-se a desigualdade. As novas gerações têm menor probabilidade de alcançar o mesmo status de seus pais via mercado de trabalho. O aumento da vida produtiva coloca um desafio a mais no mercado de trabalho: como criar incentivos para a empresa se adaptar e concomitantemente para transferir o conhecimento entre gerações? Como criar modelos que incentivem a permanência dos mais velhos no mercado de trabalho? Que opções de carreiras existem para aproveitar melhor os conhecimentos dos mais velhos? Não há solução à vista para essas questões, muito menos, no Brasil, onde, ainda hoje pouca, é a preocupação sobre a qualidade de vida dos mais velhos, como mobilidade ou maior participação na sociedade. 156 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO Esse contexto provoca uma alteração na governança de vários sistemas públicos e privados, para que estes se adequem aos novos tempos. O Sistema Público está no rol dessas instituições. O seguro desemprego, a colocação e recolocação de mão de obra e a orientação, qualificação e atualização profissional estão entre os mecanismos públicos que podem diminuir o impacto negativo desses efeitos e contradições, caso sejam integrados, aderentes a cada contexto local e apresentem programas efetivos. Deve-se levar em conta, todavia, que o impacto das mudanças não será uniforme nem entre estratos sociais, setores ou regiões. A heterogeneidade estrutural na produção deverá aumentar e muitas atividades com a nova tecnologia coexistirão com empresas que continuarão a se utilizar dos métodos de produção tradicionais. De todo modo, as instituições devem estar preparadas para atender as novas levas de desempregados e excluídos, sobretudo os mais vulneráveis, como os jovens, os mais velhos, os menos qualificados e os atendidos por programa sociais, como o brasileiro Programa Bolsa Família. 2 O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO E AS POLÍTICAS ATIVAS E PASSIVAS DE MERCADO DE TRABALHO O Sistema Público de Emprego (Service of Employment) na sua origem compõe-se por três braços: seguro desemprego (SD), intermediação de mão de obra (IMO) e qualificação social e profissional (PQ). O objetivo era o de prover benefícios ao desempregado e encaminhá-lo ao serviço de intermediação de mão de obra e qualificação, contemplando inclusive grupos em desvantagem no mercado de trabalho, como os inválidos nos países industrializados no imediato pós-segunda guerra mundial. A ação de intermediar empregos entre a oferta pelas empresas e a demanda pelos desempregados, cobertos pelo seguro ou não, como 157 Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva novos ingressantes no mercado de trabalho e outros demandantes, visa diminuir os custos públicos e privados do desemprego e o desgaste dos desempregados. Aumenta a chance de emprego dos desempregados por meio de um sistema de intermediação de mão de obra e de orientação e qualificação profissional. O tempo de reemprego pode ser menor. Os serviços públicos de emprego (SPEs), se bem conduzidos, diminuem os custos de informação, busca e transação do emprego para o empregador e o empregado, e implicam maior rapidez na obtenção de uma vaga. Ademais, tem um impacto positivo no déficit público por diminuir o gasto com o seguro desemprego, manter a arrecadação previdenciária quando do reemprego, manter a arrecadação de impostos devido ao consumo de bens e serviços pelo trabalhador, e diminuir a chance de o trabalhador cair na pobreza e passar a depender de políticas de transferência de renda, como no Brasil o Programa Bolsa Família. No momento presente, ademais, em vários países, o Sistema pode incluir programas de subsídios ao emprego no setor privado, de apoio a empresas “start ups”, de criação de empregos temporários no setor público, de empreendedorismo e de empoderamento feminino, entre outros. O seguro desemprego se iniciou no início da segunda década do século XX no Reino Unido, se fortaleceu no Pós-II Guerra, tendo o papel de estabilizador automático da renda (manutenção de bens e serviços pelo trabalhador) e busca do pleno emprego ancorado ao paradigma keynesiano. No presente momento, período de política de estabilização da inflação, em todos os países nos quais vigora, o objetivo principal é o benefício financeiro do seguro desemprego e apoio para obter uma inserção produtiva; para tanto, deve-se proceder à realização de um conjunto de programas agregados na denominação anglo-saxônica de políticas ativas e passivas de mercado de trabalho. Na literatura especializada, transferências de renda ao trabalhador, como o seguro desemprego, têm conotação positiva e negativa. A primeira diz respeito ao fato de que com suporte financeiro, o trabalhador pode procurar o emprego que lhe pague o salário mais alto; com isso a 158 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO sua renda permanente – ao longo da vida – será mais elevada, coeteris paribus, ocasionando-lhe maior bem-estar. Além do mais, diminuiria o risco de o trabalhador e sua família caírem na pobreza. A abordagem negativa considera o benefício como um desestímulo ao trabalho provocando ineficiência alocativa, estimulando a informalidade, pois o trabalhador tenderia a manter o benefício aliado a uma renda informal, incentivando fraudes e aumentando o déficit público. A forma mais utilizada para contrarrestar os efeitos negativos, levando-se em conta que o tempo de duração é de dois anos ou mais em muitos países, é pagar benefícios menores que o salário integral e diminuir esse valor na medida em que o tempo de aquisição passa, até zerar o valor do benefício. Vale notar, que o IMO é avaliado positivamente nos estudos de avaliação do SPE, devido ao seu baixo custo e aos resultados produzidos. Entretanto, o IMO produz melhores resultados em um período de prosperidade econômica quando se trata de emprego friccional, mas, ainda que de maior utilidade, nos ciclos recessivos tem menor alcance, salvo a proteção monetária ao desempregado, haja vista a baixa oferta de emprego para o sistema de intermediação e o menor tamanho de mercado para atividades empreendedoras. Em situação de desemprego estrutural, programas alternativos como de qualificação de mão de obra e desenvolvimento econômico setorial, regional ou local podem ser mais utilizados, quando não apenas programas assistenciais. Quanto à qualificação, a intervenção pública é necessária para impedir que a concentração de capital humano - das habilidades e competências produtivas - se torne mais pronunciada. Apenas as empresas privadas tendem a oferecer treinamento, e quando assim fazem favorecem homens jovens de nível superior. Grupos da população dos estratos mais pobres ou em situação de desvantagem no mercado de trabalho, caso não haja intervenção públicas, dificilmente serão beneficiados por provisão de treinamento privado. No caso do SPE, as avaliações sobre PQ, entretanto, são menos positivas no curto prazo, pois os egressos, es159 Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva pecialmente de menor qualificação, conseguem empregos equivalentes àqueles que não realizaram o programa; contudo alguns estudos avaliam positivamente os resultados sobre mulheres jovens e, no longo prazo, sobre todos os grupos, mesmo os menos qualificados. Evidentemente o programa produz efeitos redundantes ou inócuos, caso o conteúdo da qualificação seja obsoleta perante as mudanças tecnológicas. Os programas para jovens são avaliados em geral negativamente, sobretudo nos países da OCDE (em inglês, Organisation for Economic Cooperation and Development) nos quais os jovens que se candidatam a um emprego são em geral menos qualificados e evadiram os estudos. A competição com seus pares, nesse caso, é muito desleal e eles têm pouca chance de empregarem-se. A avaliação para países em desenvolvimento é mais positiva, a clientela é diferente, e a qualificação seguida de estágio tem mostrado bons resultados. 3 PROGRAMA SEGURO DESEMPREGO – O SPE NO BRASIL No Brasil, o seguro desemprego foi decretado em 1986 (Decreto lei nº 2.284/1986 e regulamentado pelo Decreto nº 92.608/1986) (BRASIL, 1986a, 1986b), depois de algumas tentativas institucionais de assistência a desempregado nos anos de 1960, embora o IMO começasse os serviços em 1976. O Programa do Seguro-Desemprego (PSD), todavia, ganhou institucionalidade com a Constituição de 1988 e com a Lei nº 7.998/1990 que criou fonte de custeio segura na forma do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) (BRASIL, 1988, 1990). O FAT formado por contribuições do Programa de Integração Social (PIS)/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), 40% de seus recursos vão para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), financia o PSD – composto do seguro desemprego, intermediação de mão de obra e qualificação social e profissional, informações sobre o mercado de trabalho, o Abono Salarial, Programa para 160 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO a Juventude, programas de desenvolvimento econômico. Nos anos de 1990, foi aprovado que os recursos extraorçamentários seriam aportados às Instituições Financeiras Nacionais (IFNs) para o Programa de Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO). A gestão do Fundo é efetuada pelo Conselho Deliberativo do FAT (Codefat) de composição tripartite – representantes de trabalhadores, empresas e governo – responsável pela definição de prioridades, planejamento, aprovação e financiamento dos projetos, tipo de governança inédita na burocracia federal brasileira. Os trabalhadores cobertos pelo SD são aqueles de contrato com carteira assinada, incluídos os empregados domésticos, pescador artesanal no período de defeso, trabalhadores com contrato suspenso e em programa de qualificação e resgatados do trabalho forçado. Os assalariados informais ou sob outras formas de inserção não são elegíveis. Os recursos do FAT desgastaram-se no período de crescimento econômico entre 2003 e 2014 devido ao aumento da rotatividade da mão de obra, fruto do aumento das oportunidades de emprego, e consequente aumento no número de solicitações do SD que levou em 2015 a tornar mais restritivos a elegibilidade e o prazo aquisitivo. Ademais, o Tribunal de Contas da União (TCU) em 2014 questionou o cumprimento dos objetivos no que se refere à integração dos serviços no PSD. Este fato motivou a que o pagamento do seguro fosse operacionalizado pelo IMO, sempre sob a coordenação do Sistema Nacional de Emprego (Sine), em muitas agências de atendimento e que o segurado tivesse que participar de curso de requalificação, oferecido em período diurno pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Este foi ministrado inicialmente pela Rede Federal de Educação Científica e Tecnológica e ampliado, posteriormente, pelo Sistema S e pela rede particular de ensino profissional. Essa participação passa a condicionar o recebimento do benefício, que pode ser cortado, caso um dos cursos recomendados não seja realizado pelo desempregado, assim como a recusa de emprego compatível (ocupação e salário) depois da 161 Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva terceira oferta pelo IMO, após a qual se perde o benefício. O número de parcelas entre 3 e 5 tornou-se variável, a depender da última habilitação e do tempo de serviço do trabalhador. As mudanças têm o objetivo de incentivar o tempo de permanência do trabalhador na empresa e de integrar os segurados aos serviços de IMO (que envolvem orientação profissional) e ao PQ, ou seja, enfatizando as políticas ativas de mercado de trabalho, não apenas para diminuir o custo total dos benefícios pagos, pois o reintegrado ao mercado de trabalho deixa de receber recurso do seguro, como também para melhorar a alocação da força de trabalho e aumentar a produtividade do trabalho. Além dos interesses políticos da partição dos serviços prestados pelo SPE, porque cada módulo tem coordenação e recursos próprios, a baixa integração dos serviços oferecidos deve-se à construção segmentada do Sistema no Brasil, a qual até hoje se encontra presente em muitos municípios e agências. Devemos reconhecer, todavia, que ocorreram avanços institucionais e na operacionalização do Sistema (CACCIAMALI; LIGIÉRO; MATOS, 2008). Uma vez inscrito no SD, o trabalhador, desde 2011, é automaticamente encaminhado ao Portal Emprega Brasil que reúne em âmbito nacional as informações sobre os trabalhadores que demandam emprego e vagas ofertadas, além de cursos oferecidos, e integra as agências da Caixa aos serviços do Sine, mudando em um conjunto de agências de atendimento a característica inicial seccionada do SPE criado no Brasil. O Portal e no futuro próximo o Sine fácil, aplicativo para smartphone, permitem agilizar o cruzamento entre o perfil do trabalhador e as características das vagas ofertadas, convocar os candidatos para encaminhamento a entrevistas de emprego e registrar o resultado do encaminhamento; ou seja, a digitalização possibilita melhor a administração do sistema de intermediação, necessitando de controle e supervisão de todo o processo por parte dos técnicos da IMO, coordenado pelo Sine. O empregador, utilizando também de assinatura digital, pode informar todos os dados para que o trabalhador aceda ao SD sem uso de impres162 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO sos, totalmente pela Internet, sendo a solicitação confirmada por agente público credenciado. O trabalhador insere seus dados e tem acesso a vagas disponíveis compatíveis e cursos que podem ser realizados. O software elaborado criou uma sistemática amigável a trabalhadores e empregadores, diminuindo o custo da informação, patrocinando em qualquer lugar a busca e a oferta de empregos, e favorecendo os processos de seleção. Diminui os custos de contratação de mão de obra para as empresas e facilita os trabalhadores que podem acompanhar o ingresso de novas vagas e, caso desejem, podem mudar-se da localidade de trabalho sem se locomover. Neste portal pode ainda o empregador consultar os códigos da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) e informar Relação Anual de Informações Sociais (Rais)/Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O acesso pode ser permitido a escritórios de contabilidade que, terceirizados, tratam das questões de mão de obra para as empresas. O Portal e o Sine fácil pelas suas características foram um grande passo: uma iniciativa que permite mapear de uma forma melhor o mercado de trabalho em nível nacional, indicar a qualificação profissional apropriada e permitir a alocação e realocação do trabalhador no setor produtivo a baixo custo em todo território nacional. Integra, portanto, os serviços primordiais do Sistema Público de Emprego. É a solução para o presente e o seu aprimoramento será o caminho. Apresenta, todavia, um conjunto de desafios para a sua efetividade. 4 DESAFIOS DO SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO O Sine, oferecendo o serviço de IMO, foi criado no Brasil em 1975, começando suas atividades um ano depois e, ao longo das décadas, apresentou um conjunto de mudança: ampliou os serviços, distribuindo-os pelo território nacional, realizou mudanças institucionais, e passou a atender usuários em desvantagem no mercado de trabalho em programas especiais, como jovens, negros e mulheres, por exemplo. 163 Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva Desde 2011, mas, sobretudo, em anos mais recentes, introduziu o Portal Emprega Brasil, que ao longo dos anos recebeu diferentes nomes, e informatizou todas as etapas do PSD, em todas as modulações do SD, IMO e PQ, estruturando a integração dos serviços. E em 2017 introduziu o programa Sine fácil para smartphone, um passo adicional para ampliar o acesso ao SPE. O Sine, segundo dados de 2015 coletados por Lobo e Anze (2016), caracteriza-se pela sua capilaridade, presta serviços em todas as Unidades da Federação (UF) e nas suas principais cidades. O Sistema dispõe de cerca de 2.200 unidades, entre sedes próprias e conveniadas, espalhados em 2.192 municípios. Atendeu cerca de 8 milhões de trabalhadores requerentes do benefício financeiro do seguro-desemprego; registrou 5.185.638 no IMO, proporcionou 4.901.482 encaminhamentos para entrevistas de emprego; expediu 5.334.840 de Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS); e ofereceu 1.758.803 vagas de emprego solicitadas por 1.356.600 de empregadores, tendo sido contratados 508.000 e 8.308 pré-matriculados nos cursos providos pelo Pronatec. Dos 7, 671 milhões de segurados em 2015, apresentou uma proporção média de encaminhamentos de 8:1, e destes 72,341 foram colocados (LOBO; ANZE, 2016). Ademais, o efeito sobre a diminuição dos gastos com o seguro desemprego e aumento dos gastos previdenciários, entre julho de 2015 e junho de 2016, mostra que foram economizados cerca de 43 milhões do FAT, com pagamento do seguro, e arrecadados cerca de 64 milhões se o emprego for de 6 meses3 (BORGES; LOBO; FOGUEL, 2017). Todavia, devemos ressaltar que apenas 20% (432) das unidades do Sine fornecia serviços do benefício do SD e provia encaminhamento para a qualificação; nas demais unidades o seguro era solicitado junto às agências da Caixa Econômica Federal (CEF) e as unidades do Sine ofereciam serviços, principalmente, de intermediação, embora o 3 Os autores ajustaram os dados de Gestão do Seguro Desemprego para as empresas que estão contribuindo com base na folha de pagamento, excluindo os empregados das empresas que optaram pelo sistema de contribuição via faturamento. 164 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO cadastramento pudesse ser feito no Portal Emprega Brasil, caso o programa tenha sido instalado. Essa questão coloca restrições fortes tanto à modernização do Sistema, quanto à integração dos serviços. A modernização é restringida pela falta de rede de alta velocidade nas agências, despreparo de atendentes e usuários e bloqueios originários da intermitência do serviço. A existência de rede de wi-fi pouco adequada, de baixa velocidade, por exemplo, poderá também limitar também o uso de smartphone. A taxa média de colocação do IMO, por outro lado, é relativamente baixa: 9,8% em relação ao número de inscritos, face a um potencial médio de 29%, considerando o total de vagas oferecidas. Embora, se produza, no caso dos segurados, expressivo impacto sobre as finanças públicas, conforme apresentado, é necessário destacar que este aspecto é relevante, sobretudo quando levamos em conta a contínua diminuição dos recursos destinados ao Sine, chegando ao empenho de 50 milhões de reais em 2016, comparados a um gasto empenhado de cerca de 130 milhões de reais no ano de 2000. A restrição orçamentária do programa leva ao aumento de produtividade para sua superação; por outro lado, quando excessiva, como demonstram os dados, compromete a realização dos objetivos da política pública em toda sua plenitude. O aspecto de fragilidade institucional do Sine e da qualificação da mão de obra envolvida nos remete a reflexões e sugestões. O Sistema é coordenado de forma centralizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em Brasília e operacionalizado de forma descentralizada pelas Secretarias de Trabalho ou de Promoção Social dos estados e municípios com mais de 200 mil habitantes. A operacionalização baseia-se em um pacto federativo, por meio de convênios, em geral plurianuais, nos quais os recursos são fornecidos pelo FAT e a execução do serviço, a infraestrutura e a mão de obra são providas, em geral, pelos governos subnacionais, implicando negociação, desgaste e descontinuidade. Os estados e municípios onde o mercado de trabalho é menos organizado oferecem em geral serviços incompletos e não computadorizados. 165 Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva Além disso, a importância do Sine está sujeita aos ciclos políticos que podem levá-lo a perder protagonismo e a depender das prioridades dos governos estaduais e municipais. As consequências são a instabilidade financeira e a rotatividade da mão de obra. A continuidade da prestação dos serviços, o planejamento financeiro e a manutenção do corpo técnico do Sine necessitam ser preservados dos ciclos políticos, pois as funções envolvem conhecimentos específicos, cumulativos e de experiência nos setores de prestação de serviços – SD, IMO e PQ –, sobretudo nos dias de hoje, com tantas mudanças em andamento. Por outro lado, há também problemas de gestão e organização padrão do Sistema. A falta de preparo dos agentes públicos envolvidos é um dado de todos os estudos que avaliam o desempenho do Sistema (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2010; MOREIRA, 2016; MARQUES et al., 2016). A concessão do seguro desemprego não é sustada por questões de políticas locais pelo fato de ser obtido junto à CEF; entretanto, os demais serviços do SPE podem ser descontinuados, devido ao desenho de gestão do Sine. Uma sugestão para conseguir continuidade é que haja uma repactuação das relações entre o governo nacional e os governos subnacionais, de tal forma a garantir a organização, a forma de gestão e os serviços mínimos a serem efetuados. No limite, por exemplo, dada uma diretriz do Ministério e mudanças na legislação, as Superintendências Regionais reformuladas poderiam exercer as funções de gestão, monitoramento e aprimoramento das políticas ativas de mercado de trabalho, cabendo aos estados e municípios sua execução. Ou sob uma diretriz geral do Ministério e supervisão, as Secretarias estaduais assumiriam a gestão e operacionalização, passando com isso a deter um caráter mais próximo ao de política de Estado, ao invés de ser uma intervenção sujeita aos governos. Outro aspecto a ser mencionado é a falta de visibilidade sobre a existência do Sistema e os serviços oferecidos. Isso promove um acesso abaixo do potencial; e a falta de visibilidade e conhecimento da importância do Sistema dificulta a pressão política para uma institucionaliza166 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO ção efetiva. Torna-se necessário maior divulgação entre os outros serviços públicos e as mídias – cartazes, rádio, TV, Internet etc. Observa-se, além disso, baixo envolvimento do Sine com órgãos e empresas locais que poderiam divulgar o Sistema, como organizações comunitárias, sindicatos, bancos, meios de transportes, escolas, organizações não governamentais (ONGs), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e assim por diante. Poucos contatos com empresas privadas de colocação impedem a troca de informações sobre questões de mercado de trabalho e muitas vezes limitam a atualização de ocupações ou o conhecimento do surgimento de novas ocupações ou de novos programas de qualificação. Por outro lado, não há cooperação com associações empresariais que podem apoiar a implementação do PSD, tanto na agilização dos trâmites do SD, quanto nas atividades do IMO, PQ e outras políticas de mercado de trabalho. Essa limitação se verifica inclusive pelo número relativamente baixo de desempregados que buscam intermediação pelo Sine, inclusive entre aqueles de baixa renda e beneficiários de políticas sociais, como o Bolsa Família. Embora o Sine cumpra, de forma limitada pela baixa magnitude dos atendimentos, os objetivos de uma população com características de estar em desvantagem no mercado de trabalho, inscrevendo predominantemente mulheres, mais velhos, pardos e negros (FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS, 2008). A inserção no mercado de trabalho, contudo, é de baixa qualidade de empregos e alta rotatividade (GUIMARÃES et al., 2016 ), o que vem reforçar duas necessidades: fortalecer a integração dos serviços, especialmente com a qualificação para aumentar a oportunidade para empregos melhores; e detalhar melhor o perfil dos candidatos a emprego, de tal forma a estabelecer um arco possível de ocupações, ao invés de uma única ocupação. Quanto aos serviços propriamente ditos, a falta de preparação dos atendentes aos usuários e a ausência de funcionários especializados na 167 Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva captação de vagas e de manutenção de uma rede de empresas para essa captação são pontos de estrangulamento do fluxo de serviço do IMO. Destaque especial, ainda, deve ser dado à CBO – chave para o cruzamento bem sucedido entre a oferta e a procura de empregos, e para orientar o conteúdo curricular da qualificação profissional. A descrição das ocupações muitas vezes não é facilmente identificada pelos usuários com aquela adotada pelo setor privado, levando a escolha de ocupações genéricas e dificultando o encaminhamento do trabalhador para uma vaga compatível com o seu perfil. Do lado do trabalhador, faltam informações sobre quais ocupações poderia exercer, considerando-se todas as suas habilidades. Por outro lado, faltam informações sistematizadas para a equipe técnica do posto de atendimento sobre o mercado de trabalho, para aplicar a CBO, especialmente sobre ocupações demandadas, mudanças de conteúdo, prospecção de ocupações e definição de novas ocupações, de tal forma a poder contribuir para a orientação dos provedores dos cursos do PQ, a orientar a busca de ocupações ofertadas pelo IMO e dos próprios desempregados na busca de vagas e necessidade de qualificação e requalificação. A necessidade de atualização dos requisitos das vagas e o uso de novos instrumentos de trabalho via CBO são essenciais para orientar a qualificação dos trabalhadores e o encaminhamento de trabalhadores com o perfil adequado à vaga. Torna-se necessário, ainda, maior volume de informações sobre o trabalhador, para poder encaminhá-lo para qualificações extras à ocupação que exerceu e permitir-lhe acessar não apenas uma ocupação, mas um leque de ocupações. O aumento dos recursos para a atividade CBO permitirá que se possa diversificar, ampliar e tornar mais visíveis suas funções, a fim de permitir o aumento da qualidade do cruzamento entre requisitos das vagas e perfil do trabalhador. 168 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O SPE como uma política de Estado, apresentando as condições para que possa ser executado e atendendo com qualidade aos objetivos propostos, somente se efetivará se for acolhido como uma meta prioritária pelo FAT e pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Os sindicatos e as representações empresariais precisam reconhecer que o SPE agiliza a contratação e a qualificação de mão de obra, contribui para a redução do desemprego e a menor depreciação da mão de obra, permite implementar outras políticas de mercado de trabalho e aumentar a eficácia na alocação da força de trabalho. Esse reconhecimento levará a pressionar o FAT para obter o apoio político e os recursos necessários e o MTE para tornar mais eficiente e eficaz as suas atribuições. Ademais, o encaminhamento dos segurados a uma vaga e a sua colocação poupa recursos para o Fundo e mantém as contribuições à previdência social. Esse papel exige que o PSD supere alguns desafios, como a necessidade de uma legislação sobre o Serviço, definindo a organização, a forma de gestão do Sine, a maneira como o serviço deve ser ofertado, sua padronização e repactuação das relações federativas, de tal forma a estabelecer recursos financeiros contínuos e mão de obra permanente, para o Sistema poder acumular conhecimento e melhorar sua atuação. Aos avanços realizados pelo Sine, sugere-se, dadas as características do mercado de trabalho e as modificações em andamento, que: a) fortaleçam-se outras políticas ativas de mercado de trabalho, como informações e encaminhamento para ações de empreendedorismo (microempresas e trabalho por conta própria e “start-ups”) e para programas de microcrédito, atuando em parceria com as organizações do setor e o Sebrae. b) introduzam-se programas de empoderamento de mulheres para melhor participar do mercado de trabalho, incluindo não apenas orientação profissional e treinamento, mas também buscando vagas no mercado de trabalho. 169 Maria Cristina Cacciamali Maria de Fátima José-Silva c) mantenham-se atualizados os programas para atendimento de jovens, incluindo além de orientação profissional e treinamento, a oferta de vagas para Jovem Aprendiz, estágios e apoio no caso de iniciativa de “start-ups”. d) ofereça-se maior comunicação aos usuários sobre os serviços oferecidos pelo Sine, e se implemente maior divulgação do Portal e do Sine fácil em sindicatos e associações, associações empresariais, transportes públicos, internet e veículos da mídia em geral. e) efetive-se maior número de PQ com maior número de horas para atender a demanda das empresas, que incluam estágios, adequados à realidade local de cada mercado de trabalho. f ) aumente-se o número de parcerias institucionais e comunitárias, sobretudo com sindicatos e outros órgãos públicos que implementam política sociais, estabelecendo rede de informações. g) busque-se a necessidade de superar os desafios de gestão e padronização do Sine e da preparação, qualificação e especialização de funções dos agentes públicos do Sine que devem estar preparados para apoiar a utilização por parte dos usuários das formas digitais do novo Sistema (Emprega Brasil e Sine fácil). h) crie-se a figura do agente público especializado na busca de vagas, contatos com empresas e prospecção de trabalhos para elevar a qualidade das vagas oferecidas pelo Sine. i) melhore-se a qualidade do cruzamento entre os requisitos das vagas e o perfil do trabalhador, ampliando o detalhamento com dados de mercado fornecidos pelas empresas e com informações sobre a totalidade de atributos, habilidades e experiência profissional dos candidatos, com isso ampliando e aprofundando a atuação da CBO. 170 NOVOS TEMPOS E O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO Ressalte-se, também, a necessidade de manter os técnicos do Sine atualizados sobre as tendências do mercado de trabalho, de tal forma a poder introduzir as modificações necessárias ao Sistema. A realização periódica de seminários para as equipes do Sine de políticas públicas do MTE com especialistas na área de recursos humanos e mercado de trabalho poderá, a baixo custo, sanar a lacuna que possa existir nesse conhecimento. Por fim, destacamos que as propostas de renda básica universal e de aumento e aprimoramento dos serviços públicos para superar o elevado desemprego e pobreza - que se delineiam em virtude das novas tecnologias - não afetam a necessidade de manter o SPE, haja vista que o mercado de trabalho não será suprimido pela nova tecnologia, e que as novas formas de alocar a mão de obra continuarão a exigir sistemas de intermediação, orientação e qualificação profissional, bem como a aplicação de outras políticas ativas de mercado de trabalho. REFERÊNCIAS BORGES, Márcio Alves. Uma contribuição ao debate das políticas públicas de emprego: o Sistema Nacional de Emprego. Revista da ABET, v. 3, n. 1, 2003. BORGES, Márcio; LOBO, Vinicius; FOGUEL, Miguel. 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Mantém a nova unidade do sistema monetário brasileiro, o seguro-desemprego, amplia e consolida as medidas de combate à inflação. Palácio do Planalto, Brasília, DF, 11 mar. 1986a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2284.htm>. Acesso em: 7 nov. 2017. ______. Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990. Regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 jan. 1990. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7998.htm>. Acesso em: 7 nov. 2017. CACCIAMALI, Maria Cristina. As políticas ativas de mercado de trabalho no Mercosul. Estudos Avançados, São Paulo, v. 19, n. 55, p. 85-104, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v19n55/06.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2017. CACCIAMALI, Maria Cristina; LIGIÉRO, Adriana Phillips; MATOS, Franco de. 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Brasília, DF: MTE, 2010. 173 Capítulo 8 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Márcio Alves Borges1 1 INTRODUÇÃO Com pouco mais de quatro décadas de atuação, o Sistema Nacional de Emprego (Sine) criado pelo Decreto nº 76.403, de 8 de outubro de 1975 (BRASIL, 1975), é compreendido como o arcabouço legal que se propõe a reunir as políticas públicas de emprego, trabalho e renda. Não é por menor dizer que esse Sistema, apesar dos entraves, possui capacidade instalada atual para atender, anualmente, a mais de 15 de milhões de trabalhadores e empregadores. Não obstante à sua evolução, é sabido que o principal problema tem correlação direta com o mecanismo de inter-relação da União com os estados, o Distrito Federal e municípios. É que desde a sua criação, o 1 Analista de Políticas Públicas e Gestão Governamental do Distrito Federal, com formação em Economia e mestrado em Economia das Empresas e Mercado de Trabalho pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Atualmente, em exercício na Subsecretaria de Integração das Ações Sociais da Secretaria de Estado de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do Distrito Federal. Ao longo dos 30 anos de trabalho, exerceu atividades no Ministério do Trabalho, desde 1989, de nível técnico e de gestão, ocupante de cargo de assessoramento, chefia de equipe, coordenação, coordenação-geral, entre as quais a Coordenação Nacional do Sine, a gestão do Seguro-Desemprego e do Abono Salarial, a Direção do Departamento de Emprego e Salário e da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego – substituto. Márcio Alves Borges Sine é mantido por meio da celebração de convênios. Essa prática resulta em dificuldades burocráticas e operacionais que impedem uma gestão efetiva e, como consequência, traz efeito negativo em uma política de continuidade de atendimento ao trabalhador, amplamente requerida ao Sine, pois no seu dia a dia é necessário manter suas portas abertas para o trabalhador à procura de emprego, novo emprego e mesmo oportunidades de trabalho e renda, e de capacitação profissional. O texto encontra-se dividido em três tópicos. O primeiro apresenta breve contextualização das políticas públicas de emprego, trabalho e renda, que se consolidam na década de 1990 com a institucionalização do Programa do Seguro-Desemprego. O segundo aponta um cenário futuro viável para o Sine, a partir da proposta de regulamentação do inciso XVI do art. 22 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), que está em debate na Câmara Federal por meio do Projeto de Lei nº 5.278/2016 (BRASIL, 2016a). E, finalmente, o terceiro tópico acrescenta cenários de correlação das unidades físicas de atendimento do Sine com atendimentos virtuais, possíveis hoje com a disponibilização de dados e bases de dados à disposição da sociedade por meio da Tecnologia da Informação. 2 O SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO ANTECEDENTES A face mais perversa do fenômeno do desemprego tem sua consequência no ambiente microeconômico, no município e até no bairro onde trabalhadores residem. Em situação adversa à sua vontade, o trabalhador vê-se, de hora para outra, cerceado do direito ao trabalho. Regra geral, a sociedade considera desemprego como sinônimo de “desocupação”, falta de trabalho, não levando em consideração a involuntariedade do trabalhador. Com o fenômeno do desemprego, agravam-se as ameaças à segurança do trabalhador e dos seus dependentes, caso dos pais de família, que precisam pagar contas, ou mesmo dos jovens que anseiam pelo seu primeiro emprego e tantos outros exemplos, nos quais 176 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO as aspirações são interrompidas. Desemprego não se traduz apenas em aspectos econômicos, mas envolve questões sociais e de cidadania. Nos países ocidentais há um consenso teórico que atribui ao Sistema Público de Emprego o arcabouço institucional que reúne as políticas para o emprego, trabalho e renda orientados para o trabalhador, em especial àqueles em situação de desemprego involuntário. Entre as principais políticas, estão reunidas neste compêndio as destinadas ao auxílio financeiro temporário para trabalhadores desempregados, necessariamente vinculadas àquelas que pretendem a reintegração no mercado de trabalho, por meio de processos de qualificação profissional, orientação e de intermediação do emprego. No contexto brasileiro, o imperativo de integrar políticas e ações do sistema público não ocorreu de forma imediata; ao contrário, exigiu alongado processo de construção que, ainda hoje, carece de melhor ordenamento institucional. Apesar de o trabalho fazer parte no rol dos direitos sociais assegurados pela Constituição Federal de 1988, ainda hoje não há uma formalização legal que se proponha à garantia de trabalho aos brasileiros, em forma de apoio e aproximação entre os que buscam e os que oferecem trabalho, emprego e renda. O cenário evolutivo das políticas de emprego no Brasil aponta para os anos de 1990, década em que se institucionalizou o Programa do Seguro-Desemprego, como sendo parte desse processo gradativo, iniciado em 1975, de construção de um sistema público de emprego compartilhado, integrado em suas ações, executado descentralizadamente com parcerias operacionais nas esferas dos governos estaduais, do Distrito Federal e de municípios de maior população. Mas, além disso, iniciou-se um processo de política de gestão pública de emprego, trabalho e renda compartilhada, tripartite e paritária entre governo e representações dos trabalhadores e dos empregadores. Não é forçoso presumir que no período anterior à década de 1990, a construção dessas políticas esteve baseada em diagnósticos do governo 177 Márcio Alves Borges central, com pouca participação de representações da sociedade e orientadas, sobremaneira, à situação do cenário político-econômico. Na década de 1940, o evidente processo de migração da população brasileira do meio rural para o meio urbano e o surgimento da industrialização nas Regiões Sul e Sudeste fizeram surgir o diagnóstico de que o País precisaria de trabalhadores preparados para ingressar num mundo urbano e com crescente mercado de trabalho. Esses fatores resultaram na criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Nos anos de 1970, a intermediação do emprego enquanto política nacional ocorreu com a introdução do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975 a 1979) (BRASIL, 1974) e surgiu como resposta à situação do desemprego que se acentuava, cujo diagnóstico decorria da assimetria de informações do mercado de trabalho entre seus agentes, trabalhadores e empregadores. E não é raro ler na literatura que a política de intermediação de emprego no cenário brasileiro pretendeu atender às determinações da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo governo nacional passou a ser signatário da Convenção nº 88, que trata do Serviço Público de Emprego. Referida Convenção determina que cada país-membro cuide para que seja “[…] mantido um serviço público e gratuito de emprêgo [sic]” (BRASIL, 1957, p. 33). Ato adjacente à política de intermediação do emprego é, então, a criação do Sine, por meio do Decreto nº 76.403, de 08 de outubro de 1975 (BRASIL, 1975). Assim, o Sine ficou orientado para organizar informações e pesquisas, implantar serviços e agências de emprego, emitir a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), propiciar informação ao trabalhador e ao mercado dos empregos e disponibilidades de emprego; fornecer subsídios para o sistema de formação e de mão de obra para elaboração de suas programações, permitindo condições para adequar demanda e oferta de trabalho em todos os níveis de capacitação (BRASIL, 1975). 178 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO No âmbito do Seguro-Desemprego, embora a Constituição Federal de 1946 fizesse clara menção ao benefício (BRASIL, 1946), sua instalação ocorre, inicialmente e em menor escala, no período do governo José Sarney (1985 a 1990) no denominado “Plano Cruzado” no ano de 1986. Surge como resposta à recessão verificada na década de 1980 e diante de um cenário com altas e persistentes taxas de desemprego que se seguiram ao longo dos anos de 1980 e 1990. Na Constituição Federal de 1988 o arcabouço legal passou a reunir novos e relevantes contextos de política pública de emprego, trabalho e renda, com atenção para o Programa do Seguro-Desemprego e o Sine: a) o seguro-desemprego passou a integrar o rol dos direitos sociais (inciso II, art. 7º). b) a União definiu competência privativa para “legislar sobre a organização do Sistema Nacional de Emprego” (inciso XVI, art. 22). c) para o financiamento do Programa do Seguro-Desemprego foi criada fonte de arrecadação proveniente das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), entre outros (art. 239) (BRASIL, 1988). O estabelecimento desses institutos na Carta Magna propiciou, mais adiante, a regulamentação do Programa do Seguro-Desemprego pela Lei Ordinária nº 7.998 de 1990 (BRASIL, 1990), a institucionalização do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e a criação do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), órgão colegiado e gestor, de natureza tripartite e paritária, representado pelas categorias dos empregadores e dos trabalhadores, além do governo. Esse novo panorama fortaleceu o seguro-desemprego enquanto política que provê assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado, em virtude de dispensa sem justa causa, inclusive a indireta, ao mesmo tempo que declarou a necessidade de ações que se pro179 Márcio Alves Borges ponham a auxiliar o trabalhador na manutenção e busca de emprego, por meio das ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional. São, portanto, de caráter positivo as avaliações que entendem ser a constitucionalização do Programa do Seguro-Desemprego e sua posterior regulamentação na década de 1990, que mais contribuíram para a evolução de conceitos de uma política integrada. E foi diante desse cenário que se pretendeu o fortalecimento do braço operacional do Programa do Seguro-Desemprego, o Sine. O seguro-desemprego passou, teoricamente, a ser considerado não só auxílio financeiro, mas um contexto de Programa nacional exigindo a execução de ações de orientação, recolocação e qualificação profissional. Nesse novo contexto de Programa, as políticas e ações foram reordenadas, permitindo não somente a execução da intermediação de emprego, do seguro-desemprego e da qualificação profissional, como também ações para geração de renda e manutenção de pesquisas de emprego. Finalmente, a norma legal determinou que, em algum contexto e a depender da política, a execução dessas ações fossem feitas em articulação com os Estados, Distrito Federal e os Municípios por meio do Sine. Resumidamente, os novos requisitos das políticas públicas de emprego, trabalho e renda mudaram conceitualmente a partir da criação do FAT: a introdução de um cenário com política integrada e articulada para o trabalhador brasileiro; um Programa instituído e com fonte própria de recursos; e agregado à sua operação, o executor Sine. Reconhece-se, no entanto, que a evolução teórica dos assuntos relacionados com a política pública de emprego, trabalho e renda não aprofundou os mecanismos institucionais para aperfeiçoar o Sine e melhorar a execução das suas políticas. Se é possível verificar avanços na consolidação da política pública de emprego, em especial no ordenamento constitucional e institucionalização do Programa do Seguro180 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO -Desemprego, há, sobremaneira, apelo para que o seu principal braço institucional – o Sine também evolua em um aspecto principal, ou seja, a sua delicada institucionalização. É que desde 1975 o relacionamento entre os entes federados dá-se por meio de convênios de parcerias, reconhecidamente os meios administrativos que se cercam de aguda burocracia, que afrontam uma necessária gestão efetiva e eficaz de uma política de continuidade de atendimento ao trabalhador e empregador. 3 UM PROJETO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO PARA O SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO – O PROJETO DE LEI Nº 5.278/2016 A criação do Sine a partir do seu Decreto em 1975 (BRASIL, 1975) possibilitou que o Ministério do Trabalho ampliasse sua rede de atendimento nos 26 Estados e no Distrito Federal. Dados do Órgão (BRASIL, 2017) indicam que no ano de 2016, o Sistema de Emprego contava com 2.360 postos, entre unidades próprias e conveniadas, essas últimas mantidas por meio da celebração de convênios com os 26 estados federados, o Distrito Federal, além de municípios selecionados com população superior a 200 mil habitantes, segundo normas regulamentadas pelo Codefat (BRASIL, 2007, 2016b). Ressalta-se que a rede de atendimento atual vem passando por decréscimo no total de postos, reflexo da restrição orçamentária e financeira em todo o governo federal, inclusive por corte significativo nos montantes constantes nas leis orçamentárias anuais (TABELA 4). Essa expansão e execução de ações descentralizadas para outros entes foram requeridas desde 1975, mas por meio de celebração de convênio com a administração centralizada e com desarticulação, em boa parte entre os entes federados. Com isso, nos últimos anos são incontestáveis os questionamentos dirigidos ao Sistema quanto à possibilidade de 181 Márcio Alves Borges se melhorar resultados, no tocante à efetividade do atendimento e na prestação dos serviços frente à estagnação de resultados, heterogeneidade na rede de atendimento, falta de integração das diferentes políticas e serviços, baixa participação das políticas ativas de emprego e reduzidas articulação federativa e supervisão de atividades. Nesse contexto, a dificuldade histórica de descentralização de recursos para o Sine se traduz em descontinuidade ou, ainda, na necessidade de mecanismos ágeis que permitam financiá-lo. Avaliações do corpo técnico do Ministério do Trabalho entre os anos de 2015 e 2016 corroboraram o diagnóstico de que essas dificuldades de execução do Sistema estão concentradas na falta de normativo legal. As discussões permitiram ao Poder Executivo Federal dirigir para o Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 5.278/20162, que pretende corrigir os problemas que afetam o funcionamento do Sine, bem como estabelecer uma política de atendimento em relação aos serviços prestados à sociedade. O Projeto de Lei enfatiza o aspecto normativo do Sine, objeto de constante debate do Ministério do Trabalho com órgãos da União, de entidades representativas dos secretários estaduais e municipais do trabalho, das representações dos trabalhadores e dos empregadores, entre outros. Nos tópicos, destacam-se: a) estabelecimento de competências entre os entes federados. b) definição de uma política nacional de atendimento, de ações e serviços e instâncias de pactuação em modelo de execução descentralizada. 2 O Projeto de Lei nº 5.278 regula o inciso XVI do artigo 22 da Constituição Federal de 1988 no que diz respeito ao Sine (BRASIL, 2016a). Foi recebido na Câmara Federal no dia 12 de maio de 2016. Trata-se de proposição sujeita à apreciação conclusiva pelas Comissões e tem regime de tramitação prioritário. Atualmente, o Projeto possui parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça do dia 19 de outubro de 2017, nos seguintes termos: Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC): “Parecer do Relator, Dep. Lelo Coimbra (PMDB-ES), pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa deste, das Emendas e do Substitutivo da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público.” (PL 5278/2016…, 2017). 182 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO c) adequação do modelo de repasse de recursos à natureza social e continuada dos serviços de emprego, afastando a hipótese de necessidade de celebração de convênios. d) consolidação da integração do Sine com o Programa do Seguro-Desemprego. e) Definição das responsabilidades dos entes federados que queiram instalar e manter unidades de atendimento. f ) definição de interação entre os serviços e o modelo de funcionamento da qualificação profissional. g) estabelecimento de padrões para o atendimento e a execução dos serviços. h) institucionalização de repasse de recursos entre União e entes federados com a modalidade “fundo a fundo” como forma de repasse de recursos, definindo seu modelo de prestação de contas. Assim, em que pese a existência do Sine no cenário brasileiro, um futuro moderno deve institucionalizar a estrutura executora do Programa do Seguro-Desemprego, para que possa executar de maneira eficaz uma política social que tem claro caráter continuado. Enquanto executor das políticas integradas de emprego, recolocação no mercado de trabalho e auxílio financeiro temporário aos trabalhadores em situação de desemprego, o Sistema possui, atualmente, capacidade instalada para atender a cerca de dez milhões de trabalhadores cada ano. Sua institucionalização de forma definitiva racionaliza a aplicação dos recursos públicos, e persegue a modernização e inovação para gerir a política pública, nomeadamente aquelas que impactam diretamente em melhor atendimento para trabalhadores e empregadores. Assim, uma proposta de modernização do Sine surge como medida que resgata uma atuação efetiva de um Sistema que já completou mais de quatro décadas. No Projeto são enfrentados a ausência normativa do Programa do Seguro-Desemprego, no tocante à gestão e operacionalização de suas ações e serviços com a reorganização e execução das ações integradas de auxílio financeiro temporário, com o fortalecimento das políticas ativas de em183 Márcio Alves Borges prego, de orientação, recolocação e qualificação profissional e de trabalho e renda, eixos norteadores do Programa do Seguro-Desemprego. A complexidade dos serviços que integram o rol de políticas ativas requer nível de estrutura, organização e gestão que, frente ao atual marco legal, é impossível implementar no Programa do Seguro-Desemprego. A manutenção e melhora contínua da rede de atendimento, com níveis de desempenho adequados é o desafio, cujo enfrentamento se torna necessário quando a integração desse Sistema com outras políticas é cada vez mais requerida, caso das ações de educação e assistência social, no que concerne a grupos sociais vulneráveis. Estudo realizado nos anos de 2008 e 2009 pela Universidade de Brasília (UnB) para o Ministério do Trabalho tratou da “Avaliação Externa do Programa do Seguro-Desemprego” e destacou: a) as estruturas operacionais e de gestão da política ainda são ineficientes em termos de integração. b) o Sistema Público de Emprego, na verdade, funciona de maneira fragmentada e o Sine, que deveria ser a entidade responsável por operar o processo de integração do Sistema, não detém as capacidades exigidas para um trabalho eficiente e efetivo, como redes realmente integradas e operando com eficiência (MARINHO; BALESTRO; WALTER, 2010). c) segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2007 a 2011, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gastaram em média 41,7% dos recursos disponíveis com políticas ativas de emprego, enquanto o Brasil gastou menos de 2,3% (LOBO; ANZE, 2016). Uma das principais preocupações do Sine está intrinsicamente dirigida à busca pelo emprego ou mesmo pela criação de melhores condições do emprego ou atividades de autossuficiência e manutenção de renda. Frente aos desafios de uniformizar informações do mercado de trabalho, para colocar à disposição e aproximar trabalhadores e empre184 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO gadores, há um cenário manifesto para o Sine que, ano após anos, se vê com menos recursos para investimento, trazendo efeito perverso à sua evolução e desempenho. Entende-se que uma estrutura mínima a ser instituída no regulamento do Projeto de Lei seja justamente a reestruturação do Sine, que até hoje teve relação precária com o Programa do Seguro-Desemprego, passando, então, com a possível aprovação, a ser efetivamente o braço operacional do Programa, regulamentado no que se refere a sua organização e gestão. São ainda aspectos a considerar no Projeto: a) reforça a competência do Codefat como instância reguladora e deliberativa do Sine. b) institucionaliza a gestão compartilhada, o financiamento e a cooperação técnica entre os três entes federativos. c) estabelece responsabilidades dos entes federados que queiram instalar e manter unidades de atendimento. d) regulamenta entidades representativas e instâncias de pactuação. e) autoriza a utilização de recursos transferidos pelo FAT no custeio de despesas, com contratação e remuneração de profissionais para atuar na prestação dos serviços, o que permitirá ao Codefat propor política de recursos humanos para o Sistema. f ) fortalece o papel dos Conselhos Estaduais e Municipais de Emprego, colocando seu pleno funcionamento como condição para a participação no Sistema. g) institui a modalidade “Fundo a Fundo” como forma de repasse de recursos, definindo sua estrutura de prestação de contas, inclusive o papel do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS). h) atribui às Superintendências o papel de apoio regional na coordenação nacional do Sistema. i) integra toda a rede de atendimento da área Trabalho. Não é minúcia considerar que a evolução, apesar das dificuldades, apresenta fatores positivos na consolidação das políticas públicas de emprego, trabalho e renda, e no seu sistema de emprego. Apesar do grau de 185 Márcio Alves Borges desinvestimento, há clara e evidente mudança no tipo de atendimento que persegue qualidade, como também no combate a desvios e fraudes enquanto objetivos do Sistema. Números e dados do Sine podem ser averiguados a seguir, relacionados com a política de intermediação de emprego e de seguro-desemprego. Tabela 1 – Intermediação de Emprego - Sine no nível Brasil - Números anuais de trabalhadores inscritos, encaminhamentos, colocados e vagas captadas - Período anual: 2007 a 2016 Ano Índice de enTrabalhadores EncaminhaÍndice de Vagas Trabalhadocaminhameninscritos para mentos para vagas aprocaptadas res colocados tos por vaga emprego entrevista veitadas colocada (a) (b) (c) (d) (d)/(b) (c)/(d) 2007 5.428.622 4.866.693 2.060.617 980.997 20% 2,1 2008 5.990.907 5.781.814 2.526.628 1.068.114 18% 2,4 2009 5.894.722 6.019.575 2.538.081 1.018.807 17% 2,5 2010 5.497.650 3.660.711 7.729.292 1.246.201 34% 6,2 2011 4.708.101 2.569.720 5.883.262 933.613 36% 6,3 2012 6.144.893 2.642.970 5.490.055 658.862 25% 8,3 2013 5.802.948 2.901.446 6.192.575 749.115 26% 8,3 2014 5.185.085 2.600.860 5.571.657 676.032 26% 8,2 2015 5.185.656 1.758.438 4.901.482 508.139 29% 9,6 2016 Méd. Anual 4.583.926 1.150.896 3.782.156 476.721 41% 7,9 5.463.136 2.772.208 5.195.769 658.862 24% 7,9 Fonte: Relatório de Gestão do Codefat e bases de dados do Ministério do Trabalho. Na Tabela 1 constam os números anuais de atendimento das unidades do Sine com relação aos serviços de intermediação de emprego - 2007 a 2016. Nesse período de dez anos, o desempenho médio gerado apresentou como resultados: a) 5,4 milhões de trabalhadores inscritos em processos de intermediação de emprego. 186 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO b) 2,7 milhões de vagas captadas no mercado de trabalho para encaminhamento. c) 5,1 milhões de encaminhamento de trabalhadores para entrevistas. d) 0,6 milhão de trabalhadores recolocados pela intermediação das agências de emprego do Sistema. Pode-se afirmar que um considerável número de trabalhadores tem no Sine a referência para procura de emprego e oportunidade de trabalho, como também com os empregadores que, em termos médios anuais, disponibilizaram 2,7 milhões de vagas. Ainda assim, houve anos em que mais de 6,0 milhões de vagas foram disponibilizadas ao Sistema, com maior número que os candidatos inscritos a empregos. Os números apontam evidentemente um decréscimo anual em todas as variáveis avaliadas. O último ano da série (2016) indica a colocação de 476 mil trabalhadores em vagas disponibilizadas ao Sine e o índice de encaminhamento de trabalhadores para entrevista a emprego no mesmo período é de 7,9, quase 8 trabalhadores por vaga colocada. Nesse ano, o índice percentual de aproveitamento de vagas é de 41%. Na série em questão, os anos de 2010 a 2015 possuem os maiores índices de encaminhamentos de trabalhadores a entrevista, com aproveitamento de vagas acima da média anual da mesma série. Nos anos de 2008 e 2009 verificam-se os maiores volumes de vagas captadas (5,7 e 6 milhões de vagas disponibilizadas ao Sine). Ao mesmo tempo, esses dois anos apontam para os menores índices de aproveitamento de vagas (18% e 17%). Os números apontam um dado curioso, segundo o qual a ocorrência de maior número de vagas disponibilizadas para colocação sinaliza índices menores de aproveitamento de vagas. E o contrário ocorreu em períodos em que a ocorrência de menos vagas captadas gerou melhores índices de aproveitamento de vagas. Ainda assim, nesse último cenário, o número índice de encaminhamentos por vaga colocada foi de quase 8 trabalhadores por “colocação”. 187 Márcio Alves Borges Cabe ainda observar que nos últimos anos de 2013 a 2016 os dados de trabalhadores inscritos, vagas, encaminhamentos e colocações assinalam para redução gradativa e anual, aspectos esses que podem ter forte correlação com a necessidade de gestão, mas também de manutenção econômico-financeira da rede do Sine. É também recorrente ao Sine atribuir à sua competência os mecanismos capazes de intervir no processo de habilitação do benefício do Seguro-Desemprego, nos momentos em que o auxílio financeiro possa ser preterido em função da ocorrência de vaga no mercado de trabalho. Corrobora para o argumento legal uma das principais razões do Sistema, que é romper com a assimetria de informação do mercado de trabalho entre trabalhadores e empregadores. Ainda que exista a necessidade de potencialização, os dados de integração da política de intermediação de emprego com a do seguro-desemprego mostram que esforços estão sendo feitos, com resultados positivos ao longo do ano, que podem e devem ser potencializados. Tabela 2 – Seguro-Desemprego - Quantidade de trabalhadores e valores anuais emitidos - Período anual: 2007 a 2017 (*) Ano Trabalhadores segurados Valores de benefício emitidos (R$) 2007 6.149.789 12.497.137.105,00 2008 6.816.600 14.101.807.891,83 2009 7.330.864 18.685.057.880,91 2010 7.439.915 19.884.749.529,02 2011 7.839.900 22.781.535.838,13 2012 7.779.832 25.696.406.576,91 2013 8.291.800 30.688.177.429,58 2014 8.440.041 33.218.007.669,33 2015 7.668.624 34.424.351.026,65 2016 7.180.776 35.231.049.035,97 2017 (*) 3.959.810 20.268.381.664,48 Fonte: Relatório de Gestão do Codefat e bases de dados do Ministério do Trabalho. Nota: (*) dados de 2017 até o mês de julho. 188 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Na Tabela 2 são apresentados os dados quantitativos de trabalhadores que, anualmente, requerem o benefício Seguro-Desemprego 2007 a 2017 (parciais até julho), além do correspondente dispêndio anual com a política de auxílio financeiro. Valores maiores ou menores e quantidade de parcelas de Seguro-Desemprego têm correlação direta com a média salarial dos últimos três meses anteriores à data da dispensa, involuntária ou indireta, e com a quantidade de meses trabalhados. De forma geral, o número de parcelas corresponderá entre 3 e 5 meses, e os valores de benefícios mensais nunca serão inferiores ao salário mínimo tendo, atualmente, o valor máximo correspondente a R$ 1.644,00. Nos anos de 2007 a 2016 o número médio de trabalhadores com direito ao auxílio financeiro foi de 7,5 milhões. Nesse período, os volumes financeiros variaram em torno de 12,4 a 35,2 bilhões de reais. O cenário da política de seguro-desemprego com números expressivos de quantidade de trabalhadores e de volumes dispendidos reforçam a necessidade de um Sine capaz de integrar essa política de auxílio financeiro com processos que, de forma mais imediata, reconduzam os trabalhadores ao mercado de trabalho. Essa integração pode ser verificada na Tabela 3, seguinte. 189 Ano Segurados colocados Valor parcelas previstas (R$) Valor parcelas pagas (R$) Qtde parcelas previstas Qtde parcelas pagas (R$) Economia (R$) Qtde parcelas economizadas (a) (b) (c) (d) (e) (b) – (c) (d) – (e) 2012 53.607 222.428.868,84 127.838.914,73 272.076 159.230 94.589.954,11 112.846 2013 80.527 258.783.945,12 155.569.125,37 285.645 173.513 103.214.819,75 112.132 2014 89.836 189.044.394,76 142.040.940,63 192.544 144.910 47.003.454,13 47.634 2015 73.494 167.780.924,38 91.215.131,39 155.018 83.168 76.565.792,99 71.850 2016 52.146 100.177.792,16 54.727.892,39 85.295 46.240 45.449.899,77 39.055 2017 (*) 29.760 19.882.076,92 9.509.651,14 16.747 7.910 10.372.425,78 8.837 Total 420.184 958.098.002,18 580.901.655,65 1.007.325 614.971 377.196.346,53 392.354 Fonte: Ministério do Trabalho. Nota: (*) dados de 2017 até o mês de julho. Márcio Alves Borges 190 Tabela 3 – Sistema Nacional de Emprego - nível Brasil - Seguro-Desemprego e Intermediação de Emprego - Comparativo do número de trabalhadores com direito ao benefício que foram recolocados no mercado de trabalho por meio da ação de Intermediação de Emprego - Período: 2012 a 2017 (até junho) SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Os dados da Tabela 3 se referem às ações executadas pelas unidades de atendimento do Sine nos anos de 2012 a julho de 2017 e têm correlação com a integração das ações do Seguro-Desemprego e com a Intermediação de Emprego que permitiu, entre a habilitação até o recebimento das parcelas de seguro-desemprego, a recolocação do trabalhador no mercado de trabalho. Na coluna “a” consta a quantidade de trabalhadores que deixou de receber alguma parcela do benefício, por terem sido recolocados pelo Sistema, seja no momento da habilitação, seja no momento posterior, quando no recebimento de alguma das parcelas. De janeiro 2012 a julho de 2017 verifica-se um número de 420 mil trabalhadores que requereram ou estavam recebendo o benefício seguro-desemprego, mas que foram recolocados em uma vaga de emprego do Sine. Na coluna “b” o dispêndio da política de seguro-desemprego para esse total de trabalhadores seria de 958,1 milhões de reais, algo próximo a 1 bilhão de reais. Contudo, a integração dos serviços de intermediação de emprego e de seguro-desemprego permitiu que esses trabalhadores retornassem de forma mais imediata ao mercado de trabalho. Essas informações constam na coluna “c”, indicando que os volumes pagos corresponderam a 580,9 milhões de reais. A integração dessas políticas permitiu uma economia de R$ 377,2 milhões de reais, visto que, em algum momento, trabalhadores deixaram de receber parcelas do seu benefício por terem sido recolocados no mercado de trabalho pelo Sine. Os números da Tabela compararam a quantidade de parcelas e os valores previstos para o FAT com os efetivamente pagos. Para essa análise foram extraídos microdados dos trabalhadores segurados, identificando requerimentos referentes aos Segurados colocados no mercado de trabalho. Posteriormente, foram extraídos os valores previstos a que estes teriam direito e o que havia sido pago antes da intermediação de emprego com efetiva colocação, pois em alguns casos o trabalhador já havia recebido parcelas. 191 Márcio Alves Borges Esses são, portanto, números que, por si, justificam a integração das políticas de auxílio financeiro com processos de intermediação de emprego, traduzindo em resultados convidativos para o fortalecimento dessas ações no futuro e a ampliação desse processo. Mais que isso, os valores de dispêndio do FAT que podem ser economizados com a recolocação desses trabalhadores no mercado de trabalho se traduzem em números que atualmente podem ser maiores que o próprio dispêndio orçamentário destinado à execução do Sine. A Tabela 4 apresenta os valores anuais destinados ao Sine nos anos de 2010 a 2016 e os respectivos valores de empenho realizados. O orçamento do Sine se destina à manutenção da rede de atendimento ao trabalhador, apta a atender trabalhadores e empregadores nos serviços de intermediação de emprego, seguro-desemprego, emissão da CTPS e, em alguns casos, à manutenção de pesquisas de emprego. Os dados indicam decréscimos anuais de valores orçamentários e de empenhos financeiros destinados ao Sine. A normatização do Sine, como dito anteriormente, visa corrigir, entre outras distorções, a situação atualmente enfrentada, diante dos resultados de política pública de emprego, trabalho e renda e seus resultados decrescentes ano após ano. Tabela 4 – Valores destinados à manutenção do Sine pelo Governo Federal e Valores de Empenho - Período: 2010 a 2016 Lei Orçamentária Anual (LOA) em R$ Valores anuais de empenho em R$ (a) (b) 2010 146.860.000,00 94.464.807,00 64% 2011 145.000.000,00 130.476.096,00 90% 2012 141.341.985,00 137.484.833,00 97% 2013 192.198.551,00 114.168.248,00 59% 2014 146.288.245,00 137.988.345,00 94% 2015 120.492.641,00 68.491.716,00 57% 2016 105.915.262,00 49.135.057,51 46% Ano Fonte: Ministério do Trabalho. 192 (b)/(a) SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO 4 O SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO E A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Em outra ótica, pensar num cenário futuro para o Sine é, certamente, potencializar a integração das suas políticas de atendimento ao trabalhador e empregador. Devem-se corrigir distorções no passado, de replicação de diversos bancos de emprego dentro do Sine e que até então não tinham interconectividade e tampouco transação de dados entre suas bases. Esses processos passaram a ser repensados a partir do ano de 2009 e geraram uma nova plataforma de dados do Sine para trabalhadores e empregadores, que começou a funcionar no ano de 2012. O cenário atual é resultado das premissas requeridas no passado, que exigiram das políticas de atendimento ao trabalhador e empregador: a) política do seguro-desemprego integrada com processos de intermediação de emprego. b) banco de dados em base nacional, com dados de trabalhadores e empregadores, seja na política de intermediação de emprego, seja no seguro-desemprego. c) sistema de atendimento com informações no tempo real e on-line. d) consulta a outras bases de dados de governo, como medida mitigadora de ação indevida ou ainda de agilização do atendimento do trabalho. e) plataforma tecnológica que permite a disponibilidade de vagas com processos de autointermediação. f ) integração do Seguro-Desemprego em tempo real com processos de encaminhamento para cursos do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, como requerido em lei. 193 Márcio Alves Borges Uma universalização do sistema de emprego para a sociedade - trabalhadores e empregadores devem perseguir sem descanso a melhoria do seu ambiente tecnológico. Os avanços atuais foram desenvolvidos a partir de requisitos técnicos dos atores envolvidos no processo, em especial os responsáveis no atendimento ao trabalhador do Sine e das Superintendências Regionais do Ministério do Trabalho. Nesse ambiente técnico é que se pensou operacionalmente na concretização de um sistema de emprego com base singular, unificado em rotinas e procedimentos operacionais. O Sine tem sua razão de ser por se acreditar que este instituto é suficiente e capaz de romper com a assimetria de informações do mercado de trabalho. Quiçá seja essa a premissa do Sine: a disponibilização de ações e políticas de emprego, trabalho e renda no ambiente presencial e também virtual, medida que se reveste de transparência e universalização da informação, no que for razoável. É um desafio repensar o atendimento presencial e ao mesmo tempo admitir a possibilidade de processos automatizados para trabalhadores e empregadores que os dispensem da exigência do comparecimento em unidades operacionais. Processos automatizados de dados podem evidentemente tornar a informação acessível, com todos os requisitos de legalidade que o procedimento exija. Tornar serviços públicos à disposição da sociedade é hoje uma necessidade sobre quaisquer pontos de avaliação, seja para o ente público, seja para o cidadão interessado. Não é acertado supor que dados informatizados pelos quais se tem acesso às ações de emprego para o trabalhador desempregado estejam aderentes somente a um tipo de atendimento, o presencial na rede do Sine. Curiosamente, por prática comum, o mesmo procedimento não é exigido do empregador. A pergunta a ser feita é em que grau de medida se pode admitir o uso de processos automatizados acessíveis ao público no Sine, sem a necessária obrigação de comparecimento em sua rede física. Desde sua criação, o Sine é detentor de um volume considerável de dados de trabalhadores e empregadores. Com a informatização, os pro194 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO cessos anteriormente manuais evoluíram aos atuais mecanismos de informatização e automação. Estes são consequências de rotinas e culturas institucionalizadas implementadas ao longo dos quarenta anos do Sistema, no que diz respeito ao atendimento ao seu público - trabalhador, empregadores, processos de encaminhamento, controle da ocorrência de vagas, entre outros. A tecnologia da informação está à disposição para evoluir processos, como foi no passado os procedimentos manuais que evoluíram para computadores e que, mais adiante, foram colocados à disposição do cidadão, em algum grau, no ambiente da internet. O desafio futuro é então supor que requisitos podem potencializar um melhor atendimento para o Sine. Sem dúvida, a informação é um patrimônio e por tal possui considerável valor. Dados digitais não são agregados de bytes, mas um conjunto de informações organizadas que podem ser utilizadas para um objetivo. A tecnologia da informação pode ser considerada “[…] o conjunto de todas as atividades e soluções providas por recursos computacionais que visam permitir a obtenção, armazenamento, acesso, o gerenciamento e uso das informações” (ALECRIM, 2013, p. 1). Informação é patrimônio, agrega valor e dá sentido às atividades que a utilizam, razão pela qual os recursos tecnológicos devem ser utilizados apropriadamente, a fim de trazer soluções e resultados eficientes também para o Sine. É oportuno utilizar ferramentas, sistemas ou outros meios que façam das informações um diferencial, com soluções que tragam resultados relevantes, e que permitam transformar as informações e otimizar processos. A forma de como usar a informação da melhor maneira irá depender de cada organização e dos fatores relacionados ao serviço que se quer oferecer. Sobre esse aspecto, o rol dos objetivos do Sine causa evidente desafio ao ente público que, antes de tudo, deve atuar no ambiente da informação. É o que declaram os incisos IV e V do decreto de criação do Sine: IV - propiciar informação e orientação ao trabalhador quanto à escolha de seu emprego; e V - prestar informações ao mercado con195 Márcio Alves Borges sumidor de mão de obra sobre a disponibilidade de recursos humanos (BRASIL, 1975). O art. 6º da Convenção nº 88 da OIT que trata do Sistema Público de Emprego dá ênfase à prestação da informação. No texto, lê-se que O serviço de emprêgo [sic] deve ser organizado de maneira a assegurar a eficácia do recrutamento e da colocação dos trabalhadores; para essa finalidade, deve: a) ajudar os trabalhadores a encontrar emprêgo [sic] apropriado e os empregadores a recrutar trabalhadores que convenham às necessidades das empresas [sic] […] (BRASIL, 1957, p. 34). Um sistema público que se entenda universal deve estar apto a um processo de visibilidade ampla, na qual a rede internet tem tornado esse cenário cada dia mais real. É razoável crer que o Sine amplie seu público, ao universalizar atendimento com os instrumentos disponíveis da tecnologia da informação. Se o rompimento da assimetria da informação no mercado de trabalho é papel fundamental do Sine, não é razoável supor para o futuro do Sine que tais informações e dados, de interesse dos empregadores e trabalhadores, estejam acessíveis apenas no ambiente das agências de emprego. Eis o desafio do Sine: transformar seus bancos de dados em um grande classificado de emprego do País, a tal ponto em que trabalhadores e empregadores reconheçam, no seu potencial uso, um mecanismo eficaz para a informação do emprego. Empregadores e trabalhadores são usuários e clientes do sistema de emprego, e é para esse público que o sistema deve repensar processos que potencializem o seu encontro, cativem as partes e aumentem a produtividade do próprio Sistema. Boa parte desses processos já está acontecendo e em plena evolução. Veja o processo operacional do Seguro-Desemprego. Desde sua criação em 1986, existe um número considerável de trabalhadores que, tendo direito ao benefício, precisam se apresentar pessoalmente em uma das agências do Sine para requerer o auxílio financeiro. Então, o Seguro-Desemprego responde por volume médio mensal de 650 mil e volume 196 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO médio anual de 7,8 milhões de trabalhadores, o que num prazo de 5 anos corresponde a 39 milhões de atendimentos. A fim de melhorar o atendimento, e diante de um cenário com tecnologia da informação, o seguro-desemprego foi repensado e desde 2009 vem sendo admitida a implementação gradual de processos que otimizam serviços até sua plena automação, ou seja, avançar na possibilidade de que trabalhadores requeiram seu benefício Seguro-Desemprego pela internet, dispensando razoavelmente o atendimento presencial. Para que o cumprimento dessa premissa plena aconteça, o primeiro passo foi dado: adequaram-se processos de requerimento exigidos aos empregadores, desobrigando-os, desde então, a adquirirem formulários em papelarias e gráficas. Admitiu-se, com isso, um cenário em que os dados das dispensas dos trabalhadores e requerimentos do benefício pudessem ser transmitidos aos postos de atendimento, por meio da internet. O novo modelo requereu segurança e trouxe, também, novos conceitos ao universo do Sine, caso da certificação digital e de rotinas de autorização de empregadores a procuradores para responderem em seu nome sobre tais procedimentos. As novas rotinas, portanto, mitigaram custos para o empregador, otimizaram processos para as agências, que passaram a confirmar, no momento do atendimento as informações transmitidas pelos empregadores. E foram implementados requisitos de segurança com trilhas de auditorias de dados, a fim de identificar trabalhadores e empregadores, utilizando-se, para tanto, informações provenientes das bases de dados do governo, caso da Receita Federal, da Previdência Social e da Caixa Econômica Federal, entre outras. O cenário atual torna evidente que o procedimento foi plenamente aceito por parte dos empregadores. Atualmente, sabe-se que, em média, 98% das informações de seguro-desemprego são transmitidas por meio digital, pela internet, com uso pleno de certificado digital; os 2% restantes são provenientes de decisões do poder judiciário. Otimizadas as rotinas de atendimento do seguro-desemprego, os agentes públicos que integram o Sine poderão se dedicar às rotinas de intermediação de emprego desse público que, ao invés de ter à disposição um auxílio fi197 Márcio Alves Borges nanceiro, podem até ser reconduzidos a um novo emprego, como requer a política de integração do Sine. Visivelmente, o fortalecimento do processo aponta ganhos para o trabalhador, para o empregador e para o FAT. Então, pensar no futuro é admitir a possibilidade de que trabalhadores possam requerer seu benefício pela internet, ficando a cargo das agências de emprego as situações de notificações que, sendo necessárias, possam exigir comprovação documental ou presencial. Essa rotina, iniciada timidamente em 2009, foi amplamente diversificada em 2013 com a implementação do Empregador Web. O desafio adiante é otimizar serviços que possam e devem ser automatizados, melhorando o atendimento com serviços virtuais para trabalhadores e, em consequência, o atendimento presencial. Há, ainda, no conjunto das ações do Seguro-Desemprego um problema oculto ao trabalhador, reflexo da capacidade instalada da rede de atendimento e dos processos de segregação de tarefas atribuídas às unidades conveniadas que compõem o Sine e unidades próprias do Ministério do Trabalho. Não são raras as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores quando se veem obrigados a deslocamento de grandes distâncias entre a requisição de um requerimento de seguro-desemprego, que sofreu notificação quando atendido pelo primeiro agente e a necessidade de nova avaliação por parte do segundo agente, o que resulta em processos de recursos de seguro-desemprego. O primeiro procedimento é admitido em quaisquer unidades de atendimento, mas o segundo procedimento, que trata de uma segunda avaliação, é executado pelas Superintendências Regionais do Ministério do Trabalho. Ciente de que o número de agências próprias do Ministério é em menor número que unidades do Sine, não é difícil supor situações em que trabalhadores precisarão se deslocar entre municípios e, em alguns casos mais desconfortantes, terão de enfrentar deslocamentos de até quinhentos quilômetros para entrar com pedido de revisão do seu seguro-desemprego. 198 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Novamente, é possível avançar tecnologicamente nessa dificuldade, colocando à disposição do Sine mecanismos automatizados que permitam a trabalhadores darem entrada no pedido de reavaliação de seguro-desemprego no próprio local em que deram entrada no requerimento de auxílio financeiro – em quaisquer agências de atendimento do Sine. Para tanto, é necessário criar mecanismos e protocolos de transição de dados e documentação digitalizada que, a depender do caso, estariam acessíveis para avaliação em nível nacional para agentes das Superintendências Regionais do Ministério do Trabalho. Com tal medida, e de forma transparente, o processo de análise de recurso pode ainda ser acessível às partes interessadas, Sine e trabalhadores, inclusive quanto ao seu tempo de avaliação. Os procedimentos de recursos de Seguro-Desemprego podem ser otimizados não só para o Sine operar, mas também o próprio trabalhador, permitindo que este também efetue sua solicitação via internet, visto que a revisão do benefício depende de provas documentais, que serão posteriormente analisadas por agente autorizado, mediante acesso às bases de dados governamentais. A tecnologia atual permite que documentos sejam transmitidos para devida análise e o retorno do resultado pode ocorrer por meio eletrônico. Esse tipo de procedimento está sendo potencializado por outros órgãos, caso da Previdência Social, Receita Federal, entre outros, e Poder Judiciário. Refletir o futuro do Sine é também idealizar uma plataforma tecnológica que disponha de dados amplos e acessíveis pela internet aos trabalhadores e empregadores, seja em computadores e em tablets, seja em celulares. A pergunta a ser feita é quais serviços do Sine são possíveis de serem dispostos, como medida que se proponha a atingir o maior público possível. Atualmente o Sine possui banco nacional de empregadores e trabalhadores que transacionam volume expressivos de informações; são 15 milhões de atendimentos por ano em processos de intermediação de emprego, seguro-desemprego e emissão de CTPS. Então, não é incorreto pensar numa plataforma tecnológica e portal de serviços com 199 Márcio Alves Borges soluções que potencializem e tornem efetivas as políticas do Sine, que tem o objetivo basilar de romper com a assimetria de informação do mercado de trabalho. Pensar no uso de informações com novas tecnologias é ter ciência de que dados do governo federal apontam que o brasileiro utiliza mais o aparelho celular do que o computador pessoal para acesso à internet. Números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)/2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informam que eram 115,4 milhões o número de pessoas com 10 anos ou mais de idade com celular para uso pessoal e que 7 em cada dez brasileiros (69,1%) tinham pelo menos um aparelho (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012). E os números de acessos em banda larga móvel superam a banda fixa. Os dados oficiais indicam que os acessos 3G e 4G fecharam o ano de 2015 no Brasil com 191,8 milhões de acessos, contra 25,4 milhões em banda larga fixa; e que, aproximadamente, “73% dos brasileiros que possuem smartphone não saem de casa sem ele e, para os jovens, é o item mais importante a ser levado a um evento, à frente de documentos e dinheiro” (dados de junho de 2013)” (ESTATÍSTICAS…, 2016). Assim, nos processos de intermediação de emprego é razoável dispor de informações para pesquisa customizada aos trabalhadores e empregadores sobre aspectos como: busca por unidade da Federação, município, região, bairro; por categoria e natureza ocupacional; por grupos específicos, como jovens à procura do seu primeiro emprego, pessoas com deficiência, por ocupação, por características contratuais de trabalho, entre outros. É possível repensar processos de intermediação de candidatos a emprego que orientem encaminhamentos segundo suas competências, habilidades e atitudes, cenário que exige a atualização plena do mapeamento da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), em especial naquelas ocupações com maiores demandas nas agências de emprego. 200 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO A tecnologia da informação e a globalização da informação faz nos idealizar um sistema que possa transpor as barreiras territoriais, permitindo mesmo que possa haver intermediação de profissionais brasileiros e de outros países interessados em empregos fora ou dentro do país. São diversas as possibilidades para que essa transição ocorra, tais como intercâmbio estudantil, estágios, navios que aportarão nos portos brasileiros, empresas aéreas, multinacionais que instalarão filiais em nosso território, entre outras. Raciocinar que os serviços de Intermediação de Emprego, Qualificação Profissional, Seguro-Desemprego, Abono Salarial, Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Relação Anual de Informações Sociais (Rais), CTPS e CBO são utilizadas por empregadores e trabalhadores nos faz questionar por que exigir acessos distintos e específicos para cada base desses mesmos usuários. O mais razoável seria dispor de um único protocolo de acesso customizado por perfil e funcionalidade. Entendendo, assim, que em algum momento da vida laboral tanto o empregador quanto o trabalhador serão demandantes de uma ou mais ações das políticas de emprego, é supor que a disposição dessas informações em um único acesso irá ampliar e potencializar os serviços automatizados de todas as funcionalidades acessíveis para esse público. A titulo de exemplo, no período de 30 de outubro de 2016 a 30 de outubro de 2017, o número de empregadores que disponibilizaram vagas de emprego para o Sine é de 118,6 mil empregadores, ao mesmo tempo em que, nesse mesmo período, 1,8 milhões de empregadores transmitiram as informações de seguro-desemprego pela internet aos postos de atendimento. Pensar numa única porta de acesso é então potencializar possibilidades de que mais empregadores possam utilizar esses e outros serviços do Sine. Não é difícil supor um empregador que, ao ter a obrigação de prestar informações de movimentação de trabalhadores para o Caged, não possa ter um mesmo acesso para, em alguma medida, transmitir as informações de seguro-desemprego, colocar à disposição as suas vagas de 201 Márcio Alves Borges emprego, efetuar, numa mesma plataforma, as consultas a candidatos e efetivar convocações para processos de entrevistas, que processualmente poderão ser acompanhadas pari passu pelas agências do Sine. Romper com a assimetria é a razão de ser do Sine e dos serviços de emprego ao redor do mundo. Assim, customizar serviços é uma maneira de facilitar informações para encontro de trabalhadores e empregadores. Atualmente em desuso, mas bastante utilizado em décadas passadas, o classificado de emprego dos grandes jornais sempre foi a referência para dispor informações de emprego. Uma hipótese natural para o Sine e sua plataforma tecnológica é a possibilidade de agregar mecanismos customizados para empregadores que potencializem o seu uso. Existe a possibilidade do desenvolvimento de ferramentas tecnológicas de emprego que permitam a colocação de classificados de emprego no próprio portal de emprego, ao invés do uso de publicações em grandes jornais de circulação. Mais que isso, uma vez que a vaga seja disponibilizada como classificado de emprego, a informação pode até ser automaticamente transmitida aos trabalhadores candidatos e adequados ao perfil da vaga, de forma imediata. Recebida pelos trabalhadores adequados ao perfil da vaga, estes poderiam automaticamente se manifestar pelo interesse ou não, segundo prazo pré-estabelecido. Resumidamente: a) um classificado de emprego dirigido aos trabalhadores que preencham os requisitos mínimos da vaga disponibilizada pelo empregador. b) trabalhadores adequados ao perfil da vaga recebem mensagens SMS automaticamente pela telefonia móvel. c) trabalhadores são requeridos a informar o interesse pela vaga ofertada. d) empregador recebe a informação de quantidade e quais trabalhadores se interessaram pela vaga, segundo prazo pré-estabelecido. 202 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO e) empregador manifesta interesse por realizar entrevista a trabalhadores específicos ou requer que o Sine inicie processo de entrevista antes de decidir quais trabalhadores serão convocados. f ) todas as ações transacionadas são acompanhadas pela intermediação de emprego do Sine. Não é pormenor supor ainda que mecanismos de entrevistas em vídeo possam futuramente ser utilizados para contato dos empregadores com trabalhadores, ou para pré-seleção do Sine, ou até mesmo na confecção de seu curriculum vitae. Finalmente, é necessário pensar num processo de intermediação de emprego que rompa com a lógica cartesiana de confecção de cadastro para emprego e atendimento ao público cuja maior parte é realizada em balcão de emprego. O trabalhador deve ter por referência a necessidade de se apresentar mediante preparação de seu currículo. Currículos dizem mais que cadastros. Currículos se referem à declaração de qualificação do trabalhador, das suas competências, habilidades e aptidões. Mudar esse conceito lógico não é fácil, mas também não é impossível. Currículos bem elaborados exigem orientação profissional, exigem percepção dos potenciais de cada candidato, que lhe garantirá o sucesso e quais fragilidades exigirão aprimoramento profissional. Um processo de intermediação de emprego deve contar com equipes que sejam capazes de mapear competências obtidas com a educação formal, treinamentos, experiências profissionais, competências comportamentais inerentes às características de cada indivíduo, que apontem para capacidade intelectual, de comunicação, social, de comportamento e de organização. Enfim, o Sine, com sua plataforma de emprego, deve estar apto a avaliar o que se quer do trabalhador em relação a atitudes e comportamentos, relacionamento interpessoal, trabalho em equipe, criatividade, adaptação, consciência de qualidade, ética, coerência e competências organizacionais. Certamente, não serão cruzamentos de campos de siste203 Márcio Alves Borges mas e disposição automática de cartas de encaminhamentos que permitirão maior efetividade em aproveitamento de trabalhadores e de vagas. Uma agenda para o futuro do Sine, sem dúvida, irá passar pelo uso mais frequente da tecnologia da informação; e certamente o uso irá aumentar exponencialmente a referência do Sine por parte dos trabalhadores e dos empregadores. Não obstante essa realidade, é sabido que haverá a implementação de novos processos e rotinas que irão exigir mais do próprio Sistema e, sabidamente, haverá trabalhador que precisará de uma atenção mais detida nas unidades. O desafio é ter a compreensão de que a tecnologia da informação, ao invés de dispensar atendimento a trabalhadores, irá trazer mais trabalhadores e empregadores demandantes dos serviços do Sine, quiçá colocando-o num cenário mais promissor no novo milênio. REFERÊNCIAS ALECRIM, Emerson. O que é Tecnologia da Informação (TI)? InfoWester, 27 mar. 2013. Disponível em: <http://www.infowester.com/ti.php>. Acesso em: 10 out. 2017. BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Palácio do Planalto, Rio de Janeiro, 15 out. 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao46.htm>. Acesso em: 5 nov. 2017. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Palácio do Planalto, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 3 nov. 2017. ______. Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957. Promulga as Convenções Internacionais do Trabalho de nº11, 12, 13, 14, 19, 26, 29, 81, 88, 89, 95, 99, 100 e 101, firmadas pelo Brasil e outros países em sessões da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Rio de Janeiro, 28 jun. 1957. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d41721.htm#convencao88>. Acesso em: 5 nov. 2017. 204 SISTEMA NACIONAL DE EMPREGO: UMA AGENDA DE REVITALIZAÇÃO E NOVOS CENÁRIOS COM A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO ______. Decreto nº 76.403, de 8 de outubro de 1975. Cria o Sistema Nacional de Emprego (Sine) e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 out. 1975, Seção 1, p. 13463. BRASIL. II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975 a 1979). Palácio do Planalto, Brasília, DF, 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/1970-1979/anexo/ANL6151-74.PDF>. Acesso em: 3 nov. 2017. ______. Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990. Regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 jan. 1990. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7998.htm>. Acesso em: 5 nov. 2017. ______. Ministério do Trabalho. Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Resolução nº 560, de 28 de novembro de 2007. Estabelece regras para execução das ações integradas do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, no âmbito do Sistema Nacional de Emprego – SINE. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 4 dez. 2007. Seção 1, p. 106. Disponível em: <http://portalfat.mte.gov.br/ wp-content/uploads/2016/01/Res560.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2017. ______. Ministério do Trabalho. Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Resolução nº 758, de 9 de março de 2016. Altera a Resolução n° 560, de 28 de novembro de 2007, que estabelece regras para execução das ações integradas do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, no âmbito do Sistema Nacional de Emprego – SINE. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 11 mar. 2016. Seção 1, p. 130. Disponível em: <http://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2016/03/Res758.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2017. ______. Ministério do Trabalho. Relatório de gestão de 2016: unidade prestadora de contas: Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Brasília, DF, 2017. Disponível em: <http://portalfat.mte.gov.br/wp-content/uploads/2016/02/Relat%C3%B3rio-de-Gest%C3%A3o-FAT-2016-1.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2017. ______. Projeto de lei nº 5.278, de 2016. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Emprego, criado pelo Decreto nº 76.403, de 8 de outubro de 1975. Portal da Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 2016a. Disponível em: <http:// www.camara.gov.br/sileg/integras/1459929.pdf>. Acesso em: 5 nov. 2017. 205 Márcio Alves Borges ESTATÍSTICAS de uso de celular no Brasil. Exame, 22 abr. 2016. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/negocios/dino/estatisticas-de-uso-de-celular-no-brasil-dino89091436131/>. Acesso em: 5 nov. 2017. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. 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Acesso em: 5 nov. 2017. 206 Capítulo 9 O SINE NO SÉCULO XXI – INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO Amilton J. Moretto1 1 INTRODUÇÃO Em um artigo em que analisa o mercado de trabalho europeu, o professor Ulrich Beck (2012), aponta o aumento das ocupações precárias nos países daquele continente, ampliando-se a flexibilidade e a insegurança dos trabalhadores, justamente nos países de industrialização avançada, onde se construiu um arcabouço de proteção social, assentado sobre o assalariamento de tempo integral por tempo indeterminado. Sua constatação de que a crise de 2008 estava fazendo crescer o emprego atípico, levou-o a afirmar que se caminhava para uma brasilianização do mercado de trabalho europeu. O professor Beck escrevia em 2012, depois que o Brasil havia experimentado um crescimento forte do emprego formal ao longo dos anos 2000, e quando a crise ainda não tinha revertido os indicadores do desemprego, o que se verificou a partir de 2015, sobretudo, após a destituição da presidenta eleita; destituição levada a cabo pelo grupo ultraconservador que se apossou do governo federal e iniciou um movimento de destruição da legislação de proteção social, fazendo regredir parte dos parcos avanços que os brasileiros haviam conquistado, desde a Constituição Federal de 1988, em direção a uma sociedade mais civilizada. 1 Professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Amilton J. Moretto O trabalho precário, característico do mercado de trabalho de países subdesenvolvidos, tem crescido nas economias avançadas, nas quais as formas de trabalho atípicas – tempo parcial, temporários etc. – têm ampliado a participação diante do crescimento das pressões por redução dos custos de produção, para que as empresas nacionais possam manter a lucratividade na concorrência com a produção feita em países de mão de obra barata, e sem ou com baixa proteção social, sobretudo asiáticos. O aumento da parcela da população que se insere em atividades pouco especializadas, de grande flexibilidade, baixa remuneração, instável e sem proteção social, tem criado um grupo de trabalhadores sem nenhum vínculo ocupacional, sem perspectiva de futuro, que vive somente para o presente, o curto prazo. Essa nova camada, Standing (2013) chamou de precariado, uma nova classe, propensa a sofrer a influência de discursos populistas e autoritários, haja vista a crescente onda de apoio à extrema direita na Europa ou a vitória de Trump nos Estados Unidos da América. As forças do mercado globalizado têm criado obstáculos aos governos na sua capacidade de regulação e de implementação de políticas públicas, diante da crescente necessidade de manter a economia aberta aos fluxos financeiros, o que tem gerado crescente instabilidade, agravada com a crise econômica desencadeada a partir de 2008. Se a globalização criava oportunidades de se ampliar o comércio entre as nações, a desregulação que a beneficiou criou tensões sociais que não podem ser desprezadas, pois podem levar a uma ruptura mais severa da coesão social. Como observou Rodrik (2011), a globalização, ao ampliar os fluxos comerciais e financeiros, pode contribuir para o aumento da riqueza, mas não garante a convergência, além do que cria entraves às políticas domésticas e pode levar à ampliação do fosso entre trabalhadores qualificados e não qualificados. Se as transformações econômicas advindas com a globalização têm impactado os mercados de trabalho nos países de industrialização avançada, isso não é diferente no caso dos países de industrialização tardia 208 O SINE NO SÉCULO XXI INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO como o Brasil. A adoção das políticas de corte neoliberal implementadas nos anos 1990 teve forte impacto sobre as condições de funcionamento do mercado de trabalho brasileiro, marcado pela grande oferta de mão de obra, alta rotatividade e heterogeneidade ocupacional. Apesar do dinamismo econômico dos anos 2000, período em que cresceu fortemente o emprego formal, este não chegou a ter a mesma representatividade que o emprego assalariado tem nas economias avançadas. Não se pode negar, é claro, que durante essa década houve um significativo avanço em termos de estruturação do mercado de trabalho brasileiro, com melhoria das condições de vida dos trabalhadores e de suas famílias, dada a combinação do crescimento do emprego, da elevação do salário mínimo, da implementação de políticas de assistência social, entre outras ações que em conjunto contribuíram para reduzir a pobreza e melhorar a distribuição da renda do trabalho2. Contudo, a crise em que o país mergulhou a partir de 2015 apresentou sua conta: dois anos seguidos de recessão e a volta do desemprego de grande contingente da força de trabalho. Ademais, a implementação de uma reforma trabalhista que retira direitos e reduz a proteção social, a liberalização da terceirização, bem como a imposição de um teto ao gasto público, trazem complicações adicionais, pois tende a aumentar a demanda por proteção social, ao mesmo tempo em que se reduzem os recursos para as políticas sociais. Nesse contexto, de grandes dificuldades, os desafios para manter em funcionamento os atuais serviços agigantam-se, quiçá exigindo as mudanças necessárias para o seu aprimoramento. Se, entretanto, os momentos de crise são também de oportunidades para se avançar, pois a crise não dura para sempre, é preciso se preparar para as mudanças. É fato que a dinâmica do mercado de trabalho em tempos de globalização ganhou contornos que exigem o contínuo aprimoramento da 2 Sobre a evolução do emprego formal nos anos 2000, rotatividade e redução da pobreza e da desigualdade ver, entre outros: Baltar (2015), Baltar et al. (2010), Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (2016), Kerstenetzky (2017), Lavinas (2012) e Mattos (2016). 209 Amilton J. Moretto caixa de ferramentas à disposição dos gestores e formuladores envolvidos com as políticas públicas as quais visam melhorar as condições de trabalho e do funcionamento do mercado de trabalho. Isso significa compreender que o Sistema Nacional de Emprego (Sine), assim como as políticas de mercado de trabalho, tem que responder aos novos desafios colocados pelo mercado de trabalho, com as especificidades do caso brasileiro. O presente texto discute, de forma breve, alguns aspectos sobre a importância estratégica da informação sobre o mercado de trabalho e do papel destacado que pode vir a ter o Observatório Nacional do Mercado de Trabalho (ONMT) – e a rede a ele associada – e o Sine, na estruturação do mercado de trabalho, contribuindo para redução das desigualdades regionais e para o desenvolvimento inclusivo. Assim, o artigo organiza-se em duas seções. Na primeira, tecem-se algumas considerações acerca do papel do Sine na operacionalização das políticas públicas de mercado de trabalho, para no momento seguinte discutir a importância da informação para o planejamento e a formulação de políticas públicas de trabalho, bem como a execução das funções do Sine. 2 O SINE E AS POLÍTICAS DE MERCADO DE TRABALHO A criação do Sine nos anos 1970 teve como modelo os serviços públicos de emprego das economias industrializadas e, portanto, visava ao mercado de trabalho assalariado formal. Todavia, no caso brasileiro, apesar da existência de políticas voltadas para a formação e qualificação da mão de obra, o foco das atribuições do Sine recaiu sobre o ajuste do mercado de trabalho, na função de produção de informação sobre o mercado de trabalho e na intermediação de mão de obra. Como afirma Matos (2011, p. 11), 210 O SINE NO SÉCULO XXI INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO Ao se analisar o texto do decreto que instituiu o Sine, percebe-se que o entendimento de serviço público adotado valoriza a função de geração de informações sobre o mercado de trabalho, institui a função de intermediação de mão de obra, mas não engloba a qualificação profissional como função do sistema, e nem o seguro-desemprego, que à época sequer estava instituído. Na criação do Sine, portanto, a integração das funções clássicas – intermediação, seguro-desemprego e qualificação – não estavam presentes, além de ter de atuar num mercado cuja estrutura e dinâmica são marcadamente diferentes dos países de industrialização avançada. Somente nos anos noventa, num contexto de elevado e crescente desemprego, e com a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), é que se inicia um processo em que se criam novas políticas de mercado de trabalho – como o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger), buscando-se maior articulação entre as mesmas. A questão da integração dos vários programas ganhará destaque, sobretudo, com relação à articulação entre o seguro-desemprego e a intermediação de mão de obra; isso porque o desenvolvimento do programa seguro-desemprego protegia a renda do trabalhador que perdia seu emprego, mas não se preocupava com a recolocação do mesmo em um novo posto de trabalho. Assim, tornava-se necessário envidar esforços para fazer com que o beneficiário do seguro-desemprego tivesse o atendimento junto ao serviço de intermediação. Ademais, tinha-se a preocupação com a articulação de outros programas que foram sendo criados, com focos específicos, como aqueles dirigidos para os jovens e para os trabalhadores com maiores dificuldades em se inserir no mercado de trabalho. O debate em torno de mudanças nas políticas e a necessidade de maior articulação entre as mesmas levaram à realização de dois congressos nacionais e cinco congressos regionais, onde foi discutida a construção de um novo modelo. Desse processo de discussão surgiu a criação do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR), o qual 211 Amilton J. Moretto […] consiste na articulação e integração de um conjunto de políticas de proteção e inclusão sociais às políticas de geração de emprego, trabalho e renda de abrangência nacional e regional, fundamentada nas seguintes funções: seguro-desemprego, orientação profissional e intermediação de mão-de-obra, qualificação e certificação profissional, produção e gestão de informações sobre o mercado de trabalho, inserção da juventude e de grupos vulneráveis e geração de trabalho e renda via o fomento às atividades empreendedoras de pequeno porte, individuais e coletivas (CONGRESSO NACIONAL DO SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO, TRABALHO E RENDA, 2005, p. 312). A implementação do SPETR a partir de 2006 buscou integrar e articular os vários programas de mercado de trabalho. O objetivo era eliminar as superposições existentes entre as ações dos vários níveis de governo, racionalizando e melhorando a gestão e o serviço oferecido. Do ponto de vista do atendimento, buscava-se garantir o acesso universal aos serviços oferecidos e ao mesmo tempo dar maior atenção aos trabalhadores com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho. De fato, há no novo modelo a preocupação com o público mais vulnerável, i.e., aquele com maior dificuldade de inserção em um posto de trabalho, formado por jovens, mulheres e negros, geralmente com baixa escolaridade, falta de experiência e pouca qualificação. Essa preocupação se reflete na busca por ampliar as políticas de mercado de trabalho com foco na inclusão social, criando-se programas voltados para a geração de renda para trabalhadores que não conseguissem se inserir em um emprego no mercado formal. Em consonância com essa preocupação, procurou-se descentralizar a execução das políticas para estados e municípios, com o objetivo de se ter maior flexibilidade e adequação às diferentes realidades e especificidades regionais e locais, com a coordenação em nível nacional. O foco na vulnerabilidade decorre da existência de um grande público trabalhador de baixa renda, beneficiários ou não de programas da assistência social, cuja inserção no mercado de trabalho é dificultada 212 O SINE NO SÉCULO XXI INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO pela falta de escolaridade e baixa qualificação, entre outras características pessoais e sociais. Para esse público, a atuação do Sine torna-se mais complexa, pois exige ações complementares de várias políticas/programas, que criem as condições para que o trabalhador tenha uma inserção adequada no mercado de trabalho, i.e., condições dignas de trabalho e renda suficiente para satisfazer as necessidades básicas. É provável que parte significativa desse público vulnerável, especialmente os adultos com maior idade, não tenha condições de ingressar em um emprego formal. Os jovens, pertencentes a esses grupos, contudo, têm alguma chance, mesmo que tenham baixa escolaridade, pois podem se beneficiar dos programas de elevação da escolaridade e de qualificação profissional. Para aqueles com menor probabilidade de inserção no emprego formal, os programas de geração de renda e de apoio ao trabalho autônomo ou por conta própria podem ter um papel importante. Assim, ações como microcrédito produtivo, centrais de trabalho autônomo, ações de extensão e capacitação técnica, e de administração/gestão de negócios podem ser fundamentais para que a inserção do trabalhador de forma autônoma seja efetiva. Ademais, dada a maior fragilidade dessa forma de inserção, tornam-se necessárias políticas de proteção a esses trabalhadores por conta própria, para cobrir os riscos desse tipo de inserção na atividade produtiva, que resulte no impedimento do trabalhador em exercer a atividade – como doença ou acidente – ou nos momentos em que ocorra redução da demanda e, portanto, queda nos rendimentos advindos da atividade. Por outro lado, há um público que geralmente não procura o Sine. Este, por possuir maior escolaridade, qualificação ou experiência de trabalho e, portanto, ter maiores chances de encontrar um novo posto de trabalho, utiliza-se de redes sociais ou de serviços privados de intermediação ou de empresas/agências de trabalho temporário. Parte desse público pode não buscar os serviços do Sine por desconhecimento, enquanto outros podem ver no Sine um serviço de baixa qualidade ou voltado para trabalhadores de baixa renda. 213 Amilton J. Moretto Pode-se dizer que o Sine sempre teve como característica o atendimento ao trabalhador de menor qualificação, ressalvadas as especificidades regionais, o que em certa medida criou uma imagem do Sine junto aos trabalhadores de maior qualificação e mais bem posicionados, que preferem outros mecanismos de busca de emprego ou os serviços de agências privadas de emprego. Em certo sentido, as mudanças com a criação do SPETR visam a alterar essa imagem, procurando melhorar a atuação e os serviços prestados, incluindo-se, por exemplo, maior facilidade de acesso aos trabalhadores mais qualificados, por meio do autoatendimento e serviços pela internet. De toda forma, reforça-se também seu papel de auxílio àquele público com maiores dificuldades de inserção, incluindo-se aí aqueles que são beneficiários de programas sociais. Nesse sentido, a atuação do Sine tem sido positiva, como demonstra estudo de Guimarães et al. (2017, p. 101): Encontramos, com base em séries temporais de dados da [Pesquisa de Emprego e Desemprego] PED, que são justamente os mais pobres aqueles que acorrem em maior volume ao mercado e, em sua procura por emprego, privilegiam o sistema público de intermediação (Sine). Este, entretanto, mostrou-se pouco vigoroso em elevar as chances de colocação, às voltas com problemas diversos, tais quais dificuldades em buscar vagas de melhor qualidade para oferecer aos que buscam trabalho e dificuldades na seleção e capacitação das pessoas que são enviadas às empresas para processos seletivos, sem contar os limites no acesso ao seguro-desemprego, que não alcança parcela substantiva das pessoas desligadas de empregos formais. A morosidade, ineficiência e pouca agilidade em acolher os trabalhadores mais pobres e em prepará-los melhor para a reinserção no mercado de trabalho caracterizam a atuação do sistema público de emprego. Ora, sabemos que a formação profissional e competências atitudinais são requisitos necessários para o ingresso no mercado de trabalho e aspectos ausentes entre a população mais pobre, com destaque especial para mulheres e negros. 214 O SINE NO SÉCULO XXI INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO Como concluem os autores, o Sine, de fato, tem conseguido atender os trabalhadores mais vulneráveis, incluindo-se os beneficiários de programa sociais, que buscam o serviço público. Contudo, apesar de conseguir chegar a esse público, as ações do Sine têm sido pouco efetivas em ampliar as chances de esses trabalhadores encontrarem um posto de trabalho regular por tempo indeterminado. A explicação para isso seria a menor agilidade do serviço em conseguir adequar os perfis desses trabalhadores, de forma que os mesmos possam estar melhor preparados para inserirem-se no mercado de trabalho, i.e., o Sine não tem sido eficiente em dar a esses trabalhadores uma qualificação profissional e as habilidades que os empregadores estão a exigir para contratação. Esse aspecto parece importante de ser destacado, haja vista que o problema da qualificação profissional não é novo. Para ficar somente no período mais recente, tivemos a implementação do Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor) na segunda metade dos anos 1990, substituído pelo Plano Nacional de Qualificação (PNQ) em 2003, chegando-se ao Programa Nacional de acesso ao ensino Técnico e Emprego (Pronatec) em 2011. O problema, contudo, a nosso ver, reside na necessidade de se elevar a escolaridade dessa população vulnerável. Apesar dos avanços que se verificaram na elevação da escolaridade da população brasileira3, é inegável que se precisa avançar mais e, nesse aspecto, mesmo bons cursos de qualificação profissional terão pouca efetividade para um público carente dos requisitos da escolaridade fundamental. Nesse sentido, as ações que visam conciliar a elevação da escolaridade com a qualificação podem ter um papel importante em ampliar a capacitação dos trabalhadores de baixa qualificação e baixa escolaridade, possibilitando aos mesmos maiores oportunidades de inserção no mercado de trabalho. 3 Pelos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2001, 25,2% da população com 10 anos ou mais tinha 10 anos ou mais de estudos, sendo que em média, essa população tinha 6,1 anos de estudos nesse ano. Essa escolaridade aumentou ao longo dos anos 2000: em 2015, 43% da população com 10 anos ou mais tinha escolaridade superior ao ensino fundamental (10 anos ou mais de estudos), enquanto a média de escolaridade elevou-se para 7,8 anos de estudos. 215 Amilton J. Moretto Para isso, ações como o programa de Educação de Jovens e Adultos, o Pronatec, bem como os Institutos Federais de Educação Profissional e Tecnológica podem cumprir um papel importante em relação a esse aspecto. Há, contudo, necessidade de se estabelecer uma política mais clara de qualificação profissional, construída de forma conjunta pelos setores responsáveis pela educação, no caso o Ministério da Educação (MEC), de um lado e pelo trabalho – o Ministério do Trabalho – de outro, de forma que se possa viabilizar maior integração e articulação das ações da política educacional e da política de trabalho, na qual o Sine deverá ter um papel destacado. Citando uma vez mais Guimarães et al. (2017, p. 103), Nesse sentido, há lugar – estratégico – para as iniciativas públicas de intermediação, notadamente dirigidas aos mais pobres. Elas se constituem em mecanismos cruciais para preencher o hiato entre as políticas de proteção ao trabalhador e de qualificação para o trabalho, por um lado, e a obtenção de emprego, por outro. Nessa direção, fortalecer a atuação do Sine e sua capacidade de articular as diferentes políticas de mercado de trabalho torna-se crucial para que suas ações tornem-se efetivas. Para isso, além de se ampliar o aporte de recursos necessários à melhoria e ampliação dos serviços, dado que no Brasil o gasto com o serviço público de emprego é baixo (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS, 2016), a introdução e utilização das novas tecnologias de informação e comunicação são fundamentais para capacitar o atendimento diferenciado do trabalhador, adequando-se à realidade do mercado de trabalho que apresenta grande heterogeneidade de perfis entre os trabalhadores. Assim, essas ferramentas, que já vêm sendo implementadas, podem aproximar aquele trabalhador mais qualificado e com maior autonomia, que pode utilizar o serviço de autoatendimento via internet, para pesquisar por oportunidades de colocação, inscrever-se e solicitar um posto de trabalho sem a ne216 O SINE NO SÉCULO XXI INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO cessidade procurar diretamente um posto físico do Sine. A utilização de aplicativos para computadores e, especialmente, para os telefones móveis (smartphones) ampliam o público que pode acessar os serviços oferecidos, sobretudo o público jovem. A utilização das tecnologias de informação e comunicação permitem ganhos de produtividade, abrindo espaço para o atendimento presencial daquele público com maiores dificuldades. Para isso, além do uso de novas tecnologias se faz relevante a capacitação do quadro de servidores do Sine, para que se possam aproveitar todos os recursos que se abrem com o uso das novas tecnologias, ampliando a eficiência. Isso significa que o profissional de atendimento deverá ter condições de maior análise, prospectando trajetórias e detectando deficiências/ necessidades do trabalhador em busca de ocupação, e não apenas fazendo o cadastramento do trabalhador no sistema e verificando se existe – ou não – uma oportunidade de emprego, a partir do confronto entre a ocupação procurada e aquelas que estão sendo ofertadas, e o consequente encaminhamento. Ou seja, é preciso que o profissional que está no atendimento direto seja mais que um simples “atendente”, tornando-se uma espécie de “consultor” com capacidade para explorar as exigências e necessidades da vaga ofertada, bem como as potencialidades do trabalhador, ampliando as possibilidades de encaminhamento de forma mais assertiva. Complementarmente, será importante que na prospecção das potencialidades e deficiências do perfil do trabalhador sejam detectadas as necessidades de qualificação profissional, treinamento para entrevistas, entre outras, para que se possam fazer os encaminhamentos corretos. Isso significa que o “consultor” deveria ter condições de avaliar o perfil do trabalhador, ajudando-o na melhor alternativa para sua inserção ou reinserção no mercado de trabalho e, quando for o caso, encaminhando-o para outros profissionais ou setores do Sine. Esse seria o caso do trabalhador com dificuldades em se inserir no emprego formal ou daquele que deseje o trabalho por conta própria: o trabalhador seria direcionado para os serviços que possam vir a ajudá-lo de forma mais efetiva. 217 Amilton J. Moretto Outro aspecto além das tecnologias e da capacitação do pessoal que se considera importante para adequação das políticas de mercado de trabalho e para sua maior efetividade, diz respeito à capacidade de produzir informação e conhecimento relevante sobre o mercado de trabalho que possibilite aos formuladores, gestores e decisores de políticas públicas planejar as ações a serem realizadas, criando-se instrumentos de monitoramento e de avaliação, dando maior transparência e eficácia das atividades do Sine. Esse ponto será tratado na seção seguinte. 3 INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO COMO FATOR ESTRATÉGICO As informações sobre o mercado de trabalho utilizadas pelo Sine são geradas, sobretudo, da própria atividade desempenhada pelo Sine na sua função de intermediação de mão de obra. Ao fazer o atendimento do trabalhador em busca de uma colocação, recolhe grande quantidade de dados sobre o perfil do trabalhador que deseja uma nova ocupação. De outro lado, a captação de vagas disponibilizadas pelas empresas que precisam preencher seu quadro de funcionários também possibilita uma coleção de dados sobre as vagas que estão sendo criadas e ofertadas no mercado de trabalho. Com base nesse conjunto de informações, sobre o trabalhador e sobre as ocupações, pode-se executar a atividade de intermediação, fazendo-se o encontro (matching) entre o perfil da vaga disponível com o perfil dos trabalhadores, para encaminhar aqueles com os perfis mais adequados para a seleção e contratação pela empresa. Outra fonte de informação disponível para as atividades do Sine é o programa de seguro-desemprego. Os dados dos beneficiários do seguro-desemprego trazem informação dos trabalhadores que estão sendo demitidos pelos estabelecimentos, informando em quais setores de atividade econômica, tipo de ocupações e porte do estabelecimento, entre outras informações que são relevantes para o acompanhamento conjuntural do mercado de trabalho formal, bem como de possibilitar 218 O SINE NO SÉCULO XXI INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO a análise das séries para análise de mais longo prazo, propiciando serem verificadas tendências nas mudanças da estrutura ocupacional formal. Além dessas, outras atividades executadas pelo Sine, como os programas de microcrédito produtivo orientado entre outras ações, também geram um conjunto de dados e informações relevantes. A relevância das informações geradas na operacionalização de suas funções não se limitam somente ao desenvolvimento das atribuições de responsabilidade do Sine, mas também para a formulação e para a tomada de decisão no âmbito das políticas públicas que não se restringe apenas às relacionadas ao trabalho. Além disso, são informações que se constituem na base para pesquisas e análise sobre a dinâmica do mercado de trabalho que, por sua vez, têm grande importância para subsidiar as ações dos diferentes níveis de governo. Apesar da massa de informações produzida pelo Sine no desenvolvimento de suas funções, ela precisa ser complementada, tanto para o monitoramento como para a avaliação de suas ações, bem como para o planejamento e aprimoramento de sua inserção como serviço público de emprego, que vai além da simples execução das funções clássicas de operador das políticas de mercado de trabalho. Porém, deveria estender-se para o de organizador e coordenador do mercado de trabalho em nível local, regional e nacional, conformando-se num verdadeiro sistema público de trabalho. Isso porque o Sine foi criado nos moldes dos serviços públicos de emprego dos países desenvolvidos, no qual a maior parte da força de trabalho tem vínculo de trabalho assalariado, mesmo com a ampliação do número de contratos atípicos desde os anos 1990. No caso brasileiro, sempre houve um grande contingente de trabalhadores que se inserem no mercado de trabalho por conta própria, além do trabalho doméstico e do assalariamento sem registro do vínculo de trabalho. Essa característica coloca desafios adicionais para o Sine. As mudanças implementadas com a criação do SPETR caminhou para reduzir as debilidades enfrentadas num mercado de trabalho com grande heterogeneidade ocupacional, mas encontrou limitações que não foram 219 Amilton J. Moretto sanadas (MORETTO, 2009). Superar tais limitações implica repensar sua organização e forma de funcionamento, inclusive de suas atribuições diante das mudanças que reconfiguraram tanto o mercado de trabalho, quanto a sua dinâmica. Ainda que, por si só, não seja a solução para os problemas o tornar mais efetivo um sistema público de trabalho, a existência de um sistema de informações sobre o mercado de trabalho capaz de coletar, sistematizar, publicizar e produzir conhecimento é um instrumento fundamental para viabilizar qualquer iniciativa nessa direção. Nesse sentido, a criação do ONMT e da Rede de Observatórios do Trabalho constitui um passo importante. A importância disso deve-se, primeiramente, ao fato de que entre as funções do Sine, desde sua criação, está a geração de informação sobre o mercado de trabalho, como explicitado anteriormente. Mas se a informação sobre o mercado de trabalho permite a redução da assimetria de informações, facilitando a atividade de intermediação e melhorando o fluxo entre uma ocupação e outra, reduzindo o desemprego, ela também contribui para melhor compreender a dinâmica do mercado de trabalho, especialmente em tempos de globalização, em que as mudanças estruturais têm-se acelerado, obrigando maior flexibilidade e agilidade na formulação e implementação de políticas públicas que visam à proteção do trabalhador e à redução do desemprego. Um segundo ponto a destacar a importância é a possibilidade de se constituir capacidade local e regional para a observação e análise desses mercados de trabalho. Se é verdade que no Brasil temos um conjunto de bases de dados com informações sobre o mercado de trabalho – Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), Pnad Contínua, Relação Anual de Informações Sociais (Rais), Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) entre outras –, essas informações cobrem na sua maioria o território nacional, os estados, as regiões metropolitanas e as capitais. Somente a Rais e o Caged trazem informações para município, mas somente para o emprego formal; para uma visão mais abrangente 220 O SINE NO SÉCULO XXI INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO do mercado de trabalho para o território local tem que usar os dados do Censo Demográfico, mas sua informação é de uso limitado, dada sua frequência decenal. Ainda que a implantação de um observatório do mercado de trabalho não implique em produção de novas estatísticas sobre o mercado de trabalho regional/local, a compilação e a utilização das informações existentes para a análise do mercado de trabalho podem gerar conhecimento novo sobre a região/local que normalmente não seria produzido. Esse conhecimento novo – sobretudo nos municípios de pequeno e médio porte, normalmente carentes de informações e análises sobre a realidade do mercado de trabalho local – podem ser de alta relevância para a administração pública local, auxiliando no planejamento, na formulação de políticas públicas e na tomada de decisão e, dessa forma, contribuindo para o desenvolvimento local, na medida em que trazem elementos novos para o conhecimento da realidade local. Além do mais, a criação do ONMT tem a perspectiva de ser um instrumento que ultrapasse a simples produção, sistematização e divulgação de informação, contribuindo para a promoção do diálogo social. Isso coloca para o Sine uma tarefa de coordenação do mercado de trabalho local e regional, bem como a coordenação no plano nacional. Essa coordenação é fundamental para que se caminhe para a melhor estruturação do mercado de trabalho brasileiro, ampliando as oportunidades de inserção ocupacional e melhorando as condições dessa inserção, promovendo o trabalho decente, como defendido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Tal tarefa não é simples nem fácil de ser realizada. Exige compromisso público e disposição de diálogo dos diferentes atores envolvidos. A construção do ONMT e da Rede de Observatório, contudo, abre essa possibilidade, pois a informação e o conhecimento gerado pode subsidiar a construção negociada de planos de intervenção social e econômica, que reflita os anseios do conjunto da sociedade e contribua para o desenvolvimento socioeconômico, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. 221 Amilton J. Moretto 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste breve texto, discutiram-se algumas das questões que têm marcado o debate em torno das políticas públicas de mercado de trabalho e o Sistema Nacional de Emprego. O Sine, em que pese os avanços apresentados no período recente, está distante do potencial que possui como serviço público de emprego e como a instituição central do sistema público de trabalho. Em parte, esse menor protagonismo resulta dos baixos gastos com o Sine, o que inviabiliza a ampliação dos serviços prestados aos trabalhadores. Por outro lado, carece de uma definição mais clara de seu próprio papel no mercado de trabalho. Nesse sentido, destaca-se a necessidade do aprimoramento dos serviços oferecidos com a incorporação de novas tecnologias de informação e comunicação que amplie o acesso aos serviços do Sine pela população. Em sintonia com a atualização tecnológica, se faz necessário capacitar o quadro de pessoal consoante à necessidade de fortalecimento, ampliação e melhoria dos serviços ofertados. Nesse aspecto talvez sejam necessárias mudanças mais profundas na organização do próprio serviço que lhe deem maior flexibilidade e agilidade nas condições de funcionamento do mercado de trabalho em constante mudança, possibilitando ganhos de eficiência e maior efetividade dos serviços. Por fim, um terceiro e fundamental aspecto é com relação à informação sobre o mercado de trabalho. Uma das funções do Sine é a geração de informação. Essa função se faz necessária para a operacionalização de suas funções, mas tem implicações que ultrapassam essas tarefas. A criação do ONMT e da Rede de Observatórios é instrumento central para se constituir um sistema de informação sobre o mercado de trabalho. Sua consolidação e fortalecimento apresenta-se como instrumento importante para subsidiar o planejamento e as ações no âmbito do mercado de trabalho e das políticas de mercado de trabalho, mas não só. A informação e o conhecimento gerado a partir do ONMT pode contribuir para outros setores governamentais, e.g. a educação, 222 O SINE NO SÉCULO XXI INFORMAÇÃO, TECNOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO que pode se beneficiar dos estudos sobre as mudanças no mercado de trabalho para o planejamento dos cursos de nível técnico e tecnológico. Mas também pode ter um papel importante para a promoção do desenvolvimento local e regional, normalmente carentes de estudos e informação que subsidiem a formulação e a tomada de decisão sobre políticas públicas. No século XXI, marcado por rápidas e constantes transformações sociais, culturais, tecnológicas, econômicas, sobretudo no mercado de trabalho, informação e conhecimento tornam-se elementos estratégicos para fortalecer a atuação do setor público – no presente caso, do Sine –, possibilitando que as políticas públicas implementadas tenham maior efetividade e sejam mais inclusivas, contribuindo para reduzir as desigualdades presentes no mercado de trabalho e no conjunto da sociedade brasileira. REFERÊNCIAS BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade et al. Moving towards decent work. Labour in the Lula government: reflections on recent Brazilian experience. Global Labour University Working Papers, Berlin, n. 9, May 2010. Disponível em: <http://wwa.global-labour-university.org/fileadmin/GLU_Working_Papers/GLU_WP_No.9.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2017. BALTAR, Paulo. Crescimento da economia e mercado de trabalho no Brasil. Texto para Discussão, Brasília, n. 2036, fev. 2015. 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Disponível em: <http://www.sineidt.org.br/Publicacoes/Livros/011_Mercado_Trabalho_Qualificacao_Emprego_Politicas_Sociais.pdf>. Acesso em: 7 dez. 2017. MORETTO, Amilton José. O sistema público de emprego no Brasil: uma construção inacabada. São Paulo: LTr, 2009. RODRIK, Dani. A globalização foi longe demais? São Paulo: Unesp, 2011. STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. 225 Capítulo 10 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE André Gambier Campos1 1 INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é discutir os mecanismos aos quais os trabalhadores recorrem quando precisam procurar ocupação, em dois momentos distintos da recente história brasileira: antes da deflagração da atual crise econômica (ano de 2012) e após (ano de 2017). Esses mecanismos são vários, optando-se aqui por enfocar os serviços de intermediação de trabalho prestados pelo Estado, em âmbito municipal, estadual e federal – neste último caso, prestados por meio do Sistema Nacional de Emprego (Sine). Organizado na metade da década de 1970, o Sine foi uma resposta à Convenção nº 88 da Organização Internacional do Trabalho, que exigia dos Estados signatários a estruturação de instrumentos públicos de intermediação laboral (CACCIAMALI; LIGIÉRO; MATOS, 2008). Mas foi uma resposta algo precária, pois seus serviços foram disponibilizados em áreas limitadas, contaram com recursos restritos, não envolveram muitas empresas e alcançaram poucos trabalhadores desocupados. 1 Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Pesquisador do Centro de Pesquisa Jurídica e Social da Universidade Positivo (CPJus/UP). E-mail: andre.campos@ipea.gov.br. Agradecimentos a Carlos Corseuil (Ipea) e Júnior Macambira (IDT). Ressalve-se que qualquer falha existente neste artigo é de responsabilidade exclusiva do autor. André Gambier Campos Os serviços do Sine passaram por uma reformulação significativa somente após a Constituição de 1988, quando passaram a ser compreendidos como parte de um sistema bem mais amplo, dedicado à proteção dos trabalhadores desocupados – o que veio a ser chamado de ‘Sistema Público de Emprego’ (SPE) (AZEREDO, 1998; CACCIAMALI; LIGIÉRO; MATOS, 2008; CARDOSO JR., 2013; MORETTO, 2007). De acordo com a Constituição e com a regulação posterior (como a Lei nº 7.998/1990), tal sistema era composto por transferências de recursos para esses trabalhadores, bem como por prestação de serviços, custeados por um novo fundo contábil/financeiro, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) (BRASIL, 1988, 1990). A ideia do SPE era proteger os trabalhadores desocupados. Por um lado, ofertando recursos para que pudessem sobreviver durante a procura por novas ocupações (seguro desemprego) ou, então, para que pudessem se auto-ocupar (microcrédito); por outro lado, ofertando serviços de qualificação e intermediação (Sine), e aumentando a probabilidade de esses trabalhadores conseguirem novas ocupações (CARDOSO JR., 2013; MORETTO, 2007). Em que pese a extrema relevância do SPE, ainda hoje (passados quase trinta anos da Constituição de 1988), ele demonstra dificuldades para se apresentar, de facto, como um sistema de proteção dos trabalhadores. Os problemas são variados, incluindo a desarticulação entre as transferências e os serviços, o reiterado subfinanciamento destes últimos, a sua fraca presença em parcelas do território, a precariedade dos mecanismos de sua gestão, a ausência de qualidade e de uniformidade em sua prestação etc. (CACCIAMALI; LIGIÉRO; MATOS, 2008; GUIMARÃES, 2004; LOBO; ANZE, 2014; SABÓIA; FALVO, 2010; SILVA et al., 2013). Todos esses problemas afetam principalmente os serviços do SPE – e, com destaque, os de intermediação, centrados no Sine. Talvez não 228 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE seja por outro motivo que este último possui relevância algo reduzida para a procura por novas ocupações. Os dados apresentados neste artigo mostram que outros meios contam com a preferência dos trabalhadores, como, aliás, já demonstrado por Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (2010) e Guimarães (2004). Esses meios não são tanto os ‘institucionais’, mas sim os ‘individuais’ (que não envolvem, de forma direta e imediata, instituições laborais, públicas ou mesmo privadas). Alguns desses mecanismos ‘individuais’ são: o contato com empresas, diretamente ou mediante anúncios; o contato com familiares, amigos e colegas; a iniciativa de se inscrever e realizar concursos públicos; a iniciativa de começar o próprio negócio (reunindo know-how, recursos financeiros, licenças e autorizações etc.). Alguns autores (GUIMARÃES et al., 2017) afirmam que a utilização de cada tipo de meio (‘institucional’ – público ou privado – e ‘individual’) depende de variáveis como: a) a competição no mercado por oportunidades de ocupação (maior ou menor, a depender da conjuntura econômica). b) o conhecimento que os trabalhadores têm do mercado (por meio da posse de informações sobre essas oportunidades, por exemplo). c) a rede social em que se inserem os trabalhadores (amplitude, diversidade e qualidade dessa rede, no que se refere ao mercado laboral). Apenas para ilustrar, esses autores (GUIMARÃES et al., 2017) lidam com a hipótese de que, quando o mercado caracteriza-se por uma dinâmica positiva, com mais oportunidades de ocupação, a intermediação por mecanismos ‘individuais’ ganha proeminência, pois os trabalhadores não necessitam tanto de intermediadores ‘institucionais’, públicos ou privados. O inverso ocorre quando o mercado caracteriza-se por uma dinâmica negativa, com intensa competição pelas poucas 229 André Gambier Campos oportunidades de ocupação disponíveis. Neste caso, a ajuda das instituições de intermediação pode fazer a diferença em favor dos trabalhadores. E isso pode se aplicar mesmo para as instituições públicas (como o Sine), em que pesem os seus problemas já descritos. Ademais, esses autores (GUIMARÃES et al., 2017) lidam também com a hipótese de que, qualquer que seja a dinâmica do mercado laboral, os trabalhadores mais ‘vulneráveis’ (menor instrução, menor rendimento etc.) sempre dependem mais de intermediadores ‘institucionais’ na busca por ocupação (até por conta de seu menor conhecimento sobre o funcionamento desse mercado e sobre as oportunidades nele disponíveis)2. E essa maior dependência recai especialmente sobre os intermediadores públicos (como o Sine), que não demandam recursos financeiros para sua utilização (algo fundamental para os trabalhadores mais ‘vulneráveis’). Como exposto, o objetivo deste artigo é discutir os mecanismos aos quais os trabalhadores recorrem quando necessitam procurar ocupação (em especial, o Sine). E, concomitantemente, testar algumas dessas hipóteses elencadas, para verificar em que medida elas são corroboradas pelas informações disponíveis. 2 ASPECTOS METODOLÓGICOS 2.1 Informações Para dar conta do objetivo que acaba de ser descrito, este artigo faz uso de informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), doravante Pnad-C, disponibilizadas sob a forma de microdados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3. 2 Além de que estes trabalhadores mais vulneráveis são quase sempre os que mais buscam ocupação, em qualquer conjuntura do mercado laboral. 3 Sobre a Pnad-C/IBGE, ver: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/traba- 230 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE Tais microdados são oriundos de levantamentos amostrais4, realizados em âmbito domiciliar, em que se obtêm informações sobre a demografia dos indivíduos (sexo, idade, cor/raça e posição no domicílio), a educação (instrução) e a situação laboral (se os indivíduos estão dentro ou fora do mercado de trabalho, se estão ocupados ou desocupados, entre outras mais). Em meio a essas informações, destacam-se aquelas sobre os indivíduos desocupados – especialmente as que versam sobre os mecanismos que eles utilizam para buscar novas ocupações (‘individuais’ e ‘institucionais’ – incluindo o Sine). Paralelamente, mencione-se que as informações aqui usadas referem-se a todo o território brasileiro e, ademais, permitem a comparação de dois pontos no tempo: antes e depois da deflagração da atual crise econômica (ou seja, permitem a comparação de conjunturas distintas). Em termos laborais, essa crise começa a ser notada na virada do segundo para o terceiro trimestre do ano de 2014. Momento que representou o início de uma inflexão em indicadores-chave do mercado de trabalho, como a criação de novos postos de trabalho, a formalização desses postos, a remuneração e assim por diante (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2015, 2016). Por vários anos desde 2004, com raras exceções, esses indicadores laborais apresentaram uma dinâmica marcadamente positiva. Mas, a partir do terceiro trimestre de 2014, essa dinâmica começou a se tornar negativa – ao que tudo indica, como resultado do esgotamento do modelo econômico implementado desde 2008 (BARBOSA, 2011; BARBOSA; SOUZA, 2010). A ideia neste artigo é debater os mecanismos de busca por ocupação de forma comparativa, temporalmente falando. Para tanto, utililho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html. 4 Como a Pnad-C/IBGE é fruto de levantamentos amostrais, para a construção de todas as estatísticas aqui apresentadas, é incorporado o desenho amostral dessa pesquisa. 231 André Gambier Campos zam-se informações do 1º trimestre de 2012 (cerca de dois anos antes dos primeiros sinais da crise surgirem) e de 2017 (cerca de três anos após esses sinais, quando a crise provavelmente exibiu sua maior intensidade)5. 2.2 Métodos Para além das informações, mencione-se que os métodos de análise aqui utilizados resultam, em primeiro lugar, em estatísticas descritivas (distribuições simples de trabalhadores por vários atributos, bem como comparações simples de médias de alguns desses mesmos atributos – como o tempo de procura por ocupação). Em segundo lugar, tais métodos resultam em estatísticas correlacionais, como as de regressões logísticas. Com tais regressões, estimam-se as probabilidades de trabalhadores com atributos distintos utilizarem diferentes mecanismos de busca por nova ocupação (destacando-se os serviços de intermediação de instituições públicas, como os do Sine)6. 3 PROCURA POR OCUPAÇÃO EM MOMENTOS DISTINTOS Apenas como contexto, mencione-se que, entre 2012 e 2017, o número de indivíduos em idade ativa (14 anos ou mais) aumentou 7,1% em todo o país, passando de 156,4 milhões para 167,5 milhões (TABELA 1). Mas a proporção daqueles que estavam inseridos no mercado de trabalho, como ocupados ou desocupados, oscilou pouco nesse período, mantendo-se no entorno de 61% (TABELA 1). 5 Mencione-se que as informações da Pnad-C/IBGE até permitem a realização de estudos longitudinais (em painel), mas neste artigo o seu uso se dará estritamente de maneira latitudinal (transversal). 6 Caso haja interesse do leitor, a programação em Stata 14.0 utilizada no processamento da Pnad-C/IBGE está à disposição. Basta solicitar ao autor pelo e-mail: andre.campos@ipea.gov.br. 232 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE O que oscilou muito foi a proporção daqueles que se declararam desocupados. Entre 2012 e 2017, em meio aos que estavam no mercado de trabalho, essa proporção quase dobrou, passando de 8,0% para 13,8% (TABELA 2). Isso significou um aumento de 6,6 milhões no contingente de indivíduos à procura de ocupação, que totalizou 14,2 milhões em 2017 (TABELA 2). Indicando a virulência da crise que se abateu sobre a economia, o grupo enfocado neste artigo ganhou relevância no mercado laboral do país. Tabela 1 – Atividade/inatividade (1º trimestre de 2012 e 2017) 2012 % 2017 Nº % Nº Ativo 61,2 95.644.642 61,6 103.118.085 Inativo 38,8 60.739.664 38,5 64.417.390 Total 100,0 156.384.306 100,0 167.535.475 Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Nota: Desenho amostral incorporado às estimativas. Tabela 2 – Ocupação/desocupação (1º trimestre de 2012 e 2017) 2012 2017 % Nº % Nº Ocupado 92,1 88.039.904 86,3 88.939.348 Desocupado 8,0 7.603.664 13,8 14.178.737 100,0 95.643.568 100,0 103.118.085 Total Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Nota: Desenho amostral incorporado às estimativas. E quais os mecanismos de procura por ocupação que se destacaram no período estudado? As estatísticas descritivas aqui apresentadas mostram que os meios ‘individuais’ (que não envolvem, de forma direta e imediata, instituições laborais, públicas ou mesmo privadas) se destacaram pela sua relevância. Foi o caso do contato dos trabalhadores com empresas, diretamente ou mediante anúncios, que são sempre os mais mencionados na Pnad-C/IBGE. Ainda que tenham perdido parcela de 233 André Gambier Campos sua importância entre 2012 e 2017, outros mecanismos ‘individuais’ também se destacaram, como o contato com familiares, amigos e colegas; a iniciativa de se inscrever e realizar concursos públicos; a iniciativa de começar o próprio negócio (reunindo know-how, recursos financeiros, licenças e autorizações etc.) (TABELAS 3 e 4). Os mecanismos ‘institucionais’ de busca por ocupação, que envolvem intermediadores privados (como as agências de empregos e os sindicatos) e públicos (como o Sine), não tiveram destaque em todo o período analisado. Aliás, mencione-se que eles ainda perderam parte da relevância que possuíam, como pode ser visto no caso dos intermediadores privados (de 4,7% em 2012 para 2,5% em 2017) ou dos públicos (de 3,9% para 3,4%) (TABELAS 3 e 4). Ou seja, uma das hipóteses expostas acima parece não se confirmar: a de que, quando o mercado caracteriza-se por uma dinâmica negativa, com intensa competição pelas poucas oportunidades de ocupação disponíveis, os mecanismos ‘institucionais’ de procura ganham importância. Na crise econômica pela qual o país passa, a situação parece ter sido a oposta: os meios ‘individuais’ (e principalmente o contato dos trabalhadores com empresas) é que continuaram a sobressair. Mas, especificamente, e quanto aos trabalhadores mais ‘vulneráveis’ (menor instrução, menor rendimento etc.)? Uma das hipóteses acima descritas afirma que, comparados a outros, estes trabalhadores sempre dependem mais de intermediadores ‘institucionais’. E essa maior dependência recai sobre os intermediadores públicos (como o Sine), que não exigem recursos financeiros para sua utilização. Na verdade, as estatísticas correlacionais da seção seguinte deste artigo podem responder parcialmente a essa indagação. Apenas para encerrar esta seção, ressalte-se que, apesar da atual dinâmica negativa do mercado laboral, o tempo que os trabalhadores gastam à procura de nova ocupação não aumentou. Pelo contrário, ele diminuiu de 16,9 meses em 2012 para 12,9 meses em 2017 (o que equivale a –23,7%) (TABELA 5). Mesmo considerando as estimativas 234 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE intervalares desse tempo de procura (e não as estimativas pontuais, referentes às médias aritméticas simples), é possível notar que ele se reduziu no período estudado. Na verdade, isso pode significar várias coisas distintas, que merecem investigação mais detalhada. Apenas a título de hipótese, cogita-se que, dada a necessidade de obter algum rendimento para seus domicílios em meio à crise (necessidade que deve ter se revelado maior e mais urgente), os trabalhadores desocupados tornaram-se menos ‘seletivos’ quanto às oportunidades de ocupação existentes. Tabela 3 – Qual foi a iniciativa mais relevante para a procura de ocupação? (resposta desagregada) % 2012 2017 Entrou em contato com empregador 56,7 78,9 Consultou parente, amigo ou colega 17,1 9,8 Colocou ou respondeu anúncio 7,6 1,6 Fez ou inscreveu-se em concurso 7,1 2,3 Tomou medida para iniciar o próprio negócio 1,0 1,0 Consultou agência privada ou sindicato 4,7 2,5 Consultou agência pública (municipal, estadual ou federal – Sine) 3,9 3,4 Tomou outra providência 2,0 0,5 Total (%) 100,0 100,0 Total (Nº) 7.455.490 14.093.223 Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Notas: Dados do 1º trimestre de 2012 e 2017. Desenho amostral incorporado às estimativas. 235 André Gambier Campos Tabela 4 – Qual foi a iniciativa mais relevante para a procura de ocupação? (resposta agregada) 2012 ‘Individual’ ‘Institucional’ Total 2017 % Nº % Nº 91,5 6.821.773 94,1 13.261.723 8,5 633.717 5,9 831.500 100,0 7.455.490 100,0 14.093.223 Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Notas: Dados do 1º trimestre de 2012 e 2017. Desenho amostral incorporado às estimativas. Tabela 5 – Procura ocupação há quanto tempo (em meses)? 2012 Média Erro padrão Intervalo de confiança 95% (inferior) Intervalo de confiança 95% (superior) 16,9 0,3 16,3 17,5 Média Erro padrão Intervalo de confiança 95% (inferior) Intervalo de confiança 95% (superior) 12,9 0,2 12,6 13,2 2017 Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Notas: Dados do 1º trimestre de 2012 e 2017. Desenho amostral incorporado às estimativas. 4 O QUE LEVA A DIFERENTES MECANISMOS DE PROCURA? Os meios de procura por ocupação variam conforme os perfis dos trabalhadores desocupados? As estatísticas correlacionais aqui apresentadas sugerem algumas possíveis respostas a essa pergunta. Essas estatísticas derivam de um modelo de regressão logística, cuja variável-resposta é a utilização de instituições públicas (com destaque para o Sine) para conseguir uma nova ocupação, versus todos os demais mecanismos (‘institucionais’ e ‘individuais’). Já as variáveis preditoras são características 236 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE demográficas (sexo, idade, cor/raça e posição no domicílio), educacionais (instrução) e laborais (tempo de procura por ocupação) dos trabalhadores. Com esse modelo logístico, pretende-se estimar as chances/probabilidades de os trabalhadores fazerem uso de instituições públicas (destacando-se o Sine) para conseguirem se reinserir no mercado laboral, controlando-se pelos atributos desses mesmos trabalhadores. Essas estimativas podem ser encontradas na Tabela 6 logo abaixo e nos Gráficos 1 a 16 no apêndice ao final deste artigo. Em primeiro lugar, essas chances/probabilidades evidenciam que, em todo o período entre 2012 e 2017, alguns fatores ‘clássicos’ de clivagem do mercado de trabalho parecem não influenciar a escolha de instituições públicas (como o Sine) para a reinserção ocupacional7. Estamos falando aí de condição no domicílio, sexo, idade e cor/raça dos trabalhadores – ainda que o sexo até pareça afetar essa escolha em 2012 (os homens tendem a não utilizar o Sine, quando comparados com as mulheres), assim como a idade em 2017 (os mais velhos tendem a não utilizar o Sine, quando comparados com os mais jovens). Em segundo lugar, as chances/probabilidades que constam da Tabela 6 e dos Gráficos 1 a 16 mostram que os fatores que efetivamente influenciam a utilização de instituições públicas (como o Sine) são quase os mesmos entre 2012 e 2017. Está se referindo aqui à instrução dos trabalhadores (compreendida aqui como uma proxy de sua ‘classe social’), bem como ao tempo de procura por uma nova ocupação. Em todo o período estudado, o Sine parece ser usado principalmente pelos trabalhadores menos instruídos (ou mais ‘vulneráveis’). Em certa medida, isso parece confirmar uma das hipóteses expostas acima: a de que esses últimos trabalhadores, comparados a outros tipos não ‘vulneráveis’, frequentemente dependem mais de intermediadores ‘institucionais’ na busca por ocupação. E essa maior dependência é provavelmente ainda mais pronunciada quando se tratam de intermediadores públicos (como 7 ‘Clivagem’ no sentido de serem fatores que discriminam variáveis-chave do mercado de trabalho brasileiro, como participação, ocupação, informalidade, rendimento e desocupação. 237 André Gambier Campos o Sine), que não demandam recursos financeiros para sua utilização. Ademais, em todo o período enfocado, o Sine parece ser utilizado especialmente por aqueles que estão há mais tempo procurando por uma nova ocupação. Apenas a título de hipótese, pode ser que o recurso dos trabalhadores a este intermediador público tenda a ser uma espécie de ‘última opção’, quando os demais meios de busca por uma nova ocupação não surtiram efeitos. Esta opção ocorreria mesmo com todos os problemas já atribuídos ao Sine, que fazem com que ele não esteja entre os mecanismos de maior preferência na reinserção ocupacional dos trabalhadores. Em terceiro lugar, as chances/probabilidades que constam da Tabela 6 e dos Gráficos 1 a 16 evidenciam, uma vez mais, que a conjuntura econômica parece influenciar pouco a escolha dos meios de recolocação ocupacional. Antes da eclosão da crise (em 2012) ou após (em 2017), os trabalhadores parecem optar pelos mesmos mecanismos (predominantemente ‘individuais’), em que pesem alterações de relevância já examinadas na Tabela 3. Além disso, os atributos dos trabalhadores que parecem influenciar essa escolha são basicamente os mesmos, independentemente da conjuntura: a instrução e tempo de procura por ocupação. E até mesmo as razões de chance desses atributos variam relativamente pouco entre 2012 e 2017, como pode ser examinado na Tabela 6. 238 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE Tabela 6 – Resultados de regressão logística (continua) Descrição do modelo de regressão: Variável-resposta: categórica (iniciativa principal para obter ocupação: outras versus instituições públicas – incluindo Sine). Variáveis preditoras: categóricas e numéricas (transformadas em categóricas pela mediana), apenas em seus efeitos principais. Método: estimativas de máxima verossimilhança, com entrada forçada de variáveis em estágio único. Filtro: apenas trabalhadores desocupados. Estatísticas resultantes do modelo de regressão: Razão de chance (com significância) (Intervalo de confiança - 95%) [Probabilidade >|t|] Tamanho do domicílio (menor versus maior) (1) Condição no domicílio (outra pessoa versus pessoa de referência) Sexo (feminino versus masculino) Idade (mais jovens versus mais velhos) (2) Cor/raça (não negro versus negro) (3) Ano: 2012 Ano: 2017 0,992 0,926 (0,785 - 1,254) (0,761 - 1,126) [0,95] [0,44] 0,807 0,932 (0,618 - 1,053) (0,758 - 1,146) [0,11] [0,51] 0,834* 0,936 (0,679 - 1,025) (0,794 - 1,103) [0,08] [0,43] 0,922 0,707*** (0,757 - 1,123) (0,585 - 0,853) [0,42] [0,00] 0,994 0,900 (0,815 - 1,212) (0,756 - 1,071) [0,95] [0,23] 239 André Gambier Campos Tabela 6 – Resultados de regressão logística Ano: 2012 Instrução (até médio incompleto versus médio completo ou +) (conclusão) Ano: 2017 0,784** 0,806** (0,636 - 0,966) (0,669 - 0,971) [0,02] [0,02] Tempo de procura por trabalho (menos tempo versus mais tempo) (4) 1,233** 1,157* (1,019 - 1,492) (0,977 - 1,371) [0,03] [0,09] 0,048 0,049 Constante (0,036 - 0,064) (0,039 - 0,061) [0,00] [0,00] Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Notas: Dados do 1º trimestre de 2012 e 2017. Desenho amostral incorporado às estimativas. Estatísticas de 2012: Significância: *p < 0,1; **p < 0,05; ***p < 0,01 Estatística F (7, 8.727) = 2,63 [0,01] Nº observações: 19.756 Nº população: 7.455.490 Estatísticas de 2017: Significância: *p < 0,1; **p < 0,05; ***p < 0,01 Estatística F (7, 10.968) = 10,17 [0,00] Nº observações: 34.752 Nº população: 14.091.036 (1) Para 2012 e 2017, menor = até 4 componentes, maior = 5 componentes ou mais. (2) Para 2012, jovens = até 26 anos, adultos = 27 anos ou mais; para 2017, jovens = até 28 anos, adultos = 29 anos ou mais. (3) Para 2012 e 2017, não negro = branco e amarelo, negro = preto, pardo e indígena. (4) Para 2012, menos tempo = até 5 meses, mais tempo = 6 meses ou mais; para 2017, menos tempo = até 6 meses, mais tempo = 7 meses ou mais. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo dos mecanismos aos quais os trabalhadores recorrem quando necessitam procurar ocupação está no cerne deste artigo. E, com des240 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE taque entre eles, encontram-se os serviços de intermediação de trabalho prestados pelo Estado – especialmente, os prestados por meio do Sine. Este sistema apresenta problemas históricos, que incluem o subfinanciamento, a fraca presença em partes do território, a precariedade da gestão, a ausência de qualidade e de uniformidade nos serviços etc. E estes problemas talvez afetem as preferências dos trabalhadores, quando procuram por novas ocupações, fazendo com que o Sine não esteja entre elas. Tais preferências são por mecanismos ‘individuais’, que não envolvem instituições laborais (públicas ou mesmo privadas). Entre estes, destaca-se o contato com empresas, diretamente ou mediante anúncios; bem como o contato com familiares, amigos e colegas. Entre 2012 e 2017, a relevância desses meios não só se manteve como ainda aumentou. Ou seja, mesmo com uma conjuntura econômica e laboral bastante distinta, manteve-se a estrutura de preferências dos trabalhadores em busca de nova ocupação, contrariando algumas hipóteses formuladas por alguns autores (GUIMARÃES et al., 2017). Nesse período, alguns atributos ‘clássicos’ (como condição no domicílio, sexo, idade e cor/raça), que afetam variáveis importantes do mercado de trabalho, pareceram não afetar a (reduzida) importância do Sine como mecanismo de reinserção ocupacional dos trabalhadores desocupados. Na verdade, no lapso entre 2012 e 2017, os atributos que pareceram realmente influenciar a utilização do Sine foram quase sempre os mesmos: a instrução dos trabalhadores (proxy de sua ‘classe social’), bem como o tempo à procura de uma nova ocupação. O Sine parece ter sido usado especialmente pelos menos instruídos (ou mais ‘vulneráveis’), o que tende a confirmar uma das hipóteses dos autores mencionados (GUIMARÃES et al., 2017): esses trabalhadores dependem mais de intermediadores ‘institucionais’ na busca por ocupação (e intermediadores públicos e gratuitos). 241 André Gambier Campos Além disso, o Sine parece ter sido utilizado principalmente por aqueles que estão há mais tempo na situação de desocupação. Como hipótese, ainda a ser confirmada, pode ser que o recurso dos trabalhadores a esse intermediador público seja uma ‘última opção’, sacada quando os demais mecanismos de procura tenham falhado. Enfim, este artigo procurou trazer para o debate algumas informações novas a respeito dos meios que auxiliam os trabalhadores quando precisam encontrar uma ocupação. E, ao que tudo indica, tais informações são preocupantes, ao menos da perspectiva do Sine – o prestador de serviços de intermediação que deveria desempenhar papéis-chave no contexto do SPE, mas que parece encontrar dificuldades para desempenhar tais papéis, tanto antes da crise econômica quanto no seu auge. Mesmo com 14,2 milhões de trabalhadores desocupados e à procura de uma ocupação no país, o Sine é utilizado somente por uma fração destes. Ainda que seja uma fração que aparenta necessitar muito de seus serviços (os trabalhadores mais ‘vulneráveis’), ele parece ser a ‘última opção’, usada apenas quando nenhum outro mecanismo mostra resultados. Ao que tudo indica, são expressivos os desafios colocados à frente do Sine. Desafios que talvez possam começar a ser enfrentados com propostas de atualização e fortalecimento – como as que constam do Projeto de Lei nº 5.278/2016 (BRASIL, 2016), apenas para citar um exemplo, entre outras iniciativas passíveis de serem discutidas. REFERÊNCIAS AZEREDO, B. Políticas públicas de emprego: a experiência brasileira. São Paulo: ABET, 1998. BARBOSA, N. Modelo de desenvolvimento do Brasil: oportunidades e desafios. Apresentação em: A crise no capitalismo e o desenvolvimento do Brasil. Rio de Janeiro: [s.n.], 2011. 242 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE BARBOSA, N.; SOUZA, J. A. P. A inflexão do governo Lula: política econômica, crescimento e distribuição de renda. In: SADER, Emir; GARCIA, Marco Aurélio (Org.). Brasil: entre o passado e o futuro. São Paulo: Boitempo, 2010. cap. 3. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Palácio do Planalto, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 3 nov. 2017. ______. Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990. 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Acesso em: 3 nov. 2017. 244 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE APÊNDICE Neste apêndice, apresentam-se diversos gráficos, com as distribuições de probabilidades previstas para os trabalhadores recorrerem a instituições públicas (destacando-se o Sine) para obter uma ocupação (probabilidades resultantes da regressão logística apresentada acima). 60 0 0 20 20 Densidade 40 Densidade 40 60 80 Gráficos 1 e 2 – Probabilidade de uso de agências públicas (incluindo Sine) para procura de ocupação - 2012 (esquerda) e 2017 (direita) .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação 80 60 Densidade 40 20 0 0 20 Densidade 40 60 80 Gráficos 3 e 4 – Probabilidade de uso de agências públicas (incluindo Sine) para procura de ocupação, de acordo com os tamanhos dos domicílios 2012 (esquerda) e 2017 (direita) .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação Até 4 componentes Até 4 componentes 5 componentes ou + 5 componentes ou + Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Notas: Dados do 1º trimestre de 2012 e 2017. Desenho amostral incorporado às estimativas. 245 André Gambier Campos 0 0 20 Densidade 40 60 Densidade 50 100 80 100 150 Gráficos 5 e 6 – Probabilidade de uso de agências públicas (incluindo Sine) para procura de ocupação, de acordo com a condição no domicílio - 2012 (esquerda) e 2017 (direita) .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação Outra pessoa Outra pessoa Responsável pelo domicílio Responsável pelo domicílio 0 0 20 Densidade 40 60 Densidade 20 40 80 60 100 Gráficos 7 e 8 – Probabilidade de uso de agências públicas (incluindo Sine) para procura de ocupação, de acordo com o sexo - 2012 (esquerda) e 2017 (direita) .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação Feminino Feminino Masculino Masculino Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Notas: Dados do 1º trimestre de 2012 e 2017. Desenho amostral incorporado às estimativas. 246 PROCURA POR OCUPAÇÃO NO BRASIL: A CRISE ECONÔMICA E A DEMANDA PELO SINE 0 0 20 Densidade 40 60 Densidade 50 100 80 100 150 Gráficos 9 e 10. Probabilidade de uso de agências públicas (incluindo Sine) para procura de ocupação, de acordo com a idade - 2012 (esquerda) e 2017 (direita) .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação Até 26 anos Até 28 anos 27 anos ou + 29 anos ou + Densidade 40 20 40 0 0 20 Densidade 60 60 80 Gráficos 11 e 12 – Probabilidade de uso de agências públicas (incluindo Sine) para procura de ocupação, de acordo com a cor/raça - 2012 (esquerda) e 2017 (direita) .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação Não negro Não negro Negro Negro Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Notas: Dados do 1º trimestre de 2012 e 2017. Desenho amostral incorporado às estimativas. 247 André Gambier Campos 0 0 20 20 Densidade 40 60 Densidade 40 80 60 100 Gráficos 13 e 14 – Probabilidade de uso de agências públicas (incluindo Sine) para procura de ocupação, de acordo com a instrução - 2012 (esquerda) e 2017 (direita) .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação Até médio incompleto Até médio incompleto Médio completo ou + Médio completo ou + 0 0 20 20 Densidade 40 60 Densidade 40 80 60 100 Gráficos 15 e 16 – Probabilidade de uso de agências públicas (incluindo Sine) para procura de ocupação, de acordo com o tempo de procura 2012 (esquerda) e 2017 (direita) .02 .03 .04 .05 .06 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .02 .04 Até 5 meses Até 6 meses 6 meses ou + 7 meses ou + Fonte: Pnad Contínua/IBGE. Notas: Dados do 1º trimestre de 2012 e 2017. Desenho amostral incorporado às estimativas. 248 .03 .05 Probab. agências públicas (incluindo Sine) para obter ocupação .06 Capítulo 11 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS1 Nadya Araujo Guimarães2 Priscila Pereira Faria Vieira3 1 INTRODUÇÃO Neste texto analisamos experiências e percepções de indivíduos em procura no mercado de trabalho. Não trataremos, entretanto, de indivíduos em geral, capturando tendências médias, comunalidades. Ao contrário, elegemos entender como trabalhadores pobres se colocam diante do desafio de se relacionar com certas instituições e políticas de intermediação de vagas, oriundas do poder público. Os resultados aqui apresentados se aproveitam de um longo caminho de análise, trilhado 1 As autoras agradecem a Ana Carolina Andrada, Monise Picanço, Murillo Marschner Alves de Brito, Ian Prates e Jonas Bicev, que compuseram a equipe de pesquisa e partilharam conosco o processo de produzir e analisar os dados, inclusive naqueles aspectos que aqui serão apresentados. Agradecem, igualmente, os comentários e sugestões de Carlos Henrique Corseuil, Gabriel Feltran, Valeria Pero, Álvaro Comin, Helena Hirata, Renata Bichir, Almerico Lima, Paula Montagner, Margarida Cardoso, Marco Antonio Natalino, Luciano Alves, Julia Amâncio, Rogério Barbosa, Edgard Fusaro e Paulo Henrique da Silva, que, em diferentes ocasiões, discutiram versões preliminares das análises do projeto. 2 Professora Titular Sênior do Departamento de Sociologia, Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejanento (Cebrap). E-mail: nadya@usp.br 3 Pesquisadora do Cebrap. E-mail: prifariavieira@gmail.com Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira num projeto mais amplo.4 Nele procuramos dar conta de uma agenda de perguntas relevantes, para bem refletirmos sobre o sistema público de intermediação e seu papel na inserção produtiva dos indivíduos. Assim, o projeto nos levou a investigar como, no Brasil dos anos recentes, os mais pobres buscavam oportunidades no mercado de trabalho; como, nessa busca, eram acolhidos pelo sistema público de intermediação e pelos intermediadores privados; e, sobretudo, como diziam das suas experiências nessa busca. É sobre este último tema que nos debruçaremos no presente texto. As expectativas e avaliações que trataremos de capturar foram construídas sob o influxo de um momento em que as ações governamentais buscaram enlaçar alvos de combate à pobreza com alvos de inserção ocupacional, unindo o que até então se desenvolvera em paralelo: os instrumentos de políticas de assistência e os instrumentos de políticas de emprego. Por um breve período, programas foram especialmente concebidos para associar intermediação e inclusão produtiva. Esse foi o caso do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), notadamente em sua versão Pronatec - Brasil sem Miséria (Pronatec/BSM). Desafios vividos pelos gestores puderam ser por nós acompanhados, tomando de empréstimo a lente dos beneficiários dessas iniciativas. Por isso mesmo, a ótica escolhida para esse texto nos levou a transcender o interesse em apresentar achados sobre as formas de procura que os trabalhadores pobres acionam, as trajetórias que perfazem, a eficácia dos intermediadores privados e da intermediação pública em apoiá-los, ou mesmo do alcance ocupacional que resulta dos seus esforços, todos esses alvos social e analiticamente relevantes, mas de que tratamos em outras ocasiões (GUIMARÃES et al., 2016, 2017). Nos4 Trata-se do projeto “Estratégias Individuais e Políticas de Intermediação na Procura de Trabalho. Desafios para a Inclusão Produtiva da População de Baixa Renda”, que se desenvolveu com o patrocínio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI)-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/MDS - Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (Sagi) através do Edital 24/2013 (Processo 457138/2013-0) e com suporte institucional do Departamento de Sociologia da USP e do Centro de Estudos da Metrópole, no Cebrap. Para acesso ao Relatório Final do projeto, ver Guimarães et al. (2016). 250 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS so intuito será, aqui, bem mais específico: entender o modo como os trabalhadores viveram algumas dessas experiências e refletiram sobre as suas próprias iniciativas e os limites das políticas que a eles se dirigiam. Procuramos fazê-lo, ademais, sem perder de vista os constrangimentos, tanto da conjuntura econômica em rápido refluxo, como da dissolução dos programas que tinham estado sob teste. Elegemos um terreno empírico especial: tomamos a experiência do primeiro programa nacional de inclusão produtiva voltado aos mais pobres, que pretendeu aliar iniciativas de qualificação e de intermediação – Pronatec/BSM. Observamos egressos de cursos em São Paulo, selecionando pessoas para grupos focais, em dois Centros de Referência da Assistência Social (Cras) da cidade. Disso resultaram interessantes articulações analíticas para entendermos melhor os elos entre as dimensões individual e institucional da inserção da população pobre no mercado de trabalho. O argumento se estruturará em três seções. Na primeira delas situaremos o contexto no qual capturamos as reflexões dos beneficiários; para tal, apresentaremos brevemente a pesquisa mais ampla, destacando os seus achados com respeito: a) às formas de procura, em especial aquelas encetadas pelos indivíduos de mais baixa renda. b) ao lugar do sistema público de emprego, caracterizando aqueles que a ele têm acorrido preferencialmente. c) e ao impacto do recurso à intermediação privada, analisando o perfil e as trajetórias dos que chegaram ao emprego formal através de agencias de emprego ou empresas de trabalho temporário. A segunda seção, a principal, iniciar-se-á com uma breve apresentação sobre o campo junto aos beneficiários do Programa; isso nos permitirá situar o modo como colhemos os relatos e as reflexões que em seguida serão apresentadas de maneira mais cuidadosa, segundo os eixos de temas mais salientes. Na terceira e última sessão consolidaremos algumas reflexões finais, à guisa de conclusão. 251 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira 2 SITUANDO O CONTEXTO: A PROCURA DE EMPREGO E O LUGAR DOS INTERMEDIADORES PÚBLICOS E PRIVADOS NO BRASIL DOS ÚLTIMOS ANOS Tem sido crescente o interesse acadêmico pelo tema das instituições de intermediação e das formas pelas quais se relacionam indivíduos e oportunidades de trabalho (PECK; THEODORE, 1999; ECHEVERRÍA, 2001; FORDE, 2001; BEYNON et al., 2002; GRAY, 2002; BERGSTROM; STORRIE, 2003; BENNER; LEETE; PASTOR, 2006; AUTOR, 2009; KOENE; PURCELL, 2013; FU, 2015). Não sem razão, haja vista a opacidade que desafia empregadores e empregados em suas decisões com respeito ao mercado de trabalho, bem como a assimetria no acesso à informação ocupacional, especialmente assentada na desigualdade do capital escolar dos indivíduos (GUIMARÃES; VIEIRA, 2015; GUIMARÃES; BARBOSA; CARVALHAES, 2015). Vários desses estudos mostraram que os mecanismos – mercantis e não mercantis - que enlaçam oferta e demanda de trabalho são acionados de formas diversas pelos indivíduos, não apenas a depender da configuração do mercado de trabalho, mas segundo características que os especificam enquanto demandantes (GUIMARÃES, 2009; VIEIRA, 2012; TARTUCE, 2011; GUIMARÃES; BRITO; SILVA, 2011; GUIMARÃES; BARBOSA; CARVALHAES, 2015). Os achados, que coligimos na pesquisa recém-concluída, documentaram as principais tendências nas mudanças das formas de procura ao longo dos anos 2000 e, mais especificamente, as mudanças nos mecanismos acionados pelos mais pobres.5Analisando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), para os anos de 2001, 2004, 2008 e 2012, observamos que, no início do período, o contato direto com o empregador mostrava-se o principal modo de busca utilizado pelos indivíduos de todos os estratos de renda, embora se apresentasse de maneira mais intensa exatamente entre os elegíveis para a 5 Para uma análise mais detida dos achados a respeito das mudanças nas formas de procura, ver Guimarães et al. (2016). 252 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS política pública, aqueles com perfil adequado a habilitar-se à inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). O interessante é que, ao longo da série, foram justamente os mais pobres que passaram a se utilizar ainda mais desse meio. Já os concursos – mecanismo de corte fortemente impessoal e demandante de uma maior posse de recursos – cresceram, por isso mesmo, entre os estratos superiores de renda. Ao mesmo tempo, a busca por meio das instituições de intermediação, que já era significativamente baixa em 2002, recuou ainda mais entre todas as faixas. Gráfico 1 – Formas de procura, segundo faixas de renda, 2001-2012 Fonte: Elaboração de Guimarães et al. (2016) a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pnad. Num mercado aquecido pelo crescimento econômico, a procura assentada na iniciativa individual passou a se mostrar fortemente estratificada, mas ao mesmo tempo guiada pelos tipos de ocupação que cresceram no período. Dados os baixos níveis de escolaridade dos mais pobres, o recurso ao contato direto com o empregador assentou-se no crescimento de oportunidades de emprego situadas na base da hierarquia ocupacional. Por outro lado, não deixa de ser intrigante observar que o recurso a instituições mercantis de intermediação tenha se dado justamente num período em que tanto o sistema público de intermediação como as políticas de proteção social mostravam claros sinais de sua crescente robustez. 253 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira Quando lançamos o olhar de maneira mais detida sobre as estratégias de procura empreendidas pelos mais pobres, percebemos, no estudo anterior, que as principais clivagens continuavam a ser aquelas referentes aos níveis educacionais, à raça e à idade. Se é certo que, de um modo geral, houve um aumento da tendência a recorrer diretamente ao empregador, tal tendência foi mais acentuada justamente entre os mais escolarizados dentre os mais pobres, entre os brancos e entre os mais jovens. Mais ainda, quando buscamos associar o tipo de busca empregado à qualidade da ocupação exercida – usando a tipologia Erikson-Goldthorpe-Portocarero (EGP) como um proxy –, vimos que, a despeito de um aumento geral dos níveis de formalização, de assalariamento e uma relativa melhora da estrutura ocupacional, aqueles que se utilizavam da busca por meio de instituições mercantis eram exatamente os que, na média, ocupavam as melhores posições. Na direção contrária, foi entre aqueles que preferiam recorrer a redes e ao contato direto com o empregador que se mostraram menos frequentes as melhores ocupações alcançadas, notadamente pelos mais pobres, e em especial entre os não manuais de rotina de nível baixo.6 Tomados em conjunto, esses resultados apontam para mudanças nos padrões de procura e nas estratégias individuais empregadas para chegar ao trabalho. Elas espelham não apenas mudanças na estrutura do mercado de trabalho, mas também um contexto marcado pela expansão das instituições de proteção social direcionadas aos mais pobres. Mesmo que as ocupações criadas tenham sido majoritariamente aquelas que se situavam na base da estrutura salarial, com elevados níveis de rotatividade e restritos requisitos de qualificação, trata-se de ocupações com maior tendência à formalização, nos setores de comercio e serviços – e foi para essas ocupações que se direcionou boa parte daqueles que se encontravam em ocupações mais elementares ou mesmo fora do mercado. O recurso da busca individual via contato direto com o empregador ou por meio das redes pessoais, quando empregado pelos mais pobres, pro6 Achados que reiteravam resultados anteriores obtidos por Guimarães, Brito e Silva (2011). 254 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS porcionou-lhes o acesso a ocupações de menor qualidade; bem diferente do resultado alcançado pela busca via instituições de intermediação, conducente a melhores oportunidades ocupacionais. Tudo isso nos remeteu a observar a capacidade das instituições de intermediação. (GUIMARÃES et al., 2017). Começamos por verificar o que se passava com o recurso ao sistema público de emprego, e como os trabalhadores pobres demandavam o seu suporte quando buscavam oportunidades de trabalho. E o fizemos à luz de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED); embora restrita a algumas regiões metropolitanas, a PED era o único inquérito que permitia sondar tal tendência para o período considerado, a saber, 2001 a 2012. Os resultados apontaram que a procura por trabalho através do sistema público de emprego estava negativamente associada a quase todos os estratos de rendimento diferentes da nossa população de interesse – os trabalhadores mais pobres (GUIMARÃES et al., 2017). Ademais, verificamos que a probabilidade de se recorrer ao Sistema Nacional de Emprego (Sine) não era significativamente diferente entre os dois estratos mais baixos (a população CadÚnico e o estrato formado por aqueles com renda domiciliar per capita em ½ e 1 salário mínimo). Por outro lado, a chance de apelar para a intermediação pública se tornava, em média, mais reduzida, quanto mais alto o estrato de renda do domicílio do indivíduo. Essa tendência era mais clara no início do período (em 2001), e os resultados sugeriram que recorrer ao Sine passara a ser cada vez menos comum entre os estratos mais altos entre 2004 e 2008. Em 2012, as chances de procura por emprego através do sistema público passaram a ser significativamente maiores para os dois estratos logo acima da população CadÚnico, ao passo que os indivíduos em domicílios com renda per capita entre 3 e 10 salários mínimos se diferenciavam (e ainda mais do que no início do período) por terem chances indiscutivelmente menores de recurso ao Sine se comparados aos estratos mais pobres. Esses resultados sugeriam uma diminuição na 255 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira capacidade de atração do Sine com relação aos trabalhadores de nível socioeconômico mais alto (de renda per capita domiciliar acima de 2 salários mínimos) entre 2008 e 2012; e um aumento na atratividade do Sistema entre os trabalhadores mais pobres (com renda domiciliar per capita de até 2 salários mínimos). Gráfico 2 – Procura de trabalho (nos últimos 7 dias) por estratos de renda per capita domiciliar - PED 2001, 2004, 2008, 2012 Fonte: Elaboração de Guimarães et al. (2017) a partir de dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)/PED. Nota: Regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre e Distrito Federal. Entretanto, verificamos igualmente que, se o sistema público de intermediação vinha tendo, ao longo dos anos 2000, elevada capacidade de atrair os mais pobres, isso nem de longe se traduzia em efetividade quanto a fazê-los chegar às almejadas oportunidades ocupacionais. Ao contrário, tais dificuldades se expressavam, para o conjunto dos que a ele acorriam, numa importante decalagem que documentamos para o 256 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS período 2000-2012, tanto entre inscritos e vagas captadas, quanto (e sobretudo) entre inscritos e colocados (GUIMARÃES et al., 2016).7 Se a intermediação do sistema público de empregos não parece ter sido, ao longo dos anos 2000, um caminho efetivo para fazer com que os trabalhadores mais pobres chegassem aos empregos, que dizer do papel dos intermediadores privados (como as agências de emprego e as empresas de trabalho temporário)? Já havíamos documentado, em outros estudos, que os anos 2000 testemunharam, no Brasil, um notável crescimento da capacidade desses intermediários, no que concerne a gerar acesso a postos formais de trabalho (GUIMARÃES; VIEIRA, 2015). Procuramos, por isso mesmo, verificar o que se passava com as trajetórias no mercado formal de trabalho, daqueles indivíduos inscritos no CadÚnico que logravam chegar a empregos pelo recurso à intermediação privada8. Para tal, um banco de dados foi especialmente construído, abarcando o período compreendido entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013. Com base na informação propiciada pela Relação Anual de Informações Sociais (Rais) longitudinal, observamos as mudanças ocorridas nos vínculos empregatícios da coorte de indivíduos que, sendo inscritos no banco do CadÚnico, estavam contratados, em julho de 2012, por empresas que a Rais classifica como provedoras de serviços de “seleção, agenciamento e locação de mão de obra”; um momento em que já estava em curso uma nova iniciativa de política pública voltada a associar qualificação e intermediação, com foco nesses trabalhadores, o Programa Pronatec/BSM. A análise das trajetórias no mercado formal de cerca de 50 mil indivíduos bem-sucedidos no recurso aos intermediadores privados nos 7 No que respeita aos trabalhadores mais pobres, o quadro não era menos alentador. Mediante o cruzamento de bases do “Mais Empregos” – Ministério do Trabalho (MTb) – e do CadÚnico – MDS – para dez estados brasileiros entre 2012 e 2013, novamente ficou documentada a importante decalagem existente entre inscrições e colocação, também no que respeita à população que mais nos interessa, os registrados no CadÚnico (GUIMARÃES et al., 2016) 8 Uma analise detalhada dessas informações pode ser encontrada em Guimarães et al. (2017). 257 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira deixava diante de um resultado nada animador. Chamou a nossa atenção a importante concentração de casos ao redor de um número muito pequeno de percursos, a sugerir a escassez de alternativas que se abria para essa amostra de trabalhadores pobres que acedia ao mercado formal através da intermediação privada. Assim, ou permaneciam duradouramente engajados em empresas de intermediação (4 em cada 10 homens e 5 em cada 10 mulheres), ou tendiam a ser expulsos do mercado formal, em seguida a uma curta experiência ocupacional numa empresa de seleção, agenciamento ou locação de pessoal (3 em cada 10 casos, homens ou mulheres). Em suma, e vistos os grandes números, nosso estudo anterior nos levava a concluir pela importância da intermediação pública nos esforços encetados pelos trabalhadores pobres para chegar aos empregos, mesmo numa conjuntura em que esses ainda se mostravam fartos. Mas era igualmente clara a dificuldade das agências governamentais para transformar procura em inclusão, notadamente entre os trabalhadores menos qualificados. Nesse sentido, chamava a atenção a novidade de um programa social que, por primeira vez, buscava articular instrumentos das políticas de assistência a instrumentos das políticas de emprego, transferência de renda, qualificação e intermediação. Nosso intuito passou a ser, então, explorar as percepções de beneficiários dessa iniciativa, do que trataremos em seguida. 3 A POLÍTICA PÚBLICA DE INSERÇÃO PRODUTIVA PELA ÓTICA DOS BENEFICIÁRIOS O Pronatec foi criado em 2011 como um programa federal de qualificação profissional, coordenado pelo Ministério da Educação (MEC). Um programa que já em seu próprio nome espelha o desafio de tentar assegurar acesso ao ensino técnico e ao emprego. A vertente do Programa articulada ao Plano “Brasil Sem Miséria” constituiu, nos anos que se seguiram, a principal política federal de inclusão produtiva voltada para 258 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS os trabalhadores pobres. A especificidade do Pronatec/BSM, que foi gerido em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e do Combate à Fome entre 2011 e 20169, é que ele almejava qualificar e inserir no mercado de trabalho a população em situação de pobreza beneficiária do Programa Bolsa Família ou inscrita no CadÚnico10. O Programa oferecia cursos de qualificação de curta duração gratuitos e associados ao pagamento de uma bolsa para ajuda de custo. A iniciativa governamental não deveria se encerrar na oferta de qualificação profissional, mas apoiar a frequência e conclusão, aliando ações de alocação da mão de obra qualificada no mercado de trabalho, durante e/ou após o término dos cursos. Ou seja, havia no Programa a intenção explícita de articular qualificação e intermediação – e esta inovação se constituiu no seu maior atrativo para os nossos interesses. Partia-se do pressuposto de que a intermediação pública de mão de obra seria um componente importante do processo de inclusão produtiva da população de baixa renda. Novidade, sem dúvida, no que concerne às ações governamentais voltadas à intermediação. Por isso, o elegemos como caso empírico, acreditando que proveria um terreno fértil para coleta de percepções e iniciativas dos atores em seu esforço para confrontar os obstáculos em sua busca de trabalho. E, em especial, em seu esforço por vencer as barreiras que se interpõem entre a busca (e alcance) da qualificação e o ingresso (ou reingresso) no trabalho de melhor qualidade, deixando entrever o papel da intermediação pública. 9 O Programa cresceu exponencialmente entre 2011 e 2014, mas foi temporariamente interrompido em 2015, em razão dos cortes orçamentários do ajuste fiscal do Governo Federal. Em 2016, foi retomado de forma tímida, com instabilidade e limitações enormes de orçamento, e em 2017 foi extinto. 10 O Pronatec despertou o interesse acadêmico e inspirou uma série de estudos. Alguns deles se dedicaram a tratar da construção institucional do Programa, ressaltando o contexto político e econômico da sua criação e desenvolvimento (CASSIOLATO; GARCIA, 2014); outros sublinharam as descontinuidades em relação aos programas federais anteriores (CASTIONE, 2013; FRANZOI; SILVA; COSTA, 2013; LIMA, 2012) ou a articulação do governo com as unidades ofertantes de ensino (SANTOS; RODRIGUES, 2012; LIMA, 2012; SALDANHA, 2013). Há ainda aqueles que têm se dedicado a tratar de experiências de implementação municipal do Pronatec/BSM (BERNARDINO, 2013; TROGIANI, 2012; TROGIANI et al., 2012; ROMBACH, 2014). Sobre o Plano Brasil sem Miséria, ver Campello, Falcão e Costa (2014). 259 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira O Pronatec/BSM era implementado pelos municípios, majoritariamente através das secretarias municipais de assistência social ou pela instituição responsável pelo CadÚnico. Era obrigatória a realização da pré-matrícula nos Cras11 e, em tese, as equipes desses equipamentos seriam responsáveis pelo acompanhamento dos beneficiários para solução de eventuais problemas para a conclusão dos cursos e posterior encaminhamento dos egressos para intermediação de mão de obra. O papel da Assistência Social dentro da inclusão produtiva seria o de captação e mediação, não de provimento de serviços de qualificação profissional ou intermediação. Tal desenho supunha uma integração entre as áreas da Assistência Social e do Trabalho, para propiciar a construção de elos institucionais entre as iniciativas de qualificação e a efetiva inserção produtiva. Elegemos o município de São Paulo para um estudo piloto. A seleção desse caso assentou-se no reconhecimento de que, conquanto ele represente uma realidade particular, algumas características sugeriam a pertinência da escolha. Primeiro, São Paulo funciona como um bom caso para apreensão das grandes mudanças no mercado de trabalho nacional; assim, quando os indicadores apresentam variações, isso se faz sentir com mais intensidade na realidade paulista. Ou seja, o município e seu mercado de trabalho operam como uma verdadeira caixa de ressonância, um termômetro para oscilações de âmbito nacional (GUIMARÃES, 2009). Do ponto de vista das políticas sociais e, mais especialmente, das políticas de inclusão produtiva, São Paulo também se destacava pelo histórico de consolidação da Assistência Social no município, mascado por tensas relações institucionais entre essa pasta e a de Trabalho, o que desafiava a articulação institucional, suposto básico das ações de inclusão produtiva12. O desafio torna-se maior pelo fato de 11 Os Cras são equipamentos de atendimento ao público da Assistência Social, nos quais são ofertados serviços da Proteção Básica em áreas de vulnerabilidade social. 12 No que tange às especificidades municipais que impactam nas ações de inclusão produtiva, vários autores desatacaram o histórico de desarticulação e tensões nas relações institucionais entre as áreas da Assistência Social e Trabalho (BICHIR, 2011; AMÂNCIO, 2008; YAZBEK, 2004; SPOSATI, 2002). Em 2001, a atividade da Assistência Social no município foi dividida em duas secretarias, a Secretaria de Assistência Social e a Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social e Solidariedade. Tal estratégia acentuou a lógica fragmentária e as 260 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS que, em São Paulo, como em toda região Sudeste do país, a intermediação pública de mão de obra federal (Sine) é muito pouco expressiva (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2015). Ademais, por razões de escala e da grande heterogeneidade social da metrópole, a análise da implementação de políticas sociais em São Paulo permite comparações entre realidades muito diversas dentro do mesmo município. Na capital paulista, a implementação do Pronatec/BSM aconteceu através da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS); a pré-matrícula nos cursos de qualificação era realizada nos Cras.13 A falta de articulação entre Assistência e Trabalho, no município, se mantinha e a inexpressividade da intermediação pública se tornou evidente nos relatos que colhemos. Entre os diversos gestores locais entrevistados, foi recorrente a constatação de que inexistia articulação da Assistência Social com as iniciativas de intermediação pública de mão de obra. Em alguns Cras as equipes não sabiam sequer tensões institucionais e políticas, bem como a disputa por recursos, entre as duas pastas. Atualmente, elas são nomeadas, respectivamente, como Secretaria Municipal da Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) - responsável pelos Cras, pelos Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e pela implementação das políticas de assistência social, tais como programas de transferência de renda e inclusão produtiva - e Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo (SMDTE) - responsável pelas políticas de trabalho, emprego e renda, dentre elas a intermediação pública de mão de obra através dos Centros de Atendimento ao Trabalhador (CATs). 13 Havia no município de São Paulo, no momento do nosso trabalho (em 2015), cinquenta Cras implantados. A implementação federal do Programa começou entre 2011 e 2012, mas foi apenas em 2013 que o Programa se consolidou em São Paulo, ano no qual foram realizadas 4.814 matrículas na cidade. Em 2014, ele se expande e foram registradas 6.293 matrículas no município (conforme dados que nos foram fornecidos pela SMADS). Diferentemente da estatística nacional do Programa, onde as matrículas de mulheres constituíam maioria, em São Paulo houve um equilíbrio na porcentagem de matrículas de homens e mulheres. No que diz respeito à escolaridade dos beneficiários que se matricularam, mais de 45% declararam ensino médio completo, resultado similar à média nacional. Os cursos de formação foram ofertados por quatro instituições diferentes no município: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e Rede Federal de Ensino Técnico e Profissional, sendo as duas primeiras as principais (agregando maior número de matrículas, cursos e unidades de ensino). No ano de 2013 os cursos foram ofertados em 37 e, em 2014, em 40 unidades de ensino espalhadas pela cidade, mas com pouca presença nas regiões mais periféricas (novamente conforme dados fornecidos pela SMADS). 261 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira qual a agência de intermediação pública de mão de obra mais próxima, mesmo se, como observamos, existissem postos nas imediações do equipamento. Ademais, em razão de disputas político-partidárias, a falta de articulação entre políticas municipais e estaduais também revelou-se uma característica marcante do contexto de São Paulo. Foi possível notar, por exemplo, uma pulverização de iniciativas governamentais de qualificação profissional nos diferentes níveis de governo que não apenas não se articulavam, como concorriam pelo mesmo público-alvo. Sabe-se que, em outros contextos institucionais, a realidade pode ter sido diferente, como no caso do estado do Ceará, reconhecido por sua virtuosa articulação entre as diferentes políticas de emprego e pelos arranjos de cooperação das políticas estaduais com as federais e municipais. Para construirmos uma primeira aproximação às percepções sobre a experiência dos beneficiários do Pronatec/BSM, em São Paulo foram organizados três grupos focais, que mobilizaram dezesseis egressos do Programa14. Nosso estudo piloto baseou-se num trabalho de campo realizado em julho de 2015, em dois Cras da capital paulista, com egressos do Programa. Eles haviam se matriculado, no ano de 2014, nos Cras de Ipiranga e Vila Mariana.15Três grandes grupos de temas foram explora14 A seguir uma breve caracterização do perfil dos 16 participantes. Eram 8 homens e 8 mulheres; 6 casados, 9 solteiros e 1 viúvo; 5 jovens entre 16 e 29 anos e 11 adultos com mais de 30 anos; 2 com Ensino superior incompleto, 10 com Ensino Médio completo e 4 com Ensino Médio Incompleto; 8 com filhos e 8 sem filhos (idade do filho mais novo variando de 5 a 26 anos); e apenas 4 se declararam como principais responsáveis pela manutenção do domicilio. No que se refere ao local de nascimento, 5 eram migrantes do Nordeste, 2 nascidos no interior do Estado de São Paulo e 8 nascidos no município de São Paulo. Oito deles planejavam voltar a estudar. Já no que se refere a cursos concluídos pelo Pronatec, 10 tinham finalizado 1 curso, 5 finalizado 2 cursos e 1 deles era egresso de 3 cursos. Em termos de inserção profissional na área de qualificação, no momento da pesquisa nenhum dos participantes trabalhava na área do curso realizado; e 3 já tinham trabalhado anteriormente na área de qualificação pós-Pronatec. Por fim, no que concerne ao mecanismo de obtenção do primeiro trabalho pós-curso, 1 participante o conseguira através de concurso público, 9 deles através de contatos pessoais, 3 através de contato direto com empregador e 3 nunca tinham trabalhado. 15 Os critérios para seleção dos Cras a observar foram estabelecidos levando em conta as características sociais do território, o tamanho e volume do atendimento, a performance de execução do Programa, a distribuição pelas zonas da cidade e a proximidade de instituições 262 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS dos: motivações e expectativas, dificuldades e experiência de procura, e inserção no mercado de trabalho. Nossa estada em campo deu-se num momento bastante singular. Marcado pela inflexão na economia e na configuração das políticas governamentais, reflexo da conjunção entre crises econômica e política, o trabalho empírico se desenvolveu numa conjuntura de desaquecimento da economia nacional e de retração do mercado de trabalho, com aumento dos índices de desemprego. Mais relevante ainda, o drástico ajuste fiscal que vem atingindo grande parte das políticas federais, alcançara o Pronatec – que foi temporariamente paralisado justamente quando estávamos em campo – e outros dispositivos de proteção ao trabalhador, como o seguro-desemprego, que sofreu uma revisão de regras, dificultando o acesso ao benefício. Ou seja, quando do nosso levantamento, o contexto mostrava-se desfavorável e preocupante para os trabalhadores e beneficiários das políticas sociais, tanto porque as oportunidades no mercado haviam se tornado mais escassas, quanto porque os mecanismos de proteção governamental também encolhiam. Ora, sabemos que o contexto macroeconômico e institucional é elemento estruturante das percepções e estratégias. Por isso, há que ter em mente que o momento da coleta de percepções dos beneficiários certamente tem um papel determinante na maneira como estes constroem e exprimem as suas percepções. publicas de intermediação de trabalho. Um estudo exploratório sobre os 50 Cras existentes no município de São Paulo – a partir dos dados do Censo do Sistema Único de Assistência Social (Suas) de 2013 –, permitiu a pré-seleção de oito deles. Buscando maximizar a diversidade de situações, fixamo-nos em um conjunto de sete Cras: Cidade Tiradentes, Itaquera, São Miguel Paulista, Ipiranga, Vila Mariana, Sé e Lapa. Com base nos bancos de dados das pré-matrículas do Pronatec/BSM realizadas nos Cras pré-selecionados, fizemos um estudo exploratório do perfil dos beneficiários de cada um desses equipamentos. Levando em consideração esses achados e o número de pré-matrículas realizadas por cada Cras no ano de 2014, refinamos nossa seleção prévia e decidimos focar a pesquisa em quatro desses equipamentos: Cidade Tiradentes, São Miguel Paulista, Ipiranga e Vila Mariana. Em cada um dos quatro Cras fizemos um conjunto de três entrevistas (totalizando 12 entrevistados) e pelo menos um período de observação, compreendendo o espaço do entorno, as instalações do equipamento e o modo de atendimento do público. Entrevistamos a coordenadora de cada um dos Cras, bem como as pessoas ali diretamente responsáveis pela operacionalização do Pronatec. Só depois de todo esse percurso é que escolhemos os dois Cras - Ipiranga e Vila Mariana - para o trabalho com egressos. 263 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira Nas partes subsequentes desta seção reuniremos achados resultantes desse esforço e refletiremos a partir dos relatos dos trabalhadores egressos do Programa sobre as suas iniciativas individuais de inserção profissional e procura de trabalho; sobre como percebem o hiato entre qualificação e inserção profissional; sobre as suas dificuldades e estratégias para vencer esse hiato; e sobre a efetividade da ação governamental no que tange a enlaçar qualificação e intermediação. 3.1 Motivações e expectativas M: Ainda falando sobre expectativas, tem mais alguma coisa que vocês gostariam de falar? T: Então, nesse quesito… eu achava que, quando eu acabasse o curso, o próprio Senai pudesse me encaminhar para algo, para um meio-oficial de elétrica, para alguma empresa, que era o que eu queria. Mesmo ganhando pouco e tal, mas para mim pegar experiência; porque, sem a experiência, quando você parte para o mercado de trabalho, você não consegue, você está frito; não consegue, pode esquecer. Eu procurei muito e era 1 ano, 2 anos, mínimo 6 meses [exigência de experiência]. Agora, eu conseguir entrar em uma empresa? Impossível! Sem chance! M: Você tinha a expectativa de que o próprio Senai te encaminhasse para uma empresa? T: Achei que poderiam me encaminhar, para eu entrar em algum lugar como meio-oficial, entendeu? Aí sim… Porque as empresas pedem experiência comprovada, e eu não tenho como provar experiência nenhuma, nunca trabalhei em empresa nenhuma, acabei de fazer o curso, como eu vou ter experiência? Então, se o Senai tivesse dado essa força, que eu imaginei que poderia ser assim, daí simplifica bem para quem está terminando o curso, entendeu? (M: moderadora; T: homem, 49 anos, ensino médio completo, egresso do curso de eletricista, trabalha como eletricista autônomo). 264 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS Buscamos explorar, em primeiro lugar, as razões que motivaram a iniciativa de busca de qualificação profissional via Pronatec e as expectativas relacionadas a essa iniciativa, ou seja, o que os beneficiários almejavam com essa experiência, especialmente em termos de inserção no mundo produtivo. De maneira geral, pudemos identificar dois tipos principais de motivações/expectativas. A principal motivação apontada foi a inserção no mercado de trabalho, que, a depender do caso, estava relacionada à expectativa de conseguir um emprego formal ou ao sonho de trabalhar por conta própria. A referência à expectativa de obtenção de trabalho formal foi a mais recorrente. Dentro do grupo de beneficiários que tinha esse tipo de objetivo, predominavam as trajetórias profissionais marcadas por eventos prévios de desemprego recorrente, de trabalho informal ou em ocupações pouco qualificadas e desvalorizadas (como trabalho doméstico, serviços de manutenção e portaria). Nesses casos, os discursos revelaram que o móvel para a iniciativa de qualificar-se era a busca para a iniciativa de uma formação que levasse a uma “profissão”. A palavra “profissão” é aqui empregada como um sinônimo de trabalho qualificado, em contraposição às ocupações informais e/ou desvalorizadas; estas, por eles habitualmente desempenhadas, e eram caracterizadas como “bico” ou “ganha-pão”, ou seja, como meras formas de obtenção de dinheiro para sobrevivência imediata. Por isso, para a maioria, a iniciativa de realizar o curso de qualificação representava o investimento em uma nova área de atuação profissional, considerada melhor e mais valorizada, e não necessariamente o aperfeiçoamento da formação em uma atividade já desenvolvida. E, justamente por essa iniciativa representar o primeiro passo em direção a uma nova área profissional, na qual lhes faltava experiência, os beneficiários depositaram muita esperança no poder de articulação da política de qualificação com o mercado de trabalho, inclusive revelando-nos essa expectativa de maneira espontânea e direta. A narrativa de alguns participantes mostra que a motivação para a busca de qualificação via instituições do Sistema S estava diretamente articulada à representação de que o diploma dessa instituição lhes ga265 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira rantiria um emprego no fim do curso, tanto por seu prestígio quanto pela reconhecida articulação da organização com o sistema produtivo. Ou seja, a grande expectativa, expressa por alguns participantes, era de que circulassem oportunidades de trabalho nas escolas e que a política pública estabelecesse as parcerias com empresas e empregadores, requeridas para a colocação dos egressos no mercado de trabalho. Assim fazendo, minimizar-se-iam os efeitos da falta de experiência comprovada no ofício e/ou da dificuldade individual de vencer o hiato entre qualificação e inserção. Porém, essa expectativa foi frustrada na maioria dos casos. E, como disse uma das beneficiárias, depois que concluíam o curso os alunos ficavam “ao Deus dará”, expressão que evoca a sensação de abandono, de estar à deriva. Vamos retomar esse assunto adiante. Por outro lado, também foi possível identificar outro grupo de beneficiários, menor que o primeiro, que não tinha o objetivo imediato de inserção profissional, mas interesse pessoal no conteúdo dos cursos. Assim, almejavam realizar cursos de costura para produzir suas próprias roupas, ou relacionados ao setor automotivo para aprender a consertar o próprio carro. Nesse grupo as expectativas foram atendidas muito mais facilmente. 3.2 Dificuldades e constrangimentos I: A minha intenção, quando eu fui fazer curso de assistente administrativo, era trabalhar na área. Mas, como ele falou, é verdade: é um curso muito curto. Então, o que a gente aprende lá não dá para você se virar. F: É muito curto. É tipo o resumo mesmo. I: É, então quando as empresas procuram [trabalhadores], o que eles querem? Eles querem experiência! Eles não querem pegar você e falar “ah, você fez um curso? Então tá bom. Vamos partir daí, a gente, vai, te ensina”. Não, eles querem alguém com experiência. 266 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS (I: mulher, 57 anos, ensino médio completo, egressa dos cursos de confecção em bijuterias, confecção de couro e assistente administrativo, trabalhando como operadora de telemarketing; F: homem, 37 anos, ensino médio completo, egresso dos cursos ar-condicionado automotivo e elétrica automotiva, trabalhando como instalador técnico de internet). A principal dificuldade apontada pelos beneficiários foi o curto tempo de duração dos cursos; isso porque os cursos do Pronatec/BSM são do tipo Formação Inicial e Continuada (FIC) – mínimo de 160 horas. Segundo relatos, que se repetiram nos três grupos focais e permearam os diferentes perfis de beneficiários, a curta duração dos cursos lhes criava dois tipos de problemas: em primeiro lugar, sendo muito conteúdo para pouco tempo, os tópicos eram ensinados muito rapidamente; em segundo lugar, o conteúdo era muito básico, sem o necessário aprofundamento. Devido a esses fatores, alguns egressos expressaram insegurança em exercer a ocupação que aprenderam no curso, principalmente quando esta poderia envolver riscos. E, por não se sentirem seguros no exercício do novo ofício aprendido, não investiam na procura de empregos nesse tipo de ocupação, esperando a oportunidade para realizar uma continuação da qualificação iniciada, o que não aconteceu, visto que o Programa foi interrompido. Uma estratégia traçada (e relatada) por três participantes foi realizar o mesmo curso duas vezes, uma delas via Pronatec, outra através do programa de qualificação profissional do Governo Estadual de São Paulo. Mesmo para os egressos que buscaram trabalhar na área do ofício recém-aprendido, a curta duração dos cursos foi apontada como um fator determinante para o insucesso na procura. Segundo os relatos, as empresas buscam candidatos que tenham realizado cursos mais longos, que tenham passado por experiências de qualificação mais aprofundadas. Assim, a principal dificuldade apontada durante a realização do curso tem relação direta com as dificuldades enfrentadas após a conclu267 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira são do curso, na busca de inserção ocupacional e nas iniciativas individuais de superação do hiato entre qualificação e colocação profissional. Já no que concerne mais diretamente às dificuldades enfrentadas no período pós-curso, na busca por inserção no mercado de trabalho, a exigência de experiência foi o principal fator apontado, tendo sido relatado enfaticamente em todos os grupos. Isso se compreende, pois a expectativa de boa parte dos egressos era conseguir trabalho na área do curso de qualificação realizado, investimento que representava, para grande parte dos participantes, a entrada em uma “nova área de trabalho”, por eles mais valorizada, mas na qual não possuíam experiência prévia16. 3.3 Percepções sobre oportunidades de trabalho e inserção produtiva L: As empresas pegam as pessoas que fizeram dois anos de curso técnico, não curso de dois meses. São os cursos técnicos que as empresas se interessam. Eu acho que o curso do Pronatec o que oferece é isso mesmo, o tal do “biquinho”. Não um trabalho registrado, de empresa… É o que eu te falo, você trabalhar por conta; não uma empresa te contratar, te registrar. Acho que ninguém dá uma oportunidade dessas se você só tem o curso do Pronatec. […] Quando o governo pensou em cursos, quando o governo fez esse monte de cursos, não sei se era viável fazer associações com empresas, mesmo pequenas, para colocar as pessoas no mercado de trabalho. Não houve isso. A gente fez o curso e ficou ao Deus dará. Se tivesse tido essa… ponte… mas não teve. (L: mulher, 53 anos, ensino superior incompleto, trabalhando como atendente, egressa dos cursos de informática e promotora de vendas). 16 É importante enfatizar que estamos tratando nesse estudo apenas de beneficiários que concluíram pelo menos um curso de qualificação e que, portanto, enfrentaram dificuldades diferentes daqueles beneficiários não concluintes. Para mais informações sobre as dificuldades dos beneficiários não concluintes do Pronatec/BSM ver: Montagner e Muller (2015). 268 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS A: Na minha visão, teria que fazer uma divisão. No meu curso, que é muito específico, para uma área muito específica e que não tem muita gente trabalhando e tem poucas vagas, tem possibilidades de você fazer e acontecer, empreender, eu quero dizer. E, por outro lado, a questão do mercado formal, que é mais complicado, é mais restrito. Então, eu consegui fazer uns “freelas” de desenho [de joias]. Mas, para mim essa sua pergunta tem um porém: se for mercado formal, é totalmente difícil. Da turma toda do Pronatec, ninguém se inseriu. Durante o curso, foi lá umas duas ou três empresas atrás de gente; mas eles queriam gente que soubesse desenhar e que tivesse feito o curso de confecção de joias. Que soubesse fazer tudo, polimento, fundição, várias frentes de trabalho. Então, essa pergunta para mim tem esse porém, se é pro mercado formal ou se é para você empreender. (A: homem, 36 anos, ensino médio completo, egresso do curso de desenho de joias, trabalha como desenhista autônomo). Ao explorar as percepções sobre as oportunidades que o curso do Pronatec lhes proporcionara, tendo em vista o alvo de se inserir no mercado de trabalho, surgiu uma avaliação coletiva de que a resposta para essa pergunta variaria, caso se tratasse de inserção formal ou informal. Os participantes acreditavam que a experiência do Pronatec não lhes ajudara (ou ajudara muito pouco) na inserção no mercado formal de trabalho. Entretanto, reconheceram que ela poderia ajudar a estabelecer-se no trabalho por conta própria, no empreendedorismo, e mesmo na prestação de serviços. Isso era por eles apresentado como um motivo de frustração, pois a expectativa da grande maioria era justamente alcançar um posto no mercado formal, “trabalhar numa firma”, “entrar em uma empresa”; mesmo se ganhando menos do que o habitual, e mesmo que fosse em programas de estágios e aprendizado, voltados para adquirir a almejada experiência. A expectativa dos egressos era de que circulassem oportunidades de trabalho e estágio nas escolas profissionalizantes, durante ou após 269 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira a realização dos cursos de qualificação. Que a própria escola realizasse a intermediação para o trabalho, construindo uma ponte com o setor produtivo. Ou que a escola criasse programas próprios de estágio (como o exemplo do restaurante-escola do Senac), para que os alunos adquirissem experiência, antes de se lançarem na busca por posições no mercado de trabalho. Na contramão dessa expectativa, apenas três participantes presenciaram eventos de parcerias entre as escolas técnicas e as empresas em busca de mão de obra qualificada. Nesses casos, buscavam-se estudantes dos cursos técnicos - isto é, dos cursos de longa duração - ou dos módulos avançados do currículo. Ou seja, buscavam-se estudantes em fase final de um percurso longo de formação profissional ou com conhecimentos especializados e aprofundados sobre determinados processos produtivos. Pela característica de curta duração dos cursos FIC, os alunos do Pronatec/BSM não se encaixavam no perfil almejado pelas empresas. E, com efeito, nenhum dos participantes da pesquisa conseguiu trabalho através desse mecanismo, o que é um dado relevante. Os egressos apresentam trajetórias de ocupação instável e informal, assentadas no recurso às redes sociais como mecanismo principal de obtenção de trabalho. Entretanto, permanece o horizonte normativo do trabalho com carteira. Horizonte este que eles sabem ser impossível alcançar com os escassos recursos que possuem, mas que acreditavam possível de atingir no momento em que a economia estava aquecida e os mecanismos de proteção social ampliados. Entre as barreiras diversas que se apresentam para alcançá-lo, mesmo em momentos econômicos favoráveis, explicitavam a falta de experiência comprovada. Cientes dessa barreira, tentam driblar a questão da experiência com uma credencial valorizada e a política de qualificação profissional do Pronatec, que lhes propiciava acesso gratuito a cursos em instituições prestigiadas. Essa era uma oportunidade única, à qual eles se agarraram. As iniciativas de qualificação estavam, portanto, permeadas pela expectativa de que o efeito negativo da falta de experiência e da falta de bons contatos seria 270 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS compensado pelo efeito positivo da credencial. Todavia, o resultado almejado não se concretiza, na percepção desses egressos, porque a política pública falhou na sua conexão com o sistema produtivo. 3.4 Percepções sobre mecanismos de procura e obtenção de trabalho M: E, como você procurava trabalho? F: Eu ia atrás, né? Eu não gostava de entregar currículo ou esses negócios de internet, não. Nunca gostei disso. Eu ia pessoalmente, mesmo, falar direto com o proprietário. […] Eu não mando currículo, porque uma vez eu fui entregar meu currículo, eu estava andando lá no Centro; daí eu tava olhando as folhas que ficam lá coladas, dai eu tava olhando assim o anúncio. A folha estava meio solta e eu olhei embaixo. Daí eu puxei, assim, rasgou, e deu para ver: era o currículo de uma pessoa, servindo de rascunho, entendeu?! Então, o que adianta? O que adianta você pagar, fazer e entregar o currículo e o cara lá, quando você vira as costas, joga no lixo! [indignado]. (M: moderadora; F: homem, 37 anos, ensino médio completo, egresso dos cursos ar-condicionado automotivo e elétrica automotiva, trabalhando como instalador técnico de internet). N: Eu fiz o curso de promotora de vendas e teve toda essa dificuldade [para conseguir trabalho nessa área]. Então eu estou trabalhando na casa de uma senhora como doméstica, mas eu não quero mais isso. M: E conta como você está procurando trabalho? N: Eu não estou procurando mais porque eu já me irritei. Agora eu estou querendo é virar sacoleira; preciso juntar dinheiro. Eu desisti porque eu fui na internet, daí até fiquei animada a fazer “freelancer”, para ganhar um dinheiro, fazer alguma coisa, eu ia tentar… Dai eles pedem 6 meses [de experiência], “deixa seu telefone que a gente entra em contato”. Tudo pede 6 meses, não sei quanto tempo… M: E você procurou em agência de emprego? N: Agência, eu procurei só internet. 271 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira M: Agência privada? N: É. M: Você já chegou a procurar em agência pública alguma vez? N: Não, essas não. Eu nem sei onde tem alguma dessas, nesse ramo aí… M: E esse trabalho que você tem hoje, como você conseguiu? N: Esse trabalho… Olha, sinceridade, desde que eu cheguei em São Paulo, eu nunca consegui trabalho por essas, como é que se chama… Assim, que eu fiz o currículo e alguém me chamou. Nunca… Nunca, desde que eu cheguei. M: E como você conseguia? N: Ah, sei lá, as pessoas vão me indicando, olha tem ali, daí eu vou, sempre assim, eu não sei o que acontece… (M: moderadora; N: Mulher, 50 anos, ensino médio completo, trabalha como empregada doméstica, egressa do curso de promoção de vendas). M: Você disse que conseguiu o seu atual trabalho através de um contato. Como você procurava? L: Foi. Mas eu já fui direto. Quando eu pensei em voltar, eu já fui direto em uma pessoa e deu certo. Mas, por quê? Eu já tinha 52 anos, estava há 12 anos fora do mercado de trabalho. Então, quase impossível, né? Só com contato mesmo. Até cheguei a procurar por outros meios. Mas, procurar trabalho, acho que é por todos os meios, contato, internet, currículo, boca a boca, conversa, acho que a gente tem que usar todos os meios. […] Mas, infelizmente o nosso país é assim mesmo: só com alguém que te indica, só indicação. (M: moderadora; L: mulher, 53 anos, ensino superior incompleto, trabalhando como atendente, egressa dos cursos de informática e promotora de vendas). Convergente com o que havíamos encontrado nas análises antes apresentadas, baseadas em informações sócio-demográficas, em todos os grupos focais, o mecanismo de procura e obtenção de trabalho mais citado foi o recurso a contatos pessoais. Os participantes acreditam que esse é o recurso que mais facilmente (ou exclusivamente) pode lhes dar 272 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS acesso a oportunidades de trabalho. Por isso mesmo e, quando possível, acionam suas redes de contatos. Mas os discursos também revelam uma outra percepção, a respeito da dependência de contatos pessoais: quem tem bons contatos, tem mais oportunidades de trabalho, mas, ao mesmo tempo, “bons contatos” são bens escassos. O recurso ao contato com empregadores também se mostrou uma estratégia útil e, em algumas áreas profissionais, até mais produtiva que outras estratégias, tal como foi possível identificar nos relatos de egressos que buscavam trabalho como mecânico automotivo ou eletricista. Durante a discussão, os participantes do grupo chegaram à conclusão de que essa estratégia é boa para algumas áreas, mas não para todas, pois a maioria das firmas não abre essa possibilidade de contato direto, restringindo-se ao uso de intermediadores de mão de obra. A procura de emprego por meio de agências privadas de intermediação é mais frequente do que através de agências públicas. Poucos foram os participantes que procuraram alguma vez por meio destas últimas; nesses casos, isso ocorrera há muito tempo e nenhum deles foi bem sucedido. Muitos participantes mostraram desconhecer esse recurso, afirmando não possuir informação sobre a localização ou mesmo a forma de acessar as agências governamentais. Mais ainda: nenhum dos participantes estava usando (ou cogitando usar) o sistema público de intermediação como mecanismo de procura por trabalho, nem mesmo havia recorrido a ele recentemente. Em relação às agências privadas, o seu uso se mostrou mais recorrente e chegou a dar acesso ao trabalho em alguns casos. A procura através das agências privadas se dá principalmente por meio da internet, uma estratégia com baixo custo, mas também de baixa eficácia, segundo a percepção dos participantes. Nos discursos é possível constatar que há certo descrédito em relação a essas instituições. Em parte, porque só possibilitam o acesso a trabalhos ruins - no dizer de uma participante, “agência de emprego só chama para trabalho em telemarketing”; em parte, pelo descaso de alguns desses estabelecimentos para com os candidatos. 273 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira Resumidamente, diríamos que as percepções dominantes entre os beneficiários sobre os mecanismos de procura de trabalho poderiam ser assim formuladas: dependência dos contatos pessoais, descrédito/desconfiança em relação às instituições privadas de intermediação de mão de obra e pouco conhecimento com respeito às instituições públicas de mão de obra. 3.5 Em suma: entre o encantamento com a experiência de qualificação e a frustração com a busca de inserção N: Eu gostei muito. Nossa! Foi assim… maravilhoso! Os melhores professores, de alto nível… Eu não esperava que fosse tanto assim. Eu fui surpreendida. Eu fiquei encantada. Os professores eram maravilhosos, os alunos eram muito bem preparados também. O pessoal ficou muito ligado um com o outro. Foi um aprendizado que, mesmo se eu não trabalhar nessa área, que eu não estou trabalhando nesse ramo, mesmo se eu não trabalhar, para mim foi muito gratificante. Como pessoa, eu cresci muito. (N: mulher, 50 anos, ensino médio completo, trabalha como empregada doméstica, egressa do curso de promoção de vendas). A avaliação da experiência de ter participado do Pronatec se constrói ao redor de duas dimensões: o curso e as oportunidades de inserção pós-qualificação. De maneira geral, quando os participantes fazem a avaliação da experiência, levando em conta apenas o curso de qualificação, eles tratam dos professores, das instalações da escola, do conteúdo e do material e, nesses quesitos a avaliação resultante é extremamente positiva. Todavia, quando os participantes refletiam sobre a experiência do ponto de vista das possibilidades de inserção no mercado de trabalho, proporcionadas pelo investimento em qualificação, a sua avaliação era 274 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS crítica e muitos explicitaram a frustração de suas expectativas. A inserção ocupacional na área da qualificação realizada se mostrou um grande desafio para os que tinham esse objetivo. Dizendo-o de maneira breve, a experiência lhes desencantava por dois grandes motivos, que recorrentemente apareceram: por um lado, a curta duração dos cursos, que não fornecem a preparação suficiente ao desempenho do ofício; por outro, a falta de articulação com os setores produtivos para intermediação do trabalho qualificado, visando emprego, estágio ou programas de aprendizagem. Os indivíduos narram uma experiência de investimento em qualificação que não se converte em inserção profissional, e que pode gerar a médio e longo prazo um efeito desestímulo ou descrédito em relação às iniciativas governamentais de inclusão produtiva17. 4 REFLEXÕES FINAIS À GUISA DE CONCLUSÃO A política de inclusão produtiva foi formulada a partir do suposto de que a população pobre enfrentava dificuldades particulares frente à dinâmica do mercado de trabalho, e que era necessário articular qualificação e intermediação de mão de obra. Todavia, a nossa pesquisa, bem como outros estudos de avaliação do Pronatec/BSM (MONTAGNER; MULLER, 2015) apontam para as dificuldades de construir tal articulação. Aos beneficiários das políticas sociais a iniciativa governamental destinava apenas cursos de curta duração. Estes, conforme a percepção dos egressos que pesquisamos, não lhes ofereciam a bagagem necessária à prática profissional, nem a credencial efetivamente valorizada pelo mercado de trabalho e nem a esperada articulação com o sistema pro17 Ainda que localizados em uma realidade específica e advindos de um estudo piloto, tais achados sobre a política de inclusão produtiva - encantamento com a experiência de qualificação e frustração com a busca de inserção - se repetem em estudos recentes, conduzidos com egressos dos cursos FIC do Pronatec em outros municípios e em outras regiões do país como Erechim (RS), Lábrea (AM) e Paraíso do Tocantins (TO) (DALBERTO et al., 2015; PAIVA, ALMEIDA, 2015; SOUZA, 2015). 275 Nadya Araujo Guimarães Priscila Pereira Faria Vieira dutivo, o que, a seu ver acontece apenas nos cursos de longa duração. Enquanto isso, os cursos longos (ou seja, o ensino técnico) são concorridos, e caros. Ademais, são acessíveis apenas através de processos seletivos crescentemente competitivos, como é o caso do Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica (Sisutec) para acesso ao programa federal de qualificação profissional. Neste, as chances dos indivíduos mais pobres são limitadas, para não dizer inexistentes. Assim, é desigual não apenas o acesso às melhores oportunidades de qualificação profissional (cursos que oferecem as melhores credenciais), mas também o acesso às melhores conexões entre qualificação e intermediação, capazes de superar tal hiato e propiciar a inserção na área de formação. Por isso mesmo, aos indivíduos mais pobres – e esta é a sua percepção - cabe o desafio de construir estratégias individuais de superação dessa lacuna. Importante enfatizar não apenas a importância do papel das redes sociais na procura de trabalho – achado de resto reiterado pelos estudos quantitativos/estruturais e qualitativos/biográficos que empreendemos – mas a consciência dos limites da dependência em relação às redes, numa clara percepção da homofilia que marca os circuitos em que estão inseridos. Cientes dessa desvantagem relacional, tentam neutralizá-la através de iniciativas individuais, como o recurso ao contato direto com o empregador (quando possível) ou às agências privadas de emprego (apesar da percepção negativa em relação a essas instituições). Entretanto, mesmo quando recém-saídos de uma política governamental de inclusão produtiva, a busca dos beneficiários por trabalho não passa pelas instituições públicas e se constitui numa experiência individual ou, quando muito, compartilhada com os seus contatos pessoais próximos. Isso nos leva à necessidade de sublinhar o custo individual da falta de intersetorialidade das políticas e da opacidade das instituições governamentais vis-à-vis a procura de trabalho dos beneficiários das políticas sociais. Na ausência desta, recai sobre o indivíduo pobre – com todas suas limitações de tempo, de recursos materiais e de acesso às informações sobre oportunidades ocupacionais – a responsabilidade de fazer a articulação entre as dimensões da política pública e do mercado, entre a proteção 276 NO OUTRO LADO DO ESPELHO. A INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGOS E A INSERÇÃO NA VOZ DOS BENEFICIÁRIOS social governamental e o provimento de renda, construindo algum tipo precário e complexo de rede de proteção. Mas, e para concluir, há que ter em mente que a inclusão produtiva não esgota a presença dos trabalhadores pobres na cena pública como sujeitos de direitos sociais. Nesse sentido, a “porta de entrada” no mercado de trabalho nem de longe deve deixar o indivíduo na “porta de saída” das políticas públicas de proteção social. Todavia, quando essas operam como “quase direitos”, premidas pelos limites orçamentários, a sua reversibilidade é sempre uma possibilidade na ordem do dia – e isso é o que estamos a testemunhar no momento atual. Revertê-las, como documentamos até aqui, ocasionará um resultado desastroso, justamente para os trabalhadores mais pobres. REFERÊNCIAS AMÂNCIO, Júlia Moretto. Parcerias entre estado e sociedade civil: significados e desafios na gestão de políticas públicas. O caso da assistência social em São Paulo. 2008. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. AUTOR, David H. (Ed.). Studies of labor market intermediation. Chicago: University of Chicago Press, 2009. BENNER, Chris; LEETE, Laura; PASTOR, Manuel. Staircases of treadmills? 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Além disso, engloba políticas e ações com vistas a auxiliar os trabalhadores na busca de emprego, prevendo, para tanto, ações integradas de orientação, intermediação no 1 Os autores agradecem aos seguintes profissionais por disponibilização de informações: Márcia Maria Fonseca de Souza - Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia), Antonio Pimenta - Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre)-BA e Diva Conceição Apolônio – Setre-BA. 2 Professor do Departamento de Gestão de Políticas Públicas da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (Face) da Universidade de Brasília (UnB) (francomt@uol.com.br). 3 Mestre em Economia. 4 Graduanda do Departamento de Sociologia da UnB. Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira mercado de trabalho e qualificação profissional. Essa lei, dessa maneira, busca integrar do ponto de vista legal as funções de assistência ao trabalhador desempregado com as funções de intermediação de mão de obra e qualificação profissional, estabelecendo os componentes do Sistema Nacional de Emprego brasileiro. Contudo, na prática, a implantação dessas ações se deu de forma desintegrada. As ações do Programa do Seguro-Desemprego são executadas, via de regra, descentralizadamente, por meio do Sistema Nacional de Emprego (Sine), que opera através de entidades contratadas por estados, municípios e consórcios de municípios, além de outras entidades conveniadas diretamente com o Ministério do Trabalho (MTb), com a participação das Comissões de Emprego locais. Em 2004, com a constatação de limitações e deficiências da integração das ações que compunham o sistema público de emprego, o então Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) promoveu uma reestruturação do Sistema. O processo se desenvolveu ao longo dos anos de 2004 e 2005, com a realização dos Congressos Nacionais do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, o que culminou em uma série de normativos legais no âmbito das competências do referido ministério e do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat). Esses normativos estabeleceram um novo arranjo de funções e ações básicas e complementares que passaram a integrar institucionalmente o sistema público de emprego brasileiro, cuja denominação foi acrescida dos termos “trabalho e renda”. As funções a serem integradas referiam-se aos módulos de: seguro-desemprego; intermediação de mão de obra; orientação profissional; qualificação social e profissional; certificação profissional; fomento às atividades empreendedoras e informações sobre o mercado de trabalho. Os esforços nesse sentido tiveram como principais propósitos: propiciar a integração das ações e funções do Sistema, a partir de um planejamento integrado; estabelecer a repactuação do papel dos atores que integram o Sistema, quanto ao planejamento e execução das funções e ações; além da criação de um instrumento jurídico único para execução dessas funções (convênio unificado). 284 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA Assim, o denominado Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) passou a constituir um conjunto de programas de governo dirigidos ao mercado de trabalho nacional, tendo em vista os objetivos de: a) combater os efeitos do desemprego (por meio de transferências monetárias como as previstas no seguro-desemprego). b) requalificar a mão de obra e reinseri-la no mercado (por meio dos programas de qualificação profissional e de intermediação de mão de obra) e c) estimular ou induzir a geração de novos postos de trabalho por meio da concessão de crédito facilitado a empresas e/ou trabalhadores que busquem algum tipo de auto-ocupação ou ocupação associada ou cooperativada. Contudo, mais uma vez, na prática, esses esforços não permitiram uma efetiva integração dos instrumentos de política de emprego, principalmente aqueles voltados à geração de trabalho e renda, via apoio ao empreendedorismo e às micro e pequenas empresas. As políticas de emprego voltadas para o empreendedorismo também são estruturadas nos anos 1990, denominadas políticas de geração de emprego e renda, concebidas como parte integrante de um sistema público de emprego. Segundo informações institucionais do MTb, o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger) foi estabelecido entre os anos de 1993 e 1994, em meio ao movimento da Ação da Cidadania, Contra a Fome e a Miséria, e Pela Vida, com vistas a promover destinação das disponibilidades de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a implementação de políticas de emprego, trabalho e renda. Esse fundo passou assim a financiar ações mais estruturantes no mercado de trabalho, com ênfase em beneficiar a população mais vulnerável. O objetivo dessa política era garantir ocupação e renda como uma das formas de superação da miséria. 285 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira Os agentes financeiros que operavam o fundo, principalmente o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) encontravam-se engajados no movimento da ação da cidadania, na formação dos comitês e na discussão do denominado papel social a ser exercido pelos bancos públicos. Tal conjuntura permitiu que a equipe do MTb iniciasse debate com o Codefat sobre a necessidade de destinar recursos do FAT para as políticas de emprego, especialmente com vistas ao financiamento das atividades produtivas (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2015). Também conforme informações institucionais do MTb, formaram-se à época diversos grupos de trabalho com a participação de especialistas, nos quais se discutiu o formato mais apropriado das linhas de crédito, as formas de capacitação dos empreendedores, além de práticas de acompanhamento e avaliação. Essa discussão valeu-se também do resgate de experiências de políticas especiais de crédito, voltadas para o financiamento de pequenos e microempreendimentos, desenvolvidas pelo MTb no passado, uma vez que, em 1988, esse tipo de iniciativa deixou de contar com apoio institucional e foram descontinuadas. Do mesmo modo, as experiências das secretarias de trabalho estaduais, no âmbito do Sine de algumas unidades federativas, como o Ceará e o Distrito Federal, além de instituições privadas que trabalhavam com o microcrédito, como a Federação Nacional de Apoio aos Pequenos Empreendimentos (Fenape), entre outras, serviram como referência para a concepção do referido Programa (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2015). Após praticamente dois anos de discussões, o Programa de Geração de Emprego e Renda na modalidade Urbano (Proger Urbano) foi criado, em 1994, com a finalidade de integrar a política pública de combate ao desemprego, mediante financiamentos a micro e pequenos empreendedores privados, nos setores formal e informal da economia. Esse programa passou a ser financiado, então, pelo FAT que, por sua vez, tem o objetivo precípuo do pagamento do benefício do seguro-desemprego e do abono salarial. Contudo, a Lei Federal de nº 8.352, de 1991, permitiu que os recursos excedentes da reserva mínima de 286 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA liquidez passassem a ser alocados em Depósitos Especiais, destinados a financiar programas de geração de emprego e renda – basicamente ações de crédito e microcrédito (BRASIL, 1991). Os recursos originários dos Depósitos Especiais foram então alocados nas instituições financeiras federais, mediante convênios, e utilizados para alimentar linhas de crédito de distintos segmentos da economia, com o objetivo de criar empregos e melhorar sua qualidade. A principal justificativa para a estruturação desse programa era permitir o acesso ao crédito a setores que tinham dificuldades de obtê-lo, como microempreendedores interessados em investir no crescimento ou modernização de sua atividade ou obter recursos para o seu custeio. A Resolução Codefat nº 59, de 1994, que autorizou a alocação de recursos do FAT, referente a excedentes da reserva mínima de liquidez em Depósitos Especiais, destina-se, portanto, à execução descentralizada de Projetos de Geração de Emprego e Renda. A mesma Resolução estabelece, dentre os critérios para alocação dos recursos: a) geração imediata de emprego e renda. b) descentralização setorial. c) descentralização regional. d) compatibilidade com a política industrial, bem assim com outras políticas governamentais. e) não concessão de empréstimos a empresas que possam vir a ser desempregadoras líquidas de mão de obra. f ) comprometimento de oferecer e prestar aos tomadores assistência técnica e gerencial, bem como de desenvolver ou apoiar programas especiais de capacitação, baseados em diferentes metodologias. g) priorização, dentre as linhas de financiamento e programas apresentados ao Codefat, daqueles envolvendo financiamentos com condições subsidiadas e, em seguida, pela ordem, os de custo financeiro mais baixo. 287 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira h) vedação da exigência, pelas instituições financeiras envolvidas, de qualquer tipo de reciprocidade bancária, direta ou indireta (BRASIL, 1994, p. 2). O público-alvo prioritário do programa foi definido como aquele formado pelas micro e pequenas empresas que apresentam, além da expressiva participação no total de empregos gerados na economia, enorme potencial de geração de emprego e renda; as cooperativas e associações de produção, devido aos diversos benefícios econômicos advindos dessa forma de organização; e as pessoas físicas de baixa renda, que formam um dos grupos mais atingidos pelo desemprego e com grande potencial de se tornarem empreendedores. No âmbito da regulamentação e diretrizes afeitas a essa política, criaram-se três programas de abrangência nacional: o Proger Urbano, para a área urbana, o Proger Rural e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ) para a área rural. Desse conjunto, o Proger Urbano, devido ao seu foco, foi o que mais se diversificou e avançou na metodologia de atendimento ao micro e pequeno empreendedor. Somente nos anos 2000 as políticas de geração de trabalho e renda passaram a englobar as políticas de microcrédito com a criação do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), sendo que o MTb passou também a coordenar esse programa. A premissa da política pública de microcrédito é que o acesso ao mercado de serviços financeiros formais é praticamente vedado aos mais pobres e às empresas pequenas e/ou informais. Esses pequenos empreendedores dispõem de poucas garantias reais, ou até nenhuma, para oferecer contrapartida a empréstimos concedidos, característica que se conecta à insuficiência de renda e os impede da construção de uma prática e de um histórico bancário para a obtenção de crédito. Cria-se então uma espiral de retroalimentação negativa que dificulta ou simplesmente os exclui desse mercado (CACCIAMALI; MATOS; MACAMBIRA, 2014). A viabilidade de acesso ao mercado de crédito 288 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA e serviços financeiros pelos segmentos mais pobres da população passou a ser uma meta de políticas públicas. As políticas públicas de acessibilidade ao microcrédito ou microfinanças em geral almejam simultaneamente à organização ou coordenação de programas sociais de combate à pobreza, e ao estímulo à criação e expansão de pequenos negócios economicamente viáveis. As instituições de microcrédito ou microfinanças atuam entre os limites de programas sociais de combate à pobreza parcial ou largamente subsidiados, nunca completamente subsidiados, e programas totalmente autossustentáveis financeiramente, que fomentam a criação e a expansão de pequenos negócios economicamente viáveis. Distintas categorias de serviços financeiros exigem políticas públicas específicas para a expansão e massificação de produtos dirigidos aos seus respectivos focos (CACCIAMALI; MATOS; MACAMBIRA, 2014). O PNMPO, a partir do estabelecimento da Lei nº 11.110, de 2005 (BRASIL, 2005), foi então concebido como um instrumento de política para o atendimento das necessidades financeiras de pessoas físicas e jurídicas empreendedoras que realizem atividades produtivas de pequeno porte, utilizando de metodologia baseada no relacionamento direto com os empreendedores, com vistas à geração de trabalho e renda para camadas mais vulneráveis da população. Os programas de fomento ao microcrédito e ao empreendedorismo como estratégias de geração de ocupação e renda, e como instrumentos de inclusão social e combate à pobreza, contudo, possuem limites. Não devem ser concebidos com o propósito de substituir a expansão dos empregos e a seguridade social dos empregados no mercado de trabalho. Entretanto, deve-se reconhecer que muitos trabalhadores optam pelo exercício de uma atividade autônoma, enquanto outros, sem acesso ao mercado formal de trabalho, precisam desenvolver atividades de tal natureza, como forma de garantia de renda. Dessa forma, as políticas de geração de trabalho e renda, por meio do SPETR, também devem estruturar estratégias e implementar instrumentos de política, com vistas a incluir esses trabalhadores no mundo do trabalho, de forma articulada com as 289 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira políticas de apoio aos empreendedores de pequeno porte, e das políticas de inclusão produtiva (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2015). Nas próximas seções serão apresentadas iniciativas de integração de políticas de emprego, estruturadas em torno do sistema público de emprego, e políticas de geração de trabalho e renda, principalmente por meio de ações de microcrédito e apoio ao empreendedorismo de grupos vulneráveis no estado da Bahia, unidade federativa que apresenta avanços significativos nesse sentido. 2 INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS – SINE, MICROCRÉDITO E APOIO AO EMPREENDEDORISMO PARA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA NA BAHIA Em 2007, a Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia (Setre-BA) promoveu profunda reformulação no Sine no estado, que passou a ser denominado Serviço de Intermediação para o Trabalho (SineBahia). As principais mudanças implantadas alteraram o perfil de atuação do serviço, enfatizando e priorizando a integração das ações de intermediação e qualificação profissional. Nesse processo foi inaugurada a Unidade Central do SineBahia em Salvador, em 2008. A implantação da unidade central permitiu o desenvolvimento de uma nova metodologia de intervenção, unificando ações de intermediação e qualificação dentro do mesmo espaço, transformando o SineBahia em um centro integrado de atenção ao trabalhador, mediante a oferta de vagas, cursos e serviços que buscam facilitar a inclusão social e profissional diante da situação de desemprego. Os esforços foram reconhecidos: o serviço de emprego nessa unidade federativa se tornou referência nacional e internacional, recebendo visitas de comitivas estaduais, de representantes de diversos países e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo o Observatório do Trabalho da Bahia (OTB) (BAHIA, 2016). 290 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA Também no âmbito do processo de integração de políticas de emprego, a Setre-BA estabeleceu parceria com o programa de microcrédito estadual CrediBahia, sendo este transferido para o Sine Central, em abril de 2013, com vistas a dar suporte aos trabalhadores cadastrados no Programa de Apoio ao Trabalhador Autônomo (Patra), desde que tenham o perfil e o interesse em solicitar o empréstimo. Esse é o público principal, mas não exclusivo. Com esse serviço, completa-se um círculo de apoio ao trabalhador. O CrediBahia já existia antes de ser transferido para o SineBahia e há outras unidades em funcionamento em Salvador e no estado. Avalia-se que o serviço é até mais forte no interior, pois funciona há mais tempo. Nesta seção, serão apresentados os esforços de integração entre as políticas de trabalho e renda e de microcrédito no estado da Bahia. Por fim, deve-se destacar a experiência de estruturação do Programa Vida Melhor, ação interinstitucional promovida pelo governo estadual, que integra uma série de ações voltadas à população de baixa renda, integrando iniciativas de apoio ao empreendedorismo, microcrédito e economia solidária. A seguir, serão descritas as referidas experiências estaduais. 3 POLÍTICAS DE CRÉDITO E MICROCRÉDITO NA BAHIA5 A história do microcrédito na Bahia teve início com a criação, pelo professor Arturo Fuenzalida, docente da Universidade Federal da Bahia (UFBA), de um programa de apoio à microunidade de produção do recôncavo baiano, que era desenvolvido juntamente com a Acción Social. 5 As informações apresentadas nesta seção e nas seguintes foram levantadas a partir de pesquisa de campo no âmbito do projeto: “Análise de boas práticas da política e da atividade de microcrédito e de sua integração com as políticas de geração de trabalho e renda”, no contexto do PNMPO, realizada pelo Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Universidade de Brasília (DATAUnB) em cooperação com o MTb, entre 2016 e 2017. 291 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira Denominado Programa de Desenvolvimento de Microempresas do Recôncavo (Prodemer), operou por meio de uma parceria entre a UFBA, a Acción e a Fundação Rockefeller. O referido programa realizou um projeto piloto em 16 municípios da região e contou com o apoio da UNO Bahia na disponibilização de sua equipe técnica para a capacitação dos técnicos do Prodemer. Em setembro de 1979, após um ano de operação, houve o encerramento do programa, e a Secretaria de Trabalho absorveu os técnicos e as ações do Prodemer, que passou a se chamar Programa de Apoio às Microunidades de Produção (Pamup). O Pamup tinha como abrangência apenas a cidade de Salvador; os recursos para financiamento dos empreendedores vinham do Centro Brasileiro de Apoio à Pequena Empresa (Cebrae), então órgão do Ministério da Indústria e Comércio (MIC) e eram gerenciados pelo Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia (Desenbanco). Em 1985, com o agravamento da crise da dívida externa, ocorreram mudanças no apoio aos empreendedores de micro e pequenos negócios, as quais culminaram no encerramento do Programa. Com o encerramento do Pamup iniciaram-se estudos de como recriar o programa; logo surgiu a possibilidade de ativar o apoio aos empreendedores de micro e pequenos negócios por meio do Ministério das Relações Exteriores, que já mantinha um acordo de cooperação com o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha. Assim, em 1989, foi implantada uma ação denominada Programa de Viabilidade Econômica para Populações de Baixa Renda do Nordeste (Prorenda), programa do governo estadual com a colaboração da Agência de Cooperação Alemã (GTZ) que utilizava como fonte de financiamento o BNB/Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), e tinha a operacionalização efetuada pelo Banco do Estado da Bahia (Baneb) que repassava os recursos aos empreendedores. 292 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA O Prorenda contava com o apoio das prefeituras municipais, que cediam espaço físico com equipamentos e mobiliários, e um agente de crédito; atuou em 40 municípios, encerrando suas atividades em 1994. Em 1999, foi implantado também na Bahia o Proger, iniciativa federal que operava com recursos do Fundo do Amparo ao Trabalhador (FAT) com repasses do Banco do Brasil, Caixa Econômica e Banco do Nordeste. A Caixa Econômica atuava com profissionais liberais, o BNB com o informal e empreendedores rurais, e o Banco do Brasil com informal e micro e pequenas empresas. O papel da Setre-BA, no desenho institucional inicial do programa, era acompanhar e coordenar a atuação dos agentes de crédito nos postos de atendimentos que, por sua vez, eram de responsabilidade das prefeituras municipais. Atualmente, a política de microcrédito no Estado da Bahia constitui ação do Governo do Estado, desenvolvida por meio de parceria entre a Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia), a Setre-BA, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)-BA e as prefeituras municipais. Essa política foi estruturada em 2002, a partir da criação do programa CrediBahia, após a transformação do Desenbanco em Desenbahia ocorrida em setembro de 2001. O arranjo institucional envolvendo o Sebrae-BA e prefeituras municipais permitiu que a Desenbahia, que opera a partir de estrutura física apenas em sua sede, em Salvador, alcançasse 27 territórios do estado com agentes de crédito atuando nos postos de atendimento das prefeituras municipais, sob a supervisão de técnicos do Setre-BA e treinamento dos profissionais do Sebrae-BA. 4 PROGRAMA CREDIBAHIA E INTEGRAÇÃO COM O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO O Programa CrediBahia constitui uma ação do Governo do Estado da Bahia e atua em 176 municípios do Estado com 177 pontos de aten293 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira dimento. Tem por objetivo aumentar a oferta de crédito para pequenos negócios, ampliando as oportunidades de trabalho para a população que não tem acesso ao crédito bancário tradicional. É operacionalizado por meio de parceria firmada entre a Setre-BA, a Desenbahia, e o Sebrae-BA, não envolvendo repasse de recursos entre os convenentes, ou seja, cada entidade realiza seu papel contando com orçamento próprio. Essa parceria é formalizada por termo de cooperação técnica firmado entre os convenentes, renovado de 4 em 4 anos. No instrumento de cooperação técnica é vedado trespasse, cessão ou transferência a terceiros da execução do objeto do convênio. A metodologia utilizada pelo CrediBahia permite o acesso ao crédito de maneira ágil, utilizando-se de um arranjo institucional que permite uma gestão compartilhada, o que garante uma melhor operacionalização com distribuição de tarefas entre os parceiros, reduzindo custos e viabilizando um maior alcance do programa em qualquer município do estado. Os parceiros têm papeis distintos na execução do programa: a Setre-BA desempenha um papel logístico-operacional articulando a interlocução com as prefeituras municipais com vistas a estimular a implantação de postos de atendimento nos municípios, fomenta o empreendedorismo criando novas oportunidades de trabalho e renda, disponibiliza corpo técnico para a capacitação e acompanhamento em campo dos agentes de crédito, e acompanha, monitora e avalia os postos de atendimento. A Desenbahia, gestora do Fundo de Desenvolvimento Social e Econômico (Fundese), é responsável pela gestão do programa definindo diretrizes e normas reguladoras para a concessão e operacionalização do crédito, realiza o acompanhamento financeiro das operações bem como o desenvolvimento e manutenção de um sistema de controle de operações que viabiliza o acesso dos postos de atendimento distribuídos nos municípios que operam o CrediBahia. A capacitação dos agentes de crédito, dos técnicos do programa e eventualmente dos empreendedores financiados, fica a cargo do Sebrae-BA. 294 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA As prefeituras municipais participam do programa por meio de termo de adesão e se responsabilizam pela disponibilização da estrutura física para instalação dos postos de atendimentos, pelo provimento de recursos humanos para atuar como agente de crédito, de acordo com o perfil a ser definido pela Setre-BA, e pela promoção da divulgação do programa no município. A análise e as deliberações das operações de concessão de crédito ficam a cargo de um Comitê de Crédito, constituído por um membro titular e um suplente dos órgãos e entidades definido pela Setre-BA e Desenbahia de maneira tripartite, ou seja, representantes do estado, município e entidades. O Programa de Microcrédito CrediBahia tem como meta trabalhar com duas linhas básicas de atuação: financiamento direto ao microempreendedor (1º piso) e financiamento a Instituições operadoras de microcrédito (2º piso). A linha de financiamento direto ao microempreendedor objetiva apoiar o desenvolvimento sustentável dos municípios por meio da concessão do crédito orientado para o crescimento e consolidação de empreendimentos de pequeno porte, de forma ágil e desburocratizada; a linha de financiamento a instituições operadoras de microcrédito é destinada ao fortalecimento institucional de organizações não governamentais (ONGs) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (SCMs), cooperativas de crédito e bancos comunitários atuantes no Estado da Bahia. A Desenbahia repassa os recursos aos empreendedores por meio da rede bancária autorizada, utilizando-se inicialmente da fonte do Fundese de seu Programa de Apoio a Projetos de Interesse Social (Papis) e adicionalmente, a partir de 2007, passou a contar com a fonte de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). 295 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira O empreendedor, para estar apto a receber recursos do CrediBahia, deve atender aos requisitos estabelecidos no programa como apresentar documentação pessoal, sendo que o empreendimento deve ter 6 meses de funcionamento e funcionar no município onde tenha posto do CrediBahia, além de apresentar um avalista no caso do aval individual. Na metodologia utilizada pelo CrediBahia os tomadores têm um limite de crédito para investimento fixo, capital de giro ou investimento misto, iniciando em R$ 200,00 podendo ser renovado para até R$ 10.000,00, com prazos variando de 12 meses a 24 meses dependendo do tipo de crédito solicitado. As taxas de juros praticadas são de 1,2% ao mês para financiamentos até R$ 3.000,00 e de 1,8% ao mês para financiamentos acima de R$ 3.000,00, utilizando-se como garantias o aval individual ou aval solidário. Os agentes de crédito são peça fundamental para o sucesso da metodologia do CrediBahia. Geralmente são funcionários selecionados e/ ou indicados pela prefeitura municipal e guardam com esta os seus deveres funcionais, tendo como atribuições realizar visitas aos tomadores/ empreendedores, fazer prospecção, providenciar o cadastro da operação, emitir o parecer e enviar a proposta para o comitê de crédito. O trabalho que desenvolvem indo de porta em porta é importante e qualifica o programa, uma vez que é feita uma comunicação dirigida, focada na finalidade do programa de alcançar aqueles que realmente querem trabalhar com os pequenos negócios. Além da prospecção, a orientação prestada pelos agentes de crédito aos empreendedores é de suma importância e garante a permanência destes no programa e a manutenção e crescimento dos pequenos negócios. A operacionalidade do programa se dá por meio de postos do CrediBahia, funcionando nos espaços do Sine ou nas prefeituras municipais, no caso de o município não contar com a presença do Sine. Em ambos os casos, as prefeituras se responsabilizam pela montagem do posto de atendimento do CrediBahia, arcando com toda a infraestru296 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA tura e com a seleção/indicação, contratação e pagamento do agente de crédito. A adoção desse modelo promove a integração de políticas, uma vez que o Sine tem outros produtos voltados ao trabalhador, o que dá maior visibilidade ao microcrédito. Com postos do CrediBahia funcionando dentro do Sine, é possível identificar um trabalhador que não se encaixa em nenhuma proposta no mercado de trabalho, mas tem perfil empreendedor e dessa maneira encaminhá-lo ao agente de crédito para oferecimento do microcrédito. A única exceção onde não há convênio com prefeituras encontra-se em Salvador; nesse caso o posto do CrediBahia opera no Sine estadual de Salvador e cabe à Setre-BA disponibilizar um agente de crédito, que é servidor da secretaria. Em relação a resultados alcançados entre 2002 e 2015, o CrediBahia realizou 162 mil operações de microcrédito, resultando na liberação de R$337,6 milhões de reais. Buscando promover a democratização e interiorização do crédito, cerca de 95% desses recursos foram destinados às regiões fora da Região Metropolitana de Salvador). Estima-se que foram financiados 67,5 mil empreendedores para realização de investimento fixo e capital de giro nos seus empreendimentos, com contratos de valor médio de aproximadamente R$2 mil reais, contribuindo para manutenção de cerca de 123 mil postos de trabalho (COSTA; LIMA; SOUZA, 2016). A Secretaria do Trabalho e a Desenbahia procuram estimular a integração com outras políticas públicas: algumas experiências pontuais foram realizadas com o apoio do Setre-BA e Desenbahia como o Programa de apoio ao Complexo de Cooperativas de Catadores de Resíduos Sólidos. Nesse programa, os participantes foram financiados pelo CrediBahia, em parceria com outras secretarias estaduais, para trabalhar durante o carnaval, recolhendo a maior quantidade de material reciclável para estoque, o que possibilitou a venda em um período mais rentável. 297 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira Por fim, deve ser destacado o Programa de Crédito Solidário do Estado da Bahia, a ser implementado pela Superintendência de Economia Solidária (Sesol); constitui um passo para a consolidação de uma política pública de economia solidária no Estado. Dentre as ações voltadas para fortalecer os empreendimentos já existentes na Bahia está o apoio à concessão de crédito produtivo e orientado por meio do CrediBahia. De forma a ampliar o alcance do programa, estão sendo realizados estudos de outros modelos de atuação ou estabelecimento de parcerias com outras instituições financeiras, em razão de limitações orçamentárias e operacionais já existentes. 5 PROGRAMA DE APOIO AO TRABALHADOR AUTÔNOMO (PATRA) E CREDIBAHIA A Setre-BA operacionaliza ainda, no âmbito do sistema público de emprego, o Patra. Trata-se de um serviço de intermediação para o trabalho autônomo que opera na unidade do Sine-BA, onde os trabalhadores são registrados e capacitados para o exercício da sua profissão. O CrediBahia é apresentado a esses trabalhadores como fonte de recursos para a compra de material ou equipamentos de trabalho. Esse serviço, operacionalizado, tem como objetivo promover a autonomia e renda para prestadores de serviços que não possuem carteira de clientes, através de ações integradas de intermediação de serviços autônomos, com vistas a atender às necessidades de clientes demandantes. A intermediação realizada proporciona acesso a oportunidades de renda para os profissionais cadastrados, que devem disponibilizar no mínimo 12 dias por mês da sua agenda para o serviço. Há cinco unidades do Patra em funcionamento. São objetivos específicos do Patra: a) proporcionar oportunidades de qualificar e requalificar o profissional, ensinando-lhes as técnicas necessárias para execução do trabalho com eficiência, segurança e responsabilidade. 298 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA b) disponibilizar para os trabalhadores autônomos suporte e orientação para que os mesmos possam construir sua carteira de clientes. c) facilitar o acesso à oportunidade de renda, através da intermediação realizada por um serviço público de qualidade e d) encaminhar, para os clientes do programa, profissionais capacitados para os serviços demandados (SINEBAHIA…, 2015). O programa compreende ações de seleção e cadastramento de profissionais para as diversas categorias de serviço, o cadastramento de clientes e o posterior encaminhamento dos profissionais para atendimento das demandas. As categorias de serviço disponíveis no Patra variam de acordo com o município, procurando refletir a demanda de serviços da localidade e da mão de obra disponível na comunidade. São os serviços mais comumente ofertados: faxina, lavanderia, serviços gerais, congelamento, forno e fogão, jardinagem, costura, garçom, piscineiro e construção civil. Na unidade central do Patra, que se localiza no Sine-BA, segundo informações institucionais da Setre-BA, estima-se que são intermediados 6.500 serviços por mês, envolvendo 400 profissionais autônomos, e mais 8.500 serviços nas demais unidades, com o envolvimento de 800 autônomos. Estima-se também que 95% dos serviços sejam nas áreas de faxina, serviços gerais e cozinha; e que 99% dos autônomos beneficiados pelo programa são mulheres. Não há sistema informatizado próprio, mantido pela secretaria, para atender ao programa, sendo que suas ações não estão integradas ao Sistema Mais Emprego. 6 PROGRAMA VIDA MELHOR – INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS PARA POPULAÇÃO VULNERÁVEL O Programa Vida Melhor do Governo da Bahia, instituído em agosto de 2011, busca incluir socioprodutivamente pessoas em situação 299 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira de pobreza, identificando as diferentes modalidades de trabalho e promovendo ações direcionadas para empreendimentos da economia popular e solidária. O governo estadual reconhece que para potencializar seus resultados é importante integrar-se às ações sociais desenvolvidas pelo estado por meio dos programas já existentes. Entre as ações do programa, voltadas para a promoção do desenvolvimento dos empreendimentos dos setores populares e solidários, está o microcrédito assistido. Trata-se de um programa transversal, com ações desenvolvidas por diversas secretarias além da Setre-BA, dentre as quais: Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (Sedes-BA); Secretaria de Comércio, Serviços e Mineração (SICM-BA); Secretaria de Desenvolvimento e Integração Regional; Secretaria da Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária; Secretaria de Desenvolvimento Urbano; Secretaria da Fazenda e Secretaria da Indústria. Sua coordenação é de responsabilidade da Casa Civil da Bahia, que promoveu aperfeiçoamentos na legislação, com vistas a permitir uma melhor execução das ações, inclusive mudanças que garantissem maior celeridade em licitações. Esse programa tem como propósito identificar diferentes modalidades de trabalho para inserção dos grupos mais vulneráveis, e promover ações especificamente direcionadas para os empreendimentos dos setores populares e solidários, apoiando produtores individuais, familiares ou associados, nos espaços urbano e rural. O programa é direcionado prioritariamente para inscritos no Cadastro Único do Governo Federal, na faixa etária de 18 a 60 anos, que estão trabalhando ou procurando trabalho, com renda familiar por pessoa de zero até meio salário mínimo. O público prioritário do programa é composto por: trabalhadores sem carteira assinada; trabalhadores autônomos sem previdência; desempregados; trabalhadores de empreendimentos populares e solidários; agricultores familiares; povos e comunidades tradicionais; e acampados, pré-assentados e assentados da reforma agrária. A modalidade do programa denominada Vida Melhor Urbano, é executada pela Sedes-BA; tem como propósito fomentar empreen300 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA dimentos individuais e familiares da economia informal. Também busca apoiar um conjunto das atividades, destacando-se: os arranjos produtivos urbanos de alimentação e costura; ambulantes; agricultores urbanos; catadores de resíduos sólidos. Visa também ao estímulo da produção e a comercialização, possibilitando a ampliação da renda e o desenvolvimento social, através do trabalho empreendedor, a partir da estruturação de ações em parceria com o Governo Federal, municípios e a sociedade civil. O Vida Melhor Urbano também é direcionado para pessoas prioritariamente inscritas no Cadastro Único do Governo Federal, na faixa etária de 18 a 60 anos, com renda familiar, por pessoa, de até meio salário mínimo. O público prioritário dessa modalidade do programa é composto por trabalhadores sem carteira assinada, trabalhadores autônomos, desempregados, trabalhadores de empreendimentos populares, povos e comunidades tradicionais. As ações do programa são operacionalizadas a partir da estruturação de Unidades de Inclusão Socioprodutiva (Unis), que constituem um serviço público de assistência técnica urbana para os empreendimentos informais. Essas unidades são responsáveis por fazer estudos de viabilidade econômica dos pequenos empreendedores individuais e familiares, além de encaminhá-los para acesso ao microcrédito e assistência técnica. Os beneficiários também podem ser contemplados com equipamentos padronizados (kits), fardamento, e disponibilidade de insumos. São serviços prestados pela Unis: a) assistência técnica continuada. b) transferência de equipamentos e insumos produtivos. c) microcrédito assistido. d) apoio à comercialização dos produtos e serviços. e) qualificação técnica para o desenvolvimento das atividades e 301 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira f ) articulação com outras políticas de proteção, promoção social e outras políticas públicas. Os agentes e técnicos da Unis acompanham, nas comunidades, os empreendimentos individuais e familiares. Em sua concepção, cada unidade contaria com 30 agentes e cinco consultores internos, e capacidade para atender de 1,8 mil a 2 mil empreendimentos. Os agentes escolhidos pertencem às comunidades onde as unidades são instaladas. Cada um deles acompanha cerca de 60 empreendimentos individuais e familiares, fazendo atendimento de porta em porta. A metodologia de trabalho utilizada busca induzir redes de articulação entre os pequenos empreendedores, fortalecendo-os. O ciclo do trabalho de assistência técnica, no âmbito do programa, dura 4 meses, período em que são desenvolvidos estudos de viabilidade econômica do empreendedor, contando com metodologia desenvolvida pela Universidade Católica da Bahia, baseada em redes de empreendedores. O programa também prevê a cessão de equipamentos para os empreendedores informais, embora o gestor da Sedes-BA entrevistado reconheça que, do ponto de vista metodológico, a doação do equipamento não é o ideal, pois desestimula o empreendedorismo. As entidades que operacionalizam as Unis são Organizações Sociais (OS), contratadas por meio de editais, sendo estabelecidos contratos de gestão. A operacionalização da modalidade urbana do programa foi iniciada em 2012 e contou com suporte técnico do Banco Mundial. Para tanto, a Sedes-BA firmou parcerias com o Sebrae local e a SICM-BA, com vistas a ofertar qualificação para os empreendedores informais. A parceria com esta última secretaria prevê a contratação de agentes nos mesmos bairros e unidades de operacionalização do programa, através das universidades estaduais. O programa conta também com parcerias junto ao Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Desenbahia e cooperativas que operam com microcrédito. Segundo a concepção do programa, as atividades tradicionais de microcrédito não seriam capazes de atender à população beneficiada pelo 302 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA programa, uma vez que esta é formada por população bastante vulnerável, incapaz de atender mesmo às exigências de organizações de microfinanças (o aval solidário seria um impedimento, assim como a necessidade de ter nome limpo em cadastros de crédito). Desta forma, o programa prevê a constituição de fundos rotativos solidários; quando encerrada a etapa de assistência técnica, o empreendedor é encaminhado ao fundo. O grupo formado em torno do crédito rotativo tem autonomia para definir uso do fundo, que não é bancarizado. As redes que se formam em torno do fundo rotativo fazem reuniões periódicas para definir cotação de preços de insumos comuns, que serão comprados com os recursos do fundo, fortalecendo também, desta forma, a rede de empreendedores. No âmbito do Programa Vida Melhor, existe também parceria com a Setre-BA, através da Sesol, com vistas a ofertas assistência e qualificação em cooperativismo. Essa secretaria mantém, desde 2013, contratos com entidades ofertantes de cursos, com tal propósito. Várias ações do programa são previstas no Plano Plurianual (PPA) 2016-2019 do estado da Bahia, podendo ser destacadas: a) capacitar 20.000 empreendedores individuais da economia popular e solidária do programa CrediBahia. b) implantar sistema de finanças solidárias, ampliando e integrando a rede de bancos comunitários, fundos rotativos e cooperativas de crédito. c) disponibilizar linhas de financiamento a microempreendedores e instituições repassadoras de microcrédito para o Programa Vida Melhor (BAHIA, 2011). 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A integração entre as ações do sistema público de emprego, principalmente com as políticas de geração de trabalho e renda como as políticas de apoio ao empreendedorismo, economia solidária e micro303 Franco de Matos | Márcia de Albuquerque Rosalvos Thaís Rozas Teixeira crédito, segue constituindo um desafio para o aperfeiçoamento do sistema e sua efetiva atuação. Constatam-se experiências estaduais com esse propósito que vêm obtendo avanços, e que merecem ser mais bem estudadas com vistas a servir de modelo para outras unidades federativas, e mesmo para as políticas em âmbito federal. Neste documento, procurou-se apresentar iniciativas de integração de políticas de emprego no estado da Bahia, como boa prática a ser aprofundada. Contudo, os esforços de integração de políticas continuam enfrentando obstáculos, em âmbito federal e estadual, que precisam ser trabalhados a partir de uma agenda de políticas públicas específica, a qual aborde principalmente as seguintes questões: 1. Desarticulação no Planejamento: Os próprios instrumentos de planejamento não favorecem a integração das políticas, programas e ações de política de emprego e inclusão produtiva, pois não preveem metas integradas de execução, nem sistemáticas de interação entre os diversos executores dessas políticas; 2. Desarticulação dos Instrumentos Jurídicos e Financeiros: Verificam-se, via de regra, descasamentos entre períodos de execução de programas e ações complementares, uma vez que nem seus instrumentos jurídicos (convênios, editais, etc.), nem suas programações financeiras, são articuladas, tornando a execução fragmentada; 3. Desarticulação nos Sistemas de Gestão: Os sistemas de gestão, que permitem o acompanhamento dos programas, não se encontram integrados. Cada programa federal ou estadual normalmente conta com um sistema de gestão – como é o caso no âmbito federal para Sistema Mais Emprego, para a execução das ações no âmbito do Sine; Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica (Sistec), para as ações do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) – não havendo interfaces entre eles, que permitam um acompanhamento integrado das ações, gerando assim duplicações de esforços e sombreamentos de execução; 304 INTEGRAÇÃO ENTRE POLÍTICAS DE EMPREGO E DE INCLUSÃO PRODUTIVA – INICIATIVAS DO ESTADO DA BAHIA 4. Desarticulação das Políticas na Esfera Federal: Mesmo em âmbito federal, as políticas e programas de emprego e de inclusão produtiva não se encontram articulados, reproduzindo, na esfera estadual, o mesmo problema. Ademais, constata-se um desconhecimento em âmbito federal das iniciativas de integração de políticas, que são operadas em âmbito subnacional, dificultando a difusão de boas práticas. Entende-se que somente o enfrentamento dessas principais considerações numa agenda nacional poderá promover avanços na integração entre políticas de emprego e de inclusão produtiva. REFERÊNCIAS BAHIA. Agenda Bahia do trabalho decente. Salvador, 2011. ______. Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão da Bahia. Plano Plurianual: 2016-2019. Salvador, 2011. ______. Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte. Observatório do Trabalho da Bahia. A Informalidade no mercado de trabalho da Bahia nos anos 2000: Contrato de Prestação de Serviços Nº 004/2011 – SETRE-BA e DIEESE. Salvador: DIEESE, 2013. Disponível em: <http://geo.dieese.org.br/ bahia/estudos/informalidade_2013.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017. ______. Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte. Observatório do Trabalho da Bahia. 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