GT: Artes Visuais Eixo Temático: Ensinar e aprender Artes Visuais na Educação Formal e Não Formal
A EXPERIÊNCIA DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO
NA ARTE/EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
Fabiane Pianowski (UNIVASF, Pernambuco, Brasil)
RESUMO:
Este artigo discorre sobre a importância do ensino de arte nos espaços de educação não
formal. Compõe o corpus teórico da pesquisa a arte/educação não formal e a mediação
cultural na perspectiva da formação de professores através da prática (estágio
supervisionado). A inclusão do estágio em espaços de educação não formal é fundamental
para na formação de arte/educadores como mediadores culturais. Atualmente, a medição
cultural é a mais importante referência que encontramos no âmbito da arte/educação não
formal para o ensino da arte. Como forma de elucidar as discussões levantadas, apresenta se um breve relato da experiência do estágio supervisionado em espaços de educação não
formal através da realização da disciplina Prática do Ensino das Artes Visuais III do curso de
Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
Palavras-chave: Arte/educação; Mediação Cultural; Educação Não Formal; Estágio
Supervisionado
THE EXPERIENCE OF TEACHER INTERNSHIP
IN NON-FORMAL ART/EDUCATION
ABSTRACT:
This paper reflects on the importance of teaching art in non -formal education contexts.
Composes the theoretical corpus the non -formal Art Education and cultural mediation
through supervised practices. The inclusion of non-formal education institutions as practice
spaces is crucial to the formation of Art Teacher students. The cultural mediation is the most
important reference we found in the non-formal Education for teaching Art. In order to
elucidate the discussions, it presents a brief report on the supervised t eacher internship in
non-formal education by performing the subject of Teaching Practice of Visual Arts III in
Visual Arts Degree at Universidade Federal do Vale do São Francisco .
Key words: Art Education; Cultural Mediation; Non -formal Education; Teacher Internship
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1 Introdução
A mediação cultural vem sendo desenvolvida nos últimos anos,
especialmente no contexto da educação não formal, no entanto, apesar desta práxis
estar estendida pelo país, há pouca formação especializada de mediadores para
atuar em contextos específicos (MOURA, 2007; ALENCAR, 2008; BARBOSA e
COUTINHO, 2009; NAKASHATO, 2012). No sentido de promover um curso no qual
os alunos possam integrar teoria e prática, em uma práxis transformadora, é
importante não só estudar em profundidade de que modo o conceito de mediação
cultural –ainda em construção e de caráter polifacético– vem se estruturando no
contexto da educação não formal e qual a sua articulação com o ensino de arte,
estudando os seus principais teóricos e promovendo a discussão e a reflexão sobre
o tema em uma prática pedagógica dialogada. Do mesmo modo, faz-se necessária a
imersão dos estudantes no contexto educação não formal, afim de que os mesmos
possam vivenciar em primeira pessoa seus desafios e perspectivas por meio da
reflexão, análise e problematização.
Essa imersão deve ser feita a partir de uma atitude instrumentalizadora da
práxis, de modo que os contextos sejam analisados, desenvolva-se uma postura
investigativa nos alunos para que os mesmos estejam preparados a problematizar
tanto a situação de estágio, como a situação profissional vindoura. O papel do
professor-coordenador nesse panorama é de partilhar saberes, avaliar, aconselhar,
compartilhar a busca de soluções, orientar e acompanhar o processo, colocando-se
“entre” os alunos, a prática, a teoria e a realidade, numa postura dialógica.
2 Arte/educação não formal
Atualmente, a medição cultural é a mais importante referência que
encontramos no âmbito da arte/educação não formal. No entanto, o Brasil ainda não
institucionalizou a figura do mediador e não temos formação específica de
mediadores para atuar em museus, centros culturais ou ONGs (BARBOSA e
COUTINHO, 2009). Na tentativa de suprir essa carência, alguns cursos de
Licenciatura em Artes Visuais começam a incluir o estágio em espaços de educação
não formal. Entre os cursos que oferecem essa possibilidade está o curso de
Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Vale do São Francisco
(UNIVASF), que tem como componente curricular a disciplina de “Práticas de Ensino
das Artes Visuais III”, na qual está previsto o desenvolvimento do estágio
supervisionado em espaços de educação não formal por meio de mediação
pedagógica do ensino de Artes Visuais em instituições culturais (Museus, Galerias,
Centros Culturais, Fundações Culturais), eventos especiais (Festivais, Salões,
Exposições), Escolas de Arte, Organizações Não Governamentais (ONGs),
entidades associativas, cooperativas, remanescentes quilombolas, indígenas ou
Educação do Campo (UNIVASF, 2011).
A inclusão do estágio em espaços de educação não formal tem se
apresentado como um conhecimento fundamental na formação de arte/educadores
como mediadores culturais. No entanto, a inclusão destes espaços para a realização
dos estágios supervisionados dos cursos de Licenciatura ainda não está
regulamentada. Como destaca Nakashato (2012), tanto a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN/ Lei Federal nº 9.394/1996), como as instâncias
deliberativas para o sistema oficial de ensino como o Conselho Nacional de
Educação (CNE) ou o próprio Ministério de Educação e Cultura (MEC), não
estipulam normas e diretrizes de formação inicial de docentes relacionada à
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educação não formal. De fato, os pareceres e as resoluções que tratam do tema
apontam o estágio para o exercício e práxis somente da educação formal, ficando a
cargo da autonomia universitária a possibilidade da realização de estágio
supervisionado nos espaços de educação não formal.
No caso particular da Licenciatura em Artes Visuais, no entanto, esta
modalidade de estágio supervisionado necessita estar presente nos projetos políticopedagógicos dos cursos, uma vez que historicamente o ensino de arte em espaços
de educação não formal (Movimento Escolinhas de Arte e Proposta Triangular)
foram fundamentais no processo de consolidação do que hoje se entende por
Arte/Educação.
O Movimento Escolinhas de Arte surgiu no começo da década de 50 (e se
estendeu até os anos 80, no Brasil e inclusive no exterior: Argentina, Paraguai e
Portugal). No entanto, sua história inicia em 1948 com a fundação da primeira escola
denominada Escolinha de Arte do Brasil (EAB), no Rio de Janeiro, por Augusto
Rodrigues, Margaret Spencer e Lúcia Alencastro Valentim. O objetivo de criar um
espaço de experiências e vivencias artísticas para a construção do conhecimento,
permitiu que este espaço se transformasse em um local de diálogo e pesquisa,
favorável a mudanças nas concepções educativas, aumentando o interesse pelo
desenvolvimento cognitivo das crianças e, no caso da arte/educação, pela
implementação da livre expressão. Os avanços da arte/educação só foram possíveis
a partir de proposições pioneiras das Escolinhas de Arte, responsáveis por propagar
outros ideários para o ensino da Arte, como o respeito ao repertório do aluno, o uso
de referências culturais locais, a experimentação estética etc.
A Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa, criada na década de 80, também
configura-se como uma referência determinante na renovação do ensino de arte a
partir de experiências de educação não formal. Essa proposta estrutura-se em três
pilares: a contextualização histórica, a produção e a leitura da obra de arte. A
sistematização dessa proposta tem influência das intensas pesquisas de Barbosa
sobre as experiências significativas de ensino de arte em especial nas Escuelas al
aire libre mexicanas, no Critical Studies inglês e no Discipline Based Art Education –
DBAE americano. Ao pensar a arte não só como expressão, mas também como
cognição, a Proposta Triangular marca uma nova postura no ensino de arte, que
passa a ser entendida como parte inseparável da cultura.
A partir da constatação da importância histórica e da necessidade da prática
do ensino das artes visuais no ensino não formal e na tentativa de persuadir mais
pesquisadores da Federação de Arte Educadores do Brasil a lutarem pela inclusão
destes espaços nas licenciaturas na área de Arte, este trabalho busca discutir
algumas questões referentes à arte/educação não formal e à mediação cultural, para
posteriormente apresentar a experiência do estágio supervisionado na educação
não formal do curso de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do
Vale do São Francisco.
As transformações socioeconômicas favoreceram o crescimento do chamado
terceiro setor, no qual encontram-se as organizações não governamentais (ONGs),
instituições financiadas pela iniciativa privada, estatal ou pelas novas leis de
incentivo fiscal. Sob essa perspectiva, a atuação do arte/educador na educação não
formal vem aumentando significativamente.
Mas o que significa educação não formal? Para compreender seu significado
é importante também compreender os conceitos de educação formal e informal.
Enquanto o primeiro refere-se à educação sistemática, paramentada e planejada; o
segundo, ao contrário, está relacionado a educação que pode ocorrer em qualquer
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âmbito, efetivando-se primordialmente na convivência social.
A educação não formal, por outro lado, rompe ou com a metodologia ou com
a estrutura do processo tradicional de ensino-aprendizagem e caracteriza-se por
possibilitar a transformação social, dando aos sujeitos que participam deste
processo, condições de interferir na história, refletindo-a, transformando-a, logo,
transformando-se. De maneira que o foco de seu argumento são os movimentos
sociais, as ações políticas militantes de grupos organizados etc. (AFONSO, 1989).
No intuito de demarcar melhor as diferenças entre estes três âmbitos
educacionais, Maria da Glória Gohn (2006) propõe uma série de questões que
permite definir cada um deles. Para a investigadora, na educação não formal quem
educa é aquele com o qual interagimos nos espaços educativos externos à escola
nos quais há, no entanto, processos educacionais intencionais. Os ambientes e
situações de ensino são interativos e construídos coletivamente, sendo a
participação normalmente optativa, havendo uma intencionalidade na ação, no ato
de participar, aprender e transmitir ou trocar saberes com o objetivo de capacitar os
indivíduos para a exercer plenamente a cidadania. Não obstante, a autora destaca
que esses objetivos não são dados a priori, eles se constroem coletivamente a partir
dos interesses dos participantes. Vale ressaltar que Gohn (2010) chama atenção
para o fato de que nem toda educação não formal é educação popular no sentido
freireano, uma vez que existem práticas clientelistas no terceiro setor que não
instauram processos de autonomia e emancipação entre os sujeitos atendidos.
Tampouco há na educação não formal uma estrutura rígida de organização, e
os grupos que se formam desenvolvem laços de pertencimento que auxiliam na
construção da identidade coletiva do grupo, desenvolvendo sua autoestima e
empoderamento. A solidariedade e a colaboração são aspectos fundamentais nesse
processo. Apesar do êxito educativo de muitas das atividades realizadas através da
educação não formal, esta ainda apresenta algumas carências relativas à
sistematização das atividades e à metodologia empregada, sendo a falta de
formação específica de seus educadores a principal delas.
De acordo com Trilla (2008), os âmbitos da educação não formal estão
relacionados à formação ligada ao trabalho, ao lazer e à cultura, à educação social e
às atividades extracurriculares da própria escola. Gohn (2006) propõe a articulação
da educação formal com a não formal para dar vida e viabilizar mudanças
significativas na educação formal. De acordo com a autora, é preciso desenvolver
saberes que orientem a participação de coletivos que tenham objetivos comuns.
De acordo com Gohn (2010), a LDBEN (1996) abriu caminho para o debate
institucional sobre a educação não formal ao afirmar no primeiro capítulo que
Art. 1º. A Educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Em 2006, as Diretrizes curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia, ampliaram essa discussão ao incluir a educação não escolar no campo
de atuação do pedagogo.
Segundo Ana Mae Barbosa (2002), o ensino de arte de melhor qualidade não
está na escola, mas sim nas Organizações Não-governamentais (ONGs) que
buscam a reconstrução social de crianças e adolescentes. Para a autora,
No Brasil todas as ONGs que tem obtido sucesso na educação dos
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excluídos, esquecidos ou desprivilegiados da sociedade, estão
trabalhando com arte e até vêm ensinando às escolas formais a lição
da arte como caminho para recuperar o que há de humano no ser
humano. (BARBOSA e COUTINHO, 2009, p.21)
Nesse sentido, a pesquisa realizada por Lívia Marques Carvalho (2005) e
dirigida ao ensino de artes nas ONGs demonstrou que o ensino de arte é
considerado fundamental para a reconstrução pessoal. Nesse estudo, a
pesquisadora investigou três ONGs: Renascer em Natal, Casa do Pequeno Davi em
João Pessoa e Maurê Malungo em Recife. De acordo com a autora,
Na maioria dessas instituições, a arte não é tomada apenas como
um meio de educação, mas como a educação em sim mesma. Por
meio da educação estética, pretende -se propiciar o desenvolvimento
integral (afetivo, cognitivo, intelectual e espiritual) dos educandos,
proporcionar o aprendizado técnico e teórico, com vistas, inclusive, a
uma possível profissionalização daqueles que assim o desejarem,
além de fornecer subsídios que permitem democratizar o acesso à
arte e aos bens culturais. (CARV ALHO, 2008, p.28)
Nessa pesquisa, a Carvalho também constatou que, diferentemente do
âmbito escolar tradicional, há em relação ao sexo dos educadores um predomínio do
gênero masculino. Outro dado importante levantado pela pesquisa foi em relação à
formação dos educadores, uma vez que nem todos tinham um diploma de
graduação.
Em relação às atividades realizadas, as atividades performáticas (música,
teatro e dança – 67% das atividades) foram predominantes em relação às atividades
de artes visuais (artes plásticas, artes gráficas e moda – 33% das atividades). Sobre
esse aspecto, Carvalho (2008) considera que a predominância de atividades com
mais potencial para apresentações públicas e trabalhos coletivos seja consequência
das exigências do apoio financeiro (marketing) uma vez que essas atividades têm
maior visibilidade. No entanto, a pesquisadora destaca a importância da diversidade
de modalidades artísticas, uma vez que através dela amplia-se o leque de
experiências estéticas.
A Educação Libertadora de Paulo Freire embasa todas as propostas
pedagógicas analisadas por Carvalho (2008), de maneira que todos educadores têm
liberdade e flexibilidade para traçar seus próprios caminhos. Essa liberdade não
significa ausência de exigências, pelo contrário, os educadores são constantemente
avaliados em sua capacidade de transmitir conteúdos práticos e teóricos, em suas
habilidades, na sua criatividade e poder de motivação. Para maioria dos educadores
entrevistados, as propostas pedagógicas não podem ser colocadas em prática
mecanicamente, assim como é impossível seguir um modelo de ensino ideal. De
acordo com os mesmos, para que as propostas sejam exitosas é necessário sua
adequação tanto ao grupo quanto aos objetivos desejados.
Os educadores também afirmaram que se baseiam em modelos para
programar suas oficinas, citando com frequência a Proposta Triangular e os métodos
da linha freireana. De acordo com Carvalho (2008), isso provavelmente ocorre por
se tratar de metodologias dialéticas e participativas e que se adaptam às propostas
das instituições.
Além da flexibilidade e liberdade pedagógica do educador do ensino não
formal, Carvalho (2008) destaca também a necessidade de um comprometimento da
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educação como transformação social, portanto este educador necessita ter um
posicionamento político, ético e estético alinhados aos da instituição, assim como
aptidões pessoais que vão além das habilidades técnico-profissionais, como
acolhimento, compromisso, paciência, ausência de preconceitos, empatia, respeito,
capacidade de agir com autoridade sem cair no autoritarismo, criatividade, espírito
crítico, democrático e participativo.
Um aspecto importante da investigação levada a cabo por Carvalho (2008),
foram as recomendações feitas pela autora que salienta a necessidade da
elaboração de currículos dos cursos de Licenciatura em Artes mais adequados à
diversidade do mercado de trabalho, capacitando os futuros profissionais para
atuarem tanto no ensino formal como no não formal, da mesma forma que destaca a
necessidade da realização de mais pesquisas sobre o ensino de arte nas ONGs, a
fim de produzir conhecimento, promover a reflexão crítica e estreitar elos entre as
ONGs e a universidade.
3 Ensino de arte e mediação cultural
Atualmente, os arte/educadores que realizam atividades em museus ou
outros espaços expositivos, bem como em outros espaços de educação não formal,
utilizam a denominação de “mediador cultural”, em detrimento de outras
denominações que até então vigoravam como “monitor”, “tiradúvidas”, “guia”,
“orientador de exposições” e até mesmo “arte/educador” (MOURA, 2007). No
entanto, não é só na nomenclatura que reside a mudança, a abordagem também
não é mais a mesma. Se anteriormente, o educador desses espaços era
responsável por transmitir informações técnicas e históricas, hoje, ele é um
observador, um propositor e um instigador:
[...] mediar é um ‘estar entre’. Um estar, contudo, que não é passivo
nem fixo, mas ativo, flexível, propositor. […] Um ‘estar entre’ atento e
observador, no olhar e na escuta, para gerar questõ es que apenas
tem sentido se provocam a reflexão, a conversação, a troca entre os
parceiros. Um estar entre que precisa ser mais apurado. (MARTINS,
2005, p.55)
O termo “mediador cultural” no contexto educação não formal se mostra mais
adequado porque nesses espaços os profissionais, na maioria das vezes, trabalham
com bens culturais e não especificamente com “arte” em sua acepção clássica.
Nesse sentido, é interessante ter claro sob qual conceito de arte estamos refletindo,
uma vez que já não cabe pensar arte como uma manifestação exclusiva da estética
eurocêntrica. Hoje em dia, quando falamos arte, na verdade, devemos pensar em
artes (no plural) como uma atividade cultural que se manifesta através de diferentes
poéticas –individuais ou coletivas– que (re)elaboram e (re)organizam imagens,
formas, cores, luzes, movimentos, ritmos, sons, silêncios etc. para criar objetos e/ou
ações artísticas.
A Constituição Brasileira, no artigo 216, corrobora esse conceito ao definir o
patrimônio cultural, posto que de acordo com o documento:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasilei ra, nos quais se
incluem:
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I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Pensar o ensino de arte a partir da perspectiva do patrimônio cultural é,
portanto, uma boa alternativa para trabalhar com a diversidade cultural, uma vez que
a partir desse enfoque rompe-se com as classificações canônicas que definem o que
é bom e o que é ruim e abre espaço para que as manifestações da cultura popular
também entrem em cena e passem a ser estudadas e valorizadas. Como
mediadores culturais, é nossa responsabilidade referenciar as diferentes expressões
culturais, sejam elas da cultura hegemônica, popular ou de massa, contextualizandoas, no sentido de refletir conjuntamente com os educando onde repousa o valor e o
significado de cada uma delas, não deixando espaço para o preconceito e o
menosprezo. Nesse contexto, o uso do termo “mediador cultural” para definir os
profissionais que atuam na área da educação não formal passa também as ser o
mais adequado.
São muitas as formas de mediação entre arte e público: textos críticos,
exposições e monitorias são algumas delas (GRINSPUM, 2000). O museu, centro
cultural, a exposição também devem ser por si mesmo educar através da
experiência da interpretação. Nicholas Serota (1996) aponta uma outra concepção
de educação em museus em que considera que a própria curadoria e o design das
exposições são também educação, não ficando limitada às práticas educativas do
museu. A partir dessa concepção, estes espaços tornam-se também mediadores
culturais.
A mediação cultural coloca-se como um termo que ultrapassa o conceito de
intermediar uma vez que não só visa aproximar o espectador do bem cultural como
tem um caráter rizomático, ao criar complexas relações entre o objeto de
conhecimento, o educando, o mediador, a cultura, a história, o artista, a
comunicação, os suportes etc. (MARTINS, 2003; 2005; MARTINS e PICOSQUE,
2012).
O mediador deve estar atento aos interesses de cada grupo e se possível de
cada sujeito destes grupos, posto que é o observador quem deve escolher o que
analisar e interpretar com a ajuda do mediador. Cabe ao mediador promover tanto a
informação necessária para a compreensão do bem cultural estudado como
incentivar a reflexão, a análise e a interpretação a partir dessa informação.
A mediação cultural não é uma prática restrita à educação não formal, ao
contrário, o educador ao entender o potencial dessa abordagem pode transformar a
sua própria prática pedagógica na educação formal, promovendo uma educação
mais participativa e dialogal. Como aponta Nakashato (2012, p.41),
a mediação cultural e as ações educativas de espaços culturais,
assim como de ONGs e de iniciativas do terceiro setor, podem
contribuir para a renovação e a mutação do pensamento e das
práticas dos atuais professores de Arte da educação formal, ainda
mais se, no decorrer de suas formações iniciais, os futuros
professores tiverem a oportunidade de experienciar, analisar e refletir
sobre estas estratégias.
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A mediação tem caráter autoral, pois cada experiência é única e vai depender
dos conhecimentos do mediador, do conhecimento que está sendo mediado e do
conhecimento do público. O mediador é o articulador destes três conhecimentos, e
tanto o público muda, como os próprios conhecimentos do mediador são
constantemente revistos, de forma que não há como repetir a experiência; o que
pode haver são aproximações, semelhanças, mas cada uma delas será única. Por
esse motivo, é necessário que instrumentos de avaliação específicos para essa
realidade sejam desenvolvidos.
De acordo com Nóvoa (2011), são cinco as facetas que definem o “bom
educador”: conhecimento, cultura profissional, tacto pedagógico, trabalho em equipe
e compromisso social. Logo, os conhecimentos que o mediador tem sobre o assunto
que será tema da experiência mediada são muito importantes, porque quanto mais
conhecimento mais possibilidades de traçar relações e, portanto, mais rica a
interlocução que realizará entre o bem cultural e o público. Do mesmo modo, é
importante que o mediador tenha conhecimentos dos processos de ensinoaprendizagem, para conhecer a teoria de como se ensina e como se aprende nas
diversas idades e na diversidade cultural.
4 A experiência do estágio supervisionado na arte/educação não formal
A realização da disciplina de Prática do Ensino das Artes Visuais III na
UNIVASF estrutura-se basicamente em três ações: oficinas com grupos
preferencialmente vinculados à organizações não governamentais; visitas mediadas
nos espaços expositivos da região do Vale do São Francisco e exercícios de
curadoria.
As oficinas (Fotografia 1) são organizadas através da elaboração de um
projeto de extensão pelos próprios alunos. A fim de promover uma atitude
colaborativa, os alunos são incentivados a realizarem seus projetos em duplas ou
pequenos grupos. Antes da elaboração do projeto, no entanto, os alunos devem
encontrar um grupo de sujeitos vinculados à uma organização não governamental e
que estejam predispostos a participarem voluntariamente da oficina a ser oferecida.
Durante a disciplina são discutidos e aprofundados os conceitos de educação não
formal, e na realização desta atividade os alunos podem vivenciá-los na prática.
Além disso, também são discutidos conceitos sobre extensão universitária e
elaboração de projetos artístico-culturais.
Dada a carência de espaços expositivos na região, as visitas mediadas
normalmente são realizadas na Galeria Ana das Carrancas do SESC/Petrolina
(Fotografia 2). Esta instituição conta com uma ótima infraestrutura expositiva e com
um corpo técnico qualificado, promovendo exposições de artes visuais de grande
qualidade e que na maioria das vezes são acompanhadas de catálogo, material
educativo e conversa com o(s) artista(s). Além disso, a instituição contrata uma
equipe de mediadores específica para cada exposição, que auxiliam os alunos da
disciplina na realização das visitas mediadas. O público-alvo desta ação é
normalmente público escolar, abrangendo desde a educação infantil até o ensino
médio, e se dá através de agendamento. Os alunos atuam individualmente ou em
duplas, a depender do tamanho do grupo a ser atendido. A Proposta Triangular
subsidia teoricamente as visitas mediadas que são programadas para que seja
possível contextualizar, apreciar e fazer arte e cultura.
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Fotografia 2 - Oficina de gravura na educação não formal
Fotografia de Ana Emídia Sousa Rocha.
Fonte: Relatório dos alunos.
Fotografia 1 - Mediação da Exposição "Você não está aqui" no SESC/Petro lina.
Fotografia de Paulo Vinícius de Almeida.
Fonte: Relatório dos alunos.
1565
A outra ação trata-se do exercício de curadoria de uma exposição (Fotografia
3). Nesta ação, os alunos individualmente ou em pequenos grupos devem
apresentar uma proposta expositiva na qual conste a seleção e a forma de
disposição dos trabalhos artístico-culturais, um texto de apresentação e uma
proposta de mediação cultural. O objetivo final deste exercício é realizar uma
exposição produzida pelos próprios alunos, para que possam vivenciar o papel de
artistas, curadores, produtores e mediadores.
Fotografia 3 - Mediação da Exposição "Memórias e Vivências de Passagem", Pr aça da
Misericórdia, Juazeiro/BA.
Fotografia de Rudinei Martins Antunes.
Fonte: acervo pessoal
Como fechamento da disciplina e proposta de avaliação e autoavaliação, os
alunos devem entregar um relatório escrito sobre as ações realizadas, bem como
apresentam oralmente, cada uma das ações para o grande grupo, a fim de que
todos possam conhecer e discutir as propostas realizadas e os resultados das
mesmas.
Cabe salientar que esta disciplina é a última das práticas e tem como prérequisito disciplinas como Didática, Fundamentos da Educação e Fundamentos e
Metodologia do Ensino das Artes Visuais, além das disciplinas de estágio
supervisionado no Ensino Fundamental I, II, Ensino Médio e Educação de Jovens e
Adultos. Estrutura-se de forma teórico-prática na perspectiva da práxis, ou seja,
desenvolve-se a partir de uma atitude investigativa, que envolva reflexão e
intervenção, posto que:
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O estágio não é atividade prática , mas teórica, instrumentalizadora da
práxis docente, entendida esta como atividade de transformação da
realidade. Nesse sentido o estágio curricular é atividade teórica de
conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção da realidade, esta,
sim objeto da práxis. (PIMENTA, 1994).
O estágio a partir dessa perspectiva vincula-se às concepções de professor
como profissional reflexivo (SCHÖN, 1992) e profissional crítico-reflexivo (PIMENTA,
2002; CONTRERAS, 2002). Essas concepções colocam a prática educativa como o
espaço de construção do conhecimento a partir da sua reflexão, análise e
problematização, tornando-se simultaneamente prática e teoria. Portanto, o estágio
é concebido como uma experiência significativa através da qual irá identificar,
selecionar e destacar os conhecimentos importantes para a atuação profissional
como mediador cultural.
5 Considerações finais
A prática do ensino de artes visuais nos espaços não formais tem-se
mostrado bastante produtiva, tanto é assim, que boa parte dos alunos decide por
realizar os seus trabalhos de conclusão de curso a partir das experiências vividas na
disciplina.
Além disso, observa-se que a inclusão da educação não formal como campo
de estágio auxilia os licenciandos a terem mais segurança na saída profissional,
visto que segundo relatos dos próprios alunos, nesta experiência eles sentem-se
mais autônomos na tomada de decisões, uma vez que não há a influência/presença
do professor da escola como acontece nos demais estágios. A partir desta
constatação, relatam sentirem-se plenamente capacitados para atuar como
arte/educadores qual seja o campo de ensino, formal ou não formal. Neste sentido,
mostra-se como um acerto a inclusão do estágio supervisionado na educação não
formal nos últimos semestres do curso, quando os alunos já possuem maturidade
intelectual e conhecimentos suficientes para agirem com plena autonomia.
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Fabiane Pianowski
Professora da Universidade Federal do Vale do São Franci sco (UNIVASF). Possui
Licenciatura em Artes Visuais (2003) e Mestrado em Educação Ambiental (2004) ambos
pela FURG. Doutorado em História da Arte pela Universidade de Barcelona (2014),
revalidado como Doutorado em Artes Visuais pela UNICAMP (2015) .
fabiane.pianowski@univasf.edu.br / http://lattes.cnpq.br/1414783614520831
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