Nothing Special   »   [go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu

MEMÓRIA FERROVIÁRIA E CULTURA DO TRABALHO

MEMÓRIA FERROVIÁRIA E CULTURA DO TRABALHO conselho editorial Ana Paula Torres Megiani Eunice Ostrensky Haroldo Ceravolo Sereza Joana Monteleone Maria Luiza Ferreira de Oliveira Ruy Braga MEMÓRIA FERROVIÁRIA E CULTURA DO TRABALHO Perspectivas, métodos e perguntas interdisciplinares sobre o registro, preservação e ativação de bens ferroviários Eduardo Romero de Oliveira (organização) Copyright © 2017 Eduardo Romero de Oliveira Graia atualizada segundo o Acordo Ortográico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009. Edição: Haroldo Ceravolo Sereza Editora assistente: Larissa Polix Projeto gráico, diagramação e capa: Danielly de Jesus Teles Assistente acadêmica: Bruna Marques Revisão: Alexandra Colontini Imagens da capa: Área interna da antiga Oicina da Companhia Mogiana, em Campinas (SP), com vista para o pátio ferroviário abandonado e centro atual da cidade. Autoria de Eduardo Romero de Oliveira. Este livro foi publicado com apoio da Fapesp, nº do processo 2016/00718-7 cip-brasil. catalogação na publicação sindicato nacional dos editores de livros, rj m 487 memória ferroviária e cultura do trabalho: perspectivas, métodos e perguntas interdisciplinares sobre o registro, preservação e ativação de bens ferroviários Organização Eduardo Romero Oliveira - 1. ed. São Paulo : Alameda, 2017. 21 cm. Inclui bibliograia ISBN 978-85-7939-481-2 1. Brasil - História - I. Oliveira, Eduardo Romero de. II Título 17- 42537 cdd: 385.0981 cdu: 656.2(81) ALAMEDA CASA EDITORIAL RUA 13 DE MAIO, 353 – BELA VISTA CEP 01327-000 – SÃO PAULO, SP TEL. (11) 3012-2403 WWW.ALAMEDAEDITORIAL.COM.BR Sumário 7 Prefácio 9 Rumo a uma renovação metodológica e conceitual das relações entre história e patrimônio Julián Sobrino Simal 23 I. A multiplicidade histórica do ferroviário: processos, discursos e signos 25 Memória ferroviária: perspectivas e desaios na investigação multi e interdisciplinar sobre patrimônio cultural Eduardo Romero de Oliveira 69 Uma abordagem da História da Ferrovia no Brasil (1850- 1950): legislação, empresas e capitais britânicos Domingo Cuéllar, Eduardo Romero de Oliveira e Lucas Mariani Corrêa 121 Sobre a convergência de processos históricos e a gestão do patrimônio ferroviário (Brasil e Argentina) Mónica Ferrari e Eduardo Romero de Oliveira 147 Espaços de trabalho e produção ferroviária: estudos sobre termos técnicos ferroviários (São Paulo, 1868- 1930) Eduardo Romero de Oliveira e Ivanir de Azevedo Delvizio 181 Arqueologia da industrialização Juan Manuel Cano Sanchiz 217 II. A ativação como conservação do patrimônio feroviário: preservar, intervir e difundir 219 Laboratório americano de paisagens históricas da produção: o laboratório como proposta de experimentação e gesto contemporâneo Enrique Larive Lopez 237 A Estrada de Ferro Fulinense e a formação da região metropolitana de Campinas: um patrimônio de várias cidades Maria Cristina da Silva Schicchi, Renata Ocanha Góes e Ana Laura Evangelista 283 Arqueologia industrial, arqueologia pública e o patrimônio ferroviário: uma perspectiva histórica Pedro Funari e Tobias Vilhena 299 As bibliotecas dos museus ferroviários paulistas: diretrizes arquitetônicas a partir da avaliação pós ocupação Samir Hernandes 331 Rotas, circuitos e itinerários: a aplicação de novas categorias patrimoniais e turísticas no Brasil Eduardo Romero de Oliveira e Renata Maria Ribeiro Prefácio Os textos presentes neste livro consolidam uma trajetória de pesquisa e resultados sobre a preservação sobre o patrimônio ferroviário no estado de São Paulo. Ao mesmo tempo, apontam uma agenda de pesquisa para os próximos anos, linhas de pesquisa possíveis de desenvolvimento pelos pesquisadores colaboradores nesta publicação ou pelo menos alguns exemplos de investigações sobre a temática do patrimônio ferroviário. A proposta deste livro surgiu do interesse de iniciar pesquisas conjuntas, proposto por pesquisadores do quilate de Pedro Paulo Funari (UNICAMP) e Maria Cristina Schicchi (PUC-Campinas). Dentre as possibilidades de investigações e a busca por temas interesse comuns, chegou-se ao patrimônio industrial ferroviário como a temática mais adequada para desenvolver estudos sobre preservação e educação patrimonial, além do turismo industrial. Somou-se a isso, a nossa colaboração já existente com investigadores estrangeiros sobre a mesma temática: Julián Sobrino Simal (Universidade de Sevilla), Domingo Cuéllar Villar (RENFE), Monica Ferrari (Universidad de Tucumán), Enrique Lopez (Universidad de Sevilla). Pesquisadores 8 Eduardo Romero de Oliveira (org.) cujo vigor de trabalho e esforço intelectual tem sido nossa referencia, e com o qual cultivamos grata amizade. Assim, entre o apuro intelectual e a empatia, izeram-se reuniões de trabalho, pequenos ensaios metodológicos e seminários ao longo de 2014 e 2015 para discutir linhas teóricas, frentes de pesquisa e metodologias. O acúmulo de resultados e experiências de pesquisa obtidos em investigações anteriores, trouxe a colaboração imediata de antigos colaboradores como Samir Hernandes (UNESP) e Ivani Delvizio (UNESP); e novos como Renata Maria Ribeiro (UNESP). Além de pós-doutorados e orientandos que se viram enredados no desenvolvimento das possibilidades, como Juan Manuel Cano Sanchiz (Pós-doutorando/UNESP), Tobias Vilhena (Pós-doutorando/UNICAMP), Lucas Mariani Corrêa (doutorando/ UNESP), Renata Ocanha Góes (mestre/PUC-Campinas), Ana Laura Evangelista (graduada/PUC-Campinas) - outros em participações ou atividades de apoio às equipes, como Isabela Frederico (doutoranda/UNICAMP), Ewerton Henrique de Moraes (mestre/UNESP), Priscila Kammilyn Araujo (mestranda/UNESP), Rafaela Rondon Rogato (mestranda/UNESP). Ao longo deste percurso, outros investigadores nacionais e estrangeiros acabaram também contribuindo com suas idéias ou troca de experiências, como Roger White (University of Birmingham), abrindo instigantes possibilidades futuras de investigação. As propostas aqui esboçadas neste livro são resultados dos percursos intelectuais, das colaborações pré-existentes e das amizades formadas aos longo de 2 anos de formulações das propostas. Assim com expressam o alto potencial de investigação na área das Humanidades, quando se sai da pesquisa individual isolada e nos aventuramos nas colaborações com equipes de pesquisa e instituições. Acreditamos que alguns temas atuais de pesquisa podem avançar muito com esta atitude. Arqueologia Industrial, Arqueologia Pública e o Patrimônio Ferroviário: uma perspectiva histórica Pedro Funari Tobias Vilhena UNICAMP Introdução O presente artigo tem como principal objetivo reletir, de forma sucinta, sobre possíveis abordagens da relação entre Patrimônio e Arqueologia numa perspectiva que visa compreender como se constrói o envolvimento das comunidades locais e do público em geral com a percepção dos valores culturais e a construção identitária em torno do patrimônio industrial paulista, mais especiicamente de seu patrimônio ferroviário. Esta perspectiva vem sendo desenvolvida dentro do Projeto Memória Ferroviária, coordenado Laboratório de Patrimônio Cultural da Unesp e que conta com a participação de universidades estrangeiras e brasileiras. Dentre estas, o Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte da Unicamp (LAP). O projeto coordenado pelo LAP tem como principal objetivo a construção de interações entre instâncias públicas e privadas tendo como foco os conjuntos patrimoniais escolhidos no escopo deste projeto. Por último, terá por compromisso colaborar na articulação da plataforma de divulgação dos estudos e projetos desenvolvidos, 284 Eduardo Romero de Oliveira (org.) visando à intercomunicação permanente entre pesquisadores, comunidade, agentes públicos, educadores e público geral. Terá como objeto de estudo as comunidades que estão diretamente localizadas no entorno do antigo patrimônio ferroviário paulista e que deverão ser estudadas sob o ponto de vista da Arqueologia Pública. Para tanto, a equipe do Laboratório de Arqueologia Pública da Universidade de Campinas (LAP/UNICAMP) buscará desenvolver atividades de educação patrimonial e de caráter técnico-cientíico nas escolas e com as comunidades locais. Além das recentes discussões teóricas sobre os temas especíicos abordados acerca a prática Arqueológica Industrial, serão trabalhados textos e questões relativas a temáticas relacionadas ao Patrimônio Ferroviário. Os conceitos postos em prática nesta etapa do projeto não são novos e já são parte das práticas mais avançadas aplicadas no campo do patrimônio arqueológico em órgãos de preservação no Brasil e no exterior. Arqueologia Pública O Laboratório de Arqueologia Pública da Universidade Estadual de Campinas resulta de longa trajetória de engajamento da Universidade com a Arqueologia, em uma perspectiva cientíica fundada na excelência acadêmica, na inserção internacional e no engajamento social. A Unicamp surgiu em meio a um regime de força, inspirado no MIT e voltada para os saberes técnicos que pudessem transcender os questionamentos políticos que advinham das universidades de referência à época e cujos quadros foram golpeados de forma mais dura: a Universidade de São Paulo e a Universidade Federal do Rio de Janeiro. A Universidade Estadual de Campinas, fundada em 1966, no entanto, logo teve no desaio de produzir ciência de relevância internacional não um obstáculo, mas um meio de contrapor-se às exações políticas que grassavam alhures na academia, ao acolher cientistas notáveis perseguidos tanto no Brasil, como em outros países latino-americanos sob o jugo ditatorial. Em pouco tempo, a Unicamp despontava não apenas no âmbito cientíico, stricto sensu, como na originalidade de adotar perspectivas transdisciplinares, na busca por inserção mundial, na ênfase em ciência aplicada e políticas públicas e na atuação voltada para a sociedade, em sua diversidade. Tudo isto se reletiu no surgimento precoce do interesse da Universidade por uma Arqueologia relevante para a sociedade. Enquanto práticas e abordagens reacionárias e conservadoras eram predominantes e espíritos críticos eram silenciados, como no caso notável do fundador da USP e pioneiro da Arqueologia humanista Paulo Duarte (1899 – 1984), expulso da Universidade de São Paulo, em 1969, a Memória ferroviária e cultura do trabalho Unicamp abria-se para práticas e abordagens libertárias. Acolheu o acervo de Paulo Duarte e trouxe a Professora Niède Guidon, a quem Duarte havia aberto as portas para aprender com os arqueólogos pré-historiadores mais renomados e amantes da liberdade, para atuar no Núcleo de Pesquisas Arqueológicas – Nipar (1986 – 1991). Aberta essa seara, a Arqueologia na Unicamp desenvolveu-se nos aspectos constitutivos tanto da Universidade, como da disciplina, em termos mundiais: em interação com a ciência mundial, em perspectiva transdisciplinar, engajada com a sociedade e em luta pela liberdade e pelo respeito à diversidade. Pesquisas arqueológicas de variado gênero foram levadas a cabo, diversas delas de expressão social, acadêmica e de repercussão internacional. O Laboratório de Arqueologia Pública resulta, portanto, de um esforço continuado e de parcerias com estudiosos e instituições no Brasil e no estrangeiro, como destaque para o World Archaeological Congress. A cultura material como bem público no Brasil Neste sentido, o próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), desde sua criação no ano de 1937, já demonstrava, em seus documentos internos, a importância da realização de ações educativas para promoção, proteção e preservação do patrimônio nacional. Diversas iniciativas voltadas para destacar o papel pedagógico dos museus foram executadas entre os anos de 1937 e 1970, se concentrando, sobretudo, na criação de museus e no incentivo a exposições; no tombamento de coleções e acervos artísticos e documentais, de exemplares da arquitetura civil, religiosa, militar, assim como incentivando algumas publicações técnicas e de divulgação jornalística, com vistas a sensibilizar o público .1 A partir de meados da década de 1970 a questão foi abordada de modo cada vez mais incisivo. De início, com a criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC). Este Centro propunha uma ampla discussão sobre os sentidos da preservação, convergindo para a ampliação da concepção de patrimônio. Para tanto, destacava a necessidade de promover modelos de desenvolvimento econômico au- 1 INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Educação patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília: IPHAN/MINC, p. 6, 2014. 285 Eduardo Romero de Oliveira (org.) 286 tônomos, ao mesmo tempo em que a valorizava a diversidade regional e os riscos da homogeneização e perda da identidade cultural da nação.2 O CNRC tinha como uma das principais metas impedir o esmagamento dos valores da formação cultural brasileira, tendo em vista o acelerado processo de desenvolvimento econômico e à expansão dos meios de comunicação de massa no período conhecido como o Milagre Econômico Brasileiro (1968-1973). Desta forma, foi elaborado um sistema de coleta, processamento e divulgação de informações, que tinha como objetivo fortalecer o planejamento e a execução de ações e a consolidação de um sistema de referência básico, e de abrangência nacional, de informações sobre a cultura brasileira.3 Este novo enfoque considerava os sujeitos envolvidos na dinâmica da produção, da circulação e do consumo de bens culturais. Sujeitos legítimos detentores do ‘saber-fazer’ e agentes ativos do destino de sua própria cultura.4 As diretrizes teóricas e conceituais defendidas e os métodos empregados pelo CNRC foram um importante contributo para o estabelecimento de novos parâmetros no campo do patrimônio, contribuindo para uma interlocução abrangente entre a preservação do patrimônio cultural brasileiro e os diversos processos educacionais Como exemplo deste processo de construção de política de gestão na área foi formulado, em 1981, o Projeto Interação. Este projeto buscava o fortalecimento das condições necessárias onde o trabalho educacional pudesse acontecer. Logo, a dinâmica cultural, a pluralidade e a diversidade cultural brasileira foram consideradas como elementos referenciais no campo. Por sua vez, a cultura e a educação foram tratadas como ferramentas indissociáveis, estando diretamente vinculadas com a Educação Básica e os diferentes contextos culturais dos alunos. Professores e membros da comunidade eram atraídos, devendo participar, de forma ativa, de todos os níveis do processo educacional. Este desenvolvimento de ações sociais efetivas e transformadoras no campo patrimonial brasileiro não estava distante das principais discussões sobre o patrimônio 2 Ibidem, p. 7. 3 Ibidem, p. 6. 4 OLIVEIRA, Eduardo Romero de ; Arquitetura Industrial, Patrimônio Industrial e sua difusão cultural. In: Funari, Pedro Paulo Abreu; Campos, Juliano Bittencourt; Rodrigues, Marian Helen S.G.. (Org.). Arqueologia Pública e patrimônio: questões atuais. 1ed. Criciúma/SC: UNESC, 2015, v. 1, p. 197-226. Memória ferroviária e cultura do trabalho cultural internacional e mais especiicamente o arqueológico.5 Sobretudo a partir da década de 1970, quando inluenciado por teorias marxistas e pós-processualistas uma nova visão sobre os papéis da ciência arqueológica e a educação surge, criando-se o conceito de Arqueologia Pública.6 Neste período, arqueólogos passam a reletir sobre as funções sociais da Arqueologia e como deveriam ser estabelecidas as relações entre os acadêmicos, o processo investigativo e a sociedade. O livro Public Archaeology (1972), lançado pelo pesquisador norte-americano Charles Robert McGimsey, professor de Antropologia da Universidade da Lousiana, pode ser considerado hoje o texto que trouxe, pela primeira vez, à baila esta discussão.7 No continente europeu, mais especiicamente na Inglaterra, o enfoque voltado para a comunidade durante projetos de arqueologia e patrimônio eram raros antes dos anos 1970. Somente durante a execução do projeto de preservação RESCUE: he British Archaeological Trust (1971), SAVE Britain’s Heritage (1975) e he Interpretation of Britain’s Heritage (1975), inicia-se o engajamento entre a Arqueologia e o patrimônio.8 Os trabalhos de americanos e ingleses colocaram a ‘comunidade’ no centro dos trabalhos de pesquisa em arqueologia.9 A partir desse momento uma nova noção de patrimônio passa a defendida, muito mais ativa e engajada. Os parâmetros de atuação são pensados de forma a efetivar um vínculo mais forte entre a comunidade e público e sua defesa para as futuras gerações. A cristalização desta mudança pode ser notada hoje através da assinatura de um novo aparato legal em defesa do patrimônio arqueológico inglês: o Ancient Monuments and Archaeological Areas Act, de 1979, e o National Heritage Act, de 1983, e o Planning Act, de 1990.10 5 FUNARI, P.P.A. ROBRAHN-GONZÁLEZ, E. Editorial, Arqueologia Pública, 1, 2006. 6 HOLTORF, Cornelius. From Stonehenge to las Vegas: archaeology as popular culture. Oxford: Altamira Press, 2005. 7 MERRIMAN, Nick. Introduction – diversity and dissonance in public archaeology. In: MERRIMAN, Nick (Org.). Public archaeology. Londres: Routledge, 2004. 8 CRESSEY, P. J.; REEDER, R.; BRYSON, J. Held in trust: community archaeology in Alexandria, Virginia. In: DERRY, L.; Malloy, M. (Eds.). Archaeologists and local communities: partners in exploring the Past, 1-17. Washington, D.C.: Society for American Archaeology, 2003. 9 WATERTON, E.; SMITH, L. Heritage, communities and archaeology. London: Bristol Classical Press, 2009. 10 Ibidem. 287 Eduardo Romero de Oliveira (org.) 288 No Brasil, é em particular com a abertura democrática nos anos 1980, que a Arqueologia Pública ganha espaço para se desenvolver. Podemos dizer que um dos momentos mais marcantes deste período foi a introdução da Educação Patrimonial, como metodologia de trabalho a partir de ações desenvolvidas por Maria de Lourdes Parreiras Horta. Este conceito, desenvolvido de início na Inglaterra, abarcava uma noção de patrimônio que partia de objetos tais como utensílios e vestígios materiais. Estes permitiriam conhecermos como as pessoas se socializavam e viviam em diferentes tempos. A prática arqueológica e os bens de cultura material seriam utilizados como instrumento de interação com o público. Além da elaboração de legislações estaduais de proteção dos sítios, monumentos e coleções arqueológicas, o im do regime autoritário oportunizava depois de duas décadas a construção de espaços de comunicação entre os pesquisadores, suas práticas arqueológicas e um contato mais democrático entre o pesquisador e a sociedade. O diálogo Patrimônio Industrial e a Arqueologia: um breve histórico Na arqueologia, o estudo das fábricas, moinhos, máquinas a vapor e estradas de ferro sofre uma grande expansão a partir da década de 1950 na Inglaterra. Sobretudo, as ações desenvolvidas naquele país tinham como principal objetivo desenvolver métodos que auxiliassem em ações de preservação dos antigos vestígios da industrialização. Esta nova perspectiva ajudou abrir um novo campo de investigação cientíica.11 Naquela mesma década, alguns trabalhos no âmbito acadêmico ajudaram a fortalecer este novo campo de pesquisa. Como exemplo disso, temos os trabalhos de Michael Rix, em articular seu artigo Industrial Archaeology publicado na revista Amateur Historian (RIX: 1955), que contribuiu enormemente para a ampliação do espaço dessa área nas instituições de pesquisa. Posteriormente, o próprio Council for British Archaeology (CBA), organismo não-governamental britânico, organizou em 1959 a primeira conferência nacional de Arqueologia Industrial, evento que ajudou a estimular o governo britânico na consolidação de um inventário dos monumentos industriais britânicos com o intuito de identiicar e avaliar sítios a serem protegidos. Esta discussão estava relacionada 11 ROSA, Carolina Lucena. O patrimônio industrial: a construção de uma nova tipologia de patrimônio. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011. Memória ferroviária e cultura do trabalho à crescente demolição de antigos edifícios industriais e os planos para substituir antigas estações ferroviárias por novas, como na Euston Station, em Londres, perto da University College London (UCL). 12 A partir destas iniciativas britânicas diversas outras passaram a ocorrer em todo mundo. O Primeiro Congresso Internacional para a Conservação dos Monumentos Industriais (FICCIM), ocorreu em 1973 na instituição recém-inaugurada Ironbridge George e contou com com a participação de diversos especialistas vindos do Canadá, Estados Unidos, Holanda, Suécia, Irlanda, Alemanha Oriental e Ocidental . Por sua vez, no Brasil, os debates sobre o patrimônio industrial além de terem ocorrido de forma bem mais tardio ainda são muito incipientes no meio acadêmico. Desta feita, práticas governamentais que ajudem a proteger os bens ainda existentes são escassas. Esta defasagem ica ainda mais clara quando comparamos ações aplicadas em outros países latino-americanos, como Chile e o México, onde já existe uma tradição de inventariação e conservação consolidada.13 Ao longo das últimas décadas, a destruição de estruturas arquitetônicas do patrimônio industrial somadas a projetos mal-sucedidos de reutilização e restauro provocaram danos irreversíveis ao patrimônio industrial. Diante deste cenário preocupante, surgiram iniciativas de estudiosos estudos e ações de proteção (Rosa, 2011). Artigos acadêmicos e esforços preservacionistas ajudaram a consolidar um novo olhar sobre o tema no país. Dentre estes merecem destaque o artigo pioneiro intitulado “Fábrica São Luiz de Itu: Um Estudo de Arqueologia industrial” de Warren Dean, de 1976. Das atividades para preservação do patrimônio industrial merece destaque o “Mapa do Patrimônio Industrial” da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP-SP) que propôs identiicar e registrar antigas estruturas industriais existentes no município de São Paulo. Além do interesse acadêmico, o número de monumentos e sítios protegidos, assim como a reutilização de bens vinculados ao passado industrial têm crescido de forma signiicativa no país. Talvez o melhor exemplo a ser destacado dentro desta nova perspectiva seja a conversão da antiga Estação da Luz de São Paulo (1867) no Museu da Língua Portuguesa. Cabe destacar, no entanto, que várias das primeiras ações governamentais não foram desenvolvidas com o intuito de preservar dentro de uma categoria de patri- 12 Ibidem. 13 Ibidem. 289 290 Eduardo Romero de Oliveira (org.) mônio industrial. As próprias ações do IPHAN tinham de início uma perspectiva muito mais vinculada ao passado colonial, ou de vinculação com o fortalecimento do estado nacional na década de 30.14 Como exemplo destas perspectivas podemos destacar o engenho de canas em Candeias na Bahia (tombado em 1943), a cidade mineira de Ouro Preto (tombada em 1933) e a Real Fábrica de São João de Ipanema, em Iperó, São Paulo (tombada em 1964). Todos estes edifícios foram tombados mesmo antes do nascimento do debate sobre o patrimônio industrial no país (Rosa, 2011; Moreira, 2007). A Arqueologia envolveu-se de forma tardia com o tema e isto por diversos motivos. Em primeiro lugar, por sua trajetória como disciplina acadêmica, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Com o retorno do exílio do humanista Paulo Duarte, houve a introdução de uma perspectiva humanista, preocupada com os vestígios dos antigos habitantes do continente, que levou à lei de proteção arqueológica de 1961, voltada para as jazidas pré-históricas. Logo após o golpe militar, foi implantado um Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas – Pronapa, baseado em Washington e com apoio do governo militar brasileiro, contrário ao humanismo, de cunho empírico e fundado em uma perspectiva determinista ecológica que justiicava o domínio norte-americano do mundo e o subdesenvolvimento, como se dizia à época, da América Latina. 15 O panorama começou a mudar com a anistia (1979), a eleição de governos estaduais por voto direto (1982) e com o retorno dos civis (1985), do estado de direito e com a constituição (1988). A Arqueologia passou a ocupar-se de temas mais relevantes para a sociedade, o que abriu espaço para a Arqueologia Histórica e, dentro dela, a Arqueologia Industrial, assim como para temas do patrimônio industrial.16 A indústria pode ser entendida no sentido estrito ou mais amplo. No primeiro caso, a expressão e a pesquisa se referem à indústria que nasceu no século XVIII e que se expandiu pelo mundo, nos seguintes, ao congregar operários em fábricas. Portanto, neste aspecto, mais do que a propriedade desse meio de produção, está em jogo o tipo de produção, de modo que a indústria em países capitalistas ou na União 14 KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008. 15 FUNARI, P. P. A.; L’archéologie brésilienne au cours des vingt dernières années. Perspective, v. 2, p. 269-287, 2014. 16 ANDREATTA, M. O Engenho São Jorge dos Erasmos: prospecção arqueológica, histórica e industrial, Revista USP, 1999, 41, 28-47. Memória ferroviária e cultura do trabalho Soviética, por exemplo, embora em sistemas diversos, constituía uma unidade de produção, objeto inicial de interesse da Arqueologia Industrial.17 Há dois sentidos mais amplos. Indústria pode referir-se a todo engenho humano, de onde deriva a expressão comum no estudo pré-histórico: indústria lítica. Da mesma forma, pode aplicar-se ao mundo antigo, greco-romano, ou medieval . Outra conotação refere-se ao mundo industrial moderno, mas que não se restringe ao ambiente fabril, ao englobar toda a materialidade resultante do industrialismo, como seriam, por exemplo, as estradas de ferro, as casas e edifícios pré-fabricados ou mesmo os artefatos industriais, como as garrafas. 18 Os estudos sobre a indústria lítica desenvolveram-se antes, assim como os relativos à cerâmica, também resultado de trabalho humano (indústria), mas em contexto distante da realidade contemporânea. Já o estudo dos ambientes industriais modernos, ligados à escravidão, primeiro, e ao trabalho assalariado, em seguida, tardou, em grande parte, devido à situação política no país e no interior da disciplina arqueológica.19 O estudo do mundo moderno iniciou-se por empreitadas como as missões jesuíticas e os quilombos e, portanto, à manufatura, mas de maneira indireta, nas décadas de 1980 e 1990. Foi apenas no século XXI que surgiram mais análises de contextos industriais, com destaque para a pesquisa das fazendas escravistas e de fábricas .20 O estudo do patrimônio ferroviário também pode ser considerado parte desse processo .21 Isto revela uma ampliação do engajamento social da disciplina, em paralelo com o avanço da Arqueologia Pública.22 17 KÜHL, Beatriz Mugayar. Patrimônio industrial: algumas questões em aberto, usjt - arq.urb - número 3/ primeiro semestre de 2010, 23-30. KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008. 18 CANO SANCHIZ, J. M. ; LEÓN, E. ; SALINAS, E. . La industria medieval de Córdoba: el sector occidental en época islámica. In: VAQUERIZO, D.; MURILLO, J.F.. (Org.). El Aniteatro romano de Córdoba y su entorno urbano. Análisis arqueológico (ss. I-XIII d.C.), Monografías de Arqueología Cordobesa 19, vol. II. 1ªed. Córdoba (Spain): Grupo de Investigación Sísifo, Universidad de Córdoba, 2010, v. II, p. 685-699. 19 FUNARI, PEDRO PAULO A. ; Charles E. Orser, Jr. (Org.) . Current Perspectives on the Archaeology of African Slavery in Latin America. 1. ed. New York: Springer, 2015. 20 TEGA, Glória. Fábricas contam sua história. Cienc. Cult. [online]. 2013, vol.65, n.3 [cited 201512-12], pp. 12-13 21 OLIVEIRA, Cléo Alves Pinto. Educação Patrimonial no Iphan. [Monograia de Especialização] Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), Brasília, 2011. 22 OLIVEIRA, Eduardo Romero de; Arquitetura Industrial, Patrimônio Industrial e sua difusão cul- 291 292 Eduardo Romero de Oliveira (org.) Potencialidades do Patrimônio Industrial e a Arqueologia Pública Há um imenso potencial para o estudo e para as ações em relação ao patrimônio industrial, em particular a partir da experiência epistemológica e prática da Arqueologia Pública. Neste novo século XXI, tanto no mundo como no Brasil, tem havido esforço para que o patrimônio, em geral, e industrial, em particular, sirva como motivo para relexão sobre o nosso próprio mundo, como maneira de melhor conhecer as particularidades materiais a que estamos submetidos. Isto icou ainda mais evidente com duas mudanças resultantes dessa revolução industrial dos últimos séculos, a começar pela urbanização. Foi apenas neste momento que os seres humanos, pela primeira vez na História, passaram a viver, em sua maioria em cidades, segundo as Nações Unidas. Isto signiica uma separação de todo o restante de sua milenar História, em que a maioria viveu no campo . A sociedade industrial, com relações face a face, em ambiente artiicial, criado pelos humanos, passou a predominar.23 Em paralelo, e em grande parte em consequência dessa mesma industrialização, o planeta tem sido afetado por emissões de gases de efeito estufa, com aquecimento global, além de crescente poluição ambiental, apenas mitigada de forma parcial pela tecnologia industrial .24 Portanto, mais do que nunca, a indústria está no centro das preocupações. Em particular, a materialidade criada por esse mundo industrial tem merecido atenção, na medida em que se tem observado a importância central dessa nova ordenação material do mundo. Um mundo sempre mais envolto na tecnologia. Por outro lado, as diversas disciplinas acadêmicas, como a Arqueologia Pública, têm se voltado para a interação com as pessoas, de modo a produzir um conhecimento não apenas informado por esse contato, como a serviço, em certo sentido, das próprias pessoas . A Arqueologia Pública tem proposto, pelo mundo afora, fazer tanto tural. In: Funari, Pedro Paulo Abreu; Campos, Juliano Bittencourt; Rodrigues, Marian Helen S.G.. (Org.). Arqueologia Pública e patrimônio: questões atuais. 1ed.Criciúma/SC: UNESC, 2015, v. 1, p. 197-226. 23 FUNARI, P.P.A ; Poloni, R,J.S. . Arqueologia Urbana: trajetória e perspectivas. Revista do Arquivo Municipal (São Paulo), v. 205, p. 137-154, 2014. 24 WORLD POPULATION PROSPECTS. New York, UN, 2015 (http://esa.un.org/unpd/wpp/Publications/Files/Key_Findings_WPP_2015.pdf). Memória ferroviária e cultura do trabalho o conhecimento especializado sobre a materialidade ao leigo, como pelo estudo das maneiras como as pessoas interagem com essa mesma materialidade.25 No caso especíico brasileiro, esse potencial é imenso, por diversos motivos, a começar pela crescente urbanização e materialidade industrial. De fato, já em meados da década de 1960 a população urbana superava a rural e hoje já são mais de 85% vivendo em cidades. Portanto, temos já muitas décadas de materialidade urbana e resultante do mundo da indústria. Por outro lado, como já ressaltamos, a sociedade brasileira e a Arqueologia sofreram por um mando autoritário que coincidiu, de fato, com essa passagem do mundo rural e agrícola para o urbano e industrial. A crise institucional que resultou no golpe militar está em relação direta com essa passagem, como atesta, ainda, o papel que um tema do passado – a Reforma Agrária – teve no desencadear do trauma. No momento da passagem do rural ao urbano, dá-se a quebra institucional. A indústria imporá seus ritmos e preocupações, sob a mão de ferro dos generais. A crescente relevância dos temas industriais levará tanto ao endurecimento do regime, como o lorescimento de uma oposição que acabará por triunfar, com o retorno do estado de direito. Passados esses anos escuros, no início do novo século, surgiram iniciativas como o estudo desse passado recente, por meio da Arqueologia da Repressão e da Resistência e da Arqueologia Pública, partes, de alguma forma, de uma Arqueologia Industrial engajada. As oportunidades de temas como patrimônio ferroviário são múltiplas, até mesmo se considerarmos que também as linhas de ferro estiveram associadas a uma fase industrial no Brasil em grande parte a serviço da produção agrícola. O seu declínio, na década de 1960, dá-se também nessa passagem do rural ao urbano, sendo que uma nova indústria entra em seu lugar: a automobilística, de onde surgirão os líderes operários e intelectuais que guiarão o país no inal do século e no início do novo. O estudo do patrimônio ferroviário é um tributo, também, a esse movimento histórico de importância central para entender o Brasil contemporâneo. A Arqueologia Industrial, a Arqueologia Pública e o patrimônio ferroviário conluem para uma atuação em prol dos direitos humanos em nossa sociedade. 25 FUNARI, P. P. A. ; Bezerra, M. . Public archaeology in Latin America. In: Robin Skeates; Carol McDavid; John Carman. (Org.). he Oxford Handbook of Public Archaeology. 1ed. Oxford: Oxford University Press, 2012, v. 1, p. 100-115. 293 294 Eduardo Romero de Oliveira (org.) Novos enfoques sobre a avaliação patrimonial Neste sentido, desde 2014 o Laboratório de Arqueologia Pública em conjunto com os pesquisadores do Neil Silberman e Angela Labrador vem desenvolvendo um projeto de investigação e valoração do patrimônio cultural universitário. Assim, no primeiro semestre de 2015, foi realizado um curso de aplicação de métodos que permitissem aos alunos graduandos identiicarem os pontos culturais mais importantes encontrados na área interna do campus universitário. De início, os professores americanos repassaram o aparato teórico que cerca o estudo do patrimônio a partir dos seus valores, destacando o histórico de pesquisa no campo e seus principais debates no campo conceitual. Em seguida, os alunos foram introduzidos aos métodos aplicados por este campo e colocados para praticar alguns deles em atividades de campo e sala. Os resultados destes estudos deveriam ser avaliados em sala de aula de acordo com técnicas especíicas de aferição. Os métodos de coleta de dados foram divididos da seguinte forma: 1. Levantamento de campo: dois guias levavam grupos de alunos para dois locais diferentes no campus. Neste local eles davam um breve histórico daquele espaço, destacando a sua importância para a comunidade acadêmica e para si. Posteriormente, os dados deste tour são avaliados em sala de aula de forma a identiicarem valores em comum levantados pelos diferentes grupos ; 2. Em um segundo momento, foram realizadas entrevistas com proissionais vinculados a instituição acadêmica tais como professores, secretários e responsáveis pela limpeza. Para tanto os alunos foram treinados previamente para identiicarem os valores, atitudes e os enfoques dados por cada um dos entrevistados sobre o patrimônio local. No im destas duas etapas os alunos trocavam ideias sobre os diversos valores comunitários levantados. O que percebemos é que os discursos levantados contradiziam muitas vezes as falas oiciais divulgadas através dos canais institucionais. Isto é, locais de convivência ‘não-oiciais’ eram elencados tanto pelos proissionais, como pelo alunos. 3. Depois, os alunos aplicavam métodos de investigação em campo, tais como: Photovoice: Inicialmente os alunos se reuniam em diferentes grupos para determinarem temas a serem buscados através de imagens na Universidade. Depois, os alunos eram incumbidos de fotografarem as áreas mais signiicativas da Universidade a partir dos temas pré-selecionados pelo outro grupo. Os grupos se reuniam no inal para Memória ferroviária e cultura do trabalho 295 escolherem as imagens mais representativas. Os temas mais signiicativos e frequentes eram aqueles que deveriam ser considerados como os mais importantes para a comunidade pesquisada. Este modelo de trabalho tem como objetivo gerar uma participação mais ativa dos membros da comunidade no processo avaliativo e decisório dos valores culturais locais; Métodos observacionais: a partir deste enfoque foi possível aos participantes identiicarem os valores culturais levando em conta os comportamentos sociais de todas as pessoas que visitam ou trabalham na Unicamp. Para tanto, os alunos desenvolveram mapas comportamentais (traçando em uma planta os locais mais visitados), observação participativa (veriicando a frequência e a quantidade de pessoas em um determinado espaço), mapeamento de traços humanos (identiicando sinais que demarcam a maior ou menor presença de pessoas em um determinado espaço), entre outros. Com os resultados em mãos foi possível criarmos um mapa que identiicou os locais com maior potencial patrimonial para a comunidade acadêmica e local. Ao mesmo tempo, o risco de não considerarmos os valores da própria comunidade diminuíram de maneira considerável. De posse dos valores identiicados traçamos um mapa com as mais variadas manifestações culturais, assim como os pontos de maior importância para aquela comunidade. Logo, quaisquer atividades desenvolvidas deveriam levar em conta não só a própria comunidade, como deveriam considerar os diferentes tipos de público que por ali passam (estudantes, professores, turistas, etc). Uma planta foi montada a partir do GoogleMap, servindo de instrumento para a construção de uma plataforma de valoração do patrimônio local. Está disponível para consulta o resultado dessa atividade, com o nome Values based heritage: approaches for sustainable development, no site academia.edu. Conclusão A Arqueologia Industrial, em geral e, em particular, o estudo do patrimônio ferroviário, têm muito a ganhar com novas abordagens que procurem dar conta, também, das próprias pessoas. Desta forma, com o envolvimento das comunidades, será mais produtiva e fértil a valorização do patrimônio industrial e ferroviário. A integração de abordagens advindas de diversas disciplinas, na mesma linha, tem sido um caminho cada vez mais trilhado e prenhe de boas práticas e resultados. 296 Eduardo Romero de Oliveira (org.) Agradecimentos Agradecemos a Márcia Bezerra, Paulo Bava de Camargo, Juan Cano, Lúcio Menezes Ferreira, Cornelius Holtorf, Charles E. Orser, Erika Robrahn-González, Eduardo Romero de Oliveira, Juliana Poloni, Glória Tega, Paulo Zanettini. Mencionamos, ainda, o apoio institucional da FAPESP, do CNPq e da Unicamp. A responsabilidade pelas ideias restringe-se aos autores. Referências bibliográficas ANDREATTA, M. O Engenho São Jorge dos Erasmos: prospecção arqueológica, histórica e industrial, Revista USP, 41, 28-47, 1991. BAVA DE CAMARGO, P. F.; A PÁTRIA DOS CARPINTEIROS: ARQUEOLOGIA DE UM ANTIGO ESTALEIRO NAVAL EM CANANÉIA, SÃO PAULO, BRASIL. Revista de Arqueologia Americana, v. 32, p. 259-279, 2014. CANO SANCHIZ, J. M. ; LEÓN, E. ; SALINAS, E. . La industria medieval de Córdoba: el sector occidental en época islámica. In: VAQUERIZO, D.; MURILLO, J.F.. (Org.). El Anfiteatro romano de Córdoba y su entorno urbano. Análisis arqueológico (ss. I-XIII d.C.), Monografías de Arqueología Cordobesa 19, vol. II. 1ªed.Córdoba (Spain): Grupo de Investigación Sísifo, Universidad de Córdoba, v. II, p. 685-699, 2010. CARVALHO, Aline Vieira de; FUNARI, Pedro Paulo A. As possibilidades da arqueologia pública. Disponível em: <http//www.historiaehistoria.com.br/materia. cfm?tb=arqueologia&id=31>. Acesso em: 16 jun. 2009. CRESSEY, P. J.; REEDER, R.; BRYSON, J. Held in trust: community archaeology in Alexandria, Virginia. In: DERRY, L.; Malloy, M. (Eds.). Archaeologists and local communities: partners in exploring the Past, 1-17. Washington, D.C.: Society for American Archaeology, 2003. FUNARI, P. P. A. ; Bezerra, M. . Public archaeology In Latin America. In: Robin Skeates; Carol McDavid; John Carman. (Org.). The Oxford Handbook of Public Archaeology. 1ed.Oxford: Oxford University Press, 2012, v. 1, p. 100-115. FUNARI, P. P. A. ; L’archéologie brésilienne au cours des vingt dernières années. Perspective, v. 2, p. 269-287, 2014. FUNARI, P.P.A ; Poloni, R,J.S. . Arqueologia Urbana: trajetória e perspectivas. Revista do Arquivo Municipal (São Paulo), v. 205, p. 137-154, 2014. FUNARI, P.P.A. ROBRAHN-GONZÁLEZ, E. Editorial, Arqueologia Pública, 1, 2006. Memória ferroviária e cultura do trabalho FUNARI, PEDRO PAULO A. ; Charles E. Orser, Jr. (Org.) . Current Perspectives on the Archaeology of African Slavery in Latin America. 1. ed. New York: Springer, 2015. HOLTORF, Cornelius. From Stonehenge to las Vegas: archaeology as popular culture. Oxford: Altamira Press, 2005. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Educação patrimonial: histórico, conceitos e processos. Brasília: IPHAN/MINC, 2014. KÜHL, Beatriz Mugayar. Patrimônio industrial: algumas questões em aberto, USJT - Arq.Urb - número 3/ primeiro semestre de 2010, 23-30. KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos de restauro. Cotia: Ateliê Editorial, 2008. MERRIMAN, Nick. Introduction – diversity and dissonance in public archaeology. In: MERRIMAN, Nick (Org.). Public archaeology. Londres: Routledge, 2004. MOREIRA, Danielle Couto. Arquitetura ferroviária e industrial: o caso das cidades de São João Del-Rei e Juíz de Fora (1875-1930). (Dissertação de Mestrado), Universidade de São Paulo, 2007. OLIVEIRA, Cléo Alves Pinto. Educação Patrimonial no Iphan. (Monografia de Especialização) - Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), Brasília, 2011. OLIVEIRA, Eduardo Romero de; Arquitetura Industrial, Patrimônio Industrial e sua difusão cultural. In: Funari, Pedro Paulo Abreu; Campos, Juliano Bittencourt; Rodrigues, Marian Helen S.G.. (Org.). Arqueologia Pública e patrimônio: questões atuais. 1ed.Criciúma/SC: UNESC, v. 1, p. 197-226, 2015. OLIVEIRA, Eduardo Romero de. Patrimônio Ferroviário do Estado de São Paulo: As condições de preservação e uso dos bens culturais. Projeto História (PUCSP), v. 40, p. 179-203, 2010. PALMER, Marilyn e NEAVERSON, Peter. Industrial Archeology: Principles And Practices. Londres: Routledge, 1998. ROSA, Carolina Lucena. O patrimônio industrial: a construção de uma nova tipologia de patrimônio. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH฀•฀São฀Paulo,฀julho฀2011. TEGA, Glória. Fábricas contam sua história. Cienc. Cult. [online]. 2013, vol.65, n.3 [cited 2015-12-12], pp. 12-13 . 297 298 Eduardo Romero de Oliveira (org.) WATERTON, E.; SMITH, L. Heritage, communities and archaeology. London: Bristol Classical Press, 2009. WORLD POPULATION PROSPECTS. New York, UN, 2015, (http://esa.un.org/ unpd/wpp/Publications/Files/Key_Findings_WPP_2015.pdf).