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O Paradigma Intemporal de Samuel Huntington Miguel Júnior⃰⃰⃰ O cientista político Samuel Huntington produziu, em 1968, a obra A Ordem Política nas Sociedades em Mudança, que é um clássico da política. Desta maneira interessa analisar algumas questões que ela aborda pois ocorreram mudanças profundas em termos de ordem política e nas formas e sistemas de governo no fim do século XX. Para o efeito, em primeiro lugar, vamos ver as considerações produzidas por ele sobre os sistemas políticos e a respeito das mudanças que ocorriam em várias partes do mundo nos anos 60. Em segundo lugar, convém passar em revista as dinâmicas políticas e as novas realidades e ver em que medida os postulados de Samuel Huntington ainda se mantêm válidos. 1.Sistemas Políticos e Mudanças Políticas Samuel Huntington, na obra acima referenciada, considerou várias questões sobre Estado e política no quadro de uma governação efectiva. Passemos, desta maneira, a expor as principais linhas de força do autor sobre sistemas políticos e mudanças políticas no contexto dos anos 60 do século XX. De antemão, ele considerou que os Estados comunistas e os Estados liberais ocidentais se enquadravam na categoria de Estados com “sistemas políticos efectivos”. Segundo ele, este facto era o elemento que servia de base para a diferenciação entre esses países e outros que se enquadravam em “sistemas políticos fracos”. Deste modo, nos Estados Unidos da América, na Grã-Bretanha e na antiga União Soviética existiam formas de governo diferentes mas apesar disso havia governação efectiva. Significa isto dizer que a forma de governo não é obstáculo para uma governação efectiva. Além do mais, a forma de organização dos aparatos governativos desses países constituía, à partida, uma garantia para uma governação efectiva. ⃰ Ph.D. em História e Gestão Estratégica. À margem do exposto, destacou as diferenças entre os sistemas políticos dos países avançados e comparou-os com os sistemas dos países que se encontravam em vias de modernização em África, na América Latina e na Ásia. Assim, nos países destes continentes, havia as seguintes dificuldades: 1) “Carência de comunidade política”, 2) Ausência de “um governo com eficiência” 3) e falta de “autoridade e legitimidade”. Segundo ele, o fosso não era só de ordem politica mais também de ordem económica onde a diferença gritante estava patente na renda nacional per capita entre países ricos e pobres. Logo, este quadro também aumentava o abismo e as diferenças. Desta maneira, os subdesenvolvimentos político e económico caracterizavam os países em modernização na Ásia, em África e na América Latina. Para atestar o quadro de si caótico nos continentes em análise, ele destacou que depois da Segunda Guerra Mundial o quotidiano nesses continentes era marcado por conflitos etnicos, motins, violências, golpes militares, corrupção, violação dos direitos e liberdades, alienação dos grupos políticos, etc. Ainda, segundo Samuel Huntington, no período de 1955 a 1962, a “decadência política” era a pedra de toque nesses continentes. Assim, o quadro que reinava na Ásia, em África e na América Latina, do ponto de vista de instabilidade política, resultou do facto de não considerarem que a “participação política” também implicava crescimento em termos de associação. Ainda assim era preciso atender que as “mudanças social e económica (…) estendem a consciência política, multiplicam as demandas políticas e ampliam a participação política”. Por isso, estas matérias assumiam uma importância transcendental e implicavam mais três questões: “Novas bases de associação política” “Novas instituições políticas “Legitimidade e eficiência”. Outro aspecto que foi tomado em consideração é o facto de que era possível reverter o quadro que imperava na Ásia, em África e na América Latina. Assim, os países desses continentes, em vias de modernização, deveriam constituir governos para exercerem o controlo sobre os seus governados e fazerem o controlo sobre si. Estes dois aspectos eram cruciais face ao estado das coisas em cada um dos continentes em causa. Outro caso objecto de dissecação por parte do autor em causa, prende-se com a questão da comunidade e ordem políticas. Para explicitar o seu raciocínio, Samuel Huntington começa por tecer considerações a respeito dessas duas concepções. Assim, o entendimento dele cinge-se ao seguinte. A comunidade política está intimamente associada às suas instituições políticas e às forças sociais que entram na sua composição. Além do mais, uma comunidade política complexa exige consensos e a defesa do interesse mútuo. Da mesma forma que a comunidade política está presente ali onde há instituições políticas credíveis e onde a actividade política é uma realidade. Logo, a base da existência de uma comunidade é a política que se processa através de instituições políticas. Esta visão é antiga e advém dos tempos quando os atenienses exigiram uma constituição política. Na comunidade política é onde residiam muitos dos problemas das sociedades em modernização na Ásia, em África e na América Latina, na medida em que essas sociedades tinham evoluído mas os Estados e suas instituições não avançavam. Não basta ter instituições políticas numa comunidade política mas é essencial que elas tenham padrões comportamentais “estáveis”, “válidos e coerentes”. Além disto, é indispensável que haja um nível de institucionalização. Para determinar se há institucionalização num sistema político, é preciso que um sistema político observe quatro questões: Adaptabilidade Complexidade Autonomia e Coesão. Desta maneira, vamos tecer as considerações que se impõem sobre cada desses itens e articulá-los de seguida com questões práticas no quadro da presente análise. Mas os quatro pontos têm a ver com organizações de um sistema e com certos procedimentos. Quando se coloca a questão da adaptabilidade, o que se pretende dizer é que um dos traços que caracteriza uma organização com bons níveis de desenvolvimento é a sua adaptabilidade funcional. Nestas condições, os aspectos organizacionais devem suplantar os de carácter funcional. Além do mais, a capacidade de uma organização adaptar-se à mudança é sempre um elemento diferenciador em comparação com outras organizações. Nestas condições, embora todas as organizações exerçam funções específicas, a sobrevivência de uma organização está intimamente ligada à sua adaptabilidade. Estes parâmetros são aplicáveis às organizações políticas em seu processo de adaptabilidade. Quanto à complexidade, importa destacar que o processo institucional implica complexidade organizacional por parte de uma instituição. Por sua vez, a complexidade exige a diferenciação no interior da própria organização e a fixação de vários objectivos para que ela possa sobreviver. De resto, sistemas políticos tradicionais, simples e dependentes de “uma pessoa são frágeis”. Este exemplo aplica-se às tiranias porquanto a sua dependência de uma pessoa não garante longevidade. Desta maneira, os sistemas mais complexos e onde há várias instituições estão em melhores condições para resistirem aos processos de renovação e adaptação. A complexidade é, por assim dizer, a base da existência de certa estabilidade. Outro aspecto que pode fragilizar e penalizar um sistema político, caso ele não seja desenvolvido, é o facto dele ficar sujeito às influências internas e externas. Para o efeito, as organizações políticas têm de alcançar certos níveis do ponto de vista de organização e desenvolvimento de modo a que não fiquem sujeitas a indivíduos e grupos de interesse. Assim, “uma organização política que é o instrumento de um grupo social – família, clã, classe – falta autonomia e institucionalização (Samuel Huntington, 1968).” O valor da independência das instituições políticas decorre do facto de que elas devem possuir traços característicos próprios, tendo em vista à defesa de diferentes interesses no seio de uma comunidade nacional. Além do mais, um sistema político precisa de possuir procedimentos diferenciados de modo a limitar os excessos de toda ordem. Ainda assim, a existência de um sistema político desenvolvido passa pelo controlo da mobilidade dos diferentes grupos sociais e seus integrantes, particularmente aqueles que desejam assumir funções de liderança. Logo, as lideranças devem ser submetidas a estágios e só quando há aprendizado, rodagem e experiência acumulada é que os novos podem ser integrados na alta-roda da política. Assim, “o sistema político assimila novas forças sociais e novos membros, sem sacrificar sua integridade territorial.” Relativamente à coesão, ela é essencial para as organizações e para a existência delas, o que exige a definição de consensos e procedimentos para a resolução de questões internas. Uma instituição política necessita de unidade, espírito, moral, disciplina e coesão. Aliás, ali onde há desenvolvimento é porque há disciplina. Outras matérias não menos importantes têm a ver com as “dimensões morais” e com as “dimensões estruturais”. Estas duas dimensões devem estar bem vincadas em uma organização. Além disso, uma sociedade precisa de possuir instituições fortes de modo a travar “os excessos de desejos pessoais e paroquias”. Nestas condições, as sociedades nacionais necessitam de instituições políticas fortes, para cuidar convenientemente dos interesses públicos, com destaque para a segurança nacional. A promoção dos interesses públicos implica a existência de organização e procedimentos bem delimitados e estabelecidos. De resto, só nestas condições se pode promover e defender o interesse público. Desta maneira, a existência de instituições políticas maduras e ao serviço do interesse público é um traço que caracteriza as sociedades mais desenvolvidas. Quando numa sociedade não há instituições fortes, a confiança e a cultura política ficam fracas e minadas. Com isso, no tecido social instalam-se aversões de todo tipo contra as instituições. Além do mais, a sociedade poderá ser contaminada pelo “individualismo egocêntrico”, pela “desconfiança política”, pelo “ódio” e pela “política de emboscada”. Estes problemas de lealdade política estão patentes em várias partes do mundo devido à ausência de instituições e comunidades políticas fortes. Outro aspecto que deve ser valorizado neste âmbito é a questão do associativismo, visto que ele contribui para o desenvolvimento democrático e para o aparecimento de comunidades políticas participativas. Nesta base, os problemas ligados à modernização e ao desenvolvimento podem ser resolvidos mediante organizações “mais eficientes, mais adaptáveis, mais complexas e mais racionalizadas”. Já a modernização tem que ser entendida como algo com características multíplas e que exige mudanças nos domínios do pensamento e da actividade humanas. A modernização coloca em destaque aspectos ligados à “urbanização”, à “industralização”, à “secularização”, à “democratização”, à “educação” e à “participação”. Ela é um processo encadeado e com conexões permanentes. No entanto, é preciso considerar também que a componente psicológica da modernização impele-nos a operar mudanças em termos de “valores”, “atitudes” e “expectativas”. Quando isso ocorre, estamos em presença de um homem moderno que corresponde à mudança no seu meio e a favor dos interesses mais gerais. Agora a modernização na óptica intelectual exige o aumento do conhecimento sobre o meio circundante e a difusão desse conhecimento através da “crescente alfabetização, comunicação de massas e educação”. Além disto, a modernização possui implicações de carácter demográfico, social e económico. Além do mais, a modernização abarca do ponto de vista político duas categorias concretas. A primeira é a “mobilização social” e a segunda é o “desenvolvimento económico”. A primeira categoria implica mudanças de “atitudes”, de “valores”, de “expectativas” e adequação das pósturas à modernidade. A segunda categoria está associada ao crescimento económico e à produção económica”. Ainda assim, a modernização política tem a ver com mais três questões, nomeadamente: Racionalização da autoridade (implica o predomínio da “autoridade política, secular e nacional”) Diferenciação de novas funções políticas e o desenvolvimento de estruturas especializadas e participação política dos grupos sociais. A questão central que exigia mais atenção de parte dos países africanos, latino-americanos e asiáticos tinha a ver, em concreto, com o problema da modernização política porquanto esta envolve – “democracia, estabilidade, diferenciação cultural, padrões de desempenho, integração nacional”. Aqui também se impõe a necessidade de diferenciar o Estado moderno do Estado tradicional, na medida em os traços de diferenciação são vários com destaque para o elemento participação política. Este é o dado essencial da modernização política. Ainda assim, a modernização das sociedades é um imperativo, já que ela ajuda a promover a estabilidade em consequência de uma elevada mobilidade social e de um desenvolvimento económico. De forma breve, destacámos as considerações mais importantes expostas por Samuel Huntington sobre sistemas políticos e mudanças. Porém, passemos a analisar as demais matérias. 2. Dinâmicas Políticas e Novas Realidades Para que se compreenda em profundidade as matérias ligadas às dinâmicas políticas e às novas realidades que se esboçam no mundo, é essencial partir do período histórico ligado ao século XIX. Neste século já havia a previsão de que governos democráticos haveriam de se espalhar pelo mundo. Assim, as coisas aconteceram no século XX. No âmbito das lutas internas, em meados dos anos 70 do século XX, assistimos aos derrubes das ditaduras em Portugal (1974), Grécia (1974), Espanha (1975) e Turquia (1980). Desta maneira, as “ovelhas negras” do sul da Europa tinham chegado ao fim. No decurso do tempo, no fim da década de 80, o sistema socialista entrou em colapso. O processo conduziu à desintegração do sistema socialista mundial. E na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, cada república fez a sua opção. Nos demais países socialistas da Europa aconteceram processos similares, bem como noutros pontos de orientação socialista. Mesmo assim ainda há países socialistas. Por sua vez, na Ámerica Latina, na década de 80 do século XX, assistiu-se ao aparacimento de processos de transições políticas de carácter democrático, nomeadamente: Peru (1980), Argentina (1982), Uruguai (1983), Brasil (1984), Paraguai (1988), Chile e Nicarágua (1990). Em paralelo, situações similares tiveram lugar na Ásia, a saber: Filipinas (1986), Coreia do Sul (1987), Formosa (1988) e Birmánia. Relativamente ao continente africano, temos a salientar o caso de Moçambique e outros tantos casos (Angola, Cabo Verde, São Tomé e Princípe, Etiópia, Botswana, Gâmbia, Senegal, Maurícias). A par das mudanças políticas, já eram notórias mudanças económicas. Todos estavam a tomar consciência da “necessidade de competição e de abertura à economia mundial e procuravam pôr em prática vastos programas de liberalização económica.” Diante do quadro político e económico imperantes, Francis Fukuyama, na sua obra O Fim da História e o Último Homem, disse: “Entre os diferentes tipos de regime que surgiram no decurso da história humana, (…) a democracia liberal foi a única forma de governo que sobreviveu, ilesa, no final do século XX”. Estamos de facto em presença de um conjunto de mudanças com vários sentidos e direcções. Mas o eixo dominante é criar sistemas democráticos e económicos credíveis. Como estamos diante de outras crises que englobam os Estados Unidos da América, a União Europeia e outras partes do mundo. Como temos diante de nós avanços económicos na China, na Finlândia, na Irlanda, no Brasil, na Índia e na África do Sul. Estes países são parte integrante das economias emergentes e com muitos bons resultados. Estes frutos atestam que há ordem política e maturidade de parte das instituições. Agora se analisarmos tudo isto, mais o que já descrevemos sobre sistemas políticos e mudanças políticas, podemos produzir vários entendimentos. Conclusões As considerações sobre sistemas políticos mais ou menos eficazes, isto é uma realidade. Mas é preciso considerar o factor tempo em termos de existência das instituições. A maturidade vem com o tempo e com a cultura de Estado. As provas concludentes estão patentes no actual cenário político e económico mundial. Os fracos de ontem hoje são fortes. Outra questão a reter é que as conjunturas são sustentadas pela duração e envolvem acontecimentos de índole diversa e inesperados. Logo, esses aspectos determinam o curso da vida e ditam os ditames políticos, económicos e sociais. Analisámos questões muito importantes do ponto de vista da Ciência e da História Políticas. Elas prendem-se com as considerações que Samuel Huntington produziu no contexto da década de 60 do século XX, bem como com o conjunto de mudanças operadas no fim do século XX e no começo do século XXI. Apesar disto, Samuel Huntington concebeu um paradigma intemporal. BIBLIOGRAFIA Autores: FUKUYAMA, Francis – O Fim da História e o Último Homem, Gradiva Publicações, Lisboa, 1992. FUKUYAMA, Francis – State Building Governance and World Order in the Twenty-First Century, Profile Books, London, 2005. HUNTINGTON, Samuel P. – A Ordem Política nas Sociedades em Mudança, Editora Forense-Universitária Editora da Universidade de São Paulo, Rio de Janeiro, 1975. Revistas: MOIN, Siddiqi – World Growth Now Depends on Africa, pp. 28-33, In AFRICAN BUSINESS nº382, January 2012. NICOLE, Guardiola – Da Primavera Árabe ao Inverno Islamista, pp. 22-26, In ÁFRICA 21 Informação, Economia e Análise Nº59, Dez.2011/Jan. 2012. PAGE \* MERGEFORMAT 9