2027
Watching, listening and sharing:
field work for psychosocial autopsies
Maria Cecília de Souza Minayo 1
Sonia Grubits 2
Fátima Gonçalves Cavalcante 3
Centro Latino Americano
de Estudos de Violência e
Saúde Jorge Carelli, Escola
Nacional de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz.
Avenida Brasil 4036/700,
Manguinhos. 21040-361
Rio de Janeiro RJ.
cecilia@claves.fiocruz.br
2
Programa de Mestrado
Pós Graduação em
Psicologia, Universidade
Católica Dom Bosco.
3
Laboratório de Práticas
Sociais Integradas,
Mestrado Profissional em
Psicanálise, Saúde e
Sociedade, Universidade
Veiga de Almeida.
1
Abstract The article describes the research realization phases of field work in ten municipalities
in five regions entitled “Is it possible to prevent
the anticipation of the end? Suicide among the
elderly in Brazil and the possibilities for action
by the Health Sector.” The sample comprises 51
psychosocial autopsies of 5 elderly people who
committed suicide in 9 locations and 6 in another. 84 family members were interviewed. Semistructured psychosocial autopsies and contextual
observations were used. Each interview lasted 60
minutes on average and in the majority of the
cases there was more than one encounter with
family members. The study consisted of a collective process that involved bibliographic review,
discussion of the samples, approach strategies, field
results and empirical analysis. This article highlights the theoretical, conceptual and practical
preparation of researchers and production and
standardization of instruments; information
about existing data sources and those that are
actually used; introduction of institutional credentials; assessment of the family context, difficulties and strategies for empirical study; entrance
to and exit from the field; and the impact of the
research on the investigators.
Key words Psychological autopsy, Psychosocial
autopsy, Suicide, The elderly
Resumo O artigo descreve as etapas de realização
do trabalho de campo da pesquisa. É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de Idosos no
Brasil e possibilidades de Atuação do Setor de Saúde, realizada em 10 municípios das cinco regiões
do país. A amostra composta por 51 autópsias psicossociais abrangeu cinco idosos que faleceram por
suicídio em nove municípios e seis em um deles.
Oitenta e quatro familiares foram entrevistados.
Trabalhou-se com um roteiro denominado autópsia psicossocial e com observação do contexto. Cada
entrevista durou 60 minutos em média, e na maioria dos casos, houve mais de um encontro com os
familiares. O estudo foi construído por meio de
um processo coletivo que abrangeu compartilhamento da revisão bibliográfica, discussão do universo, das amostras, das estratégias de abordagem,
dos resultados de campo e das análises empíricas.
Este artigo destaca a preparação teórica, conceitual e prática dos pesquisadores; o processo de elaboração dos instrumentos para o trabalho de campo;
informações sobre as fontes de dados existentes e
sobre as efetivamente acessadas; apresentação de
credencial institucional; entrada no contexto das
famílias, dificuldades e estratégias para realização
do estudo empírico; entrada e saída do campo; e
impacto da pesquisa sobre os investigadores.
Palavras-chave Autópsia psicológica, Autópsia
psicossocial, Suicídio, Idosos
ARTIGO ARTICLE
Observar, ouvir, compartilhar:
trabalho de campo para autópsias psicossociais
Minayo MCS et al.
2028
Introdução
Este texto trata do trabalho de campo em pesquisas sobre suicídio. Seu objetivo é refletir sobre
as dificuldades e as possibilidades que esse tipo
de presença in loco pode trazer para a melhor
compreensão do fenômeno. No caso, o trabalho
de campo aqui problematizado diz respeito ao
suicídio de pessoas idosas, a partir da investigação: É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de Idosos no Brasil e possibilidades de Atuação do Setor Saúde1.
Entende-se o termo campo em pesquisa qualitativa, tal qual utilizado para realização das autópsias psicossociais, como o recorte espacial que diz
respeito à abrangência, em termos empíricos, do
recorte teórico do objeto da investigação. A pesquisa qualitativa trabalha com pessoas e grupos,
compreendendo-os como atores sociais em relação, seja no encontro face a face seja através da
exposição de suas ideias e ações no caso de análise
de documentos. No campo, os objetos de estudo
fazem parte de uma relação de intersubjetividade
entre pesquisador e pesquisado. Daí resulta um
produto compreensivo que não é a realidade concreta e, sim, uma descoberta construída com todas
as disposições em mãos do investigador: suas hipóteses e pressupostos teóricos, seu quadro conceitual e metodológico, suas interações, observações e interrelações com os interlocutores e colegas
de trabalho e suas experiências anteriores2.
O trabalho de campo permite a aproximação
entre o pesquisador e a realidade sobre a qual
formulou perguntas, buscando testar e aprofundar seu conhecimento hipotético. Desta forma,
todo pesquisador que vai a campo, além de ser
um curioso, um observador e um perguntador,
também precisa exercer o que Gadamer3 denomina de capacidade hermenêutica, ou seja, a arte
de se colocar no lugar do outro, promovendo a
compreensão antes de qualquer interpretação3,4.
Essas habilidades devem ser praticadas ininterruptamente, pois a pesquisa será tanto mais profícua quanto mais o estudioso for capaz de confrontar suas teorias e suas hipóteses com a realidade empírica, de forma aberta, intensa e flexível.
Embora haja muitas formas e técnicas de se
realizar o trabalho de campo, foram dois os instrumentos principais utilizados nesta pesquisa:
observação participante e entrevista. Enquanto a
primeira foi realizada sobre o que não é dito,
mas pode ser visto e captado, a segunda teve
como matéria prima a fala dos interlocutores.
Além de vários significados, a atividade de
observação tem um sentido prático: permite ao
pesquisador ficar mais livre de pré-julgamentos,
uma vez que não o torna, necessariamente, prisioneiro de um instrumento de coleta de dados ou
de hipóteses testadas antes. Na medida em que
convive com o grupo, o observador pode retirar
de seu roteiro de entrevista questões que percebe
serem irrelevantes do ponto de vista dos interlocutores; e, também, compreender aspectos que
afloram aos poucos. A observação participante
ajuda a vincular os fatos a suas representações e
a desvendar as contradições entre normas, regras e práticas no cotidiano do grupo ou da instituição observados2.
A entrevista deve ser concebida como um trabalho interacional (ou seja, de relação entre pesquisador e pesquisados), como instrumento privilegiado de coleta de informações, em que a fala
de um entrevistado é reveladora de condições de
vida e de expressão de sistemas de valores e crenças. Ao mesmo tempo, a entrevista tem a magia
de transmitir, por meio de um porta-voz, o que
pensa o grupo dentro das mesmas condições e
situações2. Por isso, na pesquisa qualitativa, todo
o empenho deve se voltar para que o corpo e o
sangue da vida real componham o esqueleto das
construções abstratas como diz Malinowski, usando essa metáfora biológica5.
O trabalho de campo é, portanto, uma porta
de entrada para o novo, sem que esse se apresente claramente. São as perguntas que se fazem à
realidade, a partir da teoria e dos conceitos transformados em tópicos de pesquisa que permitem
construir a perspectiva da observação e da compreensão. Por tudo isso, além de ser uma etapa
importantíssima da pesquisa, a imersão na realidade empírica é o contraponto dialético da teoria social.
O trabalho de campo pode ser desmembrado em vários aspectos que serão aqui tratados,
já se abordando o objeto em questão: a preparação da atividade e dos instrumentos; acesso às
fontes de dados secundários; apresentação de
credencial institucional; acesso às famílias segundo
as localidades; aproximação das famílias, entrevistas e observação do contexto do suicídio; por
fim, a entrada e a saída do campo e seus desdobramentos.
A relevância de apresentar as experiências e
vivências que ocorrem na investigação empírica
sobre suicídio de idosos se deve, sobretudo, às
dificuldades que se encontram tanto para conseguir informações confiáveis como para abordar
os familiares, geralmente, dolorosamente marcados pelo que consideram uma tragédia em seu
sistema social6. Em todos os relatórios de traba-
2029
Etapas de realização empírica
das autópsias psicossociais
Preparação do trabalho de campo e dos instrumentos para entrevista e observação – O primeiro
critério para elaboração da amostra do estudo
qualitativo foi a incidência do fenômeno por regiões e municípios, constatada por um levantamento epidemiológico; o segundo, resguardada
a relevância do fenômeno na localidade, foram
aspectos de conveniência como distância em re-
lação à localidade e possibilidade de conseguir
apoio logístico ou institucional. Por ser um tipo
de investigação que exige muito investimento no
campo e na análise dos resultados, em conjunto,
os pesquisadores decidiram trabalhar com cinco
entrevistas em cada uma das localidades escolhidas, embora tivessem a liberdade de realizar, individualmente, um estudo mais extenso. Por que
cinco e não seis ou dez? Esse foi um número convencionado, uma vez que sob qualquer hipótese,
o tipo de pesquisa não ensejaria o que nas abordagens qualitativas se chama de saturação de informações, dada a complexidade dos motivos
aludidos pelos familiares das pessoas que faleceram por suicídio2.
Para que as histórias pessoais e familiares
fossem compreendidas no contexto da vida pessoal, social e cultural dos idosos que morreram
por suicídio, realizou-se uma breve descrição dos
municípios selecionados, a partir do levantamento das seguintes informações: (1) principais características urbanas ou rurais; (2) organização
econômica, social e cultural; (3) existência ou não
de serviços públicos e sociais disponíveis como
centros de convivência para idosos ou programas de prevenção de suicídio; (4) dinâmica do
cotidiano da população, ou seja, se na localidade
a vida social é intensa ou ao contrário; se existem
recursos sociais como clubes de lazer, agremiações religiosas, atividades artesanais, atividades
turísticas; (5) meios de trabalho e de entretenimento e, por fim, (6) caracterização da vida da
população idosa.
O instrumento adotado para entrevista e
observação denominado “autópsia psicológica”
por Shneidman9 e outros como Conwell et al10,11,
Hawton et al12, Beeston13, Werlang e Botega14 foi
adaptado para este estudo, por Minayo et al15
que passaram a usar o termo “autópsia psicossocial” entendendo que essa expressão integra
melhor os aspectos antropológicos e sociais à
análise dos estados emocionais do indivíduo.
Esse instrumento que pode ser considerado
como um roteiro para uma entrevista semiestruturada14 – e será detalhado em artigo específico – propiciou a caracterização psicossocial dos
idosos que faleceram por suicídio e de seus familiares a partir de dados da história e do modo de
vida; da avaliação dos antecedentes e do ambiente que antecedeu a morte; do impacto na família;
da letalidade do método; da intenção já manifesta pelo idoso de se matar; do estado mental da
pessoa antes do ato fatal; da imagem e das reações da família (tipo de comunicação, relações
entre as pessoas, regras e expressão de afetos) e
Ciência & Saúde Coletiva, 17(8):2027-2038, 2012
lho, os pesquisadores1 apontaram alguns impasses como: localização das casas mapeadas por
diversos meios acessados; episódios de negação
ou de dúvidas dos familiares quanto à veracidade do ato suicida; recusas de falar sobre o fato ou
não comparecimento a entrevistas agendadas.
Tudo isso ressalta o quão problemático é o tema
e quão difícil é tratá-lo.
A pesquisa empírica ocorreu em 10 municípios das cinco regiões do país, nos quais as taxas de
suicídio de idosos estão acima das médias nacionais: no Norte foi realizado em Manaus; no Nordeste, em Fortaleza, Teresina e Tauá; no Centro
Oeste, em Campo Grande e Dourados; no Sudeste, em Campo de Goytacazes; e no Sul, em São
Lourenço, Candelária e Venâncio Aires. No Norte, apenas Manaus foi escolhida, pois não existem
outros locais em que as taxas estejam acima da
média nacional. E no Sudeste, o estudo empírico
só foi feito em Campos, pois acabara de ser concluído, por pessoas deste mesmo grupo, uma pesquisa de magnitude e de autópsias psicossociais
na cidade do Rio de Janeiro7,8. Foi dada ênfase à
pesquisa no Sul do país onde o fenômeno é mais
relevante e ao Nordeste, em locais em que as taxas
também são muito elevadas.
O estudo foi realizado em cinco duplas formadas por 10 pesquisadores seniores, mas a realização do trabalho como um todo envolveu
também 32 jovens estudantes de doutorado,
mestrado e iniciação científica. Foram cinco ou
mais casos pesquisados em cada localidade e
ouvidas 84 familiares, sendo 62 mulheres e 22
homens, pois, quando possível se buscou entrevistar mais de uma pessoa por caso. As entrevistas foram realizadas com familiares de idosos
que faleceram por suicídio pelo menos há dois
anos antes do trabalho de campo e, retrospectivamente, até os últimos cinco anos, conforme
recomendam os estudos sobre o assunto. A
observação do contexto também fez parte do estudo. O presente artigo busca resumir essa experiência empírica.
Minayo MCS et al.
2030
da comunidade; e da existência ou não de fontes
de apoio por parte dos familiares, vizinhos, serviços sociais e de saúde ou de ONG que lidam
com esse problema.
A discussão para a realização da pesquisa
constituiu um processo reflexivo do qual participaram todos os pesquisadores. Isso ocorreu por
meio da socialização de um acervo bibliográfico
contendo estudos clássicos que inauguraram o
campo e artigos atualizados até o ano de 2010.
Posteriormente, foi realizada uma oficina de trabalho com o objetivo de socializar a compreensão do fenômeno e o aprimoramento dos instrumentos. Todo esse material preparatório foi
compilado num manual que consolidou a padronização dos procedimentos e as recomendações. O trabalho de campo durou cerca de quatro meses. Um mês após seu término e com todo
o material pré-analisado por localidade, houve
uma segunda oficina para reflexão crítica e discussão dos resultados das entrevistas e das observações e voltada para aprimoramento dos instrumentos de coleta de dados.
As fontes de dados secundários acessadas no
campo – Esta etapa constituiu-se no uso de estratégias para localização e acesso aos dados e
aos casos de suicídio. Algumas instituições oficiais possuem registro de ocorrência das mortes
autoinfligidas, foram identificadas e contatadas.
O acesso às informações, porém, nem sempre
foi disponibilizado.
Foram cinco as principais instituições a quem
os pedidos de informação se dirigiram:
O Instituto Médico Legal (IML) que possui
peritos criminais e produz laudos de onde consta a descrição da situação da morte e de algumas
evidências que corroboram com o diagnóstico
de suicídio.
O Batalhão da Polícia Militar que emite um
Boletim de Ocorrência Policial (BO) no qual ficam também registradas as circunstâncias de
morte e o veredicto sobre o suicídio.
O Cartório Municipal onde é possível checar
os casos, examinando-se as Declarações de Óbito (DO), embora nem sempre elas contenham o
veredicto de suicídio em seu registro final.
O Sistema de Informação de Mortalidade (SIM)
que tem como fonte as declarações de óbitos a
partir dos dados da Secretaria Municipal de Saúde que, por sua vez, nos casos de suicídio, se baseiam nos laudos do Instituto Médico Legal.
A Secretaria Municipal de Saúde quando favorece o acesso aos registros hospitalares e dos
prontos socorros e aos profissionais que atuam
na Estratégia Saúde da Família. Em geral, esses
últimos conhecem as famílias e têm a vantagem
de conviver com a população local.
Os Quadros 1 e 2 indicam onde as equipes
buscaram informações e apoio para selecionar
as famílias a serem entrevistadas. Do primeiro,
constam as que foram procuradas; do segundo,
as que foram accessíveis e colaboraram.
As dificuldades de se obter informações sobre o tema fazem parte do contexto, dos mitos e
das crenças que cercam a morte autoinfligida.
Por isso, a articulação com informantes institucionais ocorreu levando-se em conta sua disponibilidade e abertura para acolher a pesquisa, sua
rapidez para apresentar os dados e até mesmo,
em alguns casos, seu apoio à realização do trabalho de campo.
Já os primeiros contatos apontaram a importância da escolha das instituições que abraçariam o projeto e ofereceriam as informações
de forma mais rápida e elucidativa, depois de receberem os esclarecimentos devidos sobre a proposta e sobre o respaldo do comitê de ética da
Fundação Oswaldo Cruz. Em algumas situações
foi necessário efetuar-se um tipo de convênio
para se iniciar os trabalhos. De acordo com os
diários de campo das diferentes equipes, encontrou-se apoio nas instituições que compõem o
Quadro 2.
A acolhida por parte de algumas entidades e
de seus profissionais foi fundamental para o êxito da pesquisa, pois um dos princípios básicos do
trabalho de campo é que o investigador consiga o
apoio de pessoas em quem seus possíveis entrevistados confiem, para facilitar a interlocução.
Frequentemente, no entanto, os pesquisadores
tiveram que buscar as famílias e interagir com
elas apenas a partir dos dados secundários que
possuíam, apostando em sua experiência e na sua
capacidade de aproximação. Isso ocorreu, principalmente, nas localidades onde a questão do suicídio de idosos não é considerada socialmente relevante, como é o caso das grandes cidades.
Apresentação de credencial institucional e agendamento das entrevistas - Como se faz em pesquisas realizadas por várias equipes e simultaneamente em diversos locais do país – e no caso
deste estudo sobre suicídio, esse elemento foi fundamental – tomou-se o cuidado de criar uma
credencial padronizada para os pesquisadores e
dirigida às instituições mediadoras e às famílias.
As coordenadoras escreveram uma carta em
papel timbrado da Fundação Oswaldo Cruz, descrevendo todos os principais aspectos do estudo e,
em anexo, foi apresentado um documento de adesão para ser assinado pelo interlocutor. Esse termo
2031
Norte
Manaus (AM)
1º- Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Amazonas;
2º- Declaração de Óbito obtida na Fundação Vigilância em
Saúde do Estado do Amazonas;
3º- Sistema de Informação sobre Mortalidade do Sistema
único de saúde - SUS - (SIM) da SES do Amazonas;
Fortaleza (CE)
1º- Instituto Médico Legal (IML) (sem sucesso);
2º- Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Ceará;
3º- Núcleo de Vigilância Epidemiológica da SES do Ceará;
4º- Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) da SES
do Ceará;
5º- Busca de endereço ou o telefone de contato no
Informador 144;
Tauá (CE)
1º2º3º4º5º-
Teresina (PI)
1º- Instituto Médico Legal (IML);
2º- Programa Saúde da Família (PSF);
3º- Agendamento das entrevistas via correio;
Venâncio Aires (RS)
1º- Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Venâncio Aires;
2º- Programa de Proteção contra a Violência (PPV) da
SMS de Venâncio Aires;
3º- Agendamento das entrevistas pela equipe do PPV;
Candelária (RS)
1º- Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Candelária
para identificação dos casos;
2º- Agendamento das entrevistas pela equipe do CAPS a
partir de visitas domiciliares;
3º- Localização dos endereços (área rural) com auxilio de
profissional do CAPS;
São Lourenço do Sul (RS)
1º- Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS
ad) de São Lourenço do Sul para identificação dos casos;
2º- Agendamento das entrevistas pela equipe do CAPS a
partir de visitas domiciliares;
3º- Localização dos endereços (área rural) com auxilio de
profissional do CAPS ad;
Campo de Goytacazes (RJ)
1º- Delegada Adjunta da 134ª Delegacia de Polícia Civil
(DPC) de Campo dos Goytacazes;
2º- Policia civil para acesso aos Boletins de Ocorrência (BO);
3º- Instituto Médico Legal que permitiu cópia dos laudos.
Campo Grande (MS)
1º- Secretaria Estadual de Saúde (SES) de Mato Grosso do
Sul (MS);
2º- Núcleo de Vigilância Epidemiológica da SES de MS;
3º- Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de MS;
4º- Delegacia de Polícia Civil (DPC) – acesso aos Boletins
de Ocorrência (BO);
5º- Núcleo de Prevenção a Violência de Campo Grande
(sem sucesso);
Dourados (MS)
1º- Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Dourados;
2º- Setor de Vigilância Epidemiológica da SMS de Dourados;
3º- Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública
(SEJUSP) de Mato Grosso do Sul;
4º- Delegacia de Polícia Civil (DPC) de MS; acesso aos
Boletins de Ocorrência (BO);
Nordeste
Sul
Sudeste
Centro-Oeste
Secretaria de Saúde do Estado (SES) do Ceará em Tauá;
Área de Epidemiologia da SES do Ceará em Tauá;
Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Tauá;
Setor de Notificação de Casos da SMS de Tauá;
Carta aos familiares;
Ciência & Saúde Coletiva, 17(8):2027-2038, 2012
Quadro 1. Instituições contatadas para acesso aos entrevistados.
Cidades
Região
Instituições e Procedimentos até a identificação dos casos
Minayo MCS et al.
2032
Quadro 2. Instituições que colaboraram na identificação dos casos, dos meios de agendamento e do local
da entrevista, por município.
Municípios
Instituição
Identificação dos casos
Manaus
(AM)
Secretaria Estadual
de Saúde (SES)
Fortaleza
(CE)
Agendamento
Local
Cartório Municipal
Declarações de Óbito
(DO)
Agendamento direto
Residência e
local de
trabalho dos
familiares
Secretaria Estadual
de Saúde (SES)
Sistema de Informação
de Mortalidade (SIM)
Por telefone
Residência
Tauá (RN)
Secretaria Municipal
de Saúde (SMS)
(SMS)
Sistema de Informação
de Mortalidade (SIM)
Equipe de Saúde da
Família (ESF).
Equipe de Saúde da
Família (ESF). A
partir de visitas
domiciliares.
Residência
Teresina (PI)
Instituto Médico
Legal (IML)
Laudos Periciais do
Instituto Médico Legal
(IML).
Correio
Residência
ou posto de
saúde
Venâncio
Aires (RS)
Secretaria Municipal
de Saúde (SMS)
Programa de Proteção
contra a Violência
(PPV) da SMS
Equipe do Programa
de Proteção contra a
Violência (PPV) da
SMS a partir de
visitas domiciliares.
Posto de
Saúde
Candelária
(RS)
Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS)
Empresa de
Assistência Técnica
e Extensão Rural
(Emater)
Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS)
Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS)
a partir de visitas
domiciliares.
Residência
São Lourenço
do Sul (RS)
Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e
Drogas (CAPS ad)
Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e
Drogas (CAPS ad)
Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e
Drogas (CAPS ad) a
partir de visitas
domiciliares.
Residência
Campo de
Goytacazes
(RJ)
Delegacia de Polícia
Civil (DPC)
Instituto Médico
Legal (IML)
Boletins de Ocorrência
(BO); Anotações do
Livro do IML e Laudos
Periciais do IML.
Telefone
Residência
Campo
Grande (MS)
Delegacia de Polícia
Civil (DPC)
Boletins de Ocorrência
(BO);
Sem agendamento
Residência
Dourados
(MS)
Secretaria Municipal
de Saúde (SMS)
Delegacia de Polícia
Civil (DPC)
Boletins de Ocorrência
(BO);
Sem agendamento
Residência
de consentimento passou a ser exigido desde a portaria 96/1996 do Ministério da Saúde, que regula as
pesquisas nacionais com seres humanos. A credencial em mãos de cada pesquisador constituiu
um instrumento a mais a se somar aos cuidados
requeridos em todos os passos do estudo.
Cada grupo em sua localidade utilizou meios
diferentes para marcação das entrevistas. Mui-
2033
res e por cultura local. Em nove das dez localidades os depoimentos dos familiares foram gravados. Apenas em Campos dos Goytacazes as pesquisadoras decidiram não utilizar o gravador nas
entrevistas, depois que duas famílias não concordaram com esse tipo de registro de seus relatos,
embora não tivessem feito objeção às anotações.
As gravações foram substituídas por anotações
durante a conversa e por imediata complementação de toda história ouvida pela comparação dos
escritos da dupla de pesquisadores.
Nos municípios de Candelária, São Lourenço e Venâncio Aires na Região Sul, um dos problemas maiores foi o acesso às residências. A
maioria das famílias dos idosos que faleceram
por suicídio vive na área rural, em pequenas e
médias propriedades de colonos de origem alemã. Vários contatos com os familiares e com as
comunidades foram facilitados por profissionais
do Centro de Atenção Psicossocial, Álcool e Drogas (CAPSad) e do Programa de Proteção contra
a Violência (PPV).
A equipe de Mato Grosso do Sul vivenciou
duas realidades diferentes, o que influenciou as
ações dos pesquisadores e o acesso aos entrevistados. Campo Grande, capital do Estado, é uma
cidade típica de comércio e prestação de serviços,
tem altos índices de qualidade de vida e é 90%
urbanizada. Não houve dificuldades no deslocamento e no acesso às residências, favorecendo
também o retorno para aprofundamento e esclarecimentos de determinadas informações. Foi
frequente que amigos e familiares do idoso indicassem outras pessoas para serem entrevistadas.
Em Dourados, segunda cidade de Mato Grosso do Sul em potencial econômico e em número
de população, o índice de urbanização não segue
o ritmo de crescimento demográfico, as condições de infraestrutura e de vida são precárias,
principalmente nos bairros mais afastados do
Centro. Uma reserva indígena e um acampamento de população sem-terra fazem parte da periferia urbana. No local em que o acampamento
dos sem-terra se instalou, o índice de suicídio é
alto, segundo o agente de saúde que auxiliou o
grupo de pesquisa. Lá foram localizados dois
casos de idosos que faleceram por suicídio. Os
profissionais de saúde colaboraram no acesso e
indicação das famílias.
Os pesquisadores de Fortaleza consideram
que as entrevistas ocorreram num clima de paz e
de apoio aos familiares dos idosos. Porém, enfrentaram várias recusas ou barreiras nos primeiros contatos. Como por exemplo, alegação
de falta de tempo por parte da pessoa convidada
Ciência & Saúde Coletiva, 17(8):2027-2038, 2012
tos, a partir dos dados secundários fizeram visitas aos familiares, tratando pessoalmente de um
possível encontro; outros enviaram cartas e esperaram respostas que em alguns casos vieram e
noutros não; outros utilizaram o telefone e o fizeram várias vezes. Na maioria dos casos, os vários procedimentos foram utilizados simultaneamente, visando a garantir os encontros. Houve
várias formas de reação: pronto aceite, relutância em agendar data – o que frequentemente redundou em recusa – ou recusas imediatas. Os
pesquisadores tinham uma listagem de famílias
até 10 vezes maior do que o necessário para atender ao número previsto na pesquisa.
Fez parte das dificuldades encontradas no
campo, a exigência da assinatura do termo de
consentimento livre e esclarecido por parte dos
participantes. Muitos familiares tiveram medo de
se expor e se recusaram a firmá-lo, portanto não
puderam ser incluídos na pesquisa. Alguns receavam que suas palavras pudessem ter implicações legais ou serem divulgadas. Isso ocorreu,
mesmo que o anonimato e o sigilo sobre os dados estivessem garantidos por documento e verbalmente. Frequentemente, os pesquisadores tiveram que assegurar aos familiares de que não
se tratava de uma entrevista nem para a polícia e
nem para a mídia. Como em todo o processo de
pesquisa, nesse ponto também, as reações não
foram unânimes. Alguns interlocutores disseram
que até autorizariam a publicação de seus nomes
verdadeiros nas entrevistas, se fosse o caso.
Observou-se que a diversidade de comportamento entre os entrevistados correspondeu, em
certa medida, a como o grupo familiar vem reagindo aos problemas que ocorreram a partir do
momento pós-morte de seu idoso. Por exemplo,
em alguns casos de recusa, observou-se que os
familiares haviam sofrido muitas discriminações
no seu ambiente comunitário ou eles próprios se
retraíram após a morte do idoso. Os pesquisadores também mencionaram casos de famílias
que aceitaram participar da pesquisa, mas num
primeiro contato também estavam receosos de
se abrir por causa dos preconceitos de que vêm
sendo alvo desde a morte do parente. Estes só se
sentiram à vontade quando foram capazes de
perceber a atitude de acolhimento e de solidariedade dos pesquisadores. A forma de encarar o
evento fatal, portanto, costuma ser influenciada
por repercussões sociais, morais e até financeiras
por muitos e muitos anos.
Acesso às famílias, segundo localidades - Em
cada diário de campo foi possível identificar especificidades por pesquisador, por seus interlocuto-
Minayo MCS et al.
2034
a dar seu depoimento, medo de se comprometer
ou mesmo, havia casos em que os familiares ainda se consideravam muito frágeis para falar de
sua perda. Os pesquisadores observam que alguns haviam se isolado totalmente. A presença e
o apoio dos grupos de profissionais de Saúde da
Família foram fundamentais e deve ser destacada a participação de agentes comunitários e, em
alguns casos, de moradores da vizinhança.
Em Tauá, a localização dos casos e residências foi muito rápida, com apoio da equipe do
CAPS. A cidade é pequena, como no caso dos
municípios pesquisados da Região Sul. Os profissionais de saúde muito contribuíram para o
acesso às famílias e o trabalho de campo transcorreu com facilidade, permitindo uma reflexão
posterior sobre o fenômeno com esses profissionais, dando-lhes um retorno sobre pessoas que
precisariam ser acompanhadas.
Em Teresina, contatos foram inicialmente feitos por correio. A receptividade dos familiares
foi qualificada como muito boa, mas a abordagem foi muito difícil. Em geral, os pesquisadores
iniciavam o encontro conversando livremente
sobre a família e sobre o idoso. Na sequência, a
entrevista sobre a pessoa que havia morrido por
suicídio ocorria em clima de segurança e confiança, mas havendo também momentos de emoção, choro, tristeza, lamentações e até de mútua
culpabilização entre os familiares.
Em seus diários de campo, os pesquisadores
de Fortaleza, Tauá e Teresina assinalaram que seu
comportamento foi de calma, tentando harmonizar as pessoas, respeitando suas crenças religiosas, suas inseguranças, sem julgamento dos fatos e dos contextos observados.
Em Manaus, houve um acolhimento satisfatório da proposta após esclarecimentos feitos no
contato inicial com os participantes. Apenas numa
das cinco famílias entrevistadas houve cautela e
desconfiança inicial que, em seguida, foram superadas.
Em Campos dos Goytacazes foi dada preferência aos casos que tivessem os dados completos, ou seja, laudo pericial, boletim de ocorrência
e anotações no livro de registro. Houve vários
tipos de dificuldades como a de acesso a casos
longe do centro urbano, agendamentos que depois não se concretizaram, mas nas cinco entrevistas realizadas, os pesquisadores consideram
que houve clima de confiança e de mútua compreensão.
Aproximação das famílias e do contexto do suicídio – Em nove dos dez municípios as entrevistas ocorreram nas residências, o que facilitou a
observação desse micro universo. Numa das localidades, por dificuldades no acesso físico às
casas, as entrevistas foram realizadas ou no lar
de algum parente ou em seus locais de trabalho.
O apoio institucional, que havia sido importante
para a escolha dos casos, teve papel fundamental
na comunicação com as famílias, principalmente, para a realização da primeira autópsia psicossocial.
Desde as reuniões realizadas ao início da pesquisa, os pesquisadores tinham conhecimento
dos obstáculos que encontrariam no trabalho
de campo2,8-14. Todos os estudiosos do fenômeno
do suicídio ressaltam a dificuldade tanto das instituições como das pessoas em falar sobre o assunto, por causa da elevada carga social e emocional e dos interditos, crenças, medos e emoções
que o rondam. Tema difícil de ser tratado pelos
parentes, mas também por amigos e vizinhos que,
mesmo conhecendo os fatos, muitas vezes se recusaram a participar da pesquisa, alegando que
o ocorrido constituía um problema das famílias
e nele não deveriam se intrometer.
Ao chegar, os pesquisadores discorriam resumidamente sobre o sentido e o objetivo do estudo, utilizando linguagem do senso comum e
mostrando a seus interlocutores como seu depoimento poderia contribuir direta ou indiretamente para a pesquisa como um todo, para a
comunidade e para a própria família. Alguns
denominaram essa conversa inicial como “aquecimento”, ou seja, ela consistia numa introdução
que visava a perceber se os possíveis entrevistados tinham disponibilidade emocional para a
conversa e a criar um clima o mais possível compreensivo e respeitoso.
Como se sabe, teoricamente e na prática, desde
os primeiros momentos de contanto, os entrevistados vão construindo uma identidade para o
pesquisador, por isso toda a orientação foi para
que se apresentassem de forma accessível, verdadeira e transmitissem confiança. A menção à instituição responsável pela pesquisa, no caso, a Fundação Oswaldo Cruz aliada à Universidade de
pertencimento de cada pesquisador foi muito
importante para dar segurança às famílias.
À medida que os objetivos do trabalho foram
ficando claros para os familiares que aceitaram
dar entrevista, as conversas em geral fluíam. Pela
delicadeza das situações, mesmo quando os pesquisadores conseguiam romper as barreiras, a cautela e a forma cuidadosa de abordar continuavam. O fato dos pesquisadores terem grande habilidade com pesquisas de campo favoreceu as articulações e as abordagens. Muitos conseguiram o
2035
riam mais ênfase. Igualmente, faziam, por escrito anotações sobre os aspectos observados quanto ao contexto.
Como já foi dito, os sentimentos que acompanham a realização das autópsias psicossociais
são imprevisíveis. Por exemplo, em Fortaleza,
houve o caso do irmão de um dos idosos que se
prontificou a contar a história e as circunstâncias, mas a família decidiu interromper a entrevista porque outra irmã que participava do encontro ficou muito emocionada e transtornada. Em
Manaus, ao contrário, a filha de um senhor que
faleceu por suicídio comentou sobre sua grata
surpresa de poder, pela primeira vez, falar sobre
a morte do pai. E ao final, ressaltou que estava se
sentindo bem por esse encontro inesperado. Situações semelhantes e variadas aconteceram durante todo o estudo empírico.
Dois momentos cruciais: a entrada e a saída de
campo – Todos os pesquisadores de campo eram
pessoas maduras, com experiência na área psicológica, de antropologia, de enfermagem, de serviço social e de saúde pública. Mesmo assim, o suicídio enquanto tema de estudo e a escuta das histórias concretas, geralmente, gerou-lhes grande
impacto e comoção. No momento preparatório
da investigação sobressaíram dúvidas e medos
quanto às condições pessoais de se exporem a um
tema de tão forte carga emocional. No entanto e
em geral, o próprio acolhimento dos familiares
dos idosos favoreceu os contatos. Muitos deles
estavam ávidos para serem ouvidos e contar seus
dramas para alguém que não os recriminasse e
sim, lhes oferecesse compreensão. O envolvimento afetivo, o interesse e a motivação da equipe de
pesquisa favoreceram o cumprimento das tarefas e dos prazos. Concluído o trabalho, todos os
investigadores ressaltaram que a experiência de
visitar e ouvir as famílias – mesmo com todas as
dificuldades encontradas para consegui-lo – foi
importante tanto enquanto desafio pessoal pela
mobilização de afetos e vivências, quanto para
seu amadurecimento profissional. No entanto, foi
geral as notas nos diários de campo do quão difícil e exaustivo tratar do tema.
Para saída de campo, as estratégias do grupo
ou individuais variaram de acordo com as vivências das quais eram participantes e das expectativas que as famílias depositaram neles. Eventualmente, algumas pessoas, além de receberem
apoio informal dos pesquisadores durante o tempo que passaram nas casas, foram imediatamente
encaminhadas para instituições que oferecem
apoio psicológico, por causa do grau de transtorno demonstrado por elas, associado às con-
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privilégio de entrevistar os familiares que acompanharam os idosos nos últimos momentos.
Durante as entrevistas, muitos familiares
mostravam a casa, fotos e pertences do idoso e o
lugar onde ocorrera o ato suicida. Por exemplo,
na região Sul, onde a maioria das mortes ocorreu por enforcamento e dentro dos galpões que
guardam alimentos e ferramentas agrícolas,
muitos familiares faziam questão de levar lá os
pesquisadores. Houve um caso em que um filho
mostrou o tronco de uma árvore cortada por
ele, revoltado com o ato de seu pai, pois fora nela
que ele havia amarrado a corda para se matar.
Como acontece em qualquer trabalho de campo, todos comentaram que houve familiares que
contaram as histórias com tanto detalhes que
quase não foi necessário utilizar o roteiro, já outros, davam respostas lacônicas sobre o acontecido, tendo sido bastante penosa a comunicação.
Tomou-se o cuidado de buscar vários pontos de
vista sobre o mesmo fato, conforme recomenda
a literatura6,8-15 pois, sua dimensão trágica provoca manifestações de sentimentos e vivências
múltiplas (dor, raiva, tristeza, fechamento, depressão, por exemplo) e interpretações díspares.
Mesmo quando se ouvem vários depoimentos sobre o mesmo caso, porém, autores como
Hawton et al.12 ressaltam que existe um limite
quanto à fidedignidade dos relatos, pois os familiares tendem a ocultar aspectos que não gostariam de ver revelados. Sobre esse ponto, é importante ressaltar que em qualquer estudo de cunho
qualitativo os investigadores sabem que nunca
encontrarão a verdade, uma vez que os depoimentos são sempre uma reflexão sobre o acontecido e sob determinado ponto de vista2. Se isso
é o que ocorre em qualquer tema de pesquisa
quanto mais na abordagem de uma questão tão
polêmica e tão cercada de tabu como o suicídio.
Por isso, a análise das entrevistas realizadas durante e no momento posterior ao trabalho de
campo levou em conta, não uma ideia do discurso verdadeiro e, sim, a versão dos entrevistados
em intersubjetividade com os investigadores.
Apesar de o projeto prever uma única entrevista, na maioria dos casos ocorreu mais de um
encontro porque os pesquisadores consideraram
que voltar aos lares seria uma forma não só de
aprofundar a compreensão do fato como também de demonstrar compaixão e colaborar no
alivio do sofrimento dos parentes. Depois de cada
entrevista, a dupla de pesquisadores fazia uma
reflexão compreensiva e crítica do caso, dos procedimentos adotados, dos pontos que deveriam
ter sido tratados e não foram e dos que merece-
Minayo MCS et al.
2036
sequências do suicídio ou à narrativa do ocorrido. Assim, o mais comum na despedida foi o
oferecimento de orientações para os familiares
lidarem com as situações de sofrimento e seu
encaminhamento para os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) ou para a Estratégia Saúde da
Família (ESF), dos casos que mereciam cuidados, de um lado. E, de outro, a articulação com
os serviços locais, buscando envolvê-los nas situações dos familiares que apresentavam problemas ou transtornos de saúde associados à
morte do idoso. Em vários casos, havia outras
pessoas idosas como os viúvos, viúvas ou irmãos
da pessoa falecida que necessitavam de apoio.
Nesse sentido, o compromisso dos pesquisadores com seus entrevistados foi acontecendo
desde a realização do trabalho de campo e vem se
estendendo após sua conclusão. Por exemplo, os
da região Nordeste assinalaram que, depois das
entrevistas formais, conversavam com os familiares, orientando-os sobre as possibilidades de
apoio de profissionais especializados, de serviços
de saúde, de grupos sociais ou religiosos, buscando sempre adequar os encaminhamentos aos valores e costumes das famílias e à realidade social
delas. Em Manaus, os pesquisadores deram prioridade ao acompanhamento das famílias. De
modo mais imediato, estão encorajando os que
precisam de apoio a procurar a Clínica da Escola
de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas, onde existem serviços especializados. Igualmente, nas outras localidades, várias formas de
retorno da pesquisa já se iniciaram antes mesmo
das atividades acadêmicas terminarem.
É digno de menção o empenho dos pesquisadores do Sul em devolver imediatamente os achados da pesquisa e em discutir propostas de prevenção com profissionais dos três municípios
estudados. Utilizando a técnica de roda de conversa com os profissionais dos CAPS ou da Estratégia Saúde da Família, eles mostram a situação em que encontraram as famílias e discutem
o trabalho realizado, a percepção dos pesquisadores e as perspectivas de atuação, baseadas em
algumas experiências locais bem sucedidas. Dessa forma, estabeleceram um vínculo de continuidade com as instituições locais de saúde.
Todos os pesquisadores de campo relataram
em seus diários o quanto muitas famílias, sobretudo as que residem no interior e em cidades pequenas, estão desprotegidas de recursos públicos para auxiliá-las no manejo de idosos em situação de risco para o suicídio e também no
apoio para o momento depois do suicídio, quando alguns membros entram em estado depressi-
vo. Em alguns casos, os pesquisadores tiveram
receio de não dar conta da carga emocional e da
vulnerabilidade das pessoas entrevistadas.
Muitas famílias buscam forças na religião
como sustentáculo para continuar vivendo. Contrariando o que é mais convencional – uma vez
que a Igreja Católica exclui de seu seio as pessoas
que morrem por suicídio – há alguns relatos sobre padres amigos das famílias que prestaram
solidariedade no momento de perda do idoso e
continuam sendo um apoio fundamental para
os familiares depois da ocorrência do suicídio.
Os investigadores relataram, sobretudo, sua
preocupação com as parcas ou inexistentes propostas do setor saúde que, geralmente, ignora os
fatores que cercam o ato suicida, em boa parte
preveníveis como menciona a Organização Mundial de Saúde16 e o Ministério da Saúde17 ou apresenta soluções burocráticas e padronizadas que
não dão conta das situações concretas ou presos
à medicalização do fato e à associação entre depressão e suicídio. Um pesquisador observou que
em determinada localidade, os profissionais de
saúde orientavam os familiares a não dar atenção às queixas dos idosos, banalizando algumas
situações que já anunciavam ideação suicida, procedimento totalmente equivocado8-14.
Conclusões
Buscou-se descrever neste artigo, passo a passo,
as etapas de realização do trabalho de campo da
pesquisa É possível prevenir a antecipação do fim?
Suicídio de Idosos no Brasil e possibilidades de Atuação do Setor1. Essa realização empírica atingiu
seus objetivos, permitiu a construção de uma situação favorável para a realização das autópsias
psicossociais e facilitou o entendimento e a análise do contexto em que os fatos ocorreram. O
propósito de detalhar as estratégias de campo
visou a que outros investigadores possam tomar conhecimento tanto das dificuldades como
dos meios que facilitam alcançar empiricamente
os objetivos do estudo.
Este trabalho foi um primeiro passo em direção ao aprofundamento dos significados das
mortes por suicídio de idosos no Brasil. Os métodos, as técnicas, as perguntas e as hipóteses
são sempre passíveis de críticas e nenhum trabalho de campo oferece a palavra final sobre a realidade empírica, muito mais rica do que qualquer incursão que se possa fazer sobre ela. Por
isso mesmo, ainda que usassem instrumentos
padronizados, os pesquisadores de cada locali-
2037
cossocial, uma vez que a narrativa dos casos pode
desestabilizar emocionalmente não apenas os
familiares como também os pesquisadores.
Apesar das limitações, os pesquisadores consideram que conseguiram êxito na realização do
trabalho de campo, o que foi facilitado por um
tipo de organização da pesquisa que exigiu o envolvimento coletivo em todas as etapas. Sobretudo, houve uma preparação das pessoas que se
incluíram no trabalho. No entanto, existe uma
consciência no grupo que este estudo constitui
apenas um primeiro passo e que é preciso mais
investimento para o prosseguimento do caminho.
Finalizando, é preciso ressaltar que, com raras exceções, observou-se por parte dos profissionais de saúde das localidades estudadas grande
desconhecimento tanto da magnitude do fenômeno do suicídio de idosos como das orientações que a Organização Mundial da Saúde e o
Ministério da Saúde vêm oferecendo para o enfrentamento das mortes autoinfligidas. Portanto, é preciso ir além dos textos escritos e investir
na formação de agentes capazes de compreender
e atuar com maior eficiência no apoio às pessoas
em risco para suicídio e aos familiares que sofrem a perda de seus entes queridos, tendo em
vista as consequências que geram.
Colaboradores
MCS Minayo, S Grubits e FG Cavalcante contribuíram igualmente para a elaboração do artigo.
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dade tiveram que adequá-los a suas necessidades
e ressaltaram lacunas em seu trabalho.
O trabalho empírico também testou a capacidade emocional e social dos pesquisadores, ao
tratarem de assunto tão doloroso como é a morte
autoinfligida de um idoso e de suas consequências nos familiares. Cada passo dado para conseguir ouvir as histórias da pessoa que faleceu por
suicídio e de seu núcleo de relações primárias correspondeu a uma grande quantidade de investimentos anteriores. E para cada contato bem sucedido, vários não foram conseguidos. Por ter
sido um trabalho árduo e ao mesmo tempo realizado com o apoio de um grupo de colegas pesquisadores que se comunicaram pessoalmente e
em rede virtual durante todo o processo, cada
história ouvida e a participação na investigação
em si constituíram uma experiência que marcará
a vida de todos.
É relevante dizer que todo trabalho de campo
exige um investimento compreensivo singular.
Mas esse esforço é muito maior quando se trata
de um tema tão carregado de sentido sociocultural e emocional como é o suicídio de idosos. Um
estudo como esse demanda experiência, maturidade e recursos para tomada de decisão aqui e
agora, e não pode ser realizado por pessoas inexperientes ou sem algum tipo de formação psi-
Minayo MCS et al.
2038
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portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_
prevencao_suicidio_saude_mental.pdf
Artigo apresentado em 12/03/2012
Versão final apresentada em 30/03/2012