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Artigo
RUI BARBOSA NO PENSAMENTO EDUCACIONAL BRASILEIRO NA
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX1
Luciano Mendes de Faria Filho2
Marcilaine Soares Inácio3
RESUMO
Este artigo trata da presença das produções de Rui Barbosa no pensamento educacional
brasileiro da primeira metade do século XX. A proposta inicial da nossa pesquisa era
analisar a presença desse autor em pelo menos uma obra dos principais intelectuais da
educação brasileira publicadas entre 1906 – ano da 2ª edição do livro “A educação
brasileira”, de José Veríssimo –, e 1945 – livro, Noções de história da educação, de
Theobaldo Miranda Santos. Para isto, realizamos uma pesquisa para entender a forma os
“pensadores da educação” – José Veríssimo, Lourenço Filho, Fernando Azevedo e outros
autores de reconhecida importância na historia do pensamento educacional brasileiro –
mobilizaram os textos de Rui Barbosa em suas produções sobre educação brasileira ao
longo da primeira metade do século XX.
Palavras-chave: Intelectuais; Educação; Rui Barbosa
RUI BARBOSA IN THE BRAZILIAN EDUCATIONAL THOUGHT IN THE
FIRST HALF OF THE 20TH CENTURY
ABSTRACT
This article results from studies on the presence of Rui Barbosa’s production in the
educational thought during the first half of the 20th century. Our initial purpose was to
analyze his presence in at least one work from the most important intellectuals of Brazilian
educational thought published between 1906 – year of publication of the 2nd edition from
José Veríssimo’s “A Educação Brasileira” – and 1945 – year of publication of the first
edition from Theobaldo Miranda Santos “Noções de história da educação”. We have
therefore conducted research aiming to understand how the “education thinkers” – José
Veríssimo, Lourenço Filho, Fernando Azevedo – and others whose importance is
recognized in the field of Brazilian educational thought – used Rui Barbosa’s work for
their production on Brazilian education during the first half of the 20th century.
Keywords: Intellectuals, Education, Rui Barbosa
Introdução
Não há, na história da educação no Brasil, obra mais famosa que os dois
Pareceres apresentados por Rui Barbosa à Câmara dos Deputados do
Império. Muito mais citados do que lidos, como costuma acontecer a
certos trabalhos célebres, seja porque os conceitos gerais, já pacíficos,
dispensam leitura, seja porque se tornam um pouco de difícil acesso.
(VENÂNCIO FILHO, 1943, p.106).4
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Neste texto interessa-nos analisar se a obra de Rui Barbosa tem funcionado, no
Brasil, como um repertório que traduz a moderna pedagogia e, ademais, a forma como tal
repertório tem sido mobilizado pelos sujeitos nas disputas pelo poder de atribuir e
estabilizar sentidos para a “moderna pedagogia” no Brasil. Por outro, interessa-nos indagar
até que ponto foram esses sujeitos, suas disputas e deslocamentos – tanto em termos
espaciais quanto teóricos e políticos – que contribuíram para construir os textos de Rui
Barbosa dedicados à educação como documento-monumento da história e da memória da
educação brasileira e, desse modo, de entronizar o seu autor como um grande
“pedagogista” brasileiro.
A revisão da bibliografia mostra-nos que a produção de Rui Barbosa continua
mobilizando um grupo significativo de profissionais e de pesquisadores de várias áreas.
Levantamentos realizados pelas pesquisadoras Rejane M. Moreira de A. Magalhães e
Laura do Carmo, da Fundação Casa de Rui Barbosa, trazem uma grande relação de títulos
sobre Rui Barbosa publicados nos mais diversos veículos e nas mais diversas áreas,
demonstrando a atualidade do interesse pelo patrono da instituição. (MAGALHÃES;
CARMO, 2007).5 Ao lado disso, a própria Fundação continua publicando vários trabalhos
sobre Rui Barbosa, muitos deles trazendo as controvérsias antigas ou atuais na
interpretação de seu pensamento e de seu lugar na tradição política e intelectual brasileira.
(LAMOUNIER, 1999; LUSTOSA, 2000; CAMARGO, 2001).6
No levantamento bibliográfico realizado por Rejane Magalhães e Laura do Carmo,
é curioso notar que, no que se refere aos estudos acadêmicos, a área de educação é a
responsável por quase a metade da produção localizada. Apesar de as autoras avisarem que
não se trata de um levantamento exaustivo, esse dado é revelador da importância adquirida
pelo legado do jurista baiano no campo da educação.7
Baseados nessas leituras e acreditando na grande presença das produções de Rui
Barbosa no pensamento educacional brasileiro da primeira metade do século XX, a
proposta foi a de analisar a presença desse autor em pelo menos uma obra dos principais
intelectuais da educação brasileira publicadas entre 1906 – ano da 2ª edição do livro “A
educação brasileira”, de José Veríssimo –, e 1945 – livro, Noções de história da
educação, de Theobaldo Miranda Santos.. A escolha desses marcos não se deu por acaso.
No que se refere ao livro de José Veríssimo, apesar de uma primeira edição ter saído em
1890, no Pará, foi a segunda edição, a de 1906, a que mais circulou no país. Esse foi um
dos primeiros livros de educação a trazer referências explícitas às propostas de Rui
Barbosa e, posteriormente, se tornou um clássico da educação brasileira. No caso do livro
livro Theobaldo Miranda Santos, publicado em 1945, trata-se não apenas do fim do Estado
Novo, mas também, mas, principalmente, em demarcar a substituição, na Cia Editora
Nacional, da substituição da perspectiva de Afrânio Peixoto pela perspectiva do católico
Theobaldo M. Santos na abordagem da história da educação brasileira e, com ela, a
mudança na apreciação das proposições de Rui Barbosa.8
Rui Barbosa mobilizado pela intelectualidade educacional brasileira
Num livro que podemos considerar um dos primeiros a fazer uma reflexão
sistemática sobre a educação no Brasil Republicano (ou um dos últimos do império!), José
Veríssimo, mais conhecido no Brasil por suas produções na área da literatura, não se furtou
à discussão sobre a importância da educação e da instrução públicas para o pleno
estabelecimento da República e para a construção da nacionalidade brasileira, como vários
pensadores de seu tempo. A educação nacional, publicado inicialmente no Pará em 18909,
foi, em 1906, publicado no Rio de Janeiro, já pela prestigiosa Francisco Alves. Nessa
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segunda edição há uma nova introdução – intitulada Introdução de 1906: A instrução no
Brasil atualmente - de quase 30 páginas, em que o autor busca atualizar a sua análise do
problema colocado. A edição que utilizamos nesta pesquisa é a 3ª, de 1985, da editora
Mercado Aberto, a qual, além de trazer na íntegra o texto de 1906, é acompanhada de uma
introdução escrita por João Alexandre Barbosa, destacado crítico literário brasileiro.
Em seu conjunto, o texto de Veríssimo apresenta, por um lado, uma defesa enfática
da importância da instrução pública para o progresso material e espiritual brasileiro e, por
outro, um grande lamento sobre o estado lastimável no qual se encontrava esse importante
ramo do serviço público. O pior, reafirma o autor na introdução de 1906, é que a República
até aquele momento não havia feito nada para transformar aquele estado de coisas herdado
do Império e que o tinha mobilizado ingenuamente a escrever o texto em 1890.
Em seu texto, Veríssimo dá mostras, mais de uma vez, de que estava
acompanhando o debate sobre a instrução pública e, mais particularmente, demonstrava ter
conhecimento das produções de Rui Barbosa sobre o assunto, notadamente os pareceres e
as lições de coisas. Ao fazer uma análise dos livros de leitura adotados no Brasil naquele
momento, José Veríssimo faz uma crítica contundente ao fato de muitos deles pouco se
relacionarem com a realidade brasileira, advogando que “cumpre que ele seja brasileiro,
não só feito por brasileiro, que não é o mais importante, mas brasileiro pelos assuntos, pelo
espírito, pelos autores trasladados, pelos poetas reproduzidos e pelo sentimento nacional
que os anime”. E sentencia:
Que se ele nos der lições de coisas, não nos venha ensinar indústrias,
ocupações e usos que nos são completamente alheios, postergando as
manifestações, embora humildes por ora, da nossa atividade industrial.
Que em vez de exclusivamente nos ensinarem os que é e como se prepara
a lã ou o vidro, ou uma casa por processos inteiramente europeus; como
devemos aquecer, nós que não temos disso necessidade, e quais são os
usos e empregos de madeiras e outros materiais que
não
possuímos[nota], nos mostrem o que é, onde e como se cultiva a
borracha, quais os seus empregos e qual a higiene profissional do
seringueiro; ... (VERÍSSIMO, 1985, p.55).10
A nota acima indicada, a de n. 24 do livro, afirma: “Esta crítica cabe a quase todos
os livros de lições de coisas feitos ou traduzidos no Brasil, com exceção da notabilíssima
tradução e adaptação do livro de Calkins pelo Sr. Rui Barbosa o qual, aliás, apenas seria
prestável nas classes elementares”.
Em outro momento, ao criticar a falta de estrutura da escola brasileira e a
consequência disso para a formação cívica – a cultura cívica – do povo brasileiro,
Veríssimo reporta-se ao parecer de Rui Barbosa nos seguintes termos: “Reclamando-a [a
organização da instrução] para o País, em 1882, dizia brilhantemente o Sr. Rui Barbosa, no
copioso relatório com que justificou o projeto de reforma do ensino a Comissão” e, em
seguida, cita trecho do relatório em que Rui fala da obrigatoriedade escolar como elemento
importante para a formação do sentimento de nacionalidade. (VERÍSSIMO, 1985, p.55). 11
Em 1918 sai a 2ª edição do livro O Brazil e a educação popular, de Carneiro Leão.
Publicado no Rio de Janeiro pela tipografia do Jornal do Comércio, o livro traz, já no
apêndice, uma única referência a Rui Barbosa, na forma de uma apreciação de Cândido
Tavares Bastos sobre os pareceres de Rui Barbosa, num texto publicado em 1917. Segundo
Cândido Tavares Bastos, citado por Carneiro Leão, dentre as iniciativas, projetos e planos
de organização educacional para “combater o flagello do analfabetismo, de imprimir à
instrução técnica e profissional um investimento garantidor de futuro próspero” se
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encontram os “dois monumentos de sabedoria pedagógica - Reforma do ensino secundário
e superior e Reforma do ensino primário, erguidos há mais de três décadas pelo gênio de
Ruy Barbosa à independência moral e intelectual da nacionalidade” (CARNEIRO LEÃO,
1918, p.216).12
Em 1929 Lourenço Filho lança, pela Melhoramentos, o seu pioneiro e mais
importante livro, Introdução ao estudo da escola nova. Nele, o autor, àquela altura já
experiente professor e administrador da educação, faz uma síntese do que, à sua percepção,
significava a escola nova no Brasil e no exterior, analisando detidamente as raízes e
inspirações do movimento escolanovista do qual ele mesmo se orgulhava de fazer parte.
Nesse livro, no entanto, até a sua 6ª edição, publicada em 1948, Lourenço Filho não faz
qualquer referência a Rui Barbosa. Somente a 7ª edição, publicada em 1961, referir-se-á a
Rui Barbosa.13
Em seu livro O que dizem os números sobre o ensino primário, publicado em São
Paulo, pela Melhoramentos, em 1937, dentro da Biblioteca de Educação, Teixeira de
Freitas faz duas referências a Rui Barbosa. Nelas o autor, evocando Rui Barbosa, defende
a necessidade de o Brasil obter regularmente “dados numéricos exatos e minuciosos sobre
o ensino” (p.11) como suporte para um êxito educacional semelhante ao de outras nações
civilizadas, e a necessidade de uma política educacional organizada, assim como havia na
América do Norte.
No caso de Lourenço Filho e sua Introdução aos estudos da escola nova, se, até
1942, a história dos eventos inovadores da pedagogia no Brasil desde o final do século
XIX não inclui Rui Barbosa e seus pareceres, isso não quer dizer que ele os desconhecesse
ou a tradução do livro de Calkins. Este último Lourenço Filho havia lido ainda como aluno
da Escola Normal. (LOURENÇO FILHO, 1950).14 Já os pareceres, ele citava
recorrentemente. Assim, em conferência proferida em 1940, a convite do Departamento de
Imprensa e Propaganda, ao discorrer sobre as tendências da educação brasileira, ele
afirmava:
Nova fase é inegavelmente aberta ao pensamento pedagógico em 1882 e
1883, com os pareceres de Rui Barbosa aos projetos de ensino primário,
secundário e superior, apresentados ao parlamento. Os que se vinham
preocupando com a educação e o ensino, até essa época, inspiravam-se
principalmente nos modelos franceses. Rui oferece uma documentação
preciosa, com referência às realizações da Inglaterra, da Alemanha, dos
Estados Unidos. O mais simples cotejo entre a bibliografia até então
existente e o monumento de saber, que esses trabalhos representam, leva
a compreender que o ambiente geral de pensamento brasileiro não estava
preparado para recebê-lo. Pretendendo transplantar ideias de ambientes
sociais diversos do nosso, é certo que esses pareceres haveriam de
apresentar conceitos e aspirações que não se ajustavam de todo à
realidade nacional. Tinham de ser esquecidos pelo parlamento, como
foram... (LOURENÇO FILHO, 2002, p.23).15
Afrânio Peixoto, em Noções de História da Educação, publicado pela Cia Editora
Nacional dentro da prestigiosa Série Atualidades Pedagógicas (1ª edição 1933; 2ª 36; 3ª
1942), dirigida por Fernando Azevedo, faz uma alusão mais larga e elogiosa a Rui
Barbosa, a qual se mantém praticamente inalterada nas três edições consultadas. A
referência a Rui aparece, na edição de 1942, na parte III Educação Contemporânea, nos
capítulos VI, VII e VIII, dedicados ao Brasil. Ao falar da Reforma Leôncio de Carvalho e
do Relatório Dantas, afirma:
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No parlamento, Rui Barbosa, num parecer, como diante de doente grave,
o Brasil desamparado de saúde moral (...), falava em linguagem médica
“da fase diatésica de um mal, que chegou ao extremo da sua invasão,
paralisando nos centros diretores as forças de reação e a pronta
consciência da enfermidade”. (PEIXOTO, 1942, p.302).16
A seguir, cita Rui Barbosa quando este afirma, nos pareceres, que:
O ensino público está à orla do limite possível a uma nação que se
presume livre e civilizada; é que há decadência, em vez de progresso; é
que somos um povo de analfabetos e que a massa deles, se decresce é
numa proporção desesperadoramente lenta; é que a instrução acadêmica
está longe do nível científico dessa idade; é que a instrução secundária
oferece ao ensino superior uma mocidade cada vez menos preparada para
o receber; é que a instrução popular, na Corte, como na província, não
passa de um desideratum; é que há matéria sobeja para nos enchermos de
vergonha e empregarmos heroicos esforços por uma reabilitação, em bem
da qual, se não quisermos deixar em dúvida a nossa capacidade mental ou
os nossos brios, cumpre não recuar ante sacrifício nenhum. (PEIXOTO,
1942, p.302-303).17
Segundo Afrânio Peixoto os pareceres apresentam “a mais vigorosa, implacável,
exaustiva análise de um mal público, para o qual a mais vasta erudição dá o braço ao
patriotismo mais comovente, para um relatório ou parecer, como nunca o viram, antes ou
depois, os Parlamentos Brasileiros, e raros serão assim nos países cultos estrangeiros”. Os
pareceres representariam, também, a antecipação do ideário defendido pelo grupo do qual
ele mesmo, Afrânio Peixoto, participava nos anos 1930 pois, segundo ele, “o projeto de lei,
que termina a obra prima desse parecer de 12 de setembro de 1882, estabelece a liberdade
de ensino, a laicidade da escola pública, a instrução obrigatória”. (PEIXOTO, 1942, p.303).18
No entanto, conclui Afrânio Peixoto, “essa maravilha de ciência e de consciência, é
inútil dizer, não teve eco no parlamento; admiraram-na, mas não a compreenderam, e,
menos, a entenderam. Parece até que se cansaram desse grande esforço alheio, porque só
em 1886, aparece no relatório do Ministro do Império, Barão de Mamoré, a necessidade de
uma reforma radical do ensino”. (PEIXOTO, 1942, p.304).19
Já na seção do livro dedicada aos Educadores Brasileiros, ao lado de uma lista dos
educadores considerados mais importantes, há informações biográficas básicas sobre Rui
Barbosa, em que este é considerado um “advogado, jurista, jurisconsulto, publicista, foi
grande orador de causas liberais, parlamentar, ministro, senador, embaixador, jornalista,
polemista, vernaculista”, e, junto “a todos estes troféus” deveria ser posto “o de
educacionista, por algumas obras suas notáveis”, os pareceres e a tradução do Lições de
Coisas. Os pareceres, segundo Afrânio Peixoto, “resumem a pedagogia mais nova e liberal
do seu tempo, nos países mais adiantados, Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra,
com admirável lucidez e erudição”. (PEIXOTO, 1942, p.325).20
Um pouco distante desta apreciação dos pareceres de Rui Barbosa, mas muito
próxima daquela de Lourenço Filho em sua conferência no DIP, está a de um outro
expoente do movimento escolanovista brasileiro. Estamos nos referindo a Fernando
Azevedo e ao clássico livro A cultura brasileira, cuja 1ª edição saiu em agosto de 1943,
pelo IBGE, como parte das publicações relativas ao censo de 1940. O texto do livro21
resultou de um convite feito a Fernando Azevedo pelo IBGE para que ele escrevesse uma
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espécie de introdução ao material a ser divulgado pelo Instituto com os dados do
recenseamento realizado. Não se tratava, inicialmente, de um livro sobre educação e sim
sobre a cultura brasileira, como se evidencia no título, guardando uma relação direta com
outras sínteses sobre a constituição do Brasil publicadas nos anos anteriores (Gilberto
Freire – Casa Grande e Senzala, 1933; Sérgio Buarque de Holanda – Raízes do Brasil,
1936; Caio Prado Júnior – Formação do Brasil Contemporâneo, 1942). Posteriormente,
como resultado de uma série de mecanismos – que vão deste a identificação de Fernando
Azevedo com as propostas de renovação educacional em curso no Brasil a partir dos anos
de 1920 às estratégias editoriais das quais o autor lançou mão para divulgar seu livro 22 –, a
obra passou a se constituir numa referência fundamental para o estudo da história da
educação brasileira.
As referências à produção de Rui Barbosa aparecem sobretudo no 2º capítulo – As
origens das instituições escolares – na terceira parte da obra. E, como poderemos ver à
frente, apesar de buscar ressaltar a genialidade de Rui Barbosa, a apreciação que F.
Azevedo faz de sua produção é bastante negativa. Tais referências estão concentradas em
algumas poucas páginas do livro (354-7 da 1ª. Edição), justamente as páginas finais do
capítulo. As análises dos pareceres de Rui Barbosa ajudam Fernando Azevedo a concluir
pela inépcia do estado Imperial em estruturar adequadamente a instrução pública no
Brasil, pois, segundo ele:
Nenhum programa político sério, supondo uma análise tão completa e
precisa quanto possível do meio sobre o qual se pretendia agir ou o
conhecimento de suas leis de evolução. Nenhum projeto de reforma geral
com unidade orgânica de concepção e de plano. Faltava solidez à própria
base dessas iniciativas oficiais que, limitadas ao ensino superior do
Império e ao ensino primário e secundário da Corte, eram como que
empresas que se propusessem a levantar, sobre velhos alicerces de pouca
profundidade, uma larga e pesada construção. (AZEVEDO, 1943,
p.354).23
Para Azevedo, as poucas propostas sérias surgidas, como a proposta pelo
Conselheiro Rodolfo Dantas24, não chegavam a bom termo. Assim, ao analisar o
encaminhamento dado à proposta de Rodolfo Dantas, assevera que:
O projeto de reforma que apresentou ao parlamento e não chegou a ser
discutido foi estudado por uma comissão especialmente nomeada a 12 de
setembro de 1882 pela Câmara dos Deputados. Relator dessa comissão,
Rui Barbosa escreve o famoso parecer nº. 64, com que justifica o projeto
de lei, ‘maravilha de ciência e de consciência’, na opinião de Afrânio
Peixoto, ‘magnífico e substancioso documento, que no dizer de Raja
Gabaglia, honraria a intelectualidade da mais erudita assembléia de
qualquer país do mundo’. Mas, nesse parecer que, do ponto de vista da
forma e da erudição, é realmente uma obra-prima, como o do ano
seguinte, relativo ao ensino primário, o que se justifica não é um plano de
reforma ajustado à realidade nacional, mas um plano ideal e teórico, em
que se coordenam, por uma espécie de ecletismo, elementos e instituições
discordantes, inspirados nos meios sociais mais diversos, como a
Inglaterra, a Alemanha e os Estados Unidos. (AZEVEDO, 1943, p.354355).25
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Entretanto, Azevedo não deixa de reconhecer no texto de Rui Barbosa qualidades,
seja na própria escrita seja na erudição do autor, seja na sua capacidade de abrir “novas
perspectivas à educação no Brasil”, conforme afirma:
Com a sua notável erudição pode Rui Barbosa reunir nesse trabalho
parlamentar, - um volume de 378 paginas in 4º -, a mais completa
documentação relativa às instituições de ensino em alguns dos países
mais adiantados da época e apresentada com aquela elegância e pureza de
linguagem que eram peculiares ao grande orador e constituíam um de
seus maiores atrativos.(...)Mas é preciso reconhecer que na elaboração do
seu parecer, em que abriu novas perspectivas à educação no Brasil,
alargando o seu horizonte mental em outras direções....”. (AZEVEDO,
1943, p.355).26
Mas, por que propostas de reforma da instrução, como a apresentada por Rui
Barbosa em seus pareceres, não surtiram efeito? Para Azevedo, porque as circunstâncias
não estavam preparadas para realizá-las. Segundo ele:
Mas o fruto, em que se transformara a floração legislativa de indicações e
projetos, não estava bastante maduro para que a mão irresoluta do
Imperador o desprendesse com facilidade... Deveria levar ainda quase
meio século para amadurecer, e não tanto que se pudesse destacar depois
de 1930, sem a violência de uma revolução. As aspirações largas e
ambiciosas, daquele projeto de 1882 e da última ‘Fala do Trono’ em
1889, não tinham para apoiá-las nem uma mentalidade nova nem uma
realidade social, maleável e plástica, nem um surto econômico que
favorecesse profundas transformações no sistema educativo. A cultura já
era ‘uma cultura brasileira’ apesar de todos os empréstimos feitos à
cultura do Ocidente, mas a mentalidade permanecia a mesma, literária e
retórica, tão atraída para a erudição livresca quanto divorciada do espírito
crítico e experimental: ainda preferíamos, com a gramática e o latim (e
por muito tempo havíamos de preferir), os purês de batatas, dos
convalescentes e dos velhos, ao regime de carne crua dos povos jovens e
fortes. (AZEVEDO, 1943, p.356).27
Mas, poderíamos perguntar ainda, por que sujeitos tão bem formados e informados
como Rui Barbosa insistiam em propor soluções irrealizáveis para um assunto de tamanha
importância? O problema, segundo F. Azevedo, era que:
Para estudar um assunto, bastava insinuar-se entre os livros, manuseá-los
e confrontá-los, opô-los às vezes uns aos outros, recolher dados e indicar
soluções ideais e, depois de um passeio mais ou menos longo pelos países
europeus, saturar a obra de erudição e pulverizá-la de reflexões pessoais.
O parecer de Rui é, deste método, uma aplicação luminosa que reflete
com a mentalidade da época a força poderosa dos seus ideais e do seu
talento. O contraste entre a altura do ideal e a realidade que o rejeitava ou
em que se ia inserir, deformando-se, foi aliás, com seu temperamento
combativo, a causa principal da atitude um pouco irônica, quase sempre
sarcástica que mascarava a sua amargura diante da resistência do meio
aos planos de um espírito animado de uma fé robusta na vida e nos
valores espirituais que a transcendem e a cujo valor se forjavam as armas
para as suas melhores campanhas. (AZEVEDO, 1943, p.355).28
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Assim, a ideia de contraste entre a altura do ideal e a realidade que o rejeitava
configura-se, pois, como uma chave de leitura importante dos textos de Rui Barbosa,
também no campo educacional. As referências aos pareceres e, mesmo, à tradução de Rui
Barbosa ao longo das quatro primeiras décadas do século XX em importantes obras do
pensamento pedagógico brasileiro são escassas, quando não inexistentes. Os que a eles se
referem lamentam o abandono da causa da educação por Rui Barbosa29 ou denunciam a
inadequação de suas propostas à realidade brasileira.
É importante salientar, aqui, que o livro de Afrânio Peixoto, anteriormente
comentado, que traz uma apreciação muito positiva dos pareceres de Rui Barbosa, será
substituído, na Série Atualidades Pedagógicas, da Cia Editora Nacional, pelo livro do
Theobaldo Miranda Santos, Noções de história da educação, cuja primeira edição é de
1945. Nele, a referência a Rui Barbosa está nas páginas 564 e 565, e se dá nos seguintes
termos:
Designado relator dessa Comissão [de Instrução Pública da Câmara dos
Deputados] Rui Barbosa elaborou dois pareceres sobre o ensino
secundário e superior e sobre o ensino primário, apresentados,
respectivamente, em 1882 e 1883. São dois estudos eruditos, exaustivos
sobre a situação do ensino no Brasil e no estrangeiro, e sobre as diretrizes
que deveriam nortear a educação brasileira. Nesses famosos pareceres,
esplêndidos pela erudição pedagógica e pela beleza literária, mas
criticáveis pela falta de realismo filosófico e social, Rui Barbosa
considera a educação como o problema nacional por excelência, e prega a
liberdade de ensino, a laicidade da escola pública e a instrução
obrigatória. A reforma sugerida por estes pareceres não é um plano
educacional, objetivo e orgânico, ajustado à realidade brasileira, “mas um
plano ideal e teórico, diz Fernando Azevedo, em que se coordenam, por
uma espécie de ecletismo, elementos e instituições discordantes,
inspirados nos meios sociais mais diversos, como a Inglaterra, a
Alemanha e os Estados Unidos” (SANTOS, 1945, p.564-565).
Chama a atenção, aqui, dentre outros aspectos, a mobilização de Fernando Azevedo
para fazer a crítica a Rui Barbosa, e, ao mesmo tempo, o fato de Theobaldo Miranda
Santos ter ignorado os textos de Thiers Martins Moreira e Lourenço Filho sobre esses
mesmos pareceres, àquela altura, já amplamente difundidos. A posição dos intelectuais nas
disputas que se dão pela direção do campo educacional naquele momento será um viés
importante a informar as leituras que, no período, estes fazem dos textos de Rui Barbosa.30
Considerações finais
Surpreendeu-nos o fato de que as apropriações de Rui Barbosa nas obras escritas
até início dos anos de 1940 eram feitas de uma forma rápida e aligeirada, não figurando o
autor como uma referência importante para se pensar, sistematicamente, a educação no
Brasil. Seja de forma elogiosa, seja de forma negativa, via de regra, havia, quando muito,
uma breve referência aos pareceres sobre as reformas da instrução pública apresentados
por Rui Barbosa à Câmara dos Deputados, em 1882, como Relator da Comissão de
Instrução.
Isso, evidentemente, levou-nos a indagar em que momento teria havido essa
mudança da posição ocupada por aquele jurista e político no pensamento educacional
brasileiro. Ou seja, interessava-nos saber a partir de que momento Rui Barbosa passara a se
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constituir em objeto de reflexão sistemática de vários intelectuais brasileiros da educação e
de pesquisas no campo da educação as quais, de forma reiterada, davam como certa a
existência de um pensamento de Rui Barbosa sobre a educação e, desse modo, buscavam
compreendê-lo.
Tínhamos a hipótese de que o livro de Lourenço Filho, A pedagogia de Rui
Barbosa, havia cumprido um importante papel nessa reconfiguração da presença de Rui
Barbosa na história da educação brasileira e, por isso, começamos a indagar sobre as
condições de produção dos textos que, reunidos no livro, tiveram (têm) uma longa e
exitosa trajetória editorial no Brasil.
Sabíamos que o livro veio a lume em 1954, pela Edições Melhoramentos, e que
reunia textos produzidos entre 1942 e 1952 sobre a temática pedagógica no conjunto da
obra do famoso jurista brasileiro. Em sua primeira edição, ele era composto por 5
capítulos. O primeiro, “A pedagogia de Rui”, foi pronunciado como conferência, em 1949,
na sede do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, num curso de extensão
universitária sobre a vida e obra de Rui Barbosa. O segundo, “À margem dos ‘pareceres’
sobre o ensino”, também foi escrito para uma conferência, agora pronunciada na Casa de
Rui Barbosa, a convite da Sociedade Brasileira de Educação como parte das
comemorações pelo lançamento do primeiro volume das obras completas de Rui Barbosa.
O terceiro capítulo, “Rui e as ‘Lições de coisas’”, foi texto escrito como prefácio para a
reedição das “Lições de Coisas”, volume XIII, tomo I das obras completas, em 1945. Os
dois últimos capítulos – “Roteiro para estudo da obra pedagógica de Rui” e “Ementário
pedagógico de Rui” – parecem ter sido escritos especialmente para o livro.31
A análise mais detida das condições de produção dos textos do livro de Lourenço
Filho nos lançou no coração de um dos mais importantes projetos político-editoriais
elaborados e empreendidos no Brasil na década de 1940 do século XX sob os auspícios do
Ministério da Educação e Saúde (MES) do Estado Novo. Trata-se do projeto de publicação
das obras completas de Rui Barbosa desenvolvido pela Casa de Rui Barbosa sob a direção
de Américo Jacobina Lacombe.
No aprofundamento da pesquisa, sobretudo nos Arquivos da Fundação Casa de Rui
Barbosa, na Biblioteca Nacional e na rede mundial de computadores, constatamos que o
diagnóstico que indicava o esquecimento de Rui Barbosa entre a intelectualidade ou,
mesmo, entre os estudantes brasileiros, era compartilhado por várias pessoas que se
dedicavam ao estudo de seu pensamento. Assim, já nos anos 1930 havia uma reclamação
contínua ora de que Rui Barbosa fora esquecido, ora de que era um desconhecido 32 e ora,
mais grave ainda, de que era combatido e detratado pelos opositores a suas ideias. 33 Foi,
pois, contra o esquecimento e o desconhecimento e, sobretudo a favor da constituição do
legado ruiano como um monumento da cultura brasileira que se empreendeu todo um
esforço, a partir do final daquela década, para a estruturação da Casa e a publicação das
obras completas de Rui Barbosa.
Os agenciamentos que tornaram possível colocar de pé o empreendimento de
publicação das obras completas de Rui Barbosa reforçaram e/ou deram ensejo a um
verdadeiro revival de Rui Barbosa e a uma série de lutas em torno das maneiras
autorizadas e legítimas de interpretar o seu pensamento nos diversos campos em que
atuava. Tal revigoramento34 da presença de Rui Barbosa na cena política, cultural,
intelectual e editorial brasileira, seja pela transformação da casa onde morara a família
Barbosa num monumento cultural brasileiro, seja pela publicação de um número
significativo de biografias, seja, ainda, pela realização de palestras, conferências e da
publicação de suas obras, se dava, também, no interior da política cultural do Estado Novo.
Esse projeto foi encabeçado, sobretudo, pelo Ministro da Educação e Saúde Pública,
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Artigo
Gustavo Capanema, e levada a cabo por um grupo de importantes intelectuais por ele
mobilizado.35
Como que espelhando o que ocorria no âmbito mais geral do MES e nas ações de
seu superior imediato, Gustavo Capanema, o diretor da Casa de Rui Barbosa vai, também,
mobilizar um expressivo grupo de intelectuais e políticos para levar a cabo o projeto
político-editorial de publicação das obras completas de Rui Barbosa. Tais intelectuais e
políticos, recrutados de tendências teóricas e políticas diferentes e participando de redes de
sociabilidades política, afetiva e intelectual as mais diversas, atuaram conjuntamente na
produção e divulgação do legado ruiano como um monumento cultural brasileiro.
Referências
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Artigo
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professores através de noções de história. In. GONDRA, José Gonçalves; SOOMA, José
Claudio (Org.). História da Educação na América Latina: Ensinar & Escrever. Rio de
Janeiro: Ed.UERJ, 2011.
1
Este texto resulta do Programa de Pesquisa Moderno, modernidade, modernização: a educação nos
projetos de Brasil – séculos XIX e XX, desenvolvido em rede por pesquisadores das seguintes instituições:
UEMG, CEFET-MG, UFPB, UFF, UFSC, UDESC, UEM, UNIT, UFOP e UFMG e que conta com o apoio
da FAPEMIG e do CNPq. Em parte da pesquisa, contamos com o apoio da aluna Hayne Schuab, bolsista de
Iniciação Científica.
2
Doutor em Educação e professor da Faculdade de Educação da UFMG.
3
Doutora em Educação e professora do Centro Pedagógico da UFMG.
4
Francisco Venâncio Filho. Os pareceres de Rui Barbosa. Cultura Política, Rio de Janeiro, v.3, n. 26, abr.
1943, p.106.
5
Rejane M. Moreira de A. Magalhães; Laura do Carmo. Bibliografia sobre Rui Barbosa. Rio de Janeiro:
Fundação Casa de Rui Barbosa, 2007, 92p.
6
Bolívar Lamounier. Rui Barbosa. Rio de Janeiro: FCRB/Nova Fronteira, 1999; Isabel Lustosa et all.
Estudos históricos sobre Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa: 2000; Margarida
Maria Lacombe Camargo (org.) A atualidade de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: FCRB, 2001, 188 p.
7
Dentre os trabalhos publicados, na área de educação, sobre o pensamento de Rui Barbosa, na última década,
eu gostaria de ressaltar dois, tanto pela profundidade de suas análises quanto pela circulação de ambos entre
os pesquisadores: V. T. VALDEMARIN. O liberalismo demiurgo. São Paulo: Cultura Acadêmica/GEICD,
2000. 158p; M. C. G. MACHADO. Rui Barbosa - Pensamento e ação. 1. ed. Campinas/Rio de Janeiro:
Autores Associados/Fundação Casa de Rui Barbosa, 2002. v. 1. 185p. Em seu livro, de modo
especial, Maria Cristina Machado faz uma criteriosa revisão das representações sobre o jurista baiano
construídas no campo da educação, desde os estudos mais clássicos até aqueles mais contemporâneos. Esse
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Artigo
trabalho ganhou o Concurso Nacional de Ensaios - Rui Barbosa e Joaquim Nabuco-, Ministério da Cultura Fundação Nestlé de Cultura - Fundação Casa de Rui Barbosa, em 1990.
8
Deixamos de fora os textos de Lourenço Filho que se referem diretamente à publicação das Obras
Completas de Rui Barbosa por entender que os mesmos fazem parte de um empreendimento político-editorial
que merece ser tratado à parte. Para uma análise mais detalhada do processo e das disputas em torno do
legado ruiano para o país, ver: Luciano Mendes de FARIA FILHO. Edição e sociabilidades intelectuais: a
pubicação das obras completas de Rui Barbosa – 1930-1948. Belo Horizonte:Ed. UFMG/Autêntica, 2015
(no prelo).
9
Não foi possível saber, com precisão, qual a editora publicou o livro. A este respeito ver: Claudia Maria
Alves. A educação Nacional. In: Juliana Cesário Hamdan; Maria do Carmo Xavier. Clássicos da Educação
Brasileira. Belo Horizonte:Mazza Edições (Coleção Pensar a Educação Pensar o Brasil – Série Clássicos da
Educação Brasileira, v. II), 2011, p.34.
10
José Veríssimo. A educação nacional. Porto Alegre:Mercado Aberto, 1985, 3ª ed, p.55.
11
José Veríssimo.. op. cit..
12
Carneiro Leão. O Brazil e a educação Popular. Rio de Janeiro:Jornal do Comércio, 1918, p. 216.
São duas breves referências dentro do subtítulo “Dois ensaios brasileiros”, que faz parte do Capítulo VII,
que tem por título “Ensaios precursores, primeiras ‘escolas novas e expansão das idéias de reforma”. [Nesta
edição as “” (aspas) de escolas novas não fecham. A edição seguinte, de 1967, já traz “escolas novas” no
título do capitulo]. A primeira referência a Rui Barbosa está na página 173, no primeiro parágrafo do
subtítulo: “No Brasil a renovação refletiu-se em fins do século passado, no domínio estrito da didática,
nalguns colégios articulares mantidos por educadores norte-americanos. Já em 1882, no parecer que redigiu
sobre o ensino primário, Ruy Barbosa refere-se a novos procedimentos experimentados no Colégio
Progresso, do Rio de Janeiro.” A segunda referência está na página 176, em nota de pé de página
que trata dos ensaios de renovação que deram “atenção a condições de mudança social.” Trata-se da nota
21, transcrita, na íntegra, abaixo:
13
Ensaios de renovação, quanto aos procedimentos didáticos, são citados no parecer sobre o ensino primário,
de RUI BARBOSA, 1883; em Contribuições americanas à educação, de F. VENÂNCIO FILHO, 1940;
História da Educação, de AFRÂNIO PEIXOTO, 1936; Introdução ao estudo do currículo da escola
primária, de J. ROBERTO MOREIRA, 1954; e outros volumes publicados pelo Instituto Nacional de
Estudos Pedagógicos, com análise e evolução do ensino brasileiro em diversos estados.
A década dos anos 20 foi marcada por ensaios de sentido renovador no Ceará, em 1922, com Lourenço
Filho; em Pernambuco, com Carneiro Leão, em 1926; em Minas Gerais, em 1927, com Francisco Campos;
no Distrito Federal, no ano seguinte, com Fernando de Azevedo, depois de 1930 continuados por Anísio
Teixeira. Na difusão das novas idéias teve importante papel a Associação Brasileira de Educação, fundada
em 1923, com os seus congressos regionais de educadores. Numa dessas reuniões teve origem o Manifesto
dos pioneiros da Educação nova, redigido em 1932, por Fernando de Azevedo, e subscrito por numerosos
educadores do país.
Novos ensaios de reforma deram-se no Paraná, com Lisímaco Costa; Estado do Rio, com Celso Kelly;
Espírito Santo, com Atílio Vivacqua; Ceará, com J. Moreira de Souza; Rio Grande do Sul, com Raul
Bittencourt e, depois, Coelho de Sousa; São Paulo, com Lourenço Filho, todas especialmente no ensino
primário.Por fim, a partir de 1940, as idéias de renovação atingiram o ensino médio, como se pode ver de
dispositivos das leis federais que regulam o assunto, e, em especial, a exposição de motivos do Ministro
Gustavo Capanema, publicado no ‘Diário Oficial’, de 15 de abril de 1942”. (Os itálicos e maiúsculas são do
original)
“Em escolas normais esse estado [SP], ainda em 1916, como dá testemunho o autor deste prefácio, o livro
de Calkins, na versão de Rui, era recomendado, como guia para o preparo de lições, aos alunos mestres”.
Lourenço Filho. Prefácio ao tomo I do volume XIII – Lições de coisas - das obras Completas de Rui
Barbosa. Rio de Janeiro:CRB, 1950, p.XXX, nota 41.
14
15
M. B. Lourenço Filho. Tendências da educação Brasileira. Brasília:INEP/MEC, 2002 [1ª. ed. 1940], p. 23.
16
Afrânio Peixoto. Noções de História da Educação. São Paulo: Cia Editora Nacional (Série Atualidades
Pedagógicas, v. 5), 1942, 3ª ed., p. 302.
17
Afrânio Peixoto... op. cit., p. 302-3.
18
Afrânio Peixoto... op. cit. p., 303.
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19
Afrânio Peixoto... op. cit. p., 304.
20
Afrânio Peixoto... op. cit. p. 325.
Artigo
21
Portanto, o texto do livro, com certeza, já estava pronto e, talvez, as provas já estivessem em revisão
quando da publicação do primeiro tomo das obras completas veio à lume, em dezembro de 1942, prefaciado
por Thiers Martins Moreira.
22
Inclui-se aí, sem dúvida, a estratégia de publicação da terceira parte da obra como livro autônomo, com o
título de A transmissão da cultura, a partir da década de 1970. Para um melhor e mais completo
entendimento desta questão a leitura obrigatória é, sem dúvida, a dos textos de Marta M. C. Carvalho sobre
Fernando Azevedo. Cf. especialmente o seu texto “A configuração da historiografia educacional brasileira”,
publicado como capítulo do livro organizado por Marcos Cezar Freitas. Historiografia brasileira em
perspectiva. São Paulo: USF/Contexto, 1998, p.329-354.
23
Fernando Azevedo. A cultura brasileira. Rio de Janeiro:IBGE, 1943, p.354.
“o primeiro que, no seu relatório de 1882, atingiu com audácia e largueza de vistas uma ‘cooperação dos
poderes gerais (cooperação a que não se opunha, a seu juízo, o Ato Adicional) na obra múltipla e imensa do
ensino para o qual é e será por muito tempo insuficiente o círculo dos recursos provinciais” . Fernando
Azevedo.. op. cit., p.354.
24
25
Fernando Azevedo... op. cit., p. 354-5.
26
Fernando Azevedo... op. cit., p. 355.
27
Fernando Azevedo... op. cit., p. 356.
28
Fernando Azevedo... op. cit., p. 355.
29
Cf. Francisco Venâncio Filho. Os pareceres de Rui Barbosa. Cultura Política, v. 03, n.26, abr. 1943,
p.106.
30
Para uma análise mais detalhada sobre os elementos envolvidos na substituição de um livro pelo outro,
dentre os quais está a disputa pelos rumos da educação brasileira, ver o trabalho de Carlos Eduardo Vieira,
“A escrita da História da Educação no Brasil: formando professores através de noções de história”,
publicado como capítulo do livro História da Educação na América Latina: Ensinar & Escrever, organizado
por José Gondra e José Claudio Sooma (Rio de Janeiro:Ed.UERJ, 2011).
31
Para mais informações sobre os diversos capítulos que compuseram o livro em suas várias edições,
consultar as informações contidas na “Cronologia da produção e da publicação dos ensaios desta obra”,
escrita por Ruy Lourenço Filho para a 4ª edição, revista e ampliada, dA Pedagogia de Rui Barbosa, de
Lourenço Filho (Brasília:MEC/INEP, 2001).
32
Em 1942, Candido Motta Filho publicou um livro intitulado Rui Barbosa, esse desconhecido...(São
Paulo:E.G. Revista dos Tribunais, 44p.) em que reclamava: “É nova geração que o desconhece. Mas pela
sensibilidade própria de uma época tempestuosa ira forçosamente compreendê-lo. Rui Barbosa é um
desconhecido, figura que não fico até agora bem localizada: - às vezes relembrado por algum náufrago
perdido do velho regime, às vezes citado pelos cautelosos e intransigentes defensores da linguagem
gramatical.” (p.14)
33
Um exemplo de uma apreciação muito negativa que circulava, já nos anos 30, sobre o legado de Rui
Barbosa para o Brasil é o livro Brasil errado, de Martins de Almeida, publicado em 1932. O primeiro
capítulo do livro, “Rui Barbosa e seu papel social e político”, começava com as seguintes palavras: “Rui
Barbosa se incorporou no número dos grande erros brasileiros. Se isolássemos a sua individualidade da
significação social e política que teve, encontraríamos a figura do homem que falava bonito, que falava mais
bonito entre nós.” E, no parágrafo seguinte completava: “Entretanto o nosso maior orador transbordou do
seu quadro individual, não se contendo dentro de si mesmo. Despejou-se para fora pela força centrífuga de
sua individualidade, que se pos em conexão com o eixo da vida nacional. E encheu de palavras todo um
capítulo da nossa história”. (p.9) Ao longo de todo o capítulo o autor busca fundamentar sua tese de que
Rui seria um dos grandes erros de nossa história, seja evocando o verbalismo do jurista baiano, seja
defendendo a irrealidade de suas proposições, seja por sua inadequação ao próprio Brasil.
Ainda a respeito dos críticos de Rui Barbosa, seria interessante ver o que a respeito dele escreve, já no início
da década de 1940, o já consagrado Gilberto Freire no não menos prestigioso Anuário Brasileiro de
Literatura. Em texto alusivo aos 25 anos de lançamento do livro Urupês, de Monteiro Lobato, escreve o
sociólogo pernambucano que “Ter feito Rui Barbosa, já velho, voltar-se do altar do seu gabinete, com olhos
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Artigo
espantados e quase menino (menino doente, criado o tempo todo dentro de casa) para aquele Brasil áspero
que os brasileiros hoje estudam com amor que os seus avós bacharéis e doutores quase desconheceram, me
parece um dos milagres realizados pelo escritor Monteiro Lobato. Foi por obra e graça do ‘Urupês’ que o
maior campeão suamericano da inocência de Dreyfus verdadeiramente descobriu que a poucas léguas da rua
São Clemente havia quem sofresse mais do que o remoto mártir do anti-semitismo europeu; sofresse de dores
que o ‘habeas-corpus’ não cura; não alivia sequer. Nem ‘habeas-corpus’, nem a anistia; nem o ‘sursis’.
Nenhuma solução simplesmente jurídica”. In: Gilberto Freire. Vinte e cinco anos depois. Anuário Brasileiro
de Literatura – 1943-1944. Rio de Janeiro, 1945, p.166.
A crítica ácida a Rui Barbosa vai encontrar, depois dos anos 50, abrigo nas páginas do livro Rui – o homem e
o mito, de R. [Raimundo] Magalhães Júnior (Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1964 - 2ª ed. 1965,
468p). O livro teve uma enorme repercussão à época. Em 1973, com prefácio de Antônio Gontijo de
Carvalho, é publicado o livro Um piolho na Asa da Águia – em defesa de Rui Barbosa, resposta a R.
Magalhães Junior, de Salomão Jorge (Rio de Janeiro:Edições MM, 1973, 553p.).
34
Wilson Martins, no volume VII de sua História da Inteligência Brasileira (São Paulo:Cutrix/EDUSP,
1978), vai chamar este fenômeno de A vingança de Rui Barbosa, dizendo: “Assim, execrado, ridicularizado,
vilipendiado e proscrito durante o período modernista que acabava de findar, seja como figura paradigmática
do liberalismo político, seja como grão-sacerdote do purismo gramatical, Rui Barbosa reemergia em nossa
vida política e intelectual mais vitorioso do que nunca.” (p.235)
35
Obviamente a mobilização e atualização de Rui Barbosa não se fazia apenas e tão somente como política
de Estado, mas também, de política contra o Estado Novo. Veja-se, por exemplo, o texto de abertura do livro
publicado por Francisco Mendes Pimentel Filho, Vultos e assuntos de destaque (Rio de Janeiro:Jornal do
Comércio, 1943). Trata-se do texto “Rui Barbosa”, proferido na Solenidade Judiciária do Fórum de
Campanha, em 31 de março de 1940. Dizia o autor que
No instante em que o Jurismo é atingido por golpes, arriscado a mergulhar no mais sombrio crepúsculo, o
vulto de RUY BARBOSA destaca-se como um farol na mais densa bruma.
Iludem-se os que crêem haver desaparecido o Direito. As mais brilhantes auroras surgem depois dos ocasos
mais inexpressivos. As maiores conquistas do Direito nascem após as violências mais aterradoras. (p.27)
Recebido:
março-15
Aprovado:
abril-15
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