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O restauro do complexo monumental do Templo-Catedral de Pozzuoli

2008, Pós. Revista do programa de pós¬graduacào em arquitetura e urbanismo da FAUUSP, 2008, 23, pp. 187-193

pós-23 revista do programa de pós-graduação em arquitetura e urbanismo da fauusp junho – 2008 ISSN: 1518-9554 pós n. 23 r e vista do programa d e pós-grad u ação e m arq u it e t u ra e u rbanismo da fa uu sp junho 2008 ISSN 1518-9554 Ficha Catalográfica 720 P84 PÓS – Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP/Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Comissão de Pós-Graduação – v.1 (1990)- . – São Paulo: FAU, 1990 – v.: 27 cm n. 23, jun. 2008 Issn: 1518-9554 1. Arquitetura - Periódicos I. Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Comissão de Pós-graduação. III. Título 20.ed. CDD 720 Serviço de Biblioteca e Informação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP PÓS n. 23 Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP (Mestrado e Doutorado) Rua Maranhão, 88 – Higienópolis – 01240-000 – São Paulo Tels. (11) 3257-7688/7837 ramal 30 e-mail: rvposfau@usp.br Home page: www.usp.br/fau/revistapos Indexação: Índice de Arquitetura Brasileira Qualis A Nacional Capes Apoio: Capes: Apoio ao Programa de Pós-Graduação PÓS n. 23 Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP junho 2008 Universidade de São Paulo Reitora Profa. Dra. Suely Vilela Vice-Reitor Prof. Dr. Franco Maria Lajolo Pró-Reitor de Pós-Graduação Prof. Dr. Armando Corbani Ferraz Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Diretor Prof. Dr. Sylvio Barros Sawaya Vice-Diretor Prof. Dr. Marcelo de Andrade Roméro Comissão de Pós-Graduação Presidente Profa. Dra. Maria Angela Faggin P. Leite Vice-presidente Profa. Dra. Maria Lucia Caira Gitahy Prof. Dr. Carlos Egídio Alonso Prof. Dr. Eduardo Alberto Cusce Nobre Profa. Dra. Helena Aparecida Ayoub Silva Profa. Dra. Maria Cristina da Silva Leme Profa. Dra. Maria Lúcia Refinetti Rodrigues Martins Profa. Dra. Sheila Walbe Ornstein Prof. Dr. Vladimir Bartalini Profa. Dra. Clice de Toledo Sanjar Mazzilli (Suplente) Prof. Dr. Eduardo de Jesus Rodrigues (Suplente) Prof. Dr. Francisco Spadoni (Suplente) Profa. Dra. Joana Carla Soares Gonçalves (Suplente) Prof. Dr. João Sette Whitaker Ferreira (Suplente) Prof. Dr. Luís Antonio Jorge (Suplente) Prof. Dr. Mário Henrique D’Agostino (Suplente) Prof. Dr. Nabil Bonduki (Suplente) Profa. Dra. Regina Meyer (Suplente) Representante Discente na CPG Silvana Zioni Comissão Editorial Profa. Dra. Denise Duarte – Editora-chefe Prof. Dr. Carlos Zibel Costa Prof. Dr. Eduardo Alberto Cusce Nobre Prof. Dr. Eduardo de Jesus Rodrigues Prof. Dr. Euler Sandeville Júnior Prof. Dr. João Carlos de Oliveira César Profa. Dra. Maria Cristina da Silva Leme Profa. Dra. Maria Irene Szmrecsanyi Profa. Dra. Maria Lúcia Refinetti Rodrigues Martins Profa. Dra. Rebeca Scherer Profa. Dra. Vera Pallamin Conselho Editorial Antonio Carlos Zani (Centro de Tecnologia e Urbanismo – UEL) Azael Rangel Camargo (EESC/USP) Celso Monteiro Lamparelli (FAUUSP) Eduardo de Almeida (FAUUSP) Ermínia Maricato (FAUUSP) Flávio Magalhães Villaça (FAUUSP) Luiz Carlos Soares (Universidade Federal Fluminense – UFF) Jorge Fiori (Department of Housing and Urbanism – Architectural Association – Londres) Júlio Roberto Katinsky (FAUUSP) Maria Flora Gonçalves (Nesur-Unicamp) Maria Lúcia Caira Gitahy (FAUUSP) Maria Ruth Amaral de Sampaio (FAUUSP) Nestor Goulart Reis Filho (FAUUSP) Paulo A. Mendes da Rocha (FAUUSP) Pedro George (Universidade Técnica de Lisboa – Portugal) Ricardo Tena Nuñez (Escuela Superior de Ingenieria y Arquitectura – ESIA – México) Sheila Walbe Ornstein (FAUUSP) Silvio Soares Macedo (FAUUSP) Sonia Marques (PPGAU – UFRN) Wrana Panizi (UFRGS) Yvonne M. M. Mautner (FAUUSP) Jornalista Responsável Izolina Rosa (MTb 16199) Cronograma de Teses e Dissertações Diná Vasconcelos Tradutores Márcia Regina Choueri – Espanhol Rainer Hartmann (Kilter) – Inglês Projeto Gráfico e Imagens das Aberturas Rodrigo Sommer Foto da Capa Cristiano Mascaro Sumário 1 apr e s e ntação 007 Denise Duarte 2 d e poim e ntos 010 6 0 A N O S DA F AU U S P Sylvio Barros Sawaya João da Gama Filgueiras Lima (Lelé) Sérgio Ferro Nadia Somekh Gilberto Belleza Ruth Verde Zein Wilson Ribeiro dos Santos Junior (Caracol) Francine Sakata Paulo von Poser Nelson Baltrusis Daniel Catelli Amor Ângelo Marcos Vieira de Arruda Cristiano Mascaro Paulo Caruso 3 artigos 034 DOMO DE IZUMO: ESTUDOS INTEGRADOS SOBRE ARQUITETURA, ESTRUTURA E CONSTRUÇÃO M a r t a E t s u k o Ta m u r a W a r a g a y a 05 2 P E R C E P Ç Ã O A M B I E N TA L E M U DA N Ç A S N O E S PA Ç O P Ú B L I C O N O PA R Q U E M E T RO P O L I TA N O D O A B A E T É E M S A LVA D O R / B A Ana Almeida 070 E S PA Ç O, T E M P O E L U G A R 084 A PA I S A G E M U R B A N A C O M O S I S T E M A D E C O M U N I C A Ç Ã O : U M O L H A R PA R A A C I DA D E D E S Ã O PAU L O Carmem Maluf Maria Ogécia Drigo Luciana Coutinho Pagliarini de Souza 10 0 A N Á L I S E D I R E C I O N A L D O C R E S C I M E N T O U R B A N O DA R E G I Ã O M E T RO P O L I TA N A D E S Ã O PA U L O E N T R E 1 9 0 5 E 2 0 0 1 , U T I L I Z A N D O - S E A D I M E N S Ã O F R A C TA L Mara Lúcia Marques 12 0 V A Z I O S U R B A N O S C O M O VA Z I O S D E P R E S E RVA Ç Ã O : F R A N C O DA RO C H A N A S T E R R A S DE JUQUERI 14 0 O R N A M E N TA Ç Ã O M O D E R N I S TA : A A Z U L E J A R I A D E P O RT I N A R I N A I G R E J A DA PA M P U L H A Iná Rosa Rafael Alves Pinto Junior 15 6 I N O VA R E C O N S E RVA R : A A M B I G Ü I DA D E N O M O N U M E N T O C O N S T I T U C I O N A L I S TA Anna Maria Abrão Khoury Rahme 16 6 E N T R E O D O C U M E N TA L E O S U G E S T I V O O J A R D I M DA C A S A D E D O N A YAY Á Vladimir Bartalini 4 conferência na fauusp 18 4 S E M I N Á R I O D E E S T U D O S S O B R E R E S TAU RO A R Q U I T E T Ô N I C O : Q U E S T Õ E S RECENTES NA ITÁLIA Beatriz Mugayar Kühl Alessandro Pergoli Campanelli Alessandra Cerroti Simona Salvo 5 eventos 214 O P RO C E S S O D E P RO J E T O, WO R K S H O P N A FAU U S P : E X P E R I M E N T O S DA A R C H I T E C T U R A L A S S O C I AT I O N S C H O O L O F A R C H I T E C T U R E , D E L O N D R E S , E DA F AC U L DA D E D E A R Q U I T E T U R A E U R B A N I S M O DA U N I V E R S I DA D E D E S Ã O PAULO Joana Carla Soares Gonçalves 219 I I C I N C C I – C O L Ó Q U I O I N T E R N A C I O N A L S O B R E C O M É R C I O E C I DA D E : U M A RELAÇÃO DE ORIGEM HELIANA COMIN VARGAS n ú cl e os, laboratórios de p e sq u isa e 6 s e rviços d e apoio da fa uu sp 224 L A B O R AT Ó R I O D E I N F O R M AT I Z A Ç Ã O D E A C E RV O ( L A B A R Q ) Marlene Yurgel 7 r e s e nhas 234 G E O M E T R I A S S I M B Ó L I C A S DA A R Q U I T E T U R A Vera M. Pallamin 8 comunicados 240 245 T E S E S E D I S S E RTA Ç Õ E S N O R M A S PA R A A P R E S E N TA Ç Ã O D E T R A B A L H O S N O R M A S PA R A P R E S E N TA C I Ó N D E T R A B A J O S RULES FOR SUBMITTING PAPERS Notas (1) BRANDI, Cesare. Teoria da restauração . Cotia: Ateliê, 2004, p. 25-33. (2) Paul Philippot entende a restauração como interpretação crítica que não se deve limitar a uma expressão verbal, mas se exprimir em ação (Cf. PHILIPPOT, Albert; PHILIPPOT, Paul. Le problème de l’intégration des lacunes dans la restauration des peintures. Bulletin de l’Institut Royale du Patrimoine Artistique , Bruxelas, v. 2, p. 5-19, 1959), que remontam a Cesare Brandi. Este apresenta o restauro como processo de “crítica filológica”, ou “filologia em ação”, como um problema metodológico, antes de tornar-se técnico, por causa dos elementos de “hipótese crítica” a entrarem em jogo para se enfrentar problemas, tais como o tratamento de lacunas e remoção de adições (Cf. BRANDI, Cesare. L’Institut Central pour la restauration d’œuvres d’art a Rome. Gazette des beaux-arts , Paris, v. 43, p. 42-52, 1954) . (3) CARBONARA, Giovanni. Alcuni temi di restauro per il nuovo secolo. In: CARBONARA, G. (Org.) Trattato di restauro architettonico. Primo aggiornamento. Torino: Utet, 2007, p. 1-50. Beatriz Mugayar Kühl Professora do Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto e professora orientadora do curso de pós-graduação da FAUUSP. O restauro do complexo monumental do Templo Catedral de Pozzuoli Alessandro Pergoli Campanelli Tradução: Beatriz Mugayar Kühl Por ocasião do Seminário de Estudos sobre Restauro Arquitetônico: Questões Recentes na Itália (FAU-Maranhão, 7 a 10 de agosto de 2007) foram apresentados os resultados de um concurso internacional 1 realizado na Itália, em 2004, para a restauração do complexo monumental templocatedral da antiga acrópole de Pozzuoli, mais conhecida como Rione Terra. Essa iniciativa, por uma série de circunstâncias afortunadas, representa um evento excepcional no variado panorama do restauro arquitetônico italiano, particularmente oportuno para ilustrar, aos colegas brasileiros, a complexidade dos temas e a amplidão do debate teórico e técnico presentes na Itália. A própria escolha da administração, responsável pela realização de um concurso internacional para encontrar a melhor solução que restituísse, ao uso cotidiano, um importante complexo monumental, representa, por si, uma circunstância singular e digna de nota. A grande qualidade das propostas apresentadas demonstrou também como, ao projetar uma intervenção delicada de restauro, é possível recorrer, com vantagens, ao sistema dos concursos de arquitetura, desde que, como nesse caso, o regulamento preveja uma seleção dos grupos convidados a privilegiarem critérios autenticamente culturais e não-econômicos, nem de mero lucro. O próprio tema do concurso merece ser atentamente estudado pela grande complexidade do estado atual do monumento – uma catedral barroca construída sobre um antigo templo romano, com substanciosas partes de restauro realizadas nos anos 60 e 70 pelo arquiteto Ezio De Felice, no interior de uma rica área arqueológica – e pela aparente incompatibilidade das demandas de projeto existentes no edital. A catedral, em parte demolida, deverá voltar a desenvolver as funções de culto, sendo, contemporaneamente, solicitada a valorização do confe rências • p. 184-211 pós- 187 sempre únicos e não-reproduzíveis, sendo o restauro um ato crítico, alicerçado na história e na filosofia. O ciclo de conferências, com aprofundada discussão conceitual e de uma rica variedade de casos de estudos, ofereceu, dessa forma, um arcabouço teórico metodológico para o tratamento dos bens culturais como um todo. Insistiu-se, ademais, na necessidade de entender-se a obra arquitetônica não apenas como “forma”, mas também em sua “consistência física”, e como ela repercute na conformação e no próprio devir das obras ao longo do tempo, de modo a fornecer elementos para uma intervenção coerente e responsável. Nos artigos que se seguem, são explorados alguns dos temas apresentados no ciclo de conferências: Alessandro Pergoli Campanelli trata das tendências atuais do restauro na Itália, pelo exame do concurso para a Catedral de Pozzuoli; Alessandra Cerroti aborda o problema dos conjuntos habitacionais públicos em Roma e sua preservação; Simona Salvo, por fim, examina as intervenções na arquitetura contemporânea como tema emergente no campo do restauro. pós- 188 templo antigo que, tornando-se de novo legível, poderá ser apreciado a partir dos percursos arqueológicos. Como se tudo isso não bastasse para evidenciar um compêndio daquilo que de mais difícil se possa apresentar em um projeto de restauro arquitetônico, deve-se ainda recordar: toda a área é sujeita a freqüentes e perigosos bradissismos e fenômenos sísmicos. A realização de 12 propostas, muito diversas entre si, apesar de serem todas expressão do trabalho de grupos interdisciplinares, compostos por eminentes estudiosos da disciplina e por profissionais a contarem, em sua bagagem, com numerosos trabalhos no setor de restauro, demonstra como também, em qualquer intervenção que seja, de fato, pertinente à tutela e preservação de bens arquitetônicos, existem escolhas importantes a derivarem das diversas abordagens projetuais. Por conseguinte, também o projeto vencedor representa, no melhor dos casos, uma entre tantas hipóteses possíveis e corretas e jamais a única inequivocamente “certa”, como amiúde se quer fazer acreditar na tentativa de conduzir a intervenção nos monumentos – ou, de modo mais geral, nos bens culturais – a uma unívoca e acrítica aplicação de regras e tecnologias. Escolheu-se, pois, apresentar não apenas o projeto vencedor, que possui, como dito, outras alternativas igualmente válidas, mas também documentar o panorama do restauro arquitetônico na Itália, exatamente pelo confronto direto entre os projetos dos 12 grupos selecionados para o concurso. Atualmente, na Itália, podem ser reconhecidas pelo menos três orientações doutrinárias diversas pertinentes ao amplo debate, acadêmico e operacional, sobre a teoria da restauração2 . Além do chamado “restauro crítico”, desenvolvido no país a partir dos anos 50, e levado adiante em grande parte na Universidade de Roma La Sapienza, em linha ininterrupta que passa por Cesare Brandi, Renato Bonelli, Giuseppe Zander, Gaetano Miarelli Mariani até Giovanni Carbonara, para citar apenas os principais expoentes, é possível reconhecer outras duas posições que evidenciam, por um lado, os aspectos documentais e conservativos e, por outro, aqueles estético-repristinatórios. São conhecidas, respectivamente, como “pura conservação” – teorizada por Marco Dezzi Bardeschi e Amedeo Bellini, ambos docentes da Faculdade de Arquitetura do Politécnico de Milão, preconizadores de uma postura de absoluto respeito pela matéria antiga da obra e de sua complexa estratificação histórica, a aceitar complementos e acréscimos contemporâneos, até mesmo em forte contraste com a imagem completiva do monumento – e a outra, “manutençãorepristinação”, com Paolo Marconi, entre seus principais teóricos, docente de restauro na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma Tre e partidário de uma linha de restauro a qual privilegia a apreciação estética do monumento, em sua formulação arquitetônica originária, autorizando, inclusive, operações parciais de reconstrução “em estilo” e de refazimento das superfícies externas. O concurso de Pozzuoli é, sob esse ponto de vista, particularmente significativo, pois representou a oportunidade de ver em ação quase todos os expoentes dessas três diversas linhas, no interior dos grupos convidados a participar da fase final do concurso. Se, com efeito, na apresentação do edital, elaborada por Giovanni Carbonara, são expressos, com clareza, os princípios da atual vertente “críticoconservativa” ao tema da restauração, foi garantida, ao mesmo tempo, a máxima abertura às diversas linhas, com a participação, por um lado, de Marco Dezzi Bardeschi, e, por outro lado, de Paolo Marconi, sem considerar todos os outros grupos nos quais estavam presentes muitos prestigiosos expoentes das diversas escolas. O objeto do concurso é um monumento composto (Figuras 1 e 2), como mencionado anteriormente, por um templo romano de período augustal (o provável Capitolium3 da colônia romana de Puteoli, realizado com base naquilo que consta em uma antiga inscrição, pelo arquiteto Lucio Cocceio Aucto) no qual, após sucessivas adaptações e estratificações, surgiu uma importante catedral barroca 4 . O antigo edifício foi adaptado como igreja (dedicada ao mártir cristão S. Procolo) de modo substancialmente respeitoso (a menção mais antiga remonta a um documento de 1026). A época em que foram realizadas as primeiras intervenções estruturais é incerta (final do século 13, início do século 14), com a criação de algumas capelas adossadas no exterior das paredes perimetrais; seguramente, a fachada setentrional do templo pós n.23 • são paulo • junho 20 08 Figura 2: Catedral de Pozzuoli. Entrada do complexo arquitetônico Crédito: Foto de Alessandro Pergoli Figura 1: Catedral de Pozzuoli. Levantamento métricoarquitetônico do monumento. Corte longitudinal Fonte: Material de divulgação do concurso pós- Figura 3: Catedral de Pozzuoli. A cúpula da capela barroca do Santíssimo Sacramento convive com as antigas colunas do templo de Augusto Crédito: Foto de Alessandro Pergoli Figura 4: Catedral de Pozzuoli. Importantes elementos ornamentais barrocos foram saqueados, em decorrência do longo abandono do monumento Crédito: Foto de Alessandro Pergoli confe rências • p. 184-211 189 (aquela reproduzida por Sangallo no final do século 15) permaneceu visível até 1632, quando o bispo Martín de León y Cárdenas encomendou uma nova sistematização da catedral (realizada em três etapas sucessivas, entre 1632 e 1649) que, com efeito, escondeu por completo o edifício antigo sob a decoração e estuques barrocos sem, no entanto, promover obras de demolição sistemática das antigas estruturas. O templo romano sobreviveu, pelo menos de modo parcial, no interior da nova construção realizada, mantendo, em seu interior, grande parte do precioso material marmóreo antigo. Nos séculos seguintes, a catedral passou por ulteriores embelezamentos os quais enriqueceram seu interior até que, em 1964, um violento incêndio causou o desabamento de algumas paredes, a destruição do teto e de boa parte dos revestimentos, trazendo novamente à vista algumas colunas, a arquitrave e as paredes da cela do antigo edifício (Figuras 3 e 4). Análises sucessivas permitiram identificá-lo como um templo, originariamente com lados de cerca de 24 por 15 m, com uma cela quadrada, nove colunas da ordem coríntia no lado maior e seis na fachada principal, com um modelo pseudo-períptero. A “falsa” colunata é, porém, adossada nas paredes da cela, de modo a simular uma verdadeira; as colunas possuíam, na origem, função portante, uma vez que as paredes da cela, de reduzida espessura, comportavam-se, na verdade, como simples vedação. A construção, como um todo, eleva-se sobre um alto pódio que engloba os restos de um edifício precedente, identificável como um primitivo capitolium do período republicano e encontra-se no pós- 190 ponto mais alto da acrópole a partir do qual, antigamente, era possível avistar o mar. O entusiasmo pela descoberta de um importante templo romano datável do século I a.C., com a perda de grande parte das decorações barrocas, convenceu a administração estatal de tutela da oportunidade de focalizar o restauro em premissas arqueológicas, mesmo em detrimento de muitas porções restantes do conjunto barroco, que foram demolidas5. A intervenção sucessiva de restauro foi realizada pelo arquiteto Ezio De Felice, com o arquiteto Paolo Di Monda e o engenheiro Mario Cappelli, que empreenderam uma primeira consolidação do templo, com a inserção de elementos de ferro (nas bases, nas colunas, nos capitéis e no entablamento) e a realização de um apoio de concreto armado sobre microestacas. Particularmente interessantes, também do ponto de vista estético, são as reintegrações de concreto armado dos fustes das colunas (Figura 5). Foi, então, realizada uma cobertura metálica para a proteção temporária do canteiro de restauro (Figura 6). Os trabalhos foram suspensos em 1972 e, sucessivamente, novas escavações arqueológicas trouxeram à luz outros fragmentos marmóreos pertencentes ao templo romano, dos quais, no entanto, não se conseguiu determinar com absoluta certeza a posição originária. Esse, em grandes linhas, era o estado, de fato, do monumento quando, pressionados pela urgência de realizar ulteriores obras de consolidação estrutural e pela vontade de dar nova vida e funcionalidade ao monumento, foi tomada a resolução de realizar um concurso internacional para estabelecer as delicadas – em virtude da extrema complexidade do projeto – intervenções de restauro. A idéia de restituir a função de culto ao templocatedral nasceu a partir de um programa mais amplo que prevê repovoar e valorizar, também do ponto de vista turístico, o Rione Terra (uma primeira fase das obras já realizadas é visível nos percursos arqueológicos projetados pelo grupo Gnosis6 ), quase inteiramente abandonado depois do terremoto dos anos 70. Concretizou-se, assim, a vontade, política e cultural, de conceder novamente, à estrutura barroca, sua função de culto (reintegrando, onde possível, as partes remanescentes) e, conjuntamente, promover uma melhor fruição das preexistências arqueológicas, requerendo dos projetistas a promoção de uma unidade arquitetônica nessa complexa série de problemas, com a ajuda de um grande número de consultores qualificados. O concurso exigia, com efeito, como requisito principal, a composição de um amplo grupo interdisciplinar constituído, pelo menos, por um arqueólogo, um historiador da arquitetura especializado em Renascimento e Barroco, um liturgista, um arquiteto especializado em restauração de monumentos, um especialista em estruturas, outro Figura 5: Catedral de Pozzuoli. Uma imagem do canteiro de obras. Desatacam-se as reintegrações dos anos 60 Crédito: Foto de Alessandro Pergoli Figura 6: Catedral de Pozzuoli. Interior do edifício, com a cobertura temporária colocada no restauro de De Felice Crédito: Foto de Alessandro Pergoli pós n.23 • são paulo • junho 20 08 Corvino), Ludus absentiae et presentiae (O jogo da ausência e da presença – coordenação de Pasquale Culotta), Retenta ad memoriam vetustatis (Retidos para a memória da posteridade – coordenação de Donatella Fiorani), Tempio e cattedrale – Compositio oppositorum (Templo e catedral composição dos opostos – coordenação de Paolo Marconi), Avendo cura (Cuidando com atenção – coordenação de Tobia Scarpa). Uma pormenorizada exposição dos 12 projetos deve, necessariamente, ser extensa e não pode, por evidentes problemas de espaço, ser feita neste artigo. Cada projeto mereceria uma tratativa própria, acompanhada de rica documentação iconográfica. Escolheu-se, pois, apresentar sumariamente algumas características de três projetos, representativos das diversas vertentes do restauro na Itália, apresentadas acima. O primeiro é o vencedor do concurso, Elogio del palinsesto; um projeto, como se vê no próprio mote, que se propõe a manter as numerosas estratificações a marcarem a vida do complexo, incluindo as últimas adições modernas de De Felice, favorecendo seu arraigamento recíproco (Figuras 7 e 8). As novas adições são declaradamente contemporâneas, podendo, mesmo, representar uma ulterior estratificação no monumento: a colunata romana foi fechada com grandes placas de vidro estrutural que deveriam repropor a transparência dos intercolúnios antigos (as colunas faltantes serão reproduzidas por serigrafia) e também recriar um espaço interno protegido para as funções litúrgicas. No teto, foi sugerida uma simplificação dos antigos caixotões que delimitam a exata volumetria do templo romano. A cota do pavimento foi habilmente unificada por um plano inclinado – a unir o presbitério barroco, situado mais embaixo, ao originário nível do templo –, sobre o qual se encontram os assentos da nova igreja; estes últimos, na verdade bancos fixos de madeira, comportam-se quase como um “encrespamento” do pavimento, também em madeira, e evidenciam com simplicidade e clareza, também nos materiais, a nova adição, enquanto um piso marmóreo recorda a parte ocupada pelo antigo pronau. Essa elevação do pavimento permite, ao mesmo tempo, que sob ela se conservem os confe rências • p. 184-211 pós- 191 em instalações, além, obviamente, do arquiteto coordenador do grupo, com outros eventuais projetistas. No que concerne à abordagem metodológica, o edital determinava, em sua abertura, o respeito pelos princípios-guia basilares da intervenção, os quais deveriam ser considerados, nessa altura, amplamente adquiridos, pelo menos na Itália, na moderna teoria do restauro científico, tais como: a subordinação da obra, como um todo, à conservação mais ampla possível do monumento; o critério da “mínima intervenção” e do respeito pela autenticidade da obra; a reversibilidade, pelo menos potencial; a distinguibilidade, a atualidade expressiva e a compatibilidade físico-química e figurativa das novas adições; o respeito pelas estratificações, assim como pelos testemunhos ditos “menores”. As diretrizes arqueológicas dadas por Giuliana Cavalieri Manasse 7 , também parte do edital, tinham orientação ligeiramente diversa, sugerindo, ao contrário, uma “repristinação” das “linhas essenciais da construção antiga”, imaginada, de certa forma, como independente das complexas estratificações sucessivas, não raro de qualidade e, de todo modo, de indubitável valor histórico. Trata-se de um tema difícil, a evidenciar a dificuldade de fazer escolhas coerentes guiadas por princípios inspiradores freqüentemente em conflito entre si. O primeiro prêmio (100.000 euros, além da designação de elaborar o projeto definitivo) foi concedido ao grupo Elogio del palinsesto (Elogio do palimpsesto), com coordenação de Marco Dezzi Bardeschi; o segundo (60.000 euros) foi outorgado ao grupo que tinha como mote In cielo e in terra (Assim no céu como na terra), coordenado por Guido Batocchioni; o terceiro (45.000 euros) foi conferido ao grupo com a divisa Est modus in rebus (Há uma medida nas coisas), coordenação de Luca Zevi. Os outros nove grupos convidados para a segunda fase do concurso são, por ordem alfabética, aqueles com lema: Genius loci (coordenação de Alessandro Anselmi), Dulce ad summas emergere opes (Agradavelmente se elevar para grandes riquezas – coordenação de Corrado Bozzoni), Facemmo ali al folle volo (Demos asas ao vôo desmedido, ou Demos asas à imaginação – coordenação de Stella Casiello), Tertium quid (Pela terceira vez – coordenação de David Chippelfield), Vino nuovo in otri nuovi (Vinho novo em odre novo – coordenação de Vincenzo Figura 7: Catedral de Pozzuoli. Uma prancha do projeto vencedor Fonte: Material de divulgação do concurso pós- 192 Figura 8: Catedral de Pozzuoli. Uma prancha do projeto vencedor Fonte: Material de divulgação do concurso Figura 9: Catedral de Pozzuoli. Imagem do projeto do grupo In cielo e in terra , coordenado por Guido Batocchioni Fonte: Material de divulgação do concurso Figura 10: Catedral de Pozzuoli. Imagem do projeto Tempio e cattedrale – Compositio oppositorum (coordenação de Paolo Marconi) Fonte: Material de divulgação do concurso pós n.23 • são paulo • junho 20 08 sem salientar ainda mais, no interior, sua composição heterogênea, metade pagã, metade cristã”, enquanto “de longe o frontão tornará a projetar-se com sua composição de templo clássico, compreendendo os capitéis renovados, que emergem do teto transparente do vestíbulo de ingresso”. Notas (1) Para consultar o edital e os projetos apresentados, ver o sítio http://www.acmaweb.com/CONCORSO-POZZUOLI e a publicação Tempio duomo di Pozzuoli progettazione e restauro , Nápoles, 2006. (2) Para uma exposição ampla sobre o assunto, ver: CARBONARA, G. Orientamenti del restauro in Italia, sviluppi attuali, L’architetto italiano , v. II, n. 7, 2005, p. 66-69; Che Cos’è il restauro? Nove studiosi a confronto, da un’idea di B. P. Torsello, Veneza, 2005; CARBONARA, G. Entrevista. In: MASCARENHAS MATEUS, J. A conservação urbana em Itália, Lisboa futura , n. 3, 2004, p. 64-65. (3) Segundo alguns autores, o templo poderia ser dedicado a Apolo; para outros, seria, ao contrário, voltado ao culto do imperador Augusto; esta última atribuição é baseada na interpretação de uma inscrição existente na fachada até o século 16 (L CALPURNIUS L F TEMPLUM AUGUSTO CUM ORNAMENTIS D S F), inscrição gravemente danificada e suscetível de interpretações diversas. Para uma análise mais aprofundada, ver: I Campi Flegrei, un itinerario archeologico , Nápoles: Marsilio, 1990; Guida di Pozzuoli e del suo territorio . Pozzuoli: Comune di Pozzuoli, 1986; ADINOLFI, R. I Campi Flegrei nell´antichità 1 ( Pozzuoli e Cuma). Pozzuoli: Secretaria de Turismo, 1978; CASTAGNOLI, F. Topografia de Campi Flegrei; Atti dei convegni lincei, Roma, n. 33, p. 42-79, 1977; MAIURI, A. I Campi Flegrei (dal Sepolcro di Virgilio all´antro di Cuma) . Roma: Istituto Poligrafico dello Stato, p. 34-35, 1963. (4) Na Itália, tais estratificações complexas são bastante freqüentes. Um caso análogo na região da antiga Magna Grecia é, por exemplo, aquele da catedral de Siracusa (construída no século 7 d.C., utilizando as estruturas do precedente templo dórico de Atenas). (5) O fato de depois de poucos anos (pouco mais de 30 anos, um período de tempo irrisório em relação à vida de monumentos tão antigos) ter-se mudado drasticamente de opinião sobre o tipo de intervenção a ser realizada, deveria promover a reflexão de qualquer um que queira se aproximar dos temas da restauração sobre a necessária consciência de sua estreita ligação com opiniões e avaliações mutáveis no decorrer do tempo. (6) CASTAGNARO, A. Antico e nuovo, il caso del Rione Terra di Pozzuoli, AR , v. XXXIX, n. 53, 2004, p. 27-30. (7) CAVALIERI MANASSE, G. Linee generali per il recupero del cosiddetto tempio di Augusto a Pozzuoli, texto de orientação anexado ao edital do concurso. Alessandro Pergoli Campanelli Professor arquiteto da Faculdade de Arquitetura Valle Giulia da Università degli Studi di Roma “La Sapienza”. Atualmente, desenvolve doutorado desde 2006, em História e Restauro da Arquitetura, na mesma instituição. confe rências • p. 184-211 pós- 193 remanescentes do pódio do período republicano. No exterior, um novo campanário, inconfundivelmente contemporâneo e em contraste explícito com as estruturas preexistentes, anuncia a retomada da função litúrgica. O segundo projeto escolhido é In cielo e in terra (coordenado por Guido Batocchioni) o qual, diferente do anterior, é figurativamente mais discreto e pode ser considerado representativo da atual tendência “crítico-conservativa”; escolhas miradas à conservação das partes remanescentes antigas unemse a um sofisticado emprego dos materiais, em parte tradicionais, em parte contemporâneos (Figura 9). Externamente, procurou-se restituir a imagem do antigo templo, repropondo, de modo indicativo, o pronau, a ser utilizado como átrio e alpendre da igreja. Tal escolha se estende também à fachada principal, com a recolocação in situ dos remanescentes mais significativos, a reproposição da decoração arquitetônica nos ângulos do coroamento e a retomada do primeiro intercolúnio. Escolhas consideradas admissíveis com base na necessidade de tornar compreensível a imagem do antigo templo, mitigadas pela presença, na confinidade da porção do templo reconstruída, das partes remanescentes da velha catedral. A cobertura foi concebida como elemento de união que, por uma única superfície contínua, ondulada e vibrante, reproduz os traços das subjacentes coberturas perdidas. Por último, vale a pena evidenciar as escolhas, manifestamente repristinatórias de uma imagem clássica perdida, propostas pelo projeto Tempio e cattedrale – Compositio oppositorum (coordenado por Paolo Marconi) que se considera exemplificativo da atual tendência chamada “manutençãorepristinação” (Figura 10). Como é possível ler no memorial do projeto, a vontade, declaradamente dissonante em relação às outras duas propostas, é a catedral voltar “a ser unificada ao templo augustal,